CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

62
SINOPSE O trabalho tem por finalidade discorrer acerca do sujeito passivo do mandado de segurança, tema ainda muito discutido na doutrina e na jurisprudência. Expõe os elementos constitucionais sobre o mandado de segurança, identificando o ato coator e a autoridade coatora. Envolve questões como quem deve figurar no pólo passivo da demanda, explicando as posições doutrinárias, qual a natureza jurídica das informações, quem possui legitimidade recursal, entre outras questões relevantes.

Transcript of CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

Page 1: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

SINOPSE

O trabalho tem por finalidade discorrer acerca do sujeito passivo do mandado

de segurança, tema ainda muito discutido na doutrina e na jurisprudência. Expõe os

elementos constitucionais sobre o mandado de segurança, identificando o ato coator

e a autoridade coatora.

Envolve questões como quem deve figurar no pólo passivo da demanda,

explicando as posições doutrinárias, qual a natureza jurídica das informações, quem

possui legitimidade recursal, entre outras questões relevantes.

Page 2: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

2

Page 3: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

3

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 4

2. A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO MANDADO DE SEGURANÇA ........................... 6

2.1. O MANDADO DE SEGURANÇA NAS CONSTITUIÇÕES ANTERIORES ............................ 62.2. O MANDADO DE SEGURANÇA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 ..................................... 8

2.2.1. A concessão do Mandado de Segurança ............................................... 82.2.2. Do Direito líqüido e certo ........................................................................ 92.2.3. Do Habeas corpus e Habeas data........................................................ 102.2.4. Da Ilegalidade ou Abuso de Poder ....................................................... 122.2.5. Das Pessoas Jurídicas de Direito Público ............................................ 132.2.6. Da Autoridade Pública ou Agente de Pessoa Jurídica no exercício deatribuições do Poder Público ......................................................................... 14

3. A AUTORIDADE COATORA ............................................................................... 17

3.1. O ATO COATOR ............................................................................................... 173.2. DA IDENTIFICAÇÃO DA AUTORIDADE COATORA .................................................... 19

4. O SUJEITO PASSIVO NO MANDADO DE SEGURANÇA.................................. 24

4.1. CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS ..................................................................... 244.2. O SUJEITO PASSIVO ......................................................................................... 264.3. A AUTORIDADE COATORA COMO SUJEITO PASSIVO NO MANDADO DE SEGURANÇA 274.4. DO LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO ..................................................................... 324.5. A AUTORIDADE COATORA EM LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO COM A PESSOA JURÍDICADE DIREITO PÚBLICO COMO RÉUS NO MANDADO DE SEGURANÇA................................. 334.6. A PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO COMO SUJEITO PASSIVO...................... 35

5. NATUREZA JURÍDICA DAS INFORMAÇÕES.................................................... 40

7. LEGITIMIDADE RECURSAL ............................................................................... 45

8. CONCLUSÕES .................................................................................................... 49

9. BIBLIOGRAFIA.................................................................................................... 52

Page 4: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

4

1. INTRODUÇÃO

O mandado de segurança constitui-se em garantia Constitucional, previsto no

artigo 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal de 1988.

É o meio posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica para a proteção

de direito individual ou coletivo, líqüido e certo, não amparado por habeas corpus ou

habeas data, lesado ou ameaçado de lesão, por ato de autoridade.

É regulamentado pela Lei 1.533/51, que afirma em seu art. 1º que o mandado

de segurança será concedido sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder,

alguém sofrer violação ou houver justo receio a sofrer por parte de autoridade. Para

os efeitos dessa Lei, são consideradas autoridades os representantes ou

administradores das entidades autárquicas e das pessoas naturais ou jurídicas com

funções delegadas do Poder Público (art. 1º, § 1º).

A finalidade do estudo é responder à questão, ainda bastante discutida na

doutrina e na jurisprudência, a respeito do papel que possui a autoridade na relação

processual. Se atua como parte passiva direta; ou em litisconsórcio necessário com

a pessoa jurídica de direito público; ou, ainda, se limita apenas a prestar

informações. É necessário esclarecer qual a natureza jurídica dessas informações.

O agente efetivamente contesta a ação, ou, apenas descreve os fatos e

fundamenta o ato praticado? Neste caso, a autoridade tem o dever de informar com

a verdade?

Page 5: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

5

Outro problema inerente está relacionado à atuação da pessoa jurídica à qual

a autoridade está vinculada. Qual é a sua função? Deve figurar como pólo passivo

direto ou como mero litisconsórcio da autoridade?

O fato de a autoridade ser ou não parte da ação abrange, ainda, o problema

da legitimidade recursal. Quem possui legitimidade para recorrer? A autoridade, a

pessoa jurídica de direito público ou ambas? Do ponto de vista dos efeitos, há

diferença entre ser parte no sentido processual ou material.

Para obter uma adequada compreensão dessas questões, procuramos

primeiramente entender os elementos enunciados no dispositivo constitucional

acerca do mandado de segurança, especificando, ainda, as pessoas jurídicas de

direito público.

Procuramos identificar o ato coator e a autoridade coatora para que

pudéssemos discorrer acerca do tema aqui examinado. Recorremos também ao

conceito de parte, sujeito passivo e legitimidade.

Tentamos ilustrar as três posições doutrinárias a respeito do sujeito passivo

do mandado de segurança, observadas as questões de ilustres mestres que

expuseram suas opiniões sobre o assunto, para que procurássemos responder as

indagações aqui presentes.

Dessa forma, pretendemos ampliar horizontes sobre o estudo da legitimação

passiva do mandado de segurança, que, mesmo após 52 anos de existência da Lei

1.533/51, ainda encontra divergências.

Page 6: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

6

2. A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO MANDADO DE SEGURANÇA

2.1. O Mandado de Segurança nas Constituições anteriores

Omisso na Constituição Federal de 1891, apenas com a de 1934, no art. 113,

§ 331, é que se instituiu o mandado de segurança em nosso ordenamento jurídico.

Porém, por tal definição, o processo seria o mesmo do habeas corpus.

No Direito brasileiro, o habeas corpus antecedeu ao mandado de segurança.

Apesar de não previsto na Constituição de 1824, a legislação ordinária implantou tal

instituto no nosso sistema ainda durante o Império. Em 1891, passou a ser garantia

constitucional pela Lei Maior desse ano. Mas os demais direitos, que não o de

locomoção, permaneciam não tutelados.

De 1891 a 1926, vê-se um gradativo alargamento da utilização do habeas

corpus. A reforma introduzida em 1926 colocou um ponto final em sua interpretação

ampliativa, deixando claro que a medida só seria concedida para proteção do direito

de locomoção.

Surge, então, a necessidade de um remédio específico, de outras ações

rápidas e seguras para atender as situações urgentes, não atendidas pelo habeas

corpus. Foi então que se instituiu o mandado de segurança na Constituição de 1934.

A Carta ditatorial de 1937 ignorou o instituto, silenciando a respeito,

1Art. 113, § 33, CF/1934: “Dar-se-á mandado de segurança para a defesa de direito, certo eincontestável, ameaçado ou violado por ato manifestadamente inconstitucional ou ilegal de qualquerautoridade. O processo será o mesmo do habeas corpus, devendo sempre ser ouvida a pessoa dedireito público interessada. O mandado não prejudica as ações petitórias competentes”.

Page 7: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

7

“baixando-o" à categoria de medida ordinária processual. Com a Constituição de

1946, voltou a ter status constitucional, inserido no capítulo relativo aos direitos e

garantais individuais, art. 141, § 24 e definido como meio de proteção de direito

líqüido e certo não amparado por habeas corpus, seja qual for a autoridade

responsável pela ilegalidade ou abuso de poder.2

A Lei Magna de 1967, no art. 150, § 213, reproduziu o conceito corrente do

mandado de segurança, mas lhe acrescentou o termo “individual” ao direito líqüido e

certo.

Com a supressão do vocábulo “individual”, a EC nº 1, de 1969, em seu art.

153, § 214, conservou-se o conceito de mandado de segurança na Constituição de

1967.

O texto de 1988 ampliou o campo de incidência do mandado de segurança.

Ao lado dos balizamentos tradicionais (direito líqüido e certo não amparado por

habeas corpus; ato eivado de ilegalidade ou abuso de poder, por parte de autoridade

pública), a Carta Maior, em seu art. 5º, inciso LXIX, tornou expressa a possibilidade

do remédio quando o ato coator provier de agente da pessoa jurídica, no exercício

delegado de atribuições do Poder Público. E, no inciso LXX do mesmo preceptivo,

abrigou, por fim, a legitimação ativa coletiva, passando a proteger também o direito

coletivo.

2Art. 141, § 24, CF/1946: “Para proteger direito líqüido e certo não amparado por habeas corpus,conceder-se-á mandado de segurança, seja qual for a autoridade responsável pela ilegalidade ouabuso de poder”.3 Art. 150, § 21, CF/1967: “Conceder-se-á mandado de segurança, para proteger direito individuallíqüido e certo não amparado por habeas corpus, seja qual for a autoridade responsável pelailegalidade ou abuso de poder”.4 Art. 153, § 21, CF/1969: “Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líqüido e certonão amparado por habeas corpus, seja qual for a autoridade responsável pela ilegalidade ou abusode poder”.

Page 8: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

8

2.2. O Mandado de Segurança na Constituição de 1988

O mandado de segurança está previsto no artigo 5º, inciso LXIX, da

Constituição Federal de 1988, que dispõe: “conceder-se-á mandado de segurança

para proteger direito líqüido e certo, não amparado por habeas corpus e habeas

data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade

pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”.

Primeiramente, é preciso compreender os elementos enunciados no

dispositivo constitucional.

2.2.1. A concessão do Mandado de Segurança

Determina-se que seja concedido ou outorgado o mandado de segurança.

Trata-se de norma dirigida à autoridade judicial, no plano da respectiva competência,

que, em nossa organização, tem poder para tal concessão ou outorga cogente.

A concessão da segurança é impositiva ao julgador quando a ilegalidade ou

abuso de poder descritos na petição inicial forem admitidos como verdadeiros. Para

impetrar o mandado de segurança é suficiente que o impetrante afirme ter sido

vítima de tal ilegalidade. A verificação de sua existência relaciona-se com a

concessão do mandado de segurança.

Estabelece-se que a autoridade judicial competente deve dar, como prestação

jurisdicional, a sentença mandamental de segurança, defendendo e preservando o

direito líqüido e certo afetado pela ilegalidade ou abuso de poder. É uma sentença

Page 9: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

9

ordenativa, obrigatória e cumprível de imediato, sem nova ação, como ocorre com as

sentenças condenatórias. Diante do princípio da inércia jurisdicional, aparece a

necessidade da demanda, como ato inicial, instrumentalizada na petição inicial.

