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Bianca Mendes Pereira Richter Princípios do processo civil tradicional aplicados ao processo coletivo MESTRADO EM DIREITO ORIENTADOR: PROF. ASSOCIADO RICARDO DE BARROS LEONEL Faculdade de Direito Universidade de São Paulo São Paulo 2013

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Bianca Mendes Pereira Richter

Princípios do processo civil tradicional aplicados ao

processo coletivo

MESTRADO EM DIREITO

ORIENTADOR: PROF. ASSOCIADO RICARDO DE BARROS

LEONEL

Faculdade de Direito

Universidade de São Paulo

São Paulo

2013

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Bianca Mendes Pereira Richter

Princípios do processo civil tradicional aplicados ao

processo coletivo

Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do título

de Mestre em Direito, no Programa de Pós-Graduação stricto sensu

em Direito Processual, da Faculdade de Direito da Universidade de

São Paulo.

Orientador: Professor Associado Ricardo de Barros Leonel.

Faculdade de Direito

Universidade de São Paulo

São Paulo

2013

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TERMO DE APROVAÇÃO

Bianca Mendes Pereira Richter

Princípios do processo civil tradicional aplicados ao

processo coletivo

Dissertação aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito,

no Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Direito Processual, da Faculdade de

Direito da Universidade de São Paulo, pela seguinte Banca examinadora:

Orientador: Professor Associado Ricardo de Barros Leonel – Departamento

de Direito Processual – USP.

Membros: Prof. Dr.

Prof. Dr.

São Paulo, de de 2013.

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Aos meus pais, Hércules e Rosa, pelo incentivo e apoio, que me

ajudam na concretização de tantos sonhos.

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SUMÁRIO

I – Resumo............................................................................................................................7

II – Justificativa...................................................................................................................9

III – Objetivos.....................................................................................................................14

IV – Metodologia................................................................................................................15

1. Introdução...............................................................................................................16

2. Princípios na ciência jurídica................................................................................23

2.1 Princípio e processo coletivo.........................................................................................57

3. Princípios do processo civil tradicional aplicados ao processo coletivo............61

I - Jurisdição e juiz.............................................................................................................63

3.1 A judicialização das relações sociais e da política: o ativismo judicial como

tendência e suas implicações na seara coletiva...................................................................63

3.1.1 Ativismo judicial e a tutela jurisdicional dos interesses transindividuais.........76

3.1.2 Processo coletivo e as políticas públicas...............................................................80

3.2 Princípio da imparcialidade..........................................................................................91

3.3 Princípio da competência adequada.............................................................................93

3.4 Princípio do microssistema processual coletivo............................................................95

II) Ação e defesa.................................................................................................................96

3.5 Princípio do acesso à justiça..........................................................................................96

3.6 Princípio da ação.........................................................................................................102

3.7 Princípio da não taxatividade da ação e do processo coletivo....................................112

3.7.1 Controle da conexão, continência e litispendência entre ações coletivas...........116

3.7.1.1 Litispendência.........................................................................................................116

3.7.1.2 Conexão..................................................................................................................119

3.7.1.3 Continência.............................................................................................................124

3.8 Princípio da disponibilidade motivada da demanda coletiva................................125

III) Processo e conhecimento...........................................................................................128

3.9 Princípio do devido processo.......................................................................................128

3.9.1 Devido processo em sentido material.....................................................................133

3.9.2 Devido processo em sentido processual.................................................................138

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3.9.3 O direito ao devido processo...................................................................................141

3.9.4 Devido processo coletivo........................ ..........................................142

3.10 Princípio do contraditório..........................................................................................147

3.10.1 Contraditório e tutela coletiva..............................................................................153

3.10.2 Coisa julgada coletiva.......................... ..........................................156

3.10.3 Contraditório no processo executivo coletivo.....................................................160

3.10.4 Direito à prova no processo coletivo: à luz do princípio do contraditório...........166

3.11 Princípio da publicidade............................................................................................173

3.11.1 Adequada notificação aos membros do grupo....................................................174

3.11.2 Adequada informação aos órgãos competentes..................................................184

3.12 Princípio da adaptabilidade procedimental temperada............................................185

3.13 Princípio da economia processual.............................................................................194

3.14 Princípio da duração razoável do processo...............................................................198

3.15 Princípio do interesse no julgamento do mérito........................................................205

IV) Sentença e execução...................................................................................................216

3.16 Princípio da (não) correlação entre o pedido e a sentença.......................................216

3.17 Princípio da reparação integral do dano...................................................................225

3.18 Princípio da máxima efetividade da tutela coletiva...................................................227

3.19Princípio da motivação das decisões judiciais...........................................................232

3.20Princípio da obrigatoriedade da execução coletiva pelo Ministério Público............236

4 Conclusões..................................................................................................................238

Bibliografia.................................................................................................................255

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I - Resumo:

A presente dissertação de mestrado é fruto da pesquisa desenvolvida após o

período de três anos no programa de mestrado stricto sensu da Faculdade de Direito da

Universidade de São Paulo, sob a orientação do Professor Associado Ricardo de Barros

Leonel, do Departamento de Direito Processual, com subárea em processo civil.

A pesquisa foi desenvolvida ao longo do cumprimento dos créditos

obrigatórios para a aprovação no programa de Mestrado da Faculdade de Direito, no ano

de 2011, e posteriormente, ao longo do ano de 2012 e o corrente ano.

O tema abordado são os princípios do processo civil tradicional aplicados ao

processo civil coletivo. Dessa maneira, o início do trabalho passa por uma análise das

espécies normativas, dentre elas os princípios, sua evolução na doutrina, sua forma de

aplicação e as diferentes perspectivas existentes sobre o tema. Este capítulo se mostrou

necessário ao correto alinhamento do raciocínio seguido para o trabalho.

Em seguida, passa-se a analisar os princípios do processo civil, mas, com foco

nos que assumem peculiaridades na seara coletiva, pois esse corte se mostrou mais

proveitoso, dado que cada princípio pôde ser analisado de forma mais detalhada, passando

por institutos do processo civil que também adquirem peculiaridades quando no âmbito dos

interesses transindividuais, passando pela detida análise das tendências doutrinárias e

jurisprudenciais em cada princípio.

Como o procedimento processual civil passa por uma concatenação de atos

processuais, organizados de forma a fornecer a prestação jurisdicional da forma mais

eficaz possível, optou-se por fazer a divisão entre os princípios de forma vagamente similar

para facilitar a pesquisa e a lógica do encadeamento entre os temas.

Palavras-chave: princípios; espécies normativas; direito processual coletivo.

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Abstract:

This academic work is the result of the research done in the Masters Program

at the Faculty of Law of the University of São Paulo, under Professor Ricardo de Barros

Leonel supervision, who belongs to the Civil Procedure Department.

The research was developed during the last three years, which subject-matter

is the principles of Civil Procedure when applied to the collective suits - the class actions

in Brazilian Law.

In order to commence, the first chapter contains a full explanation of the

subject, the second chapter covers the different concepts of rules, as principles and laws in

their many concepts adopted by the most distinguished authors in the field. Those chapters

are important to establish a base knowledge; hence, they showed to be benefic achieving a

better understanding of principles in Law’s actual situation. After that, the principles of

Civil Procedure in Brazil are analyzed, focusing in the Collective Suits, passing by the

main institutes of the Civil Procedure, especially those ones assuming a different

perspective in class action’s field.

As the Civil Procedure is organized in a specific method, which follows an

order, mainly, we adopted this structure to organize the presentation of the Civil

Procedure principles.

Keywords: principles; collective suits; Law.

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II - Justificativa

Observa-se na prática jurisprudencial1 e nos textos legislativos que formam o

microssistema processual coletivo uma nova leitura de antigos princípios quando aplicados

ao processo coletivo. Tal fenômeno ocorre devido à necessidade de adaptação a uma nova

realidade que deixa de pensar somente no individual e passa a abranger um ou mais grupos

sociais, assumindo, assim, maiores proporções. Essa ocorrência não é feita de forma

sistemática, mas vem sendo construída doutrinária e jurisprudencialmente. Dentre essas

situações, destacam-se as seguintes que justificam a reanálise de alguns princípios

processuais que adquirem nova feição na seara coletiva.

Admite-se, por exemplo, que a defesa de interesses coletivos seja assumida por

entidade legitimada pela lei para defender interesses de pessoas que não integram

efetivamente o processo, sem que ocorra ofensa ao contraditório2, pois a idoneidade desses

legitimados3 legalmente possibilita uma defesa plena de seus interesses, visto sob a ótica

1 Conforme será trazido ao longo do trabalho. Ressaltando a importância da tutela jurisdicional dos interesses

transindividuais: STJ, Recurso Especial n. 235.422-SP, Ministro Rosado de Aguiar – 4ª Turma – j. 19-10-

00. DJU, 18-12-00, p. 202. “É preciso enfatizar a importância da ação coletiva como instrumento útil para

solver judicialmente questões que atingem um número infinito de pessoas, a todas lesando em pequena

quantidade, razão pela qual dificilmente serão propostas ações individuais para combater a lesão. Se o

forem, apenas concorrerão para o aumento insuperável das demandas, a demorar ainda mais a pretensão

jurisdicional e concorrer para a negação da Justiça pela lentidão, de que tanto reclama a sociedade. A ação

coletiva é a via adequada para tais hipóteses, e por isso deve ser acolhida sempre que presentes os

pressupostos da lei, que foi propositada e significativamente o de liberar o sistema dos entraves da ação

individual, pois pretendeu introduzir no nosso ordenamento medida realmente eficaz.”.

2 Nesse sentido: DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v.1. 6.ed. São

Paulo: Malheiros, 2009. p. 225-226. “Modernamente tais restrições vão sendo depuradas do significado

individualista de que tradicionalmente se revestiam, entendendo-se que um processo conduzido por

entidade dotada de legitimidade adequada segundo a lei possa produzir efeitos sobre pessoas integradas em

determinado grupo ou comunidade. Tal é o fundamento da tutela coletiva preparada mediante o exercício

das ações coletivas pelo Ministério Público, associações e outras entidades que a lei indica – e relacionadas

com os valores do meio-ambiente, das relações de consumo etc. (LACP, art. 5º; CDC, art. 82). A

idoneidade dessas entidades qualifica-as como legítimas substitutas processuais dos interessados e sua

participação satisfaz as exigências do contraditório – agora visto da óptica do direito moderno e dos

objetivos da tutela referente a direitos e interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos. [...] Não

reside nisso qualquer ultraje à garantia constitucional do contraditório, porque os entes qualificados para o

exercício da ação pública atuam no interesse do grupo ou comunidade interessada, sendo tecnicamente

qualificados como seus substitutos processuais.”.

3 Segundo os incisos do artigo 5º da Lei da Ação Civil Pública – Lei n. 7.347 de 1985 – são legitimados: o

Ministério Público, a Defensoria Pública, a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, autarquia,

empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista e associação constituída há, pelo menos, um

ano nos termos da lei civil e que tenha entre suas finalidades institucionais a proteção ao meio ambiente, ao

consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico,

turístico e paisagístico.

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do direito processual coletivo. Trata-se do tema da representatividade adequada, inédito na

seara processual coletiva, que desafia antigos dogmas processuais.

Além disso, ganha relevo o tema do ativismo judicial4 e da judicialização das

relações sociais, destacando a mudança de postura dos magistrados, principalmente nos

casos de processos coletivos, tendo em vista o interesse social relevante envolvido nos

casos de demandas transindividuais. Trata-se de uma nova postura e novos conhecimentos

que têm sido demandados dos magistrados com o fito de que a entrega jurisdicional seja

compatível com o processo civil de resultados 5. O juiz pode assumir posturas mais ativas

para evitar desigualdades na defesa entre as partes, dificuldades probatórias enfrentadas

por uma delas, etc6. No entanto, o tema pede maiores aprofundamentos para que limites e

possibilidades sejam delineados. O magistrado abandona a imagem do juiz Pôncio Pilatos

e trata os desiguais na medida de suas desigualdades, como muito já foi dito na busca da

igualdade material7. Uma construção doutrinária e jurisprudencial é a possibilidade de que

4 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v.1. 6.ed. São Paulo: Malheiros,

2009. p. 239. “No processo civil moderno a tendência é reforçar os poderes do juiz, dando relativo curso

aos fundamentos do processo inquisitivo. Ele tem o dever não só de franquear a participação dos litigantes,

mas também de atuar ele próprio segundo os cânones do princípio do contraditório, em clima de ativismo

judicial.” No mesmo sentido: BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Por um processo socialmente efetivo.

In: Temas de direito processual: oitava série. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 25-26. “O que se acaba de

dizer põe de manifesto quão importante, para a efetividade social do processo, é a maneira por que o

conduza o órgão judicial. A lei concede ao juiz muitas oportunidades de intervir no sentido de atenuar

desvantagens relacionadas com a disparidade de armas entre os litigantes. Todavia, uma coisa é o que reza

a lei, outra o que dela retira o órgão processante. [...] Não uma, senão inúmeras vezes já se proclamou, em

fórmulas bem conhecidas, que o verdadeiro critério da igualdade consiste em tratar desigualmente os

desiguais, na medida que se desigualam. [...] Na verdade, nenhum sistema processual, por mais bem

inspirado que seja em seus textos, se revelará socialmente efetivo se não contar com juizes empenhados em

fazê-lo funcionar nessa direção. Qualquer discussão da matéria passa obrigatoriamente pela consideração

dos poderes do órgão judicial na direção do processo.”.

5 Cf. PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora

Juarez de Oliveira, 2001. p. 44.

6 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v.3. 6.ed. São Paulo: Malheiros,

2009. p. 52. “Há situações em que as omissões probatórias das partes seriam capazes de comprometer

direitos sobre os quais elas não têm disponibilidade alguma, ou não têm toda disponibilidade. [...] Assim

são também as relações de massa, envolvendo comunidades ou grupos mais ou menos amplos, o que

também tem por consequência as repercussões “erga omnes” ou ao menos “ultra partes” daquilo que vier a

ser julgado – como sucede nas causas relacionadas com o meio-ambiente, valores culturais ou históricos,

consumidores (CDC, art. 103) etc. Para esses casos, ordinariamente a lei vale-se da Instituição do

Ministério Público, que por definição é o guardião do interesse público e, ao dar-lhe legitimidade para

instaurar o processo ou exigir-lhe participação naqueles que forem instaurados por iniciativa de outrem,

procura a fidelidade dos julgamentos ao direito objetivo e à realidade dos fatos. Mesmo assim, há sempre o

risco de perdurarem deficiências probatórias, a dano da sociedade como um todo, de comunidades inteiras

ou de grupos expressivos de pessoas.”.

7 Conforme a Justiça distributiva de Aristóteles. Sobre a nova postura exigida dos juízes: FRANCO, Alberto

Silva. O perfil do juiz na sociedade em processo de globalização. In: YARSHELL, Flávio Luiz; MORAES,

Maurício Zanoide de. (Org.). Estudos em homenagem à Professora Ada Pellegrini Grinover. São Paulo:

DPJ, 2005. p. 818. “Uma sociedade marcada por profunda exclusão social não se compatibiliza com o

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o juiz não fique adstrito ao pedido feito pela parte e possa ampliar, com cautelas, o objeto

do processo coletivo, quando tal postura mostrar-se relevante para os interesses da

sociedade. Tal possibilidade é uma manifesta mitigação ao princípio da correlação entre a

demanda e a sentença8 previsto legalmente, diante da nova conotação que os elementos

objetivos da demanda (pedido e causa de pedir) assumem na seara processual coletiva.

Diante de situações novas como essa no âmbito da jurisdição estatal, com ênfase na tutela

coletiva, procurou-se analisar o tema de forma detida e os princípios processuais a ele

relacionados. O tema se relaciona a diversas outras áreas do conhecimento, que fogem ao

escopo do presente trabalho, mas a menção a elas por vezes se fez necessária, nas palavras

de José Carlos Baptista Puoli:

“Outra consideração que este tema evidencia está relacionada à

constatação de que o processualista moderno, tanto quanto o juiz (como

será visto oportunamente), não pode ficar “encastelado” na suposta auto-

suficiência do processo civil, devendo, pelo contrário, estar sempre aberto

à assimilação de conceitos e conclusões resultantes de outras ciências

igualmente preocupadas com o equacionamento das relações

intersubjetivas havidas na vida em sociedade. É o exemplo da Sociologia

que, entre outras diversas preocupações, tem estudado e diagnosticado

questões que, ao lado do problema meramente econômico, têm

dificultado o efetivo acesso à Justiça para a parcela mais carente da

população.” 9

Quanto ao valorizado acesso à justiça, ele é uma das finalidades mais

almejadas no direito processual e deve ser interpretado em conjunto com os outros

princípios, pois só produzirá resultados efetivos se em harmonia com princípios como o da

efetividade, da instrumentalidade das formas, da celeridade processual, dentre outros.

