Caderno Direitos Humanos, Justiça e Participação Social

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CADERNO www.terradedireitos.org.br Da Reforma do Judiciário à Democratização da Justiça reforma do judiciário brasileiro consiste em um processo social ainda intenso. Puxada, em momentos diversos, por diferentes órgãos e atores sociais – nacionais e internacionais, públicos e privados – a re- forma encontra hoje no Congresso Nacional e no próprio Poder Judiciário os agentes políticos à frente de medidas voltadas para a reforma do sistema pro- cessual, e da estrutura e organização judiciária, respectivamente. Mas estas medidas não parecem significar, em si, uma transformação para eficácia dos direitos humanos. Se é possível uma reforma que aponte para uma efetiva democratização da justiça, esta só encontra sua via na medida do prota- gonismo e mudança de postura da sociedade em relação ao judiciário. De fato, cabe a ela informar e contribuir para a transformação da cultura e senso de jus- tiça dos agentes que atuam no sistema judicial, encontrando no núcleo deste campo social os magistrados. À sociedade, organizada e atenta às tendências do judiciário, em especial na sua interferência sobre os direitos humanos e os conflitos sociais decorrrentes de sua violação, apresenta-se, neste processo de reforma do judiciário, o desa- fio de assumir uma postura de protagonismo e participação que venha orien- tar esta reforma para a democratização da justiça, compreendida como um processo de transformação cultural da sociedade e do judiciário com vistas ao compromisso com a efetivação dos direitos humanos. A constatação de que a estrutura e as regras técnicas do judiciário de outrora já não respondem às crescentes demandas políticas, econômicas e sociais pos- tas à sua análise, traz a necessidade de pensar em atitudes que representem ver- dadeiras transformações na cultura de justiça da sociedade e, principalmente, dos agentes do sistema judicial. Para isso, é preciso intervir e participar da con- dução das reformas que já se encontram em curso no judiciário brasileiro. Nessa segunda edição, são trazidas informações sobre as tendências atuais da reforma do judiciário, onde a atenção e participação da sociedade se fazem ne- cessárias e urgentes, como a nomeação de Ministros para o STF e Conselheiros ao Conselho Nacional de Justiça; a relação entre o judiciário e os direitos huma- nos; os projetos de lei sobre as reformas processuais e da estrutura do judiciário; e a política judiciária e de justiça que emanam do Conselho Nacional de Justiça. Sobre os Cadernos Os Cadernos Direitos Hu- manos, Justiça e Participa- ção Social são elaborados pela Terra de Direitos, e têm o in- tuito de instigar, através de uma perspectiva de agenda e diálogo, o debate sobre a democratização da justiça entre organizações de direitos humanos, movimentos sociais, pesquisadores e juristas, Na primeira edição foram abordados temas como a relação entre as presidências do STF e do CNJ e a luta pelos direitos hu- manos, a nova experiência do CNJ no governo e gestão do ju- diciário e a sucessão de Ministro no STF. Nessa segunda edição é trazida para o debate a reforma do judiciário, e a necessidade de ampliar a participação social so- bre este processo. As edições dessa publicação são disponibilizados integral- mente em nosso site www.terradedireitos.org.br Índice Ë Cultura Democrática para o Guardião da Democracia 2 Ë O acesso ao STF sob uma perspectiva pouco comentada 3 Ë Quem orienta a Reforma do Judiciário no Congresso Nacional? 4 n Projetos de Lei sobre Estrutura do Judiciário 5 n Projetos de Leis sobre Reforma Processual 5 n Nova Lei de Ação Civil Pública 6 Ë O Judiciário e a Efetivação dos Direitos Humanos: o caso da liberação do milho transgênico 7 Ë II Encontro do Fórum de Assuntos Fundiários do CNJ 8 A Direitos Humanos, Justiça e Participação Social Ano 1 l Nº 2 l Nov/Dez de 2010

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Publicação elaborada pela Terra de Direitos com o intuito de instigar, através de uma perspectiva de agenda e diãlogo, o debate sobre a democratização da justiça entre organizações de direitos humanos, movimentos sociais, pesquisadores e juristas.

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CADERNO

www.terradedireitos.org.br

Da Reformado Judiciário àDemocratizaçãoda Justiça

reforma do judiciário brasileiro consiste em um processo social aindaintenso. Puxada, em momentos diversos, por diferentes órgãos eatores sociais – nacionais e internacionais, públicos e privados – a re-

forma encontra hoje no Congresso Nacional e no próprio Poder Judiciário osagentes políticos à frente de medidas voltadas para a reforma do sistema pro-cessual, e da estrutura e organização judiciária, respectivamente.

Mas estas medidas não parecem significar, em si, uma transformação paraeficácia dos direitos humanos. Se é possível uma reforma que aponte para umaefetiva democratização da justiça, esta só encontra sua via na medida do prota-gonismo e mudança de postura da sociedade em relação ao judiciário. De fato,cabe a ela informar e contribuir para a transformação da cultura e senso de jus-tiça dos agentes que atuam no sistema judicial, encontrando no núcleo destecampo social os magistrados.

À sociedade, organizada e atenta às tendências do judiciário, em especial nasua interferência sobre os direitos humanos e os conflitos sociais decorrrentesde sua violação, apresenta-se, neste processo de reforma do judiciário, o desa-fio de assumir uma postura de protagonismo e participação que venha orien-tar esta reforma para a democratização da justiça, compreendida como umprocesso de transformação cultural da sociedade e do judiciário com vistas aocompromisso com a efetivação dos direitos humanos.

