Cachaca bebida nacional

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C M Y K C M Y K E Ed di it to or r: : José Carlos Vieira [email protected] [email protected] 3214-1178 • 3214-1179 CORREIO BRAZILIENSE Brasília, domingo, 31 de março de 2013 www.correiobraziliense.com.br Ouça o choro Paraty e assista ao making of do CD. Disco de violonista mineiro faz uma viagem pelas regiões do país produtoras de cachaça e propõe uma trilha sonora da tradicional bebida » GABRIEL DE SÁ A “marvada pinga” é o que atrapalha a veterana Inezita Barroso, como ela costuma cantar.Toquinho eVi- nicius, durante as tardes em Ita- poã, estavam sempre acompanhados de uma cachaça de rolha para “argumentar”. Já o João, de Erasmo Carlos, bebeu todo o destilado da cidade e acabou comendo “confete, serpentina e a fantasia”. Décadas mais tarde, a turma do Pato Fu decidiu to- mar pinga, “mesmo já sabendo o que ia dar no fim”. Cachaça, parati, pinga… São incontáveis os nomes dados à bebida- símbolo do país. E são maiores ainda as re- ferências à aguardente de cana-de-açúcar na música popular brasileira. O violonista mineiro Alessandro Corrêa, radicado em Brasília há nove anos, resolveu adentrar o rol dos que homenagearam a branquinha e dedicou um disco inteiro a ela. Só que Corrêa não quis apenas citar a cachaça e os efeitos inebriantes dela. Ele traçou um peculiar paralelo entre o des- tilado e algumas manifestações cultu- rais do país para compor Bebida nacio- nal, CD com 12 faixas instrumentais que será lançado esta semana. O músico de 33 anos não é o que se pode chamar de cachaceiro convicto: aprecia o líquido com moderação. O mergulho dele por esse universo surgiu a partir de um re- trato dos mais tradicionais pontos pro- dutores de pinga artesanal do país, feito pela rede Mapa da Cachaça, formada por apreciadores da bebida. “Eles fize- ram um roteiro de alambiques centená- rios e eu pensei nos gêneros musicais que poderiam se enquadrar nessas re- giões”, explica.“Minha intenção é de que o ouvinte viaje por esses lugares.” Corrêa descobriu, por exemplo, que, no norte de Minas Gerais, na região de Salinas, 17 municípios formam um dos principais polos produtores do país. Sur- giu daí Travessia dos Gerais, uma composi- ção inspirada no clássico Grande sertão:Ve- redas, de Guimarães Rosa, e um tributo à viola caipira. E é assim que acontece em Bebida nacional : para cada local, uma ma- nifestação musical. O disco tem sambas à Dorival Caymmi, bem baianos, e ou- tros de pegada mais carioca, na linha do pessoal do Estácio de Sá. Milongas gaú- chas, frevos pernambucanos e marchi- nhas de carnaval também compõem o mosaico (leia quadro sobre as músicas). “O ideal é que o disco seja ouvido acom- panhado de uma cachaça artesanal de qualidade”, brinca Corrêa,“mas pode ser apreciado a qualquer hora”. Bebida nacional traz, além das compo- sições de Alessandro (uma em parceria com Celso Araújo), duas músicas do vio- leiro Roberto Corrêa (não há nenhum pa- rentesco entre eles, apesar de serem mi- neiros) e uma do acordeonista baiano Jú- nior Ferreira. Mazurca do viajor, de Ro- berto, também bebe na fonte de Guima- rães Rosa — mais precisamente no perso- nagem Grivo, do conto “Cara-de-bronze”. A história de andanças do vaqueiro pelos interiores do país dialoga com o conceito do disco de transitar por lugares distintos. Outra do violeiro é Queluzindo, em refe- rência à cidade mineira de Queluz, atual Conselheiro Lafaiete, conhecida pela fa- bricação de violas no século 19. Alcunhas variadas Assovio de cobra. Esse é um dos apeli- dos pelo qual a cachaça é conhecida em Pernambuco, e é também o nome do baião de Júnior