2.2.2. Do Direito líqüido e certo

O mandado será emitido para proteger direito líqüido e certo, cuja existência e

delimitação são claras e passíveis de demonstração documental.

É preciso que o direito seja existente, inequivocadamente, e definido em seu

conteúdo. Há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e

condições de sua aplicação. Se depender de comprovação posterior, não é líqüido

nem certo, para fins de segurança.

As provas tendentes a demonstrarem a liqüidez e a certeza do direito devem

ser documentais. Exige-se a prova pré-constituída das situações e fatos que

embasam o direito invocado pelo impetrante.

O impetrante deverá demonstrar, já com a petição inicial, em que consiste a

ilegalidade ou abusividade que pretende ver expungida do ordenamento jurídico,

não havendo espaço para que se demonstre sua ocorrência no decorrer do

procedimento. A única exceção é a regulada pelo art 6º, parágrafo único da Lei

1.533/51.

Ou seja: a locução “direito líqüido e certo” diz respeito, na verdade, à certeza

dos fatos que são narrados na inicial. Se os fatos são incontroversos, estão

Page 10: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

10

perfeitamente comprovados, é possível a utilização do mandado de segurança. A

questão relativa à existência ou não do direito que o impetrante afirma na inicial é

própria do mérito do mandado de segurança.

Contudo, Sérgio Ferraz afirma que o direito tido como certo e incontestável é

concepção equivocada e simplista, pois somente as questões muito simples e de

extrema evidência seriam acessíveis ao mandado de segurança. “Repise-se: a maior

ou menor complexidade do tema litigioso não é e jamais foi condição da ação de

segurança”5.

Dessa lição do ilustre jurista uma conclusão emerge: não pode ser condição

da ação o direito certo e inconteste, pois a simplicidade dos fatos e do direito

alegado não exige total evidência, mas o que deve ser condição da ação de

mandado de segurança é direito líqüido e certo, que não requeira aprofundamento

probatório, isto é, que nos autos existam elementos suficientes de modo a

possibilitar o deslinde da lide.

2.2.3. Do Habeas corpus e Habeas data

Como se viu, algum tempo vacilou-se, no direito brasileiro, entre o emprego

do mandado de segurança e o habeas corpus, para o resguardo de determinados

direitos líqüidos e certos, violados por ato de autoridade.

A reforma de 1926 tentou delimitar seu campo, reduzindo-o tão só à proteção

da liberdade corporal. A partir de 1937, a orientação da jurisprudência firma-se no

5Sérgio Ferraz. Mandado de Segurança individual e coletivo: aspectos polêmicos, p. 19.

Page 11: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

11

sentido de que o habeas corpus é “remédio específico para a liberdade de

locomoção”, reservando o mandado de segurança para “outros direitos ameaçados

ou violados”.

A Constituição de 1946 aproximou ainda mais do que a de 1934 no

parentesco entre habeas corpus e mandado de segurança. A distinção completa e

nítida entre os dois institutos foi estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal em

1947.

Inspirada na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, a

Constituição de 1988, no art. 5º, LXI e LXVIII6, regula a prisão de pessoas e

determina a concessão de habeas corpus, no caso de violência ou coação ilegal e

abusiva, constrangedoras da liberdade de locomoção. Continua como pressuposto o

impedimento ilegal ou abusivo do direito de locomoção. Trata-se de garantir o livre

gozo do direito à liberdade física de ir, vir, ficar e permanecer.

Residualmente, do mandado de segurança, nasce o habeas data, novidade

da Constituição de 1988, em seu art. 5º, inciso LXXII7. É concedido para assegurar o

conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de

banco de dados de entidades de caráter público, ou de registro, ou para retificação

de dados.

Portanto, não sendo caso de habeas corpus ou habeas data, é cabível a

6Art. 5º, LXVIII, CF/1988: “Conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se acharameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso depoder”.7Art. 5º, LXXII, CF/1988: “Conceder-se-á habeas data: a) para assegurar o conhecimento informaçõesrelativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou banco de dados de entidades

Page 12: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

12

utilização do mandado de segurança, desde que presentes os demais pressupostos

constitucionais.

2.2.4. Da Ilegalidade ou Abuso de Poder

A administração pública está sujeita aos princípios da legalidade,

impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Enquanto o particular tem a

liberdade de praticar atos que a lei não proíbe (art. 5º, II, da CF/88), a autoridade

pública só pode fazer o que a lei autoriza.

Na administração pública direta, indireta ou fundacional de quaisquer dos

poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art.37, CF/88),

deve-se obediência à lei, inclusive no exercício de competências discricionárias.

A ilegalidade configura-se pela contrariedade ao direito, de um modo geral. O

abuso de poder consiste na ultrapassagem das atribuições ou da competência ou o

desvio dos princípios ou da finalidade da função exercida. Constitui ato ilícito, quer

decorra de excesso ou desvio de seu objetivo.

Não só os atos comissivos, mas, também, os omissivos, podem ser ilegais ou

abusivos, lesando direitos líqüidos e certos, ou constituindo séria ameaça de lesão.

governamentais ou de caráter público; b) para retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo porprocesso sigiloso, judicial ou administrativo”.

Page 13: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

13

2.2.5. Das Pessoas Jurídicas de Direito Público

Cumpre-nos compreender, sucintamente, acerca das pessoas jurídicas de

Direito Público.

As pessoas jurídicas, também chamadas pessoas coletivas, podem ser

definidas como associações ou instituições formadas para a realização de um fim.

São reconhecidas pela ordem jurídica como sujeitos de direito.

Classificadas quanto às suas funções e capacidade, as pessoas jurídicas são

de direito público, interno ou externo, e de direito privado (art. 40, do Código Civil).

As pessoas jurídicas de direito público interno estão enumeradas no art. 41,

do Código citado, quais sejam: a União, os Estados, o Distrito Federal e os

Territórios, os Municípios, as autarquias e as demais entidades de caráter público

criadas por lei.

A atividade exercida pelo Estado é dupla: jurídica e social. Jurídica é a

atividade que visa o asseguramento da ordem jurídica interna, com a manutenção

da ordem pública e da justiça. A atividade social tem por objeto a promoção do bem

comum.

Para preencher as suas funções e realizar esses fins, o Estado lança mão de

pessoas físicas, agentes e funcionários públicos, aos quais delega os necessários

poderes. Age, assim, por meio de representantes, cujos atos, em última análise, são

atos da própria administração pública.

Page 14: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

14

2.2.6. Da Autoridade Pública ou Agente de Pessoa Jurídica no

exercício de atribuições do Poder Público

O art. 5º, inciso LXIX, da CF/88, restringiu-se à autoridade pública de que

trata o direito público constitucional e administrativo. Entende-se por autoridade

pública o poder de que se investem certas pessoas, de o exercer sobre outra, em

virtude de sua posição de ocupante de cargo, emprego ou função pública.

José da Silva Pacheco8 entende que “autoridade pública é o Poder Público de

que se investe uma pessoa, em função de sua situação ou estado dentro da

organização estatal, que compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os

Municípios (art. 18, da CF/88), a administração pública direta, indireta ou fundacional

de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios (art. 17, da CF/88)”.

Também particulares, quando exercentes de função pública, o que é possível

pelo instrumento da delegação, podem ser alvo de mandado de segurança naquilo

que diz respeito à delegação. Daí a admissibilidade, pela jurisprudência, de

mandados de segurança contra dirigentes de escolas particulares ou de particulares

prestadores de serviços públicos.

Agente é a pessoa física que atua em nome e por conta da pessoa jurídica de

direito público (União, Estado, Distrito Federal, Município, autarquia) ou privado

(empresa pública, sociedade de economia mista, fundação ou entidade privada).

Embora não o diga, expressamente, como fez no § 6º do art. 37 da CF/88,

8José da Silva Pacheco. O Mandado de Segurança e outras Ações Constitucionais Típicas, p. 171

Page 15: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

15

refere-se a parte final do inciso LXIX do art. 5º da Constituição, aos serviços

públicos.

Como assevera J. Cretella Jr.9, “agente de pessoa jurídica pode ser agente de

pessoa jurídica pública e, nesse caso, autoridade pública, como pode, também, ser

agente de pessoa jurídica privada, e, nesse caso, no exercício da atribuições do

Poder Público.”

Deve-se lembrar que a autoridade pública e o administrador só podem fazer o

que a lei autoriza e dentro do que a lei lhes define como suas atribuições. Não

podem ultrapassar os limites de suas atribuições ou se desviarem das finalidades de

suas funções.

Dada a previsão constitucional do mandado de segurança, não pode haver

dúvida quanto à circunstância de ele ser mecanismo apto a coibir qualquer atividade

ilícita em suas mais diversas formas de manifestação por qualquer um que exerça

função pública. É meio de defesa do cidadão contra um eventual desvio de poder do

Estado ou de quem produza atos ou fatos jurídicos em nome do Estado.

A exemplo de todos os direitos e garantias definidos na Constituição,

prescinde o mandado de segurança de qualquer disciplina infraconstitucional para

seu funcionamento e aplicação concretos, nos exatos termos do § 1º, do art. 5º, da

CF/88.

Em 31 de dezembro de 1951 foi editada a Lei nº 1.531, que, com algumas

alterações, é o diploma que, até nossos dias, rege esse fundamental instrumento da

cidadania brasileira. Mais do que isso: o alocamento do mandado de segurança

9 J. Cretella Jr.. Comentário à Constituição de 1988, vol. II, p. 697.

Page 16: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

16

entre os direitos e garantias não é passível de subtração por emenda à Constituição

(art. 60, § 4º, IV, CF/88).

Page 17: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

17

3. A AUTORIDADE COATORA

3.1. O Ato Coator

O objeto do mandado de segurança será sempre a correção de ato ou

omissão de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de

atribuições do Poder Público. Um ato é considerado coator se ilegal ou abusivo de

poder, que ameace ou viole direito líqüido e certo do impetrante.

A identificação da autoridade coatora depende, sempre, da causa de pedir da

ação, e, portanto, da identificação do ato coator que se pretende impugnar.

De imediato, ao se falar em ato coator, tem-se em mente o ato administrativo.

Importante ter presente a individualização do ato que se pretende questionar pelo

mandado de segurança dentro da esfera administrativa, até para que a identificação

da autoridade coatora seja a mais correta possível.

É no evoluir dos conceitos que se pacificou que o ato administrativo coator

pode provir de agente de quaisquer dos Poderes Estatais, bem como de agentes a

quem se delegue a execução de atribuições do Poder Público.