A constatação de que a estrutura e as regras técnicas do judiciário de outrorajá não respondem às crescentes demandas políticas, econômicas e sociais pos-tas à sua análise, traz a necessidade de pensar em atitudes que representem ver-dadeiras transformações na cultura de justiça da sociedade e, principalmente,dos agentes do sistema judicial. Para isso, é preciso intervir e participar da con-dução das reformas que já se encontram em curso no judiciário brasileiro.

Nessa segunda edição, são trazidas informações sobre as tendências atuais dareforma do judiciário, onde a atenção e participação da sociedade se fazem ne-cessárias e urgentes, como a nomeação de Ministros para o STF e Conselheirosao Conselho Nacional de Justiça; a relação entre o judiciário e os direitos huma-nos; os projetos de lei sobre as reformas processuais e da estrutura do judiciário;e a política judiciária e de justiça que emanam do Conselho Nacional de Justiça.

Sobre os Cadernos

Os Cadernos Direitos Hu-manos, Justiça e Participa-ção Social são elaborados pelaTerra de Direitos, e têm o in-tuito de instigar, através de umaperspectiva de agenda e diálogo,o debate sobre a democratizaçãoda justiça entre organizações dedireitos humanos, movimentossociais, pesquisadores e juristas,

Na primeira edição foramabordados temas como a relaçãoentre as presidências do STF e doCNJ e a luta pelos direitos hu-manos, a nova experiência doCNJ no governo e gestão do ju-diciário e a sucessão de Ministrono STF. Nessa segunda edição étrazida para o debate a reformado judiciário, e a necessidade deampliar a participação social so-bre este processo.As edições dessa publicaçãosão disponibilizados integral-mente em nosso sitewww.terradedireitos.org.br

ÍndiceË Cultura Democrática para

o Guardião da Democracia 2Ë O acesso ao STF sob

uma perspectiva pouco comentada 3

Ë Quem orienta a Reformado Judiciário no CongressoNacional? 4n Projetos de Lei sobre

Estrutura do Judiciário 5n Projetos de Leis sobre

Reforma Processual 5n Nova Lei de Ação Civil Pública 6

Ë O Judiciário e a Efetivação dos Direitos Humanos: o caso da liberação do milho transgênico 7

Ë II Encontro do Fórum de Assuntos Fundiários do CNJ 8

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Direitos Humanos,Justiça e Participação Social

Ano 1 l Nº 2 l Nov/Dez de 2010

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A Constituição Federal estabeleceque a competência para a nomeação édo Presidente da República, depois deaprovada a escolha pela maioria abso-luta do Senado Federal, procedimentoque tem se realizado de maneira próforma, sem qualquer avaliação ou in-tervenção social em torno da questão.Para as organizações, a Carta Política

permite que se avance na democrati-zação deste processo, a partir da cria-ção de mecanismos que garantammaior transparência, e procedimentospara candidaturas que estabeleçamcritérios de verificação da atuação ju-rídica do candidato em relação a ques-tões estruturantes como a equidade degênero e raça e o compromisso comdireitos humanos, por exemplo.

Vale ressaltar, ainda, que estas sãoquestões que devem ser discutidastambém em relação aos Conselheirosdo CNJ, todos nomeados por indica-ção.

Para debater o assunto, em outu-bro onze organizações de direitos hu-manos protocolaram pedido naPresidência, MJ, Senado, Câmara dosDeputados, dentre outros órgãos,para que sejam realizadas audiênciascom a sociedade civil a fim de discu-tir a criação de procedimentos e cri-térios para as próximas nomeações.Os documentos enviados pelas orga-nizações podem ser vistos no sitewww.terradedireitos.org.br.

Cultura Democrática para o Guardião da Democracia

ARGENTINA: DECRETO 222/03

Art. 2° — Déjase establecida como fi-nalidad última de los procedimientosadoptados, la preselección de candi-datos para la cobertura de vacantesen la CORTE SUPREMA DE JUSTI-CIA DE LA NACION en un marco deprudencial respeto al buen nombre yhonor de los propuestos, la correctavaloración de sus aptitudes morales,su idoneidad técnica y jurídica, sutrayectoria y su compromiso con ladefensa de los derechos humanos ylos valores democráticos que lohagan merecedor de tan importantefunción.

esde agosto, quando o Minis-tro do STF Eros Grau anun-ciou sua aposentadoria, a

sociedade acompanha as discussõessobre a sucessão ao cargo. Na ediçãoanterior destes Cadernos tratou-se daimportância das organizações de direi-tos humanos intervirem, reivindicandoespaço para participação social no pro-cesso político de escolha de mais um/aministro/a que virá influenciar nos ru-mos da justiça no Brasil.

O STF possui a função de dar aúltima palavra sobre as questões cons-titucionais e, portanto, é uma instân-cia fundamental para o debate dosdireitos humanos. Além disso, suaatuação repercute em todas as esferasdo judiciário brasileiro e, por isso,toda ação que vise a construção deum judiciário democrático deve estarpreocupada com a construção de umSTF comprometido com os direitoshumanos.

Diante desse cenário, organiza-ções de direitos humanos de diferen-tes regiões do país têm se somado emintervenções junto à Presidência daRepública, ao Ministério da Justiça,Secretaria de Reforma do Judiciário,Secretaria de Direitos Humanos, Co-missões de Direitos Humanos da Câ-mara dos Deputados e do Senado.No início do mês de agosto, cerca dequarenta organizações de direitos hu-manos enviaram carta ao PresidenteLula reivindicando espaço para a par-ticipação social no processo de no-meação, e requerendo o compromissocom os direitos humanos como umcritério para escolha do/a novo/a Mi-nistro/a.

