Campus nº 355

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ANO 41 - Edição 355 Brasília, 25 de janeiro a 08 de fevereiro de 2011 Jornal-laboratório da Universidade de Brasília Faculdade de Comunicação INCLUSÃO MOTÉIS NO DF NÃO RESPEITAM LEI DE ACESSIBILIDADE indígenas Medicina pode sair do convênio entre Funai e UnB literatura deficientes visuais criam obra coletiva em braille MARIANA COSTA RAPHAELLA BERNARDES BRAITNER MOREIRA LAÍS ALEGRETTI Veto a vacinas ignora milhares de vítimas Em seu último mês na presidência, lula impediu que nova lei incluísse varicela e hepatite a no calendário de imunização, como recomenda a oms. nos últimos dez anos, as doenças mataram 2 mil pessoas e deixaram várias outras com sequelas, como paulo henrique (foto), que perdeu parte dos movimentos

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Jornal-laboratório da Faculdade de Ilustração, opinião e projeto gráfico - Jornal-Laboratório da Faculdade deComunicação da Universidade de Brasília. Edição nº 355. 25 de janeiro a 8 de fevereiro de 2011.

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1Brasília, 25 de janeiro a 08 de fevereiro de 2011ANO 41 - Edição 355 Brasília, 25 de janeiro a 08 de fevereiro de 2011

Jornal-laboratório da Universidade de Brasília Faculdade de Comunicação

INCLUSÃOMOTÉIS NO DF NÃO RESPEITAM LEI DE ACESSIBILIDADE

indígenasMedicina pode sair do convênio entre Funai e UnB

literaturadeficientes visuais criamobra coletiva em braille

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Veto a vacinas ignora milhares de vítimas

Em seu último mês na presidência, lula impediu que nova lei incluísse varicela e hepatite a no calendário de imunização, como recomenda a oms. nos últimos dez anos, as doenças mataram 2 mil pessoas e deixaram várias outras com sequelas, como paulo henrique (foto), que perdeu parte dos movimentos

2 Brasília, 25 de janeiro a 08 de fevereiro de 2011

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REsgate

Carta do editor

EXPEDIENTE

Ombudskvinna

Campus – Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da Universidade de BrasíliaEditor-chefe: Miguel ReisSecretária de Redação: Renata RuskyDiretora de Arte: Ana Elisa NunesEditores: Edemilson Paraná (fotografia), Camila Maia (página 3), Juliana Contaifer (páginas 4 e 5), Davi de Castro (página 6), Camila Vellasco (página 7), Daniela Gonçalves (Campim) Diagramação: Bárbara Vasconcelos, Carícia Temporal, Lorena Bicalho, Roberta Diniz, Tatiana Tenuto, Tajla MedeirosFotografia: Clara Campoli, Braitner Moreira, Laís Alegretti, Mariana Costa, Raphaella BernardesRepórteres: Emanuella Camargo,Gabriella Furquim, Guilher-me Pera, João Thiago Stilben, Larissa Leite, Letícia Correia, Luiza Machado, Nathália Koslyk, Paulliny Gualberto, Rodrigo Antonelli, Thiago Vilela, Vanessa RöpkeColuna de Opinião: Thaís CunhaIlustração: Iúri Lopes, Thaís Cunha, Thiago Vilela e Vitor Fubu Projeto Gráfico: Ana Elisa Nunes, Clara Campoli, Letícia Cor-reia, Lorena Bicalho, Miguel Reis, Tatiana Tenuto, Thaís Cunha e Thiago VilelaProfessores Responsáveis: Sérgio de Sá e Solano NascimentoJornalista: José Luiz SilvaCampus Darcy Ribeiro, Faculdade de Comunicação, ICC Ala Norte.Contato: (61) 3107-6498/6501 CEP: 70.910-900 E-mail: [email protected]áfica Palavra Comunicação - 4.000 exemplares

Miguel Reis, editoR-chefe

MaRcela Mattos estudante do sétiMo seMestRe de JoRnalisMo

Leia o

fac.unb.br/campusonline

@campus_online

making of

ERRAMOS

Na reportagem Inacessível motel, outro grupo lembrado é o das pessoas com dificuldade de locomoção, deixadas de lado por empresários que preferem perder alguns clientes a investir em acessibilidade. Aproximando-se das questões de gênero, a matéria Blitz na paquera apurou que, apesar de ser comum mulheres serem paradas por policiais para constran-gedoras cantadas, ninguém é punido ou investigado.

Na matéria mais polêmica da edição, também há preocu-pação com o preconceito. Em Elas decidem, histórias dife-rentes e finais que acontecem enquanto se discute ciência x religião, liberdade de escolha x direito à vida, certo x errado. Para terminar a lista, outra reportagem que passa pelo tema inclusão é Medicina fora da aldeia, que traz para o debate o convênio entre UnB e Funai que instituiu um vestibular indí-gena, e que tem sido alvo de críticas e denúncias graves.

A matéria Mais internautas, menos denúncias não deixa de lembrar da inclusão digital, mas tem foco na queda do número de delitos virtuais registrados, apesar do aumento do número de usuários e de transações financeiras. A matéria de capa da edição, Imunização restrita, encarna o jornalismo que investiga e denuncia com seriedade e mostra como, ao abrir mão de investir em vacinas recomendadas pela Orga-nização Mundial da Saúde, o Brasil expõe sua população a graves doenças e a risco de morte.

Felizes ao final de um semestre de dedicação, concluímos nossa participação no jornal-laboratório mais antigo em circulação no Brasil. São 40 anos de história, da qual agora fazemos parte.

Chegamos à última edição de Campus deste semestre. Se por um lado há uma sensação de alívio diante da conclu-são de uma disciplina tão exigente, por outro, surge forte a saudade antecipada de um dos momentos mais marcantes do curso. O jornalismo impresso ainda tem aquela aura, algo que faz brilhar os olhos de quem sonhou desde cedo com essa profissão sem hora e sem lugar.

Mais que aprender a escrever melhor, saímos satisfeitos por perceber que dá para transformar longas horas à espera de uma foto em boas lembranças. E como é bom comemorar com uma parceira de apuração a chegada dos aguardados números, inéditos, conquistados horas antes do fechamento da edição. Ouvir críticas maduras e construtivas, mas tam-bém entender que outras não merecem o mérito de queimar nossas pestanas. E, finalmente, ao encarar uma função de responsabilidade (mesmo achando que alguns colegas o fariam melhor e mais facilmente), ver que é a sintonia e o desejo coletivo de fazer um bom jornal, melhor a cada quin-zena, que dá forma ao produto final.

Deixando o sentimentalismo de lado e retornando ao pa-pel de apresentar este 355º Campus, temos uma edição que se voltou para a preocupação com a inclusão e a quebra de preconceitos. Na matéria Pontos para a inclusão, as repórte-res descrevem o quanto é importante para pessoas cegas ter acesso a literatura, inclusive como autoras. Em Curta-remé-dio poderemos acompanhar como um grupo de pacientes psiquiátricos faz para escrever, dirigir e estrelar um filme, e o que isso faz com eles.

Sobre um olhar viciado que a profissão pode desenvolver, Sylvia Moretzsohn é enfática: “O jorna-lismo existe para realizar esse difícil trabalho de demonstrar, no cotidiano tão acostumado à percepção do imedia-tamente visível, que os fatos não são o que parecem”. Seguindo essa regra, a reportagem Minha Casa Minha Vida não existe para os mais pobres no DF trouxe à tona, com dados alarmantes, um problema do programa tão pouco comentado pela mídia.

No calor da esperança por melhorias com um novo gover-no, problemas antigos não podem ser esquecidos. Da mesma forma, regras básicas do jornalismo também não. Ainda que o lado questionador seja papel do jornalismo, a função deve ser realizada de forma isenta – o que não aconteceu na matéria já citada. O que nos faz crer que o problema de habitação será solucionado? A afirmação do governador Agnelo Queiroz? O que mais ele poderia dizer a não ser que agora as coisas vão ser diferentes? Nos estados nos quais houve a dupla governo- pre-sidência PT, o programa funcionou perfeitamente? Se sim, o exemplo deveria ser citado, a fim de amenizar a questão.

Por outro lado, a matéria do Campim Sete dias de oração conseguiu tratar um tema delicado de forma aberta. O repór-ter quebrou paradigmas ao caminhar por diversas igrejas e conseguir retratá-las com tons de humor e até de revelações pessoais. Na mente do leitor, a peregrinação foi muito diverti-

da. A vontade é de saber mais detalhes – conquista difícil quando se trata de

religião.Outra tarefa difícil é fugir do

senso-comum – principalmente quando envolve pessoas com de-

ficiências. A reportagem Tríade paraolímpica mostrou a superação desses atletas, mas não conseguiu superar a mesmice. Um desafio, nesses casos. O texto caiu na fórmula batida

de mostrar que, apesar das dificuldades, os atletas chegaram lá – tendo que abrir mão de muita coisa. Novidade? Nem um pouco. Inclusive o próprio Campus já publicou uma matéria de fórmula similar, sobre lutadores de Kung Fu de bai-xa renda. É claro que é sempre bom ler sobre essas histórias, mas a criatividade deve ser muito trabalhada para não virar textos já batidos.