Assim é que, “para atos sujeitos a controle (que são perfeitos, mas dependem

de um ato homologatório ou aprobatório posterior para adquirir eficácia), atos

complexos (dependentes do concurso de vontade de duas autoridades, somente se

aperfeiçoando com a junção de duas vontades) e atos colegiados (praticado por

Page 18: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

18

uma pluralidade de pessoas, e que só existem quando completada a deliberação

respectiva, inexistindo até esse instante final), deve ser observado o instante em que

se impugna o ato judicialmente”.10

Apela Celso Agrícola Barbi11 para a distinção entre os atos que a

Administração pratica como Poder Público, com prerrogativas e meios especiais,

como, por exemplo, lança impostos, desapropria bens, etc., e os atos que a

Administração pratica como pessoa privada, o que se dá quando contrata a

aquisição de bens, a locação de imóveis, etc..

E acrescenta ser pacífico na doutrina brasileira: “Que o mandado de

segurança só será remédio adequado se o ato lesivo ou ameaçador tiver sido

praticado pelo Estado como Poder Público, excluídos, assim, os atos em que ele

tenha agido como pessoa privada, pois, nesses casos estará sujeito apenas aos

remédios comuns das leis processuais”.

É necessário salientar que só não se admite mandado de segurança contra

atos meramente normativos, leis em tese, (Súmula 266, do STF) e contra a coisa

julgada. As Leis e os decretos gerais, enquanto normas abstratas, não são

suscetíveis de lesar direitos, salvo quando proibitivos. Somente a lei e decretos de

efeitos concretos tornam-se passíveis de mandado de segurança. A coisa julgada só

é invalidável por ação rescisória (art. 485, do Código de Processo Civil e Súmula

268, do STF).

10Cassio Scarpinella Bueno. Mandado de Segurança – Comentários às Leis nº 1.533/51, 4.348/64 e5.021/66 e outros estudos sobre Mandado de Segurança, p. 23.11Celso Agrícola Barbi. Do Mandado de Segurança, p. 92.

Page 19: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

19

3.2. Da identificação da Autoridade Coatora

Deflui do texto constitucional a possibilidade de ser impetrado mandado de

segurança contra quem quer que seja autoridade.

De seu turno, o art 1º, da Lei 1.533/51, lei específica que dispõe sobre tal

instituto, afirma, in verbis:

Art. 1º. Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líqüido e

certo não amparado por habeas corpus, sempre que, ilegalmente ou com abuso de

poder, alguém sofrer violação ou justo receio de sofrê-la por parte de autoridade,

seja de que categoria for ou sejam quais forem as funções que exerça.

§ 1º. Consideram–se autoridades para efeitos desta Lei, os representantes ou

administradores das entidades autárquicas e das pessoas naturais ou jurídicas com

funções delegadas do Poder Público, somente no que entender com essas funções.

O art. 1º, § 2º, III, da Lei nº 9.784/99, que “regula o processo administrativo no

âmbito da Administração Pública Federal”, define autoridade como “o servidor ou

agente público dotado de poder de decisão”. Embora as regras dessa lei tenham

aplicabilidade restrita à Administração Federal, o conceito é válido para todas a

demais esferas federadas.

Autoridade impetrada, pois, deve ser a pessoa física que, em nome da

pessoa jurídica à qual está vinculada, tenha poder de decisão, isto é, de

desfazimento do ato guerreado no mandado de segurança.

É aquela que detém poder e competência para decidir. É a única que, além

Page 20: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

20

de poder praticar atos executórios, pratica atos decisórios. É aquela autoridade da

qual emana o ato ilegal ou abusivo de poder e a legitima para dispor de condições

para restaurar o status quo ante. De outro tanto, o agente público é o executor do

ato, que pode ou não se confundir na pessoa da autoridade coatora.

Enquanto a autoridade coatora tem poder de decisão, e, portanto, de alterar a

irregularidade combatida, o agente público encontra-se despido de competência

para a prática de atos decisórios.12

No pensamento de Lucia Valle Figueiredo, a autoridade coatora “é o agente

administrativo que pratica ato passível de constrição”. Em outras palavras, “é aquela

que efetivamente pratica o ato, ou que tem poder legal de praticá-lo nos casos de

omissão, é aquela designada pelo ordenamento jurídico, aquela a quem a regra de

competência obriga à prática do ato.”13

Desse modo, pode-se compreender a autoridade coatora como aquela que,

além de mera executora material do ato abusivo ou ilegal, é aquela que decide,

sendo capaz de corrigir a ofensa ao direito líqüido e certo do impetrante. Assim,

afasta-se a possibilidade de ser apontado como coator aquele que recomenda a

abstenção ou atuação, ou aquele que estabelece normas abstratas para a execução

do ato (ou para a omissão descabida).

Para Hely Lopes Meirelles, autoridade não é quem elabora normas gerais,

nem quem cumpre materialmente o ato, mas quem tem competência para desfazer

12Compreensão também consagrada na jurisprudência: “Autoridade coatora é aquela que ordena ouomite a prática do ato impugnado, e não o superior que recomenda ou baixa normas para suaexecução.” (STJ – 1ª T. Resp – 62.147-7 – Rel. Min. Demócrito Reinaldo – j. 07.06.1995 – DJU14.08.1995, p. 23.989)13Lucia Valle Figueiredo. Mandado de Segurança, p. 18-19.

Page 21: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

21

seus efeitos.14

Um problema concernente à autoridade coatora, que normalmente ocorre,

sobretudo nas questões tributárias, é a inexistência aparente de quem esteja a

constranger. Muitas vezes não é fácil descobrir a autoridade coatora, principalmente

para o administrado.

A exata determinação de quem seja a autoridade coatora nos casos

concretos é da maior importância, porque disso depende a fixação do órgão

competente para o julgamento, uma vez que, segundo o nosso direito positivo, a

competência para conhecer dos mandados de segurança não deriva da natureza da

questão ajuizada, e sim da hierarquia da autoridade que praticou o ato impugnado

por aquela via processual.

Todavia, mesmo nessa apertada síntese, o problema da caracterização do

coator não se apresenta pacífico. Para o resolver, Sérgio Ferraz15 propõe o

estabelecimento de uma dicotomia: atos praticados por deliberação do próprio

agente; atos praticados em execução de ordem superior.

Na primeira fase, não se põe dúvida: coator é aquele que desempenhou a

atividade impugnável. Para o autor, “a materialização do ato é que define a

autoridade que se pode apontar como coatora”16

Na segunda fase, a controvérsia pode desenvolver-se com amplitude. Pontes

de Miranda17, por exemplo, diz que coator é o executor da ordem. Mas adiciona que

14Hely Lopes Meirelles. Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado deInjunção, “Habeas data”, p. 25.15Sérgio Ferraz. Mandado de Segurança individual e coletivo: aspectos polêmicos, p. 48.16 Op. cit., p. 48.17Pontes de Miranda. Comentários ao Código de Processo Civil, p. 158-159.

Page 22: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

22

o agente não é o coator se praticou ato em “obediência a ordem direta” da

autoridade superior, que seria, então, o alvo do writ.

Porém, tal solução parece-nos incompleta. Não só em razão da regra contida

no art. 3º da Lei de Introdução ao Código Civil, mas, também, por força do vetor da

Administração Pública, o princípio da legalidade. Ao mero executor também se

impõe o princípio em tela18. Portanto, no caso de pluralidade de autoridades

constritoras, o mandado deverá ser endereçado contra todas elas.

Pela mesma razão, idêntica solução se impõe, quando em face do ato coator

submetido a controle de autoridade superior. Assim prevalece no STJ: “Se o ato

administrativo de outorga das permissões tinha sua validade condicionada à

aprovação da autoridade que lhe emprestou eficácia no mundo jurídico, quem

praticou esse ato é parte legítima para responder ao mandado de segurança” (RMS

612, Rel. Min. Hélio Mosimann, DJU 17.12.92, p. 24.232).

Ainda pela mesma razão, a solução exposta também prevalecerá no caso de

atos complexos. Observe-se que há uma soma de vontades, e comuns são os

interesses, sendo um ato uno, embora resultante da fusão de mais de uma vontade,

devendo, consoante entendimento de Hely Lopes Meirelles, ser feita apenas a

notificação da autoridade que nele inervem para seu aperfeiçoamento, inexistindo a

notificação de todos que participaram do ato.

Referentemente a atos coatores praticados mediante delegação, já há algum

tempo não há controvérsia, reinando a tese da Súmula 510, do STF, segundo a qual

coator é o agente delegado.

18Claro que, se o superior comparece à lide e defende a legalidade do ato, assume integralmente opapel de coator. Assim decidiu o STJ, no MS 774-0, Rel. Min. Milton Pereira, DJU 1.3.93, p. 2.474.

Page 23: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

23

Todavia, a grande controvérsia encontrada até hoje na Doutrina é a questão

do papel da autoridade coatora no mandado de segurança. Se atua como parte

passiva, se há litisconsórcio necessário com a pessoa jurídica de direito público, ou,

ainda, se é chamada apenas para prestar informações.

Sem desrespeitarmos as opiniões de ilustres autores que sustentam ser a

autoridade coatora parte efetiva no processo, seja como sujeito passivo direto ou

como litisconsórcio, pretendemos demonstrar neste trabalho que a autoridade atua

apenas como representante da pessoa jurídica de direito público, sendo esta a única

ré do mandado de segurança.

Page 24: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

24

4. O SUJEITO PASSIVO NO MANDADO DE SEGURANÇA

Ingressaremos no palpitante problema da legitimação passiva, em mandado

de segurança.

4.1. Considerações introdutórias

O direito de ação é atribuído ao titular de um interesse em conflito com o

interesse de outrem. Por meio da ação, aquele pretende a subordinação do

interesse deste ao próprio, ao que este resiste. Assim, na ação há dois sujeitos, um

sujeito ativo, o autor, e outro sujeito passivo, o réu, aos quais são abrangidos pela

denominação jurídica de partes.

Fixemo-nos na clássica lição de Chiovenda19, à qual “’parte é aquele que

demanda em seu nome (ou em cujo nome é demandada) a atuação de uma vontade

da lei, e aquele em face de quem essa atuação é demandada’”.

As partes iniciais no mandado de segurança são o impetrante e o impetrado.

Sem essa integração ativa e passiva, não se completa a relação processual

formadora da lide.

Não se chega a um conceito de parte sem, antes, extremar a idéia de parte

da relação material daquela que ocupa a parte na relação processual.

19in Instituições, vol. II, p. 320, apud Celso Agrícola Barbi. Do Mandado de Segurança. Rio de Janeiro:Forense, 2001, p. 117.