O Brasil ainda não possui meca-nismos claros para as indicações deministros, algo que regulamentado viadecreto presidencial na Argentina,por exemplo. A falta de procedimen-tos e de transparência nas informaçõescontribui para o afastamento da so-ciedade brasileira desse importanteprocesso político, e do próprio judi-ciário em relação aso direitos huma-nos. Hoje, por exemplo, sequer épossível saber com exatidão quem sãoos/as candidatos/as cotados à vaga.

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Manifestação de professores em frente ao STF. Foto: U. Dettmar. SCO/STF (17/12/2008)

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mais, 65% destas ações não entraramsequer na pauta de julgamentos.3

Se considerarmos que no Brasil aspessoas que têm déficits históricos deacesso a direitos fundamentais, ten-dem a sofrer especialmente, mas nãosó, com a falta de acesso a direitosfundamentais sociais e formos verifi-car o acesso por matéria.

Um rápido levantamentosobre todos os julgados noSTF entre 2000 e 2009, in-dicam a existência de 4123julgados sobre o direito àsaúde, 1586 sobre o direitoà educação e 48 sobre o di-reito à moradia e 210 sobredireito à terra. Percentual-mente, 0,41% dos julga-mentos ocorridos no STF noperíodo correspondem aesses direitos sociais.3

Já se decidirmos aumentar o lapsotemporal e verificarmos o acesso atra-vés dos sujeitos, os números ficamainda mais eloqüentes: apenas 0,15%(2303) dos julgamentos, entre01/01/1988 e 31/12/2009, se refe-rem a 06 grandes grupos com déficithistórico de acesso a direitos funda-mentais: crianças e adolescentes; ido-sos; mulheres; indígenas; LGBTT;negros/as e quilombolas.

Resta-nos, portanto, questionar:quem e o quê têm afogado o Su-premo em um mar de processos? Semessa discussão os debates sobre o ex-cesso de trabalho do Supremo ignoraa necessidade primordial de assegurardireitos fundamentais a grupos histo-ricamente excluídos do acesso a direi-tos fundamentais e ao sistema dejustiça. A invisibilidade ratifica a ex-clusão.

O acesso ao STFsob uma perspectivapouco comentada Ivanilda Figueiredo*

milhão e 500 mil processosforam julgados entre 1988 e2009 pelos/as 11 Ministros do

Supremo Tribunal Federal.1 Além desseestrondoso contingente quantitativo,questões extremamente complexasforam objetos de análise deste órgãonos últimos anos, representando umganho de confiabilidade da população.

Apesar dos inúmeros ganhos re-publicanos que são representadospelo notável incremento das deman-das perante esta Corte que passou de21.328 protocolados em 1998 para160.453 processos quatro anos de-pois (2002), esse amplo acesso nemsempre se reflete na proteção de di-reitos fundamentais relacionados àpopulação que mais necessitaria daintervenção dessa instância maior nagarantia de seus direitos: grupos/pes-soas com déficits históricos de acessoa direitos fundamentais. Se elegermostrês critérios – sujeito, matéria, tipode processo – poderemos ver clara-mente que nossa idéia geral sobre oque compõe a pauta do Supremonem sempre corresponde à realidade.

Primeiramente em relação ao tipode processo, aqueles processos quetanto mobilizam a atenção pública pordebaterem em tese se uma determinadanorma está ou não adequada à Consti-tuição são extrema minoria. A grandemaioria dos casos se realiza mediantecompetência recursal, entre 80% a 97%dos processos a depender do ano.2 E

1

* Doutora (PUC-Rio) e mestre (UFPE) em direito constitucional. Sua tese, do acesso a direitos fundamentais por grupos credores desses direitos na

Índia, Brasil e África do Sul com dados da pesquisa que coordenou com financiamento da FORD/IUPERJ; sua dissertação, sobre a realização de

direitos fundamentais sociais. É pesquisadora do IBASE. email: [email protected] Lattes: http://lattes.cnpq.br/2982494654723573

1 http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=movimentoProcessual

2 Ver mais informações em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=REAIProcessoDistribuido

3 Esse percentual foi calculado pela soma de percentuais de ações não conhecidas e não julgadas ver tabela no Apêndice 08.

4 Ressalte-se que este número está majorado, pois como optei por levantar o contingente em todas as bases gerou-se um desvio para maior

já que há processos nos quais há diversas decisões (e.g., um acórdão e inúmeras decisões monocráticas). e os termos digitados são am-

plos, portanto, seria preciso olhar processo a processo para ter certeza se eles realmente versavam sobre o direito do grupo em questão, ou

apenas citavam o grupo incidentalmente. Os números são tão enfáticos que não considerei necessário.

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1996, quando também foi divulgado oelemento técnico e político fundamentalda reforma do judiciário: o documentodo Banco Mundial (Documento Técniconº 319/96: “O setor judiciário na Amé-rica Latina e no Caribe: Elementos paraReforma”).

