Campinas, 27 de junho a 3 de julho de 2016 Da ficção ao real · a um amigo “quem era aquela...

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Campinas, 27 de junho a 3 de julho de 2016 12 arafona, meretriz, mulher de vida fácil, messalina, piranha, cortesã, garota de programa, bagaxa, concu- bina, mulher de vida du- pla, adúltera, rapariga, profissional do sexo, perdida, cocote e tantos outros termos da língua portuguesa se prestam a nomear a prostituta. Ela está presente no imaginário popular, permeia o imaginário masculino, mas é real. É vista com preconceito, sofre ataques, mas é real. Foi posta à margem da sociedade, vive em comunidades segrega- das, mas é real. A construção do imaginário sobre a pros- tituta acabou por delimitar o seu espaço e a sua circulação na cidade, sua liberdade e seu dizer, concluiu a linguista Karine de Medei- ros Ribeiro em sua dissertação de mestra- do, desenvolvida no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL). “Procuramos resgatar esse grupo para dar luz a essa voz e à prosti- tuição”, comentou. Ao abordar os perigos e prazeres da prostituição no século 19, Karine analisou o funcionamento desse discurso na literatura oitocentista do Rio de Janeiro, então a capi- tal do Brasil. Segundo ela, esse tipo de lite- ratura não era apartada da sociedade e, por isso, estabeleceu uma relação do discurso literário com outros que estavam em circu- lação na época. “A literatura também possui uma forma de autoridade diferenciada do discurso médico e do jurídico – o estatuto do literato”, revelou. Escorou-se na Análise do Discurso (AD), teoria linguística de origem francesa, cuja maior expressão é Michel Pêcheux. Enten- deu a história sob uma perspectiva foucaul- tiana e se apoiou em autoras como Marga- reth Rago e Magali Engel, que falam sobre a condição da prostituição na época. Fez um estudo documental na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional e avaliou três livros principais: Lucíola, Bom Criolo e O Cortiço, além de outros referenciais: documentos ju- rídicos e teses médicas. O projeto foi orien- tado pela pesquisadora do Laboratório de Estudos Urbanos (Labeurb) Claudia Regina Castellanos Pfeiffer. IMAGINÁRIO A investigação inicia com a observação de uma imagem do criminologista italiano Cesare Lombroso, pai da medicina legal moderna. “Interrogo, pelo discurso, a mo- dernização, que é a organização de saberes para segregar e normalizar os sujeitos. Nes- sa imagem, há vários quadros de mulheres identificadas como prostitutas russas que materializam a tentativa de classificar, en- quadrar e decifrar a alteridade”, revelou. Lombroso fazia perícias para ver se as mulheres estavam dentro dos padrões de normalidade. Foucault, relatou a mestran- da, era muito crítico a essa forma de classi- ficar os sujeitos. Para ele, essas são formas elementares de querer moralizar, até para dar justificativas. “O perfil da prostituta foi sendo construído em torno de uma oposi- ção, que aparentemente possuía lógicas es- táveis, mas que não era bem assim, muito menos transparente.” Karine apontou que Lombroso colaborou perfidamente para a propagação da ideia de colar a imagem da prostituta a um rosto. Ele disseminava documentos nos quais a pros- tituta tinha queixo quadrado, determinado tipo de olho, de rosto, de cabelo – caracterís- ticas que fechavam um perfil. “Documentos médicos e jurídicos nomeavam a prostituição como tudo aquilo que escapava aos padrões. E as prostitutas? Elas iam se tornando social- mente tudo aquilo que não era dito ‘honesto’ e nem ‘normal’ para casar.” VOZES SILENCIADAS No trabalho, não foram obtidos depoi- mentos com as vozes das prostitutas. Elas foram ditas pela fala do outro: do médico, do literato, do jurista. Com isso, sua ima- gem foi sendo pautada por esses dizeres e assentadas sobretudo no imaginário do pe- rigo, do prazer e da perversão. Chegou um momento em que essa ima- gem trazia o conceito do luxo desmedido, todavia também era comparada ao esgoto, à doença e à degenerescência moral. “Era uma figura contraditória, pois se admitia sua extrema beleza e que era um mal ne- cessário, porém era vista como alguém de quem se deve afastar”, ressaltou. Incomodou muito Karine que as pesso- as atribuíssem às prostitutas uma liberdade que ficava apenas no campo imaginário em relação à considerada “mulher honesta”. A linguista Karine de Medeiros Ribeiro, autora da pesquisa: “É necessário desmistificar esse pensamento de que o saber científico é inquestionável” Imaginou-se que ela fosse mais livre do que de fato era. “Argumentava-se que ela podia circular pela rua sem marido, sem filhos, en- quanto a mulher casada, não.” A primeira personagem na literatura que apareceu ligada à prostituição foi Lucíola, de José Alencar. Numa das cenas, o personagem Paulo estava numa festa e viu uma mulher chegando, que o encantou. Então perguntou a um amigo “quem era aquela senhora?” A resposta foi “o sorriso inexprimível, mistura de sarcasmo... que desperta nos elegantes da corte a ignorância de um amigo, profano na difícil ciência das banalidades sociais”. Na conversa deles, aparecia uma distinção entre uma senhora (mulher distinta) e uma mulher bonita (a prostituta). Paulo depois falou: “Corei de minha simplicidade provin- ciana, que confundira a máscara hipócrita do vício com o modesto recato da inocência”. Ocorre que Karine notou que não só na literatura, mas também na linguagem jurídi- ca, se textualizava a diferença entre a mulher honesta e a prostituta, até mesmo em termos de lei. O Código Penal de 1890 separava a situação em que um homem estupra uma mulher honesta. Ele tinha que cumprir uma pena com tempo maior do que se estuprasse uma prostituta. Os juristas contemporiza- vam que, com a prostituta, as circunstâncias teriam atenuantes, visto que não seria afeta- da a sua honra e sim a sua liberdade. A pesquisadora também notou como a linguagem ia textualizando outras contradi- ções, como uma barreira “aparentemente” invisível que separa dois mundos. Na obra O Cortiço, de Aluisio de Azevedo, por exem- plo, Leonie era uma prostituta que ostenta- va luxo e que iniciou sexualmente a jovem Pombinha na prostituição. Logo, na literatura, a prostituta vai sendo vista como um efeito de causa e consequên- cia. Ali se materializou ainda a influência do meio, uma vez que o cortiço é olhado até hoje como espaço de imoralidade”, perce- beu Karine. “Esse é um efeito construído, e há ecos na sociedade de falar mal dos cor- tiços e favelas por esse motivo. Seria até o caso de sondar como isso soa diferente, por- que hoje se dá mais voz à prostituta do que anteriormente.” ISABEL GARDENAL [email protected] Foto: Antonio Scarpinetti Fotos: Divulgação Publicação Dissertação: “Perigos e prazeres: Discursos sobre a prostituição na lite- ratura oitocentista do Rio de Janeiro” Autora: Karine de Medeiros Ribeiro Orientador: Claudia Regina Cas- tellanos Pfeiffer Unidade: Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) Financiamento: CNPq Houve alguns movimentos na década de 1960 abordando a prostituição com vistas a uma regulamentação completamente dife- rente do século 19. Nessa época, procura- va-se enquadrar a prostituta no lugar, nos exames médicos. “Mesmo assim, se fazia um eco de que o meio influencia o sujeito”, salientou. Na obra Bom Criolo, de Adolfo Caminha, Karine olhou apenas para a prostituta do romance que materializa o imaginário da doença. No seu auge, essa personagem fi- cou doente e ninguém a queria. A linguista também encontrou no próprio Bom Criolo a temática da prostituição, porque viu que a pederastia foi aos poucos sendo chamada de prostituição no discurso médico brasileiro do século 19. Em um trecho, esse personagem falava que não acreditava que se daria ao comércio grosseiro entre indivíduos do mesmo sexo. “Ele foi se vendo como uma anomalia”, re- parou. “É estranho como os médicos con- cebiam a sexualidade dita desviante, como a pederastia e o tribadismo (práticas lesbia- nas), ligada à prostituição.” A maneira de Karine se manifestar foi apontando essas contradições na lingua- gem. “É necessário desmistificar esse pen- samento de que o saber científico é inques- tionável e sinalizar que as evidências que normalizaram e classificaram esses sujeitos são atitudes perversas.” VOZES A literatura pornográfica no Rio de Ja- neiro tinha um selo indicando que somente poderia ser lida por homens. Mas os livros canônicos (como Lucíola, Bom Criolo e O Cor- tiço) podiam ser lidos pelas mulheres. Então como se fazia para que a prostituta não fos- se um modelo a ser seguido? Geralmente, os literatos escreviam finais trágicos, punindo a prostituição. Tanto é fato que Lucíola morreu, e não foi perdoada. Em O Cortiço, a mãe de uma das persona- gens morreu de desgosto (punição indireta) e, no Bom Criolo, ele assassinou seu amante. São sempre finais trágicos, como assassina- tos, mortes, violência, doenças. No imaginário social, diferentes vozes vão se entrecruzando e um discurso mo- ral vai atravessando-as. Também acontece o contrário. Há relatos de juristas e médi- cos que falam que a obra Bom Criolo mos- tra como funciona a pederastia, mas que ela não existe desse modo. No entanto, simul- taneamente pegam essas obras como mode- lo para retratar a realidade. O que é mais cruel de tudo na prostitui- ção, disse Karine, é colocar esse lugar natura- lizado como se a prostituta fosse aquela imo- ral que merece ser punida e estigmatizada. De outra via, também apurou que a literatura oitocentista também dá voz à mulher, que não a tinha anteriormente. “A prostituta na li- teratura teve então alguma voz, apesar desses enquadramentos, dessas classificações e des- sa moral que ali estava atuando”, finalizou. Prostitutas russas em trabalho do italiano Cesare Lombroso: ciência a serviço da estigmatização Da ficção ao real Marinheiros em prostíbulo no Rio de Janeiro, em foto publicada em 1920 na revista “Careta” Charge publicada em 1870 na revista “A Rabeca”: propagando o preconceito

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arafona, meretriz, mulher de vida fácil, messalina, piranha, cortesã, garota de programa, bagaxa, concu-bina, mulher de vida du-

pla, adúltera, rapariga, profissional do sexo, perdida, cocote e tantos outros termos da língua portuguesa se prestam a nomear a prostituta. Ela está presente no imaginário popular, permeia o imaginário masculino, mas é real. É vista com preconceito, sofre ataques, mas é real. Foi posta à margem da sociedade, vive em comunidades segrega-das, mas é real.

A construção do imaginário sobre a pros-tituta acabou por delimitar o seu espaço e a sua circulação na cidade, sua liberdade e seu dizer, concluiu a linguista Karine de Medei-ros Ribeiro em sua dissertação de mestra-do, desenvolvida no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL). “Procuramos resgatar esse grupo para dar luz a essa voz e à prosti-tuição”, comentou.

Ao abordar os perigos e prazeres da prostituição no século 19, Karine analisou o funcionamento desse discurso na literatura oitocentista do Rio de Janeiro, então a capi-tal do Brasil. Segundo ela, esse tipo de lite-ratura não era apartada da sociedade e, por isso, estabeleceu uma relação do discurso literário com outros que estavam em circu-lação na época. “A literatura também possui uma forma de autoridade diferenciada do discurso médico e do jurídico – o estatuto do literato”, revelou.

Escorou-se na Análise do Discurso (AD), teoria linguística de origem francesa, cuja maior expressão é Michel Pêcheux. Enten-deu a história sob uma perspectiva foucaul-tiana e se apoiou em autoras como Marga-reth Rago e Magali Engel, que falam sobre a condição da prostituição na época. Fez um estudo documental na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional e avaliou três livros principais: Lucíola, Bom Criolo e O Cortiço, além de outros referenciais: documentos ju-rídicos e teses médicas. O projeto foi orien-tado pela pesquisadora do Laboratório de Estudos Urbanos (Labeurb) Claudia Regina Castellanos Pfeiffer.

IMAGINÁRIOA investigação inicia com a observação

de uma imagem do criminologista italiano Cesare Lombroso, pai da medicina legal moderna. “Interrogo, pelo discurso, a mo-dernização, que é a organização de saberes para segregar e normalizar os sujeitos. Nes-sa imagem, há vários quadros de mulheres identificadas como prostitutas russas que materializam a tentativa de classificar, en-quadrar e decifrar a alteridade”, revelou.

Lombroso fazia perícias para ver se as mulheres estavam dentro dos padrões de normalidade. Foucault, relatou a mestran-da, era muito crítico a essa forma de classi-ficar os sujeitos. Para ele, essas são formas elementares de querer moralizar, até para dar justificativas. “O perfil da prostituta foi sendo construído em torno de uma oposi-ção, que aparentemente possuía lógicas es-táveis, mas que não era bem assim, muito menos transparente.”

Karine apontou que Lombroso colaborou perfidamente para a propagação da ideia de colar a imagem da prostituta a um rosto. Ele disseminava documentos nos quais a pros-tituta tinha queixo quadrado, determinado tipo de olho, de rosto, de cabelo – caracterís-ticas que fechavam um perfil. “Documentos médicos e jurídicos nomeavam a prostituição como tudo aquilo que escapava aos padrões. E as prostitutas? Elas iam se tornando social-mente tudo aquilo que não era dito ‘honesto’ e nem ‘normal’ para casar.”

VOZES SILENCIADASNo trabalho, não foram obtidos depoi-

mentos com as vozes das prostitutas. Elas foram ditas pela fala do outro: do médico, do literato, do jurista. Com isso, sua ima-gem foi sendo pautada por esses dizeres e assentadas sobretudo no imaginário do pe-rigo, do prazer e da perversão.

Chegou um momento em que essa ima-gem trazia o conceito do luxo desmedido, todavia também era comparada ao esgoto, à doença e à degenerescência moral. “Era uma figura contraditória, pois se admitia sua extrema beleza e que era um mal ne-cessário, porém era vista como alguém de quem se deve afastar”, ressaltou.

Incomodou muito Karine que as pesso-as atribuíssem às prostitutas uma liberdade que ficava apenas no campo imaginário em relação à considerada “mulher honesta”.

A linguista Karine de MedeirosRibeiro, autora da pesquisa:“É necessário desmistifi car essepensamento de que o sabercientífi co é inquestionável”

Imaginou-se que ela fosse mais livre do que de fato era. “Argumentava-se que ela podia circular pela rua sem marido, sem filhos, en-quanto a mulher casada, não.”

A primeira personagem na literatura que apareceu ligada à prostituição foi Lucíola, de José Alencar. Numa das cenas, o personagem Paulo estava numa festa e viu uma mulher chegando, que o encantou. Então perguntou a um amigo “quem era aquela senhora?” A resposta foi “o sorriso inexprimível, mistura de sarcasmo... que desperta nos elegantes da corte a ignorância de um amigo, profano na difícil ciência das banalidades sociais”.

Na conversa deles, aparecia uma distinção entre uma senhora (mulher distinta) e uma mulher bonita (a prostituta). Paulo depois

falou: “Corei de minha simplicidade provin-ciana, que confundira a máscara hipócrita do vício com o modesto recato da inocência”.

Ocorre que Karine notou que não só na literatura, mas também na linguagem jurídi-ca, se textualizava a diferença entre a mulher honesta e a prostituta, até mesmo em termos de lei. O Código Penal de 1890 separava a situação em que um homem estupra uma mulher honesta. Ele tinha que cumprir uma pena com tempo maior do que se estuprasse uma prostituta. Os juristas contemporiza-vam que, com a prostituta, as circunstâncias teriam atenuantes, visto que não seria afeta-da a sua honra e sim a sua liberdade.

A pesquisadora também notou como a linguagem ia textualizando outras contradi-ções, como uma barreira “aparentemente” invisível que separa dois mundos. Na obra O Cortiço, de Aluisio de Azevedo, por exem-plo, Leonie era uma prostituta que ostenta-va luxo e que iniciou sexualmente a jovem Pombinha na prostituição.

Logo, na literatura, a prostituta vai sendo vista como um efeito de causa e consequên- cia. Ali se materializou ainda a influência do meio, uma vez que o cortiço é olhado até hoje como espaço de imoralidade”, perce-beu Karine. “Esse é um efeito construído, e há ecos na sociedade de falar mal dos cor-tiços e favelas por esse motivo. Seria até o caso de sondar como isso soa diferente, por-que hoje se dá mais voz à prostituta do que anteriormente.”

ISABEL [email protected]

Foto: Antonio Scarpinetti

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Dissertação: “Perigos e prazeres: Discursos sobre a prostituição na lite-ratura oitocentista do Rio de Janeiro”Autora: Karine de Medeiros RibeiroOrientador: Claudia Regina Cas-tellanos PfeifferUnidade: Instituto de Estudos da Linguagem (IEL)Financiamento: CNPq

Houve alguns movimentos na década de 1960 abordando a prostituição com vistas a uma regulamentação completamente dife-rente do século 19. Nessa época, procura-va-se enquadrar a prostituta no lugar, nos exames médicos. “Mesmo assim, se fazia um eco de que o meio influencia o sujeito”, salientou.

Na obra Bom Criolo, de Adolfo Caminha, Karine olhou apenas para a prostituta do romance que materializa o imaginário da doença. No seu auge, essa personagem fi-cou doente e ninguém a queria. A linguista também encontrou no próprio Bom Criolo a temática da prostituição, porque viu que a pederastia foi aos poucos sendo chamada de prostituição no discurso médico brasileiro do século 19.

Em um trecho, esse personagem falava que não acreditava que se daria ao comércio grosseiro entre indivíduos do mesmo sexo. “Ele foi se vendo como uma anomalia”, re-parou. “É estranho como os médicos con-cebiam a sexualidade dita desviante, como a pederastia e o tribadismo (práticas lesbia-nas), ligada à prostituição.”

A maneira de Karine se manifestar foi apontando essas contradições na lingua-gem. “É necessário desmistificar esse pen-samento de que o saber científico é inques-tionável e sinalizar que as evidências que normalizaram e classificaram esses sujeitos são atitudes perversas.”

VOZESA literatura pornográfica no Rio de Ja-

neiro tinha um selo indicando que somente poderia ser lida por homens. Mas os livros canônicos (como Lucíola, Bom Criolo e O Cor-tiço) podiam ser lidos pelas mulheres. Então como se fazia para que a prostituta não fos-se um modelo a ser seguido?

Geralmente, os literatos escreviam finais trágicos, punindo a prostituição. Tanto é fato que Lucíola morreu, e não foi perdoada. Em O Cortiço, a mãe de uma das persona-gens morreu de desgosto (punição indireta) e, no Bom Criolo, ele assassinou seu amante. São sempre finais trágicos, como assassina-tos, mortes, violência, doenças.

No imaginário social, diferentes vozes vão se entrecruzando e um discurso mo-ral vai atravessando-as. Também acontece o contrário. Há relatos de juristas e médi-cos que falam que a obra Bom Criolo mos-tra como funciona a pederastia, mas que ela não existe desse modo. No entanto, simul-taneamente pegam essas obras como mode-lo para retratar a realidade.

O que é mais cruel de tudo na prostitui-ção, disse Karine, é colocar esse lugar natura-lizado como se a prostituta fosse aquela imo-ral que merece ser punida e estigmatizada. De outra via, também apurou que a literatura oitocentista também dá voz à mulher, que não a tinha anteriormente. “A prostituta na li-teratura teve então alguma voz, apesar desses enquadramentos, dessas classificações e des-sa moral que ali estava atuando”, finalizou.

Prostitutas russas em trabalho do italiano Cesare Lombroso: ciência a serviço da estigmatização

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Da ficção ao real

Marinheiros em prostíbulo no Rio de Janeiro, em foto publicada em 1920 na revista “Careta”

Charge publicada em 1870 na revista “A Rabeca”: propagando o preconceito