Foi o que conseguiu evitar a matéria Carinho, paciência e instrução. Partindo de ótimos personagens, as repórteres abriram espaço para um problema que tende ser ainda maior, já que a população está envelhecendo e faltam profissionais e cursos de capacitação. Um alerta aos governantes, trabalha-dores e familiares.

Feminino de Ombudsman, termo sueco que significa repre-sentante, a Ombudskvinna observa e discute o comportamento dos jornalistas e o resultado final de seu trabalho. É a defensora do leitor junto ao jornal.

Na edição número 313, de dezembro de 2006, o Campus publicou reportagem sobre a fronteira sutil que di-ferencia uma cantada de uma agressão. Os nomes são vários: atentado ao pudor, assédio sexual; os conceitos são complexos. No caso, o foco foi a ocorrência de constrangimentos como esse na Universidade de Brasília. Estudantes beijadas a força por colegas de turma e por funcionários da Universidade foram entrevistadas sem terem os nomes revelados. A situação é, muitas vezes, motivo de vergonha para as mulheres.

Nessa edição, quatro anos depois, o jornal volta ao assunto. Desta vez, no entanto, ele coloca a questão no con-texto das blitzes de trânsito. Pessoas teoricamente em função de proteger os cidadãos aproveitam-se do papel que exercem para se aproveitar das mulheres de alguma forma. Pouquíssimas denunciam o acontecimento.

Veja a reportagem na página 3. Nela, você encontrará histórias de pessoas que passaram pela experiência de ser cantada em blitz e descobrirá o que fazer caso se encontre na mesma situação.

A fotografia abaixo foi vista na capa da última edição do Cam-pus. A foto acompanhava uma chamada para a matéria sobre os paraatletas participantes do Mundial. No entanto, diferente do que constava no crédito da foto, ela foi tirada pela fotógrafa Camila Vellasco.

Nathália Koslyk em entrevista para a matéria Pontos para inclusão

3Brasília, 25 de janeiro a 08 de fevereiro de 2011

Cadeirantes enfrentam problemas em estabelecimentos que não cumprem lei de acessibilidade

Em um motel no Núcleo Bandeirante, um casal se dirige ao quarto. Ele é cadeirante. A porta é estreita demais. Sem

rampas ou portas mais largas, não conseguem passar. Depois de alguns minutos e várias tentativas, chamam os funcionários do local. Eles colocam outra cadeira de rodas dentro do cômo-do e, em seguida, carregam nos braços o cadeirante. O casal, enfim, entra na acomodação.

O episódio aconteceu com Raphael Lucena, de 27 anos. “Eu gosto de ser independente, de fazer as coisas sozinho. Por isso, fica chato pedir ajuda dos outros”, diz. Ele está numa cadeira de rodas desde agosto de 2004 devido a um malsucedido mergulho de cachoeira. O rapaz de sorriso largo e olhos miúdos é opera-

dor de telemarketing e gostaria de ter mais autonomia na sua rotina.

Mas nem sempre tem opção.No Distrito Federal, dos

18 motéis pesquisados pelo Campus, dez não atendem às normas de

inclusão. De acordo com a lei 10.098/2000, além de outras

exigências, hotéis, motéis e estabe-lecimentos para hospedagem de-vem possibilitar o acesso de pessoas com deficiên-cia. O ingresso

deverá ser por meio de rampas ou

elevadores, além da utilização de portas mais lar-gas, puxadores em banheiros e mobília com al-tura e distâncias adequadas para o deslocamento,

segundo deter-mina a Associa-ção Brasileira de Normas e Técni-cas (ABNT).

O percen-tual de pessoas

com deficiência

poR eManuella caMaRgo

COTIDIANOBlitz na PaquerapoR guilheRMe peRa e João thiago stilben

A analista de políticas e indústria Thaís Marçal ainda se lembra de quando dirigia em direção ao Gate’s Pub, na 403 Sul, e

parou em uma blitz de trânsito organizada pela Polícia Militar. O policial pediu os documentos e solicitou a Thaís que saísse do carro. “Achei estranho, mas obedeci. Ele pediu para que eu fosse para a parte de trás do veículo, dizendo que a placa estava com o lacre rompido. Estava escuro e tive que abaixar para ver se ele estava certo”, recorda.

Thaís estava de vestido curto e afirma ter ficado constrangida com o ocorrido: “Eu não vi nada de errado com a placa. Percebi que ele estava brincando comigo, porque ria e logo disse que eu podia voltar para o carro e ir embora”.

A jornalista Alane Moraes aproximava-se de uma barreira eletrônica, em baixa velocidade, quando um policial, que olha-va para seu veículo, pediu para ela parar. Depois de checar os documentos de Alane, solicitou que ela descesse do carro e o acompanhasse até o posto policial, logo ao lado. “Foi só para eu descer do carro. Chegando lá, ele me ofereceu uma fruta que esta-va comendo com os colegas e ouvi todos comentarem algo. Notei que falavam de mim”, lembra.

Assediadas em barreiras de trânsito, mulheres se sentem constrangidas, mas não denunciam

Aproveitando-se da situação, o policial fez perguntas íntimas: “Ele perguntou sobre a minha vida, onde eu morava, se tinha namorado. Eu fiquei muito brava. Perguntei se estava tudo certo e ele disse que sim. Na saída, ele reparou que eu estava muito nervosa e disse que assim ficava mais bonita. Ódio daquele dia”.

Nenhuma das duas prestou queixa contra os guardas. Thaís disse que não o fez, pois, de certa forma, achou aquilo comum. “Além do mais, acho que não daria em nada”, ressalta.

Reclamar AdiantaA procuradora de justiça Danielle Martins, coordenadora do

Núcleo de Gênero do Ministério Público do Distrito Federal e Ter-ritórios (MPDFT), afirma que muitas mulheres acham que apenas sua palavra, sem provas concretas, não serve como argumento para denunciar abusos como esses. Danielle acredita que “a pa-lavra da mulher vale muito. É improvável que se acuse um agente sem motivo”. Para ela, “é cultural o fato de que a queixa feminina, nesses casos, seja permeada por descrédito. Elas acham que o policial pode alegar que a vítima entendeu a abordagem de forma errada e por isso não procuram as entidades competentes”.

Um policial militar, que prefere manter a identidade em sigilo, relata que já presenciou casos como os citados acima. Ele reprova o comportamento dos colegas de profissão e diz que o trabalho do policial é “averiguar irregularidades e liberar a pessoa”. Para ele, esse tipo de comportamento “destrói a imagem da corporação” e “os guardas repetem o abuso porque ninguém denuncia”.

Danielle adverte que o policial denunciado pode valer-se da fé pública em sua defesa, mas, ao contrário do senso comum, o relato da vítima é motivo suficiente para a abertura de um inqué-rito criminal. Ela afirma que “a primeira porta é a corregedoria” e recomenda que “a mulher que se sentir lesada nesse sentido sempre encaminhe a queixa ao Ministério Público, para que seja

DireitosInacessível motel

no DF não é dos menores se comparado ao total do país. Até o último Censo do IBGE em 2000, o Brasil tinha 24,5 mi-lhões de pessoas com deficiência, o que corresponde a 14,5% dos brasileiros. Aqui, a quantidade equivale a 13,4% da população. O número de cadeirantes não é especificado nos dados do Censo.

O assistente social e pesquisador do Instituto de Bioé-tica, Direitos Humanos e Gênero (Anis) Wederson Santos comenta que a barreira existente na discussão da deficiên-cia silencia o processo de elaboração de políticas públicas. “Precisamos ouvir o outro lado para saber que não é suficien-te a construção de rampas ou as mudanças na arquitetura. Quando você não muda as práticas, as ações de acessibilida-de ficam restritas”, esclarece.

Barreira nada invisívelO assistente técnico e prestador de serviços no Instituto

Cultural, Educacional e Profissionalizante de Pessoas com Deficiência do Brasil (Icep) Mario Balthar enfrentou dificul-dades para ir a motéis não adaptados. Em um deles, precisou entrar pela ala de serviço. “Dentro do quarto ainda tinham alguns degraus para ir até a banheira de hidromassagem e à cama”, descreve.