Em outras palavras, o Banco Mundialfoi o propulsor deste processo de reformado judiciário orientado para a proteção docapital financeiro transnacional, diante datendência crescente da judicialização decontratos e negócios financeiros. Os me-canismos propostos no documento319/96 foram incorporados pela EC 45,e concretizados na criação do ConselhoNacional de Justiça – CNJ. É evidente ograu de coincidência entre o texto do referido documento e a formatação e ten-dências assumidas, sobretudo pelo Plená-rio e Corregedoria, do Conselho.

Quem orienta aReforma do Judiciáriono Congresso Nacional?

aprovação da Emenda Constitu-cional nº 45, em 2004, represen-tou o ápice, mas não a conclusão,

do processo de reforma do judiciário, quesurge tanto da crise como da necessidade deincorporar ao Poder Judiciário a inspiraçãoestruturante dos direitos humanos, assimcomo a Constituição Cidadã havia feito em1988 com matérias antes avessas e distantesdesta temática. Com as diversas iniciativassurgidas para a reforma do judiciário, valerefletir se tem havido uma incorporação es-trutural dos direitos humanos nesse pro-cesso, ou, se de modo contrário, a tendênciaé o distancimento em relação à questão.

Que o Poder Judiciário é instituiçãoque preza pela conservação não se discute.De outro lado, que a sua estrutura, orga-nização e cultura deveriamacompanhar o processo e oconteúdo da democratização,não há como discordar.

A oposição da magistra-tura, por exemplo, à moderni-zação e reforma do judiciário,em especial à criação de umórgão de controle social, foi aúltima barreira a desmoronardiante da evidência de crise dainstituição. De fato, o processode elaboração e aprovação da EC 45 teveseus antecedentes marcados por diferen-tes fases e atores políticos.

No ano de 2003, por exemplo, foicriada no Ministério da Justiça a Secreta-ria da Reforma do Judiciário, marco im-portante para dar impulso ao processolegislativo no Congresso Nacional, onde aProposta de Emenda Constitucional –PEC – padecia de uma generalizada desi-dratação de vontade política.

Neste momento, a mídia também sefez determinante, provocando a opiniãopública sobre os escândalos de corrupçãoe vendas de sentenças por magistrados,somando, assim, uma correnteza de críti-cas ao fio de água que vazava por entre ablindagem do judiciário.

De muito antes, porém, é a origemdeste processo. A primeira PEC da Re-forma do Judiciário foi apresentada em

Aliado à reforma da estrutura doPoder Judiciário, o Banco Mundial tam-bém recomenda que seja realizada umareforma nos estatutos processuais, orien-tada pelos mesmos objetivos e mecanis-mos de padronização e celeridade, dosquais a súmula vinculante, criada pela EC45, é o maior produto, ao aumentar aforça normativa da jurisprudência doórgão de cúpula do judiciário.

Os Projetos de Leis (PLs) atualmenteem curso no Congresso Nacional, tam-bém possuem interferência das orienta-ções do Banco Mundial. Nessa publicação,voltamos a atenção para esses PLs, a fimde levantar o interesse e o debate sobre aorientação, o conteúdo e o grau de incor-poração ou distância em relação aos direi-tos humanos.

Chamamos a atenção para a necessi-dade de intervenção social sobre estapauta, uma vez que a sociedade organi-zada e o campo dos direitos humanosainda não se apropriou deste processopolítico, para que a reforma do judiciáriopasse a representar, finalmente, a demo-cratização da Justiça.

A

Congresso Nacional, onde tramitam os

Pl's de Reforma do Judiciário.

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A Lei Orgânica da Magistratura, co-nhecida como LOMAN, é responsávelpor determinar a forma da organizaçãodo Poder Judiciário, a partir do seu cargocentral, a magistratura. De fato, todos oscargos de direção da imensa estrutura ju-diciária brasileira são exercidos por ma-gistrados.

A LOMAN que está em vigor data de1979, promulgada, portanto, em plenovapor da ditadura militar. A forma de or-ganização do governo e gestão da má-quina judiciária, neste sentido, reproduza rigidez e a lógica hierárquica do serviçomilitar. Nesta lógica, se os cargos de dire-ção só podem ser exercidos por magistra-dos, entre eles o exercício de sufrágio e deelegibilidade são restritos ao critérioquase exclusivo da antiguidade, a cha-mada gerontocracia.

É a LOMAN que define as questõesda organização do judiciário que mere-cem uma maior atenção e debate da so-ciedade, como a previsão da vitaliciedadepara os cargos de Ministros dos TribunaisSuperiores, por exemplo. Outro pontopolêmico é a previsão da aposentadoriacompulsória como pena administrativamáxima para a magistratura. Sobre otema, existe ainda a PEC 505/2010.

A revisão da LOMAN, cujo antepro-jeto está sendo elaborado por uma co-missão de Ministros do STF, e deve serencaminhado em breve ao Congresso,apresenta à sociedade a oportunidadepara conhecer e apropriar-se do debatesobre a estrutura e organização judiciá-rias, e assim aprimorar a sua intervenção

na construção da justiça.O acompanhamento, debate e parti-

cipação sobre a revisão da LOMAN éimportante porque esta forma de orga-nização administrativa determinada pelalógica da hierarquia militar é reconhe-cida como elemento fundamental para acrise de ineficiência e morosidade do ju-diciário.

Cargos de direção responsáveis pelogoverno e gestão de toda a estrutura, dosrecursos humanos e financeiros e de even-tuais programas de justiça dos tribunaissão distribuídos sem qualquer critério deconhecimento sobre gestão pública.

Soma-se a esta estrutura de verticali-zação do poder a aversão ao controle so-cial, e está pronta a fórmula para abusos,desperdícios, perseguições políticas eideológicas internas e corrupção nos cor-redores da justiça.