Assim, o acesso à justiça não se identifica com o mero ingresso em juízo. Precisa o Poder

perfil de um juiz apegado ao texto da lei, insensível ao social, de visão compartimentada do saber, auto-

suficiente e corporativo. E, acima de tudo, com um juiz que ainda não teve a percepção de que a sua

legitimação não se apoia na vontade popular ou nas leis de mercado, mas substancialmente na sua função

central de garantidor de direitos, que atribuem dignidade ao ser humano, e dos valores axiológicos

incorporados aos modelos sociais que têm a democracia como uma garantia irrenunciável. Se o atual

arquétipo de juiz não tem serventia, é mister que se componha um juiz com um novo perfil, que se mostre

adaptável a uma sociedade de extrema complexidade e que, como nunca foi registrado na história, seja

capaz de provocar vulnerações profundas nos direitos humanos básicos.” Sobre a mudança do

comportamento do juiz e direitos humanos: p. 819. “Só um novo juiz, com a mudança radical da sua

maneira de perceber e compreender seu papel na complexa sociedade atual, terá condições de tutelar, com o

grau necessário de efetividade, os direitos humanos.”.

8 Cf. “caput” do artigo 460 do Código de Processo Civil.

9 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora

Juarez de Oliveira, 2001. p.14.

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Judiciário estar aparelhado e preparado para conceder uma tutela jurisdicional efetiva e

célere. Esse princípio vem expresso no texto constitucional: artigo 5º, inciso XXXV: “a lei

não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Assim,

engloba tanto o direito já lesado, repressivamente, quanto à ameaça ao direito,

preventivamente. No plano dos interesses transindividuais, o acesso à justiça assume maior

proporção, pois interesses de um ou mais grupos buscam uma tutela jurisdicional efetiva e

há grande necessidade, portanto, de que legitimados, juízes, grupos sociais e todos os

sujeitos envolvidos tenham preparo para proporcionar um verdadeiro acesso à justiça. 10

A duração razoável do processo, elevado a princípio constitucional em 2004,

com a Emenda Constitucional n. 45, mas já adotado antes disso, é prova de que a

necessidade de celeridade para a produção de decisões judiciais efetivas e com justiça, em

um espaço de tempo razoável, é uma preocupação que não afeta somente o processo

coletivo. 11

No entanto, na esfera coletiva, as peculiaridades do direito material devem ser

consideradas com extremo zelo. Exemplo disso é a complexidade que uma perícia

ambiental pode demandar. Quanto à prioridade no processamento, há previsão nesse

sentido no Estatuto da Criança e do Adolescente (artigo 4º, Lei n. 8.069 de 1990) e no

Estatuto do Idoso (artigo 71, Lei n. 10.741 de 2003). Entretanto, apenas a previsão legal

não garante que o fim do processo ocorrerá em tempo razoável.

A necessidade de motivação das decisões vem expressa na Constituição

Federal (artigo 93, inciso IX12) e se justifica pela necessidade de que as partes e todos os

cidadãos tenham conhecimento das razões de fato e de direito que motivaram a decisão. 13

10 O Projeto de Lei n. 5.139 de 2009, rejeitado, previa diversos dispositivos que buscavam garantir a

inafastabilidade da prestação jurisdicional quanto aos interesses transindividuais, tais como: a ampliação

dos poderes instrutórios dos magistrados, prevendo a possibilidade de realização de audiências públicas

com o objetivo de maior participação social e maior cognição judicial, a ampliação do rol de legitimados

para ações coletivas, a organização do Cadastro Nacional de Ações Coletivas, permitindo acesso a

informações quanto à existência e ao estado de ações coletivas ajuizadas, a criação de Varas e Juízos

especializados em ações coletivas, dentre outras.

11 Artigo 5º, inciso LXXVIII: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável

duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”.

12 Cf. artigo 93, inciso IX: “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e

fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados

atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito

à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;”.

13 José Joaquim Gomes Canotilho aponta três razões que justificam a necessidade de motivação das decisões

judiciais: para o controle da justiça, a demonstração do raciocínio utilizado e a delimitação do objeto de

eventual impugnação pelas partes. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da

constituição. 4.ed. Coimbra: Almedina, 1997. p. 816.

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Esse princípio ganha maior destaque com a valorização do ativismo judicial e da atribuição

de maiores poderes do magistrado no processo coletivo, pois garante a ausência de

arbitrariedades na atuação do magistrado quando pauta suas atividades de acordo com as

especificidades do processo coletivo.

O princípio da publicidade garante conhecimento dos atos do processo a todos,

garantindo transparência à atividade jurisdicional. No texto constitucional há previsão no

artigo 5º, inciso LX, e no artigo 93, inciso IX. 14 Quando referente ao processo coletivo, o

princípio da publicidade ganha dimensão diversa, pois envolve a adequada notificação dos

membros do grupo ou grupos envolvidos, a publicidade necessária para a sociedade em

geral e a informação aos órgãos competentes. 15

Além disso, quando sujeitos com os mesmos direitos afetados, no caso, direitos

individuais homogêneos, já tiverem ações individuais ajuizadas, eles podem optar por

suspender suas ações individuais e integrarem a ação coletiva, mediante o direito de

habilitação no processo coletivo16. No entanto, para que isso ocorra é necessária a prévia

ciência da instauração da ação coletiva. Essa prática é conhecida nos Estados Unidos da

América como right to opt in or opt out. Alhures, para que esse direito seja exercido, a

comunicação deve ser justa e adequada, a chamada fair notice. No entanto, verifica-se que

falta regulamentação, no direito pátrio, que garanta uma eficaz comunicação aos

indivíduos lesados, o que mereceu uma análise detida.

Portanto, a questão central que esta dissertação visa a enfrentar refere-se às

peculiaridades que os princípios processuais assumem na esfera transindividual quando da

processualização do conflito coletivo.

14 Artigo 5º, inciso LX: “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da

intimidade ou o interesse social o exigirem;” e artigo 93, inciso IX: “todos os julgamentos dos órgãos do

Poder Judiciário serão públicos [...]”.

15 Nesse sentido, mas apontando também a comunicação ao Cadastro Nacional de ações coletivas, quando

criado: AZEVEDO, Júlio Camargo de. Princípios do processo coletivo aplicáveis à tutela dos interesses

metaindividuais: análise feita à luz do Projeto de Lei n. 5.139/09. Franca: UNESP, 2009. p. 91.

16 Quando isso ocorrer, eles serão beneficiados em caso de procedência da ação coletiva, mas não perderão o

direito de prosseguir com a ação individual, caso a ação coletiva seja entendida improcedente. Caso

decidam pela não inclusão na ação coletiva, não poderão ser beneficiados com eventual decisão procedente

em sede coletiva.

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III - Objetivos estabelecidos

Quando da proposta da pesquisa, estabeleceram-se os seguintes objetivos:

analisar e aplicar os princípios do processo civil clássico ao processo coletivo, de forma

que as características específicas que aqueles assumem na seara coletiva sejam estudadas

de forma sistemática. Estudar os textos legais que preveem princípios de forma global e

complementar e, principalmente, as normas técnicas que são referentes ao processo

coletivo. Assim, o processo coletivo poderá ter um maior apoio estrutural, se os princípios

aplicáveis a ele estiverem bem estruturados e inter-relacionados, mediante a busca de

soluções que estimulem o acesso à justiça efetivo. Dessa maneira, o que se pretendeu foi

identificar os princípios processuais civis e seus conceitos, suas funções, dentro da teoria

geral do processo, assim como as suas fontes. Finalmente, verificar de que forma os

princípios do processo civil individual se aplicam ao processo coletivo: as peculiaridades

que assumem e a nova feição a antigos paradigmas: o novo papel do juiz na condução do

processo, o contraditório, a isonomia, a publicidade, o acesso à justiça, etc.

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IV - Metodologia

Por ser o estudo dos princípios embasado em diversas fontes legais e

supralegais, faz-se necessário analisar os princípios elencados no texto constitucional,

assim como aqueles previstos na legislação ordinária e em tratados internacionais, mas,

principalmente, se mostra necessário o estudo da legislação que forma o microssistema

processual coletivo. Assim, o presente estudo se debruça, de forma ampla, em textos

legais, internacionais e nacionais, textos e dados da internet, artigos jurídicos, revistas

específicas, trabalhos acadêmicos (dissertações e teses) e jurisprudência, para que, sob o

enfoque do método indutivo, se possa partir de dados particulares e específicos para o

raciocínio geral.

Paralelamente, com uma larga pesquisa bibliográfica em obras doutrinárias

nacionais e estrangeiras sobre o tema: processo coletivo e base principiológica, pretendeu-

se alcançar conclusões particulares a partir de enunciados ou premissas genéricas, com

base no método dedutivo. Dessa maneira, os métodos de pesquisa utilizados foram:

dedutivo e indutivo, sendo que o primeiro conduz o raciocínio do geral ao particular, ou

seja, do todo ao molecular, através de enunciados, para uma conclusão necessária,

decorrente da correta aplicação de regras lógicas e no último o raciocínio caminha do

particular para o geral por meio da “[...] observação, verificação de hipóteses, repetição,

testação e, finalmente, generalização, ou seja, formulação de princípios gerais válidos e

importantes” 17. As conexões descendentes (método dedutivo) e ascendentes (método

indutivo) foram usadas de forma a se complementarem mutuamente, concorrendo para a

solução dos problemas enfrentados e explicação de fenômenos analisados.

Além disso, o método comparativo teve fundamental importância no

desenvolvimento da pesquisa, principalmente, na comparação entre a aplicação dos

princípios no processo civil individual e no coletivo. O direito comparado pode ser uma

importante forma de enriquecer a pesquisa, pois oferece sugestões ao direito nacional e

favorece a troca de experiências. 18 A pesquisa bibliográfica feita em obras vindas de

países com maior tradição no direito coletivo, ou forma de abordagem diferente da

nacional, foi interessante, como, por exemplo, o estudo das class actions norte-americanas.

17 LAKATOS. Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia científica. 3. ed. São Paulo: Atlas,

2000. p. 17.

18 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v.1. 6.ed. São Paulo: Malheiros,

2009. p. 197.

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16

CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO

Os princípios, durante largo período de tempo, inicialmente com a valorização

do positivismo, no século XIX, passaram a ser conceituados como pilares de qualquer área

de conhecimento19. Atuavam, segundo essa concepção, como fonte de estabilidade para

qualquer ramo da ciência. Especificamente, na ciência jurídica, os princípios integrariam

normas lacunosas, assim como a analogia e os costumes. Encontram-se resquícios dessa

concepção na vigente legislação, como o artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do

Direito Brasileiro (Decreto Lei 4.657 de 1942). 20

No seu caráter geral, segunda essa concepção apontada, os princípios

forneceriam diretrizes para o sistema, possuindo interpretação mais flexível, o que

permitiria a adaptabilidade da ciência jurídica diante das evoluções sociais, econômicas e

políticas. 21 Além disso, o sistema que possui uma base sólida de princípios, bem

estruturados e atuantes de forma complementar, possuiria maior unidade lógica, garantindo

maior estabilidade a esse próprio sistema. Outrossim, os princípios teriam caráter

supranormativo, aplicando-se a todos os ramos do direito, embora alguns detivessem

princípios específicos, que, por vezes, mais se pareceriam a regras técnicas elevadas ao

caráter de princípio na tentativa de aquisição de maior imperatividade. 22

Quanto ao direito processual, principalmente, mas também aplicável a outros

ramos do direito, os princípios não devem ser indicados em rol taxativo, pois seria incerto

19 No uso do termo “positivismo”, aqui, não se busca a distinção ou as conceituações precisas do fenômeno

segundo a concepção de Augusto Comte ou segundo a concepção de Positivismo Jurídico da Hans Kelsen,

mas somente que o leitor contextualize o tema na perspectiva de valorização máxima da Ciência,

organizada através de princípios e métodos próprios.

20 Cf. artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: “Quando a lei for omissa, o juiz

decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.”. Esta visão de

princípios corresponde à visão tradicional de princípios, não aos posicionamentos recentes, como o de

Robert Alexy e Ronald Dworkin, ressaltados a seguir no presente trabalho.

21 Cf. LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método,

2006. p. 129. “Devem ser vistos como grandes orientações da ordem jurídica positiva, figurando como

coordenadas que lhe conferem o traçado básico. Não sendo simples regras, ostentam orientações mais

flexíveis. Não descrevem, necessariamente, condutas humanas, mas estabelecem critérios (valorativos) para

disciplina-las.”.

22 Normalmente, esses princípios específicos são verdadeiras normas técnicas, que estão descritas

pormenorizadamente adiante.

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17

que esse rol acompanharia a evolução social, política e econômica.23 Com base nisto, a

doutrina pontua quatro princípios informativos do processo, os quais, na verdade, não são

verdadeiros princípios, como aponta Cândido Rangel Dinamarco24, mas atuam como

elementos informadores do sistema, conferindo-lhe apoio sociológico, filosófico e político,

como ensina Ricardo de Barros Leonel. 25 Esses princípios informativos do processo são o

lógico, o político, o jurídico e o econômico.

Assim, concepção adotada pelo mestre Cândido Rangel Dinamarco e partilhada

por grande fatia da doutrina é no sentido de os princípios atuarem fornecendo coerência ao

sistema processual civil e o operador e o cientista do direito como responsáveis pelo

retorno a essa base para que seus atos e suas decisões sejam coerentes e lógicas, segundo a

teoria tradicional dos princípios, portanto. 26

Fato é que os princípios aplicáveis ao processo civil encontram-se dispostos no

texto da Constituição Federal, em diversas leis ordinárias, dentre elas, o Código de

Processo Civil27, e alguns se encontram, inclusive, em normas supranacionais, como o

Pacto de São José da Costa Rica. 28

23 LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método,

2006. p. 131. “É impensável indicar os postulados fundamentais do direito processual em rol taxativo, pois

seu surgimento ocorre naturalmente com o passar do tempo e a evolução da própria ciência processual.”.

24 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v.1. 6.ed. São Paulo: Malheiros,

2009. p. 196. “[...] pensando nelas no estrito sentido da técnica processual que podem refletir, ficam

despidas da nota característica dos princípios, isto é, de figurarem como elementos basilares ao

conhecimento de determinada ciência.”.

25LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método, 2006.

p. 131. “Assumem conotações éticas, sociais e políticas, influenciando diretamente o sistema processual e

conferindo-lhe sustentação do ponto de vista filosófico, sociológico e político.”.

26 Sobre esta importância: DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v.1.

6.ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 196. “[...] sabido que todo conhecimento só é verdadeiramente

científico quando tiver por apoio a consciência dos princípios que o regem: sem essa coerência, há o grande

risco de perder a necessária coerência unitária entre os conceitos exarados e jamais ter-se segurança quanto

ao acerto e boa qualidade dos resultados das investigações. Sem princípios um conhecimento é

desorganizado e só pode ser empírico porque faltam os elos responsáveis pela interligação desses

resultados. No que diz respeito às ciências jurídicas o conhecimento dos princípios é responsável pela boa

qualidade e coerência da legislação e também pela correta interpretação dos textos legais e das concretas

situações examinadas. O verdadeiro cientista do direito deve ter clara noção do modo como se inter-

relacionam e interagem os conceitos de sua ciência e precisa remontar sempre, no estudo dos diversos

institutos, aos grandes princípios que a regem.”.

27 Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973.

28 Trata-se da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969. Decreto n. 678,

de 6 de novembro de 1992.

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18

A Constituição Federal garante proteção ao processo mediante a enumeração

de princípios e garantias, na chamada tutela constitucional do processo. 29 Ao mesmo

tempo, o processo funciona como meio de efetivação dos preceitos constitucionais. 30

O Código de Processo Civil também enumera princípios aplicáveis ao

processo. 31 No entanto, muitos desses chamados princípios são verdadeiras normas

técnicas, ou regras, segundo a classificação adotada por autores como Robert Alexy e

Ronald Dworkin, como será analisado de forma mais detida adiante. Ou seja, não são

verdadeiros postulados da ciência, mas foram opções feitas pelo legislador

infraconstitucional em dado momento da evolução jurídica. São verdadeiros instrumentos

na busca de soluções que pacifiquem com justiça e não são um fim em si mesmas. Muitas

das normas técnicas decorrem de princípios, mas aquelas são mais flexíveis do que estes e

a diferenciação entre princípios e normas técnicas é dificultosa, pois as semelhanças são

grandes. Assim, na prática, sem qualquer prejuízo, muitas normas técnicas são chamadas

de princípios sem preocupação com o rigor científico. 32 A mitigação de normas técnicas é

mais frequente do que a de princípios, principalmente, pelo seu maior caráter técnico do

29 Alguns exemplos dos princípios e garantias presentes no texto constitucional são: artigo 5º, inciso XXXV:

inafastabiliade da jurisdição; inciso XXXVII: vedação aos tribunais de exceção; inciso LIII: princípio do

juiz natural; inciso LIV: devido processo legal; inciso LV: contraditório e ampla defesa; inciso LVI:

vedação das provas ilícitas; inciso LX: princípio da publicidade; inciso LXVII: vedação da prisão civil por

dívidas; inciso LXXIV: assistência gratuita como corolário do acesso à justiça.

30 Nesse sentido, Ricardo de Barros Leonel e Cândido Rangel Dinamarco. Em opinião diversa, Nelson Nery

Júnior defende que a enumeração de princípios na Carta Magna seria dispensável se somente houvesse a

previsão do devido processo legal, o que englobaria todas as previsões feitas atualmente, de forma a

garantir um processo justo do ponto de vista formal e substancial. Cf. NERY JR., Nelson. Princípios do

processo civil na constituição federal. 4.ed. rev. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1997. passim.