Page 25: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

25

Alguém que seja titular de uma situação subjetiva de vantagem, devidamente

tutelada pela ordem jurídica, será parte em uma relação jurídica material, de forma

que essa sua posição a coloque em condições de pretender uma prestação a ser

realizada em seu favor, prestação que cabe a outra pessoa, precisamente a parte

contrária, na mesma relação de direito material.

Ocorre que a situação de vantagem que a lei eventualmente estabeleça em

favor de alguém, pode não ser satisfeita espontaneamente pelo seu devedor, de

molde a tornar necessário o manejo de instrumento judicial capaz de obrigar o titular

do dever a prestar aquilo que o obriga a lei. Nesse acionar o Judiciário é que se

forma uma outra relação jurídica, já agora triangular: alguém pede ao Estado que

torne efetiva a situação de vantagem em seu favor estabelecida, com isso obrigando

a uma prestação o devedor da relação material (Estado – autor – réu), formando-se,

assim, a relação jurídica processual.

É conveniente deixar assente que o estabelecimento da relação processual

faz-se pelo simples afirmar a uma lesão a situação de vantagem. Isto fica dito para

que não se conclua, equivocadamente, que o autor da relação processual coincide

sempre com o autor da relação material.

A percepção do conceito de legitimidade é um pouco mais complexa do que a

de parte, porque a primeira dessas noções compreende a segunda,

complementando-a. Viu-se que as relações materiais têm uma estrutura de tipo

credor-devedor e que a relação processual é estabelecida, perante o juiz, sempre à

base da afirmação da existência de uma relação material, cujo objeto (a prestação)

não tenha sido, por hipótese, espontaneamente satisfeito pelo respectivo sujeito

passivo (o devedor). Ora, a coincidência, via de regra, entre o pólo da relação

Page 26: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

26

material (ativo ou passivo) afirmada como existente pelo autor e o pólo da relação

processual formalmente estabelecida, determina a afirmação da legitimidade. A

legitimidade, assim, é um ente relacional, basicamente uma espécie de identidade,

para usar-se da linguagem de Francesco Carnelutti, em sua obra Teoria geral do

direito.20

4.2. O Sujeito Passivo

Além das dificuldades teóricas e práticas para identificar a autoridade coatora,

o profissional do Direito depara-se com mais uma questão: quem é o sujeito

passivo? A autoridade coatora? A pessoa jurídica de direito público? Os dois?

Celso Agrícola Barbi, tratando do sujeito passivo no mandado de segurança,

relembra que a Lei 191/36, obediente ao texto constitucional de 1934, mandava citar

tanto a autoridade coatora como a pessoa jurídica de direito público, esta através de

seu representante legal. O Código de Processo Civil de 1939, preservando em linhas

gerais a sumariedade do procedimento, previu no art. 322, I e II, que a autoridade

coatora seria apenas notificada para prestar informações, enquanto citada seria a

pessoa jurídica de direito público. A Lei 1.533/51 previu no seu art. 7º apenas a

notificação da autoridade coatora para prestar informações, silenciando sobre a

citação da pessoa jurídica. Daí surgiram divergências.

20 Lejus, 1999, p. 47: “As relações, numa situação, correspondem ao recíproco modo de ser de doisentes, ou, de um modo geral, de dois objetos, mais exatamente, a reação que em nós determina nãojá a sua existência, mas a sua coexistência”. Uma das formas de relação, talvez a mais importante, éexatamente a igualdade, na doutrina de Carnelutti uma relação estática, porque estabelecida entreentes da mesma situação, apud Leonardo Castanho Mendes. “A legitimidade passiva da autoridadecoatora no mandado de segurança”. In: Aspectos Polêmicos e Atuais do Mandado de Segurança – 51anos depois. São Paulo: RT, 2002, p. 460-487.

Page 27: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

27

De regra, há três posições acerca da legitimidade jurídica do mandado de

segurança: a parte passiva é a autoridade coatora; as partes passivas em

litisconsórcio necessário são a autoridade coatora e a pessoa jurídica; a parte

passiva é a pessoa jurídica de direito público.

O que significa, pois, para nós, sujeito passivo? Inquestionavelmente, se por

tal entendermos aquele contra quem é dirigida a notificação para prestar

esclarecimentos e responder aos termos do mandado, os conceitos de autoridade

coatora e sujeito passivo confundem-se, ou melhor, o sujeito passivo acaba por ser a

própria autoridade coatora.

Contudo, ser sujeito passivo é mais do que ser um mero destinatário da

notificação ou citação. É, na verdade, o ente que vai suportar os efeitos da

pretensão deduzida em juízo pelo autor, daí porque não nos afigurar correta a

posição daqueles que sustentam ser a autoridade coatora o sujeito passivo.

4.3. A Autoridade Coatora como Sujeito Passivo no Mandado de

Segurança

Porém, para muitos autores, a autoridade coatora é tida com ré no mandado

de segurança. É a opinião, por exemplo, de Hely Lopes Meirelles21: “o impetrado é a

autoridade coatora, e não a pessoa jurídica ou o órgão a que pertence e ao qual seu

ato é imputado em razão do ofício”.

Manifestava essa opinião apesar de reconhecer que, “(...) quanto aos efeitos

Page 28: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

28

patrimoniais da decisão final, serão suportados pela Fazenda Pública atingida pelo

ato coator, esteja ou não representada mo processo”.22

E entre os mais modernos defensores dessa tese, não podemos deixar de

mencionar a posição esposada por Cândido Rangel Dinamarco, que situava a

questão dentro do tema da substituição processual: “De regra e mais comumente,

quando se impetra o mandado de segurança, o titular da eventual relação jurídica

com o impetrante é uma pessoa jurídica. Normalmente, é o Estado de São Paulo ou

a Municipalidade de São Paulo, ou a União, ou alguma autarquia, o titular da relação

jurídica controvertida posta no processo pelo impetrante. No entanto, a lei confere

legitimidade passiva ao próprio autor do ato impugnado. É o caso típico, conforme

muito bem ressaltado pelo Min. Moacyr Amaral Santos, em artigo publicado sobre “A

natureza jurídica do mandado de segurança”, nos Arquivos do Ministério da Justiça,

v. 114, é caso típico, repito, de substituição processual ou de legitimação

extraordinária. Alguém, sem ser o titular de uma relação jurídica controvertida, tem,

no entanto, a titularidade de uma posição no processo. A autoridade coatora é,

portanto, o substituto processual da pessoa jurídica de direito público, nela

encarnada naquele momento”.

Cremos, todavia, com base em lições posteriores do mesmo autor, que essa

tese não é mais acolhida por ele.

Cumpre ressaltar, ainda, que a idéia de autoridade coatora como substituto

processual, como observou Cândido Rangel Dinamarco, já havia sido defendida por

21Op. cit., p.4422Op. cit., p.45

Page 29: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

29

Moacyr Amaral Santos:23 “(...) no papel que a autoridade coatora desempenha na

ralação processual, em que é sujeito sem dúvida, mas não funciona em defesa de

direito próprio, defende direito alheio, ou seja, da pessoa de direito público da qual é

órgão ou à qual se acha subordinada. Por outras palavras, a autoridade coatora

como sujeito passivo na relação processual, funciona como substituto processual da

pessoa jurídica de direito público, por isso que a lei a tanto lhe confere atribuição”.24

Podemos ainda citar Othon Sidou como defensor dessa opinião e que, após

analisar as opiniões num e noutro sentido, chega à conclusão de que ”(...) parte da

ação de mandado de segurança é a autoridade coatora (...)”.25

Embora neste trabalho se busque evidenciar que a parte passiva no mandado

23Moacyr Amaral Santos. “Natureza Jurídica do mandado de segurança”, Arquivos do Ministério daJustiça, 114-40, jun, 1970.24O Min. Antônio Pádua Ribeiro (“Mandado de segurança; alguns aspectos atuais”, In Mandados deSegurança e Injunção, p. 154, apud Carlos Augusto de Assis. Sujeito Passivo no Mandado deSegurança. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 23) também adota este posicionamento, como se percebedo seguinte excerto:

“O impetrado é a autoridade coatora, que figura no processo como ”substituto processual” dapessoa jurídica de direito público, e, portanto, como parte em sentido formal. Parte em sentidomaterial é a pessoa jurídica da qual a autoridade coatora é órgão. Tal colocação da autoridadecoatora como substituto processual não é referida, em geral, pelos doutrinadores. Quem a propôs, deforma magistral, foi o insigne Amaral Santos”.

Tal posicionamento da autoridade coatora é convincente, pois, na verdade, não funciona emdefesa de direito próprio, mas alheio. Ademais, permite resolver importantes questões processuais.Primeiramente é de ver-se que a sentença contra o substituto processual atinge o substituído. Deoutra parte, nada impede que a pessoa jurídica ingresse no processo como litisconsórcio daautoridade coatora. Aliás, há caso em que a autoridade coatora pode confundir-se com o própriorepresentante do ente público; é o caso dos prefeitos. Isso não se dá quanto aos chefes dosExecutivos, federal e estaduais, pois estes representam em juízo as entidades que governam; quemas representa são os seus procuradores (CPC, art. 12, I)”.25Othon Sidou. “Habeas data”, Mandado de Injunção, “Habeas corpus”, Mandado de Segurança eAção Popular; as Garantias Ativas dos Direitos Coletivos segundo a Nova Constituição, p. 209:

“Se partirmos de que a competência jurisdicional é mero pressuposto processual e não seconfunde com a legitimidade da parte, condição da ação, concluiremos que a parte da ação demandado de segurança é a autoridade coatora, pessoa natural, do mesmo modo como parte passivano habeas corpus e na ação popular é o agente da coação e o autor do atentado ao patrimôniopúblico. O mandado é concedido contra o executante do ato ilegal, para que ele próprio cumpra oobjeto da segurança e o corrija desfazendo-o ou executando-o, o que reforça a convicção de queparte passiva não é o órgão da Administração.

Argumentar que os ônus do processo de mandado de segurança são suportados não pelaautoridade coatora e sim pela pessoa jurídica de direito público não afiança, por si, que é a pessoajurídica a parte passiva na demanda, porque se é verdade que essa é a levada a absorver asconseqüências da sentença, não menos verdade é que a Administração reserva-se agir

Page 30: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

30

de segurança é a pessoa de direito público, é oportuno fazer algumas observações

sobre as palavras de Sérgio Ferraz, para quem a autoridade coatora não pode ser

parte, pois também não é ré, vez que não é dela o direito em causa.26

Também não há que se falar em substituição processual, como sustentam

Cândido Rangel Dinamarco, Moacyr Amaral Santos e Antônio Pádua Ribeiro, pois,

neste instituto, falta-lhe, portanto, capacidade processual.