A reprodução de uma arcaica estru-tura de organização que remonta à dita-dura militar tende a reproduzir osfantasmas de uma concepção políticaavessa e desacostumada à democracia,como uma cultura de negação aos direi-tos humanos e à participação social de-mocrática na elaboração e fiscalização dagestão da justiça.

Se o judiciário é o guardião da demo-cracia, nada mais coerente que exercê-laem sua própria organização política. Estaparece ser uma necessidade promissora aopoder judiciário, o que tende a desatar ve-lhas amarradas de sua organização e cul-tura em relação à sua responsabilidadesobre a efetivação dos direitos humanos.

Projetos de Lei sobre Estrutura do Judiciário

Lei Orgânica da Magistratura Nacional - LOMANLei Complementar nº 35, de 1979Lei de Iniciativa do STF

A reforma do Código de Processo Civil– CPC abre uma oportunidade históricapara a sociedade intervir sobre o principalinstrumento jurídico de lida com o judiciá-

rio. De fato, já é hora do CPC ser subme-tido aos mandamentos da Constituição Fe-deral e dos pactos internacionais de direitoshumanos que a integram. Aprovado em

Projetos de Lei sobre Reforma Processual

Reforma do Código de Processo Civil – Lei 5.869/73 PL: 166/2010 - SenadoAnteprojeto: Comissão de Juristas(Presidente: Ministro Luiz Fux - STJ)

PEC 505/2010

Assunto: Perda administrativa docargo: Ministério Público e Magistratura.Tramitação: Comissão de Constitui-ção, Justiça e Cidadania da Câmarados Deputados.Análise: A aposentadoria compulsóriacomo pena administrativa máxima parajuízes e promotores que cometem des-vio de função é motivo de grande polê-mica, e compreendida como umapremiação ao magistrado que se utilizado cargo para a prática de crimes.Aprovada por unanimidade no Senado,agora envida à Câmara dos Deputados,a PEC 505/2010 prevê a substituiçãoda pena de aposentadoria compulsóriapela perda do cargo como pena admi-nistrativa máxima para as carreiras demagistrado e promotor de justiça. Se-tores coorporativos das carreiras damagistratura e ministério público já semobilizam em torno da rejeição da PECna Câmara.

PEC 434/09

Assunto: Indicação para Ministro doSTF.Tramitação: Câmara dos Deputados.Análise: O tema da forma e dos crité-rios para a nomeação dos Ministros doSTF ganha espaço na sociedade, namedida do próprio aumento da pre-sença da Corte no debate social. Porocasião da vaga aberta pela saída deEros Grau, as organizações de direitoshumanos levantaram o debate sobre anecessidade de maior transparência edefinição de critérios para a indicaçãopresidencial.Já em outro sentido tramita a PEC434/2009, proposta e intensamentemonitorada pela Associação dos Magis-trados Brasileiros – AMB. Propõe queseja delegada ao STF a competênciapara elaborar lista sêxtupla para a esco-lha pelo Presidente da República. Dalista, no mínimo um terço dos indicadosdeveriam ser provenientes da carreira damagistratura. Como justificativa, argu-menta-se que o objetivo é retirar o ca-ráter político da forma de indicaçãoatual, além de que a experiência dos juí-zes viria qualificar os julgados da Corte.No entanto, ao invés de democrático, oteor da PEC parece ser tipicamente cor-porativista e demanda uma intervençãosocial para a discussão sobre mecanis-mos de democratização do processo deindicação e regime dos cargos para Mi-nistros do STF, como a própria vitalicie-dade, nem de longe questionada napela proposta em questão.

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O Judiciário e a efetivação dos Direitos Humanos: o caso da liberação do milho transgênico

conjunto de direitos humanos,reconhecidos internacionalmentecomo a grande meta dos regi-

mes políticos modernos, encontra na efe-tivação de suas dimensões econômica,social, cultural e ambiental um dos maio-res desafios atuais ao processo contínuode democratização.

Os Dhescas deparam-se, não raro,com a resistência do próprio Estado emimplementar, dentro de suas estruturas,uma cultura de respeito e garantia. Se aslegislações internas demoram a incor-porá-los, a Administração Pública e opróprio Poder Judiciário por vezes hesi-tam em adotá-los como referencias parasua prática cotidiana, embora isso nãosignifique que inexistam exemplos deuma postura diferenciada nas instituiçõesda justiça.

Diante deste quadro hegemônico orade distanciamento ora de negação dosagentes do sistema de justiça em relaçãoaos direitos humanos, um dos caminhosque se apresenta para a democratizaçãoda justiça é a disputa pela interpreta-ção/aplicação dos Dhescas quando a suaefetivação é reivindicada, discutida ouviolada pelo judiciário, o que vem sendochamado de justiciabilidade dos direitoshumanos.

É o caso da Ação Civil Pública mo-vida em 2007, ajuizada por organizaçõesda sociedade civil e de direitos humanos1

para anular a liberação comercial domilho transgênico produzido pela trans-nacional Bayer CropScience.

Diante da liberação comercial doprimeiro evento de milho genetica-mente modificado no país em 2007,sem quaisquer medidas de biossegu-rança que garantissem a devida análisedos riscos ao meio ambiente e à saúde,as Organizações autoras levam a juízo atutela do direito humano ao meio am-biente ecologicamente equilibrado e aopatrimônio genético do país; o direitocoletivo dos agricultores e consumido-res à livre escolha de seu sistema produ-tivo e à informação quanto à qualidadedos alimentos, respectivamente; assimcomo o direito à informação dos cida-dãos aos procedimentos administrativosde biossegurança de interesse público esocial.