31 Princípios enumerados pelo Código de Processo Civil: princípio da demanda: artigos 2º e 262; correlação,

congruência, ou adstrição, pelo qual o juiz deve limitar-se ao que foi pedido; livre convencimento, o juiz

tem liberdade para examinar os resultados obtidos com as provas, mas deve motivar sua decisão;

dispositivo; impulso oficial; oralidade; lealdade processual; economia e instrumentalidade das formas.

32 Nesse sentido sobre as normas técnicas: LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o direito

superveniente. São Paulo: Método, 2006. p. 136. “Aqui, em verdade, o que há são regras técnicas de

enorme importância, mas que em verdade não são princípios, naquela concepção já exposta. Em última

análise, tais regras decorrem de algum ou alguns dos princípios fundamentais do processo, mas não são, por

si mesmas, elementos basilares, estruturais ou fundamentais da própria ciência e do direito processual. A

distinção entre princípios e regras nem sempre se apresenta simples: ambas são espécies de normas

jurídicas.” Ainda neste sentido: p. 141. “Os cânones, sempre invocados como princípios: da demanda, da

congruência, do exaurimento da competência do juiz ao proferir sentença, na verdade, são apenas regras

técnicas do direito processual que decorrem da opção formulada, em dado momento, pelo legislador

infraconstitucional. [...]As normas técnicas, como opções do legislador, não são princípios sacramentais do

processo civil, o que permite a evolução em sua interpretação. É possível admitir soluções aptas a enfrentar

problemas que se verificam com maior freqüência, modernamente, no âmbito do processo civil. [...] É

viável concluir que as regras técnicas do processo não são um fim em si mesmas, mas, apenas, instrumentos

para o alcance dos escopos do processo, particularmente o mais importante deles, consistente em pacificar

com justiça.”.

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que dogmático.33 Neste ponto, há divergência entre as correntes doutrinárias na

classificação e conceituação das espécies normativas, que serão apontadas no capítulo

seguinte.

José Lebre de Freitas, ao analisar a importância dos princípios gerais do

processo civil, ressalta a diferença desse ramo com o direito civil, por exemplo, cuja marca

principal é a estabilidade de seus princípios clássicos. Por outro lado, os princípios do

processo civil têm grande relação “[...] com a organização do Estado e os direitos

fundamentais e em que, por isso, o momento histórico e as particularidades nacionais se

fazem muito sentir, os seus princípios enformadores continuam a ser objeto de discussão e

aperfeiçoamento.”34. Segundo o jurista português, “[...] o último pós-guerra marcou o

início do movimento de “constitucionalização das garantias processuais” e, com ele, o de

uma atenção cada vez maior aos princípios gerais do processo civil, que os sistemas

autoritários haviam desprezado.” 35, de forma que, após esse período histórico até os dias

de hoje, processualistas e constitucionalistas têm reconstruído os princípios da jurisdição e

do processo.

Paralelamente ao avanço da importância conferida aos princípios dentro da

discussão se seriam eles uma forma de conferir unidade e integração ao sistema jurídico ou

normas jurídicas com características especiais, o processo coletivo deu um salto em

quantidade e relevância. Ronaldo Porto Macedo Júnior aponta uma possível ligação entre

esses dois fenômenos, ao apontar as causas do aumento do número de ações coletivas.

Questiona o autor se haveria ligação entre essa “farra principiológica” que se presencia nas

últimas décadas do século XX até o momento e a valorização da tutela jurisdicional de

interesses transindividuais. 36

33 Nesse sentido, Ricardo de Barros Leonel defende que a mitigação de normas técnicas pode ser feita desde

que observados os princípios e garantias do processo. LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e

pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método, 2006. p. 142. “As soluções adotadas em casos

concretos devem estar em absoluta conformidade com os princípios e garantias fundamentais que

sedimentam o processo civil, ainda que, eventualmente, regras técnicas sejam mitigadas pela ação

normativa do legislador, ou mesmo pela sua flexibilização decorrente da atuação do intérprete. A condição

para que isto ocorra é (a) o respeito aos princípios fundamentais e garantias do processo, e (b) o alcance dos

resultados protegidos pelo próprio sistema de princípios e garantias.”.

34FREITAS, José Lebre de. Introdução ao processo civil: conceitos e princípios gerais. 2.ed. Coimbra,

2009, p.80.

35FREITAS, José Lebre de. Introdução ao processo civil: conceitos e princípios gerais. 2.ed. Coimbra,

2009, p.80-81.

36 MACEDO JR., Ronaldo Porto. Ação civil pública, o direito social e os princípios. In: YARSHELL, Flávio

Luiz; MORAES, Maurício Zanoide de. (Org.). Estudos em homenagem à Professora Ada Pellegrini

Grinover. São Paulo: DPJ, 2005. p. 291. “Haveria alguma vinculação essencial entre a ampliação da

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20

Diante desta nova e debatida realidade apresentada acima, é natural que os

princípios devam ser analisados e revistos, pela própria evolução axiológica da sociedade.

Os princípios, como qualquer fenômeno social, carregam forte carga valorativa37 e o valor

atribuído a cada norma varia de acordo com o tempo e espaço. 38 Como destaca Nelson

Nery Júnior, os temas de processo coletivo não devem ser enxergados sob a ótica do

processo civil individual, elaborada durante uma época em que prevaleciam diferentes

valores e objetivos distintos eram privilegiados. 39

Portanto, os princípios devem ser interpretados de forma sistemática e

complementar com vistas sempre ao objetivo maior, o qual é oferecer a tutela jurisdicional

de forma efetiva e célere, mesmo que isso signifique a prevalência de determinado

princípio sobre outro. 40 Essa interpretação dos princípios dentro de um sistema equilibrado

busca destacar o “processo civil de resultados”, em sobreposição ao antigo esquema do

importância dos princípios na teoria e na prática jurídica (que vem levando, muitas vezes, ao vivenciar de

uma “farra principiológica”) e o fortalecimento da tutela dos interesses coletivos?”.

37 Cf. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 26.ed. São Paulo: Saraiva, 2002. passim. Sobre a

Teoria Tridimensional do Direito: fato – valor – norma.

38 LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método,

2006. p. 138. “É verdade, também, que os postulados essenciais da ciência, contendo evidente carga

axiológica, devem sempre ser revistos e ter sua concepção atualizada, na medida em que sua compreensão

envolve o contexto histórico, político e social considerado. Trata-se de interpretação evolutiva e

verdadeiramente “cultural” da ordem jurídica, tendo como pano de fundo os valores contidos nas normas,

que devem ser tomados em conta sempre que se pretenda analisar certo fato relevante para a aplicação do

direito positivo.”.

39 NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. 4.ed. rev. São Paulo: Ed.

Revista dos Tribunais, 1997. p. 110-111. “Isto porque os institutos ortodoxos do processo civil não podem

se aplicar aos direitos transindividuais, porquanto o processo civil foi idealizado como ciência em meados

do século passado, notavelmente influenciado pelos princípios liberais do individualismo que

caracterizaram as grandes codificações do século XIX. Pensar-se, por exemplo, em legitimação para a

causa como instituto ligado ao direito material individual a ser discutido em juízo, não pode ter esse mesmo

enfoque quando se fala de direitos difusos, cujo titular do direito material é indeterminável. Parte da

doutrina ainda insiste em explicar o fenômeno da tutela jurisdicional dos interesses e direitos difusos pelos

esquemas ortodoxos do processo civil.”.

40 DINAMARCO, Cândido Rangel. Relendo princípios e renunciando a dogmas. Nova era do processo civil.

3.ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 22. “A adoção dessa premissa metodológica manda, em primeiro

lugar, que todos os princípios e garantias constitucionais sejam havidos como penhores da obtenção de

resultados justos, sem receber um culto fetichista que desfigura o sistema. Manda também que eles sejam

interpretados sistematicamente e em consonância com os valores vigentes ao tempo da interpretação.

Muitas vezes é preciso sacrificar a pureza de um princípio, como meio de oferecer tutela jurisdicional

efetiva e suficientemente pronta, ou tempestiva; muitas vezes, também, é preciso ler uma garantia

constitucional à luz de outra, ou outras, sob pena de conduzir o processo e os direitos por rumos

indesejáveis.” No mesmo sentido, continua o autor: p. 23. “Obviamente, desfazer dogmas ou ler os

princípios por um prisma evolutivo não significa renunciar a estes, ou repudiar as conquistas da ciência e da

técnica do processo. [...] Somente não se atenha o intérprete ao modo como os princípios foram no passado

interpretados, à meia-luz de premissas democráticas mal explicadas ou na penumbra de preconceitos hoje

superados.”.

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“processo civil do autor”. 41 Dessa maneira, objetivou-se analisar a relação dos princípios

do processo civil com a nova realidade de direito material dos interesses coletivos em

sentido amplo.

Assim, com o abandono da visão privatística no processo coletivo, este terá

maiores condições de oferecer resultados justos e efetivos.

Quanto à intensificação do processo coletivo, existem justificativas

complementares que explicam o fenômeno. Primeiramente, a necessidade de processos

mais céleres e econômicos estimula a defesa de diversos interesses em um processo único,

como ocorre nos interesses individuais homogêneos. Além disso, houve um aumento de

causas massificadas na sociedade, o que dificulta a identificação dos indivíduos

envolvidos, como ocorre com os interesses coletivos e difusos. Por último, mas não menos

importante, está a existência de um novo direito social, que tem como base a ideia de

justiça social e depende, prioritariamente, de políticas públicas para a sua efetivação. A

justiça social se apoia na distribuição das perdas como meio de alcance de equilíbrio. 42

Dessa maneira, a importância crescente do processo coletivo demonstra a

necessidade de que os princípios a ele aplicados sejam analisados com base em suas

especificidades, abandonando antigos dogmas individualistas.

Assim, o que foi proposto para o desenvolvimento de dissertação de mestrado

foi a análise sistemática de princípios e normas técnicas aplicáveis ao processo coletivo

como um todo, de forma a garantir coerência ao sistema na busca de resultados efetivos,

analisando as diferenças na aplicação de princípios entre o processo civil individual e o

coletivo, com luz na ideia de que seria pretensão almejar o completo e profundo domínio

de qualquer área de conhecimento sem o pleno domínio de seus fundamentos basilares, ou

41 DINAMARCO, Cândido Rangel. Relendo princípios e renunciando a dogmas. Nova era do processo civil.

3.ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 26. “Os vigorosos progressos da tutela coletiva, a que assistimos a

partir das últimas décadas do século XX, são a negativa dos dogmas da singularidade da tutela

jurisdicional, afirmando enfaticamente no artigo 6º do CPC (cada um por si e ninguém por todos...) e da

estrita limitação da autoridade do julgado ao âmbito daqueles que foram partes do processo (art. 472).”.

42 MACEDO JR., Ronaldo Porto. Ação civil pública, o direito social e os princípios. In: YARSHELL, Flávio

Luiz; MORAES, Maurício Zanoide de. (Org.). Estudos em homenagem à Professora Ada Pellegrini

Grinover. São Paulo: DPJ, 2005. p. 299. “A tutela dos interesses coletivos está impregnada pela natureza

polêmica e contraditória do direito social. A Ação Civil Pública, como mecanismo privilegiado da tutela de

interesses coletivos, não é apenas uma forma mais racional ou adequada à sociedade de massa, mas também

um instrumento pelo qual os seus agentes, em especial organizações não-governamentais e o Ministério

Público, estão ampliando os foros do debate público sobre justiça social, em particular nas políticas

públicas, o meio por excelência de sua realização. Isso significa que a Ação Civil Pública tornou-se um

instrumento de política e de influência na gestão de políticas públicas. Em grande medida, o meio de sua

operacionalização realiza-se e vivifica por meio de regras de julgamento fundadas em princípios gerais de

direito.”.

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22

seja, os princípios, segundo a concepção clássica sobre as espécies normativas, ou ainda

sem o domínio da forma de funcionamento dos princípios como espécie de norma jurídica,

segundo corrente mais moderna; na diferenciação que é apontada a seguir.

A análise desses princípios aplicáveis à tutela coletiva será eficiente na medida

em que analisar quais os limites de aplicação de cada princípio e a feição assumida por

cada um deles em sede coletiva, os limites de prevalência de um princípio a outro, assim

como analisar quais as regras técnicas aplicáveis, embora muitas delas sejam denominadas,

erroneamente, de princípios. Assim, optou-se por adotar a conceituação mais moderna da

espécie normativa “princípio” para explicar a dinâmica entre os princípios processuais na

seara coletiva.43

A partir da análise feita, apontam-se as opiniões doutrinárias divergentes no

sentido se formaria, ou não, o processo coletivo um novo ramo do direito processual civil,

pois uma ciência possui autonomia à medida que possui seu próprio método e seus

próprios princípios e regras. Diante de várias afirmativas encontradas na doutrina44 sobre

uma possível autonomia do direito processual coletivo, se mostrou relevante fazer

semelhante análise.

43 Como será estudado no capítulo seguinte, adota-se, aqui, a conceituação mais moderna de princípio,

incluindo as perspicazes observações elaboradas pelo Professor Humberto Ávila.

44 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito

processual: princípios, regras interpretativas e a problemática da sua interpretação e aplicação. São Paulo:

Saraiva, 2003. p. 98/99. Como Gregório Assagra de Almeida ressalta em citação de Nelson Nery Júnior,

Boletim informativo MPMGJurídico, p. 23: “A idéia de se codificar, de forma a deixar tudo junto numa

legislação única, tem a vantagem de fazer com que essa temática do processo coletivo tenha a sua própria

principiologia regulada de forma normativa. Entretanto, para essa nova empreitada há a necessidade de um

grande esforço de toda a sociedade na construção do texto normativo que consagre a principiologia do

processo coletivo, com especial atenção para as diretrizes constitucionais.”.

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CAPÍTULO 2 – PRINCÍPIOS NA CIÊNCIA JURÍDICA

Diante da linha de raciocínio que se segue no trabalho, apresentada no capítulo

anterior, este capítulo se mostra relevante para o conjunto da pesquisa, à medida que

contribui para a definição do conceito de princípio, algo complexo, diante da evolução do

tema, passando por diversas correntes e entendimentos ao longo do tempo. Procurou-se

apresentar os principais autores na área, seus entendimentos e a forma de interação entre os

princípios dentro do nosso sistema jurídico, para que o âmago da pesquisa, qual seja, a

aplicação dos princípios do processo civil tradicional ao processo coletivo seja alcançado

de forma coerente e lógica.

Destaca Nelson Nery Júnior45, em obra sobre os princípios processuais no texto

constitucional, que estudos recentes nas áreas da filosofia do direito, da teoria geral do

direito e do direito constitucional intensificaram as discussões acerca de conceitos como o

de norma, o de princípio, o de garantia e o de direito. Cada teorização sobre o tema traz

aspectos positivos e negativos de acordo com o direito positivo considerado. Para a

finalidade almejada neste trabalho, convém ser feita a análise de algumas dessas

concepções sobre princípios, pois como ensina Humberto Ávila: “Hoje, mais do que

ontem, importa construir o sentido e delimitar a função daquelas normas que, sobre

prescreverem fins a serem atingidos, servem de fundamento para a aplicação do

ordenamento constitucional – os princípios jurídicos.”46. Diante desse trecho destacado,

apesar de o autor já delimitar o conceito admitido por ele no fragmento, fica patente a

necessidade de um estudo aprofundado sobre o tema. O autor citado47 afirma que a

doutrina constitucional vive hoje a euforia do Estado Principiológico. No entanto,

demonstra o autor que há exageros e problemas teóricos que inibem a efetividade do

sistema jurídico. Fato é que a euforia principiológica predomina. Entretanto, a mencionada

euforia não corresponde à valorização constante deles, pois ora eles são elevados a

elemento de salvação do sistema, ora menosprezados. Assim, falta padronização no trato

45 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10.ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2010. p. 21.

46 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.23.

47 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.23.

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com os princípios dentro do sistema jurídico. Assim, nessa parte do trabalho, destaca-se a

transição dos princípios de uma dimensão axiológica e sem eficácia jurídica para o centro

do sistema.48

Dessa forma, importa, para os presentes objetivos, traçar o panorama da

evolução da distinção entre princípios e regras. Foge ao escopo da pesquisa analisar todas

as concepções existentes e relevantes sobre essa distinção, mas as mais icônicas serão

destacadas de forma a contextualizar o tema.49

Inicialmente, cabe apontar que a distinção entre princípios e regras tem duas

finalidades: antecipar as características de cada uma delas, para que o trabalho do

intérprete ou aplicador do direito seja facilitado cotidianamente e aliviar o ônus de

argumentação do aplicador do Direito, já que haverá conceitos prontos e conhecidos de

cada espécie normativa.50

Humberto Ávila destaca os autores que estabeleceram uma distinção fraca

entre princípios e regras. Há Josef Esser51, que delineou uma distinção qualitativa entre

regras e princípios, sendo que estes serviriam de fundamento normativo para a tomada de

uma decisão. Já Karl Larenz destacou a importância dos princípios dentro do ordenamento

jurídico, na medida em que estabelecem fundamentos normativos para a interpretação e

aplicação do Direito, deles decorrendo, direta ou indiretamente, normas de comportamento.