A rouquidão e os gestos contidos se equilibram à maneira franca de falar das coisas. “Como é um momento único, a gente supera essas coisas. Ainda tem algumas pessoas que acham que deficiente não faz sexo”, ressalta. Balthar tem 48 anos e aos 28, enquanto dirigia, sofreu uma fechada brusca de outro carro. Na tentativa de desviar, caiu em um barranco. Instantes depois, estava paraplégico. Atualmente, detém o tí-tulo de bicampeão no basquete em cadeira de rodas, esporte descoberto após o acidente.

Wederson Santos explica que ainda existem obstáculos quando se discute sexualidade e deficiência, o que implica em uma percepção turva do assunto: “O fato de a pessoa ter algum tipo de deficiência não significa automaticamente que ela não vai experimentar e que não tenha desejos sexuais”. Para ele, a construção da sexualidade não se restringe ao ato sexual em si. Ela depende de fatores particulares e culturais.

Como Lucena e Balthar, a servidora pública da Secretaria de Educação do DF (SEDF) Karina Ramos enfrentou empe-cilhos no motel. Com bom humor, Karina relembra que pas-sou por problemas com elevadores quebrados, embora esse não tenha sido obstáculo para sua estadia. “Sempre que isso acontece, deixo registrada uma reclamação para o responsá-vel do estabelecimento. O importante mesmo é nunca deixar que isso atrapalhe o nosso momento de curtição”, destaca.

Karina foi vítima de uma bala perdida aos 14 anos. Hoje com 27, graduou-se em Direito. Ela acredita que a falta de

O que diz a leiA lei 10.098/2000 define a acessibilidade como “a

possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, dos espaços, mobiliários e equi-pamentos urbanos, das edificações, dos transportes e dos sistemas e meios de comunicação, por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida”. Obstáculos que limitem ou impeçam o acesso com autonomia e segu-rança são definidos como barreira.

DENUNCIEOuvidorias da PMDF nas unidades do Na Hora ou pelainternet: www.pmdf.df.gov.br/ouvidoria

Núcleo de Gênero Pró-Mulher do MPDFTTelefone: 3343-9998

A Ouvidoria do Detran Telefone: 3343-5174

apurada como crime”. O corregedor da Polícia Militar do DF (PMDF), coronel

Édson Barbosa, explica como seria o processo após a denúncia: “Feita a reclamação nas ouvidorias ou na Corregedoria, abrimos uma sindicância para apurar o erro na conduta do policial”. O caso mais extremo de quebra disciplinar leva ou à demissão ou à prisão por um mês num dos batalhões da PM.

Não há denúncias formais registradas tanto na PM quanto no Departamento de Trânsito (Detran), a outra instituição que faz blitz em Brasília. Ambas contam com ouvidorias e corregedorias para as quais se encaminham reclamações sobre abusos de agen-tes de trânsito. No Detran, dependendo da gravidade do aconte-cimento e da ficha do agente, a pena vai desde uma advertência, passando por suspensões de 15 dias a três meses, até a demissão.

O advogado criminal Bernardo Marks afirma que o delito co-metido em tais circunstâncias se enquadra no artigo 350, inciso III da Constituição, que define como abuso de poder “submeter a pessoa que está sob sua guarda ou custódia a vexame ou a cons-trangimento não autorizado em lei”. A pena varia entre um mês e um ano de cadeia, dependendo da gravidade do acontecimento.

conhecimento produz o preconceito ainda existente. No entanto, ela nota alguma melhora em relação ao assunto. “Já foi bem mais crítico. Percebo, hoje em dia, que houve uma mudança plausível. Sei que isso pode melhorar ainda mais”, diz.

O advogado do Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência (IBDD) Alexandre Magnavita, cadeirante há 25 anos, afirma que a acessibilidade é “o desenho univer-sal, a utilização para todos. O ideal é isso, sem barreiras para que todos possam utilizar”. Inclusive em motéis.

Fiscal inexistenteAs dificuldades permeiam todos os tipos de deficiência

e vão desde o mau atendimento à inexistência de condições de acesso. A legislação não determina multa ou outro tipo de punição em caso de descumprimento da lei em motéis. Mesmo em locais com acessibilidade, as condições exigidas pela ABNT não são seguidas à risca.

No âmbito distrital, a Agência de Fiscalização do Distrito Federal desempenha o papel de inspecionar os motéis da cidade. O diretor de Fiscalização de Obras, Valtécio Batista, explica que a vistoria “já está ocorrendo”, principalmente em virtude dos preparativos para a Copa do Mundo em 2014. A agência não informa a relação dos motéis que estão zem situação irregular.

Alexandre Magnavita critica a situação: “A lei não estabe-lece órgão específico para vistoria. Esse é o grande pecado, o grande equívoco. Você tem secretarias que podem fiscalizar, mas elas não têm conhecimento necessário e gente prepara-da para isso. Então passa muita coisa”.

A falta de fiscalização nos motéis e nos demais espaços de convívio impede a autonomia das pessoas com deficiência, além de infringir uma das principais garantias prescritas na Constituição, a de ir e vir. “Quero ter o direito de escolha, de poder usufruir como as outras pessoas”, afirma Balthar.

Balthar enfrentou problemas para ir a motéis

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Para Thaís, o policial aproveitou-se do fato de ela estar sozinha no carro

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4 Brasília, 25 de janeiro a 08 de fevereiro de 2011

Itapoã (DF), 12 de outubro de 2010, Dia das Crianças – Kaiky Teixeira, que acabou de completar três anos, está in-

ternado por conta de uma hepatite A fulminante. Seu sangue não coagula e ele tem manchas roxas no corpo, sinal de que o fígado não está funcionando. “Os médicos me falaram que eu estava perdendo o meu neto”, lembra, em lágrimas, Lídia dos Santos, avó de Kaiky.

Formosa (GO), 25 de dezembro de 2010, Natal – O pequeno Paulo Henrique Viração, de apenas um ano e sete meses, está hospitalizado, não mexe o lado direito do corpo nem consegue andar. “Não tinha ideia do que era”, lembra a mãe do menino, a dona de casa Patrícia Viração, que desco-briria que Paulo Henrique tinha sofrido um Acidente Vascu-lar Cerebral (AVC) por conta da varicela, conhecida também como catapora.

Os feriados das duas famílias poderiam ter sido melho-res. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que os países com alta endemicidade – casos numerosos e frequentes – das doenças, como o Brasil, vacinem toda a po-pulação. As duas imunizações também estão no calendário oficial de vacinação recomendado pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

O Ministério da Saúde, porém, só oferece as duas vacinas para grupos de risco, como candidatos a transplante e crianças portadoras do vírus da Aids. Em clínicas particulares, a vacina contra varicela custa R$ 220 e a contra hepatite A, um total de R$ 340 (duas doses de R$ 170 cada). Por causa da impos-sibilidade de pagar pelas vacinas, as famílias de Kaiky e Paulo Henrique passaram dias de angústia e medo.

De acordo com o consultor para Imunizações da Organi-zação Pan-Americana de Saúde (Opas), Brendan Flannery, o maior problema para a inclusão das vacinas é o alto custo, já que elas não são produzidas no país e têm de ser importadas. No Brasil, cerca de três milhões de crianças nascem por ano, e o custo de cada dose, para o governo, seria entre R$ 15 e R$ 30, sendo que uma das vacinas é dada em duas doses. “O gasto, então, seria de R$ 180 milhões, em média, por ano”, de-talha. O valor representa quase 12% do que o governo gastou em 2010 com as vacinas que fazem parte do calendário, um total de R$ 1,5 bilhão.

O pediatra Eetan Berezin, da Sociedade Brasileira de Pe-diatria, no entanto, ressalta que as contas deveriam ser outras: “O governo tem que calcular também a economia com as internações. Com as vacinas, o número de crianças internadas se reduziria muito. Além disso, tem o custo das internações particulares, que o governo não contabiliza”.

Berezin destaca também a repercussão das duas doenças. “O sofrimento da família é muito grande. Entendo as limita-ções do governo, mas a vacina é muito importante. Se eu pu-desse, vacinaria todas as crianças contra essas doenças agora mesmo”, desabafa.

No final de seu mandato, o ex-presidente Lula vetou, no dia 10 de dezembro, um projeto de lei aprovado pelo Congresso

Imunização restritaProjeto aprovado pelo Congresso incluindo hepatite A e varicela no calendário oficial de vacinação foi vetado por Lula no último mês na Presidência. As duas doenças fazem milhares de vítimas no país

que incluía as vacinas contra hepatite A e varicela no calendá-rio básico de vacinação do Ministério da Saúde.

De acordo com a justificativa do veto do ex-presidente, a inclusão das vacinas poderia “tornar mais burocrática e demo-rada a adoção de novas tecnologias na área de prevenção de doenças, na qual o Brasil é mundialmente reconhecido”.

