CALUNIA INJURIA DIFAMACAO

5
1 O Cap. V do Título I da Parte Especial do Código Penal Brasileiro trata “Dos Crimes Contra a Honra” . O conceito de honra , abrange tanto aspectos objetivos , como subjetivos , de maneira que , aqueles representariam o que terceiros pensam a respeito do sujeito sua reputação - , enquanto estes representariam o juízo que o sujeito faz de si mesmo seu amor-próprio - . Na definição de Victor Eduardo Gonçalves a honra “é o conjunto de atributos morais , físicos e intelectuais de uma pessoa , que a tornam merecedora de apreço no convívio social e que promovem a sua auto-estima” . Em tal Cap. temos a presença de três modalidades de crimes que violam a honra , seja ela objetiva ou subjetiva : a Calúnia ( art. 138 ) , a Difamação ( art. 139 ) e a Injúria ( art. 140 ) . Tais crimes são causadores de freqüentes dúvidas entre os profissionais da área jurídica , que , muitas vezes , acabam fazendo confusão entre aqueles . Inicialmente , farei a exposição da definição de cada modalidade de crime com alguns exemplos , para , posteriormente , diferenciá-las. A calúnia consiste em atribuir , falsamente , à alguém a responsabilidade pela prática de um fato determinado definido como crime . Na jurisprudência temos : “a calúnia pede dolo específico e exige três requisitos : imputação de um fato + qualificado como crime + falsidade da imputação” ( RT 483/371 ) . Assim , se “A” dizer que “B” roubou a moto de “C” , sendo tal imputação verdadeira , constitui crime de calúnia . A difamação , por sua vez , consiste em atribuir à alguém fato determinado ofensivo à sua reputação . Assim , se “A” diz que “B” foi trabalhar embriagado semana passada , constitui crime de difamação . A injúria , de outro lado , consiste em atribuir à alguém qualidade negativa , que ofenda sua dignidade ou decoro . Assim , se “A” chama “B” de ladrão , imbecil etc. , constitui crime de injúria . A calúnia se aproxima da difamação por atingirem a honra objetiva de alguém , por meio da imputação de um fato , por se consumarem quando terceiros tomarem conhecimento de tal imputação e por permitirem a retratação total , até a sentença de 1 a Instância , do querelado ( como a lei se refere apenas a querelado , a retratação somente gera efeitos nos crimes de calúnia e difamação que se apurem mediante queixa , assim , quando a ação for pública , como no caso de ofensa contra funcionário público , a retração não gera efeito algum ) . Porém se diferenciam pelo fato da calúnia exigir que a imputação do fato seja falsa , e , além

Transcript of CALUNIA INJURIA DIFAMACAO

Page 1: CALUNIA INJURIA DIFAMACAO

1

O Cap. V do Título I da Parte Especial do Código Penal Brasileiro trata “Dos

Crimes Contra a Honra” . O conceito de honra , abrange tanto aspectos objetivos ,

como subjetivos , de maneira que , aqueles representariam o que terceiros pensam

a respeito do sujeito – sua reputação - , enquanto estes representariam o juízo que

o sujeito faz de si mesmo – seu amor-próprio - . Na definição de Victor Eduardo

Gonçalves a honra “é o conjunto de atributos morais , físicos e intelectuais de uma

pessoa , que a tornam merecedora de apreço no convívio social e que promovem a

sua auto-estima” .

Em tal Cap. temos a presença de três modalidades de crimes que violam a

honra , seja ela objetiva ou subjetiva : a Calúnia ( art. 138 ) , a Difamação ( art.

139 ) e a Injúria ( art. 140 ) . Tais crimes são causadores de freqüentes dúvidas

entre os profissionais da área jurídica , que , muitas vezes , acabam fazendo

confusão entre aqueles .

Inicialmente , farei a exposição da definição de cada modalidade de crime com

alguns exemplos , para , posteriormente , diferenciá-las.

A calúnia consiste em atribuir , falsamente , à alguém a responsabilidade pela

prática de um fato determinado definido como crime . Na jurisprudência temos : “a

calúnia pede dolo específico e exige três requisitos : imputação de um fato +

qualificado como crime + falsidade da imputação” ( RT 483/371 ) . Assim , se “A”

dizer que “B” roubou a moto de “C” , sendo tal imputação verdadeira , constitui

crime de calúnia .

