Cabeça Voraz

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Cabeça Voraz_ Vivência Simbólica de um mito Amazônico. Este artigo de um trabalho que as autoras vêm desenvolvendo com grupos vivências em torno do mito indígena brasileira ?A cabeça voraz?. Esse trabalho tem como objetivo sensibilizar os participantes para os temas presentes na narrativa mítica, adotando uma perspectiva aberta, dinâmica e não conclusiva. O interesse das autoras é a atualização, recontextualização e ressignificação de temas arquetípicos em nossas vidas. Cotejando as diversas versões indígenas com as elaborações apresentadas pelos grupos, são feitos comentários e amplificações dos símbolos contidos no mito, tais como: o desejo feminino, o corpo, relacionamento entre os sexos, a fome ea voracidade, os seres não humanos, paixão e transgressão, relações familiares e comunitárias, criatividade e destruição. Laura Villares de Freitas, Lúcia Maria Azevedo e Maria Aparecida Freitas de Vilhena O artigo propõe uma interpretação junguiana da cerâmica dos indígenas construtores de aterros na ilha de marajó, Brasil. Os símbolos arquetípicos gravados na milenar arte do povo marajoara permite supor que algum tipo de ritual em honra a uma grande deusa teve lugar na boca do rio Amazonas, antes da colonização européia. Uma misteriosa estatueta feminina de 30 centímetros parece ter tido um papel central nos rituais. O corpo em formato de peixe está coberto por espirais vermelhas, pretas e brancas, indicando o processo regenerador das águas. Um duplo portal circunda a vulva, que abre para uma dimensão desconhecida no interior da deusa, talvez uma passagem para a vida após a morte, comparando com outros símbolos. Vasos feitos como seios encontrados nos mesmos sítios arquetípicos mostram mandalas de brotos, folhas e caracóis. Sua presença indica que o culto à deusa incluía beber o ?leite? da vida, uma mistura de plantas alucinógenas. O culto a essa ?Senhora das Águas? deve ter amenizado a dificuldade psicológica de sobreviver nos trópicos. A subida e descida das marés, as enchentes sazonais e os animais aquáticos, tais como sapos, rãs, serpentes, peixes, algumas aves, tartarugas e jacarés, foram parte do domínio dessa deusa. Hoje, a devoção à Virgem de Nazaré surge como uma moderna manifestação cristã do mesmo arquétipo que mobilizava a psique dos indígenas. Essa milenar crença na região amazônica parece creditar o destino humano ao útero do maior manancial de águas doces do planeta á Senhora das Águas. Lucy Coelho Penna O autor discute as lendas sobre as sereias e suas manifestações no imaginário popular, em especial na América Latina. O mito da sereia e

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Cabeça Voraz_ Vivência Simbólica de um mito Amazônico.

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Cabeça Voraz_ Vivência Simbólica de um mito Amazônico.

 Este artigo de um trabalho que as autoras vêm desenvolvendo com grupos vivências em torno do mito indígena brasileira ?A cabeça voraz?. Esse trabalho tem como objetivo sensibilizar os participantes para os temas presentes na narrativa mítica, adotando uma perspectiva aberta, dinâmica e não conclusiva. O interesse das autoras é a atualização, recontextualização e ressignificação de temas arquetípicos em nossas vidas. Cotejando as diversas versões indígenas com as elaborações apresentadas pelos grupos, são feitos comentários e amplificações dos símbolos contidos no mito, tais como: o desejo feminino, o corpo, relacionamento entre os sexos, a fome ea voracidade, os seres não humanos, paixão e transgressão, relações familiares e comunitárias, criatividade e destruição.

Laura Villares de Freitas, Lúcia Maria Azevedo e Maria Aparecida Freitas de Vilhena 

O artigo propõe uma interpretação junguiana da cerâmica dos indígenas construtores de aterros na ilha de marajó, Brasil. Os símbolos arquetípicos gravados na milenar arte do povo marajoara permite supor que algum tipo de ritual em honra a uma grande deusa teve lugar na boca do rio Amazonas, antes da colonização européia. Uma misteriosa estatueta feminina de 30 centímetros parece ter tido um papel central nos rituais. O corpo em formato de peixe está coberto por espirais vermelhas, pretas e brancas, indicando o processo regenerador das águas. Um duplo portal circunda a vulva, que abre para uma dimensão desconhecida no interior da deusa, talvez uma passagem para a vida após a morte, comparando com outros símbolos. Vasos feitos como seios encontrados nos mesmos sítios arquetípicos mostram mandalas de brotos, folhas e caracóis. Sua presença indica que o culto à deusa incluía beber o ?leite? da vida, uma mistura de plantas alucinógenas. O culto a essa ?Senhora das Águas? deve ter amenizado a dificuldade psicológica de sobreviver nos trópicos. A subida e descida das marés, as enchentes sazonais e os animais aquáticos, tais como sapos, rãs, serpentes, peixes, algumas aves, tartarugas e jacarés, foram parte do domínio dessa deusa. Hoje, a devoção à Virgem de Nazaré surge como uma moderna manifestação cristã do mesmo arquétipo que mobilizava a psique dos indígenas. Essa milenar crença na região amazônica parece creditar o destino humano ao útero do maior manancial de águas doces do planeta á Senhora das Águas.