Ferreira que está no dis- co. A faixa, inspirada nas quadrilhas e nos arrasta-pés no Nordeste, é um tribu- to a Luiz Gonzaga. Os nomes de algumas das músicas trazem um panorama inte- ressante das múltiplas denominações re- gionais da bebida país afora. Várias delas foram colhidas no Dicionário de sinôni- mos de cachaça e algumas designações para bebidas alcoólicas, do pesquisador e poeta cearense Jesus Barros Boquady. Há mesmo razão para que a cachaça seja festejada como símbolo nacional. Ela, que teve seu consumo proibido no século 17 e foi motivo de revolta, tem, hoje, 1,2 bilhão de litros produzidos por ano no Brasil. São mais de 40 mil marcas da marvada (ou seria bendita?), que, ex- portada para cerca de 60 países, é o ter- ceiro destilado mais consumido no mun- do. É assunto encerrado que cachaça não é água. Mas, com tanto volume, fica evidente que a bebida é uma fonte ines- gotável para a cultura popular. DANADA de BOA BEBIDA NACIONAL Disco de Alessandro Corrêa. Independente, 12 faixas. Preço: R$ 15. À venda na página do Facebook (/CDBebidaNacional), na loja Kingdom Camisetas (107 Norte) e pelo telefone 8194-3536, a partir de quinta-feira. Quem curtir a página do disco na rede social até 14 de abril concorre a um kit com CD, camiseta e uma cachaça artesanal de Salinas (MG). Alessandro Corrêa: música instrumental refinada 1,2 BILHÃO Total de litros de cachaça produzidos anualmente no Brasil 700 Número de apelidos que a bebida tem pelo país » » Para ouvir degustando C Co on nf fi ir ra a t tr re ec ch ho os s d da a p pe es sq qu ui is sa a q qu ue e i im mp pu ul ls si io on no ou u a as s c co om mp po os si iç çõ õe es s d de e A Al le es ss sa an nd dr ro o C Co or rr rê êa a » Dendezeiro (Faz-xodó) Homenagem de Corrêa e Celso Araújo ao estilo inconfundível de Dorival Caymmi, a faixa alude à relação entre a cachaça e o azeite de dendê, usados juntos em oferendas. Faz-xodó é um dos apelidos baianos da marvada. No estado, segundo dados da Rede da Cachaça, as cidades de Santo Amaro da Purificação e Medeiros Neto têm tradição na fabricação do destilado. » Já começa Este nome aparece no dicionário de Jesus Barros Boquady como sinônimo de cachaça no Rio Grande do Sul, onde também é conhecida como canha. O termo batiza uma milonga de Corrêa, tradicional no estado, cujas principais cidades produtoras estão entre o Vale dos Sinos e o planalto da Serra Gaúcha, além de Bento Gonçalves, Harmonia e Maquiné. » Com dois dedos de gramática Mistura de samba tradicional (do Estácio de Sá) com samba de partido alto, o título da faixa faz menção a “dois dedos de gramática”, um jeito carioca de se referir à bebida. De acordo com o Mapa da Cachaça, é na parte fluminense do Vale do Paraíba que estão o maior número de produtores artesanais de pinga no estado. » Paraty Neste chorinho, Corrêa faz um tributo a uma das alcunhas mais conhecidas da bebida e também à cidade fluminense que, por ser uma importante fabricante dela, acabou lhe dando mais um apelido. Paraty, ao lado de Angra dos Reis faz, formam a Microrregião da Baía da Ilha Grande, tradicional produtora de cachaça. » Animadeira A marcha carnavalesca firmou- se como gênero musical típico da classe média carioca a partir da década de 1920, e logo espalhou- se pelas folias momescas Brasil afora, principalmente nas festas de salão. Animadeira, claro, é um dos vários nomes da branquinha. Cristiano Sérgio/Divulgação Arquivo Pessoal Kleber Sales/CB/D.A Press

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CORREIO BRAZILIENSEBrasília, domingo, 31 de março de 2013

www.correiobraziliense.com.br

Ouça o choro Paraty eassista ao making of do CD.