O

Nova Lei de Ação Civil Pública PL 5139/2009 – Câmara dos Deputados Anteprojeto: Ministério da Justiça

Como é notório, um importante ele-mento da crise de efetividade do judiciá-rio quanto à realização da justiça socialconsiste na inadequação do sistema pro-cessual em relação à tutela e eficácia dosdireitos humanos econômicos, sociais,culturais e ambientais – Dhesca.

De fato, a Constituição Cidadã prevêesta alçada dos Dhesca ao status constitu-cional, concebendo-os mesmo como uminstrumento de garantia e realização dosdireitos individuais, mas a lógica do pro-cesso judicial, a cultura jurídica e os inte-resses políticos relutam em avançar paraalém da tutela de direitos patrimoniais in-dividuais. Neste sentido, a reforma pro-cessual inserida no ambiente da reformado judiciário assume uma relevância paraa sociedade.

No ano de 2009 foi apresentado umante-projeto de lei para uma Nova Lei deAção Civil Pública, incorporando lógicae os princípios do Código de ProcessosColetivos há pouco arquivado no Con-gresso Nacional, a fim de regulamentar atutela processual dos direitos difusos e co-letivos, a partir de uma lógica e princípiosespecíficos em relação ao processo civiltradicionalmente contratual e individual.

Apresentado à CCJ da Câmara, o PLfoi rejeitado, porque trazia a ampliação dorol de direitos coletivos passíveis de rei-vindicação em relação à atual Ação CivilPública, abrangendo o meio ambiente, asaúde, a educação, o trabalho, a segurançapública, os transportes coletivos, a assis-tência jurídica integral e a prestação de

serviços públicos; o consumidor, o idoso,a infância e juventude e as pessoas porta-doras de deficiência; a ordem social,econômica, urbanística, financeira, a eco-nomia popular, a livre concorrência, o pa-trimônio público e o erário; os bens edireitos de valor artístico, cultural, esté-tico, histórico, turístico e paisagístico;além de quaisquer outros interesses ou di-reitos difusos, coletivos ou individuais ho-mogêneos.

Como princípio norteadores, o PLtraz o amplo acesso à justiça e participa-ção social; prioridade no seu processa-mento em todas as instâncias; a isonomia,flexibilidade procedimental e máxima efi-cácia; e a tutela coletiva adequada, comefetiva precaução, prevenção e reparaçãodos danos materiais e morais, individuaise coletivos, bem como punição pelo enri-quecimento ilícito.

Apresenta-se, assim, a necessidade deuma resposta à altura da sociedade. O pro-cedimento especial de tutela de direitoscoletivos indica ser uma interessante solu-ção para a celeridade, aliada à preocupa-ção com o acesso à justiça, algo muitodiferente do que medidas de verticalizaçãoda decisão, como a súmula vinculante e oincidente de coletivização de demandasprevisto no PL da reforma do CPC.

O PL da Nova ACP e dos processoscoletivos está prestes a ser arquivado naCâmara, havendo apenas um recurso pen-dente. Diante de tal quadro, parece ser so-mente a intervenção da social a via capazde garantir-lhe uma nova vitalidade.

1973 durante a ditadura militar, o atual di-ploma processual não se mostra instru-mento hábil de garantia e acesso à justiça.

Através da leitura do PL, e do acom-panhamento das declarações na imprensaespecializada e algumas poucas audiênciaspúblicas realizadas por reivindicação da co-munidade jurídica, percebe-se que a aten-ção da comissão de juristas está todavoltada para imprimir ao processo civil aceleridade e previsibilidade almejadas peloBanco Mundial (confira o texto acima).

Neste lógica, foi descartada no PL adiscussão sobre os processos coletivos aptosa garantir os direitos humanos, principal-mente os econômicos, sociais, culturais eambientais (Dhescas). Não há, assim, qual-quer informação sobre processos envol-vendo interesses difusos e coletivos;

demandas com partes em posições socio-econômicas desiguais, e a tutela em pro-cessos que envolvem uma complexidadeque foge à técnica jurídica tradicional.

Também chama a atenção a propostade realizar a audiência prévia de concilia-ção como ato inicial de todo processo ju-dicial. Neste mesmo sentido, cumpreintervir sobre a reforma do CPC comouma oportunidade histórica para inserir aprova da função social como requisitopara o deferimento da liminar de reinte-gração de posse nos conflitos coletivos, aexemplo dos procedimentos adotadospela Vara Agrária de Marabá/PA, das re-comendações do workshop agrário do IEncontro do Fórum de Assuntos Fundiá-rios do CNJ, e do Plano Nacional de Di-reitos Humanos 3 – PNDH 3.

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NOV/DEZ 2010 l CADERNO Direitos Humanos, Justiça e Participação Social l UMA PUBLICAÇÃO DA Terra de Direitos l 7

A ACP proposta tem como objeti-vos gerais: a) disputa do con-teúdo e abrangência de algunsconceitos trazidos pela legisla-ção de biossegurança à luz doprincípio da precaução, consa-grado em Tratados internacionaisdos quais o Brasil é signatário,como o Protocolo de Cartagena2;b) elaboração de normas de bios-segurança para regulamentaçãodo devido processo administra-tivo de análise dos riscos ao meioambiente e à saúde causados portransgênicos; c) democratizaçãoe participação social na tomadade decisões da administraçãoatravés da garantia do direito àinformação, através do acessoaos processos de biossegurançasob análise da Comissão TécnicaNacional de Biossegurança(CTNBio) e por meio de audiên-cias públicas.

