BRINQUEDOTECAS COMUNITÁRIAS: O LÚDICO COMO FERRAMENTA PARA ... · PDF fileO...
Click here to load reader
Transcript of BRINQUEDOTECAS COMUNITÁRIAS: O LÚDICO COMO FERRAMENTA PARA ... · PDF fileO...
BRINQUEDOTECAS COMUNITÁRIAS: O LÚDICO COMO FERRAMENTA PARA INCLUSÃO SOCIAL
Luciana Carolina Cleto de Souza1
RESUMO Partindo da compreensão que a Pedagogia Social é a teoria que orienta a prática de educação social e de que as ações socioeducativas desenvolvidas na assistência social estão voltadas ao aprimoramento do convívio social e familiar, este artigo objetiva analisar as contribuições teóricas da pedagogia social, da psicologia e da assistência social, visando à compreensão das possibilidades de utilização das brinquedotecas comunitárias como ferramenta no trabalho com famílias. Para isso pretende-se contextualizar teoricamente a importância do brincar e a promoção de interação que estes espaços oportunizam, fortalecendo a atuação da brinquedoteca comunitária como um instrumento de trabalho na assistência social. O estudo está caracterizado como uma pesquisa descritiva e explicativa, o qual se fundamenta a partir da análise de documentos e bibliografias pré-selecionadas que abordam a temática. Inicia-se com a contextualização histórica das brinquedotecas e suas funções, seguida da discussão sobre a importância do livre brincar no processo de socialização do indivíduo e sobre o trabalho com famílias na assistência social, concluindo com o aporte teórico que sustenta a inserção das brinquedotecas comunitárias como ferramenta de trabalho visando à inclusão social. Palavras-Chave: Inclusão Social, Brinquedoteca Comunitária, Trabalho com Famílias, Pedagogia Social. ABSTRACT By understanding Social Pedagogy as a theory that guides the practice of social education, and that socio-educative actions developed in Social Assistance aim at the improvement of familiar and social relationships, this article’s objective is to analyze some theoretical contributions of Social Pedagogy, Psychology and Social Assistance in relation to the possibilities of using communitary playing spaces as tools to work with families. In order to achieve this goal, it is necessary to make a theoretical contextualization of the importance of playing acts, as well as a promotion of the interactions that are made possible by these spaces, which strenghten the role of communitary playing spaces as a tool for working with Social Assistance. This study consists of a descriptive and explicative research, based on the analysis of documents and selected bibliography regarding the theme. The idea is to start with a historical contextualization about playing spaces and their functions, followed by a discussion regarding the importance of free-playing in the process of socializing the individual, as well as the work with families in Social Assistance. Finally, the ideia is to conclude the article with theoretical considerations that support the insertion of communitary playing spaces as a tool for working with social inclusion. Keywords: Social Inclusion, Communitary Playing Spaces, Family Work, Social Pedagogy.
1 Pedagoga formada pela PUC/PR, especialista em Educação Infantil pela Universidade Gama Filho,
pós-graduanda em Pedagogia Social na Universidade Tuiuti, mestranda em educação na UFPR e servidora da Fundação de Ação Social. E-mail: [email protected]
INTRODUÇÃO
A brinquedoteca é um espaço lúdico preparado para acolher o brincar de
pessoas em todos os ciclos de vida. Oferece recursos que propiciam a interação do
indivíduo com a sua imaginação, com seus pares, com seu eu interior.
A brinquedoteca comunitária é um recurso no trabalho com famílias, utilizada
pelos profissionais da assistência social, visando o fortalecimento dos vínculos
familiares, da auto-estima e o aprimoramento das relações sociais e familiares de
crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos.
É conhecida a contribuição da brinquedoteca como recurso pedagógico,
utilizado na facilitação da aprendizagem, na estimulação cognitiva, na formação
social e pessoal das crianças em escolas, podendo citar estudos de Farfus (2011),
Kishimoto (1993, 1997, 2011), Cunha (1997), Santos (1997), Almeida (1997) e
Fortuna (2000). A brinquedoteca também tem seu espaço garantido nas ações da
saúde. Nos hospitais as brinquedotecas são um espaço de promoção de saúde e
fortalecimento auto-estima, principalmente no tratamento de crianças que passam
muito tempo internadas, conforme os estudos de Cunha (2007), Oliveira (2009)
Viegas (1993) e Santos (2011). Recentemente a brinquedoteca vem sendo incluída
também como recurso pela assistência social, no trabalho com famílias.