Para melhor compreendermos, “dá-se a figura da substituição processual

quando alguém está legitimado para litigar em juízo, em nome próprio, como autor

ou réu, na defesa de direito alheio. Quem litiga, como autor ou réu, é o substituto

processual; fá-lo em nome próprio, na defesa de direito de outrem, que é o

substituído”27.

Distintamente, melhor entendimento é de que não há substituição processual

porque na substituição a nova parte passa a litigar em nome da outra, o que não

ocorre no mandado de segurança. Note-se que substituto processual não se

confunde com representante, precisamente pelo fato de que este último atua em

nome alheio.

Tampouco é conveniente sustentar o instituto da assistência processual.

Como afirma Moacyr Amaral Santos, “consiste a assistência simples na intervenção

de terceiro no processo entre as partes visando sustentar as razões de uma delas

contra a outra”.28 Através da assistência, o terceiro ingressa no processo com a

finalidade de auxiliar uma das partes em cuja vitória tenha interesse, uma vez que a

regressivamente contra o seu agente, responsável pelos danos causados a terceiros, como previne oart. 37, § 6º, da Constituição”.26Sérgio Ferraz. Op. cit, p. 52.27Moacyr Amaral Santos. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, p. 345.

Page 31: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

31

sentença contrária à parte coadjuvada prejudicaria um direito seu, ligado de alguma

forma ao direito assistido.

Portanto, não há que falar em assistência entre a autoridade coatora e a

pessoa jurídica de direito público, pois ambas possuem o mesmo interesse, não

objetivam auxiliar ninguém, sendo apenas dela o real interesse, vez que foi ela quem

praticou o ato considerado abusivo ou ilegal.

Assim, não nos parece sustentável a posição autores que admitem ser a

autoridade coatora o sujeito passivo do mandado de segurança. A autoridade

coatora titulariza um órgão público e, enquanto tal, atua a vontade da pessoa a que

pertence. As conseqüências do ato que pratica são diretamente imputadas à referida

pessoa que arca com o seu ônus em face do impetrante.

A particularidade que existe quanto à forma de citação da pessoa jurídica de

direito publico, citada através do agente que praticou o ato, e não na pessoa do seu

representante legal, apenas demonstra a preocupação do legislador com a rapidez

processual e com a imediatidade entre o magistrado e a suposta autoridade coatora.

O que é certo é que embora notificada na pessoa da autoridade coatora, a pessoa

jurídica a que pertence é a que efetivamente suportará as conseqüências da

concessão da medida, sendo, portanto, apenas representada pela autoridade.

Em suma, a participação da autoridade coatora no processo restringe-se a

prestar informações e completar a citação, comunicando ao réu a existência da

demanda contra ele proposta. Após, sai do processo.

28Moacyr Amaral Santos. Op. cit. Vol. II, p. 51.

Page 32: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

32

4.4. Do Litisconsórcio Necessário

Normalmente, há nos processos um autor litigando contra um réu, disputando

sobre uma lide. No fenômeno do litisconsórcio, há a cumulação de vários sujeitos, no

mesmo processo, como autores ou réus. Pode haver mais de um autor

(litisconsórcio ativo), um autor contra vários réus (litisconsórcio passivo), ou, ainda,

haver vários autores contra réus (litisconsórcio misto).

A possibilidade de formação de litisconsórcio não é livre. É preciso que os

sujeitos da relação de direito material guardem entre si um vínculo que os prenda.

Em outras palavras, se estabelece o litisconsórcio nos casos em que a lei autoriza.

O art. 46, do Código de Processo Civil prevê os pressupostos para a formação de

litisconsórcio.

Quanto à obrigatoriedade ou não de sua formação, classifica-se em

facultativo e necessário. No facultativo, pode-se trazer um só réu a juízo, sem formar

o litisconsórcio, ou mais de um, formando-se o litisconsórcio. Dependerá da vontade

das partes, mas deve ser admitido nos casos especificados no art. 46, do Código

citado.

Haverá litisconsórcio necessário ou por disposição de lei ou pela natureza da

relação jurídica, de acordo com o art. 47, do Código de Processo Civil. A ação

somente poderá ser intentada pró ou contra duas ou mais pessoas. Todos os

litisconsórcios hão de ser citados, conforme o disposto na segunda parte do artigo

referido, uma vez que a lide deverá ser decidida de modo uniforme para todas as

partes. Dessa forma, considerando o juiz que o litisconsórcio é necessário e que não

se constituiu, deverá determiná-lo ex officio (art. 47, parágrafo único, do Código de

Page 33: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

33

Processo Civil).

No mandado de segurança, alguns autores sustentam a necessidade de

litisconsórcio passivo entre a autoridade coatora e a pessoa jurídica de direito

publico. Todavia, como antes já expusemos, inadmissível falar-se em litisconsórcio

quando um de seus possíveis sujeitos (a autoridade coatora) não é parte, é apenas

representante da pessoa jurídica de direito público.

4.5. A Autoridade Coatora em litisconsórcio necessário com a

Pessoa Jurídica de Direito Público como réus no Mandado de

Segurança

Na segunda corrente, que vislumbra serem a autoridade coatora e a pessoa

jurídica de direito público partes passivas em litisconsórcio, estão nomes como

Sebastião de Souza, Othon Sidou, Jorge Americano e Aguiar Duas.

Sebastião de Souza29 ressalta: “O sujeito passivo da ação é a autoridade

coatora, mas essa autoridade é agente de uma pessoa jurídica de direito público ou

de uma autarquia, naturalmente interessada na relação jurídica em lide. Daí, essa

pessoa jurídica deve ser considerada com litisconsórcio necessário”.

Esta também parece ser a opinião que Luís Eulálio de Bueno Vidigal,30 que

expressava em seus escritos: “’A autoridade coatora, que seria, no caso,

29Dos Processos Especiais, p. 48-49, apud Sérgio Ferraz, Mandado de Segurança individual ecoletivo, p.43.30Luís Eulálio de Bueno Vidigal. Do Mandado de Segurança, p. 102-103. Observe-se, contudo, que oautor só defende essa opinião nos casos em que o “(...) Estado for sujeito passivo da lide (...)” (p.

Page 34: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

34

litisconsórcio necessária do Estado, melhor se denominaria como substituto

processual do Estado, porque desenvolve, em seu próprio interesse, a atividade

necessária para defesa de interesse alheio. Se, nesses casos, não for citado o

Estado, será ineficaz a decisão que conceder o mandado’”.

Othon Sidou sustentava que a autoridade constituía apenas um braço da

pessoa jurídica de direito público, devendo, portanto, ambas responderem em

litisconsórcio necessário quando houvesse a impetração do mandado de segurança:

“(...) pouco interesse haveria em conhecer a personalidade do agente, em face das

autarquias do servidor público, eis que elas formam uma prolongação do Estado, e

seus atos, induvidosamente, são de caráter público, inclusive mercê de regra

constitucional”.31

Lucia Valle Figueiredo também se revelou, anteriormente, adepta dessa

corrente de pensamento: “O sujeito passivo do mandado de segurança é a pessoa

jurídica; deverá estar em litisconsórcio necessário com a autoridade coatora”.32 A

autora mudou sua opinião, passando a se enquadrar entre aqueles que identificam a

pessoa jurídica de direito público como a única ré no mandado de segurança.33

Sustenta Sérgio Ferraz que não pode ser a autoridade coatora parte passiva

no mandado de segurança por não estar ela em juízo litigando direito seu; não

podendo haver substituição processual, não há também que se falar em atuar como

litisconsórcio da pessoa jurídica de direito público.

102). Nas demais hipóteses, segundo ele, réu seria apenas a autoridade coatora, apud CarlosAugusto de Assis. Sujeito Passivo no Mandado de Segurança. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 30.31J. M. Othon Sidou. Do mandado de segurança, p. 265.32Lucia Valle Figueiredo. A Autoridade Coatora e o Sujeito Passivo do Mandado de Segurança, p. 75.33Essa impressão veio a ser confirmada por obra posterior, intitulada Mandado de Segurança, no qualvem afirmado à p. 50: “De há muito modificamos posição anterior, para adotar a daqueles queenfatizam ser parte a pessoa de direito público e não, apenas, litisconsórcio necessário. A autoridadecoatora teria apenas o dever de informar”.

Page 35: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

35

Essa posição que podemos chamar de “intermediária”, apresenta uma grande

dificuldade em explicar por que a autoridade coatora apareceria no processo. Sim,

porque, se a autoridade coatora é considerada mera representante da pessoa

jurídica interessada, não há dificuldade para entender-se sua posição no processo:

não é parte ré, não se podendo falar em litisconsórcio.34

Isso sem contar o fato de que a lei do mandado de segurança, ora em vigor,

não determina a citação da pessoa jurídica de direito público, que seria

imprescindível caso ela fosse litisconsórcio necessária.

4.6. A Pessoa Jurídica de Direito Público como Sujeito Passivo

Na terceira concepção, que entende ser a pessoa jurídica de direito público a

parte passiva no mandado de segurança, revelam-se nomes como Celso Agrícola

Barbi, Celso Bastos, Lucia Valle Figueiredo, Carlos Alberto Menezes Dias, Adhemar

Ferreira Maciel, Ari Pargendler e, sobretudo, Sérgio Ferraz.

Lucia Valle Figueiredo assume já ter mudado de posicionamento. Passou a

sustentar a idéia de que, necessariamente, a pessoa jurídica deve estar presente, e

não simplesmente na condição de litisconsórcio, mas, sobretudo, na condição de

parte: “A parte, portanto, seria apenas a pessoa de direito público, ou, então, de

34Nesse sentido: “Constitucional e Tributário - Contribuição Provisória sobre movimentação outransmissão de valores e de créditos e direitos de qualquer natureza (Cpmf) - Ec Nº 21 (19 Mar 99):Constitucionalidade Reconhecida pelo STF (Adinmc Nº 2031-5/Df) - Inexistência de litisconsórcioentre a Autoridade Federal e a União - Apelação e remessa oficial providas. 1. Em sede de Mandadode Segurança, não há falar em "litisconsórcio passivo" entre a autoridade federal (AdministraçãoDireta) e a União, porque ela já é, efetivamente, a "parte" (pessoa jurídica) no processo, não aautoridade, cuja obrigação se limita a prestar as informações (rito do "mandamus"); 2.(...); 3.Apelação e remessa oficial providas; 4. (...)”. (TRF – 1ª Região – AMS 01000227518, Rel. JuizLuciano Tolentino Amaral, DJ 15.03.2002, p. 87).

