Bruxaria,Oraculos e Magia

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E.E Evans Pritchard. Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande. Trad. Eduardo Viveiros de Castro, Rio de Janeiro, Zahar , 2005. Introdução Eva Gillies. Sistema político indígena altamente organizado. p 11. Por sorte as monografias antropológicas não pretendem possuir “valor jornalístico”, no sentido de serem uma exposição factual, mas contribuir para o desenvolvimento de um corpus de deduções fundamentadas a respeito dos princípios obviamente devem de confiança para o momento e lugar em que foram coletados; mas em últimas análise são a matéria-prima da teoria, e a teoria é -ou deveria ser- um processo em constante devir. Em vista disso cada trabalho original, gerado, por assim dizer, pela teoria a partir de dados brutos, deve ser encarado como um elo na genealogia do tema, com ancestrais e descendentes legítimos. p 21. ...”representações coletivas”, isto é, aquelas crenças que, eliminadas todas as variações individuais, são as mesmas para todos os membros de uma dada sociedade ou segmento social – as afirmações básicas e inquestionáveis sobre as quais se apoiam necessariamente todos os raciocínios naquela sociedade ou segmento. Esses postulados e crenças são mantidos coletivamente e aceitos de modo inconsciente por todo indivíduo penetrante exercida pela sociedade... p 22. Mary Douglas observou recentemente, a bruxaria como sistema de explicação de eventos não postula, na verdade, a existência de seres espirituais misteriosos – apenas os poderes misteriosos dos homens- p 22. ... os “estudos de micropolítica” empreendidos a partir das noções de bruxaria e feitiçaria serviram elucidar, mais do que até antão tinha sido possível, as realidades do poder e do conflito em sociedades de pequena escala p 23. ... bruxaria deixa de ser considerada um simples regulador social e moral dentro de uma sociedade imóvel, passando a ser vista como parte de ima dinâmica política, como elemento mobilizado pelas mudanças cíclicas experimentadas periodicamente pelo sistema.

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E.E Evans Pritchard. Bruxaria, orculos e magia entre os Azande. Trad. Eduardo Viveiros de Castro, Rio de Janeiro, Zahar , 2005. Introduo Eva Gillies. Sistema poltico indgena altamente organizado. p 11. Por sorte as monografias antropolgicas no pretendem possuir valor jornalstico, no sentido de serem uma exposio factual, mas contribuir para o desenvolvimento de um corpus de dedues fundamentadas a respeito dos princpios obviamente devem de confiana para o momento e lugar em que foram coletados; mas em ltimas anlise so a matria-prima da teoria, e a teoria -ou deveria ser- um processo em constante devir. Em vista disso cada trabalho original, gerado, por assim dizer, pela teoria a partir de dados brutos, deve ser encarado como um elo na genealogia do tema, com ancestrais e descendentes legtimos. p 21. ...representaes coletivas, isto , aquelas crenas que, eliminadas todas as variaes individuais, so as mesmas para todos os membros de uma dada sociedade ou segmento social as afirmaes bsicas e inquestionveis sobre as quais se apoiam necessariamente todos os raciocnios naquela sociedade ou segmento. Esses postulados e crenas so mantidos coletivamente e aceitos de modo inconsciente por todo indivduo penetrante exercida pela sociedade... p 22. Mary Douglas observou recentemente, a bruxaria como sistema de explicao de eventos no postula, na verdade, a existncia de seres espirituais misteriosos apenas os poderes misteriosos dos homens- p 22. ... os estudos de micropoltica empreendidos a partir das noes de bruxaria e feitiaria serviram elucidar, mais do que at anto tinha sido possvel, as realidades do poder e do conflito em sociedades de pequena escala p 23.... bruxaria deixa de ser considerada um simples regulador social e