A difamação , por sua vez , consiste em atribuir à alguém fato determinado

ofensivo à sua reputação . Assim , se “A” diz que “B” foi trabalhar embriagado

semana passada , constitui crime de difamação . A injúria , de outro lado , consiste

em atribuir à alguém qualidade negativa , que ofenda sua dignidade ou decoro .

Assim , se “A” chama “B” de ladrão , imbecil etc. , constitui crime de injúria .

A calúnia se aproxima da difamação por atingirem a honra objetiva de alguém

, por meio da imputação de um fato , por se consumarem quando terceiros

tomarem conhecimento de tal imputação e por permitirem a retratação total , até a

sentença de 1a Instância , do querelado ( como a lei se refere apenas a querelado ,

a retratação somente gera efeitos nos crimes de calúnia e difamação que se

apurem mediante queixa , assim , quando a ação for pública , como no caso de

ofensa contra funcionário público , a retração não gera efeito algum ) . Porém se

diferenciam pelo fato da calúnia exigir que a imputação do fato seja falsa , e , além

Page 2: CALUNIA INJURIA DIFAMACAO

2

disso , que este seja definido como crime , o que não ocorre na difamação . Assim ,

se “A” diz que “B” foi trabalhar embriagado semana passada , pouco importa , se

tal fato é verdadeiro ou não , afinal , o legislador quis deixar claro que as pessoas

não devem fazer comentários com outros acerca de fatos desabonadores de que

tenham conhecimento sobre essa ou aquela pessoa . da mesma forma, se “A” diz

que “B” roubou a moto de “C” e tal fato realmente ocorreu o crime de calúnia não

existe , pois o fato é atípico .

A difamação se destingue da injúria , pois a primeira é a imputação à alguém

de fato determinado , ofensivo à sua reputação – honra objetiva - , e se consuma ,

quando um terceiro toma conhecimento do fato , diferentemente da segunda em

que não se imputa fato , mas qualidade negativa , que ofende a dignidade ou o

decoro de alguém – honra subjetiva - , além de se consumar com o simples

conhecimento da vítima . Na jurisprudência temos : “na difamação há afirmativa de

fato determinado , na injúria há palavras vagas e imprecisas” ( RT 498/316 ) .

Assim , se “A” diz que “B” é ladrão , estando ambos sozinhos dentro de uma sala ,

não há necessidade de que alguém tenha escutado e consequentemente tomado

conhecimento do fato para se constituir crime de injúria .

Temos , em comum , entre as três modalidade de crime contra a honra os

seguintes fatos : a) a possibilidade de pedido de explicações , ou seja , quando a

vítima ficar na dúvida acerca de ter sido ou não ofendida ou sobre qual o real

significado do que contra ela foi dito , ela poderá fazer requerimento ao juiz , que

mandará notificar o autor da imputação a ser esclarecida e , com ou sem resposta ,

o juiz entregará os autos ao requerente , de maneira que se , após isso a vítima

ingressa com queixa , o juiz analisará se recebe ou rejeita , levando em conta as

explicações dadas e b) o fato de regra geral a ação penal ser privada , salvo no

caso de ofensa ser feita contra a honra do Presidente da República ou chefe de

governo estrangeiro , em que será pública condicionada à requisição do Ministro da

Justiça ; no caso de ofensa à funcionário público , sendo tal ofensa referente ao

exercício de suas funções , em que será pública condicionada à representação do

ofendido e no caso de na injúria real resultar lesão corporal , em que será pública

incondicionada .

Haja visto a freqüência da incidência de tais crimes no cotidiano , e necessária

saber diferenciá-los , para , assim , evitar confusão na hora da elaboração da

queixa-crime e evitar aquelas famosas queixas-crime genéricas , em que mesmo a

vítima tendo sido sujeitada à uma modalidade , os advogados , por falta de

conhecimento , colocam logo que “fulano foi vítima de calúnia difamação e injúria” .