O investimento do governo na área, porém, não foi grande. Segundo dados do Orçamento da União, o valor aprovado pelo Legislativo para a pesquisa em saúde e avaliação de novas tecnologias para o Sistema de Saúde Único (SUS) foi de R$ 72 milhões. Desse total, o governo investiu apenas R$ 40 milhões, pouco mais da metade. O Ministério da Saúde foi procurado pelo Campus durante toda a semana que antece-deu o fechamento desta edição, mas não houve resposta.

Outro entrave para a disponibilização das vacinas para to-das as crianças é a necessidade de armazenamento das doses em temperatura baixa. Novas vacinas demandam mais espa-ço, e os locais são insuficientes. A alergista Denise Camões, porém, destaca uma solução. Como o governo disponibiliza a vacina contra hepatite B para todas as crianças, o Ministé-rio da Saúde poderia substituí-la pela vacina conjugada, que protege contra as hepatites A e B. Da mesma forma, poderia substituir a vacina contra sarampo, caxumba e rubéola pela vacina chamada Tetraviral, que imuniza as crianças contra as três doenças mais a varicela.

Dessa forma, o problema de armazenamento estaria resol-vido, já que não haveria necessidade de novos espaços para guardar as vacinas. “Além disso, acredito que o custo para a substituição das vacinas seria menor do que o custo para a incorporação das vacinas contra a hepatite A e a varicela”, ex-plica Denise. Flannery concorda com a gravidade da situação: “A gente recomenda as vacinas. A OMS recomenda. Tem o problema do custo, mas as vidas devem estar acima disso”.

AS VIDASKaiky tinha febre havia cinco dias e reclamava de fortes

dores na barriga. Sem diagnóstico e depois de passar por quatro postos de saúde e hospitais, o menino foi levado para o Hospital Universitário (HUB), onde começou a piorar. “Os bracinhos e os olhinhos incharam. Ele não falava mais, estava quieto, só mexia os olhos”, conta a avó. “Me disseram que o caso era gravíssimo, que ele deveria estar na UTI, que o cérebro estava inchado. Ele poderia ter convulsões e hemorra-gias a qualquer hora e os médicos não poderiam fazer nada”, lembra Lídia.

Kaiky foi transferido para o Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF). Sem vagas em UTI de hospitais públicos, o pai do menino, Kaubi Teixeira, teve de passar um dia inteiro no Ministério Público para conseguir uma vaga na terapia intensiva do Hospital das Clínicas. Já na UTI, Kaiky come-çou a ter hemorragias e precisou de transfusão sanguínea e

poR luiza Machado

Hoje, aliviada, a família de Kaiky festeja a recuperação do menino. “O dia em que ele saiu do hospital foi de uma alegria que não dá nem para descrever. A gente não imaginava mais vê-lo fora de lá”, diz Lídia. “O médico falou que, durante todo o tempo que ele tem de medicina, nunca viu um paciente che-gar ao estado do Kaiky e sair vivo”, comemora Jaqueline. “Foi um milagre.”

O garoto hoje se diverte com os brinquedos que ganhou no Dia das Crianças, e não deixa a bicicleta e a bola de lado. “Ele corre o dia inteiro agora e a gente agradece muito aos médicos

Uma hepatite A quase matou o pequeno Kaiky

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e a Deus. Sem isso, não sei o que seria da gente”, diz Lídia.A família de Kaiky, porém, lembra que todo o drama pode-

ria ter sido evitado com a vacina contra hepatite A. “O governo arrisca a vida das crianças e seria bom se eles (os governantes) tivessem essa consciência”, apela Lídia. “Eu acho que, se eles quisessem, disponibilizariam a vacina para todos. Dinheiro tem, a gente só não sabe com o que eles gastam”, completa.

Segundo ela, quem pode pagar pela vacina o faz, mas quem não tem condições é esquecido. “O governo não sabe o drama que é ver uma criança morrendo e não poder fazer nada. Uma simples vacina resolveria. É um descaso com quem não pode pagar”, diz Lídia.

Kaiky saiu sem sequelas do hospital, mas Paulo Henrique, que contraiu a varicela, não teve a mesma sorte. Sua mãe, Patrícia, ficou preocupada quando, 15 dias após o início da do-ença, o menino que antes corria pela casa toda parou de andar e de falar. “Fui com ele para o hospital”, conta Patrícia.

Paulo Henrique ficou internado por quatro dias no Hospital Regional de Planatina e foi transferido para o HBDF no dia 21 de dezembro, pouco antes do Natal. Chegou sem o movi-mento do lado direito e com uma paralisia facial, além de uma infecção secundária na pele. Durante o período de internação, sofreu crises epiléticas.

Uma ressonância magnética do crânio mostrou que áreas do cérebro responsáveis pela fala e pela movimentação do lado

medicamentos para coma hepático. “Ele nem abria mais os olhos”, diz a mãe, Jaqueline. Quando a criança entra nesse estado, pode haver um edema (inchaço) cerebral, levando o paciente ao coma.

Lídia lembra o pior momento de sua vida. “Fui descer para lanchar e, quando voltei para o quarto, os médicos estavam lá dentro e não me deixaram entrar”, descreve. A avó de Kaiky, com lágrimas nos olhos, junta forças para terminar a frase: “Os médicos me disseram que, se ele não fizesse um transplante de fígado no mesmo dia, iria morrer. A gente não podia fazer nada a não ser orar”.

Depois de muitas tentativas, os mé-dicos conseguiram estancar o sangue de Kaiky. O fígado do menino, porém, con-tinuava tomado pela doença, quase sem funcionar. Foi um 12 de outubro marcan-te para a família. “Ele tinha pedido um brinquedo, estava todo animado”, afir-ma Lídia. “Levei o brinquedinho para o hospital e mostrei para ele. Ele abriu os olhos, olhou rapidamente o brinquedo e fechou os olhos de novo. Foi o Dia das Crianças mais triste que eu já vivi.”

O sofrimento, porém, deu lugar à esperança quando Kaiky começou a me-lhorar. O menino foi respondendo, aos poucos, ao tratamento e, depois de 15 dias de UTI, duas transfusões sanguíne-as e uma combinação de vários medi-camentos, o fígado começou a retomar a atividade. Kaiky voltou para o HBDF, onde continuou fazendo o tratamento e sendo monitorado.

5Brasília, 25 de janeiro a 08 de fevereiro de 2011

Imunização restritaProjeto aprovado pelo Congresso incluindo hepatite A e varicela no calendário oficial de vacinação foi vetado por Lula no último mês na Presidência. As duas doenças fazem milhares de vítimas no país

Mais que uma falha grave no sistema público de saúde, a falta de vacinas que previnam a catapora e a hepatite A

provam que, no Brasil, falta responsabilidade. Dados levantados pelo Campus mostram que dinheiro há, mas que o país é tão jovem quanto inconsequente. Em vez de desembolsar os R$ 180 milhões para cuidar da infância e da juventude, o governo paga as contas com a vida de quem, em campanha, chama de “futuro”.

Ao colocar em risco a vida de crianças como Kaiky, os gover-nantes não estão sendo apenas irresponsáveis com o menino e sua família, mas com as contribuições que ele ainda pode dar ao próprio país. Não fosse um milagre, Kaiky não estaria aqui para – quem sabe em parceria com Paulo Henrique – trabalhar nas pesquisas que o ex-presidente Lula usou para se justificar quando vetou a lei que inseriria as vacinas na agenda do Ministé-rio da Saúde?

Ao eleger alguém para se responsabilizar pela vida de todos os seres humanos, deve-se pensar que a vida (ainda bem)

opinião

não dura apenas quatro anos. Considerar que vivemos vários governos é fundamental para perceber que R$ 180 milhões é um investimento na vida a muito longo prazo e que pode poupar o sofrimento de muitos, assim como medidas para que todos tenham saneamento básico.

De tão grave, a falta de compromisso com a integridade do corpo dos cidadãos virou estado de emergência em Brasília e fez com que o governador Agnelo Queiroz tomasse alguma medida imediata para melhorar a situação dos hospitais nos quais Kaiky e Paulo Henrique foram internados. Na capital do país, é certo que remediar é necessário. Mais que isso, é fundamental para curar um sistema doente.

A covardia do governo, entretanto, é maior quando acredita-mos nas promessas de cura e prevenção e não há retorno. E a in-genuidade é ver qualquer atitude como fato louvável e não como dever primário de um representante do Estado, que é garantir o direito à vida.

Paulo Henrique, acompanhado de seus pais Patrícia e Gilberto da Silva, teve um AVC devido a complicações da varicela anda com dificuldade

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direito do corpo foram afetadas. A criança teve uma encefalite, infecção do cérebro, por conta da varicela, e o quadro evoluiu para o AVC.

Depois de 15 dias de internação, Paulo Henrique teve alta, mas ainda toma anticonvulsivante e vai fazer acompanhamen-to neurológico. O menino foi encaminhado para reabilitação com fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional. A expectativa é que ele volte a andar, mas provavelmente com al-guma dificuldade. “Se tivesse tido acesso à vacina, nada disso teria acontecido”, lamenta Patrícia.

