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GELCIMAR VIEIRA COELHO
RANNA ALBINO LESSA
INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA
FLUMINENSE – CAMPUS CAMPOS-CENTRO
ACESSIBILIDADE E DIREITO À CIDADE: SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL A
PARTIR DA FORMA E DO USO DAS CALÇADAS EM CARDOSO MOREIRA/RJ
INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, as cidades têm atraído a atenção de diversos profissionais e
estudiosos na expectativa de vislumbrar como se dá a relação homem-homem, homem-
espaço e como tais relações interferem na produção do espaço urbano. Esta pesquisa
traz como tema Acessibilidade e direito à cidade: segregação socioespacial a partir da
forma e do uso das calçadas em Cardoso Moreira/RJ e busca compreender as relações
socioespaciais presentes nesta cidade, considerando as ações do homem na produção e
transformação do espaço urbano, tendo como objeto de estudo a acessibilidade da
população, a partir da análise das calçadas na cidade em questão. Segundo Henri
Lefebvre em Espaço e política, a cidade, desde os alvores da era agrária, foi uma
criação humana, a obra por excelência, no sentido de uma obra de arte, não apenas
organizada e instituída, mas produzida segundo as exigências de cada grupo de cidadãos
(LEFEBVRE, 2008, p. 81-82). Por sua vez, Eliseu Sposito em Redes e cidades, define a
cidade contemporânea “como lugar de concentração e efervescência da cultura”
(SPOSITO, 2008, p. 10).
Nos apontamentos de Cavalcanti, o espaço urbano é produto das relações do
processo de trabalho e da divisão técnica e social do mesmo; neste espaço, fundem-se os
interesses do capital, seguindo uma lógica fundamentada na necessidade de
aglomeração do próprio capital, mas também na necessidade de ocultar contradições
sociais (CAVALCANTI, 2008, p. 68). Nesta mesma linha, para Carlos, a cidade aparece
como um bem material, como uma mercadoria consumida de acordo com as leis da
reprodução do capital (CARLOS, 2008, p. 27-28). Conforme argumenta Sposito:
Quando surgiu, a cidade tinha características do que chamamos de valor de uso, mas, com a consolidação do capitalismo, tudo o que nela se constrói (edificações, arruamentos, componentes da infraestrutura etc.) carrega, como consequência, além do valor de uso, o valor de troca e a indissociabilidade entre essas duas dimensões das mercadorias. É preciso, portanto, compreender as formas de uso do solo na cidade por meio da luta entre proprietário e não proprietário de imóveis e pelas diferenças entre o valor de troca e o valor de uso e entre o direito à propriedade e o direito à apropriação da terra. (SPOSITO, 2008, p. 21).
A discussão sobre a apropriação do espaço público na cidade contemporânea
tem sido uma provocação não só da Geografia, mas também das demais ciências, que
veem a cidade como um espaço “privilegiado” pela concentração, cada vez maior, do
poder decisório que ali se estabelece, de onde se articulam a organização, a
reorganização e até a criação de novos e a extinção de velhos espaços (CARLOS, 1994,
p. 133). Estas articulações não costumam levar em consideração a acessibilidade e o
direito à cidade, comprometendo a mobilidade urbana e organizando o espaço conforme
os interesses do capital, configurando, assim, um “espaço esquizofrênico”, onde “as
formas do espaço definem o limite do indivíduo” (GEIGER, 2003, p. 7). Para Brasil:
As cidades de maneira geral constituem-se o cenário das contradições econômicas, sociais e políticas. Seu sistema viário é um espaço em constante disputa entre distintos atores, tais como: pedestres,
condutores e usuários de automóveis, caminhões, ônibus e motos etc. (BRASIL, 2004, p. 58).
E segundo Serpa:
O espaço público é aqui compreendido, sobretudo como o espaço da ação política ou, ao menos, da possibilidade da ação na contemporaneidade. Ele também é analisado sob a perspectiva crítica de sua incorporação como mercadoria para o consumo de poucos, dentro da lógica de produção e reprodução do sistema capitalista na escala mundial. Ou seja, ainda que seja público, poucos se beneficiam desse espaço teoricamente comum a todos. (SERPA, 2011, p. 9).