Esta pesquisa possibilita a ampliação da discussão do papel da
brinquedoteca como um recurso metodológico no trabalho que vem sendo
desenvolvido pela assistência social no município de Curitiba. Com objetivo de
analisar as contribuições teóricas da pedagogia social, da psicologia e da
assistência social, busca compreender as possibilidades de utilização das
brinquedotecas comunitárias como ferramenta no trabalho com famílias.
O estudo está caracterizado como uma pesquisa descritiva e explicativa, o
qual se fundamenta a partir da análise de documentos e bibliografias pré-
selecionadas que abordam a temática. Inicia-se com a contextualização histórica
das brinquedotecas e suas funções, seguida da discussão sobre a importância do
livre brincar no processo de socialização do indivíduo e sobre o trabalho com
famílias na assistência social, concluindo com o aporte teórico que sustenta a
inserção das brinquedotecas comunitárias como ferramenta de trabalho visando à
inclusão social.
UM BREVE HISTÓRICO DAS BRINQUEDOTECAS
A brinquedoteca é um espaço preparado para o livre brincar tanto de crianças
e adolescentes como para adultos e idosos, é planejada de forma a estimular
potencialidades e necessidades lúdicas das diferentes faixas etárias. A
“brinquedoteca é um espaço criado para favorecer a brincadeira” (CUNHA, 2010,
p.13), “com todo o estímulo e manifestação de suas necessidades lúdicas”
(AZEVEDO, 2004, p.52).
As brinquedotecas surgiram com o objetivo de devolver à criança o direito ao
brincar e à infância. No histórico descrito por CUNHA (2010), as brinquedotecas
surgiram por todo o mundo com o nome de Ludotecas e, ou Toy Libraries (Biblioteca
de brinquedos), sendo um espaço para o empréstimo de brinquedos, funcionando
como uma biblioteca.
Segundo Kishimoto (2011, p. 15), no estudo do histórico das brinquedotecas
fica evidenciada a diferença entre toy library (biblioteca de brinquedos) e lekotek
(biblioteca para brincar), ludotecas, play matters (brincar importa) e brinquedotecas,
e descreve as mais variadas funções que estes espaços foram adquirindo com o
passar dos anos. A brinquedoteca com função de empréstimo de brinquedos é mais
comum nos países anglo-saxões, no Brasil prevalece a brinquedoteca como um
espaço que acolhe e estimula o livre brincar (KISHIMOTO, 2002 apud FORTUNA,
2011). As brinquedotecas escolares são mais presentes nos países latino-
mediterrâneo como afirma Solé (2000 apud FORTUNA, 2011).
A primeira idéia de brinquedoteca (AZEVEDO, 2004) surgiu em 1934, nos
anos da grande depressão econômica americana (FRIEDMAN, 1998), quando um
dono de uma loja de brinquedos em Los Angeles queixou-se ao diretor de uma
escola municipal de que as crianças estavam lhe roubando os brinquedos. O diretor
argumentou com o dono da loja que devido à recessão as crianças não tinham com
o que brincar, justificando desta forma os roubos. Iniciou-se então um serviço de
empréstimo de brinquedos como um recurso comunitário, serviço este que ainda
existe e é chamado em Los Angeles de toy loan, conhecido também por toy library.
Neste momento histórico a toy library, “destina-se ao empréstimo de
brinquedos e acessoria a pais e crianças, garantindo o livre brincar por meio de
sessões onde os pais aprendem a brincar com os filhos e recebem orientações
sobre a escolha dos brinquedos para empréstimo” (KISHIMOTO, 2011, p. 16).
Em 1963, em Estocolmo / Suécia (FRIEDMAN, 1998), surgiu à primeira
lekotek (ludoteca em sueco), com objetivo de emprestar brinquedos e realizar a
orientação dos pais de crianças com deficiência sobre como brincar com seus filhos,
oferecendo também o serviço de estímulo a essas crianças por profissionais
especializados, funcionando de forma semelhante a uma clínica, com agendamento
de horário e atendimento individual. “O empréstimo de brinquedos era apenas uma
parte do programa, que enfatizava a formação em educação especial, o
desenvolvimento infantil, o aconselhamento parental e a avaliação das habilidades
das crianças” (KISHIMOTO, 2011, p.16).
O conceito de brinquedoteca foi ampliado em 1987, no Congresso
Internacional das Toy Libraries, em Toronto no Canadá, quando foi discutido a
adequação do nome Toy Libraries às mais variadas ações que neste espaço são
executadas, o trabalho da brinquedoteca então foi concebido além do empréstimo
de brinquedos, formaliza-se também o apoio às famílias, orientação educacional e
auxílio à saúde mental, o estímulo à socialização e resgate da cultura de cada povo.
No Canadá as Toy Libraries foram então renomeadas para Centros de Recurso para
a Família.
Conforme Kishimoto (2011) o termo ludoteca é o que prevalece nos países de
língua latina e francesa, porém no Brasil, foi adotado um termo diferenciado:
brinquedoteca. “Quando da criação da Associação Nacional de Brinquedotecas,
descobriu-se que uma escola privada havia registrado o nome de sua instituição
como ludoteca, inviabilizando o uso desse termo por outros (KISHIMOTO, 2011, p.
21).
A brinquedoteca brasileira diferencia-se das ludotecas e Toy Libraries porque estas tem seu trabalho mais voltado ao empréstimo de brinquedos, ao passo que, na brinquedoteca brasileira, o trabalho está voltado para o brincar, propriamente dito. (CUNHA, 1994 apud AZEVEDO, 2004 p.53)
A primeira brinquedoteca brasileira surgiu em 1981, no Instituto Indianápolis,
em São Paulo, com o objetivo de atender a crianças com necessidades especiais,
como meio de estimulação, desenvolvimento cognitivo, socialização e diversão.
Em 2011, Kishimoto (2011, p.21) apresentou uma pesquisa sobre as
brinquedotecas no Brasil (pesquisadas em sites na web) e constatou que havia 565
brinquedotecas no país, nas suas mais variadas formas de organização e função,
sendo que as maiorias delas, 212 estão vinculadas aos centros de formação de
professores, funcionando como centros de pesquisa e extensão universitária. Ainda
é um número pequeno quando comparado a países como a China que em 2010
possuía 1.700, na Inglaterra 1.200 e na França 1.000 brinquedotecas.
CLASSIFICAÇÃO E FUNÇÕES DAS BRINQUEDOTECAS
De acordo com Azevedo (2004) as brinquedotecas se classificam de acordo
com diferentes fatores como: situação geográfica, tradições e cultura de cada país,
sistema educacional, valores, crenças e quanto ao serviço prestado. Kishimoto
(2011) acrescenta ainda, que as mais variadas tipologias encontradas, evidenciam
as especificidades de cada país em que se localiza a brinquedoteca.
De acordo com Azevedo (2004) e Kishimoto (2011) os tipos mais comuns
são: as brinquedotecas nas escolas, brinquedotecas instaladas na comunidade ou
em bairros, brinquedotecas em universidades, brinquedotecas em hospitais e
clínicas, brinquedotecas itinerantes, brinquedotecas bibliotecas, brinquedotecas
rodízios, brinquedotecas temporais, ainda existe no Brasil brinquedotecas em
instituições penais.
Na classificação realizada por Friedman (1998) encontramos ainda mais
alguns exemplos: brinquedotecas para crianças portadoras de deficiência físicas e
mentais, brinquedotecas para teste de brinquedos, brinquedotecas em clínicas
psicológicas e brinquedotecas em centros culturais.
As atividades desenvolvidas nas brinquedotecas possuem algumas funções
descritas por Azevedo (2004, p. 59), que são: a função pedagógica na medida em
que são selecionados brinquedos de qualidade; a função social possibilitando o
acesso a brinquedos à crianças procedentes de famílias de baixa renda; a função
comunitária, uma vez que o brincar em grupo possibilita a aprendizagem de regras e
valores, tais como respeito e cooperação, a comunicação familiar dando vida aos
jogos em família e a função diagnóstica possibilitando a ressignificação de
momentos vividos por meio da simbolização e representação destes (faz-de-conta).
Embora em alguns momentos do brincar se estabeleçam diferentes funções
desta perspectiva, destacamos o nome brinquedoteca comunitária para as ações de
brinquedoteca desenvolvidas em grupos comunitários, instaladas em locais em que
as pessoas vivenciam situações de vulnerabilidade social, podendo ser gerenciadas
por entidades sociais, equipamentos públicos ou privados.
Podemos citar como exemplo de brinquedoteca comunitária o trabalho
desenvolvido pelo Programa Ludotecas Naves na Colômbia (C.D.N. ,2008), que
foram criadas com base em documentos como a Convenção para os Direitos da
Criança (UNICEF, 1989), visando a garantia de um espaço seguro para o
desenvolvimento de potencialidades e assegurar o direito ao brincar às crianças.
No Brasil, no município de Curitiba, a Fundação de Ação Social - FAS iniciou
o projeto brinquedotecas comunitárias em 2005. Elas estão instaladas nos Centros
de Referência da Assistência Social – CRAS que são equipamentos públicos,
localizados em áreas de vulnerabilidade social e desenvolvem serviços voltados a
prevenção ao risco e a vulnerabilidade social. Alguns CRAS trabalham com a
brinquedoteca comunitária itinerante, que se desloca para as comunidades,
atendendo as famílias em outros equipamentos públicos ou em espaços parceiros,
próximo à residência destas famílias. Em 2012 a FAS dispõe de 40 brinquedotecas
comunitárias que atendem todo o município.
SITUANDO A BRINQUEDOTECA COMUNITÁRIA NA POLÍTICA DA
ASSISTÊNCIA SOCIAL
De acordo com Fedeger (2011, p.04) a brinquedoteca comunitária, favorece o
fortalecimento, desenvolvimento e transformação das comunidades em que está
instalada.
O brincar como meio de elaboração e o jogo se constitui por uma estrutura que remete a varias instâncias psíquicas como: a noção de espaço, do tempo, o corte ou a falta de limites, a conquista, a relação com o outro, a percepção de si mesmo (ROSA, 1999).
A equipe atuante nas Brinquedotecas Comunitárias pode ser composta por
profissionais de qualquer área de atuação, porém segundo Fedeger (2011, p. 60) a
formação de educador brinquedista é essencial. Este profissional deve conhecer o
acervo de brinquedos, gostar e saber brincar, deve ser neutro, flexível e criativo.
É o Sistema Único da Assistência Social – SUAS, que define e organiza os
elementos essenciais e imprescindíveis à execução da política de assistência social
possibilitando a normatização dos padrões para os serviços e para a rede
socioassistencial. Este documento traça os eixos estruturantes do trabalho
socioassistencial: vigilância social, proteção social e defesa social e institucional.
A Política da Assistência Social está organizada em dois níveis de proteção:
Proteção Social Básica, que possui como unidade base o Centro de Referência da
Assistência Social - CRAS e Proteção Social Especial que possui como unidade de
referência o Centro de Referencia Especializado de Assistência Social - CREAS.
O CRAS é uma unidade pública estatal descentralizada da política de assistência social, responsável pela organização e oferta de serviços da Proteção Social Básica do SUAS nas áreas de vulnerabilidade e risco dos municípios (MDS, 2009, p.9).
A Proteção Social Básica tem como objetivos a prevenção de situações de
risco por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, e o
fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, destina-se à população que
vive em situação de vulnerabilidade social decorrente da pobreza, privação (baixa
renda, ausência de renda, falta de acesso aos serviços públicos) e ou fragilização de
vínculos afetivos (relacionais e de pertencimento social).
A Proteção Social Especial é a modalidade que atende às famílias e
indivíduos em situação de risco pessoal e social em decorrência de abandono, maus
tratos, abusos, cumprimento de medida socioeducativa, drogadição, situação de rua,
trabalho infantil, entre outras.
Cada CRAS é composto de uma equipe de referência responsável2 pela
gestão territorial da proteção básica, pela organização dos serviços prestados no
CRAS e pela oferta do Serviço de Proteção e Atenção Integral à Família (PAIF). Sua
composição é regulamentada pela NOB-RH/SUAS e depende do número de famílias
referenciadas ao CRAS. A equipe é composta por técnicos de nível superior:
assistentes sociais e psicólogos, podendo contar também com pedagogos,
sociólogos, antropólogos ou outro profissional compatível com a intervenção social
realizada pelo PAIF, e também por profissionais de nível médio, os educadores
sociais.
O SUAS ressalta que o núcleo familiar é um espaço insubstituível de proteção
e socialização primárias, provedor de cuidado aos seus membros, mas que precisa
também de cuidados e proteção do Estado. Para tanto, estabelece padrões de
serviços, organizando-os de modo a serem compreendidos e de forma a fazer
2 Confome descrito no documento: Orientações Técnicas Centro de Referência de Assistência Social
– CRAS, p.61, MDS, 2009.
cumprir na área da assistência social os objetivos e princípios constantes na Lei
Orgânica da Assistência Social - LOAS.
A “Proteção Social” é a referência que trata da segurança de convívio ou
vivência familiar por meio de ações, cuidados e serviços que busquem o
restabelecimento dos vínculos pessoais, familiares, de vizinhança, de segmento
social, mediante a oferta de ações socioeducativas e de convivência para os
diferentes ciclos de vida, respeitando suas características e necessidades.
Os serviços socioassistenciais são organizados pela Tipificação Nacional de
Serviços Socioassistenciais (MDS, 2009), documento este que prevê para o nível de
Proteção Social Básica a oferta de Serviços de Convivência e Fortalecimento de
Vínculos para crianças de até 6 anos, crianças e adolescentes de 6 a 15 anos,
adolescentes e jovens de 15 a 17 anos, idosos, dentre outros.
O Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos está “organizado de
forma a oferecer momentos de trocas e incremento cultural, desenvolver o
sentimento de pertencimento e identidade, fortalecer vínculos familiares e a
convivência social’ (TIPIFICAÇÃO Nacional de Serviços Socioassistenciais, 2009; p.
09 - 10).
É no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos que se encontra a
ação socioeducativa no espaço da brinquedoteca, que tem sido um importante
instrumento para o resgate da auto-estima e dos vínculos familiares, prevenindo a
ocorrência de situações de exclusão social e risco, tendo como foco de trabalho a
convivência e o livre brincar. É na brinquedoteca que o usuário desse serviço
vivencia experiências lúdicas, culturais, de interação, sociabilidade e proteção social.
De acordo com o Protocolo de Gestão dos CRAS de Curitiba (CURITIBA,
2009, p. 21), ação socioeducativa conceitua-se como atividades “continuadas de
atendimento que visam o desenvolvimento de habilidades pessoais, formas de
expressão, ludicidade, exercício de cidadania e pertencimento”. São ações não
vinculadas ao sistema escolar formal e que possibilitam aprendizagens articuladas
que contribuem para o desenvolvimento pessoal e social, de forma a complementar
os conhecimentos de sua vida familiar e cultural.
“São ações que fazem da educação para o convívio em sociedade e para o
exercício da cidadania uma estratégia de proteção à infância e à juventude”
(CARVALHO, 2005, p.26).
A ação socioeducativa faz parte de um campo de aprendizagem numa
perspectiva alternativa à escola, compreendida de ações da categoria da educação
não formal.
Educação não formal é um processo sociopolítico, cultural e pedagógico de formação para a cidadania, entendendo o político como formação do indivíduo para interagir com o outro em sociedade. Ela designa um conjunto de práticas socioculturais de aprendizagem e produção de saberes, que envolve organizações / instituições, atividades, meios e formas variadas, assim como uma multiplicidade de programas e projetos sociais (GOHN, 2010, p. 33).
Dentro da ampla categoria da educação não formal, que segundo GOHN
(2010) é compreendida pela educação de adultos, pela educação continuada ou
permantente, e também pela educação social, descrita por Perez apud Gohn (2010,
p. 26) como um conjunto de práticas educativas não convencionais realizadas no
âmbito da educação não formal, orientada para o desenvolvimento adequado e
competente do indivíduo, e também para responder a problemas e necessidades
sociais do mesmo. É desenvolvida junto às comunidades em situação de
vulnerabilidade social ou algum tipo de exclusão social, vindo a trazer um novo
significado ao termo educação comunitária (POSTER e ZIMMER, 1995 apud GOHN
2010, p.27) que refere-se a “trabalhos de desenvolvimento de novos valores,
recuperação de autoestima, desenvolvimento de práticas apresentadas como
solidárias, cidadãs”.
Conforme CARVALHO (2005, p. 27), socioeducativo é entendido como
qualificador, designando um campo de aprendizagem voltado para a convivência
grupal e a participação na vida pública, tratando de valores éticos, estéticos e
políticos.
O BRINCAR NO TRABALHO COM FAMÍLIAS
Partindo da concepção de que as famílias dentro de suas formas particulares
de configuração e funcionamento são capazes de se reorganizar de maneira
concreta ou potencial frente às necessidades de mudanças ou desafios. Levando
em consideração que o apoio do Estado é fundamental para a prevenção da
ocorrência de situações de risco, o Serviço de Convivência e Fortalecimento de
Vínculos - uma política pública de apoio sociofamiliar, visa o “fortalecimento e o
empoderamento da família” (MDS, 2010). A brinquedoteca neste contexto mostra-se
como um importante recurso de trabalho com a família, se compreendermos o
brincar da mesma maneira que Cunha (2005) quando afirma que: “brincar junto
reforça os laços afetivos”.
Nos objetivos descritos pela Tipificação Nacional dos Serviços
Socioassistenciais (MDS, 2009), para os Serviços de Convivência e Fortalecimento
de Vínculos, toda ação de intervenção realizada com as famílias em grupos deve ser
pautada numa intervenção planejada, que crie situações desafiadoras, promova
trocas culturais e de vivências e propicie o fortalecimento dos vínculos familiares. A
brinquedoteca nesse contexto é um recurso para desenvolvimento de atividades
planejadas com função socioeducativa, nos espaços de proteção social. A
participação da família em atividades desenvolvidas na brinquedoteca deve constar
no Plano de Intervenção com a Família - PAIF, visando o alcance de objetivos
definidos pela família em conjunto com o técnico de referência do CRAS.
A brinquedoteca em espaços educativos é um importante recurso para
conhecer a criança, sua família e suas relações. Uma de suas funções é o
estreitamento das relações com a família, (KISHIMOTO, 2011).
Alguns dos objetivos citados por Azevedo (2004) para as atividades de
brinquedoteca equivalem-se aos objetivos descritos na Tipificação para o Serviço de
Convivência e Fortalecimento de Vínculos3, como: “dar oportunidade à expansão de
potencialidades e enriquecer o relacionamento entre as crianças e as famílias”
(SANTOS, 1979 apud AZEVEDO, 2004, p. 58). Complementados por Friedman
(1998, p.41) “criar um espaço que propicie interações espontâneas e desprovidas de
preconceitos e dar oportunidade às crianças de se relacionarem com adultos de
forma agradável e prazerosa”.
O processo de socialização e formação da cidadania tem seu início na
infância, inicialmente com o grupo familiar. É principalmente com a família que a
criança apreende valores sociais e culturais e tem uma compreensão acerca do
contexto social em que vive, por meio de brincadeiras e jogos.
Analisando sob esta perspectiva a brinquedoteca passa a ser o espaço mais
adequado para o desenvolvimento do serviço de convivência e de fortalecimento dos
vínculos familiares, sendo um lugar seguro e agradável, que proporciona momentos
3 A Tipificação dos Serviços Socioassistenciais é o documento que padroniza os Serviços
Socioassistenciais no Brasil.
lúdicos, prazerosos, de comunicação adequada, entre os membros de uma família
ou entre os membros de uma comunidade.
A ação da brinquedoteca como Serviço de Convivência e de Fortalecimento
de Vínculos deve prever atividades conjuntas entre as crianças e seus familiares,
trabalhando com suas potencialidades, identificando suas vulnerabilidades e
trabalhando com elas no sentido de prevenção de situações de risco, como
negligência, abandono, violência, etc, compreendendo o brincar, a experiência
lúdica, como forma de comunicação compartilhada, independente da fase de
desenvolvimento das pessoas que interagem4.
É por meio do brincar que a criança é inserida em seu meio social, ou seja, é brincando que ela conhece a sociedade na qual está sendo integrada, assim como também passa a conhecer o papel desempenhado por cada indivíduo de seu meio social, experimentando assim sua condição de cidadã (MDS, 2010, p.75).
“A brinquedoteca pode ser um lugar privilegiado para os pais construírem
novas referências sobre os benefícios do brincar” (POINTEVIN, 2011, p. 54). Na
brinquedoteca podemos aproximar os pais dos interesses dos filhos, os avós do
modo de viver dos netos, os adolescentes das dificuldades e possibilidades dos
idosos entre outras questões que podem ser faladas e refletidas em ações
planejadas e acompanhadas por profissionais capacitados.
De acordo com Pointevin (2011, p.54) as atividades lúdicas contribuem para
criar e fortalecer relações de confiança e integração entre os membros de uma
família. Para que a relação de confiança aconteça é importante que os familiares
respeitem os interesses lúdicos da criança e reconheçam que cada pessoa tem um
jeito único de brincar, já a relação de integração, deve contar com a predisposição
de todos os familiares para participação em jogos e brincadeiras.
O brincar é uma atividade realizada em todos os lugares do mundo,
encontrada em todas as etnias, classes sociais e em diferentes períodos da história
da civilização. Segundo Kishimoto (apud Fedeger, 2011, p. 65) “o brincar favorece a
expressão de sentimentos, ajuda a elaborar situações desfavoráveis da vivência do
indivíduo buscando soluções para torná-las positivas”.
4 MDS Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos para Crianças de até 06 anos e suas
Famílias – Brasília – Fevereiro 2010, p. 14 (versão preliminar).
O brincar de faz-de-conta permite a experiência de uma série de atividades
não acessíveis às crianças (exercer a medicina, dirigir um carro, pilotar um foguete,
etc.), atividades estas que geralmente estão relacionadas ao mundo do adulto. A
brincadeira, portanto permite que “vivenciem suas idéias, em nível simbólico, para
poderem compreender seu significado na vida real” (CUNHA, 2010, p.23).