Lucy Coelho Penna 

O autor discute as lendas sobre as sereias e suas manifestações no imaginário popular, em especial na América Latina. O mito da sereia e o tema da sedução são entendidos como expressão arquetípica da anima. A sereia representa a sedução arquetípica, a sedução da personalidade unilateral, possibilitando profundos movimentos na psique e favorecendo o inconsciente.

Marcos Fleury de Oliveira 

A partir da interpretação de uma lenda do Xingu, propõe-se uma vinculação de sua estrutura arquetípica a um aspecto fundamental da psique brasileira, da perspectiva da psicologia coletiva.

Marco Hele Barreto 

Los mitos ecuatorianos, reflejan la riqueza imaginal de los pueblos andinos. El mito del Chusalango directamente ligado a las montañas y la actividad volcánica, a pesar de su relación con la fecundidad de la tierra presenta elementos sombríos que le identifican con el falo destructor.

Vladimir Serrano Pérez 

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O autor desenvolve uma interpretação simbólica da lenda de Romãozinho, originaria do estado de Goiás, na região Centro Oeste do Brasil. Trata-se da história de um moleque malvado cuja índole contrasta com a bondade dos pais: um trabalhador da roça e sua esposa, dedicada mãe e dona de casa. A interpretação da lenda busca identificar o significado arquetípico do personagem principal, além de verificar a incidência de seu dinamismo no momento atual da cultura.

Alberto Pereira Lima Filho 

O autor faz uma análise de Bentinho, personagem central do romance Dom Casmurro de Machado de Assis, enfocando aspectos relacionados à psicopatologia do ciúme e da traição, bem como a função psicológica normal do ciúme na estruturação da identidade.

Luiz Paulo Grimberg 

O texto reflete sobre as possibilidades criativas do encontro analista-caipira. Apresenta o arquetípo do caipira como uma expressão do ántrophos, ou do arquétipo do homem natural. Considera a energia do arquétipo do caipira como uma expressão instintiva e natural da individuação. Relaciona o arquétipo do tolo e ad criançã enquanto portadores da função inferior da cultura. Apresenta paralelos entre as atitudes do caipira e do analista diante dos mistérios de uma natureza psíquica e propõe essa parceria como propícia ao trabalho clínico. Amplifica os símbolos presentes numa cultura caipira que guardam significados potentes, à serem recuperados no ritual da análise. A ponta para a experiência caipira do arquétipo da totalidade e conclui que a cultura caipira se mantém como uma reserva ecológica da nossa psique.

Isabel F. Rosa Labriola 

Desde tiempos muy remotos, los médicos han ayudado al hombre suprimiéndole y evitándole el dolor y la enfermedad, o, aliviándole la pesadumbre de padecerlos. Todos ellos, desde el chamán de la tribu primitiva hasta el médico de nuestros días, estaban y están poséidos por la misma voluntad, la misma misión bienhechora, el mismo fin: el de sanar. Qué los inpulsa a desear curar a outro? Su profesión implica asistir al otro que sufre. Nuestra búsqueda se orientó hacia las diferentes representaciones de los mitos de Apolo, Quirón y Asclepio, como dioses sanadores y salvadores de la antigüedad clásica. Arquetípos que han trascedido en la historia del hombre, hasta el médico de nuestros días. Este trabajo se propone relacionar simbólicamente las imágenes míticas ancestrales del médico com las imágenes contemporáneas que proporcionan los pacientes entrevistados. Asimismo, se analizaran las ideas que los médicos aporten sobre la imagen que ellos creen representar en acto de curación. El estudio de las características arquetipales de los antecesores míticos del médico contemporáneo, nos permitirá acecarnos a su psique, y apreciar la vigencia del arquetipo, es universal.

Eileen Celis de Oliveros 

A medicina científica moderna trouxe avanços da maior valia para a saúde e combate a doenças antigamente fatais. Sofreu, porém, uma cisão, desconsiderando a psique e a pessoa integral do paciente. Médicos pacientes relacionam-se como objetos de laboratório e de análise. Faltam nessa visão conteúdos anímicos. Indispensáveis não somente para proporcionar conforto e gentileza, mas para ativamente completar a cura. Cada vez mais descobrem-se, por exemplo, os efeitos do placebo e das visualizações dentro da medicina. Esse conhecimento, que escapa da ciência, é milenar e pertence a culturas populares, indígenas e orientais. A medicina moderna tem a tarefa de unir sua avançada tecnologia com a sabedoria intuitiva e empírica dessas tradições e para isso necessita incorporar a psique em suas pesquisas, métodos e observações. Uma lenda tupi-guarani serve como metáfora da integração entre conhecimento, intuição e amor para obter a cura.