moral dentro de uma sociedade imvel, passando a ser vista como parte de ima dinmica poltica, como elemento mobilizado pelas mudanas cclicas experimentadas periodicamente pelo sistema. ... associar a calma e o recrudescimentos peridicos das crenas sobre bruxaria aos ciclos de prosperidade e depresso econmica. ... aqui as crenas na bruxaria esto presentes o tempo todo nas sociedades, mas, durante perodos de tenso social mnima, elas permanecem como que latentes. p 25. - passo para considerar-se o aumento das acusaes de bruxaria como um sintoma de sociedade doente. A sociedade enferma era implicitamente definida como aquela que estivesse atravessando uma mudana brusca e de longo alcance, como a produzida pela situao colonial na frica, ou pela Revoluo Industrial europia. Sociedade doente, a hiptese inteiramente inverificvel. p 26. Um ato de bruxaria um ato psquico. Os Azande distinguem claramente entre bruxo e feiticeiros. O objeto deste livro so as relaes entre essas crenas e ritos. p 33. Um bruxo no apresenta sintomas externos de sua condio, embora o povo diga E pelos olhos vermelhos que se conhece um bruxo. p 34. Mais frequentemente, porm, declaram que o bruxo deve ter sido um bastardo, j que eles no tm bruxaria em seus corpos, e portanto ele no pode ser seu parente. p 35. A morte resultado de bruxaria, e deve ser vingada. Todas as demais prticas ligadas bruxaria se acham resumidas na ao da vingana. p 37. Embora a bruxaria propriamente dita seja uma parte do organismo humano, sua ao psquica. p 42. Por isso est sempre falando de mangu, bruxaria. Essa fora no existe fora dos indivduos; o contrrio, ela uma parte orgnica de alguns deles. p 44. Os efeitos da bruxaria acarretam morte lenta, pouco a pouco, pois somente depois que um bruxo devorou toda a alma de um rgo vital que a morte sobrevm. Anu mangu, coisas de bruxaria. p 45. Agirisa, bruxo transformam em espritos malignos, atoro, os espritus dos mortos comuns so seres benevolentes, pelo menos tanto quando pode ser, digamos, um pai ... p 46. O zande atribui todos esses infortnios bruxaria, a menos que haja forte evidncia, e subsequente confirmao oracular, de que a feiriaria ou um outro agente maligno estavam envolvido, ou a menos que tais desventuras possam ser claramente atribudas imcomptncia, quebra de um tabu, ou ao no-cumprimento de uma regra moral. p 49. ... a bruxaria pe um homem em relao com os eventos de uma maneira que faz sofrer algum dano. p 52. A bruxaria explica por que os acontecimentos so nocivos, e no como eles acontecem. p 54. A crena zande na bruxaria no contradiz absolutamente o conhecimento emprico de causa e efeito. p 55.A crena na morte por causas naturais e a crena na morte por bruxaria no so mutuamente exclusivas. Pelo contrrio, elas se suplementam, casa uma justificando o que a outra no explica. Alm disso a morte no somente um fato natural tambm um fato social. A morte leva consulta de orculos, realizao de ritos mgicos e vingana. Dentre todas as causas de morte, a bruxaria a nica que possuiu alguma relevncia para o comportamento social. p 55. O pensamento zande capaz de exprimir com muita clareza s relaes entre as noces de causalidade natural mstica e causalidade natural por meio de uma metfora venatria. Os zande sempre dizem da bruxaria que ela a umbaga ou segunda lana. p 55. Os povos primitivos distinguem entre o natural e o sobrenatural em termos abstratos? Eles no tm uma concepo do natural tal como ns entendemos, e, por conseguiente, tampouco do sobrenatural tal como ns endentemos. A bruxaria represemta para os azande um evento que, embora talvez infrequente, ordinrio, e no extraordinrio. um acontecimento normal, e no anormal. Mas embora no atribuam a natural e sobrenatural os significados que os europeus cultos concedem a essa noes, distinguem os dois domnios. Assim, nossa pergunta pode ser formulada, e deve ser formulada, de outra maneira. O que deveramos perguntar se os povos primitivos vem alguma diferena entre os acontecimentos que ns os observadores como msticos. Os azande percebem indubitavelmente uma diferena entre aquilo que consideramos como as aes da naturaliza, por um lado, e as aes de magia, dos espritos e da bruxaria, por outro, embora, na ausncia de uma doutrina formulvel sobre a legalidade natural, no possam exprimir a diferena tal como ns fazemos. p 60. Vimos anterirormente como as bruxaria participa de todos os infortnios. Infortnios e bruxaria so basicamente a mesma coisa para um azande, pois apenas em situaes de infortnio ou em antecipao a ele que a noo de bruxaria evocada. Em certo sentido, pode-se dizer que bruxaria infortnio, que o mtodo de consultas oraculares e apesentao de asa de aves o canal socialmente prescrito da resposta ao infortnio e que a noo de uma atividade- bruxaria o substrato necessrio para dar cornecia logica a tal resposta. p 42. As consultas oraculares, assim exprimem histrias de relacionamentos passoais, pois em geral um indivduo s coloca diante do arculo s nomes daquelas que o poderiam ter prejudicado em rao de algum acontecimento determinado que, em sua opinio, motivou a inimizade de tais pessoas. p 73. A noo de bruxaria no apenas uma funo do infortnio ou das relaes pessoais; envolve tambm juzos morais. Com efeito, a moralidade zande est to intimamente relacionado s naes de bruxaria que podem dizer que elas as determinam. p 75. ... a bruxaria tende tornar-se sinnimo dos sentimentos que supostamente a despertam, de forma que os Azande pensam m dio, inveja e cobia em termos de bruxaria, e igualmente pensam em bruxaria em termos dos sentimentos que ela revela. ... uma pessoa que embruxou um homem no considerado por este para sempre, mas apenas no contexto do infortnio que causo. p 75. Os bruxo tendem ser aqueles cujo comportamento afasta-se mais suas exigncia sociais. p 79.Trasmisin de informao. Transmitem tais mensagens psquicas por meio de sentenas desconexas em geral, sequncias de palavras no- articuladas gramaticalmente- pronunciadas com uma voz sonhadora e longnqua. Falam com dificuldade, como veremos, apenas em parte uma representao ... p 104. Um adivinho no adivinha apenas com a boca, mas com o corpo enterro. Ele dana as questes que lhe so colocadas. Essa dana contrasta radicalmente com a dana cerimonial comum dos Azande. A primeira animada, violenta, exttica; a segunda lenta, calma, contida. Aquela um desempenho individual, organizado apenas pelos movimentos tradicionais e pelo ritmo; esta uma performance coletiva. Trata-se de uma luta, em parte direta, em parte simblica, contra os poderes do Mal. Dana as perguntas. p 109. A magia deve ser comprada como qualquer outro bem, e a parte realmente significativa na iniciao a lenta transmisso de conhecimento sobre as plantas do professor ao aluno, em troca de uma longa srie de pagamentos. p 117. A habilidade de um adivinho depende da qualidade das drogas que comeu e de sua posse mangu. importante notar que o ceticismo quando aos adivinhos no socialmente reprimido. A ausncia de doutrinas formais e coercitivas permite que os Azande afirmem que muitos, tal vez a maioria, dos adivinhos so trapaceiros. Como no h oposio a tais afirmativas, a crena bsica nos poderes teraputicos e profticos dos adivinhos permanece inclume. Na verdade, o ceticismo parte componente do sistema da crena em adivinhos. Tanto a f quanto o ceticismo so tradicionais. O ceticismo explica os fracasso dos adivinhos e, dirigido contra alguns deles individualmente, refora a f em outros. p 125. Podemos ento perguntar por que o senso comum no vence a superstio. Tratamento ser eficaz preciso que seja realizado maneira tradicional, que se acredite eliminar qualquer possibilidade de charlatanice, crena que estimula a f do paciente no mdico. p 126. Mas essa f sustentada tambm de