Disco de violonistamineiro faz umaviagem pelas regiõesdo país produtoras decachaça e propõe umatrilha sonora datradicional bebida

»GABRIEL DE SÁ

A“marvada pinga” é o que atrapalhaa veterana Inezita Barroso, comoela costuma cantar.Toquinho eVi-nicius, durante as tardes em Ita-

poã, estavam sempre acompanhados deuma cachaça de rolha para “argumentar”.Já o João, de Erasmo Carlos, bebeu todo odestilado da cidade e acabou comendo“confete, serpentina e a fantasia”. Décadasmais tarde, a turma do Pato Fu decidiu to-mar pinga, “mesmo já sabendo o que iadar no fim”. Cachaça, parati, pinga… Sãoincontáveis os nomes dados à bebida-símbolo do país. E são maiores ainda as re-ferências à aguardente de cana-de-açúcarna música popular brasileira. O violonistamineiro Alessandro Corrêa, radicado emBrasília há nove anos, resolveu adentrar orol dos que homenagearam a branquinhae dedicou um disco inteiro a ela.

Só que Corrêa não quis apenas citar acachaça e os efeitos inebriantes dela. Eletraçou um peculiar paralelo entre o des-tilado e algumas manifestações cultu-rais do país para compor Bebida nacio-nal, CD com 12 faixas instrumentais queserá lançado esta semana. O músico de33 anos não é o que se pode chamar decachaceiro convicto: aprecia o líquidocom moderação. O mergulho dele poresse universo surgiu a partir de um re-trato dos mais tradicionais pontos pro-dutores de pinga artesanal do país, feitopela rede Mapa da Cachaça, formadapor apreciadores da bebida. “Eles fize-ram um roteiro de alambiques centená-rios e eu pensei nos gêneros musicaisque poderiam se enquadrar nessas re-giões”, explica. “Minha intenção é de queo ouvinte viaje por esses lugares.”

Corrêa descobriu, por exemplo, que,no norte de Minas Gerais, na região deSalinas, 17 municípios formam um dosprincipais polos produtores do país. Sur-giu daí Travessia dos Gerais, uma composi-ção inspirada no clássico Grande sertão:Ve-redas, de Guimarães Rosa, e um tributo àviola caipira. E é assim que acontece emBebida nacional: para cada local, uma ma-nifestação musical. O disco tem sambas

à Dorival Caymmi, bem baianos, e ou-tros de pegada mais carioca, na linha dopessoal do Estácio de Sá. Milongas gaú-chas, frevos pernambucanos e marchi-nhas de carnaval também compõem omosaico (leia quadro sobre as músicas).“O ideal é que o disco seja ouvido acom-panhado de uma cachaça artesanal dequalidade”, brinca Corrêa, “mas pode serapreciado a qualquer hora”.

Bebida nacional traz, além das compo-sições de Alessandro (uma em parceriacom Celso Araújo), duas músicas do vio-leiro Roberto Corrêa (não há nenhum pa-rentesco entre eles, apesar de serem mi-neiros) e uma do acordeonista baiano Jú-nior Ferreira. Mazurca do viajor, de Ro-berto, também bebe na fonte de Guima-rães Rosa — mais precisamente no perso-nagem Grivo, do conto “Cara-de-bronze”.A história de andanças do vaqueiro pelosinteriores do país dialoga com o conceitodo disco de transitar por lugares distintos.Outra do violeiro é Queluzindo, em refe-rência à cidade mineira de Queluz, atualConselheiro Lafaiete, conhecida pela fa-bricação de violas no século 19.