Page 3: CALUNIA INJURIA DIFAMACAO

3

BIBLIOGRAFIA :

1 – JESUS , Damásio E. de – Direito Penal : Parte Especial , 2o vol. – São

Paulo : Saraiva , 1999 .

2 – GONÇALVES , Victor Eduardo – Direito Penal : dos Crimes Contra a

Pessoa – São Paulo : Saraiva , 1999 .

3 – DELMANTO , Celso – Código Penal Comentado – Rio de Janeiro :

Renovar , 1998 .

Resumo O presente artigo busca explicar e diferenciar o crime de racismo previsto no art. 20 da Lei

7.716/1989 com a injúria qualificada prevista no art. 140, §3° do CP, tendo em vista os mais

diversos equívocos que abarcam os dois tipos incriminadores em questão, no qual boa parte dos

operadores do direito não conseguem fazer de modo correto sua distinção.

Palavras-Chave: Diferença. Racismo. Injúria. Qualificada. Honra

DO RACISMO Primeiramente estuda-se o crime previsto no art. 20 da Lei 7.716/1989:

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia,

religião ou procedência nacional. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

Pena: reclusão de um a três anos e multa. Antes de qualquer distinção acerca do presente delito com aquele que dispõe o art. 140, §3°,

importante frisar que o delito em comento é inafiançável e imprescritível, conforme nossa Carta

Magna:

Art. 5°

(...)

XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de

reclusão, nos termos da lei; Portanto, de antemão percebe-se que o crime de racismo recebeu um tratamento rigoroso do

legislador quando de seu cometimento, tendo em vista as benesses que tal delito furtou-se em

beneficiar ao seu autor.

Assim, passa-se a estudar a conduta que o agente necessita para caracterizar o crime de racismo,

que nada mais é do que induzimento ou incitação a discriminação ou preconceito por motivo de

cor, raça, etnia, religião ou procedência nacional.

Desta forma, pode-se notar que a caracterização do racismo reside no objetivo de ultrajar uma

raça como um todo, seja uma comunidade negra, ou aos adeptos de uma religião em geral, como

os judeus ou os católicos, etc.

Exemplificando tal explicação, tem-se que “A” em entrevista a uma rádio local faz o uso das

seguintes palavras “todo negro é macaco”, denota-se que o bem jurídico ofendido seria a

igualdade e o respeito entre as etnias, da qual percebe-se claramente que conduta do agente

nesse caso foi o preconceito de forma abrangente da raça afro descendente restando na

implicação do que dispõe o crime de racismo.

Portanto conclui-se que para atingir o bem jurídico tutelado no art. 20 da Lei 7.716/1989 é

preciso que a conduta do agente em sua discriminação ou preconceito raça, cor, etnia, religião

ou procedência nacional seja de forma abrangente comportando um todo.

Ainda, para maior elucidação do tipo penal incriminador em comento, tem-se que é movido por

meio de ação penal pública incondicionada, o elemento subjetivo é o Dolo (vontade direcionada

a um fim) de praticar, induzir ou incitar a discriminação ou o preconceito.

INJÚRIA QUALIFICADA

Page 4: CALUNIA INJURIA DIFAMACAO

4

Com o advento da Lei 9.459/1997, acrescentou-se uma qualificadora ao artigo 140 do Código

Penal, estabelecendo o §3°, consistente na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia,

religião ou origem, e mais tarde com o advento da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) inseriu-

se a referência a pessoa idosa ou portadora de deficiência e assim foi criado o tipo penal da

“injúria qualificada”:

Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

(...)

§ 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião,

origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:

Pena - reclusão de um a três anos e multa. Para o presente artigo, que busca diferenciar o crime de racismo com o da injúria qualificada,

oportuno de antemão assentar que o agente que responde por injúria na forma qualificada pode-

se valer dos institutos da prescrição e fiança ao passo (como já abordado no tópico anterior) que

o mesmo não ocorre com aquele contra o qual é imputada a prática de racismo.

A conduta exigida para o cometimento do crime de injúria qualificada é o animus injuriandi,

consistente na vontade de ofender a honra subjetiva de outra pessoa. Neste caso, o agente

profere palavras de cunho racista somente direcionadas a vítima.