A diferenciação entre princípios e regras, para esse autor, é que aqueles não são suscetíveis

de aplicação imediata, já que lhes falta o caráter de proposição jurídica, isto é, a conexão

entre uma hipótese de incidência e uma consequência jurídica52. Dentre os autores

mencionados por Humberto Ávila como os que adotam a distinção fraca entre as espécies

48 Sobre o tema, cf. o capítulo 3: BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro:

contribuições para a construção teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte:

Fórum, 2013. p.147.

49 Para uma análise mais ampla e com vasta indicação bibliográfica sobre as conceituações das espécies

normativas, cf. ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios

jurídicos. 11.ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

50 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.66.

51 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.35.

52 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.36.

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normativa, tem-se, por fim, Canaris, que entende que os princípios possuem um conteúdo

axiológico explícito e que precisam de regras para a sua concretização.53

Para os defensores do entendimento acima apontado, os princípios são

conceituados como pilares de uma determinada área de conhecimento, atuando como fonte

de estabilidade para o ramo de uma ciência específica. Na ciência jurídica, os princípios

integrariam normas lacunosas, assim como a analogia e os costumes. Por seu caráter geral

e axiológico, os princípios forneceriam diretrizes para o sistema, possuindo interpretação

mais flexível do que as regras, o que permitiria a adaptabilidade da ciência jurídica diante

das evoluções sociais, econômicas e políticas. Além disso, o sistema que possui uma base

sólida de princípios, bem estruturados e atuantes de forma complementar, possuiria maior

unidade lógica, garantindo maior estabilidade a esse próprio sistema. Outrossim, para os

defensores desse entendimento, os princípios possuem caráter supranormativo, aplicando-

se a todos os ramos do direito, embora alguns possuam princípios específicos.

Quanto ao direito processual, o processualista paulista Cândido Rangel

Dinamarco se alinha a esse entendimento, defendendo que:

“[...] todo conhecimento só é verdadeiramente científico quando tiver por

apoio a consciência dos princípios que o regem: sem essa consciência, há

o grande risco de perder a necessária coerência unitária entre os conceitos

exarados e jamais ter-se segurança quanto ao acerto e boa qualidade dos

resultados das investigações.” 54

Defendem ainda que os princípios não devem ser indicados em rol taxativo,

pois seria incerto que esse rol acompanharia a evolução social, política e econômica. Com

base nisto, a doutrina indicada pontua quatro princípios informativos do processo, os quais,

na verdade, não são verdadeiros princípios, como aponta Cândido Rangel Dinamarco55,

mas atuam como elementos informadores do sistema, conferindo-lhe apoio sociológico,

filosófico e político. Esses princípios informativos do processo são o lógico, o político, o

jurídico e o econômico. Por fim, para esta corrente, os princípios atuariam fornecendo

53 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.36.

54 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 6. ed. São Paulo:

Malheiros, 2009. v. 1. p. 196.

55 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 6. ed. São Paulo:

Malheiros, 2009. v. 1. p. 196. “[...] pensando nelas no estrito sentido da técnica processual que podem

refletir, ficam despidas da nota característica dos princípios, isto é, de figurarem como elementos

basilares ao conhecimento de determinada ciência.”.

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coerência ao sistema processual civil e o operador e o cientista do direito devem saber

como eles se relacionam e sempre retornar a essa base para que seus atos e suas decisões

sejam coerentes e lógicas, como já afirmado no primeiro capítulo.

Interessante notar o que Eduardo J. Couture56 observou sobre como o

legislador originário decide sobre a formação e o modelo processual a ser adotado pelo

texto constitucional, que não se limita a escrever artigos em um código ou em um texto

constitucional, mas, previamente a escritura deste, determina quais serão os princípios a

determinar o direcionamento deste conjunto normativo. Quanto ao sistema processual,

continua Eduardo J. Couture que a lei usa como referência determinados princípios e os

mescla, não existindo processos puramente dispositivos ou inquisitivos somente.

Antônio Alberto Machado57 afirma serem os princípios os fundamentos éticos

dos sistemas jurídicos, devido a sua alta carga valorativa, além de suas funções

pragmáticas na medida em que: “[...] (a) asseguram a harmonia e a coerência do

ordenamento legal; (b) atuam como critérios hermenêuticos de interpretação dos textos

legais; (c) orientam até mesmo o legislador na edição de leis; e, por fim, (d) propiciam a

integração do direito, funcionando como mecanismos de colmatação das eventuais

lacunas do ordenamento jurídico.” .58

Portanto, grosso modo, há duas correntes principais na doutrina que definem os

princípios. A primeira é essa que acaba de ser sucintamente exposta, que os conceitua

como normas de elevado grau de abstração, pois se destinam a inúmeras situações, e

também de elevada generalidade, pois atingem inúmeras pessoas. Devido a essas

características assumidas por essa corrente, os princípios têm maior carga de subjetividade

na sua aplicação, sendo que não se observa isso nas regras, que têm pouca abstração e

generalidade. É a teoria clássica do Direito Público que afirma serem os princípios os

alicerces do ordenamento jurídico. Trata-se de uma distinção fraca, como mencionado,

56 Cf. COUTURE, Eduardo J. Interpretação das leis processuais. São Paulo: Max Limonad, 1956. p.48-49.

“O que, em primeiro lugar, se apresenta ao legislador não é a tarefa de redigir leis, mas a de formular

princípios.”.

57 Cf. MACHADO, Antônio Alberto. Curso de processo penal. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2012. p.48-49.

58 Cf. MACHADO, Antônio Alberto. Curso de processo penal. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2012. p.48.

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pois os princípios e as regras teriam as mesmas características, mas em distintos graus: o

grau de indeterminação é maior nos princípios59.

Humberto Ávila indica que há duas inconsistências no uso dessa distinção

entre as espécies normativas60, sendo uma semântica e outra sintática. A inconsistência

semântica se reflete em diversos aspectos. Primeiramente, não é adequado definir princípio

com base no grau de generalidade da norma, porque, veiculada por meio da linguagem,

assim como todo dispositivo normativo. Por ser a linguagem em alguma medida

indeterminada, toda norma possui tal característica, não sendo preciso, portanto, definir

uma espécie normativa com base em uma característica que está presente em todas as

outras espécies. Como destaca Ávila: “E como a aplicação das normas demanda amplo

processo de ponderação de razões e de fatos, tanto a aparente determinação pode

desaparecer quanto a pressuposta indeterminação pode transmudar-se em clareza diante

dos casos concretos. Até mesmo porque a aplicação das normas abrange vários outros

aspectos além do meramente semântico.” 61. Outra inconsistência semântica trazida como

fruto da distinção fraca entre as espécies normativas é em relação ao conteúdo valorativo.

Não somente os princípios possuem alta carga valorativa, pois toda norma serve para o

alcance da realização de valores. As regras concretizam, no mínimo, dois: o da segurança

jurídica, pois há maior previsão quanto ao seu conteúdo comportamental; e o valor

substancial específico de cada regra. Relacionável ao tema é a Teoria Tridimensional do

Direito do Professor Miguel Reale62. Assim, uma característica utilizada como fator

diferenciador acaba por aproximar as duas espécies normativas. Humberto Ávila pede

cuidado no manuseio dessa concepção fraca, pois a afirmação de pequeno conteúdo

valorativo das regras pode as transformar em normas de segunda categoria: “Mais que

isso: essa distinção pode levar à crença de que o intérprete não tem liberdade alguma de

configuração dos conteúdos semântico e valorativo das regras, quando, em verdade, toda

norma jurídica – inclusive as regras – só tem seu conteúdo de sentido e sua finalidade

59 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.84-85.

60 Para ampla indicação bibliográfica sobre o tema, cf. ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da

definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p.85 e ss.

61 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.85.

62 Cf. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. passim. Sobre a

Teoria Tridimensional do Direito: fato – valor – norma.

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subjacente definidos mediante um processo de ponderação.” 63. Da mesma forma, esse

critério levado a cabo pode conduzir a uma supervalorização dos princípios indiretamente.

A implicação sintática da corrente em análise cai em contradição, pois afirmam que os

princípios são caracterizados pelo seu alto grau de abstração e generalidade, além da maior

carga subjetiva em sua aplicação. No entanto, essa denominação é conferida a situações

específicas e práticas, que fogem ao conceito assumido de princípio como algo geral e

abstrato.64 Dessa maneira, importa considerar essa corrente de conceituação das espécies

normativas, pois que se mostrou relevante na evolução dos estudos na área, mas existem

teorias mais condizentes com o atual estágio de evolução da Ciência Jurídica que são

demonstradas a seguir.

Após a análise dos que defendem a distinção fraca entre princípios e regras,

importa notar que Humberto Ávila, em sua obra sobre a teoria dos princípios, agrupa dois

doutrinadores, que, apesar de possuírem pontos de distanciamento em suas teorias,

estabelecem distinções fortes entre as espécies normativas, que são Ronald Dworkin e

Robert Alexy.

Ronald Dworkin, em sua obra “Levando os direitos a sério”65, contribuiu

decisivamente para a definição de princípios na tradição anglo-saxônica. Ele fez críticas ao

Positivismo devido ao modo aberto e vago de argumentar, quando da aplicação de

princípios. Devido à dificuldade de precisar conceitos vagos, como o de princípio, Ronald

Dworkin apontava que controvérsias poderiam surgir quando questionada a equanimidade

de uma determinada lei ou quando esta lei usasse conceitos abertos. Assim, juristas podem

“[...] discordar se em 1954, na questão da segregação, a Corte Suprema estava seguindo

princípios já estabelecidos ou criando nova lei; e a controvérsia entre eles pode redundar

na discussão sobre o que são princípios e o que significa aplicá-los.”. Dworkin defendia

que não há clareza em questões como essa. Diante disto, ele estabeleceu uma crítica ao

positivismo, partindo da solução dada, principalmente, aos casos difíceis, que fogem das

regras, para se embasar em princípios, políticas e outros tipos de padrões.

63 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.85-86.

64 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.86.

65 Sobre o tema: Cf. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

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Ronald Dworkin diferencia “política” de “princípio”, sendo a política um

objetivo da comunidade em algum aspecto econômico, político ou social; enquanto que

princípio seria um padrão de justiça exigido pela moralidade66. Assim, princípio, como

gênero, abrange a política, que seria o princípio referente à comunidade, e o princípio em

sentido estrito, referente ao indivíduo. Quando Ronald Dworkin afirma que a decisão

judicial é política, deve-se recorrer a essa classificação, portanto, a decisão judicial teria,

para o autor, uma dimensão comunitária.

Já na diferença entre princípios e regras, o autor pontua que a distinção é de

natureza lógica. Enquanto as regras têm como forma de aplicação o modelo do “tudo ou

nada”, ou seja, se a hipótese de incidência fosse preenchida, a regra era aplicada com a sua

consequência, sendo válida, portanto; comportando exceções na sua aplicação, as quais

devem estar previstas no próprio enunciado para que a regra seja completa; os princípios,

mesmo os mais parecidos com as regras, não têm consequências que se seguem

imediatamente quando ocorrem as circunstâncias previstas67. Além disso, os princípios têm

uma dimensão especial, a da importância ou de peso, o que permite que mais de um

princípio conviva em uma mesma situação e que ambos sejam aplicáveis em diferentes

medidas; o mesmo não se dá com as regras, segundo esta concepção, pois em caso de

colisão entre regras uma delas deve ser considerada inválida. Normalmente, os princípios e

as políticas são utilizados para a solução de casos difíceis, os quais são aqueles que não

encontram pronta resposta em regras, ou seja, que não são resolvidos pela simples

mecânica da subsunção de uma determinada regra. Acrescente-se a essa função, que o juiz

(Hércules, para Dworkin) deve estabelecer princípios abstratos e concretos extraídos dos

precedentes judiciais da common law para ter a possibilidade de julgar os futuros casos

conforme o texto constitucional.68

Por vezes, regras contêm expressões vagas que levam à semelhança com

princípios, mas isto não afasta as características principais de cada categoria, segundo

66 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução: BOEIRA, Nelson. São Paulo: Martins

Fontes, 2002. p.36. Cf. NERY JR., Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10.ed. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p.26-27.

67 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução: BOEIRA, Nelson. São Paulo: Martins

Fontes, 2002. p.40.

68 NERY JR., Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10.ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2010. p.26.

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Ronald Dworkin.69 Por fim, a distinção feita por Ronald Dworkin não foi feita com base no

grau, mas quanto à estrutura lógica e critérios classificatórios.70

O segundo autor que estabelece uma forte distinção entre regras e princípios é

Robert Alexy. Ele partiu da distinção feita por Dworkin e precisou ainda mais o conceito

de princípio. Para o autor alemão, o gênero “norma jurídica” abarca duas espécies: regras e

princípios. Assim, princípios nada mais são do que uma espécie do gênero norma jurídica

que estabelecem deveres de otimização aplicáveis em vários graus de acordo com as

possibilidades normativas e fáticas.

Propõe o autor uma distinção precisa entre regras e princípios e o uso

sistemático dessa distinção71. Norma é gênero, como mencionado, e pode ser formulada

por meio de expressões deônticas básicas de dever, permissão e proibição, tendo como

espécies regras e princípios, que possuem diversos graus de generalidade.

Enquanto uma regra é um comando definitivo e a sua forma de aplicação é a

subsunção, os princípios requerem que algo seja realizado até o seu máximo grau possível

de acordo com a realidade fática e jurídica, ou seja, é um mandamento de otimização e a

sua forma de aplicação se dá pelo equilíbrio. Em caso de colisão entre princípios, um

sempre acaba prevalecendo sobre outro depois de realizada a ponderação. Os princípios

possuem dimensão de peso, portanto, e não determinam a consequência normativa de

forma direta como fazem as regras72. Dessa forma, os princípios são aplicados com a

devida cláusula de reserva, que significa a sua aplicação no caso concreto apenas se não

houver outro princípio com maior peso, o que aproxima princípios e regras no modo “tudo

ou nada”, com a diferença de que o princípio prevalente não invalida o outro.

Segundo o autor alemão, a principal distinção que pode ser feita entre regras e

princípios reside justamente neste ponto de os princípios deverem ser realizados na maior

69 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução: BOEIRA, Nelson. São Paulo: Martins

Fontes, 2002. p.45.

70 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.36-37.

71 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. de SILVA, Virgílio Afonso da. São Paulo:

Malheiros, 2008. p. 86.

72 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.38.

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medida possível de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas73, como destacado,

enquanto as regras são satisfeitas ou não, ou seja, a distinção entre as duas espécies é

qualitativa74. As possibilidades jurídicas de aplicação dos princípios são determinadas pela

colisão entre regras e princípios em cada ordenamento jurídico.

A diferença entre Alexy e Dworkin nas conceituações das espécies normativas

é que o autor alemão entende que a diferença entre princípios e regras não pode ser

baseada no modo do “tudo ou nada”, como destaca Humberto Ávila:

“[...] mas deve resumir-se, sobretudo, a dois fatores: diferença quanto à

colisão, na medida em que os princípios colidentes apenas têm sua

realização normativa limitada reciprocamente, ao contrário das regras,

cuja colisão é solucionada com a declaração de invalidade de uma delas

ou com a abertura de uma exceção que exclua a antinomia; diferença

quanto à obrigação que instituem, já que as regras instituem obrigações

absolutas, não superadas por normas contrapostas, enquanto os princípios

instituem obrigações prima facie, na medida em que podem ser superadas

ou derrogadas em função dos outros princípios colidentes.” 75

Os direitos constitucionais têm caráter de princípio, segundo Robert Alexy,

mas isso não significa que as medidas que dão expressão aos direitos constitucionais não

possam ser expressas como regras, como exemplo, cita o autor a Constituição Alemã, em

seu artigo 102, da lei básica, que proíbe a pena de morte, além do artigo 104, que

determina que a polícia não pode manter ninguém sob custódia a partir do dia seguinte ao

de sua prisão76. O jurista também traz, como exemplo, os meios técnicos de vigilância

acústica da residência onde algum suspeito de crime resida. Neste caso, os princípios

constitucionais passarão por questões de equilíbrio. Assim, como quando o Tribunal

73 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. de SILVA, Virgílio Afonso da. São Paulo:

Malheiros, 2008. p. 89.

74 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. de SILVA, Virgílio Afonso da. São Paulo:

Malheiros, 2008. p. 91.

75 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.38-39.

76 Palestra proferida no II Congresso de Ciência Política e Direito Eleitoral do Piauí – Teresina. Junho, 2012.

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Constitucional Alemão, em 2010, considerou o mínimo existencial como um direito

constitucional, estabelecendo uma relação direta entre princípios e proporcionalidade.77

O princípio da proporcionalidade, que tem recebido grande atenção nacional e

internacional, consiste de três sub-princípios, os quais são a adequação, a necessidade

(busca do meio menos gravoso) e a proporcionalidade em sentido restrito (mandamento de

sopesamento propriamente dito), sendo que todos os três expressam a ideia de otimização.

Portanto, para Alexy, a proporcionalidade funciona como princípio.