SEM VACINA nEM INVESTIMENTOO orçamento total do Ministério da Saúde no ano

passado foi de R$ 70 bilhões. Dados levantados pelo Campus mostram que o investimento

no combate a doenças, no en-tanto, foi baixo. O Con-

gresso autorizou R$ 24,7 milhões

para o Sistema Nacional de Vigilância

Epidemioló-gica e Controle

de Doenças, mas o Executivo investiu

apenas R$ 5,9 milhões, menos de 25% do valor

autorizado.Além disso, apenas 36%

do montante destinado a políticas relacionadas à saúde

da criança foram gastos. De R$ 9 milhões disponibilizados, o

governo investiu R$ 3,3 milhões. A vigilância, prevenção e controle

das hepatites virais, com orçamento aprovado de R$ 7,5 milhões, contou com apenas

metade do valor. O problema de base da hepatite A, o saneamento,

também ficou completamente esquecido pelo governo. No programa de implantação de melhorias sanitárias para

o controle de doenças, 3,7% do montante autorizado pelo Legislativo foi investido e nada dos R$ 7,6 milhões destinados ao saneamento em escolas públicas rurais foi aplicado nas melhorias.

Sem saneamento e sem vacina, os números da doença tendem a crescer cada vez mais. “O Brasil é um país ainda em desenvolvimento, e as condições básicas de higiene são pre-cárias, por isso fica difícil controlar a hepatite A sem vacina-ção”, alerta a infectologista Thereza Christina Ribeiro. Os R$ 180 milhões, necessários para a incorporação das vacinas ao calendário vacinal, representariam 0,25% do orçamento de R$ 70 bilhões do ministério para o ano de 2010.

BRASIL DE ALTO RISCOA hepatite A é o tipo mais comum entre as hepatites e a sua

forma fulminante é responsável por 40% dos transplantes de fígado feitos no país. A endemicidade da doença é considerada alta em toda a América do Sul. De acordo com o Ministério da Saúde, entre 1999 e 2009 foram notificados 124.687 casos de hepatite A no Brasil, com 644 mortes. No Distrito Federal, 4.736 casos foram registrados no mesmo período. Nos últimos 10 anos, porém, o número de registros da doença triplicou no DF. Em 2000, 99 casos foram notificados. Em 2009, o número pulou para 295.

A doença é transmitida por água e objetos contaminados pelo vírus e pelas fezes. “É um problema de saúde pública porque tem muita gente sem saneamento básico e aí o vírus se dissemina facilmente. Ainda mais no verão, quando chove

poR thaís cunha

Irresponsabilidade e covardia

muito”, explica Thereza. “Os cuidados com higiene são essenciais”, completa. As regiões do Brasil com maior índice de casos são as regiões Norte e Centro-oeste (ver mapa).

Os casos de varicela são mais comuns, por ser uma doença de alta contagiosida-de, de acordo com a infecto-logista. No período de 2000 a 2009, foram registradas 1.336 mortes (ver gráfico) no Brasil por conta da varicela. O Ministério da Saúde não

Como agir depois de contaminado

sabe informar o total de casos em todo o país porque a doença não é de notificação obrigatória. No DF, o número chegou a 5.161 em 2008, 5.517 em 2009 e 10.820 em 2010, quando houve aumento de quase 100% no número de casos em relação a 2009. Por causa do surto, faltaram vacinas contra varicela em clínicas particulares. Entre 2000 e 2010, 31 pessoas foram vítimas fatais da doença no DF.

Thereza ensina que a doença é cíclica e que, a cada três anos, há um aumento significativo no número de casos. Um dos maiores problemas da doença é a infecção da pele por con-ta das coceiras. “As crianças coçam as bolhas com a mão suja, aí infecciona”, explica a infectologista. “Foi muito frequente a internação por infecção secundária no ano passado.”

De acordo com Thereza, a vacina teria um impacto muito grande na saúde pública do país. Além do gasto público com as internações, a criança tem de ser isolada e não há espaço físico suficiente para abrigar todos os pacientes. “O mais

importante, no entanto, é que a doença deixa sequelas que poderiam ser evitadas com a vacina e as mortes se reduziriam drasticamente. A inclusão da vacina contra varicela no calen-dário básico de vacinação do governo é muito esperada por pediatras”, esclarece a infectologista.

AS COMPLICAÇÕESTanto a hepatite A quanto a varicela podem resultar em

uma série de problemas. A primeira, quando acontece na for-ma fulminante, pode dar necrose do fígado e inchaço cerebral, levando o paciente à morte em pouco tempo. A letalidade, nesse caso, é de 40% a 80%.

A varicela, por outro lado, pode causar infecções na pele que podem evoluir para uma infecção generalizada, quadro que apresenta alto risco de vida. As complicações neurológicas mais graves são a encefalite (infecção do cérebro pelo vírus), com convulsões de difícil controle e sequelas imprevisíveis.

A doença pode também causar uma síndrome chamada Guillain-Barré. O paciente apresenta paralisia que se inicia nos membros inferiores e progride para os superiores, causan-do até insuficiência respiratória. Se não for tratada a tempo e com medicação de alto custo, nem sempre disponível, pode levar à morte.

Não compartilhar copos, talheres e banheiro. Lavar as mãos sempre. Se ali-mentar normalmente, sem limitações. Jogar hipoclorito nas fezes, para evitar a contaminação. Repousar. Não se auto-medicar. Em caso de sonolência, dores abdominais fortes e icterícia, procurar um médico.

A criança deve ficar isolada até que todas as lesões na pele estejam secas. Cuidar da higiene. Cortar as unhas e deixá-las sempre limpas. Tomar banho de permanganato de potássio (duas vezes ao dia). Não vestir muitas roupas. Não coçar as lesões. Se alimentar bem e tomar muito líquido. Não se automedicar (não tomar, em hipótese alguma, antitérmicos com ácido acetilsalicílico). Se tiver com infecções, procurar um médico.

Varicela

hepatite A

6 Brasília, 25 de janeiro a 08 de fevereiro de 2011

Carnaubeira da Penha é um pequeno município do ser-tão pernambucano. O solo é pedregoso, de trato difícil.

Mesmo assim, 83% de seus 11.782 habitantes sobrevivem da agricultura, segundo o censo de 2010. Não por acaso, a pobre-za incide sobre 80% da população. E foi de lá, dos arredores da Serra do Umã, que Josinaldo da Silva saiu para virar estudante de Medicina da Universidade de Brasília (UnB). Ele é um dos 56 indígenas beneficiados pelo convênio firmado entre a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a UnB em 2004. Mas histórias como a dele ficarão fora dos corredores da Universi-dade caso a instituição decida levar adiante a ideia de excluir do programa a oferta de vagas no curso de Medicina.

O convênio também oferece possibilidade de ingresso nos cursos de Agronomia, Enfermagem, Engenharia Florestal e

segurança

investigação. Para Cerqueira, enquanto isso não mudar, será difícil combater os crimes da rede.

Renato Coimbra, especia-lista em direito digital do escri-tório PPP Advogados, em São Paulo, explica a importância dos projetos: “Há uma parcela de crimes praticados na inter-net que ainda não possui defi-nição legal. O objetivo, então, é definir questões essenciais que nossa legislação ainda não abordou, tais como privaci-

delatados. Além de estelionatários, o grupo já descobriu casos de fraudadores, pichadores, ladrões, traficantes e pedófilos.

Legislação falhaNo Brasil, 76% dos usuários da internet já foram vítimas

de algum crime cibernético – 11% acima da média mundial, de acordo com relatório anual da empresa de segurança virtual Norton. Para agravar a situação, o tempo de resolução dos casos também é alto. O relatório mostra que o Brasil leva em média 43 dias para resolver um incidente, o que o coloca em segundo lugar no ranking de países mais burocráticos na solução de crimes virtuais. A primeira colocada é a Alemanha, que chega a levar 58 dias. Cerqueira reclama das dificuldades provenientes da falta de uma legislação adequada. “Levamos em torno de quatro meses pra conseguir uma ordem judicial para ter acesso ao número de IP de uma máquina, por exemplo.” O endereço de IP é uma espécie de identidade do equipamento eletrônico, que permite descobrir sua localização.

Atualmente, tramitam no Congresso Nacional dois projetos de lei relacionados a crimes cibernéticos: o Crimes Eletrônicos (PL 84/1999) e o Marco Regulatório Civil da Internet. O primeiro visa criar normas próprias para crimes cibernéticos e o segundo trata de questões essenciais no ambiente virtual, tais como privacidade e responsabilidade dos provedores. Nenhum dos dois muda o tempo que a polícia leva para poder ter acesso aos dados necessários para

O número de usuários de internet ativos, no Brasil, chegou a 41,7 milhões em 2010, superando em 13,2%

a marca do ano anterior, segundo o Instituto Ibope Niel-sen Online. Apesar disso, dados obtidos pelo Campus na Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos da Polícia Federal mostram que a quantidade de crimes denun-ciados no ano passado caiu quase pela metade em relação a 2009: de 133.306 para 68.319. É a primeira queda desde 2006.