O espaço público que “é de todos e de ninguém” (ANGOTTI, 2013, s.p.)
possibilita que apropriações ilegais sejam feitas sobre ele sem que haja, sequer, uma
preocupação com a mobilidade do cidadão.
Pautada nesses apontamentos, esta pesquisa pretende discutir a acessibilidade e o
direito ao espaço público urbano, especificamente no município de Cardoso Moreira, a
partir da análise das calçadas da área central da cidade, considerando-as como
elementos que também constituem o espaço público e cuja apropriação pelos cidadãos
revela os conflitos presentes nesse espaço. Serão analisadas, além da estrutura e forma
arquitetônica das calçadas, as maneiras como são utilizadas, pois tem se tornado comum
o uso ilegal desse espaço, obrigando, assim, o cidadão a ceder o local que lhe é de
direito para que o comércio desempenhe suas atividades, o que provoca restrições a seu
legítimo uso. Nesta concepção, as calçadas perdem o valor de uso e começam a ser
encaradas como valor de troca, onde os limites estabelecidos funcionam como
instrumento segregador e criador de pobreza; não somente pobreza no aspecto
socioeconômico, mas também no modelo espacial, em vez de cumprirem sua função de
espaço de locomoção e de encontro de indivíduos.
Grande parte das cidades atuais, inclusive as brasileiras, não reconhece o direito
do cidadão ao espaço urbano. Essa deficiência reflete-se na falta de acessibilidade aos
espaços públicos e tem caracterizado a cidade como o “lugar da diferença”, onde o
déficit do sistema viário e a ocupação irregular do solo urbano impedem a livre
circulação dos pedestres (ANGOTTI, 2013, s.p.).
Considerando a necessidade de intervenção do poder público e da sociedade no
espaço público urbano, mais especificamente na reestruturação de calçadas, como
tentativa de redução de práticas segregadoras, esta pesquisa busca contribuir com o
desenvolvimento de estudos sobre o espaço urbano, tornando-se relevante do ponto de
vista da ciência geográfica por partir, sobretudo, de teorias e conceitos elaborados e
fundamentados por seus pares.
OBJETIVOS
A presente pesquisa tem por objetivo analisar o direito ao espaço público urbano
na cidade de Cardoso Moreira, tendo como foco a (in)acessibilidade verificada nas
calçadas de sua área central. Para viabilizar tal objetivo será necessário compreender as
relações socioespaciais que norteiam a produção do espaço urbano em Cardoso Moreira,
destacando fatores que contribuem para a segregação socioespacial local; conhecer os
principais aparatos de ordem legal que estruturam o espaço urbano de Cardoso Moreira
e averiguar de quem é a responsabilidade pela fiscalização e regulamentação do solo da
cidade analisada.
METODOLOGIA
Nesta pesquisa, quanto ao método, destaca-se o método dialético, ressaltando
que a dialética teve seu início na Grécia Antiga e passou por um processo de
reestruturação até o período contemporâneo. Quanto ao surgimento da dialética, têm-se
alguns apontamentos e Leandro Konder em O que é dialética salienta que
Aristóteles considerava Zênon de Eléa (aprox. 490-430 a.C.) o fundador da dialética. Outros consideram Sócrates (469-399 a.C.). Numa discussão sobre a função da filosofia (que estava sendo caracterizada como uma atividade inútil), Sócrates desafiou os generais Lachés e Nícias a definirem o que era a bravura e o político Caliclés a definir o que era a política e a justiça, para demonstrar a eles que só a filosofia - por meio da dialética - podia lhes proporcionar os instrumentos indispensáveis para entenderem a essência daquilo que faziam, das atividades profissionais a que se dedicavam (KONDER, 2005, p. 7).
Na antiguidade, a dialética era a arte do diálogo, arte de demonstrar uma tese por
meio de uma argumentação capaz de definir e distinguir os conceitos envolvidos na
discussão. Já na contemporaneidade, a dialética tem outro significado: modo de pensar
as contradições e compreender a realidade como essencialmente contraditória e em
permanente transformação (KONDER, 2005, p. 7).
