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1 setembro de 2016 A solidariedade entre as mulheres, que vem ganhando força nos últimos anos com o forta- lecimento de movimentos feministas, estreitou ainda mais essa cumplicidade, agora, com a che- gada do zika vírus. O que era uma doença até en- tão desconhecida, não significou só mobilização nacional, mas união para gerar apoio financeiro e psicológico, principalmente depois da confir- mação de que o vírus é uma das causas da micro- cefalia em bebês. Mulheres se uniram não apenas para auxiliar na resolução de problemas relacionados à doença, mas também na tentativa de evitá-los. Gestantes, mães, doulas e profissionais preocupadas com o futuro de crianças e novas famílias buscam apoio e informação umas com as outras. Para aliviar a expectativa de um diagnóstico de microcefalia, elas compartilham experiências, dúvidas e an- gústias em grupos, seja fisicamente ou pela in- ternet. No Facebook, por exemplo, no grupo “Mães contra o zika vírus” há compartilhamento de re- portagens, relatos de grávidas que tiveram a doença, mas que os bebês nasceram saudáveis, e várias mulheres e até mesmo homens esclarecen- do dúvidas. A bióloga e idealizadora do grupo, Juliana Eve- lyn dos Santos, 30, de Florianópolis (SC), conta que no início do surto de zika havia muitas infor- mações na internet, mas grande parte eram boat- os e causavam mais medo do que propriamente contribuição. Segundo Juliana, não havia textos científicos e pesquisas consistentes e o grupo surgiu justamente para reunir informações oficiais. No princípio, entretanto, esbarrou em uma série de dificuldades, como mães que queriam que ela compartilhasse notícias de blogs que acusavam vacinas, larvicidas e outros fatores pela microcefalia. “As pessoas preferem acreditar nas teorias mais estapafúrdias do que na opinião de outras mães, mesmo que sejam profissionais”, relata. Superados todos os contratempos iniciais, hoje as mulheres do grupo agradecem as informações e se sentem acolhidas entre pessoas que enten- dem o que elas estão passando. “Foi muito útil para mim [o grupo], pois descobri minha gravi- dez no auge da epidemia e, como várias mães, fiquei apavorada. Foi nesse grupo que pude es- clarecer minhas dúvidas”, publicou uma das par- ticipantes. Mulheres solidárias na luta contra o zika Brasileiras se unem para apoiar quem sofre por conta do vírus e esse acolhimento ganhou força nas redes sociais Empatia Foto: Larissa Bezerra

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Page 1: Brasileiras se unem para apoiar quem sofre por conta do ...jovemjornalista.org.br/wp-content/uploads/2016/10/... · Marcia da Silva Luna, 17, teve zika no segundo mês de gestação.

1setembro de 2016

A solidariedade entre as mulheres, que vem ganhando força nos últimos anos com o forta-lecimento de movimentos feministas, estreitou ainda mais essa cumplicidade, agora, com a che-gada do zika vírus. O que era uma doença até en-tão desconhecida, não significou só mobilização nacional, mas união para gerar apoio financeiro e psicológico, principalmente depois da confir-mação de que o vírus é uma das causas da micro-cefalia em bebês.

Mulheres se uniram não apenas para auxiliar na resolução de problemas relacionados à doença, mas também na tentativa de evitá-los. Gestantes, mães, doulas e profissionais preocupadas com o futuro de crianças e novas famílias buscam apoio e informação umas com as outras. Para aliviar a expectativa de um diagnóstico de microcefalia, elas compartilham experiências, dúvidas e an-gústias em grupos, seja fisicamente ou pela in-ternet.

No Facebook, por exemplo, no grupo “Mães contra o zika vírus” há compartilhamento de re-portagens, relatos de grávidas que tiveram a doença, mas que os bebês nasceram saudáveis, e várias mulheres e até mesmo homens esclarecen-do dúvidas.

A bióloga e idealizadora do grupo, Juliana Eve-lyn dos Santos, 30, de Florianópolis (SC), conta que no início do surto de zika havia muitas infor-mações na internet, mas grande parte eram boat-os e causavam mais medo do que propriamente contribuição.

Segundo Juliana, não havia textos científicos e pesquisas consistentes e o grupo surgiu justamente para reunir informações oficiais. No princípio, entretanto, esbarrou em uma série de dificuldades, como mães que queriam que ela compartilhasse notícias de blogs que acusavam vacinas, larvicidas e outros fatores pela microcefalia. “As pessoas preferem acreditar nas teorias mais estapafúrdias do que na opinião de outras mães, mesmo que sejam profissionais”, relata.

Superados todos os contratempos iniciais, hoje as mulheres do grupo agradecem as informações e se sentem acolhidas entre pessoas que enten-dem o que elas estão passando. “Foi muito útil para mim [o grupo], pois descobri minha gravi-dez no auge da epidemia e, como várias mães, fiquei apavorada. Foi nesse grupo que pude es-clarecer minhas dúvidas”, publicou uma das par-ticipantes.

Mulheres solidárias na luta contra o zikaBrasileiras se unem para apoiar quem sofre por conta do vírus e esse acolhimento ganhou força nas redes sociais

Empatia

Foto: Larissa Bezerra

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Entre tantas informações contraditórias ou in-consistentes sobre os efeitos de uma doença nova para a população, é previsível que mães en-trem em um estado maior de tensão. “A gravidez normalmente é um momento de insegurança em questão de desenvolvimento, se o bebê nascerá perfeito. O medo da doença, agora, é mais um motivo de tensão e isso causa desgaste emocio-nal e de energia dessa mãe”, afirma Daniela To-ledo, psicóloga e doula do Maternati, instituição de apoio à gestantes e parto humanizado que se reúne em Maringá, interior paranaense.

Na maioria dos casos, a gestação envolve expec-tativas, principalmente sobre as características do bebê, somadas à história da família e desse novo ser que está para chegar. Para as mães que descobrem a microcefalia, e as futuras limitações do filho, os grupos de apoio têm se mostrado extremamente importantes para ajudá-las a en-frentar a nova realidade.

“Existe uma diferença entre o ideal e o real e quando o bebê vem diferente desse ideal há um período de luto. A criança ideal tem que ‘morrer’ para nascer a criança real, para que haja aceitação da mãe e da família para essa nova história”, afirma a psicóloga Daniela Toledo.

“Para aliviar a expectativa de um diagnóstico de microcefalia, elas compartilham experiências, dúvidas e angústias em grupos, seja fisicamente ou pela internet.”

Participante do grupo “Mães contra o zika vírus”, Caroline Biasotto, 26, do Rio de Janeiro, conta que durante a segunda gestação, a filha de 5 anos pedia todos os dias para que ela não esquecesse do repelente. “Eu achava bonito a preocupação dela, mas ao mesmo tempo sentia a pressão de que se algo desse errado, mesmo com todos esses cuidados, a responsabilidade cairia sobre mim, como se eu tivesse falhado”, diz, e complementa: “É como se a ‘culpa’ fosse da mãe, e não do gover-no, por não tomar medidas para conter o avanço da doença”.

Mesmo com muitas falhas, algumas mães afir-mam ter um bom atendimento público. Miriane Navarro, 28, participante do grupo de apoio Ma-

ternati, está casada há 12 anos e por isso decidiu encarar o risco da gravidez. Hoje, com 34 sema-nas de gestação, diz não descuidar do repelente,

calças e mangas longas. O pré-natal, feito exclu-sivamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), em Maringá, foi satisfatório para Miriane. “Des-de a primeira consulta me deram repelentes, o médico me passava orientações”, afirma.

A ginecologista e obstetra Telma Lourdes Bezerra dos Santos, que atende gestantes de planos par-ticulares e do SUS, em Maringá, conta que pelo menor impacto que a doença teve nas regiões Sul e Sudeste as mulheres não deixaram de engravi-dar, nem mesmo quando o Ministério da Saúde contraindicou, independentemente da classe so-cial e do serviço de saúde utilizado.

A ginecologista vê o SUS mais organizado na orientação e prevenção. “No SUS segue-se um protocolo e no serviço particular cada médico age da maneira que considera correta e muitas vezes acaba agindo de acordo com convicções pessoais”, diz Telma.

Marcia Luna e a filha Emily Sophia recebem ajuda do grupo Cabeçca e Coração. - Foto: Marilia da Silva Luna

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A confirmação do número de casos da doença multiplicando-se rapidamente pelo país, levou grávidas e mulheres que não podiam adiar a gestação a uma verdadeira maratona de pre-venções, como o uso de repelentes, sair o míni-mo de casa – ainda assim, quando saem, com o corpo pouco exposto – além de outras mudanças.

Foi o caso da paulistana Cláudia Bertolazo, 33, que também participa do grupo “Mães contra o zika vírus” e teve o bebê há três meses. “Alterei toda minha rotina e hábitos. No trabalho, não cumprimentava ninguém com beijo porque a doença também é transmitida pela saliva. Nos restaurantes passava sempre álcool gel nos talheres”, relata.

A gestante cearense Rebeka Botelho conta que também evita sair de casa, além de manter as portas e janelas trancadas o tempo todo. “Durmo com mosquiteiro, uso repente do mais forte, calça de moletom, legging e saia comprida, no calor do Ceará.”

Também houve relatos de mulheres que re-solveram adiar a gravidez ou decidiram se mudar para locais com menos incidência do vírus. Ra-faela Faraco morava no Rio de Janeiro e decidiu morar em Londrina, no Paraná, durante o perío-do de gestação.

“Como era início de verão, o surto de zika no Rio de Janeiro aumentou. Logo a situação se tor-nou insustentável, eu via o número de pessoas doentes crescendo e entrei em pânico”, relata. “Fiquei longe do meu marido a gestação toda. Foi uma fase bem difícil emocionalmente.”

Outra dificuldade encontrada por Rafaela foi na busca de informações, por isso decidiu partici-par do grupo “Mães contra o zika vírus”. Com a diminuição de casos, ela avalia que a mídia não está desempenhando um bom papel, deixando o assunto morrer. “Muitas pessoas vão engravi-dar e encarar os mesmos riscos e não estarão se cuidando como a maioria de nós, mães do início do surto”, ressalta.

Além disso, a ultrassonografia, que antes era tão esperada, principalmente para saber o sexo do bebê, virou motivo de agonia para a confirmação ou não da microcefalia. “Nos ultrassons eu sem-pre chorava, de emoção e medo ao mesmo tempo. Foi muita aflição”, pontuou Cláudia Bertolazo.

Outras doenças que atingiram o Brasil em grande escala e causaram inúmeras mortes, como a varío-la, gripe espanhola, febre amarela, aumentaram a preocupação com a higienização das roupas, mãos e corpos. Analistas calculam que os no-vos comportamentos persistem em média cinco anos e depois acabam sendo abandonados. “Toda epidemia, mesmo que não conte com combate efi-ciente, tem surgimento, chega a um ápice e de-pois declina”, afirma Claudio Bertolli Filho, cien-tista político e social, mestre em História Social e membro do departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual Paulista (Unesp), de Bauru.

Se para muitas gestantes os serviços de saúde têm se mostrado precários na resposta conta o vírus da zika, a irmandade entre mulheres vai ajudan-do a estancar a ferida. Além de compartilhar in-formações, muitos grupos têm tomado iniciativa e se mobilizado para conseguir apoio psicológico profissional e ajuda financeira, principalmente nos casos em que se confirma a microcefalia.

Um exemplo é o “MAINHA - Mães de Bebês com Microcefalia”, projeto criado em março de 2016, pelas psicólogas Anthiele Martins e Julliene Salvi-no, de Recife, que visa o compartilhamento e construção de uma nova perspectiva para mães com bebês microencefálicos.

Elas contam que a ideia era de que o projeto fosse presencial, mas quando fizeram a página no Facebook perceberam que muitas mães e fa-miliares que procuravam informações eram de outros estados. Por isso, resolveram que as infor-mações e orientações seriam transmitidas por meio da internet, para atingir mais pessoas.

É um trabalho que demanda tempo, mas para elas, poder amenizar o sofrimento das famílias,

comportamento

mulheres unidas

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que muitas vezes é desconsiderado, e isso é o grande fator que as impulsiona. “O sofrimento psicológico e emocional muitas vezes é silenciado diante das demandas do cotidiano”, diz Julliene.

Para a psicóloga, esse acompanhamento é es-sencial, contudo, os hospitais que realizam atendimento psicológico não têm como suprir a demanda. “O acompanhamento psicológico é importantíssimo, pois auxilia na compreensão do diagnóstico e também na minimização da angústia, buscando empoderar os familiares nos cuidados para com crianças”, avalia.

O grupo “Cabeça e Coração”, plataforma digital, sem fins lucrativos, reúne histórias de bebês vítimas de microcefalia e trabalha para oferecer alternativas de ajuda financeira, material e psicológica. Mui-tas mulheres precisam dessa ajuda pois têm que parar de trabalhar e se dedicar exclusivamente ao filho, que necessita de cuidados especiais.

Uma das mães que recebem ajuda do grupo é Ju-liana Katharine Bezerra do Nascimento, 29, de Ja-boatão dos Guararapes (PE). Ela contraiu zika aos três meses de gestação. Na época não se ouvia falar muito da relação da doença com a microcefalia,

pois de acordo com Juliana, o filho Gabriel Luiz foi uma das primeiras crianças a nascer vítima da vírus.

“A médica não deu o diagnóstico fechado. Disse que a cabeça do bebê estava um pouco abaixo do tamanho esperado, mas que poderia ser micro-cefalia assim como poderia ser também genética. “Só confirmaram um mês depois que fiz a ultras-sonografia, quando ele nasceu prematuro”, conta.

Juliana Katharine conheceu o grupo “Cabeça e Coração” por meio de outra mãe que teve bebê com microcefalia. Ela diz que já recebeu muita aju-da financeira e emocional por causa do grupo mas que vem diminuindo nos últimos tempos. “Acho que estamos começando a cair no esquecimento das pessoas”, desabafa.

Marcia da Silva Luna, 17, teve zika no segundo mês de gestação. Ela deu à luz Emily Sophia, que nasceu com microcefalia. Mãe e filha moram em um sítio perto de Limoeira, em Pernambuco (distante 87 quilômetros de Recife) e enfrentam dificuldades fi-nanceiras para se locomoverem até a capital, onde a menina faz exames e terapia.

Marcia descobriu no mesmo grupo mais que aju-da financeira. Ali pode desabafar com a certeza de receber conforto, além de inspiração com histórias de outras mães. “São minha segunda família e aju-damos umas às outras, porque às vezes os médicos tiram nossas esperanças. Vejo como um grupo de mulheres acolhedoras e de bom coração”, conta Marcia.

As responsáveis pelo “Cabeça e Coração” são a jor-nalista Maria Clara Vieira, a estudante Maria Julia Vieira e a economista Cida Nicolau. O objetivo da página e do site é cadastrar os dados das famílias que necessitam receber auxílio.

Com nome, telefone e conta bancária em mãos, cada pessoa pode ajudar da forma que achar melhor. No momento, são cerca de 45 famílias cadastradas. “Tem muito mais gente procurando apoio do que conseguimos dar conta”, diz Maria Clara. De acordo com ela, os cadastros precisam ser atualizados constantemente e não é possível fazer

Juliana e o filho Gabriel Luiz, uma das primeiras crianças microencefálicas por causa do zika. - Foto: Arquivo pessoal

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isso de maneira eficiente se forem famílias demais, afinal, as três cuidam disso sozinhas.

Apesar disso, Maria Clara revela que se sente feliz por poder ajudar. “Sabemos que é uma realidade muito difícil. Por mais que pareça pouco, uma caixa de leite, umas roupinhas para o bebê, para elas é importante.”

Roberta Cerantula é da cidade de São Paulo e tam-bém queria ajudar de alguma forma. Por meio da página “Microcefalia Vamos Ajudar?”, do Facebook, ela mobiliza pessoas e empresas que se interessam em fazer doações. Roberta filtra famílias do projeto “Cabeça e Coração, que acredita estarem precisan-do mais e então envia as doações. “Recebi muita gratidão das mães, que até hoje mandam men-sagens. É muito bom fazer bem a quem precisa”, comenta.

Na página do Facebook “Microcefalia – Nosso diário”, a dona de casa Kelly Taís Silva de Oliveira, 31, de Carapicuíba (SP), ajuda mães a esclarecerem dúvidas e diminuírem temores sobre como cuidar de um filho nessa condição. A microcefalia da filha de Kelly, Lavínia, de 9 anos, foi, segundo ela, causada por complicações do nascimento, aos cinco meses e meio de gestação. Mesmo assim decidiu criar a

página na rede social a pedido de outras mães que achavam importante conscientizar os pais sobre os cuidados com filhos na mesma condição, não tão difíceis quanto se imagina.

“Me perguntam qual a maior dificuldade, se ela fala, se entende, se toma remédio, qual foi a minha reação ao saber, se frequenta escola regular”, rela-ciona Kelly. Na página há tanto textos, vídeos e fotos da Lavínia quanto histórias motivadoras, reflexivas e descontraídas sobre a maternidade.

Com isso, a página se tornou veículo para ajudar outras mães a entender a microcefalia, mostrar

As recomendações iniciais do governo federal foram acabar com criadouros do mosquito transmissor e promover o adiamento da gravidez. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o zika vírus já foi detectado em 61 países, a maioria deles nas Américas.

Essa “transferência de responsabilidade” à população, para eliminação do Aedes aegypti, é vista por alguns especialistas como omissão de deveres do governo. Para o cientista político e social Claudio Bertolli Filho, a maior responsabilidade é do Estado, que além de promover

campanhas educativas em relação à saúde, deve disponibilizar e gerenciar campanhas de saneamento público.

“Parece que o governo se acomodou em reproduzir o jargão que é responsabili-dade da população evitar o contato com o mosquito e limpar os ambientes para que ele não se reproduza”, relata o cientista.

Além disso, para Bertolli Filho o problema também está no fato de o vírus ter atingi-do, na maior parte dos casos, mulheres das camadas menos favorecidas da população. “Quando uma doença não atinge os grupos privilegiados, o Estado pouco age”, afirma.

RESPONSABILIDADE

A UMA se reúne mensalmente para distribuição das con-tribuições. - Foto: Emily Rayanne Silva

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que a condição neurológica não é tão desesper-adora quando se está numa rede de informações de procedência segura. “É algo que me distrai e me faz bem saber que estou fazendo o bem para outras mães. Além disso acabo colhendo bastan-te informações e fazendo amizades.”

Já o União de Mães de Anjos (UMA) começou em dezembro do ano passado, em Pernambuco, com um pequeno grupo de oito mulheres pelo aplicativo de mensagens WhatsApp. As mães se conheceram enquanto esperavam pela consulta e trocaram telefones.

“Eu vejo que nossos filhos necessitam que tenhamos os pés firmes para ir atrás dos nossos direitos. Todo dia me levanto com esse pensamento.”

Com o crescimento do grupo, perceberam a necessidade de formaliza-lo para aumentar o suporte a essas mães. Para a vice-presidente do UMA, Gleyse Kelly, 28, era preciso buscar os di-reitos delas e esclarecer dúvidas. Isso porque muitas mães não sabiam o que fazer para receber benefícios ou como conseguir pensão alimentí-

cia e até mesmo medicamentos.

Hoje, o UMA atende 319 mães de crianças com microcefalia, seja causada pelo zika ou outro fa-tor. Mas elas não trabalham só com informações, também arrecadam doações que são repassadas

a essas mulheres durante as reuniões mensais. “A gente precisa que a sociedade doe leite, fraldas, brinquedos, produtos de higiêne e alimentos não perecíveis”, alerta Gleyse Kelly.

Essas doações são necessárias pelas dificuldades que muitas famílias enfrentam. Segundo ela, no grupo há mães que foram abandonadas pelo marido ou que tiveram que deixar o emprego. Além de alimentos e medicamentos específicos serem muito caros e em alguns casos não conse-guirem benefício do governo.

Apesar das doações terem caído bastante, elas não desanimam. Para Gleyse Kelly, a UMA é como se fosse a família. “Eu vejo que nossos filhos necessitam que tenhamos os pés firmes para ir atrás dos nossos direitos. Todo dia me levanto com esse pensamento.”

Da esquerda para direita, Germana Soares, Isabel Albuquerque, Gleyse Kelly, Elaine Michele e Jaqueline Vieira, partici-pantes da UMA com os filhos. - Foto: Joelson Souza

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Especialistas acreditam que o zika tenha chegado ao Brasil em 2013, durante a Copa das Confederações, porém só foi identifi-cado a partir de meados de 2015. Duran-te esse período, não houve alarde entre a população, mas quando o Ministério da Saúde confirmou, em novembro de 2015, a relação do vírus transmitido pelo Aedes aegypti com a má formação neurológica em fetos, a situação mudou completamente.

Por amostras de sangue e tecidos de um bebê que nasceu com microcefalia no Ceará e logo depois morreu, a relação pode ser identificada pelo Instituto Evan-dro Chagas (IEC), órgão do Ministério da Saúde em Belém (PA). Na época, o vírus também foi encontrado no líquido am-niótico de outras duas gestantes da Paraí-ba que tiveram bebês com microcefalia.

Os estudos do vínculo do zika vírus com a microcefalia e outros problemas neurológi-cos são iniciais. O que se sabe até então é que o vírus atua nas células progeni-toras dos neurônios levando-as à apop-tose (autodestruição celular). Em vez de se tornarem neurônios no cérebro, as células morrem logo no início desse processo e isso torna a massa encefálica menor, resultando na formação do crânio em um perímetro menor que o normal.

As doenças causadas pelo vírus estão sendo chamada pelos pesquisadores de Síndrome Secundária do vírus zika. “Todas as recepções neurológicas, como audição, visão e outras funções variadas acabam sendo prejudicadas e causam vários acometimentos. Desde as mais imperceptíveis que vão ser

detectadas muito após o nascimento até casos mais graves, em que a criança não vai viver muito ou morre antes do nascimento”, explica André Siqueira, pesquisador do Laboratório de Pesquisa Clínica em Doenças Febris Agudas, do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz).

Os cuidados contra a picada do Aedes aegypti não são suficientes contra a doença, porque agora já se sabe que o vírus também pode ser transmitido por fluídos corporais. De acordo com Siqueira, atualmente a Fiocruz, com apoio da Organização Mundial da Saúde (OMS), Ministério da Saúde e Organização Pan-americana de Saúde, tenta determinar quanto tempo o vírus pode permanecer ativo nos fluídos corporais, medida importante para controle da doença. “Já foi identificado zika no sêmen em até mais de 90 dias”, afirma Siqueira.

No momento não há opção de tratamen-to ou vacina contra o vírus. O diagnóstico, principalmente em regiões menos afeta-das, é clínico, ou seja, pela avaliação dos sintomas apresentados pelo paciente.

Para traçar uma estatística sobre o número de infectados e prever novas ep-idemias, os pesquisadores estão tentan-do desenvolver um teste sorológico que detecta anticorpos contra o vírus. “Se o teste não for feito durante os sintomas não há como saber se a pessoa teve ou não a doença. Com isso temos dificul-dade em estudar e referenciar o surto e a transmissão”, explica o pesquisador.

O ZIKA VÍRUS

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Textos, reportagem e projeto gráfico:Angélica Nogaroto

Larissa BezerraRafael Donadio

Orientação:Rosane Barros

Fonte: Ministério da Saúde