CAO-Crim · Em resumo: qualquer ação ou ... E a pessoa com deficiência é “aquela que tem...
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Boletim Criminal Comentado–outubro
2018 (semana 1)
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CAO-Crim
Boletim Criminal Comentado - outubro 2018
(semana 1)
Mário Luiz Sarrubbo
Subprocurador-Geral de Justiça de Políticas Criminais e Institucionais
Coordenador do CAO Criminal:
Arthur Pinto de Lemos Júnior
Assessores: Fernanda Narezi Pimentel Rosa
Marcelo Sorrentino Neira Paulo José de Palma
Ricardo José Gasques de Almeida Silvares
Rogério Sanches Cunha
Analista Jurídica
Ana Karenina Saura Rodrigues
Boletim Criminal Comentado–outubro
2018 (semana 1)
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Sumário
ESTUDOS DO CAOCRIM ........................................................................................................................... 3
1 - Lei 13.721/18: Estabelece prioridades para a realização de exame de corpo de delito.................3
2 – Crimes envolvendo o serviço “Yellow” (disponibilização de bicicletas compartilháveis)..............4
STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM ......................................... 8
PROCESSO PENAL
1-Tema: Execução Penal. Progressão de Regime. Inexistência de vaga em estabelecimento
adequado. Impossibilidade de concessão imediata da prisão domiciliar. Necessidade de aplicação
das providências estabelecidas pelo RE 641.320/RS..........................................................................8
2- Tema: Contravenção penal - VIAS DE FATO - praticada no ambiente doméstico e familiar contra a
mulher. Prisão preventiva. Não cabimento.......................................................................................9
DIREITO PENAL
1 -Tema: Tráfico de Drogas e causa de aumento do art. 40, III da Lei n. 11.343/2006........................13
2 - Tema: Corrupção passiva é consumada mesmo que o ato seja estranho às atribuições do
servidor......................................................................................................................................... 14
STF/STJ: Notícias de interesse institucional .......................................................................................... 16
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2018 (semana 1)
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ESTUDOS DO CAOCRIM
1 - Lei 13.721/18: Estabelece prioridades para a realização de exame de corpo de delito
Sabemos que determinados crimes, dada a sua natureza, deixam vestígios materiais, ao passo
que outros, sem resultado naturalístico, não permitem que se constatem vestígios (facta
transeuntes). Em relação aos primeiros, por força de expressa disposição do art. 158 do CPP,
há necessidade da realização do exame de corpo de delito:
“Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito,
direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.”
Há quem enxergue na exigência do exame de corpo de delito um verdadeiro retrocesso,
reminiscência do velho sistema da prova legal (ou tarifado), em contraste com o princípio do
livre convencimento, adotado com todas as letras por nosso Código. Feroz, nesse aspecto, a
crítica de José Frederico Marques, ao salientar que “na verdade, fora do sistema da prova
legal, só um Código como o nosso, em que não há a menor sistematização científica, pode
manter a exigibilidade do auto de corpo de delito sob pena de considerar-se nulo o processo.
Que isso acontecesse ao tempo da legislação do Império, ainda se compreende. Mas que ainda
se consagre tal baboseira num estatuto legal promulgado em 1941, eis o que não se pode
explicar de maneira razoável” (Elementos de direito processual penal, 1997, vol. II, p. 335).
Parece, contudo, que pretendeu o legislador cercar-se de certas garantias contra acusações
injustas e, em virtude disso, preferiu relacionar a prova do fato (e, em última análise, a
condenação do réu), à existência do exame de corpo de delito, vinculando o juiz a tal prova,
como no antigo sistema tarifado. Seria, destarte, justificável tal cautela, pois, conforme indaga
Tourinho Filho, “se, com os exames de corpo de delito, muitos erros judiciários têm sido
cometidos, a que extremos não chagaríamos, se a lei os dispensasse?” (Código de Processo
Penal comentado, São Paulo: Saraiva, 2005, 9ª. ed. 2005, p. 247).