Page 36: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

36

direito privado (...)”.35

Para o Min. Adhemar Ferreira Maciel36, “...é importante lembrar que a ré na

ação de mandado de segurança não é como alguns acham, a autoridade coatora. A

ré é a pessoa jurídica da qual a autoridade coatora é órgão. Ré é quem sofre as

conseqüências da condenação, é quem paga ou reembolsa as custas, etc..”

É também o que dizia Castro Nunes:37 “O Min. Costa Manso observou com

razão que a pessoa jurídica de direito público interessada é verdadeiramente parte

passiva no mandado de segurança (...)”.

Sérgio Ferraz entende que, “em suma, sujeito passivo no mandado de

segurança é a pessoa jurídica de direito público que vai suportar os efeitos

defluentes da ação38. Ela sequer é litisconsórcio necessária da autoridade coatora,

eis que esta não é parte”. E ainda mais incisivo continua o autor: “...o que tem havido

é uma cumplicidade doutrinariamente nefanda: dos juízes, que não aplicam a lei do

mandado de segurança, na moldura da garantia constitucional do direito de defesa –

com o que teriam de exigir a citação do réu verdadeiro, não obstante o silêncio da

35Lucia Valle Figueiredo. Mandado de Segurança, p. 51.36Adhemar Ferreira Maciel. O mandado de segurança na Constituição de 1988. Coletânea Jurídica1/12 – TRF 1ª Região, Brasília, out. 1993, apud Antonio César Bochenek. “A autoridade coatora e oato coator no Mandado de Segurança Individual”. In: Aspectos Polêmicos e atuais do Mandado deSegurança – 51 anos depois. São Paulo: RT, 2002, p. 58-59.37Do Mandado de Segurança, p. 244, apud Carlos Augusto de Assis. Sujeito Passivo no Mandado deSegurança. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 24-25.38“Processual Civil. Mandado de Segurança. Ilegitimidade da autoridade indigitada coatora.Intervenção, no processo da pessoa jurídica de direito público. Extinção do processo. Impossibilidade:No processo de mandado de segurança, só pode figurar como coatora a autoridade que ordena ouomite a prática do ato impugnado, carecendo de legitimidade para figurar no pólo passivo daimpetração, aquela (autoridade) que não dispõe de competência para corrigir a ilegalidade do atorespectivo. A pessoa jurídica de direito público a suportar os ônus da sentença proferida na ação desegurança é parte legítima, em face de seu interesse direto na causa, para integrar a lide emqualquer fase em que se encontre. A autoridade coatora, não sendo sujeito passivo na lide e nemtitular do direito em conflito, presta informações (sobre o ato) em nome do Estado e como substitutadeste. É, pois, despida de razão jurídica relevante, a decisão que extingue o processo do mandadode segurança, por considerar ilegítima a autoridade coatora, em que a própria parte passiva o Estadointegrou a lide, encampou o ato malsinado e realizou a mais ampla defesa. Recurso a que se nega

Page 37: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

37

Lei 1.533; dos impetrantes, que se querem beneficiar da ausência de um litigante

poderoso; do poder público, omisso em exigir seu chamamento como a parte

passiva real; do Ministério Público, que, fiscal da lei, não poderia deixar prosperar

um processo capenga”.39

Entre os processualistas atuais, destaca-se Celso Agrícola Barbi como um

dos mais ardorosos seguidores dessa corrente. Barbi apresenta duas ponderações

para afastar a configuração do coator como parte e que também são inafastáveis,

para não se admitir perfeita a citação da parte através do funcionário notificado: “a) o

ato que a autoridade pratica, no exercício de suas funções, vincula a pessoa jurídica

de direito público, a cujos quadros ela pertence; é ato do ente público, e não do

funcionário; b) o julgado irá regular a situação do impetrante em relação à pessoa

jurídica de direito público, e não em referência à autoridade coatora”.40

Tal corrente já havia sido defendida por Themístocles Brandão Cavalcanti41,

“que entendia que a autoridade coatora se apresenta no processo como

representante da pessoa jurídica de direito público – esta, sim, verdadeiramente

parte no processo”.

A nosso ver, a parte passiva no mandado de segurança é a pessoa jurídica

provimento. Decisão unânime”. (STJ – RESP 187266, Rel. Demócrito Reinaldo, DJ 08.03.1999, p.133).39Sérgio Ferraz. op. cit., p. 4240Celso Agrícola Barbi. op. cit., p. 123.41Do Mandado de Segurança, p. 247, apud Carlos Augusto de Assis. Sujeito Passivo no Mandado deSegurança. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 25-26:

“O mandado de segurança só pode ser requerido contra uma pessoa jurídica de direitopúblico, ou a ela equiparada pela lei”.

“É assim que as que exercem serviços públicos descentralizados ou as que executam pordelegação serviços públicos também podem ser chamadas a juízo, através do mandado desegurança”.

“A medida deve ser requerida contra a pessoa jurídica ou aquela que praticou o ato, comosua representante”.

“Se é chamado a juízo o autor do ato, não significa isso a exclusão da pessoa jurídica, senãoque a pessoa chamada tenha agido na qualidade de seu representante ou funcionário”.

Page 38: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

38

de direito público, representada, todavia, pela autoridade coatora, ou que praticou o

ato impugnado, que deverá ser individuada, na inicial, a fim de ser notificada, na

forma estabelecida no art. 7º, I, da Lei nº 1.533. O ato do funcionário é o ato da

entidade pública a que ele se subordina. Seus efeitos operam-se em relação à

pessoa jurídica de direito público.

A Lei nº 1.533 apenas manda notificar a autoridade coatora, para prestar

informações. Nenhuma referência faz à pessoa jurídica de direito público. A

circunstância de a lei, em vez de falar na citação da pessoa jurídica, haver se

referido a “pedido de informações à autoridade coatora”, significa apenas mudança

técnica, em favor da brevidade do processo: o coator é citado em juízo como

“representante” daquela pessoa, e não como parte.

Não nos parece sustentável posição diversa. Nosso ordenamento processual

atribui capacidade de ser parte apenas às pessoas naturais e jurídicas, à herança, à

massa falida, à massa do devedor civil insolvente, à sociedade de fato e ao

condomínio de imóvel dividido em salas e apartamentos.

Não vemos obstáculo à aceitação da idéia de que a Lei de Mandado de

Segurança criou uma representação especial, anômala, da pessoa jurídica de direito

público, não necessariamente coincidente com a representação ordinária. Isto

porque não existe ninguém mais adequado para justificar o ato em juízo do que a

própria pessoa que o praticou.

E, ainda, ao examinarmos o disposto no art. 5º, inciso LXIX, em confronto

com o art. 37, § 6º (“as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado

prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa

Page 39: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

39

qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o

responsável no casos de dolo ou culpa”), ambos da CF/88, constata-se que a

pessoa jurídica estatal responde, objetiva e diretamente, pelas conseqüências dos

atos ou omissões de suas autoridades ou agentes. Deve fazê-lo também quando

forem estes responsáveis por ilegalidade ou abuso de poder. Daí porque se falar na

legitimidade passiva da pessoa jurídica de direito público no mandado de segurança.

Notamos, conclusivamente, que para que o processo de mandado de

segurança alcançasse o escopo jurídico e político para o qual foi criado, seria

preciso que sua concessão, em cada caso, não ficasse sujeita a incontáveis

detalhes na determinação da autoridade coatora, decorrente da complexidade dos

órgãos administrativos. É o que ocorreria se considerássemos a autoridade coatora

como parte, pois qualquer deslize, qualquer erro na sua indicação, iria acarretar a

carência de ação por ilegitimidade de parte.

Por outro lado, de acordo com Carlos Augusto de Assis, “o fato de a lei

determinar a notificação na pessoa da autoridade coatora é plenamente explicável

pela influência dos writs do Direito anglo-saxão, onde tradicionalmente se dá

proeminência à figura do agente, não se falando no Poder Público como pessoa”.42

Ademais, a própria ligação histórica do mandado de segurança com o habeas

corpus, onde também se destaca a figura do coator, faz-nos intuir o porquê da

peculiaridade que ora nos dedicamos a examinar.

42Carlos Augusto de Assis. Sujeito Passivo no Mandado de Segurança, p. 89.

Page 40: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

40

5. NATUREZA JURÍDICA DAS INFORMAÇÕES

No sistema das legislações anteriores, em que, além do pedido de

informações à autoridade coatora, havia a citação da pessoa jurídica de direito

público, a defesa desta deveria ser apresentada no prazo de dez dias e sob a forma

de contestação. Como o coator devia prestar informações em igual tempo, tínhamos,

na prática, uma inútil duplicação da defesa.

A Lei nº 1.533/51, conforme dito anteriormente, com o intuito de acelerar o

processo do mandado de segurança, suprimiu a referência à citação do

representante legal ou judicial da pessoa jurídica de direito público, limitando-se, no

art. 7º, item I, a mandar notificar o coator do conteúdo da petição, entregando-lhe a

segunda via da inicial, com cópia dos documentos, para prestar informações no

prazo de cinco dias, prazo esse fixado agora em dez dias pela Lei nº 4.348/64. A

notificação será por ofício, como se infere no art. 9º.

Pensamos que a lei, ao alterar a forma tradicional de citação, suprimindo o

mandado e substituindo-o por ofício, apenas elaborou um meio mais moderno e de

fácil confecção, objetivando a celeridade do processo.

Assim, o coator é citado pela forma de notificação e como representante da

pessoa jurídica de direito público interessada, que é a parte passiva na ação de

mandado de segurança. Nesse sentido orientou-se a jurisprudência do STJ.43

43Embargos de Decl. no Rec. Em Mandado de Segurança nº 888/DF, Rel. Min. Humberto Gomes deBarros: “Processual. Mandado de Segurança. Intimação do Estado. Desnecessidade. AJurisprudência do STJ assentou-se no sentido de que, no processo de Mandado de Segurança, édesnecessária a intimação da pessoa jurídica, pois ela já integra a relação processual, através daautoridade coatora” (DJU, de 15.09.1997).

Page 41: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

41

A Lei nº 4.348/64 confirma esse entendimento quando, em seu art. 3º,

determina que a autoridade administrativa, dentro de quarenta e oito horas do

recebimento da notificação da liminar, deva remeter ao Ministério ou órgão a que

esteja subordinada, e ao representante judicial da União, do Estado ou do Município,

elementos para eventual pedido de suspensão da liminar “e defesa do ato apontado

como ilegal ou abusivo de poder”.

Alguns comentadores da nova lei, todavia, insistem em exigir a prática de atos

por ela suprimidos, entre eles o da contestação pelo representante judicial comum

da pessoa jurídica de direito público.