Os princípios, em virtude de serem mandamentos de otimização, requerem que

a otimização seja buscada na maior medida possível de acordo com o que é legalmente e

faticamente possível. Os princípios da adequação e da necessidade se referem às

possibilidades factuais: concernem se uma posição pode ser melhorada sem detrimento de

outra, ou seja, requerem eficiência. A otimização consiste em evitar custos evitáveis. Os

custos, no entanto, são inevitáveis quando os princípios colidem e se torna necessário

encontrar o equilíbrio, que é abordado pelo terceiro sub-princípio, qual seja, a

proporcionalidade em sentido estrito, que expressa a otimização em relação às

possibilidades legais. Esta regra pode ser chamada de lei da razoabilidade, segundo Alexy.

Quando ocorrer colisão entre princípios, segundo Robert Alexy78, quanto maior

o grau de detrimento de um princípio, maior deve ser o grau de satisfação de outro, sem

que exista a necessidade de declaração de invalidade de um desses princípios ou uma

cláusula de exceção, como ocorre na colisão entre regras. Isso decorre do caráter prima

facie dos princípios, o que significa que eles não têm um mandamento definitivo, mas

somente prima facie. Para que esta equação para a solução do conflito entre princípios seja

elaborada, Robert Alexy sugere o percurso de três estágios: o primeiro é o estabelecimento

do grau de não satisfação do primeiro princípio; o segundo é limitar qual a importância de

satisfazer o segundo princípio; o terceiro estágio é a determinação se o sacrifício do

primeiro princípio se justifica em face da realização do segundo.

77 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. de SILVA, Virgílio Afonso da. São Paulo:

Malheiros, 2008. p. 116.

78 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. de SILVA, Virgílio Afonso da. São Paulo:

Malheiros, 2008. p. 93-94.

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Quanto à amplitude do conceito de princípio, Robert Alexy79 defende que é

indiferente caso o princípio se refira a direitos individuais ou a coletivos. No entanto,

Ronald Dworkin possui definição mais restrita do que a apresentada quando o princípio se

refere a direitos coletivos, denominando-os de “políticas”80. Robert Alexy critica tal

abordagem na medida da inconveniência em vincular o conceito de princípio a direito

individual.81

Essas duas concepções recém-apontadas de Alexy e Dworkin formam a teoria

moderna do Direito Público, que foi inicialmente difundida pelos estudos de Filosofia e

Teoria Geral do Direito e, por último, pelo Direito Constitucional. Cuida da distinção forte

entre os princípios e as regras, que não possuem as mesmas características, mas qualidades

diferentes já apontadas. Quanto ao Direito Constitucional, Luís Roberto Barroso afirma

que a distinção forte entre princípios e regras se tornou “[...] um dos pilares da moderna

dogmática constitucional, indispensável para a superação do positivismo legalista, onde

as normas se cingiam a regras jurídicas.” 82. Dessa maneira, “A Constituição passa a

ser encarada como um sistema aberto de princípios e regras, permeável a valores

jurídicos suprapositivos, no qual as ideias de justiça e de realização dos direitos

fundamentais desempenham um papel central.” 83. Segundo o Professor e Ministro do

Supremo Tribunal Federal mencionado, essa mudança se deve aos autores citados: Ronald

Dworkin e Robert Alexy. Assim, passada a fase de deslumbramento diante dessas novas

constatações das espécies normativas,

“[...] o pensamento jurídico tem se dedicado à elaboração teórica das

dificuldades que sua interpretação e aplicação oferecem, tanto na

determinação de seu conteúdo quanto no de sua eficácia. A ênfase que se

tem dado à teoria dos princípios deve-se, sobretudo, ao fato de ser nova e

79 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. de SILVA, Virgílio Afonso da. São Paulo:

Malheiros, 2008. p. 115.

80 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução: BOEIRA, Nelson. São Paulo: Martins

Fontes, 2002. passim.

81 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. de SILVA, Virgílio Afonso da. São Paulo:

Malheiros, 2008. p. 116. As características lógicas de princípio indicam a conveniência de um conceito

amplo.

82 BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção

teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.147-148.

83 BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção

teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.148.

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de apresentar problemas ainda irresolvidos. O modelo tradicional, como

já mencionado, foi concebido para a interpretação e aplicação de regras.

É bem de ver, no entanto, que o sistema jurídico ideal se consubstancia

em uma distribuição equilibrada de regras e princípios, nos quais as

regras desempenham o papel referente à segurança jurídica –

previsibilidade e objetividade das condutas – e os princípios, com sua

flexibilidade, dão margem à realização da justiça do caso concreto.” 84.

Humberto Ávila critica as inconsistências geradas pelo uso da distinção forte

entre princípios e regras. Segundo o autor, também seria uma semântica e outra sintática. A

semântica se trataria na definição de princípio com base em seu modo de aplicação através

da ponderação, pois, segundo o autor, toda norma é alvo de ponderação quando de sua

aplicação85, inclusive as regras, que se submetem a uma ponderação interna, quanto ao

significado de sua hipótese e de sua finalidade subjacente, e externa, quando ocorre o

conflito entre duas regras, que convivem harmoniosamente no plano abstrato, mas que

entram em conflito diante de um caso concreto86. Além disso, a corrente da distinção forte

adota como critério diferenciador a característica de, em caso de conflitos entre regras,

ocorrer a decretação de invalidade de uma delas. No entanto, a consequência do conflito de

regras nem sempre é essa. A inconsistência reside em usar como critério diferenciador

característica não constante, que acaba por aproximar as espécies normativas. Os erros que

podem ser gerados com a adoção desse posicionamento são: a trivialização do

funcionamento das regras, como se sua aplicação não requeresse ponderação de razões; a

crença na insuperabilidade das regras; e, por fim, o risco do uso arbitrário dos princípios se

não houver critérios precisos de argumentação e aplicação. A inconsistência sintática da

distinção forte é admitir como superável um princípio que foi adotado como elemento

normativo de extrema importância pelo legislador constituinte, como, por exemplo, a

proibição de provas ilícitas.

Humberto Ávila conclui que as duas classificações, a fraca e a forte, trazem

seus efeitos. A primeira possibilita alta subjetividade na aplicação dos princípios, devido

84 BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção

teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.149.

85 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.88.

86 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.88. “É inapropriado, por isso, fazer uma distinção entre as espécies normativas

com base em propriedades comuns às espécies diferenciadas – a ponderabilidade e a superabilidade.”.

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ao seu alto grau de abertura. A segunda atribui peso aos princípios colidentes em cada caso

concreto. Critica o autor citado:

“O tiro sai pela culatra: a pretexto de aumentar a efetividade da norma, a

doutrina denomina-a de princípio, mas, ao fazê-lo, legitima sua mais fácil

flexibilização, enfraquecendo sua eficácia; com a intenção de aumentar a

valoração, a doutrina qualifica determinadas normas de princípios, mas,

ao fazê-lo, elimina a possibilidade de valoração das regras, apequenando-

as; com a finalidade de combater o formalismo, a doutrina redireciona a

aplicação do ordenamento para os princípio, mas, ao fazê-lo sem indicar

critérios minimamente objetiváveis para sua aplicação, aumenta a

injustiça por meio da intensificação de decisionismo; com a intenção de

difundir uma aplicação progressista e efetiva do ordenamento jurídico, a

doutrina qualifica aquelas normas julgadas mais importantes como

princípios, mas, ao fazê-lo com a indicação de que os princípios

demandam aplicação intensamente subjetiva ou flexibilizadora em função

de razões contrárias, lança bases para o que próprio conservadorismo seja

legitimado.” 87

Humberto Ávila listou os critérios usualmente empregados para a distinção

entre princípios e regras, segundo as concepções acima listadas, tanto nas distinções fracas,

quanto nas fortes, para depois criticá-las e elaborar seu conceito das espécies normativas.

Tamanha a relevância da pesquisa feita para a área, que, cabe aqui, considerados os

objetivos da presente dissertação, passar por essas críticas de forma sucinta e analisar as

conceituações elaboradas pelo referido jurista. Sendo assim, a primeira característica

trazida é o caráter hipotético-condicional, que estabelece que as regras possuem uma

hipótese e uma consequência que predeterminam a decisão, enquanto que os princípios

apenas indicam o fundamento a ser utilizado pelo aplicador para futuramente encontrar a

regra para o caso concreto. O autor citado estabelece uma crítica a essa característica, pois,

segundo ele, apesar de ela demonstrar o elemento descritivo das regras e diretivo dos

princípios, há imprecisão, porque é insuficiente afirmar que os princípios apresentam um

primeiro passo para encontrar a regra do caso concreto sem determinar o que seja dar esse

primeiro passo. Além disso, essa característica transmite a falsa impressão de que a regra

seja a resposta definitiva para qualquer caso concreto, o que não se verifica, pois, “[...] o

conteúdo normativo de qualquer norma – quer regra, quer princípio – depende de

possibilidades normativas e fáticas a serem verificadas no processo mesmo de aplicação.

Assim, o último passo não é dado pelo dispositivo nem pelo significado preliminar da

87 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.90.

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norma, mas pela decisão interpretativa, como será adiante aprofundado.” 88. A segunda

crítica cabível a esse elemento distintivo é que a ex istência de uma hipótese de

incidência é questão de elaboração linguística, sendo que princípios podem vir

escritos sob a forma de hipótese de incidência e consequência 89, assim é pouco

preciso utilizar essa característica como critério diferenciado r. Nas palavras do

Professor mencionado:

“[...] o critério do caráter hipotético-condicional parte do pressuposto de

que a espécie de norma e seus atributos normativos decorrem

necessariamente do modo de formulação do dispositivo objeto de

interpretação, como se a forma de exteriorização do dispositivo (objeto da

interpretação) predeterminasse totalmente o modo como a norma

(resultado da interpretação) vai regular a conduta humana ou como

deverá ser aplicada. Percebem-se, aí, uma manifesta confusão entre

dispositivo e norma e uma evidente transposição de atributos dos

enunciados formulados pelo legislador para os enunciados formulados

pelo intérprete.” 90.

Dessa forma, é função do intérprete, diante de um enunciado, determinar se seu

conteúdo é de regra ou de princípio. Não é preciso afirmar que os princípios não possuem

consequências normativas, pois o estado ideal de coisas a ser buscado pelo princípio exige

a tomada de comportamentos, que, apesar de não descritos diretamente pelos enunciados

normativos, são importantes consequências normativas. Assim, a distinção entre princípio

e regra, segundo a perspectiva ora analisada, não se trata da ausência da prescrição de

comportamentos e de consequências para os princípios, mas do tipo dessa prescrição.91

A segunda característica geralmente utilizada para distinguir as espécies

normativas é o modo final de aplicação, segundo o qual as regras seriam aplicadas no

modo “tudo ou nada” e os princípios de modo gradual, ou seja, “mais ou menos”. Essa

característica posta como absoluta é alvo de críticas novamente, pois o modo de aplicação

não decorre do objeto da interpretação, mas de conexões axiológicas feitas pelo intérprete,

88 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.40-41.

89 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.41.

90 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.41.

91 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.43.

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que pode alterar o modo de aplicação tido, inicialmente, como elementar92. Por exemplo,

uma regra tida por absoluta pode ser superada por razões não previstas na própria regra

nem em outras (overruling), quando o aplicador considere razões substanciais, mediante

consistente fundamentação e com razões que superem a da própria regra (rule´s purpose).

A consideração de peculiaridades concretas e individuais não está inclusa na estrutura da

norma, mas se trata de sua aplicação, tanto das regras quanto dos princípios. Além disso, a

vagueza não poderia ser usada como critério distintivo dos princípios, pois é característica

de qualquer enunciado prescritivo, seja ele regra ou princípio93. Assim, as regras também

precisam de processo prévio de interpretação para a implementação de sua consequência

normativa, o que aproxima as duas espécies normativas sob análise. É truísmo que há

diferença quanto ao grau de abstração das prescrições normativas, no entanto, isso não se

torna de extrema relevância para distingui-las, vez que as regras também precisam ser

interpretadas em conjunto com princípios relacionados. Assim, tanto as regras quanto os

princípios possibilitam a consideração de aspectos concretos, a diferença reside que, no

caso dos princípios, os obstáculos a essa consideração são menores, já que eles

estabelecem um estado ideal de coisas a ser promovido sem descrever o comportamento

necessário diretamente. O que importa para a escolha do comportamento a ser adotado é o

fim estabelecido como ideal. Já as regras estabelecem o comportamento previamente e a

superação da previsão legal, dada considerações de características concretas, exige um

grande esforço de argumentação, que demanda ponderação.

Humberto Ávila afirma que os autores que defendem a distinção forte entre as

espécies normativas, ou seja, Ronald Dworkin e Robert Alexy, afirmam que, se ocorrer a

hipótese prevista em uma regra, a consequência jurídica deve se dar no plano concreto. No

entanto, segundo aponta o jurista citado, há casos de as normas não serem aplicadas

mesmo com as suas condições satisfeitas, citando o exemplo de ocorrência do

cancelamento da razão justificadora da regra por razões consideradas superiores pelo

aplicador, quando da análise do caso concreto94. Quanto aos princípios e ao modo de

aplicação “mais ou menos”, destaca Ávila que o estado de coisas estabelecido como ideal

92 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.45.

93 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.48.

94 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.50.

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por um princípio é que pode ser mais ou menos aproximado da realidade fática, a depender

da conduta escolhida como meio para a sua concretização. Mesmo diante dessa

constatação, o princípio é ou não aplicado com a aplicação ou não do meio escolhido para

o alcance do estado ideal. Portanto, “[...] defender que os princípios sejam aplicados de

forma gradual é baralhar a norma com os aspectos exteriores, necessários à sua

aplicação.” .95

A terceira característica distintiva apontada en tre as espécies

normativas se refere ao relacionamento normativo na hipótese de conflito. O

conflito entre regras seria solucionável com a declaração de invalidade de uma

das regras ou com a criação de uma exceção, já o conflito entre princípios se

resolveria com o uso da ponderação, atribuindo uma dimensão de peso a cada

princípio. A esse traço usualmente apontado como fator de diferenciação entre

as espécies normativas, Humberto Ávila também aponta sua visão crítica,

alegando que, embora tentador e amplamente difundido, esse aspecto deve ser

repensado, pois há casos de conflitos entre regras , que não acabam na

invalidade de uma delas ou na criação de uma exceção, sendo que a solução

pode ser encontrada com a atribuição de peso às regras também. Exemplo des sa

constatação se percebe na regra que proíbe a concessão de liminar contra a

Fazenda Pública, que esgote o objeto litigioso, e a regra que determina a

obrigatoriedade de o Estado fornecer medicamentos excepcionais, de forma

gratuita, às pessoas que não puderem prover tamanha despesa. Embora os

comportamentos determinados por essas duas regras sejam contraditórios, as

duas mantêm a sua validade: não é necessário declarar a nulidade de uma das

regras nem criar uma exceção. As duas continuam válidas e deve ocorrer uma

ponderação entre as finalidades que estão em jogo 96. Nesse sentido, Luís

Roberto Barroso indica que já se discute a possibilidade de as regras sofrerem

ponderação, alterando o esquema doutrinariamente apontado diante do caso

95 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.50.

96 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.52-53. “É preciso, pois, aperfeiçoar o entendimento de que o conflito entre regras

é um conflito necessariamente abstrato, e que quando duas regras entram em conflito deve-se declarar a

invalidade de uma delas ou abrir uma exceção. Trata-se de qualidade contingente; não necessária.” p.54.

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concreto. Segundo o autor em comento, para que isso ocorra, o intérprete deve

se valer da ponderação e da argumentação jurídica97:

“[...] há situações em que uma regra, perfeitamente válida em abstrato,

poderá gerar uma inconstitucionalidade ao incidir em determinado

ambiente ou, ainda, há hipóteses em que a adoção do comportamento

descrito pela regra violará gravemente o próprio fim que ela busca

alcançar. Esses são fenômenos de percepção recente, que começam a

despertar o interesse da doutrina, inclusive e sobretudo por seu grande

alcance prático.” 98.

A diferença reside na intensidade dessa ponderação de razões, pois

que, nas regras, há maior elemento descritivo já elaborado. No imbricamento

entre princípios, o aplicador tem maior amplitude de apreciação do

comportamento necessário, pois somente há o estabelecimento de um estado

ideal de coisas a ser buscado. Dessa forma: “A ponderação diz respeito tanto aos

princípios quanto às regras, na medida em que qualquer norma possui um caráter

provisório que poderá ser ultrapassado por razões havidas como mais relevantes pelo

aplicador diante do caso concreto. O tipo de ponderação é que é diverso.” 99. Usar a

característica em comento como fator de diferenciação entre normas jurídicas

não é preciso, pois a dimensão axiológica aclamada como privativa dos

princípios, também existe para as regras, assim como a dimensão de peso não é

uma característica dos princípios, mas uma forma de exercício da interpretação

de normas, que atribui peso às razões e aos fins de qualquer norma diante de

algum caso concreto.

Segundo Luís Roberto Barroso, o processo de ponderação que ocorre

nessa fase de decisão se realiza através da análise conjunta das normas

envolvidas e dos fatos, de forma que se apurem os elementos em disputa em

97 BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção

teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.152-153.

98 Sobre a ponderação e a argumentação jurídica, por fugirem do tema ora em comento, recomenda-se a

leitura da obra do autor: BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro:

contribuições para a construção teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte:

Fórum, 2013. p.154. “A ponderação consiste, portanto, em uma técnica de decisão jurídica aplicável a

casos difíceis, em relação aos quais a subsunção se mostrou insuficiente, especialmente quando uma

situação concreta dá ensejo à aplicação de normas de mesma hierarquia que indicam soluções

diferenciadas.”.