A prioridade para a realização do exame deve se estabelecer de acordo com a natureza do
crime e do natural perecimento dos vestígios. É lógico, portanto, que em crimes contra a
pessoa, por exemplo, exames cadavéricos e para constatar lesões corporais sejam efetuados
o quanto antes, pois a própria natureza do objeto do exame faz com que os vestígios
desapareçam – ou mesmo se alterem – com muita facilidade.
Mas, com a finalidade de conferir maior celeridade à elucidação de determinados crimes, a
Lei 13.721/18 estabelece prioridades em virtude da condição da vítima. De acordo com o novo
parágrafo único do art. 158 do CPP, deve ser realizado com precedência o exame que envolva:
I – violência doméstica e familiar contra a mulher;
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II – violência contra criança, adolescente, idoso ou pessoa com deficiência.
No primeiro caso, a expressão violência não é necessariamente pessoal, mas relacionada ao
conceito de violência doméstica e familiar contra a mulher extraído do art. 5º da Lei
11.340/06. Em resumo: qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte,
lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. Trata-se, portanto,
de um conceito amplo, que pode envolver inclusive crimes contra o patrimônio. Já a violência
mencionada no inciso II, para os efeitos da prioridade para o exame, é a violência pessoal.
Os conceitos de criança, adolescente, idoso e pessoa com deficiência são também extraídos
de leis especiais.
O art. 2º da Lei 8.069/90 dispõe que se considera criança a pessoa com até doze anos de idade
incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. Idoso, segundo o
disposto no art. 1º da Lei 10.741/03, é a pessoa com idade igual ou superior a sessenta anos.
E a pessoa com deficiência é “aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode
obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as
demais pessoas” (art. 2º da Lei 13.146/15).
Dessa forma, a partir de hoje, autoridades policiais que presidem inquéritos policiais em
trâmite para apurar crimes cometidos contra os sujeitos acima mencionados devem
estabelecer prioridade para a realização de exames de corpo de delito.
2 – Crimes envolvendo o serviço “Yellow” (disponibilização de bicicletas compartilháveis)
Há algum tempo entrou em funcionamento na cidade de São Paulo um serviço denominado
Yellow, consistente na disponibilização de bicicletas compartilháveis, cuja utilização é paga de
acordo com o tempo em que o veículo permanece à disposição do usuário. Ao contrário de
outros sistemas em que a bicicleta deve ser retirada e devolvida em local específico, o serviço
permite que o usuário a deixe em qualquer lugar dentro da área de cobertura, onde ficará
estacionada até que outra pessoa naquela mesma área decida utilizá-la.
Para evitar furtos, a bicicleta é equipada com um cadeado, destravado por meio do aplicativo
quando o usuário inicia a utilização e travado manualmente quando o veículo é estacionado.
Além disso, o GPS instalado permite que a empresa acompanhe a localização de cada unidade,
o que também serve para inibir a prática de subtrações e ocultações.
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Têm sido relativamente comuns, no entanto, episódios nos quais indivíduos são
surpreendidos conduzindo pelas vias públicas bicicletas que tiveram o cadeado rompido, isto
é, que, no momento da abordagem, não estavam sendo utilizadas mediante contratação do
serviço, pois haviam sido subtraídas em algum momento anterior. Isso tem levantado certa
controvérsia a respeito da adequada imputação ao indivíduo abordado conduzindo a bicicleta:
furto ou receptação?
Um ou outro, a depender das circunstâncias.
O indivíduo surpreendido conduzindo um veículo – seja qual for – sobre o qual pesam indícios
de se tratar de produto de crime faz surgir a suspeita da prática de receptação. Mas ainda que
sua punição não se vincule à punição do crime antecedente, as circunstâncias do cometimento
deste último devem ser apuradas não só porque a receptação é crime parasitário, isto é, que
depende da ocorrência de um crime anterior, do qual deve haver mínimos elementos, mas
também porque o fato antecedente é invariavelmente de ação penal pública, o que obriga a
autoridade policial a instaurar de ofício o inquérito policial.