Em Brasília, o crime virtual de maior incidência é o este-lionato. O exemplo mais comum é o da utilização de cartão clonado para comprar produtos pela internet. O bancário Elton Roveno foi vítima desse tipo de golpe. No final de 2010, ele começou a planejar uma viagem de férias com a família e, ao se deparar com uma promoção de passagens aéreas em um grande site de compras, não pensou duas vezes antes de utilizar um computador desprotegido. “Consegui realizar a compra nor-malmente. O problema é que clonaram meu cartão”, conta.

Apenas depois de alguns dias, quando viu quatro transações estranhas na sua conta, o bancário percebeu o golpe. “Pen-sei que fosse a minha mulher que estivesse fazendo aquelas compras, mas não era”, revela. Roveno ligou para o banco, conseguiu bloquear o cartão e resolveu o problema sem precisar contatar a polícia, porém, teve de arcar com o prejuízo.

Para Sílvio Cerqueira, delegado da Divisão de Repressão aos Crimes de Alta Tecnologia (Dicat) da Polícia Civil do DF, o ideal seria Roveno denunciar o crime: “O banco pode até ter resolvi-do, mas assim o criminoso continua solto e podendo prejudicar mais gente. A denúncia é fundamental para que possamos investigar e prender os infratores”.

Assim como Roveno, muitas pessoas deixam de denunciar, o que pode ter contribuído para a queda do número de denúncias anuais. Cerqueira, no entanto, acredita que essa abrupta baixa se deve ao maior cuidado das pessoas: “A divulgação constante de crimes cibernéticos explica isso. As pessoas aprenderam a se proteger melhor e a não se expor tanto, atualizando o anti-vírus periodicamente e evitando a utilização de computadores públicos”.

A denúncia, contudo, não é a única forma de investigação. A Dicat realiza também a chamada “busca em fontes abertas”. Uma equipe composta por quatro policiais fica encarregada de navegar pela internet à procura de crimes que não tenham sido

Quantidade de crimes cibernéticos delatados no Brasil cai 48,2% em um ano

Mais internautas, menos denúnciaspoR RodRigo antonelli e Vanessa Röpke

universidadeMedicina fora da aldeiapoR paulliny gualbeRto

UnB estuda retirar vagas para o curso no convênio que beneficia indígenas

Nutrição. Até agora, os interessados no vestibular indígena precisavam ter concluído ensino médio, identificar-se como índio e, como comprovação de vínculo com as comunidades, apresentar assinaturas de cinco lideranças indí-genas. Aqueles que tiveram inscrições aceitas realizaram provas de conheci-mentos gerais. Nina Laranjeira, dire-tora de Acompanhamento e Integração Acadêmica e responsável pelo convênio na UnB, afirma que retirar a Medicina dos cursos oferecidos aos índios está em estudo porque as vagas para essa carrei-ra atraem estudantes cuja ligação com povos indígenas é duvidosa: “A gente tem percebido aberrações”.

Dos dez alunos conveniados do curso de Medicina na Universidade, sete são de Carnaubeira da Penha (PE), onde convivem apenas duas etnias – Atikum e Pankará. Hauni Tupinambá Monteiro, aluno de En-genharia Florestal, acredita que não é possível suprir as carências na saúde dos índios com o modelo atual do convênio. Pertencente ao povo Karipuna, do Amapá, ele defende que a exclusão do curso de Medicina pode ser necessária: “Se continuar assim, é melhor tirar mesmo. Quem, sendo de Pernambuco, vai querer trabalhar lá no Acre?”. Outra preocupação é com o perfil dos alunos ingressos. A presidente da Associação dos Acadêmicos Indígenas do Distrito Federal (AAIDF), Edineide Maria da Silva, teme que apenas estudantes que vivem nas cidades sejam privile-giados por terem acesso a melhores escolas. “Esse se tornou um vestibular para índios urbanos ou, talvez, para não índios”, afir-ma. Nina Laranjeira suspeita que existam estudantes sem ligação com comunidades indígenas e que lideranças estejam sujeitas à pressão de pessoas atraídas pelas facilidades de ingresso na UnB.

Embora a Funai reconheça que os critérios de seleção preci-sam ser reelaborados, desconhece a possibilidade da retirada do curso de Medicina. Segundo a indigenista Nina Paiva, gestora do convênio na Funai, não houve discussão oficial sobre a mudan-ça. Procurada, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, não se pronunciou sobre o assunto. De

acordo com a assessoria, o secretário Antônio Alves de Souza estaria ocupado com a morte de indígenas no Mato Grosso.

Para o vice-presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Roberto Liebgott, a decisão traria prejuízos. “No momen-to em que se fecham as portas nas universidades em função de questões administrativas, geram-se graves problemas”, garante. Carlos Vital, vice-presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), reconhece a necessidade de formação dos índios, mas discorda do convênio que promove o ingresso por meio de pro-cesso seletivo diferenciado. “É preciso que os indivíduos apre-sentem as condições que se exigem de qualquer cidadão.” Para ele, não é possível recuperar as falhas dos ensinos fundamental e médio na universidade.

Mas os indígenas se esforçam. Josinaldo ri quando conta que se tornou “especialista em 4ª série” ao cursá-la por quatro anos porque a escola da aldeia não oferecia possibilidade de dar pros-seguimento aos estudos. Foi preciso sair de casa para continuar estudando e, hoje, no 8º semestre de Medicina, ele aguarda o momento de ajudar seu povo. Josinaldo admite que teria poucas chances de concorrer pelo vestibular universal, mas diz que as limitações terminam aí: “Eu sou índio, estou aqui e sou capaz como qualquer outro”.

dade e responsabilidade dos provedores”. Até que os projetos sejam aprovados, os crimes virtuais são julgados de acordo com a legislação vigente e suas especificidades são deixadas de lado.

Caso alguém viesse a publicar mensagens ofensivas contra uma pessoa em sites de relacionamento ou blogs, por exemplo, poderia ser condenada por difamação, pelo artigo 139 do Código Penal. O problema seria juntar as provas necessárias para pleitear a reparação. “As provas nos meios eletrônicos são extremamente voláteis e isso dificulta a responsabilização da ação. Os projetos são fundamentais para definir questões sobre a conduta dos usuários e responsabilidades civil e penal na internet”, conclui Coimbra.

Enquanto o Brasil não adequa a legislação para oferecer mais segurança jurídica aos internautas, a vendedora Dênis Martins opta por não utilizar o internet banking. “Sempre preciso ir ao banco e isso me atrapalha um pouco, pois perco tempo me deslocando, mas prefiro me sentir segura. Acho que compensa”, explica. O receio da vendedora é baseado em diversos casos que soube a respeito de crimes cibernéticos: “A gente sempre conhece alguém que já passou por algum problema com internet”.

Colabore

Para denunciar crimes virtuais, basta ir a uma delegacia e fazer boletim de ocorrência ou enviar um e-mail para [email protected]. Todas as denúncias recebidas são averiguadas.

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Edital 2011Para Gersem Baniwa, coordenador-geral da Educação

Escolar Indígena do Ministério da Educação, é preciso esclarecer se o convênio entre a UnB e a Funai pretende atender a interesses individuais dos índios ou a interesses coletivos. Ele adverte que, para atender as demandas das populações indígenas, não basta que os candidatos apre-sentem assinaturas de lideranças, como os editais estabe-leceram até agora. É necessário que os próprios grupos selecionem seus representantes.

Isso vai ocorrer no próximo vestibular, previsto para o se-gundo semestre, que exigirá das comunidades o envio de atas de reuniões realizadas para indicar os nomes dos candidatos. Antes eram exigidas apenas assinaturas das lideranças da aldeia. Além disso, todos deverão ter cursado o ensino médio em escola pública ou particular com bolsa integral.

O desafio é distribuir a oportunidade entre representan-tes dos 215 povos indígenas que existem no Brasil. O edital espera trazer mais estudantes do Norte e Centro-Oeste. Hoje, 64% dos alunos conveniados são da região Nordeste. As pro-vas serão realizadas em cinco polos distribuídos em cidades do Acre, Maranhão, Mato Grosso, Pará e Roraima. Em fase de discussão, o edital ainda prevê duas vagas para Medicina.