Exemplificando tal conduta, tem-se que “A” com o animus injuriandi de ofender a honra

subjetiva de “B”, xinga-o de “preto safado”, ai tem-se o crime de injúria qualificada, tendo em

vista o desejo (de “A”) maculador de proferir impropérios a imagem deu-se tão somente a “B” e

não a toda comunidade negra.

Portanto, percebe-se que a vontade do agente quando trata-se de injúria qualificada é de ofender

a honra subjetiva exclusiva da vítima e não uma raça ou etnia como um todo, que é o caso de

racismo.

QUADRO SINTÉTICO-COMPARATIVO[1]: Abaixo segue quadro compartivo dos dois tipos incriminadores:

Aspectos Racismo Injúria Qualificada

Dispositivo Legal Art. 20 da Lei nº 7.716/89 Art. 140, § 3º, do CPB

Objeto Jurídico Dignidade da pessoa humana,

igualdade substancial,

proibição de comportamento

degradante, não-segregação.

Honra subjetiva e a imagem da pessoa.

Tipo Objetivo Praticar (levar a efeito,

realizar), induzir (persuadir,

convencer) e incitar (estimular,

incentivar, instigar) a

discriminação ou o

preconceito.

Injuriar, ofender a dignidade ou o decoro,

utilizando elementos referentes à raça,

cor, religião, origem, ou condição de

pessoa idosa ou portadora de deficiência.

Tipo Subjetivo Dolo (vontade direcionada a

um fim) de praticar, induzir ou

incitar a discriminação ou o

preconceito.

Dolo específico de macular a honra

subjetiva de alguém.

Consumação e

tentativa

Por ser de mera conduta, o

crime se consuma com a

prática das elementares do tipo,

não se exige, nem se prevê

resultado naturalístico e não se

admite a forma tentada.

Consuma-se quando a ofensa chega ao

conhecimento da vítima, sem a

necessidade do resultado naturalístico

(crime formal). Admite tentativa se o

crime for plurissubsistente.

Ação Penal Pública incondicionada. Pública Condicionada

Prescritibilidade e

afiançabilidade

Imprescritível e inafiançável -

art. 5º, inciso XLII, da

Constituição Federal de 1988.

Prescritível e afiançável.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Page 5: CALUNIA INJURIA DIFAMACAO

5

O presente artigo, buscou em linhas gerais diferenciar o crime de racismo e injúria qualificada,

tendo em vista os grande equívocos que não raras vezes são cometidos pelo mais diversos

operadores do direito acerca da matéria.

Primeiramente estudou-se o crime previsto no art. 20 da Lei 7.716/89 consistente na prática de

racismo, verificou-se a sua peculiaridade do qual reside na imprescritibilidade e

inafiançabilidade, previsão dada pela nossa Carta Magna, demonstrando desta forma a

rigorosidade que o legislador abdicou quando de sua construção típica, bem como a ação penal

que é pública incondicionada.

Ainda, tratando-se da figura típica do racismo ficou claramente comprovado que a conduta do

agente exigida para caracterizar tal delito concentra-se na vontade de ultrajar uma raça como um

todo e não apenas a vítima.

De outro norte, no segundo tópico buscou-se compreender o crime capitulado no art. 140, §3°,

do Código Penal, consistente no crime de Injúria qualificada.

Tal delito detém da mesma pena que o racismo, no entanto o tipo penal em questão é mais

brando que aquele do racismo, tendo em vista os institutos da prescrição e da fiança operam-se

normalmente quando se trata de injúria qualificada, ao contrário do racismo.

Assim, para a caracterização da injúria qualificada o agente age sob o animus injuriandi, com a

vontade de ofender a honra subjetiva exclusiva da vítima.

A ação penal para este delito é pública condicionada enquanto que o racismo é a regra, portanto

pública incondicionada, tendo em vista o texto literário é omisso não dispondo de uma questão

de procedibilidade para a deflagração da ação penal.

Em suma, a diferença entre o Art. 20 da Lei 7.716/89 com aquele previsto no art. 140,§3° do CP

reside no bem jurídico protegido pela norma, notadamente por protegerem bens jurídicos

distintos. O primeiro tutela a igualdade e o respeito étnico; o segundo, a honra subjetiva do

cidadão.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS