Brasil Geopolítica e Desenvolvimento

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FIORI, José Luis. Brasil: Geopolítica e Desenvolvimento. Outras Palavras, Geopolítica, Mundo, Post. 01/08/2013. Disponível em <http://outraspalavras.net/posts/brasil-geopolitica-e- desenvolvimento/> Data de acesso: 01/08/2014 ____________________________ Brasil: Geopolítica e Desenvolvimento POR JOSÉ LUÍS FIORI ON 01/08/2013CATEGORIAS: GEOPOLÍTICA, MUNDO, POSTS Por que esforço de afirmação internacional do país é titubeante? Que arranjos geopolíticos ele precisaria desafiar? Quais as resistências internas? Por José Luis Fiori “A impotência dos economistas não é culpa da economia, é culpa do ‘desenvolvimento’ que não cabe dentro dos limites estreitos da própria economia.” J.L.Fiori, Poder, Geopolítica e Desenvolvimento, Editora Boitempo (no prelo) 1. Na primeira década do século XXI, o Brasil começou a trilhar uma estratégia de afirmação internacional que retoma iniciativa proposta e interrompida na década de 60. De maneira ainda titubeante, o Brasil vem expandindo sua presença em alguns tabuleiros geopolíticos e vem tentando aumentar sua capacidade de defesa autônoma de suas reivindicações internacionais. A nova estratégia foi definida pelo Plano Nacional de Defesa, e pela Estratégia Nacional de Defesa, aprovados pelo Congresso Nacional, em 2005 e 2008, respectivamente. Nos dois documentos, o governo brasileiro propõe uma política externa que integre suas ações diplomáticas com suas politicas de defesa e de desenvolvimento econômico, e ao mesmo tempo

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  • FIORI, Jos Luis. Brasil: Geopoltica e Desenvolvimento. Outras Palavras, Geopoltica, Mundo, Post. 01/08/2013. Disponvel em Data de acesso: 01/08/2014 ____________________________

    Brasil: Geopoltica e Desenvolvimento POR

    JOS LUS FIORI

    ON 01/08/2013CATEGORIAS: GEOPOLTICA, MUNDO, POSTS

    Por que esforo de afirmao internacional do pas titubeante? Que arranjos geopolticos ele precisaria

    desafiar? Quais as resistncias internas?

    Por Jos Luis Fiori

    A impotncia dos economistas no culpa da economia, culpa do desenvolvimento que no cabe

    dentro dos limites estreitos da prpria economia.

    J.L.Fiori, Poder, Geopoltica e Desenvolvimento, Editora Boitempo (no prelo)

    1. Na primeira dcada do sculo XXI, o Brasil comeou a trilhar uma estratgia de afirmao internacional

    que retoma iniciativa proposta e interrompida na dcada de 60. De maneira ainda titubeante, o Brasil vem

    expandindo sua presena em alguns tabuleiros geopolticos e vem tentando aumentar sua capacidade de

    defesa autnoma de suas reivindicaes internacionais. A nova estratgia foi definida pelo Plano Nacional

    de Defesa, e pela Estratgia Nacional de Defesa, aprovados pelo Congresso Nacional, em 2005 e 2008,

    respectivamente. Nos dois documentos, o governo brasileiro prope uma poltica externa que integre suas

    aes diplomticas com suas politicas de defesa e de desenvolvimento econmico, e ao mesmo tempo

  • introduz um conceito inovador na histria democrtica do pas, o conceito de entorno estratgico, onde o

    Brasil se prope irradiar, de forma preferencial, a sua influncia e a sua liderana, incluindo a Amrica do

    Sul, a frica Subsaariana, a Antrtida, e a bacia do Atlntico Sul.

    2. Um pas pode projetar o seu poder e a sua liderana, fora de suas fronteiras nacionais, atravs da

    coero, da cooperao, da difuso das suas ideias e valores, e tambm, atravs da sua capacidade de

    transferir dinamismo econmico para sua zona de influncia. Mas em qualquer caso, uma poltica de

    projeo de poder exige objetivos claros e uma coordenao estreita, entre as agencias responsveis

    pela poltica externa do pas, envolvendo a diplomacia, a defesa, e as polticas econmica e cultural.

    Sobretudo exige uma sociedade mais igualitria e mobilizada, e uma vontade estratgica consistente e

    permanente, ou seja, uma capacidade social e estatal de construir consensos em torno de objetivos

    internacionais de longo prazo, junto com a capacidade de planejar e implementar aes de curto e mdio

    prazo, em conjunto com os atores sociais, polticos e econmicos relevantes.

    3. Ao contrrio de tudo isto, desde a II Guerra Mundial, e mesmo depois do fim da Guerra Fria, at o incio

    do sculo XXI, a poltica externa brasileira oscilou no tempo, mudando seus objetivos imediatos segundo

    o governo, apesar de que tenha mantido sempre seu alinhamento quase automtico ao lado das

    grandes potncias ocidentais. E mesmo hoje, apesar da posio do governo, existem divises e

    resistncias profundas, dentro de suas elites e dentro de suas agencias governamentais, que seguem

    retardando a consolidao efetiva da nova estratgia brasileira. Como se o sistema poltico, a sociedade e

    a intelectualidade brasileira ainda no estivessem preparados para assumir os objetivos definidos pelos

    documentos oficiais. A prpria universidade brasileira s expandiu recentemente sua capacidade de

    pesquisa e formao de recursos humanos na rea internacional. E algumas universidades do pas no

    possuem nem centros nem unidades especializadas, como o caso surpreendente da UFRJ, a maior

    universidade federal do pas. Alm disto, existe uma carncia acentuada de instituies ou think tanks que

    cumpram o papel de reunir as informaes e as ideias indispensveis para o estudo e a escolha de

    alternativas, e para a orientao inteligente da insero internacional do pas.

    4. De qualquer maneira, se o Brasil conseguir sustentar suas novas posies, ter que se enfrentar

    inevitavelmente com uma regra fundamental do sistema: todo pas que se prope ascender uma nova

    posio de liderana regional ou global, em algum momento ter que questionar os consensos ticos, e

    os arranjos geopolticos e institucionais que foram definidos e impostos previamente, pelas potencias que

    j so ou foram dominantes, dentro do sistema mundial. Esta regra no impede o estabelecimento de

    convergncias e alianas tticas, entre a potncia ascendente com uma ou vrias das antigas potncias

    dominantes, mas exige que a potncia ascendente mantenha seu objetivo permanente de crescer,

    expandir e galgar posies, dentro do sistema internacional. Isto no uma veleidade ideolgica, um

    imperativo do prprio sistema interestatal capitalista: neste sistema, quem no sobe cai[i].

  • 5. Mesmo assim, sempre existir um imenso espao de liberdade e de inveno revolucionria para o

    Brasil: descobrir como projetar seu poder e sua liderana fora de suas fronteiras sem seguir o figurino

    tradicional das grandes potncias. Ou seja, sem reivindicar nenhum tipo de destino manifesto, sem

    utilizar a violncia blica dos europeus e norte-americanos, e sem se propor conquistar qualquer povo

    que seja, para convert-lo, civiliz-lo, ou simplesmente comandar o seu destino.

    [i] Elias, N. (1993), O Processo Civilizador, Jorge Zahar Editores, Rio de Janeiro, p:94