Liliana Liviano Wahba 

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A partir de situações reais que ilustram a impunidade e a precariedade de princípios morais de autoridades em nosso país. O autor reflete sobre essa tradição que alegoricamente deixa entrever o fato histórico da impunidade. As peculiaridades que cercaram o processo de colonização da América Latina são propostas como possíveis fatores para a compreensão psicológica dessa má estruturação da dinâmica do arquétipo do pai tão presente em nossa cultura. Sinais de transformação em nosso Self cultural são detectados como promissores de possível mudança dessa realidade.

Nairo de Souza Vargas 

A autora discute a estruturação da consciência feita pelos arquétipos da Grande Mãe e do Pai, chamado as relações Eu-Outro, regidas por esses arquétipos, de relações assimétricas. Propõe essas estruturações se efetuando mediante dois papéis, relacionados a cada arquétipo. Chama de Fm-filho da Grande Mãe ou filho-do-matriarcal – o papel mais passivo-receptivo e de M – papel mãe ou matriarcal adulto – o papel mais ativo-doador. Propõe uma semiologia desses papéis, visando melhor compreensão psicodinâmica e psicopatológica de suas alterações, como discriminações de variáveis contidas no que Jung chama de ?complexo materno?. Discute a relação entre esses papéis no nível individual e relacional, chamando essa interação de circuito da Grande Mãe ou ?circuito matriarcal?. Os mesmos fatores são discutidos relacionados ao arquétipo do Pai, descrevendo o ?circuito patriarcal?. Aborda a alteração desses papéis quando eles estão hipoestruturados (hipotróficos) ou hiperestruturados (hipertróficos). Descreve características de uma personalidade com cada uma dessas alterações, bem como de sua combinação. Discrimina como ficam esses perfis, por assim dizer, no nível individual e o que costuma aparecer na relação com o Outro. Particulariza como tendem a ser suas relações familiares e dados mais freqüentes em suas histórias de vida. Discute ainda estratégias psicoterápicas enfatizando o que ocorre na transferência e contratransferência. Descreve a depositação e projeções no analista do papel hipotróficos e o risco de o analista se identificar com esses papel, bem como a atuação sobre o analista do papel hipertrófico e os riscos da contra atuação do analista. Discute a validade, além da análise individual, do trabalho analítico com o vínculo para lidar com a complementariedade e/ou suplementariedade vincular. Insiste na validade da reflexão semiológica e psicopatológica visando abranger o arsenal terapêutico.

Iraci Galiás 

A autora descreve os impedimentos encontrados pelos homens e mulheres para atender na dinâmica de consciência pós-patriarcal em função das dificuldades de transcender o conflito entre o dever-honra ( demandas do coletivo ). Reconceitua a dinâmica do coração. Para qualificar a dinâmica do coração, descreve a estrutura do herói e da heroína emergentes e estruturantes desse tempo novo, os princípios de lealdade e fidelidade que o norteiam, as estruturas defensivas ao seu estabelecimento.

Maria Zelia de Alvarenga.

“Antigamente, não havia senão noite e Deus pastoreava as estrelas no céu. Quando lhes dava mais alimento elas engordavam e a sua pança abarrotava de luz. Nesse tempo, todas as estrelas comiam, todas luziam de igual alegria. Os dias ainda não haviam nascido e, por isso, o Tempo caminhava com uma perna só. E tudo era tão lento no infinito firmamento!

Até que, no rebanho do pastor, nasceu uma estrela com ganância de ser maior que todas as outras. Essa estrela chamava-se Sol e cedo se apropriou dos pastos celestiais, expulsando para longe as outras estrelas que começaram a definhar.

Pela primeira vez houve estrelas que penaram e, magrinhas, foram engolidas pelo escuro. Mais e mais o Sol ostentava grandeza, vaidoso dos seus domínios

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e do seu nome tão masculino. Ele, então, se intitulou patrão de todos os astros, assumindo arrogâncias de centro do Universo. Não tardou a proclamar que ele é que tinha criado Deus.

O que sucedeu, na verdade, é que, com o Sol, assim soberano e imenso, tinha nascido o Dia. A Noite só se atrevia a aproximar-se quando o Sol, cansado, se ia deitar. Com o Dia, os homens esqueceram-se dos tempos infinitos em que todas as estrelas brilhavam de igual felicidade. E esqueceram a lição da Noite que sempre tinha sido rainha sem nunca ter que reinar.”

MIA COUTO, no livro  “A confissão da leoa”