Celso Agrícola Barbi, ao discorrer acerca das informações, entende que

possuem natureza jurídica de contestação: “(...), a defesa da pessoa jurídica de

direito público é feita nas informações prestadas pela autoridade coatora, no prazo

de dez dias, e que têm, assim, natureza de contestação”.44

As razões de ordem constitucional e de sistemática legal para a configuração

da efetiva parte passiva na mandado de segurança, nos impedem de ver nas

informações a defesa da Administração Pública. Assim, “se defesa fosse, teriam de

ser apresentadas por advogado (art. 133, CF/88); se defesa fossem, teriam de ser

deduzidas pelo advogado da União ou pelos procuradores dos Estados e Municípios

(art. 131 e 132, CF/88); se defesa fossem, não estariam jungidas ao dever de

imparcialidade, pois parte não é, por definição, imparcial”.45

As informações da autoridade coatora, uma vez emanadas de agente da

administração pública, submetido ao dever da verdade, gozam, quanto à matéria de

44Celso Agrícola Barbi. op. cit., p. 162.45Sérgio Ferraz. op. cit., p 58.

Page 42: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

42

fato, de presunção relativa de veracidade, de legitimidade dos atos administrativos,

do que nelas se contém.46 É exatamente a submissão do coator ao dever da verdade

que tira das informações o caráter de defesa ou contestação.

E, ainda, pelo caráter personalíssimo do ato de constrição, tem-se que a

prestação de informações é uma responsabilidade pessoal e intransferível do

coator.47 Além disso, a intimação da autoridade coatora importa para ela o dever

processual de prestar informações, como todos são obrigados a colaborar com a

justiça, com a peculiaridade de esta obrigação ter sido particularizada pelo

legislador. A apresentação da defesa jamais poderia ser vista como um dever, senão

ônus, pois ninguém é obrigado a defender-se.

Como se não bastassem estas circunstâncias, há de se ressaltar que o

conteúdo das informações deve se limitar a simples informações. Eventuais

alegações de preliminares processuais, opiniões jurídicas, defesas de mérito, etc.

não devem ser feitas pela autoridade coatora, mas pela procuradoria da pessoa

jurídica a quem ela está vinculada, como prevê expressamente o art. 3º, da Lei nº

4.348/64.

Todavia, na prática, especialmente nos mandados de segurança preventivos

e nos que versam sobre matéria de constitucionalidade, as autoridades vêm

realizando freqüentemente a defesa do ato, e não apenas informando acerca dos

fatos. Mesmo não sendo esta a razão de ser das informações, é comum que se

aleguem preliminares processuais e realizem a defesa de mérito do ato.

46Nesse sentido: STJ, MS 1.012, Rel. Min. Peçanha Martins. DJU 3.2.92, p. 423; TRF 5ª Região, MS3.558, Rel.Juiz Francisco Falcão, DJU 10.4.92, Parte II, p. 8.953.47Assim, igualmente, proclama o TRF da 4ª Região: “As informações, no mandado de segurança,devem ser prestadas pessoalmente, não podendo ser delegada a incumbência de prestá-las” (AMS89.04.09813-0, DJU 7.8.91, Parte II, p. 18.081).

Page 43: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

43

Fredie Didier Jr.48 entende que, “seja qual for a concepção que se tenha a

respeito do conceito de prova, as informações da autoridade coatora se encaixam, à

perfeição, ao conceito de prova judiciária”. Afirma, ainda, que o legislador criou uma

forma original e típica, embora diferente, de colheita de material probatório, em que o

magistrado contenta-se com as informações por escrito.

Entendemos que as informações são meios de prova apenas no sentido de

que, sendo originariamente um ato administrativo que é, também, um ato

processual, são dotadas de fé pública, e, portanto, constituem em material no qual o

magistrado buscará elementos para formar o seu juízo de convencimento sobre a

causa.

A falta de informações não acarreta presunção de veracidade dos fatos

narrados na inicial, mas a afirmação de um fato pela autoridade, em suas

informações, contém em si a presunção de veracidade, que é própria de qualquer

ato administrativo. Assim, o juiz está autorizado a reconhecer como verdadeiro um

fato afirmado pela autoridade, ainda que essa afirmação não venha acompanhada

de qualquer forma documental. A situação é completamente diferente se a afirmação

está contida na petição inicial.

Sobre a ausência de informações, Celso Barbi afirma que a não apresentação

da defesa no prazo legal, não deve ser considerada com confissão ficta: “(...) é

necessária ao juiz a convicção quanto aos fatos, fundada em prova direta, e não em

presunções decorrentes da falta de contestação tempestiva”.49 Essa é também a

48 “Natureza Jurídica das informações”, p. 372. In: Eduardo Arruda Alvim (coord), Aspectos Polêmicose atuais do Mandado de Segurança - 51 anos depois.49Op. Cit., p. 164.

Page 44: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

44

posição de Sérgio Ferraz.50

O art. 319, do Código de Processo Civil, não se aplica à não apresentação

das informações simplesmente porque estas não constituem contestação. A

ausência de informações pode gerar sanções administrativas e até criminais para a

autoridade negligente, mas, em termos processuais, não implica maiores

conseqüências, a não ser a não integração do procedimento probatório previsto para

o procedimento do mandado de segurança.

50Sérgio Ferraz. op. cit., p. 59: “A inação quanto à prestação de informações, não tem relevânciaprocessual. Em outras palavras, daí não decorre revelia ou confissão de fato. E isso porque: I – nãosão elas, por tudo que já se expôs, contestação; assim sua falta não pode gerar efeitos idênticos aosda ausência de defesa; II – o interesse público é de regra indisponível, o que impediria a configuraçãoda confissão ficta, ainda que de contestação de tratasse (TRF, 4ª Região, MAS 90.04.08639-0, rel.Juiz Albino Zavascki, DJU 10.03.93, Parte II, p. 7.272); III – a concessão da segurança temcondicionamentos constitucionais expressos – direito líqüido e certo, ferido ou ameaçado por ato ouomissão de autoridade (ou delegatário), inquinado de ilegalidade ou abuso de poder”.

Page 45: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

45

7. LEGITIMIDADE RECURSAL

Entendemos que os recursos do Código de Processo Civil são perfeitamente

cabíveis em mandado de segurança, já que suas normas são aplicáveis

subsidiariamente.

Julgado procedente o pedido, transmite-se à autoridade coatora a sentença.

Da decisão, negando ou concedendo o mandado, cabe apelação, de acordo com o

art. 12 da Lei nº 1.533/51. A sentença concessiva fica sujeita ao duplo grau de

jurisdição (art. 12, parágrafo único).

A Lei nº 1.533/51, entretanto, só regula o mandado de segurança impetrado

em primeiro grau de jurisdição, não obstante reconheça a possibilidade de a ação

ser proposta diretamente no segundo grau de jurisdição (art. 14). Daí o art. 12,

caput, referir-se apenas à sentença e a recurso de apelação. Em se tratando de

mandado de segurança impetrado diretamente nos tribunais, o recurso de apelação

fica sistematicamente afastado. Contra as decisões finais dos órgãos colegiados

(acórdãos – art. 163, do Código de Processo Civil), cabe recurso ordinário nos casos

previstos no art. 102, II, a, e 105, II, b, da Constituição Federal, ou, se for o caso,

recurso extraordinário (art. 102, III, CF/88) ou recurso especial (art. 105, III, CF).

É preciso ressalvar que não se pode confundir a suspensão dos efeitos da

sentença concessiva da segurança, determinada de acordo com o pedido feito pelo

Poder Público, com base no art. 4º da Lei nº 4.348/64, com o efeito suspensivo que

pode ser concedido na apelação do mandado de segurança, com base no art. 558,

do Código de Processo Civil. O pedido de suspensão não é recurso, mas pedido

Page 46: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

46

formulado pelo Poder Público visando tão somente a suspensão provisória dos

efeitos da liminar. O órgão destinatário não pode examinar o mérito da sentença

nem modificar a liminar.

Referentemente à legitimação recursal ativa, perdura a questão se tem o

coator legitimação pessoal para recorrer se concedido o mandamus.

Inquestionavelmente, da decisão concessiva do writ poderá recorrer a pessoa

jurídica, eis que ela é titular do direito a que contraposta a ação. O grande problema

encontra-se na possibilidade da autoridade coatora recorrer.

Mesmo aqueles que sustentam ser a autoridade coatora parte não hesitam

em dizer que, denegada a segurança, sujeito passivo recursal é a pessoa jurídica

interessada na salvaguarda do ato coator.

Entende Lúcia Valle Figueiredo que a autoridade coatora tem igualmente à

pessoa jurídica de direito público a legitimidade para recorrer. Sustenta que o Estado

deve acionar regressivamente o funcionário em caso de culpa ou dolo deste, e que

só por isso já se verifica que a autoridade teria legitimidade recursal.51

Sérgio Ferraz admite a possibilidade recursal do coator com terceiro

interessado: “Para aqueles, contudo, como nós, que vêem o coator como figura não

parte da ação, ainda assim parece admissível o recurso do constritor, já então como

terceiro prejudicado”.52

Alertou o Min. Adhemar Ferreira Maciel: “’...no tocante ao recurso, embora

silente a Lei do Mandado de Segurança, deve ser ele, em princípio, interposto pela

parte, através de seu representante legal (art. 12, CPC)’”, embora destaque,

51Mandado de Segurança, p. 52.

Page 47: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

47

“‘...todavia, nada impede à autoridade coatora, se se sentir prejudicada ou em vias

de o ser, também recorrer’”.53

Embora a autoridade coatora tenha a capacidade de corrigir diretamente a

eventual ilegalidade que venha a ser confirmada com a concessão da segurança,

deve-se destacar que a pessoa jurídica de direito público é quem tem legitimidade

para recorrer da decisão, visto que a reparação de danos será suportada material e

economicamente por ela, ainda que o ato tenha sido corrigido pela autoridade.54

Sendo apenas representante da pessoa jurídica e, portanto, tendo em seus

atos a manifestação da vontade do Estado, a autoridade não tem legitimidade para

recorrer. O recurso deve ser interposto pela parte do processo, no caso, a pessoa

jurídica de direito público.55

Também não podemos alegar que a autoridade recorreria como terceiro

interessado, uma vez que a sentença do mandado de segurança, em si, não tem

capacidade de alcançar o patrimônio da autoridade.