Por muito tempo, a interpretação por meio da dialética foi relegada a um
segundo plano, sendo substituída pelo pensamento metafísico, pois só “a lógica, como
toda ciência, ocupa-se da realidade apenas em um determinado nível” (KONDER, 2005,
p. 48). A metafísica prevaleceu ao longo da história porque correspondia aos interesses
das classes dominantes, sempre preocupadas em organizar e manter, duradouramente, o
que já estava funcionando, para impedir que os homens tentassem mudar o regime
social em vigência. A dialética nesse período tornou-se coadjuvante com as funções
limitada e condenada ao desaparecimento (KONDER, 2005, p. 9).
Karl Marx foi o responsável pelo resgate da dialética na modernidade, o que
permite ao cientista social uma cosmovisão de totalidade e com isso o método dialético
tornou-se lógica, teoria da ciência e base da prática revolucionária no século XX
(DINIZ; SILVA, 2008, p. 5).
Para Diniz e Silva
O método dialético marxista consiste em analisar o todo feito de pedaços, cuja autonomia e individualidade condicionam uma contradição e um conflito, que, por sua vez, estão na base da dinâmica da vida material e da evolução da ciência e da História. A ciência para Karl Marx não é uma coisa feita, ela tem uma história que se perpetua, mas também é um devir. Nesse caso, para se compreender a ciência, necessita-se de buscar o estudo do passado científico como suporte e base do novo, a ser descoberto. O pensador Karl Marx acreditava que o papel político do cientista era comprometer-se com a produção de um conhecimento que retornasse à realidade como instrumento de reflexão à luta dos trabalhadores (proletários). Esse saber estaria voltado à reflexão dialógica das condições de vida dos trabalhados na sociedade capitalista e contribuiria na leitura de mundo dos explorados (proletários) e na organização da luta e da proposição de uma revolução social com a tomada de poder por parte desses trabalhadores (proletários) e com a instituição de um novo modelo de sociedade pela extinção da propriedade privada dos meios e dos instrumentos de produção (DINIZ; SILVA, 2008, p. 5).
Para Marx, o mundo material é dialético, já que ele encontra-se em constante
movimento e historicamente as mudanças só ocorrem em função das contradições que
surgem a partir das lutas de classes (KONDER, 2005, p. 53).
A partir dessa perspectiva, a metodologia aplicada à pesquisa baseia-se em três
componentes principais, que são: leitura bibliográfica, análise das fontes arquitetônicas
(as calçadas) em questão, por meio de visita de campo, fotos e documentos jurídicos
que regulamentam as normas técnicas para construção das calçadas e entrevista com os
moradores.
RESULTADOS PRELIMINARES
Os resultados preliminares indicam que a produção do espaço urbano está
condicionada aos protagonistas e aos fatores socioeconômicos desse cenário. De acordo
com Carlos, quanto mais o espaço é submetido a processo de funcionalização, mais
passível esse espaço torna-se facilitando, assim, a manipulação, e com isso, limitam-se
as possibilidades de apropriação (CARLOS, 2011, p. 65). O uso e as formas das
calçadas na área central da cidade em questão refletem essa funcionalização e
apropriação por parte do comércio local, dos moradores e da máquina pública que, por
sua vez, legitima essas irregularidades aliada ao capital.
As imagens1 abaixo demonstram o uso do espaço público – as calçadas, pelos
comércios da área central da cidade e as formas mais variadas que esses espaços
assumem para satisfazer os interesses particulares, limitando a utilização pelo cidadão.
1 Fotos extraídas do arquivo dos autores.
O espaço público urbano, sob o domínio dos interesses capitalistas, assume
funcionalidades e formas que ora se apresenta homogêneo, porém a sua essência é
fragmentada e seletiva, explicitando, assim, uma segregação socioespacial, uma cidade,
produto e obra do capitalismo, tornando-a uma mercadoria (CARLOS, 2013, p. 99),
assim, a acessibilidade e o direito à cidade em Cardoso Moreira têm sido
comprometidos e negados devido às formas e ao uso das calçadas em seu espaço
urbano.
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