AlcunhasvariadasAssovio de cobra. Esse é um dos apeli-

dos pelo qual a cachaça é conhecida emPernambuco, e é também o nome dobaião de Júnior Ferreira que está no dis-co. A faixa, inspirada nas quadrilhas enos arrasta-pés no Nordeste, é um tribu-to a Luiz Gonzaga. Os nomes de algumasdas músicas trazem um panorama inte-ressante das múltiplas denominações re-gionais da bebida país afora. Várias delasforam colhidas no Dicionário de sinôni-mos de cachaça e algumas designaçõespara bebidas alcoólicas, do pesquisador epoeta cearense Jesus Barros Boquady.

Há mesmo razão para que a cachaçaseja festejada como símbolo nacional.Ela, que teve seu consumo proibido noséculo 17 e foi motivo de revolta, tem,hoje, 1,2 bilhão de litros produzidos porano no Brasil. São mais de 40 mil marcasda marvada (ou seria bendita?), que, ex-portada para cerca de 60 países, é o ter-ceiro destilado mais consumido no mun-do. É assunto encerrado que cachaçanão é água. Mas, com tanto volume, ficaevidente que a bebida é uma fonte ines-gotável para a cultura popular.D

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ABEBIDA

NACIONALDisco de AlessandroCorrêa. Independente,

12 faixas. Preço:R$ 15. À venda na página

do Facebook(/CDBebidaNacional), naloja Kingdom Camisetas

(107 Norte) e pelotelefone 8194-3536, apartir de quinta-feira.

Quem curtir a página dodisco na rede social até14 de abril concorre a

um kit com CD, camisetae uma cachaça artesanal

de Salinas (MG).

AlessandroCorrêa:música instrumental

refinada

1,2BILHÃO

Total de litros decachaça

produzidosanualmentenoBrasil

700Número de apelidos

que a bebidatem pelo país

»»Para ouvirdegustando

CCoonnffiirraa ttrreecchhooss ddaa ppeessqquuiissaa qquueeiimmppuullssiioonnoouu aass ccoommppoossiiççõõeessddee AAlleessssaannddrroo CCoorrrrêêaa

»Dendezeiro (Faz-xodó)Homenagem de Corrêa e CelsoAraújo ao estilo inconfundívelde Dorival Caymmi, a faixaalude à relação entre acachaça e o azeite de dendê,usados juntos em oferendas.Faz-xodó é um dos apelidosbaianos da marvada. Noestado, segundo dados da Rededa Cachaça, as cidades deSanto Amaro da Purificação eMedeiros Neto têm tradição nafabricação do destilado.

» Já começaEste nome aparece no dicionáriode Jesus Barros Boquady comosinônimo de cachaça no RioGrande do Sul, onde também éconhecida como canha. O termobatiza umamilonga de Corrêa,tradicional no estado, cujasprincipais cidades produtorasestão entre o Vale dos Sinos e oplanalto da Serra Gaúcha,além de Bento Gonçalves,Harmonia e Maquiné.

»Comdois dedos degramática

Mistura de samba tradicional(do Estácio de Sá) com sambade partido alto, o título da faixafaz menção a “dois dedos degramática”, um jeito carioca dese referir à bebida. De acordocom o Mapa da Cachaça, é naparte fluminense do Vale doParaíba que estão o maiornúmero de produtoresartesanais de pinga no estado.

»ParatyNeste chorinho, Corrêa faz umtributo a uma das alcunhasmais conhecidas da bebida etambém à cidade fluminenseque, por ser uma importantefabricante dela, acabou lhedando mais um apelido. Paraty,ao lado de Angra dos Reis faz,formam a Microrregião da Baíada Ilha Grande, tradicionalprodutora de cachaça.

»AnimadeiraAmarcha carnavalesca firmou-se como gêneromusical típico daclassemédia carioca a partir dadécada de 1920, e logo espalhou-se pelas foliasmomescas Brasilafora, principalmente nas festasde salão. Animadeira, claro, é umdos vários nomes da branquinha.

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