Josinaldo da Silva, do povo Atikum, é um dos estudantes de Medicina do convênio Funai/UnB

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2006

2007

2008

2009

2010

41.050

63.990

91.108

133.306

68.319

Fonte: Polícia Federal

Número de Denúncias de crimes virtuais no brasil

7Brasília, 25 de janeiro a 08 de fevereiro de 2011

Duzentas pessoas estavam reunidas numa tarde de sábado, em fevereiro de 2001, no Teatro Nacional de Brasília,

para o lançamento do livro Revelando autores em Braille, ainda na versão à tinta. Dentre elas, estavam presentes os 83 defi-cientes visuais que ajudaram a compor a obra, e grande parte dos 58 escritores do DF convidados a participar da iniciativa.

Aquele dia era motivo de enorme comemoração, mas tam-bém o marco de um objetivo maior. Depois do lançamento, eles queriam ler seus textos e de seus colegas, mas não era possível. O sonho deles passou a ser, a partir daquele momento, ter o livro transcrito em Braille. “Senão, não seria a inclusão de que a gente tanto fala”, conta Dinorá Couto, organizadora do livro.

Em 2008 a obra foi gravada num disco de áudio, mas ainda não era suficiente. A transcrição do livro para o Braille, por ser um processo caro e demorado, só tornou-se possível por meio de um patrocínio. Dois anos mais tarde, em dezembro de 2010, com a ajuda do Instituto Vivo e da Fundação Dorina No-will, conseguiram concretizar o sonho: mil exemplares do livro Revelando autores em Braille transcritos para a linguagem da-queles que não podem ver. “Tudo é muito demorado para nós. Uns morreram nessa espera, outros mudaram, começaram a trabalhar, mas outros persistentes continuaram na luta aqui conosco”, desabafa Dinorá.

O projeto Luz & Autor em Braille, inaugurado em 1995, no mesmo ano da Biblioteca de Braille Dorina Nowill, em Taguatinga, foi que deu origem ao livro Revelando autores em Braille. Eram apenas 17 deficientes visuais entusiasmados com o projeto. No primeiro ano, o sonho deles já era ver um livro com as próprias produções, mas isso só aconteceu cinco anos depois, quando já existiam 83 participantes e cerca de 400 textos produzidos por eles.

A ideia da obra era fazer uma ponte entre os deficientes visuais e os escritores do DF: os primeiros liam as obras desses escritores, depois de transcritas para o Braille, e, a partir disso, produziam seus próprios textos. “Conclusão: os dois grupos se equipararam. Então a socialização que a gente tanto queria alcançar com esse projeto aconteceu”, revela Dinorá. A defi-ciente visual Maria do Carmo Teixeira, por exemplo, escreveu um texto sobre o Brasil, depois de ter conhecido o trabalho da escritora Stella Maris Rezende. Os encontros eram anuais, mas há histórias de escritores mais carismáticos que chegaram

O livro Revelando autores em Braille é a primeira obra feita por deficientes visuais de Brasília em um contexto de socialização

pontos para a inclusão

poR letícia coRReia e nathália koslyk

Cinema

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Curta-Remédio

O protagonista do filme Loucuras, Fabiano Rosa, posa ao lado da mãe, Gláucia

A deficiente visual Noeme Silva agora pode ler o livro que ajudou a escrever

A sétima arte vira terapia para quem sofre de transtornos psiquiátricos

poR gabRiella fuRquiM e laRissa leite

a levar alguns dos deficientes ao shopping, a suas ca-sas, deram presentes, inspiraram produções teatrais.

Dinorá ressalta que os escritores do projeto eram, na maioria das vezes, pouco conhecidos: “Não adiantava convidar algum consagrado lá do Plano Piloto que se achava muito importante e que não iria acompanhar o dia-a-dia da biblioteca e dos deficientes visuais”. E a coordenadora da Bibliote-ca, Leonilde Fontes, compartilha da ideia: “Eles se encantam com isso. Parece que estão na presença de artistas da Globo, e essa proximidade suscita neles a vontade de criar”.

Noeme Rocha da Silva, deficiente visual há 11 anos, orgulha-se de fazer parte desse trabalho: “Os escritores são de carne e osso, e estão aqui perto de mim. Eles se encaixam com a gente de forma muito natural”. Ela escreveu o texto “Experiências novas”, no momento em que disse estar vivendo o auge da felicidade, recém-casada e à espera do primeiro filho.

A professora de português e escritora Margarida Drumond de Assis é uma das que faz questão de encurtar a distância com o mundo do deficiente visual: “Eles, conversando com a gente, descobrem que qualquer pessoa pode criar. Então se sentem valorizados. É um trabalho muito gratificante”. Margarida é autora do romance Aconteceu no cárcere, transformado em peça teatral por quatro irmãs que não têm o privilégio de enxergar.

Wálter da Costa Ibituruna tem visão abaixo do normal, e participa do projeto Luz & Autor em Braille desde a fundação. Ele acredita que a relação estreita com os escritores é de sumo interesse para ambas as partes: “Além de aprender com eles, tenho a oportunidade de levar o que eu sei”.

Repercussão A obra, que teve desdobramentos em países como Por-

tugal, Cuba e Peru, será apresentada no salão do livro, que acontecerá em Brasília de 6 a 12 de fevereiro, no primeiro Encontro Latino Americano de Estudante de Letras (ELAEL), na Universidade de Brasília. Revelando autores em Braille estará em um estande coletivo do salão, e Dinorá Couto irá par-

ticipar da uma mesa redonda de tema “Literatura em diversas linguagens”, ocasião em que irá explicar a trajetória da criação do livro. Com visibilidade cada vez maior, a intenção é fazer com que mais deficientes visuais possam adquirir seu exemplar.

Ainda que outras obras escritas por deficientes visuais já tenham sido transcritas para o Braille, como é o caso de Feche os olhos para ver melhor, de Sérgio Sá, e Eu venci assim mesmo, de Dorina Nowill, não há outros exemplos no Brasil de coletâneas transcritas em larga escala, fruto da almejada inclusão. Leonilde, a coordenadora da biblioteca, explica: “O entrosamento entre o escritor e o leitor, um entrando na vida do outro, e daí nascendo uma produção, é uma iniciativa pioneira. Eu desafio alguém a achar, no mundo, um trabalho igual a esse”.

Saiba MaisO Braille é um sistema de leitura e escrita tátil feito a

partir da combinação de seis pontos em relevo, pensado para o auxílio aos deficientes visuais. Uma página de um livro à tinta corresponde a cerca de quatro páginas escritas em Braille.

“De manhã são duas cápsulas de Tegretol, além do Zyprexa e do Rivotril. É impossível contar todos eles,

assim, nos dedos”, queixa-se Fabiano José de Castro Rosa, 35 anos. Quem tem algum distúrbio mental enfrenta uma dura rotina de medicamentos e convive com fortes efeitos colate-rais. Esta realidade inspirou o filme Efeitos colaterais — Um dia no mundo dos remédios, escrito e interpretado por pessoas com problemas psiquiátricos. Principal protagonista do filme, Fabiano descobriu na sétima arte uma forma de deixar de lado o diagnóstico de esquizofrenia. O cinema como terapia deu tão certo que o grupo se prepara para lançar o terceiro filme, Loucuras, no dia 18 de maio deste ano, dia nacional de luta antimanicomial. Os filmes são resultados da parceria entre a Fundação Inverso (ONG em saúde mental) e o Centro Universitário de Brasília (UniCeub) e levantam a bandeira do movimento a favor de uma reforma psiquiátrica no país.

O projeto surgiu em 2008 com o contato da professora do Instituto de Psicologia do UniCeubTânia Inessa com a TV Pinel, iniciativa carioca de inserir o audiovisual na vida dos deficientes mentais. “Eles nos deram um workshop. A partir

daí o difícil foi escolher as melhores ideias que surgiam”, conta Tânia. A elaboração do roteiro, as gravações, a mon-tagem do filme, cada etapa foi acompanhada de perto pelos deficientes assistidos pela Inverso. “A parte mais divertida para eles foi ir a uma ilha de edição.Todos os botões e o filme ganhando forma ali na frente deles”, lembra a terapeuta da Inverso Lidia Balduína.

Para Lídia, o cinema revelou diversas possibilidades para os deficientes mentais da instituição. “Eles se interessaram. Viram que podem produzir. Fabiano gostou de ser ator, outros se interessaram pela edição. Nada impede que eles façam um curso e se tornem profissionais”, completa. “A maior dificul-dade de quem tem alguma doença mental é se sentir parte da sociedade. E a melhor forma de se sentir integrado é produ-zindo. A doença mental funciona como uma válvula de escape para a criatividade. A arte é o ambiente que melhor os acolhe”, pontua Eva Faleiros, diretora da Inverso.

“Eles ficam muito presos à família e ao contato com terapeutas e outros deficientes. O filme deu a eles a chance de sair deste círculo. Alguns ficaram com medo do contato com

outras pessoas. Será que eles não vão nos achar estranhos? Me perguntaram diversas vezes”, conta Lídia. O resulta-do positivo da interação, para a tera-peuta, dá a eles autoconfiança e facilita a interação social. A participação não é obrigatória e conta com apoio técnico dos alunos de Comunicação e Psicolo-gia do UniCeub.