A apuração do furto deve se iniciar com diligências como a pesquisa do local em que o último
cliente havia deixado a bicicleta, dado de suma importância que pode, por exemplo, levar a
polícia a obter imagens de câmeras de segurança que tenham captado o momento da
subtração. Caso ali se identifique o indivíduo surpreendido conduzindo a bicicleta, afasta-se o
crime de receptação para a imputação do furto. Caso contrário, outras diligências podem ser
executadas para apurar a identidade do furtador.
É também salutar que a autoridade policial providencie o exame pericial no veículo subtraído,
pois, tratando-se de crime que deixa vestígio em razão do rompimento do cadeado, o exame
cumpre o disposto nos arts. 158 e 171 do CPP:
“Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou
indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.”
“Nos crimes cometidos com destruição ou rompimento de obstáculo a subtração da coisa, ou
por meio de escalada, os peritos, além de descrever os vestígios, indicarão com que
instrumentos, por que meios e em que época presumem ter sido o fato praticado.”
Aliás, surge aqui uma questão interessante: o ato de romper o cadeado qualifica o furto por
rompimento de obstáculo à subtração da coisa?
A resposta passa pela antiga controvérsia a respeito da necessidade de que o obstáculo seja
exterior ao objeto subtraído.
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Com efeito, há quem sustente que o obstáculo deve ser estranho, pois, se integrar o próprio
objeto da subtração, perde a característica de obstáculo. Era o que ensinava Nélson Hungria:
“Não é obstáculo, no sentido legal, a resistência inerente à coisa em si mesma. Assim, não é
furto qualificado a subtração da árvore serrada pelo próprio agente, ou da porção de pano
por ele cortada à respectiva peça, ou do pedaço de chumbo que violentamente destaca de
um encanamento. É indeclinável que haja violência exercida contra um obstáculo exterior à
coisa.” (Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: v. 7, 1958, p. 41)
Guilherme de Souza Nucci, após ponderar que se filiava à mesma corrente de Hungria, explica
por que a orientação adequada não deve se ater apenas à localização do obstáculo:
“No caso do ladrão que destrói o vidro de uma das janelas do carro, estaria ele, em verdade,
estragando a própria coisa que pretende levar. Essa primeira impressão cessa quando
percebemos que há coisas cujo obstáculo à sua subtração é inerente ao próprio objeto
desejado. É o exemplo do veículo. O vidro de um carro não funciona exclusivamente como
protetor do motorista contra chuva ou vento, mas também é um obstáculo natural aos que
pretendem subtraí-lo.” (Código Penal comentado. 13. ed. São Paulo: RT, 2013, p. 797)
No caso das bicicletas disponibilizadas no sistema Yellow, o cadeado eletrônico é fixado no
próprio veículo. Seguida a orientação exposta por Nucci, seu rompimento deve qualificar o
furto, especialmente se considerarmos que sua única função é impedir a subtração. Mas a
orientação geral na jurisprudência é de que o rompimento de obstáculo inerente à coisa não
qualifica o crime.
Superada a questão do furto, resta-nos a receptação.
Caso não se reúnam indícios de que o indivíduo foi o autor da subtração, nele pode recair a
responsabilidade pela receptação.
Isto porque o artigo 180 do Código Penal se compõe de diversas ações típicas por meio das
quais alguém pode praticar a receptação:
“Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que
sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou
oculte.”
Nota-se que um dos núcleos do tipo é o verbo conduzir. Nas situações em que alguém é
surpreendido conduzindo um veículo objeto de furto, roubo, estelionato ou apropriação
indébita cabe ao Ministério Público demonstrar que o crime anterior ocorreu e que, no
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momento em que foi abordado, o agente conduzia o veículo sabendo que se tratava de
produto de crime.
Essa demonstração se faz analisando as circunstâncias. No caso de quem é surpreendido
conduzindo a bicicleta anteriormente subtraída a prova é relativamente simples porque o
próprio veículo traz a evidência do furto: não só o cadeado rompido, mas outras
características que podem identificar que se trata de propriedade da empresa que presta o
serviço. Neste caso, dificilmente convenceria o indivíduo que se justificasse afirmando que
não sabia do que se tratava. Afinal, a não ser que tenha solicitado o serviço, não há explicação
plausível para a posse do veículo.