É por meio do brincar que as crianças podem realizar a experimentação de
desafios e questões além de seu comportamento diário, levantando hipóteses na
tentativa de compreender os problemas que lhe são propostos pelas pessoas e pela
realidade com a qual interagem. Elaboram também as regras de organização e
convivência, soluções para os problemas, confrontam diferentes pontos de vida, os
limites de seus desejos em contraposição às regras e aos diferentes pontos de vista.
“As crianças são capazes de lidar com situações psicológicas complexas por
intermédio do brincar: integram experiências de dor, medo e perda” (AZEVEDO,
2004, p. 62)
De acordo com Perez (2011, p.52) é por meio dos diferentes tipos de brincar
que a criança passa a elaborar conteúdos difíceis, fortalecer vínculos afetivos e sua
auto-estima, resgatando momentos de sua infância, criando novas perspectivas de
futuro e mantendo a esperança em dias melhores. O livre-brincar possibilita o traçar
de novos caminhos para a superação de adversidades em suas vidas, sendo um
instrumento importante de desenvolvimento da capacidade de resiliência.
Segundo Friedman (1998, p. 39) é “brincando que nos reequilibramos, que
reciclamos nossas emoções e nossa necessidade de conhecer e reinventar”. Ainda
segundo a autora, o brincar permite a expressão da realidade interior do indivíduo,
que pode estar bloqueado pela necessidade de ajustamento às expectativas sociais
e familiares.
Para Bettelhein (1989) o jogo de regras é extremamente eficaz na forma
como ajuda a criança a adquirir a capacidade de enfrentar a realidade social e tudo
o que envolve. Jogar permite experimentar limites, regras, frustrações e derrotas,
como que num ensaio para a vida real.
A ação de brincar cria um ambiente no qual é possível trabalhar questões que
podem estar fragilizando os vínculos. Ao brincar, crianças e adultos podem criar um
espaço para reviver e reelaborar momentos vividos, criar simbolicamente uma
vivência de elaboração daquilo que fragiliza a relação, sendo um espaço protegido
para retomar essas situações e condições especiais. É também um espaço para
construção de novos vínculos e de identificação de situações que podem acontecer
nas brincadeiras, enquanto “metáforas que dizem do viver de quem brinca sejam
elas crianças ou adultos” (MDS, 2010, p. 15).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É na Proteção Social Básica, no Serviço de Convivência e Fortalecimento de
Vínculos que se encontra a ação de brinquedoteca, sendo um importante
instrumento para o resgate da autoestima e dos vínculos familiares e prevenção da
ocorrência de situações de exclusão social e risco. É na brinquedoteca que o
usuário desse serviço vivencia experiências lúdicas, culturais, de interação,
sociabilidade e proteção social.
Na brinquedoteca comunitária é acolhido o brincar de todas as idades, sendo
priorizado o trabalho com crianças e adolescentes, sabendo que a construção da
cidadania, concebida como o acesso aos direitos civis, garantidos nos estatutos e na
Constituição Federal, aos direitos sociais e políticos, tem seu início na infância.
Mas a brinquedoteca comunitária acolhe não somente o brincar da criança
mas o brincar intergeracional, o brincar em família, o brincar do idoso, o brincar entre
os membros de uma mesma comunidade, como instrumento de trabalho visando a
inserção social.
Ressalta-se a importância de aprofundamento teórico e também do
investimento em pesquisas que possibilitem a análise das práticas que vem sendo
desenvolvidas, visando o fortalecimento da brinquedoteca comunitária como um
recurso metodológico no trabalho com famílias em vulnerabilidade, reconhecendo
este espaço como facilitador no processo de inclusão social.
Que este artigo possa ser um ponto de partida para futuras pesquisas e
análises no amplo campo de trabalho “abraçado pelas brinquedotecas”.
BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, M. T. P. de. Brinquedoteca e a importância de um espaço estruturado para o brincar. In: SANTOS, S. M. P. dos. Brinquedoteca: O lúdico em diferentes contextos. 2ª ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 1997. AZEVEDO, A.C.P. Brinquedoteca no diagnóstico e intervenção em Dificuldades Escolares, Campinas, Editora Alínea, 2004. BETTELHEIM, B. Compreendendo a importância da brincadeira. In. B. Bettelheim, uma vida para seu filho: pais bons o bastante – ajude seu filho a ser a pessoa que ele deseja (pp.156-166). Rio de Janeiro: Campus,1989. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social; Secretaria Nacional de Assistência Social. Tipificação dos Serviços Socioassistenciais. 2009. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social; Secretaria Nacional de Assistência Social. Política Nacional de Assistência Social, PNAS/ 2004; Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social – NOB/SUAS. 2005. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social; Secretaria Nacional de Assistência Social. Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do SUAS – NOB/RH/SUAS. 2009. CARVALHO, M. do C. Brant de (coord.). Avaliação: construindo parâmetros das ações socioeducativas. São Paulo: Cenpec, 2005. C.D.N. Metodologia Naves: para jugar al derecho. Série Ludotecas em Colombia, volume 1. Bogotá,Corporación Dia de la Niñez, 2008. CUNHA, Nylse H. S., Brinquedoteca um mergulho no Brincar, Editora Aquariana, 4° edição, São Paulo, 2010. CUNHA, Nylse H. S., Brinquedos desafios e descobertas, Petrópolis, Editora Vozes, 2005. CUNHA, N. H S. A Brinquedoteca Brasileira. In: SANTOS, M. P. dos. Brinquedoteca: O lúdico em diferentes contextos. 2ª ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 1997. CUNHA, N. H. S. & VIEGAS, D. Brinquedoteca Hospitalar. s/ed. São Paulo: Guia de Orientação, 2003. CURITIBA. Protocolo de Gestão dos Centros de Referência da Assistência Social de Curitiba / Coordenação Geral: Ana Luiza Suplicy Gonçalves [et al.]. Prefeitura Municipal de Curitiba; FAS / Fundação de Ação Social; Curitiba, 2009 FARFUS, D. (0rg.) Brinquedoteca Escolar: da teoria a prática. Paraná: SESI, 2011.
FEDEGER, Andréa M. Por que brincar? Por que Brinquedotecas? P. 01- 05, In. I Curso de Brinquedoteca Comunitária. SERPIÀ – FAS – ABBRI, 2011. FEDEGER, Andréa M. Quem brinca nos serviços sócio-assistenciais? P. 60 - 63, In. I Curso de Brinquedoteca Comunitária. SERPIÀ – FAS – ABBRI, 2011. FORTUNA, T. R. Sala de aula é lugar de brincar? In: XAVIER, M. L. M. e DALLA ZEN, M. I. H. (org.) Planejamento em destaque: análises menos convencionais. Porto Alegre: Mediação, 2000. (Cadernos de Educação Básica, 6) p. 147-164 FORTUNA, T. R. Por uma brinquedoteca “suficientemente boa”- Alguns valores para que as brinquedotecas da América Latina nos encontrem no futuro. In: VERA, B. O. (org.) Brinquedoteca: uma visão internacional. Petrópolis: Editora Vozes, 2011. FRIEDMAN, Adriana, et al. O Direito de Brincar, a brinquedoteca. 4° edição, São Paulo, Edições Sociais: Abrinq, 1998. GOHN, Maria da Glória, Educação não formal e o educador social – atuação no desenvolvimento de projetos sociais. São Paulo, Cortez, 2010. KISHIMOTO, T. M. Jogos Infantis: O jogo, a criança e a educação. 9ª ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 1993. KISHIMOTO, T. M. A brinquedoteca no contexto educativo brasileiro e internacional. In: VERA, B. O. (org.) Brinquedoteca: uma visão internacional. Petrópolis: Editora Vozes, 2011. KISHIMOTO, T. M. Jogo, Brincadeira e a Educação. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 1997. MDS, Orientações Técnicas sobre o serviço de convivência e fortalecimento de vínculos para crianças e adolescentes de 6 a 15 anos, BRASILIA, 2010. OLIVEIRA, Lecila Duarte Barbosa et al. A brinquedoteca hospitalar como fator de promoção no desenvolvimento infantil: relato de experiência. Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. [online]. 2009, vol.19, n.2, pp. 306-312. ISSN 0104-1282. PEREZ, Luciana. O acesso ao livre brincar: elevando o potencial de resiliência. P.43-53, In. I Curso de Brinquedoteca Comunitária. SERPIÀ – FAS – ABBRI, 2011. POINTEVIN, A Importância do Brincar em família (p. 54 -55), In. I Curso de Brinquedoteca Comunitária. SERPIÀ – FAS – ABBRI, 2011. ROSA, E.S. Quando Brincar é dizer: a experiência psicanalítica na Infância. Rio de Janeiro: Contracapa Livraria, 1999. SANTOS, S. M. P. dos. Brinquedoteca: O lúdico nos diferentes contextos. 4ª ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 1997
SANTOS, L. Por que brincar no hospital? In: Oliveira, V. B. (org.) Brinquedoteca uma visão internacional. Editora Vozes, 2011. VIEGAS, D. Brinquedoteca: O lúdico em diferentes contextos: Brinquedoteca hospitalar, a experiência de Santo Andrade. Vozes, 1993. UNICEF. Convenção dos Direitos da Criança, 1989.