BastidoresFabiano se diverte contando da

experiência de cada um dos filmes. “No Efeitos colaterais eu tinha que tomar um monte de remédios, mas lá os remédios eram cinematográficos, feitos de choco-late. Acho que engordei uns três quilos”, conta orgulhoso. “Já no Mendigos da saúde mental (o segundo filme produ-

Lei 10.216/01 Assinada no dia 6 de abril de 2001, a lei ficou conhecida

como antimanicomial, uma luta que surgiu nos anos 1980 e buscava uma mudança no tratamento dos distúrbios psiquiátricos. A nova legislação alterou o modelo utili-zado na assistência daqueles que sofrem com as doenças mentais, e passou a garantir o acesso aos cuidados para quem precisa. Dentro das mudanças propostas, surgiram os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Esses locais ajudam os pacientes a se reinserir na sociedade e fortalecer os laços sociais. No DF, entre os CAPS e os hospitais, são onze unidades que realizam atendimento especializado.

zido, lançado oficialmente com o título Me escuta, Brasília) não foi tão engraçado. A gente se vestiu com roupas velhas e vagou na Marcha dos Usuários da Saúde Mental”, afirma Fabiano, se referindo à passeata anual de apoio à luta anti-manicomial. “O Loucuras foi bacana. Mas não vou te contar, tem que assistir na estreia.” O curta Loucuras será exibido no dia 18 de maio na Fundação Inverso e no Café da Rua 8, ambos na 408 Norte.

Gláucia de Castro Rosa , mãe de Fabiano, e não esconde o orgulho pelo filho. “Olha só o Fabinho, virou estrela do cinema e agora dá entrevistas e tudo mais.” Ela conta que sofreu muito até aprender a lidar com a doença do filho. “O primeiro surto foi quando ele tinha pouco mais de 12 anos. Eu não conseguia controlá-lo e sabia que se eu o levasse ao hospital ele iria sair de lá amarrado. Mas não foi possível evitar a internação.”

Fabiano não gosta de lembrar das diversas internações pelas quais teve que passar, uma rotina que durou mais de dez anos. “Não é só ficar internado, eu ficava amarrado, sedado”, conta com ar de revolta. Dona Gláucia atribui a atual estabili-dade do filho a Deus e às atividades artísticas, como os filmes, às quais ele se dedica na Fundação Inverso e no Instituto de Saúde Mental do Distrito Federal (ISM-DF). “A melhora que eu vejo em meu filho hoje é muito maior do que o efeito de qualquer medicamento, de qualquer médico.”

cultura

segurança

universidade

8 Brasília, 25 de janeiro a 08 de fevereiro de 2011

além

do be

m e d

o ma

l “Ter um filho nunca me passou pela cabeça”, afirma Sara,* 20 anos. A jovem brasileira mora na Europa. Sempre disse que morreria sem ter um

filho “e separaria se meu marido quisesse um”. Soninha, 20, é estudante da Uni-versidade de Brasília (UnB). Nunca soube se queria ter filhos no futuro: “Como eu criaria meus filhos nesse mundo terrível?”. Thaís, 28, tem um filho, trabalha como funcionária pública e não pretende engravidar novamente.

Segundo pesquisa realizada em 2010 por pesquisadores da UnB e do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis), a frase de Sara é repetida centenas de vezes diariamente. No Brasil, uma em cada cinco mulheres já realizou um aborto.

Soninha sente enjoo pela manhã, durante a aula e à noite. E tam-bém no dia seguinte. Receosa, compra o teste de farmácia. Temero-sa, vai ao ginecologista. Incrédula, pega o resultado do ultrassom. Está grávida.

Sara sabe que sua menstruação está atrasada. Não vem há quase dois meses. Falta coragem para enfrentar a realidade. Após exatas oito semanas, compra o teste de gravidez. Positivo.

Thaís conhece os sintomas. E já havia abortado uma vez. Mãe católica e pai militar, ela prefere guardar segredo da família. Na Ceilândia, compra os remédios.

Pelo Código Penal Brasileiro de 1940, provocar aborto pode resultar em pena de um a três anos de detenção. É uma das leis mais restritivas do planeta. No mundo, o aborto é permitido em 56 países,** que juntos representam 40% da população mundial.

“Eu não queria preocupá-los.” Soninha guarda segredo dos pais. “Fiquei com medo deles não me apoiarem, quererem que eu tivesse o filho. Eu não estava preparada para isso.” Apenas o namorado e duas amigas sabem. Sozinha, encontra um site na internet que importa remédios de outros países. Cruza os dedos para que dê certo.

Sara conta para os pais. “Minha mãe estava desconfiada, por cau-sa da tontura e dos enjoos. E eu precisava da ajuda deles. Eles levaram numa boa. Meu pai me levou ao ginecologista e me acompanhou du-rante todo o procedimento.” De férias na Inglaterra, o aborto acontece lá mesmo, onde é legalizado desde 1967.

O sentimento? Medo. “Acho que o mais difícil é conseguir ajuda. Me senti muito sozinha. Parecia que ninguém nunca fez aborto, e eu senti medo de dar errado.” Mas Soninha está segura de sua decisão. Depois de duas semanas, o remédio chega pelo correio. O procedimento irá durar 48 horas.

Chegando ao hospital, Sara se depara com dezenas de jovens esperando atendimento. “Conheci meninas da minha idade que já haviam abortado, lá isso não é tabu. O procedimento é bem comum, inglesas também ficam grávidas cedo.” Sara está com mais de oito semanas de gravidez, impossibilitando o uso de medicamentos abortivos. Decide pela cirurgia. Irá durar no máximo uma hora.

De posse dos remédios, Thaís repete o procedimento. Na manhã seguinte, os enjoos continuam. O teste confirma: continua grávida. Ela aumenta a dose do medicamento. Funciona.

Depois de semanas grávida, Soninha finalmente acorda de uma noite sofrível: “As cólicas eram muito fortes”. O primeiro comprimi-do foi tomado à noite, quando começaram as dores e o sangramento. Com analgésicos e compressas quentes, o namorado e a amiga tenta-vam diminuir o sofrimento. Conforme orientação recebida via email, 24 horas depois ela toma o medicamento que falta. Os sintomas se intensi-ficam ainda mais.

“O aborto é uma experiência muito forte. Em relação ao meu corpo, foi um alívio. Grávida, eu me sentia muito mal, parecia outra pessoa. Gritava com meu namorado, sentia enjoo o tempo todo. Foi muito bom voltar a me sentir eu mesma.”

Sara entra na sala de operações. “Deitei numa cama e me deram anestesia geral. Acordei meia hora depois, ainda um pouco tonta.” É levada de maca para uma sala de repouso. “Depois de 20 minutos descansando, ganhei um sanduíche e fui para casa normalmente.”

elas decidemTrês histórias sobre abortopoR thiago Vilela

Thaís continua com o embrião em seu corpo. Decide ir ao hospital fazer uma curetagem. O procedimento é simples, porém arriscado e doloroso. “O médico raspa o útero da mulher com a cureta, uma ferramenta que parece uma colher de pedreiro”, revela uma amiga.

Depois de dois dias, ela começa a ter febre. Descobre que está com uma infecção generalizada. Depois de passar por três hospitais diferentes, ela é internada no dia do aniversário de seu filho. A mesma amiga recorda: “Poucas pessoas sabiam e não se podia falar sobre isso. Ficou um clima muito estranho. As pessoas começaram a levantar hipóteses e a criar histórias”.

Passada a cirurgia, Sara se sentia bem. “Voltei a uma vida normal rapidamente e na minha casa nunca mais se falou no assunto.” Soninha conseguiu tirar um significado positivo de tudo que aconteceu. “Eu parei para pensar muito mais no que eu queria para a minha vida.” Depois de uma semana sentindo muita dor, Thaís faleceu.***

* Todos os nomes citados neste texto são fictícios. As histórias são reais.

** Nesses países, o aborto é permitido sem nenhuma restrição até a 12ª semana gestacional. O Brasil está incluído em um grupo de 68 países que reúnem 26% da população mundial, nos quais a prática só é admitida em circunstâncias específicas. Os dados são do Center for Reproductive Rights, organização norte-americana voltada para o tema (http://reproductiverights.org/).

*** Thaís morreu após cinco dias de internação (sete dias depois de ter ingerido os medicamentos abortivos). Como a família não fez uma autópsia, não há meios para comprovar se há ligação entre os eventos. Segundo médico consultado pelos amigos mais próximos, é bastante provável que tenha havido contaminação no procedimento de curetagem. Sua história é baseada na versão narrada por duas de suas amigas.

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