99 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.58-59.

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cada caso e a repercussão daquelas nestes. Em seguida, deve -se decidir a

intensidade de prevalência de um determinado grupo de normas sobre os

demais. A ponderação seria guiada pelo princípio instrumental da

proporcionalidade ou da razoabilidade, segundo defende o autor mencionado .100

Embora a ponderação preveja a designação de pesos para as normas a serem

aplicadas em cada caso concreto, ela não nos fornece referências concretas ou

axiológicas dessa valoração que deve ser feita. Analisando a situação, Luís

Roberto Barroso critica: “No seu limite máximo, presta-se ao papel de oferecer um

rótulo para voluntarismos e soluções ad hoc, tanto as bem-inspiradas como as nem tanto.”

101. Dessa maneira, o uso da ponderação deve ser limitado aos casos em que o

ordenamento jurídico não tenha estabelecido uma solução em tese e o seu

controle se faz através do exame da argumentação. Existe toda uma teoria

desenvolvida academicamente acerca da teoria da argumentação. Foge ao

presente objetivo a análise detida do tema.102

Voltando ao tema da diferença entre regras e princípios , ela não está

no fato de estes serem aplicados na medida máxima, e aquelas no modo “tudo

ou nada”. “Ambas as espécies de normas devem ser aplicadas de tal modo que seu

conteúdo de dever-ser seja realizado totalmente. Tanto as regras quanto os princípios

possuem o mesmo conteúdo de dever-ser.” 103. A diferença essencial entre elas é o

grau de determinação da conduta, que é o mais preciso possível nas regras, pois

que determina o comportamento necessário para a promoção do fim da norma, e

100 BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção

teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.156.

101 BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção

teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.157.

102 Cf. BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção

teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.157 e ss. Sobre o

tema da teoria da argumentação, o autor aponta três parâmetros de análise: a) Uso de fundamentos

normativos que suportem a decisão, ainda que implícitos: “Ou seja, não basta o bom-senso e o sentido de

justiça pessoal – é necessário que o intérprete apresente elementos da ordem jurídica que referendem tal

ou qual decisão. Embora óbvia, essa exigência tem sido deixada de lado com mais frequência do que se

poderia supor, substituída por concepções pessoais embaladas em uma retórica de qualidade.”. p.159. O

dever de motivar é amplificado em decisões que utilizem a ponderação; b) possibilidade de universalização

dos critérios usados de forma que eles sejam usados em casos semelhantes no futuro; c) por fim, Barroso

nos remete a Humberto Ávila e a normas de segundo grau, ou seja, os postulados, que auxiliam na

interpretação das normas de primeiro grau.

103 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.63.

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extremamente aberto nos princípios, pois a conduta necessária para o alcance

do estado ideal de coisas não vem prevista na norma, dependendo, portanto, do

ato de concretização do intérprete.

Por último, Humberto Ávila indica que os doutrinadores que

defendem as distinções fracas e fortes entre princípios e regras costumam usar

a característica de os princípios funcionarem como fundamento axiológico da

decisão a ser tomada.104

Após a análise feita sobre as concepções mais destacadas sobre as

espécies normativas e as apontadas críticas feitas pelo Professor Humberto

Ávila, em sua tese de livre docência para a Faculdade de Direito da

Universidade de São Paulo, cabe destacar a conceituação elaborada pelo

próprio Professor autor das críticas, para que se averigue a utilidade e a

aplicabilidade dos conceitos a este trabalho.

Humberto Ávila separa normas de primeiro grau e normas de

segundo grau. Aquelas são os princípios e as regras, estas são os postulados.

Portanto, Ávila propõe um modelo tripartite: regras/princípios/postulados.

Estes últimos são definidos como instrumentos normativos metódicos, ou seja,

fixam condições para a aplicação das regras e dos princípios , mas sem com eles

se confundir.105

Para o Professor, a norma não é o texto, mas o sentido extraído dele

após o exercício da interpretação, não havendo correspondência entre norma e

dispositivo, portanto106. Assim, a Ciência do Direito não é a mera descrição de

um significado, que existiria intrinsecamente no texto e independente mente do

uso ou da interpretação. O intérprete extrai de dispositivos significados

construídos de acordo com o uso, não se trata de subsunção de conceitos

fechados107. Entretanto, isso não significa que o intérprete comece sem

104 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.63.

105 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.71.

106 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.30.

107 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.31-32.

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nenhuma base prévia, pois há traços de significados mínimos que fazem parte

do uso ordinário ou técnico da linguagem. O autor destaca a ideia de

reconstrução, que é interpretar. Reconstruir a partir de textos normativos e a

partir de núcleos de sentidos admitidos pelo uso da linguagem. É o Poder

Judiciário concretizando o ordenamento juríd ico diante de cada caso

específico108. Dessa forma, Ávila afirma que a qualificação de uma norma como

princípio ou como regra dependerá da colaboração constitutiva do intérprete

que parte de um modelo ou hipótese provisória de trabalho para, em seguida,

reconstruir seu conteúdo normativo. É a proposta de dissociação heurística

entre as espécies normativas109. Também afirma o autor que deve ocorrer a

superação de alternativa exclusiva das espécies normativas diante de um

dispositivo, propondo a análise pluridimensional dos enunciados normativos,

que podem conter regras, princípios e enunciados a depender do enfoque dado.

Ávila destaca que tanto os princípios quanto as regras fazem

referência a fins e a condutas, já que “[...] as regras preveem condutas que

servem à realização de fins devidos, enquanto os princípios preveem fins cuja

realização depende de condutas necessárias.” . 110

A diferença, para o autor, entre regras e princípios, não está no modo de

aplicação do “tudo ou nada” ou do “mais ou menos”, mas na justificação que cada espécie

normativa exige quando da sua aplicação. A interpretação de uma regra exige o exame de

correspondência entre a construção conceitual feita dos fatos e da norma, além de sua

finalidade. Se a correspondência for feita facilmente, o ônus argumentativo será pequeno.

No entanto, caso haja alguma discrepância que impeça a correspondência absoluta como,

por exemplo, outra finalidade da regra, o ônus argumentativo é consideravelmente

ampliado. São os chamados casos difíceis. Já a interpretação dos princípios demanda a

avaliação da correspondência entre o estado de coisas tido como ideal e os efeitos da

108 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.34.

109 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.68. “Como já foi examinado, as normas são construídas pelo intérprete a partir

dos dispositivos e do seu significado usual. Essa qualificação normativa depende de conexões axiológicas

que não estão incorporadas ao texto nem a ele pertencem, mas são, antes, construídas pelo próprio

intérprete.”.

110 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.73.

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conduta havida como necessária para o alcance desse estado. Os princípios não

determinam diretamente qual a conduta deve ser tomada, mas deixam indicadas qual a sua

espécie. Além disso, os princípios têm pretensão de complementaridade, segundo o autor,

pois eles não fornecem a solução de forma isolada, mas contribuem para a solução ao lado

de outras razões. Humberto Ávila entende ser estável o ônus argumentativo no caso dos

princípios, não havendo separação entre casos fáceis e difíceis.111

Assim, nas palavras do Professor Humberto Ávila, regras são:

“[...] normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e

com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se

exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que

lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente

sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a

construção conceitual dos fatos.” 112

E os princípios, por sua vez, vêm definidos, pelo autor referido, da seguinte

maneira:

“Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente

prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade,

para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o

estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta

havida como necessária à sua promoção.” 113

Para que a valorização dos princípios não se limite à exaltação de valores de

forma que os parâmetros fiquem apagados, há as seguintes diretrizes que auxiliam na

análise dos princípios114: a) especificação dos fins ao máximo, pois quanto menos

específico for o fim, mais difícil se tornará o controle da sua realização. Isso significa ler o

texto constitucional e tentar diminuir a vagueza e a abstração através de normas

constitucionais que possam restringir o âmbito de aplicação do princípio; b) uma possível

forma de redução da grau de vagueza é a pesquisa de casos paradigmáticos, na

111 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.75.

112 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.78.

113 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.79.

114 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.84.

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jurisprudência, que indiquem quais as condições para o alcance do estado ideal a ser

buscado; c) dentre os casos examinados, buscar similaridades na solução de problemas

parecidos; d) verificar se há possibilidade de delinear quais são os bens jurídicos que

compõem o estado ideal de coisas a ser buscado e quais são os comportamentos tidos como

necessários para a sua realização; e) por fim, Humberto Ávila recomenda que seja feito o

percurso inverso: com o estabelecimento dos bens jurídicos que compõem o estado ideal

de coisas e os comportamentos necessários delineados para o seu alcance, propõe o autor

que se refaça a pesquisa jurisprudencial para que se verifique se outros casos foram

decididos com base no princípio sob análise.

A eficácia interna no sistema jurídico dos princípios se revela de

extrema importância, pois, ao definirem um estado ideal de coisas a ser

buscado, eles revelam sua importância para auxiliar a compreensão das próprias

regras. Essa característica se evidencia de forma direta quando um elemento

inerente ao fim almejado não esteja previsto no sistema. O princípio deve

garanti-lo. “Por exemplo, se não há regra expressa que oportunize a defesa ou a

abertura de prazo para manifestação da parte no processo – mas elas são necessárias -,

elas deverão ser garantidas com base direta no princípio do devido processo legal.”. 115

O autor referido defende que quando ocorrer um conflito entre um

princípio e uma regra do mesmo nível hierárquico, a regra deve prevalecer, pois

ela possui maior função decisiva do que o princípio, que estabelece somente um

estado ideal de coisas a ainda ser atingido. Ass im, segundo ele, importa rever a

concepção de que a violação a um princípio seria muito mais grave do que a

violação a uma regra, pois um princípio teria maior valor e a regra não

incorporaria valores. Para Humberto Ávila, não se trata de valor maior, mas

diferentes funções e finalidades entre as espécies normativas, além disso, a

regra cristaliza valores já incorporados ao ordenamento 116. Dessa forma, o autor

mencionado defende a revisitação do conceito de reprovabilidade, pois deve ter

maior grau de reprovação o descumprimento de um dever de que se saiba, por

ele já vir pronto com a descrição fornecida pela regra. O próprio ordenamento

115 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.97.

116 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.103.

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jurídico valoriza o conhecimento por todos de seus comandos, como

demonstram os princípios da legalidade e da publicidade, por exemplo:

“Essa considerações revelam, pois, a diferente funcionalidade dos

princípios e das regras: as regras consistem em normas com pretensão de

solucionar conflitos entre bens e interesses, por isso possuindo caráter

prima facie forte e superabilidade mais rígida [...]; os princípios

consistem em normas com pretensão de complementaridade, por isso

tendo caráter prima facie fraco e superabilidade mais flexível [...].”117

No entanto, caso haja um conflito entre um princípio e uma regra, ambos de

estatura constitucional, pode ocorrer que o princípio prevaleça de acordo com o postulado

da razoabilidade, como já decidiu o Supremo Tribunal Federal.118

Quanto às condições de superabilidade de regras, Ávila propõe um modelo

bidimensional, que envolve requisitos de ordem material e de ordem formal. As regras

permitem sua superação em casos excepcionais por envolverem valores, como já

mencionado, carecendo de certa dose de ponderação, portanto. A análise dessa superação

deve ser feita de forma criteriosa, ou seja, de acordo com o momento e com a

implementação de determinadas condições. Além disso, a análise da superabilidade de

certa regra deve considerar a repercussão da decisão em demais casos semelhantes. A

depender do grau de imprevisibilidade, ineficiência e desigualdade gerada pela regra, o

exame da possibilidade de sua superação será distinto. São dois os exemplos distintos

trazidos por Humberto Ávila. O primeiro caso envolve uma empresa nacional que estava

incluída em programa simplificado de pagamento de tributos, desde que não importasse

matéria prima para a sua produção. No entanto, eles importaram quatro pés de sofá para

finalizar somente uma peça e foram excluídos do referido programa. A empresa solicitou a

reinclusão no programa, o que ocorreu. Neste exemplo: “A tentativa de fazer justiça para

um caso mediante superação de uma regra não afetaria a promoção da justiça para a

maior parte dos casos. E o entendimento contrário, no sentido de não superar a regra,

provocaria mais prejuízo valorativo que benefício (more harm than good).”119. Já no

117 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.105.

118 STF, ADI 8155 e STF, Tribunal Pleno, HC 79.512-9-RJ, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 16.12.1999, DJU

16.5.2003. Cf. para comentários sobre a decisão: ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à

aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p.106-107.

119 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.116.

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segundo caso trazido como exemplo, uma regra condicionava a apresentação de

determinado recurso à juntada de cópias legíveis da decisão recorrida e dos documentos

que comprovassem a discussão existente nos autos. O caso concreto diz respeito a um

recurso apresentado sem a juntada de cópias da petição e do despacho que a indeferiu.

Inconformado com o indeferimento, o recorrente interpôs recurso, alegando violação ao

princípio da universalidade da jurisdição e excessivo formalismo na interpretação da regra

que exigia a juntada de documentos. O tribunal, contudo, manteve a decisão, alegando que

a exigência formal não faz parte de um formalismo inconsequente, mas da necessidade de

se garantir a segurança das partes e o devido processo legal120. Na análise desse exemplo, a

tentativa de justiça, superando a regra, afetaria demais casos de forma negativa, “[...] E a

não-superação da regra provocaria mais benefício que prejuízo valorativo (more good

than harm).” 121. A análise desses dois casos de superação de regras demonstra que

somente será viável efetivar a superação de alguma regra de acordo com o grau de

promoção do valor subjacente a ela, que é o valor substancial específico, assim como o

grau de promoção do valor subjacente comum a todas as regras, que se trata da segurança

jurídica. “E o grau de promoção do valor segurança está relacionado à possibilidade de

reaparecimento frequente de situação similar.” 122. Assim, a superação de uma regra não

se trata somente da ponderação horizontal entre o princípio da segurança jurídica e o

princípio constitucional específico que cada regra encerra, mas vai além, demandando a

análise da repercussão da decisão de superação de uma regra sobre todo o sistema

jurídico.123

Os requisitos procedimentais de superação de regras consideram a maior

resistência horizontal das regras em relação aos princípios, já que as regras tem maior

eficácia decisiva previamente estabelecida pelo Poder Legislativo. Não cabe ao aplicador

simplesmente substituir a ponderação legislativa pela sua sem padrões definidos

preenchidos. Dentre eles, Humberto Ávila traz a necessidade de uma justificativa

120 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.116.

121 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.117.

122 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.118.

123 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.119.

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condizente que depende de dois fatores: da demonstração de incompatibilidade entre a

hipótese da regra e sua finalidade subjacente e da comprovação de que o afastamento da

regra não causará excessiva insegurança jurídica124; além dessa justificativa, a superação

exige uma fundamentação condizente, assim como uma comprovação condizente, pois

mera alegações não podem ser suficientes para a superabilidade de uma regra.

Para o Professor Humberto Ávila, o convívio entre as normas de primeiro

grau, ou seja, os princípios e as regras, deve se dar de acordo com critérios

intersubjetivamente controláveis para a sua aplicação dentro de um sistema de valorização

das regras, sem afastar, entretanto, a sua superação de forma extraordinária conforme o

modelo recém-apontado125. Na aplicação dos princípios, eles têm funções específicas que

não se encerram em afastar simplesmente as regras. A fundamentação se mostra de

extrema relevância nesse momento, pois devem ser justificados:

“[...] (i) a razão da utilização de determinados princípios em detrimento

de outros; (ii) os critérios empregados para definir o peso e a prevalência

de um princípio sobre outro e a relação existente entre esses critérios; (iii)

o procedimento e o método que serviram de avaliação e comprovação do

grau de promoção de um princípio e o grau de restrição de outro; (iv) a

comensurabilidade dos princípios cotejados e o método utilizado para

fundamentar essa comparabilidade; (v) quais os fatos do caso que foram

considerados relevantes para a ponderação e com base em que critérios

eles foram juridicamente avaliados.” 126

O uso da ponderação sem critérios definidos estimula o “decisionismo” e o

desvirtuamento de finalidades das normas127. O Direito como um sistema normativo não

deve apenas separar e classificar as espécies normativas, pois isso se revela de pouca

124 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.120. “Com efeito, as regras configuram meios utilizados pelo Poder Legislativo

para eliminar ou reduzir a controvérsia, a incerteza e a arbitrariedade e evitar problemas de coordenação, de

deliberação e de conhecimento. Sendo assim, a superação das regras exige a demonstração de que o modelo

de generalização não será significativamente afetado pelo aumento excessivo das controvérsias, da

incerteza e da arbitrariedade, nem pela grande falta de coordenação, pelos altos custos de deliberação ou

por graves problemas de conhecimento. Enfim, a superação de uma regra condiciona-se à demonstração de

que a justiça individual não afeta substancialmente a justiça geral.”.

125 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.121.

126 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.121-122.

127 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.122.

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48

eficiência prática, diante da falta de concatenação entre as partes do sistema. “Deve

também municiar o aplicador de critérios, intersubjetivamente aplicáveis, que possam

tornar efetivos os comandos normativos sem a incorporação do arbítrio.”.128

Após a análise das normas de primeiro grau, segundo a classificação por último

trazida do Professor Humberto Ávila, cabe-nos, de forma sucinta, diante dos fins

almejados, dissertar sobre as normas de segundo grau, ou seja, os postulados normativos,

segundo a classificação tripartite deste Professor, para depois passar a análise de outras

formas de interpretação e aplicações dos princípios.