Note-se ademais que nas situações em que indivíduos são surpreendidos conduzindo
automóveis furtados ou roubados, o STJ firmou a tese de que cabe a eles a comprovação de
licitude da negociação envolvendo tais veículos, o que, aliás, não significa inversão do ônus da
prova:
“1.2. Ademais, ‘a conclusão das instâncias ordinárias está em sintonia com a jurisprudência
consolidada desta Corte, segundo a qual, no crime de receptação, se o bem houver sido
apreendido em poder do [acusado], caberia à defesa apresentar prova da origem lícita do bem
ou de sua conduta culposa, nos termos do disposto no art. 156 do Código de Processo Penal,
sem que se possa falar em inversão do ônus da prova’" (AgRg no REsp 1.529.699/SP, j.
19/06/2018)
Ora, dadas as evidências do crime antecedente no caso do indivíduo que conduz a bicicleta
furtada, não há razão para orientação diversa.
Em suma, não é possível afirmar a priori qual a classificação adequada para a conduta do
indivíduo surpreendido conduzindo a bicicleta subtraída. São as circunstâncias do caso
concreto que devem indicar a direção da imputação.
O presente estudo foi provocado pela colega Adriana Ribeiro Soares de Morais, Secretária da
3ª. Promotoria de Justiça da Barra Funda.
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STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM
DIREITO PROCESSUAL PENAL:
1-Tema: Execução Penal. Progressão de Regime. Inexistência de vaga em estabelecimento
adequado. Impossibilidade de concessão imediata da prisão domiciliar. Necessidade de
aplicação das providências estabelecidas pelo RE 641.320/RS.
INFORMATIVO 632 STJ- RECURSOS REPETITIVOS
A inexistência de estabelecimento penal adequado ao regime prisional determinado para o
cumprimento da pena não autoriza a concessão imediata do benefício da prisão domiciliar,
porquanto, nos termos da Súmula Vinculante n. 56, é imprescindível que a adoção de tal
medida seja precedida das providências estabelecidas no julgamento do RE 641.320/RS, quais
sejam: (i) saída antecipada de outro sentenciado no regime com falta de vagas, abrindo-se,
assim, vagas para os reeducandos que acabaram de progredir; (ii) a liberdade eletronicamente
monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta
de vagas; e (iii) cumprimento de penas restritivas de direitos e/ou estudo aos sentenciados
em regime aberto.
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
Levando em conta a finalidade reeducativa (ressocializadora) da pena, a progressão de regime
consiste na execução da reprimenda privativa de liberdade de forma a permitir a transferência
do reeducando para regime menos rigoroso (mutação de regime), desde que cumpridos
determinados requisitos.
Prevalece o entendimento de que não existe progressão em saltos (regime fechado para o
aberto). A Exposição de Motivos da LEP, no item 120, afirma que se o condenado estiver no
regime fechado não poderá ser transferido diretamente para o regime aberto. Nesse mesmo
sentido temos a súmula 491 do STJ. Em agosto de 2016, entretanto, o STF editou a súmula
vinculante 56, que anuncia que “a falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a
manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar,
nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS”. Quais seriam esses parâmetros?
Vejamos:
I) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas: os ministros lembraram
que as vagas no regime semiaberto e aberto não são inexistentes, mas sim insuficientes.
Diante disso, surge como alternativa antecipar a saída de sentenciados que já estejam no
regime de destino, abrindo vaga para aquele que acaba de progredir. Exemplo: “A” progrediu
para o semiaberto e não existem vagas em estabelecimento apropriado. Em vez de “A” ir
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direto ao aberto, ele passa para o semiaberto e outro preso que já estava no semiaberto vai
para o aberto, já que este último estava mais próximo da progressão para o aberto. Evita-se,
com isso, a progressão por salto;
II) a liberdade eletronicamente monitorada: utilização de tornozeleiras eletrônicas para
permitir a fiscalização do cumprimento da pena;
III) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progride ao
regime aberto: para os ministros, “se não há estabelecimentos adequados ao regime aberto,
a melhor alternativa não é a prisão domiciliar, mas a substituição da pena privativa de
liberdade por penas restritivas de direitos”. Tendo em vista que as penas restritivas de direito
são menos gravosas do que a pena privativa de liberdade (mesmo em regime aberto), os
ministros entenderam que “ao condenado que progride ao regime aberto, seria muito mais
proveitoso aplicar penas restritivas de direito, observando-se as condições dos parágrafos do
art. 44 do CP, do que aplicar a prisão domiciliar”. Aqui, vale observar, o STF contrariou a
súmula 493 do STJ, segundo a qual “é inadmissível a fixação de pena substitutiva (art. 44 do
CP) como condição especial ao regime aberto.
2- Tema: Contravenção penal - VIAS DE FATO - praticada no ambiente doméstico e familiar
contra a mulher. Prisão preventiva. Não cabimento.
INFORMATIVO 632 STJ- SEXTA TURMA
A prática de contravenção penal, no âmbito de violência doméstica, não é motivo idôneo para
justificar a prisão preventiva do réu.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR:
Inicialmente cumpre destacar que a prática de vias de fato é hipótese de contravenção penal
(art. 21 do Decreto-Lei n. 3.688/1941), e não crime, o que contraria o disposto no art. 313, II,
do Código de Processo Penal. Deste modo, em se tratando de aplicação da cautela extrema,
não há campo para interpretação diversa da literal, uma vez que não há previsão legal que
autorize a prisão preventiva contra autor de uma contravenção, mesmo na hipótese específica
de transgressão das cautelas de urgência já aplicadas.
PROCESSO: HC 437.535-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Rel. Acd. Min. Rogerio
Schietti Cruz, por maioria, julgado em 26/06/2018, DJe 02/08/2018.
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COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
A prisão preventiva se justifica, nos termos do art. 312 do CPP, como forma de preservação
da ordem pública e econômica, por conveniência da instrução criminal e como garantia da
futura aplicação da lei penal. Como aponta Antônio Magalhães Gomes Filho, “na técnica
processual, as providências cautelares constituem os instrumentos através dos quais se obtém
a antecipação dos efeitos de um futuro provimento definitivo, exatamente com o objetivo de
assegurar os meios para que esse mesmo provimento definitivo possa ser conseguido e,
principalmente, possa ser eficaz” (Presunção de Inocência e prisão cautelar. São Paulo,
Saraiva, 1991, p. 53). Tem, portanto, inegável caráter de uma prisão cautelar de natureza
processual e, por conta disso, deve preencher os requisitos típicos de toda e qualquer medida
cautelar.
Aliadas a essas características temos as condições do art. 313 do CPP, segundo as quais se
admite a prisão preventiva:
I – nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro)
anos;
II – se o agente tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em
julgado, desde que não decorrido o quinquênio depurador;
III – se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente,
idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas
de urgência.
O inciso III – que nos interessa neste momento – alargou as hipóteses de cabimento da prisão
preventiva, possibilitando ao juiz decretar a prisão provisória em face do agressor, “para
garantir a execução das medidas protetivas de urgência”. O texto do dispositivo faz expressa
menção a crime, mas não a contravenção. Diante disso, indaga-se: a prisão preventiva que
visa a garantir o cumprimento de medidas protetivas pode decorrer da prática de
contravenção penal?
Segundo decidiu o STJ no HC 437.535/SP, não é possível estender a incidência do dispositivo
às contravenções penais.
A decisão foi proferida por maioria.
A ministra Maria Thereza de Assis Moura – relatora – justificou a manutenção da prisão no
fato de que o paciente infringiu por duas vezes as medidas protetivas que lhe haviam sido
impostas, o que, considerando os elementos do caso concreto, caracterizava risco à
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manutenção da ordem pública. Ainda segundo a ministra, interpretação sistemática das
regras relativas à segregação cautelar e à garantia de cumprimento das medidas protetivas
autorizam a preventiva inclusive no caso de contravenção:
“De tudo o quanto visto, creio que não há falar em desatenção ao disposto no artigo 313 do
Código de Processo Penal – acaso se proponha uma interpretação literal do dispositivo. Em
uma abordagem sistêmica do ordenamento jurídico, considerando especialmente a mens
legis da norma especial denominada Maria da Penha – artigo 20 – e o disposto no artigo 282,
§ 4.º, do citado Estatuto Processual Repressivo, entende-se pela abrangência também das
contravenções penais praticadas com violência doméstica e familiar contra a mulher nas
hipóteses de prisão – ressalte-se que no caso em apreço ainda não fora ofertada denúncia
quanto ao fato de 2017, que pode ser ou não tipificado como crime.”
E, para reforçar seu argumento, a ministra citou diversos julgados em que o STJ ampliou a
incidência do art. 41 da Lei 11.340/06 às contravenções penais. Este dispositivo, com efeito,
proíbe a aplicação das disposições da Lei 9.099/95 aos crimes praticados com violência
doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista. A orientação a
que se chegou no tribunal impede a transação penal e a suspensão condicional do processo
inclusive nas contravenções, que não estão expressas na lei.
Mas prevaleceu o voto do ministro Rogério Schietti Cruz, que, atendo-se ao texto expresso do
art. 313, inciso III, concluiu ser impossível estender a prisão preventiva às contravenções
penais:
“Em se tratando de aplicação da cautela extrema, entendo não haver campo para
interpretação diversa da literal.
Assim, sem olvidar o caráter reprovável dos atos praticados pelo ora paciente contra a ex-
companheira, nem da sua recalcitrância no descumprimento de medidas protetivas
anteriormente aplicadas, não há previsão legal que autorize a prisão preventiva contra autor
de uma contravenção, mesmo na hipótese específica de transgressão das cautelas de urgência
diversas já aplicadas
No caso dos autos, nenhum dos fatos praticados pelo agente – puxões de cabelo e torção de
braço, os quais, a propósito, não geraram lesão corporal, e discussão no interior de veículo,
onde tentou arrancar à força dos braços da ex-companheira o filho que têm em comum –,
configura crime propriamente dito.
Logo, a meu ver, vedada está a incidência do aludido dispositivo, tendo em vista a notória
ofensa ao princípio da legalidade estrita da decisão que decretou a constrição cautelar do
acusado.”
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Em voto-vista, o ministro Sebastião Reis Júnior acompanhou a divergência argumentando que
as possibilidades de decretação da prisão preventiva devem ser interpretadas à luz das regras
gerais para a medida excepcional, regras estas que se referem a crimes, como o caput do art.
312. Para o ministro, não sendo o caso de crime, afasta-se a possiblidade de prisão:
“Parece-me claro, que nos casos em que estamos diante de violência doméstica contra
mulher, não existindo “crime”, nem em resposta ao descumprimento de medidas cautelares
diversas pode ser decretada a prisão. Não há autorização legal para tanto.
No caso, como dito mais acima, estamos diante de contravenção penal, regulada em lei
própria e específica, o que por si só já a diferencia de crime.
Além do mais, não posso deixar de perceber que, no caso, a denúncia cuidou de vias de fato,
que permite, no máximo, prisão simples de 3 meses ou multa. Há, portanto, risco concreto de
que, preso, o paciente não só permanecerá em regime mais gravoso que aquele possível em
caso de condenação, como também, considerando que a denúncia foi recebida em abril de
2017, tendo o feito não se encerrado até o momento, o prazo dessa, se efetivada,
ultrapassará, certamente, o total da pena imposta.”
Embora o posicionamento da Ministra Maria Thereza quanto à possibilidade de decretação da prisão preventiva nos casos de contravenções penais praticadas no âmbito da violência doméstica ou familiar tenha restado vencido, cremos que razão assiste à eminente relatora, que, no caso concreto, fundamentou de forma escorreita a necessidade da custódia cautelar do paciente. Este, para além de praticar vias de fato, descumpriu medidas cautelares de urgência anteriormente impostas pelo magistrado de origem. Negar a possibilidade de prisão preventiva nestes casos, redundaria em completa ineficiência das normas que compõem um regramento jurídico inovador em nosso sistema e focado na proteção integral e efetiva das mulheres vítimas de violência no ambiente doméstico-familiar.