De fato, há anos os agricultores, orga-nizações e movimentos sociais têm alertadopara os riscos socioambientais gerados pe-los transgênicos, tanto com relação aos ris-cos à saúde e ao meio ambiente, quanto àsconsequências socieconômicas decorrentesdo uso da tecnologia, como o aprofunda-mento da capacidade avassaladora deconcentração da cadeia produtiva agroali-mentar3, além de representar um risco aosmodos de vida, de ser e fazer dos agricul-tores, associados à conservação e melhora-mento genético da espécie. A proteçãodestes direitos difusos e coletivos foi o ob-jeto da ACP.

Recente sentença da Vara Federal Am-biental de Curitiba, de julho 2009, conhe-ceu em parte os pedidos das autoras e devecontribuir para modificar a paisagem jurí-dica contemporânea no entendimento damatéria de biossegurança no país. Em quepese ser matéria sujeita a recurso, a decisãojudicial produz precedentes relevantes queaproximam o princípio da precaução dorito da administração pública, assim comoda cultura jurídica no país.

Em síntese, a decisão judicial anula oprocedimento de avaliação de risco do

milho LL da Bayer, especificamente nasregiões Norte e Nordeste do Brasil pelaausência de estudos prévios de avaliaçãoe manejo dos riscos desta tecnologia nosbiomas dessas regiões, como prevê a leibrasileira e o Protocolo de Cartagena;assim como proíbe a comercialização domilho Liberty Link em todo o Brasil pelaausência de um plano de monitoramentopós-liberação comercial.

A decisão também condena a CTNBioa garantir o direito à informação aos cida-dãos de forma a conferir amplo acesso aosprocessos administrativos sob sua análise.Impõe à Comissão que estabeleça normapara regulamentar os pedidos de sigilo co-mercial requeridos pela empresa propo-nente, permitindo ampla publicidade atudo o que não for sigiloso. Até o mo-mento, a cultura administrativa da Comis-são é a de bloquear o acesso a quaisquerinformações contidas nos processos, o quevem impedindo a sociedade de participardo processo de análise de riscos dos trans-gênicos no país, e que comporão os medi-camentos e a alimentação cotidiana.

A liberação comercial pela CTNbiodo milho geneticamente modificado noBrasil se deu em 2008, contrariando ospareceres dos órgãos técnicos de saúde(ANVISA) e do meio ambiente (IBAMA).Em 2007, o Judiciário suspendeu limi-narmente a comercialização das varieda-des de milho GM, acatando os pedidosdas organizações autoras, por reconhecera ausência de normas de avaliação derisco, assim como normas de coexistenciae de monitoramento pós-liberação co-mercial.

Apesar de a Comissão ter editado aResolução Normativa 4 (RN 4), emcumprimento à decisão liminar no âm-bito desta ação, estudos recentes no Pa-

raná apontam a ineficácia das normas decoexistência para o milho, o que colocaem risco toda a sociedade pela falta de se-gurança no plantio transgênico e por sereste um importante alimento do brasi-leiro. Em 2009, as organizações entraramcom uma nova Ação Civil Pública4, ques-tionando dessa vez, a insuficiência danorma de isolamento, mas que aindaaguarda decisão judicial.

O caso da liberação do milho GM re-vela a estratégia em se levar a luta pelosdireitos humanos à via judicial, a partir decasos emblemáticos, a fim de desafiar ojudiciário a conhecer e se posicionar sobreas violações e tutela dos Dhescas. Pro-voca-se, assim, a sua responsabilidadesobre a realização concreta dos direitoshumanos, o que tende a trazer elementospara uma atuação política e jurídica emprol da democratização da justiça.

OJudiciário e a efetivação dos Direitos Humanos: o caso da liberação do milho transgênico

1 Ação Civil Pública nº 2007.70.00.015712-8 movida em 2007 pelas organizações não gover-namentais Terra de Direitos, Associação Nacional de Pequenos Agricultores - ANPA, a As-sessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa – ASPTA, o Instituto Brasileiro deDefesa do Consumidor – IDEC.

2 Introduzido na legislação brasileira pelo Decreto nº 5.705/2006.3 Em 2010, a cada 4 novas variedades de milho lançadas no mercado brasileiro, 3 são trans-

génicas, segundo dados do Registro Nacional de Cultivares do Ministério da Agricutura. Estecenário coloca o Brasil como o 4o maior comprador de sementes do mundo atualmente, oque elevou o custo da semente em média 246 % entre 1994 e 2006, segundo dados daCONAB. Disponível em www.conab.gov.br.

4 Ação Civil Pública n. 2009.70.00.021057-7, em trâmite perante a mesma Vara Federal Am-biental de Curitiba.

Justiciabilidade dos Direitos Humanos

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CADERNO Direitos Humanos, Justiça e Participação Social

II Encontro do Fórum de AssuntosFundiários do CNJ: elementos para a políticade justiça

otivado originalmente pororganismos internacionais econcretizado a partir da mobi-

lização dos Poderes Legislativo e Execu-tivo em torno da Emenda Constitucionalnº 45, o processo de reforma do PoderJudiciário encontra hoje no próprio judi-ciário um forte ator político deste mo-mento de sua realização.

Dos órgãos que compõem o judiciário,é no Conselho Nacional de Justiça – CNJonde encontramos um motor e difusor po-lítico e administrativo das mudanças quevêm ocorrendo no judiciário brasileiro.

Todos os seus três órgãos, desde a Pre-sidência (ocupada pelo Presidente doSTF), passando pela Corregedoria (ocu-pada por um Ministro do STJ), até o Ple-nário (composto pelos 15 conselheirosindicados por diferentes segmentos do sis-tema de justiça e Congresso Nacional),têm apresentado medidas que, de algumaforma, propõem mudanças para a estru-tura e organização do judiciário.

Desse modo, coloca-se a necessidade dejuristas, pesquisadores, ativistas e militan-tes dos direitos humanos em conhecer eavaliar qual a orientação destas alteraçõessobre o governo e gestão do judiciário, eem que medida elas se adequam ou des-toam de uma perspectiva de democratiza-ção da justiça no Brasil.

Alterações na estrutura e organizaçãojudiciária somente produzem resultados namedida em que inspiram e movimentam ascondutas daqueles que lidam com a justiça.Se as organizações e movimentos sociais sereconhecem como agentes para a democra-tização da justiça, ou se participam e dispu-tam a orientação e os rumos do processo dereforma do judiciário, devem lidar com

M

Realização: Terra de Direitos • Produção de conteúdo: Antonio Escrivão Filho e Lu-

ciana Pivato • Jornalista Responsável: Laura B. Schühli (MtB 8405-PT) • Contribui-ção: Fernando Prioste, Larissa Packer e Thiago Hoshino • Projeto Gráfico: Saulo

Kozel Teixeira • Diagramação e editoração:SK Editora Ltda. ([email protected])• Apoio Institucional: Fundação Ford • Disponível em: www.terradedireitos.org.br

Rua Desembargador Ermelino de Leão, 14, cj. 75 l Centro l Curitiba, PR l 80.410-230Fone/Fax: 41 3232 4660 l [email protected]

essas questões que se colocam no mo-mento, em especial sobre o papel e os espa-ços que vêm sendo construídos pelo CNJ.

O Fórum de Assuntos de Fundiários,vinculado à Presidência do CNJ, e con-duzido por um comitê executivo com-posto exclusivamente por magistrados –em contraposição à composição hetero-gênea do CNJ – constitui em um destesnovos espaços apresentados à análise eatuação da sociedade1.

No mês de setembro deste ano, foi rea-lizado o II Encontro Nacional do Fórum deAssuntos Fundiários, na cidade de Belém/PA. O encontro contou a presença e falas deautoridades do judiciário e executivo, alémde juristas e pesquisadores do direito. O queos dois encontros nacionais apresentaram demais interessante e inovador foi a realizaçãode workshops temáticos, onde os partici-pantes elaboram e aprovam em plenária re-comendações destinadas a orientar a atuaçãoe o planejamento estratégico do Poder Judi-ciário na questão agrária.

Em verdade, a natureza, a eficácia e apotência dessas recomendações são aindaincógnitas, o que coloca a questão sobre aatuação para garantir que elas sejam reale-mente utilizadas pelo CNJ e o judiciáriocomo um todo na definição da política dejustiça agrária.

“No workshop agrário, as propostasapresentadas demonstraram pluralidadede posições e, ao final, no momento davotação ficou clara a divisão do grupoentre os defensores da implementação daReforma Agrária, dentre os quais algunsjuízes, os representantes da Comissão Na-cional de Combate à Violência noCampo, os advogados da RENAP, osmembros do MST, a procuradoria do

INCRA, ouvidores agrários, e de outrolado, os representantes da CNA e algunsjuízes simpatizantes”, analisa MarianaTrotta, coordenadora-geral do Centro deAssessoria Popular Mariana Criola.

Outros workhops também avançaramnas recomendações temáticas, apresen-tando ao CNJ, a partir do cotidiano dascomunidades, das organizações e movi-mentos sociais, como a atuação do judiciá-rio nos assuntos fundiários pode significarefetivação ou violação dos direitos huma-nos. A abertura do comitê executivo doFórum à participação social, neste sentido,se faz essencial para que as recomendaçõespossam ser compreendidas, assumidas e in-corporadas à pauta do CNJ.

Terminado o II Encontro Nacionaldo Fórum de Assuntos Fundiários, a im-pressão que fica é a de que o grau de efe-tividade das recomendações aprovadaspelos Encontros depende da organizaçãoda sociedade. De fato, segundo João Ca-merini, assessor jurídico da Terra de Di-reitos em Santarém/PA, “o evento deixoutransparecer um caráter mais protocolar ecelebratório que uma reunião de trabalhocom a finalidade de resolver os gravesproblemas agrários brasileiros, a partir dodiálogo com a sociedade”.

Ao comitê executivo do Fórum estácolocado, assim, o duplo desafio democrá-tico de implementar uma composição he-terogênea, com participação social, e assimdar o devido encaminhamento às reco-mendações para as instâncias e órgãosnormativos do CNJ, quais sejam, a Presi-dência, Plenário e Corregedoria, a fim desejam elaboradas as competentes resolu-ções e recomendações de política judiciá-ria e de justiça agrária.

1 Confira uma análise sobre o Fórum de Assuntos Fundiários no nº1 dos Cadernos Direitos Humanos, Justiça e Participação Social, no site: www.terradedireitos.org.br.