Sobre as normas de segundo grau, os postulados normativos, eles podem ser

hermenêuticos, servindo para a compreensão em geral do direito, ou aplicativos, que são

estruturantes de sua aplicação concreta.

Os postulados não se confundem com as regras e com os princípios pelas

seguintes razões: eles não estão situados no mesmo nível, pois os princípios e as regras

seriam o objeto da aplicação, orientados pelos postulados; os destinatários também são

distintos, na medida em que os postulados se dirigem ao intérprete e ao aplicador do

Direito, enquanto os princípios e as regras se dirigem ao Poder Público e aos cidadãos; por

último, o relacionamento entre as normas se dá de forma distinta, pois os princípios e as

regras, por estarem no mesmo nível, implicam-se de forma complementar, já os

postulados, por estarem localizados em um metanível, orientam a aplicação das normas de

primeiro grau sem ocorrer conflito com outras normas.129

Quanto aos postulados normativos aplicativos, que estruturam a aplicação do

direito, ou seja, estruturam a aplicação das normas de primeiro grau, se caracterizando

como metanormas, dirigem-se ao intérprete e ao aplicador do direito. Eles não se

identificam com outras normas que também influenciam outras, como é o caso dos

sobreprincípios do Estado de Direito ou da segurança jurídica, por exemplo130. Já os

postulados hermenêuticos servem para a compreensão abstrata do ordenamento, como a

unidade do ordenamento, que tem como subelemento o postulado da coerência. Já a

128 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.122.

129 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.124.

130 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.124.

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49

compreensão do ordenamento como uma estrutura escalonada de normas baseia-se no

postulado da hierarquia.

Cabe-nos tratar de forma mais detida os postulados normativos aplicativos, já

que a eles incumbe a estruturação da forma de aplicação das normas de primeiro grau, ou

seja, princípios e regras. Eles permitem a constatação de alguma violação a um princípio

ou a uma regra. Os postulados normativos aplicativos são metanormas ou normas de

segundo grau por se situarem em um nível diferente ao das normas que são por eles

estruturadas. No entanto, a denominação de “segundo grau” não pode levar-nos a crer que

eles funcionam como fundamento na aplicação das normas de primeiro grau. Essa tarefa de

fundamentação, segundo o autor mencionado, cabe aos sobreprincípios, tais como o do

Estado de Direito ou o do devido processo legal131. Assim, enquanto a proporcionalidade é

classificada como um postulado normativo aplicativo por Humberto Ávila, conforme

afirmou-se, a maior parte da doutrina costuma enquadrá-la na categoria de princípios, já

Robert Alexy não enquadra a proporcionalidade em uma categoria específica, pois usa o

termo “princípio” para a proporcionalidade e o termo “regra” para as máximas parciais.132

A falta de uma correta definição para os chamados postulados, a depender da

corrente adotada de definições de espécies normativas, pode gerar algumas incongruências.

Segundo a corrente tripartite, encabeçada pelo Professor Humberto Ávila, as exigências de

proporcionalidade, razoabilidade e proibição de excesso, que costumam vir definidas como

princípios, não o podem ser, nem pela distinção fraca nem pela forte. Segundo a distinção

fraca entre as espécies normativas, a proporcionalidade, por exemplo, não poderia ser

considerada um princípio, pois lhe falta alto grau de abstração e de generalidade.

Tampouco poderia ser considerada uma regra, pois não tem uma hipótese e uma

consequência que permitam a subsunção do conceito do fato ao conceito da norma. Ao

invés dessas hipóteses, a proporcionalidade estabelece uma estrutura de aplicação133. Caso

admitida a distinção forte entre princípios e regras, da mesma forma a proporcionalidade

não poderia ser considerada uma das espécies de princípio, porque ela não é realizada em

vários graus, afinal, a medida será ou não adequada, será ou não necessária e será ou não

131 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.137.

132 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.137.

133 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.140.

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proporcional. Ela é uma medida de aplicação do princípio quando em conflito horizontal

com outro princípio. Também não pode ser considerada uma regra, segundo a distinção

forte, pois não possui as características que viabilizam a subsunção nem podem ser objeto

de colisão com a consequente decretação de invalidade134. Para a análise dos postulados

normativos aplicativos, Humberto Ávila propõe um caminho semelhante ao que foi

proposto para análise dos princípios. Segundo o autor, primeiramente, há a necessidade de

levantamento de casos cuja solução tenha sido tomada com base em algum postulado

normativo através da investigação da jurisprudência dos Tribunais Superiores. Em seguida,

deve-se analisar a fundamentação das decisões para verificação dos elementos ordenados e

da forma como foram relacionados entre si: verificar quais normas foram aplicadas e como

o foram. Por fim, realiza-se o percurso inverso: descoberta a estrutura exigida na aplicação

do postulado, verificação da existência de outros casos que deveriam ter sido decididos

com base nele. São apontadas algumas espécies de postulados. A ponderação, a

concordância prática e a proibição de excesso exigem o relacionamento entre elementos,

mas não especificam quais são esses elementos e os critérios orientadores. Funcionam

principalmente como ideias gerais. A ponderação, por exemplo, é um método de atribuição

de pesos a elementos que se relacionam, mas não faz referência a pontos materiais que

orientem esse sopesamento. Usualmente, postulados, como o da razoabilidade ou o da

proporcionalidade, costumam orientar a atividade de sopesar realizada através da

ponderação135. Luís Roberto Barroso defende o uso da ponderação na busca de um

denominador comum para princípios divergentes: “Princípios – e, com crescente adesão

na doutrina, também as regras – são ponderados, à vista do caso concreto. E, na

determinação de seu sentido e na escolha dos comportamentos que realizarão os fins

previstos, deverá o intérprete demonstrar o fundamento racional que legitima sua

atuação.”136. Sobre a ponderação e a importância da fundamentação, trata-se em seguida.

A concordância prática, outro postulado inespecífico, estabelece que valores

divergentes, quando sopesados, devem ser realizados ao máximo. É o dever de

134 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.140.

135 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.145.

136 BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção

teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.152-153.

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harmonização. Por fim, dentre os postulados inespecíficos, há a proibição de excesso. É a

proibição que limita restrições excessivas a qualquer direito fundamental.137

Dentre os postulados específicos, ou seja, dentre aqueles que especificam seus

critérios orientadores, estão a igualdade, a razoabilidade e a proporcionalidade.

Primeiramente, quanto à igualdade:

“A igualdade pode funcionar como regra, prevendo a proibição de

tratamento discriminatório; como princípio, instituindo um estado

igualitário como fim a ser promovido; e como postulado, estruturando a

aplicação do Direito em função de elementos (critério de diferenciação e

finalidade da distinção) e da relação entre eles (congruência do critério

em razão do fim).” 138

Marcelo José Magalhães Bonício139, ao tratar da igualdade das partes no

processo civil com relação à proporcionalidade, afirma:

“Uma das garantias constitucionais mais fundamentais do sistema, a

igualdade das partes, implica não apenas no reconhecimento de poderes e

oportunidades iguais às partes, pela lei, mas também que estas sejam

tratadas igualmente pelo juiz, ao longo do processo, inclusive porque o

juiz precisa ser imparcial.

Isso não significa que, assim como fez o legislador ao permitir aos

hipossuficientes a gratuidade da justiça, o juiz não possa tratar as partes

de maneira um pouco diferente, visando, principalmente, a estabelecer

um equilíbrio entre elas.”

Quanto ao postulado normativo da razoabilidade, ele também funciona como

uma forma de estruturação na aplicação de outras normas. No entanto, segundo aponta

Humberto Ávila, falta um único sentido para a expressão e os Tribunais Superiores usam

seus vários sentidos, cabendo à Ciência do Direito estabelecer alguma clareza140. Além

137 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.148.

138 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.152.

139 BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da

proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,

2006. p.158.

140 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.153.

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disso, há quem afirma, como Luís Roberto Barroso141, que exista fungibilidade entre os

termos “razoabilidade” e “proporcionalidade”. No entanto, dentre as acepções mais

correntes, destacam-se três: a) a razoabilidade como a relação entre a norma e as

peculiaridades do caso concreto no sentido de equidade, ou seja, do que ocorre

normalmente; b) a razoabilidade como exigência de relação entre a norma jurídica e o seu

suporte empírico no mundo, condenando o anacronismo legislativo; c) a razoabilidade é

utilizada, na terceira acepção mais corrente, como diretriz que exige a relação de

equivalência entre duas grandezas, entre a medida escolhida e o seu critério

dimensionador.142

Já o postulado da proporcionalidade exige que o Poder Legislativo e o Poder

Executivo escolham, para a realização de seus fins, meios adequados, necessários e

proporcionais. Um meio somente será adequado se promover o seu fim para o qual foi

proposto. Um meio será necessário se, dentre todos aqueles meios igualmente adequados

para promover o fim, for o menos restritivo relativamente aos direitos fundamentais. E um

meio é proporcional, em sentido estrito, se as vantagens que promove superam as

desvantagens que provoca.

A diferença trazida por Humberto Ávila entre os postulados da

proporcionalidade e o da razoabilidade é que este não tem a relação de causalidade entre

meio e fim, como tem aquele.143

Os temas que circundam o postulado da proporcionalidade são vários, no

entanto, para os objetivos do presente estudo, cabe-nos tentar definir seus contornos e

estabelecer a relação com o tema que aqui se aborda. Humberto Ávila afirma que, apesar

da crescente importância dada ao postulado da proporcionalidade no Direito Brasileiro, sua

aplicação suscita problemas quando usado no controle de atos do Poder Público.144 No

conflito entre princípios, o postulado da proporcionalidade pode se mostrar útil e relevante,

141 BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção

teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.168.

142 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.154.

143 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.161.

144 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.163.

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mas somente se presentes um meio, um fim e uma relação de causalidade entre eles, de

modo que se possa passar à análise dos três exames fundamentais:

“[...] o da adequação (o meio promove o fim?), o da necessidade (dentre

os meios disponíveis e igualmente adequados para promover o fim, não

há outro meio menos restritivo do(s) direito(s) fundamentais afetados?) e

o da proporcionalidade em sentido estrito (as vantagens trazidas pela

promoção do fim correspondem às desvantagens provocadas pela adoção

do meio?).” 145

Quanto à relação entre meio e fim, sabe-se que os princípios estabelecem um

estado ideal de coisas, ou seja, o dever de promover fins. No entanto, em casos concretos, a

análise eficiente desses fins, através do postulado da proporcionalidade, somente será

viável se eles vierem bem delineados.146

Ainda sobre a aplicação dos princípios, Luís Roberto Barroso147 analisa o

contexto do início da valorização dos princípios nos ordenamentos jurídicos de uma forma

genérica para depois analisar a sua forma de interpretação e aplicação em casos difíceis.

Interessa, aqui, a constatação de que a valorização dos princípios, a sua incorporação pelos

textos constitucionais, de forma explícita ou não, e o reconhecimento de sua eficácia

normativa pela ordem jurídica delineiam esse contexto sócio jurídico148. Fala o autor

mencionado sobre a distinção forte entre princípios e regras que se formou após a distinção

entre as espécies normativas que se baseava principalmente no critério da generalidade

(Jossef Esser):

“Na trajetória que os conduziu ao centro do sistema, os princípios

tiveram de conquistar o status de norma jurídica, superando a crença de

que teriam uma dimensão puramente axiológica, ética, sem eficácia

jurídica ou aplicabilidade direta e imediata. A dogmática moderna avaliza

145 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.163-164.

146 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.165. “Um fim vago e indeterminado pouco permite verificar se ele é, ou não,

gradualmente promovido pela adoção de um meio. Mais do que isso, dependendo da determinação do fim,

os próprios exames se modificam; uma medida pode ser adequada, ou não, em função da própria

determinabilidade do fim.”.

147 Para maiores detalhes acerca dessa transformação: Cf. BARROSO, Luís Roberto. O novo direito

constitucional brasileiro: contribuições para a construção teórica e prática da jurisdição constitucional no

Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.137-186.

148 BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção

teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.146.

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o entendimento de que as normas em geral, e as normas constitucionais

em particular, enquadram-se em duas grandes categorias diversas: os

princípios e as regras.” 149

Essa forma de distinguir as regras dos princípios se tornou um dos pilares da

moderna dogmática constitucional, segundo o autor constitucionalista Luís Roberto

Barroso150, que aponta os autores Ronald Dworkin e Robert Alexy como os principais

responsáveis por essa alteração, como já explanado. Na atual conformação da ordem

democrática, é comum ocorrer o conflito entre princípios, que apontam em diferentes

direções. Assim, uma forma de solução precisa ser encontrada, ultrapassando a tradicional

subsunção, modelo que foi concebido para a aplicação das regras. Assim, ultrapassada a

fase de deslumbramento em relação aos princípios, razoáveis esforços têm sido feitos para

encontrar a melhor forma de aplicação deles: “A ênfase que se tem dado à teoria dos

princípios deve-se, sobretudo, ao fato de ser nova e de apresentar problemas ainda

irresolvidos.” 151, segundo Luís Roberto Barroso, que indica o método da

ponderação para a resolução de conflitos entre princípios, como mencionado

anteriormente: “[...]à vista do caso concreto, o intérprete irá aferir o peso que cada

princípio deverá desempenhar na hipótese, mediante concessões recíprocas, e

preservando o máximo de cada um, na medida do possível.”.152

Apesar das concepções amplamente adotadas atualmente, acerca da

distinção forte entre as espécies normativas ou a divisão tripartite do Professor

Humberto Ávila153, chama a atenção a percepção de que há zonas cinzentas em

qualquer destas classificações, como demonstra Luís Roberto Barroso:

“É certo que, mais recentemente, já se discute tanto a aplicação do

esquema tudo ou nada aos princípios como a possibilidade de também as

regras serem ponderadas. Isso porque, como visto, determinados

149 BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção

teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.147.

150 BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção

teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.148.

151 BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção

teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.149.

152 BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção

teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.148-149.

153 Cf. ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed.

São Paulo: Malheiros, 2010.

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princípios – como o princípio da dignidade da pessoa humana e outros –

apresentam um núcleo de sentido ao qual se atribui natureza de regra,

aplicável biunivocamente. Por outro lado, há situações em que uma regra,

perfeitamente válida em abstrato, poderá gerar uma inconstitucionalidade

ao incidir em determinado ambiente ou, ainda, há hipóteses em que a

adoção do comportamento descrito pela regra violará gravemente o

próprio fim que ela busca alcançar. Esses são fenômenos de percepção

recente, que começam a despertar o interesse da doutrina, inclusive e

sobretudo por seu grande alcance prático.” 154

O Professor citado defende o uso da ponderação para situações de conflitos

dialéticos entre princípios, já que o método da subsunção, qual seja - “[...] a premissa

maior – a norma – incidindo sobre a premissa menor – os fatos – e produzindo como

consequência a aplicação do conteúdo da norma ao caso concreto.” 155, se mostra

insuficiente. Ponderação se trata de uma técnica para casos jurídicos difíceis,

quando normas da mesma hierarquia indiquem soluções diferenciadas. Os

passos para a sua aplicação envolvem a constatação das normas relevantes para

o caso e os conflitos resultantes entre elas; a compreensão correta dos fatos; e,

por fim, através do princípio da proporcionalidade ou razoabilidade, indica

Luís Roberto Barroso, apura-se qual o peso será atribuído a cada elemento da

disputa e em qual intensidade156. Como visto, o autor defende que conflitos entre

princípios sejam resolvidos com o uso da ponderação, que, em sua última fase, envolve o

princípio instrumental da proporcionalidade ou da razoabilidade, que são classificados com

alto grau de fungibilidade pelo autor e também chamados de “princípio”, apesar de não o

serem segundo a classificação tripartite das espécies normativas. O próprio Luís Roberto

Barroso aponta a falta de homogeneidade da doutrina ao tratar da matéria: “Há quem a

situe como um componente do princípio mais abrangente da proporcionalidade e outros

que já a vislumbram como um princípio próprio, autônomo, o princípio da ponderação.”

157, além do perigo que o uso indiscriminado da ponderação pode gerar, pois a

154 BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção

teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.152.

155 BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção

teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.153.

156 Cf. BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção

teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.156.

157 Cf. BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção

teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.157.