Importante destacar, também, que, no caso em comento, julgado pelo Colendo STJ, o agente praticou as contravenções penais em meados de junho de 2017. Atualmente, o posicionamento da Ministra ganharia um reforço, eis que, a recente Lei n. 13.641, de 03 de abril de 2018, acrescentou um delito à Seção IV da Lei Maria da Penha, com o título “ Do crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência, descumprimento de medidas protetivas de urgência”, com a seguinte redação:
Art. 24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos
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§ 1o A configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz que deferiu as medidas.
§ 2o Na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial poderá conceder fiança.
§ 3o O disposto neste artigo não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis.
Evidencia-se, assim, que o legislador adotou, uma vez mais, clara opção de continuar editando normas visando garantir a efetividade da proteção integral das mulheres vítimas de violência doméstica, na medida em que, além de criminalizar a conduta do agressor que descumpre medidas protetivas, também proibiu à autoridade policial a concessão de fiança, reservando tal análise para a autoridade judiciária.
Portanto, compartilhamos e recomendamos o posicionamento da eminente Ministra Maria Theresa de Assis Moura no sentido de que, para as contravenções penais praticadas no âmbito da violência doméstica antes da entrada em vigor da Lei 13.641/18, é cabível a decretação da prisão preventiva do agente se, no mesmo contexto, ele estiver violando medidas protetivas anteriormente impostas.
DIREITO PENAL:
1 -Tema: Tráfico de Drogas e causa de aumento do art. 40, III da Lei n. 11.343/2006
STJ- PROCESSO: HC 450.926/RJ, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em
07/08/2018, DJe 15/08/2018
Ementa:
PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. TRÁFICO DE
DROGAS. CAUSA DE AUMENTO DO ART. 40, III DA LEI N. 11.343/2006. EFETIVO COMÉRCIO
AOS FREQUENTADORES DAS LOCALIDADES ESPECIALMENTE PROTEGIDAS. DESNECESSIDADE.
AFASTAMENTO DA MAJORANTE. IMPOSSIBILIDADE. EXAME DO CONJUNTO FÁTICO-
PROBATÓRIO. AUSÊNCIA DE MANIFESTA ILEGALIDADE. ORDEM NÃO CONHECIDA.
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
O tráfico de drogas terá sua pena majorada quando cometido nas dependências (interior,
compartimentos, cômodos) ou imediações (redondeza) de estabelecimentos prisionais
(cadeias, penitenciárias e Fundação CASA), de ensino (escolas, faculdades, universidades,
cursos técnicos) ou hospitalares (postos de saúde, hospitais, manicômios), de sedes de
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entidades estudantis (agremiações de estudantes, como sede da UNE), sociais, culturais
(museus, exposições), recreativas (clubes, parques), esportivas (hipódromo, estádios,
ginásios), ou beneficentes (orfanatos, asilos, casas de caridade), de locais de trabalho coletivo
(empresas em geral, fazendas), de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de
qualquer natureza (cinema, teatro, shows, mesmo que ao ar livre), de serviços de tratamento
de dependentes de drogas ou de reinserção social (ambulatórios ou casas de recuperação),
de unidades militares (batalhão) ou policiais (delegacias) ou em transportes públicos (ônibus,
rodoviárias, pontos de táxi).
O Superior Tribunal de Justiça, discordando do STF, tem posicionamento consolidado no
sentido de que, para a incidência da majorante prevista no artigo 40, III, da Lei n. 11.343/2006,
é suficiente que o crime tenha ocorrido nas imediações dos locais especialmente protegidos,
sendo, pois, desnecessária comprovação da efetiva mercancia aos frequentadores dessas
localidades.
Esta jurisprudência foi incluída a pedido do Setor de Recursos Criminais Extraordinários e
Especiais.