Deve-se lembrar, ainda, que a eventual imposição de sanção administrativa

em razão de uma infração disciplinar depende da instauração de um processo (ou

procedimento) administrativo autônomo, sem que os efeitos da sentença do

52Op. cit., p.147.53Adhemar Ferreira Maciel. Observações sobre autoridade coatora no mandado de segurança. RT618/25-26, ano 76, São Paulo, abr. 1987, apud Antonio César Bochenek, Aspectos Polêmicos eAtuais do Mandado de Segurança – 51 anos depois, p. 64.54Nesse sentido: “Mandado de Segurança. Autoridade coatora. Ilegitimidade para interpor recursoextraordinário. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que a pessoa jurídicade direito público a que pertence a autoridade ou o órgão tido como coator, é o sujeito passivo domandado de segurança, razão por que é ele o único legitimado para recorrer da decisão que defere aordem. Agravo regimental improvido”. (STF, RE 233319, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 17.06.2003).55Nesse sentido: “Processual civil e tributário. Mandado de segurança. Legitimidade recursal. UniãoFederal. Fazenda Nacional. 1. Inobstante ser a autoridade coatora parte no processo, o interessepara recorrer é da pessoa jurídica de direito público interessada, que suportará o ônus da sentença.2. Legitimidade da União Fazenda Nacional para integrar a relação processual. 3. Recurso Especialimprovido”. (STJ, RESP 553959, Rel. Min. Castro Meira. DJ 01/12/2003. p. 342).

Page 48: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

48

mandado de segurança acarretem, necessariamente, qualquer penalidade.

A responsabilidade civil do agente também depende de propositura, pelo

Estado, de nova ação, que depende da comprovação de dolo ou culpa do agente,

elementos normalmente ignorados no julgamento do mandado de segurança.

Sequer se admite, no mandado de segurança, denunciação da lide ao agente, como

reconhece boa parte da jurisprudência.

Page 49: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

49

8. CONCLUSÕES

1. O Mandado de Segurança surgiu na Constituição de 1934, sendo o habeas

corpus seu antecessor.

2. A garantia vem prevista no artigo 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal

de 1988, que dispõe: “conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito

líqüido e certo, não amparado por habeas corpus e habeas data, quando o

responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de

pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”.

3. A autoridade coatora, no mandado de segurança, é a pessoa física que, em

nome da pessoa jurídica a qual esta vinculada, tenha poder de decisão, de

desfazimento do ato guerreado no mandado de segurança. Para que se identifique a

autoridade coatora, é preciso primeiramente identificar o ato coator praticado.

3. A autoridade pública não pratica o ato em nome próprio, mas como

representante da pessoa jurídica e, por isso, não ostenta titularidade para funcionar

no pólo passivo da ação, como sustentam alguns autores. A autoridade coatora

apenas presta informações, completa a citação e comunica ao réu a existência da

demanda contra ele proposta.

4. Uma segunda concepção entende que são réus a autoridade coatora e a

pessoa jurídica de direito público em litisconsórcio necessário. Sendo a autoridade

coatora mera representante da pessoa jurídica de direito público e não podendo

haver substituição processual, não há que se falar em litisconsórcio. Além disso, a

Page 50: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

50

Lei nº 1.533/51 não determina a citação da pessoa jurídica de direito público.

5. A concepção que adotamos é que a pessoa jurídica de direito público é

a verdadeira ré do mandado de segurança, representada, todavia, pela autoridade

que praticou o ato impugnado.

6. O ato que a autoridade pratica no exercício de suas funções, vincula a

pessoa jurídica de direito público a cujos quadros ela pertence. É a pessoa jurídica

que vai suportar os efeitos decorrentes da ação. O julgado irá regular a situação do

impetrante em relação á pessoa jurídica de direito público, e não em referência à

autoridade coatora.

7. A Lei 1.533/51 apenas mandar notificar a autoridade coatora, sem fazer

referência à pessoa jurídica de direito público, apenas para objetivar a celeridade do

processo.

8. A pessoa jurídica estatal responde, objetiva e diretamente, pelas

conseqüências dos atos ou omissões de suas autoridade ou agentes.

9. O coator é citado pela forma de notificação e presta informações como

representante da pessoa jurídica de direito público. As informações não são

defesa e não têm natureza de contestação.

10. As informações da autoridade coatora, uma vez emanadas de agente da

administração pública, gozam de presunção de veracidade e submete o coator ao

dever de dizer a verdade. São meios de prova apenas no sentido de que, sendo

originariamente um ato administrativo que é, também, um ato processual, são

dotadas de fé pública e constituem em material no qual o magistrado buscará

elementos para formar o seu juízo de convencimento sobre a causa.

Page 51: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

51

11. Os recursos do Código de Processo Civil são cabíveis no mandado de

segurança. Da sentença cabe apelação. A sentença concessiva fica sujeita ao duplo

grau de jurisdição (art. 12, da Lei nº 1.533/51).

12. A pessoa jurídica de direito público é quem tem legitimidade para

recorrer. A autoridade coatora não pode recorrer como terceiro interessado pois a

sentença do mandado de segurança, em si, não tem capacidade de alcançar o

patrimônio da autoridade.

13. A imposição de sanção administrativa em razão de uma infração

disciplinar depende da instauração de um processo administrativo autônomo, sem

que os efeitos da sentença do mandado de segurança acarretem, necessariamente,

qualquer penalidade.

Page 52: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

52

9. BIBLIOGRAFIA

ALVIM, Arruda; ALVIM, Teresa Arruda. Manual de Direito Processual Civil. v. 2

Processo de Conhecimento, 4ª ed. rev. amp. atual., São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1994.

ASSIS, Carlos Augusto de. Sujeito Passivo no Mandado de Segurança. São Paulo:

Malheiros Editores, 1997.

BARBI, Celso Agrícola. Do Mandado de Segurança. 10ª ed. rev. aum., Rio de

Janeiro: Forense, 2001.

BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do

Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. v. 2, São Paulo: Saraiva, 1988-

1989.

BUENO, Cassio Scarpinella. Mandado de Segurança: comentários às Leis n.

1.533/51, 4.348/64 e 5.021/66 e outros estudos sobre Mandado de Segurança.

São Paulo: Saraiva, 2002.

BUENO, Cassio Scarpinella; ALVIM, Eduardo Arruda; WAMBIER, Teresa Arruda

Alvim (coords.). Aspectos Polêmicos e Atuais do Mandado de Segurança : 51

anos depois. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

FERRAZ, Sérgio. Mandado de Segurança Individual e Coletivo: aspectos polêmicos.

2ª ed. rev. amp., São Paulo: Malheiros Editores, 1993.

Page 53: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

53

FIGUEIREDO, Lúcia Valle. A Autoridade Coatora e o Sujeito Passivo do Mandado

de Segurança. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991.

________. Mandado de Segurança. 2ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 1997.

GONÇALVES, Aroldo Plínio (coord.). Mandado de Segurança. Belo Horizonte: Del

Rey, 1996

JÚNIOR, José Cretella. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. 3ª ed., Rio

de Janeiro: Forense Universitária, 1994.

________. Comentários à Lei do Mandado de Segurança: (de acordo com a

Constituição de 1988 e da nova Lei do Agravo). 12ª ed. rev. atual., Rio de Janeiro:

Forense, 2002.

LAZZARINI, Álvaro; ARAÚJO, Edmir Netto de. Mandado de Segurança: a

elaboração das informações da autoridade coatora. Revista de Jurisprudência do

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. v. 114 – ano 22. São Paulo: Lex

Editora, set./out., 1988.

MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança: Ação Popular, Ação Civil Pública,

Mandado de Injunção, “Habeas data”. 16ª ed. atual., São Paulo: Malheiros

Editores, 1995.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 10ª ed. rev.

atual. amp., São Paulo: Malheiros Editores, 1998.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de (coord.); FIGUEIREDO, Lúcia Valle; FERRAZ,

Sérgio et al. Curso de Mandado de Segurança. São Paulo: Revista dos Tribunais,

1986.

Page 54: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

54

MIRANDA, Pontes de. Comentário ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro:

Forense, 1999.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Administrativo. v. 1 Parte

Geral, 33ª ed., São Paulo: Saraiva, 1995.

NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Manual da Monografia Jurídica. São Paulo: Saraiva,

1997.

PACHECO, José da Silva. O Mandado de Segurança e outras Ações Constitucionais

Típicas. 4ª ed. rev. atual. amp., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. v. 1, 14ª ed.

atual., São Paulo: Saraiva, 1989-1990.

________. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. v. 2, 13ª ed. atual., São

Paulo: Saraiva, 1989-1990.

Page 55: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

55

CAMILA BARTH PIRES

A LEGITIMAÇÃO PASSIVA

DO MANDADO DE SEGURANÇA

BACHARELADO EM DIREITO

FACULDADES METROPOLITANAS UNIDAS

SÃO PAULO – 2004

Page 56: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

56

UniFMU

CURSO DE DIREITO

A LEGITIMAÇÃO PASSIVA

DO MANDADO DE SEGURANÇA

BACHARELADO EM DIREITO

Orientador: Prof. Dr. Rodrigo da CunhaFreire.

CAMILA BARTH PIRES

R.A.: 440.489/3

319B

TEL: (11) 3666-1140

e-mail: [email protected]

Page 57: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

57

Page 58: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

58

À memória de meu pai, o eminente e

saudoso Professor e Magistrado Fleury

Antonio Pires.

Page 59: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

59

UniFMU

CURSO DE DIREITO

A LEGITIMAÇÃO PASSIVA

DO MANDADO DE SEGURANÇA

BACHARELADO EM DIREITO

Monografia apresentada à BancaExaminadora das FaculdadesMetropolitanas Unidas de São Paulo,como exigência parcial para obtenção dograu de bacharel em direito, sob aorientação do Prof. Dr. Rodrigo da CunhaFreire.

CAMILA BARTH PIRES

R.A.: 440.489/3

SÃO PAULO

Page 60: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

60

MARÇO - 2004

Banca Examinadora

_________________________________

_________________________________

_________________________________

Page 61: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

61

Agradecimentos

Agradeço, em primeiro lugar, ao ilustre Professor Doutor Rodrigo da Cunha

Freire, meu orientador, pela dedicação, estímulo e brilhantismo no ensino do Direito

Processual Civil.

Agradeço, também, ao eminente professor Renato Barth Pires, pela infinita

paciência, carinho e dedicação com que me auxiliou durante toda a minha formação

acadêmica e, mais precisamente, na elaboração desta monografia.

Agradeço, inclusive, ao querido Danilo Barth Pires, por todos os

ensinamentos no decorrer da minha graduação.

Agradeço à querida Professora Maria Eugenia Terra Barth Pires, sem a qual

este trabalho não teria sido realizado.

Agradeço, ainda, ao Flavio Monaco, por todo o auxílio, sempre presente nos

momentos difíceis.

Page 62: CAMILA BARTH PIRES - Portal FMU

62