outras maneiras. O ritmo, as formas de enunciao, o contedo das profecias, tudo isso ajuda a criar a f nos adivinhos; mas no explica inteiramente a crena. Apenas o peso da tradio pode faz-lo.J que existe a bruxaria, naturalmente existem adivinhos. Uma sesso de adivinhao uma afirmao pblica da existncia da bruxaria; uma das formas pelas quais se inculca e exprime a crena na bruxaria. p 127. verdade que um adivinho pode ser igualmente um bruxo. Nesse caos, possui mangu e ngua, bruxaria e magia; pode ferir ou proteger, matar ou curar. p 129. Dentro do desequilbrio cultural generalizado que se seguiu conquista e colonizao, a crena na magia e na bruxaria deixou de funcionar adequadamente, e a profisso de adivinho tende a ser cada vez mais um passatempo. p 130. Se quebram um tabu, todo sistema legal pode tornar-se corrupto. p 141. O orculo de veneno uma prerrogativa masculina; trata-se de um dos principais mecanismos de controle masculino e uma expresso do antagonismo sexual. p 145. Os azande observam como ns a ao do orculo de veneno, mas suas observaes esto sempre subordinadas sua crena, servindo para explica-la e justific-la. Considere o leitor qualquer argumento que pudesse demolir totalmente as alegaes azade sobre o poder do orculo. Se esse argumento fosse traduzido para as formas de pensamento zande, serviria para sustentar toda a sua estrutura de crena. Pois as noes msticas so eminentemente coerentes, inter-relacionadas por uma teia de ligaes e ordenadas de tal modo que nunca contradizem diretamente a experincia sensvel o contrrio, a experincia parece justia-las. p 162-163. Traduzi a palavra mbisimo por alma porque a noo que essa palavra exprime em nossa cultura mais prxima da noo do mbisismo das pessoas do que qualquer outra palavra nossa. Os conceitos no so idnticos, e como em cada lngua a palavra usada em muitos sentidos, no mais possvel usar as expresses originais na traduo sem risco de confuso a distoro grosseria. p 163. O orculo de atrito um instrumento de madeira feito pelo homem e s se torna orculo tratado e operado de certa maneira; se um tabu for violado, ele volta a ser um pedao de madeira entalhada, sem o poder de ver o futuro. As trmitas no so certamente pessoas fsicas ou corpreas; so trmitas e nada masi. Mas se forem abordadas de modo correto so ento dotadas de poderes msticos. Mas quando usados em situaes rituais deixam de ser simples coisas e meros insetos e se tornam agentes msticos. p 164. A contradio entre a experincia e uma noo mstica justificada pr meio de outra naes msticas. p 171. Os azande distinguem nitidamente entre o uso de magia para a consecuo de fins socialmente aprovados, como por exemplo o combate bruxaria, e seu uso maligno e anti-social na feitiaria. Para eles a diferea entre um feiticeiro e um bruxo que o primeiro usa a tcnica da magia e extrai seu poder das drogas, enquanto o segundo age sem ritos ou encataes, utilizando poderes psicofsicos hereditrios para atingir seus objetivos. Ambos so inimigos da humanidade, e os azande colocam-nos lado a lado. A bruxaria e a feitiaria so contrrio da - e so contrariadas pela boa magia. p 186. Todos os atos rituais azande mesmos as oraes aos espritos- so relizadas com o mnimo de publicidade. Tanto a magia boa quanto a ruim so feitas em segredo. p 191. Ao diferenar a magia branca da feitiaria, os azande no estigmatizam esta ltima apenas porque destri a sade e a propriedade alheias, mas porque transgride as regras morais e legais. p 196. Estou mais inclinado a achar que, se subjetivamente h uma ntida divises entre magia branca e negras, o que h objetivamente so apenas drogas que as pessoas usam quando acham que tm boas razes para us-las. Se for realmente assim, a diferena entre bruxaria e feitiaria a diferena entre um ato imputado que impossvel e um ato imputado que possvel. p 201.

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