2- Tema: Corrupção passiva é consumada mesmo que o ato seja estranho às atribuições do
servidor
DECISÃO DO STJ- Publicado em notícias do STJ no dia 04/10/2018
“O crime de corrupção passiva não exige nexo causal entre a oferta ou promessa de vantagem
indevida e eventual ato de ofício praticável pelo funcionário público. O nexo causal a ser
reconhecido é entre a mencionada oferta ou promessa e eventual facilidade ou
suscetibilidade usufruível em razão da função pública exercida pelo agente.”
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
A corrupção passiva é tipificada no art. 317 do Código Penal nos seguintes termos:
“Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da
função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de
tal vantagem”
De acordo com a maioria da doutrina, a corrupção passiva só existe se houver um nexo entre
a vantagem solicitada ou aceita e a atividade exercida pelo funcionário corrupto. Logo, se, não
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obstante funcionário público, o agente exerce função completamente estranha ao ato em
razão do qual recebeu a vantagem ou aceitou a promessa, ou seja, se não é competente para
a realização do ato comercializado, não há sentido em falar em crime de corrupção, pois lhe
falta um dos extremos legais constitutivos do tipo, podendo, nessa hipótese, ocorrer
exploração de prestígio, estelionato, etc. É neste sentido também a lição de Cleber Masson:
“O art. 317, caput, do Código Penal é taxativo ao determinar que na corrupção passiva a
conduta de solicitar ou receber vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem,
deve necessariamente ocorrer ‘em razão da função pública’, ou seja, opera-se uma
negociação entre a vantagem indevida solicitada, recebida ou prometida e a prática ou a
omissão de algum ato de ofício inserido no rol de atribuições do funcionário público. Este
raciocínio nos leva às seguintes conclusões:
a) não há corrupção passiva se o ato não é da atribuição do funcionário público que solicitou,
recebeu ou aceitou a promessa de vantagem indevida, embora tenha ele assim agido a
pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício da função. Nesse
caso, estará caracterizado o crime de tráfico de influência (CP, art. 332). Exemplo: o professor
de uma escola estadual recebe dinheiro do pai de um aluno envolvido em diversas confusões
para influir na decisão do diretor do estabelecimento de ensino, sendo este último o
responsável pela condução de procedimento instaurado para apurar as faltas do discente, o
qual pode acarretar sua expulsão; (...)” (Direito Penal (Esquematizado) – Parte Especial. São
Paulo: Grupo Editorial Nacional, 2014. v. 3 -4 ed.-, p. 662)
Em recente decisão, no entanto, o STJ afastou o requisito do nexo entre a comercialização do
ato e a atribuição do funcionário público para praticá-lo.
No caso julgado (REsp 1.745.410/SP), dois funcionários públicos que trabalhavam em um
aeroporto aceitaram vantagem indevida para facilitar o ingresso irregular de estrangeiro em
território nacional, embora não exercessem função de controle imigratório. Para o STJ, tais
indivíduos cometeram o crime de corrupção passiva, ainda que sua função não pudesse ser
diretamente utilizada para que fosse atingido o propósito do corruptor.
Argumentou-se na decisão que se faz necessária uma mudança de perspectiva para conferir
maior possibilidade de punição adequada a atos relativos ao comércio da função pública, o
que se faz tanto para prestigiar a probidade administrativa quanto para potencializar os
princípios da proporcionalidade e da isonomia. Segundo a ministra Laurita Vaz, a expressão
“em razão dela” (ou seja, da função), contida no tipo do art. 317, permite que sejam
abrangidos atos indiretamente ligados à função exercida pelo agente:
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“Trata-se, a meu ver, de nítida opção legislativa direcionada a ampliar a abrangência da
incriminação por corrupção passiva, quando comparada ao tipo de corrupção ativa, a fim de
potencializar a proteção ao aspecto moral do bem jurídico protegido, é dizer, a probidade da
administração pública.”
Cuida-se, portanto, de uma mudança de perspectiva, pois a orientação a respeito desta
matéria sempre seguiu no sentido de que era imprescindível o nexo entre a conduta do agente
público e a realização do ato comercializado.
Inteiro teor da decisão
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