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valoração que deve ser feita não tem referenciais materiais ou axiológicos158,

podendo gerar o risco de voluntarismos. Assim, para que se evitem situações

como essas, há limites. Luís Roberto Barroso aponta o seguinte:

“Tal discricionariedade, no entanto, como regra, deverá ficar limitada às

hipóteses em que o sistema jurídico não tenha sido capaz de oferecer a

solução em tese, elegendo um valor ou interesse que deva prevalecer. A

existência de ponderação não é um convite para o exercício

indiscriminado de ativismo judicial. O controle de legitimidade das

decisões obtidas mediante ponderação tem sido feito através do exame da

argumentação desenvolvida. Seu objetivo, de forma bastante simples, é

verificar a correção dos argumentos apresentados em suporte de uma

determinada conclusão ou ao menos a racionalidade do raciocínio

desenvolvido em cada caso, especialmente quando se trate do emprego da

ponderação.” 159

Assim, o limite se encontraria nas possibilidades de aplicação da ponderação,

somente para situações não reguladas em tese pelo ordenamento, e quando aplicada a

ponderação, tolhem-se voluntarismos com a teoria da argumentação. Foge ao objetivo do

trabalho analisar detidamente esta teoria, que seria capaz de originar outra dissertação

extremamente detalhada e interessante, no entanto, diante da relevância do tema, cabe

enumerar os parâmetros de controle da argumentação quando do uso da ponderação: é

truísmo dizer que toda decisão deve ser fundamentada, da mesma forma que toda decisão

que use da ponderação merece maior carga de fundamentação. Na prática, o intérprete

deve priorizar elementos da ordem jurídica para fundamentar sua decisão, não bastando

uma retórica de qualidade com elementos de justiça; assim, os fundamentos normativos

não perdem importância nesse contexto apresentado; deve haver a possibilidade de

universalização dos critérios usados na decisão; e princípios instrumentais de interpretação,

como a proporcionalidade não são excluídos.160

158 BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção

teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.157.

159 Cf. BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção

teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.158.

160 BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção

teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.168.

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2.1 Princípio e processo coletivo

De forma a contextualizar o tema, parte-se de conceitos iniciais sobre a

temática, como o de “processo”, que, segundo José Roberto dos Santos Bedaque161, é “um

método desenvolvido pelo Estado para permitir a solução dos litígios”. Por “método”,

entende-se um procedimento fundado em valores para a consecução de determinados

objetivos162. O processo coletivo, espécie do gênero processo, seria então um método para

a solução de conflitos que ultrapassam a esfera individual das relações intersubjetivas.

Como os princípios aplicáveis ao processo civil encontram-se dispostos no texto da

Constituição Federal, em diversas leis ordinárias, dentre elas, o Código de Processo

Civil163, e alguns se encontram, inclusive, em normas supranacionais, como o Pacto de São

José da Costa Rica, eles costumam ser aplicados ao processo de forma genérica164. No

entanto, é o texto constitucional que traça as linhas básicas e mínimas do método de

atuação estatal para a solução de litígios individuais e, também, os transindividuais165.

Nesse sentido, convém destacar o que apontam Bruno Silveira de Oliveira e Francisco

Vieira Lima Neto:

“Nessa linha, o subconjunto dos processos coletivos, por mais que se

diferencie do subconjunto dos processos “individuais”, há de manter e

efetivamente mantém com este um campo comum, uma grande área de

interseção, demarcada pela necessária observância – por ambos –

161 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. São Paulo:

Malheiros, 2006. p.36.

162 Segundo os três escopos da jurisdição: social, jurídico e político. Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. A

instrumentalidade do processo. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1994. passim.

163 Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973.

164 Trata-se da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969. Decreto n. 678,

de 6 de novembro de 1992.

165 OLIVEIRA, Bruno Silveira de; LIMA NETO, Francisco Vieira. Notas sobre o devido processo

constitucional, o litisconsórcio e os processos coletivos. Revista de Processo, n. 191, ano 36, jan. 2011, p.

20. Nesse sentido: CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7.ed.

Coimbra: Almedina, 2003. p.274. “Do princípio do Estado de direito deduz-se, sem dúvida, a exigência de

um procedimento justo e adequado de acesso ao direito e de realização do direito. Como a realização do

direito é determinada pela conformação jurídica do procedimento e do processo, a Constituição contém

alguns princípios e normas designados por garantias gerais de procedimento e de processo.”.

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daqueles comandos fundamentais, componentes de nosso “modelo

constitucional de processo” (ou “devido processo constitucional”).” 166

Dessa maneira, o processo coletivo é regido, de forma geral, pelos mesmos

princípios que regem o processo civil tradicional, os que estão previstos em nosso

ordenamento jurídico, com algumas especificidades que serão explicadas no momento

oportuno, além de haver alguns princípios específicos. Entretanto, a principal diferença

reside no modo de aplicação que cada princípio pode assumir quando na esfera individual,

ou na coletiva. Os autores acima mencionados indicam que a diferença entre a seara

individual e a coletiva está no método de realização dos fins e meios do devido processo

constitucional167, o que será abordado em tópico separado.168

Quanto ao sistema processual civil, ele foi concebido com base em concepções

liberalistas e individualistas das codificações do século XIX. Assim, todo o sistema

(normas e institutos) tem a marca desses traços em sua concepção169. Com o destaque do

processo coletivo, iniciado principalmente nas últimas décadas do século XX, alguns temas

processuais necessitam ser revisitados para que o processo coletivo atinja sua principal

finalidade de forma efetiva: que é o acesso à justiça.170

Diante desta nova realidade apresentada, é natural que os princípios devam ser

analisados e revistos, pela própria evolução axiológica da sociedade. Os princípios

166 OLIVEIRA, Bruno Silveira de; LIMA NETO, Francisco Vieira. Notas sobre o devido processo

constitucional, o litisconsórcio e os processos coletivos. Revista de Processo, n. 191, ano 36, jan. 2011, p.

22.

167 OLIVEIRA, Bruno Silveira de; LIMA NETO, Francisco Vieira. Notas sobre o devido processo

constitucional, o litisconsórcio e os processos coletivos. Revista de Processo, n. 191, ano 36, jan. 2011, p.

22.

168 Cf. item sobre o devido processo legal.

169 Exemplo desta afirmação é o artigo 6º do Código de Processo Civil: “Ninguém poderá pleitear, em nome

próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei.” Além disso, a única previsão do Código de

Processo Civil, no sentido de evitar processos repetitivos, é o litisconsórcio ativo ou passivo, previsto no

artigo 46, mas com a ressalva do seu parágrafo único sobre a limitação ao número de litigantes, quando a

defesa ou celeridade na resolução do conflito ficarem prejudicadas.

170 LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método,

2006. p. 135. “Toda sua interpretação e aplicação devem convergir, em última análise, para o alcance desse

escopo fundamental [O ACESSO À JUSTIÇA], do qual o exegeta e o operador do direito não podem abrir

mão. Tais postulados não podem ser negligenciados, seja pelo legislador infraconstitucional, seja pelos

operadores do direito.” Sobre o tema das ondas renovatórias do processo civil, cf. CAPPELLETTI, Mauro.

GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio

Fabris, 1988. passim. Mauro Cappelletti e Bryant Garth apontam a existência de três ondas processuais. A

segunda dessas ondas renovatórias abrange o acesso à justiça e os direitos coletivos. Percebeu-se a

necessidade, segundo esses autores, de uma tutela mais efetiva para direitos que transbordam a esfera

individual e a consequente alteração procedimental para se adequar a esses novos direitos.

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carregam forte carga valorativa171 e o valor atribuído a cada norma varia de acordo com o

tempo e espaço172. Como destaca Nelson Nery Júnior, os temas de processo coletivo não

devem ser enxergados sob a ótica do processo civil individual173, sob pena de se incorrer

na mitigação da efetividade do processo coletivo.

Portanto, os princípios devem ser interpretados de forma sistemática e

complementar com vistas sempre ao objetivo maior, o qual é oferecer a tutela jurisdicional

de forma efetiva e célere, o que pode ser obtido de forma mais eficaz com a interpretação

sistemática dos princípios que regem o processo civil coletivo.174 Essa interpretação dos

princípios dentro de um sistema equilibrado busca destacar o “processo civil de

resultados”, em sobreposição ao antigo esquema do “processo civil do autor”.175

171 Cf. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 26.ed. São Paulo: Saraiva, 2002. passim. Sobre a

Teoria Tridimensional do Direito: fato – valor – norma.

172 LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método,

2006. p. 138. “É verdade, também, que os postulados essenciais da ciência, contendo evidente carga

axiológica, devem sempre ser revistos e ter sua concepção atualizada, na medida em que sua compreensão

envolve o contexto histórico, político e social considerado. Trata-se de interpretação evolutiva e

verdadeiramente “cultural” da ordem jurídica, tendo como pano de fundo os valores contidos nas normas,

que devem ser tomados em conta sempre que se pretenda analisar certo fato relevante para a aplicação do

direito positivo.”.

173 NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. 4.ed. rev. São Paulo: Ed.

Revista dos Tribunais, 1997. p. 110-111. “Isto porque os institutos ortodoxos do processo civil não podem

se aplicar aos direitos transindividuais, porquanto o processo civil foi idealizado como ciência em meados

do século passado, notavelmente influenciado pelos princípios liberais do individualismo que

caracterizaram as grandes codificações do século XIX. Pensar-se, por exemplo, em legitimação para a

causa como instituto ligado ao direito material individual a ser discutido em juízo, não pode ter esse mesmo

enfoque quando se fala de direitos difusos, cujo titular do direito material é indeterminável. Parte da

doutrina ainda insiste em explicar o fenômeno da tutela jurisdicional dos interesses e direitos difusos pelos

esquemas ortodoxos do processo civil.” .

174 DINAMARCO, Cândido Rangel. Relendo princípios e renunciando a dogmas. Nova era do processo

civil. 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 22. “A adoção dessa premissa metodológica manda, em primeiro

lugar, que todos os princípios e garantias constitucionais sejam havidos como penhores da obtenção de

resultados justos, sem receber um culto fetichista que desfigura o sistema. Manda também que eles sejam

interpretados sistematicamente e em consonância com os valores vigentes ao tempo da interpretação.

Muitas vezes é preciso sacrificar a pureza de um princípio, como meio de oferecer tutela jurisdicional

efetiva e suficientemente pronta, ou tempestiva; muitas vezes, também, é preciso ler uma garantia

constitucional à luz de outra, ou outras, sob pena de conduzir o processo e os direitos por rumos

indesejáveis.” No mesmo sentido, continua o autor: p. 23. “Obviamente, desfazer dogmas ou ler os

princípios por um prisma evolutivo não significa renunciar a estes, ou repudiar as conquistas da ciência e da

técnica do processo. [...] Somente não se atenha o intérprete ao modo como os princípios foram no passado

interpretados, à meia-luz de premissas democráticas mal explicadas ou na penumbra de preconceitos hoje

superados.”.

175 DINAMARCO, Cândido Rangel. Relendo princípios e renunciando a dogmas. Nova era do processo

civil. 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 26. “Os vigorosos progressos da tutela coletiva, a que assistimos

a partir das últimas décadas do século XX, são a negativa dos dogmas da singularidade da tutela

jurisdicional, afirmando enfaticamente no artigo 6º do CPC (cada um por si e ninguém por todos...) e da

estrita limitação da autoridade do julgado ao âmbito daqueles que foram partes do processo (art. 472).”.

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Assim, com o abandono da visão privatística no processo coletivo, este terá

maiores condições de oferecer resultados justos e efetivos.

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61

CAPÍTULO 3 – PRINCÍPIOS DO PROCESSO CIVIL TRADICIONAL

APLICADOS AO PROCESSO COLETIVO

Estabelecidas as conceituações sobre as espécies normativas e as premissas

necessárias para conferência de unidade e razoabilidade à linha de raciocínio que tem sido

seguida, passa-se ao exame dos princípios específicos do processo civil tradicional

aplicados ao processo coletivo, dado que a importância crescente conferida ao processo

coletivo demonstra a necessidade de que os princípios a ele aplicados sejam analisados

com base em suas especificidades, abandonando antigos dogmas individualistas.176

Além disso, a prática já nos mostra novas feições que esses princípios do

processo civil clássico assumem quando aplicados ao processo coletivo, assim como o

Projeto de Lei n. 5.139/09 - Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos - o

qual foi rejeitado pela Comissão de Cidadania, Constituição e Justiça da Câmara dos

Deputados, em março do ano de 2010, apontava princípios específicos aplicáveis à tutela

coletiva. 177 Assim, faz-se a análise sistemática de princípios e regras aplicáveis ao

processo coletivo como um todo, de forma a garantir coerência ao sistema na busca de

176 Cf. MACHADO, Antônio Alberto. Ensino jurídico e mudança social. 2.ed. São Paulo: Expressão

Popular, 2009. p.167-168. “O direito e a ciência que o estuda têm vindo a enfrentar, tanto no plano

histórico quanto no epistemológico, o fenômeno da emergência dos chamados “novos direitos” ou “direitos

de nova geração”, o que tem exigido, por parte dos cultores da ciência jurídica, uma ampla reflexão acerca

da natureza de tais direitos, de suas perspectivas claramente publicísticas e interdisciplinares, bem como a

revisão de todo o antigo arsenal de conceitos e institutos por meios dos quais o jurista vinha

compreendendo até aqui o fenômeno jurídico. Pode-se dizer que o futuro do direito parece projetar-se

mesmo na direção de uma dimensão pública e transindividual. A emergência em profusão dos direitos

difusos, coletivos e sociais no final do século 20 e início do século 21 é a prova mais evidente de que o

direito, que no seu nascedouro e nas suas raízes romanísticas surgiu com caráter exclusivamente privado,

caminha hoje, a passos largos, para a sua decidida publicização.”.

177 Segundo o Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos: CAPÍTULO II - DOS PRINCÍPIOS

DA TUTELA COLETIVA: Art. 3º. O processo civil coletivo rege-se pelos seguintes princípios: I – amplo

acesso à justiça e participação social; II – duração razoável do processo, com prioridade no seu

processamento em todas as instâncias; III – tutela coletiva adequada, com efetiva precaução, prevenção e

reparação dos danos materiais e morais, individuais e coletivos, bem como punição pelo enriquecimento

ilícito; IV – motivação específica de todas as decisões judiciais, notadamente quanto aos conceitos

indeterminados; V – publicidade e divulgação ampla dos atos processuais que interessem à comunidade; VI

– dever de colaboração de todos, inclusive pessoas jurídicas públicas e privadas, na produção das provas,

no cumprimento das decisões judiciais e na efetividade da tutela coletiva; VII – exigência permanente de

boa-fé, lealdade e responsabilidade das partes, dos procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma

participem do processo; VIII – não taxatividade do objeto e dos meios de tutela dos interesses e direitos

coletivos; IX - preferência da execução coletiva; X – criação de Juízos, Câmaras e Turmas especializados.

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62

resultados efetivos, analisando as diferenças na aplicação de princípios entre o processo

civil individual e o coletivo.178

A análise desses princípios aplicáveis à tutela coletiva será eficiente na medida

em que analisar quais os limites de aplicação de cada princípio e a feição assumida por

cada um deles em sede coletiva, os limites de prevalência de um princípio a outro, assim

como analisar quais as regras técnicas aplicáveis de forma subjacente em cada situação

processual.

No decorrer da análise feita, apontam-se posicionamentos doutrinários no

sentido de constituir o processo coletivo um novo ramo do direito processual civil, pois

uma ciência possuiria autonomia na medida que possuir seus próprios métodos e seus

próprios princípios. Diante de várias afirmativas encontradas na doutrina179 sobre uma

possível autonomia do direito processual coletivo, é relevante destacá-las.

Observa-se na prática jurisprudencial e nos textos legislativos atuais180 uma

nova leitura de antigos princípios quando aplicados ao processo coletivo. Tal fenômeno

ocorre devido à necessidade de adaptação a uma nova realidade que deixa de pensar

somente no individual e passa a abranger um ou mais grupos sociais, assumindo, assim,

maiores proporções. Essa ocorrência não é feita de forma sistemática, mas vem sendo

construída doutrinária e jurisprudencialmente, como já mencionado.

Questão importante para a correta compreensão do fenômeno é a divisão do

trabalho, pois o processo civil possui um amplo espectro de matérias, que envolvem

institutos e princípios diversos, de forma que o correto encadeamento de assuntos

178 Nos sistemas de common law, pela ausência de leis escritas e de uma própria Constituição escrita, a base

do sistema estão nos princípios, como explica Ronald Dworkin em sua obra. Cf. DWORKIN, Ronald.

Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 46.

179 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito

processual: princípios, regras interpretativas e a problemática da sua interpretação e aplicação. São Paulo:

Saraiva, 2003. p. 98/99. Como Gregório Assagra de Almeida ressalta em citação de Nelson Nery Júnior,

Boletim informativo MPMGJurídico, p. 23: “A idéia de se codificar, de forma a deixar tudo junto numa

legislação única, tem a vantagem de fazer com que essa temática do processo coletivo tenha a sua própria

principiologia regulada de forma normativa. Entretanto, para essa nova empreitada há a necessidade de um

grande esforço de toda a sociedade na construção do texto normativo que consagre a principiologia do

processo coletivo, com especial atenção para as diretrizes constitucionais.”. Cf. BILICH, Edward K.M.;

KLONOFF, Robert H. Class actions and other multi-party litigation: cases and materials. American

Casebook Series. St. Paul: West Group, 2000. p.7.

180 Quanto aos textos legislativos, tal mudança de abordagem do legislador verifica-se, principalmente, nas

leis que formam o microssistema processual coletivo. O processo coletivo não é codificado e sua

regulamentação é feita pela relação de complementaridade entre diversas leis, principalmente o Código de

Defesa do Consumidor, a Lei da Ação Civil Pública, a Lei da Ação Popular, a Lei de Improbidade

Administrativa, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto do Idoso, a Lei do Mandado de

Segurança, dentre outras. O Código de Processo Civil é fonte residual desse microssistema.

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63

fornecerá maior lógica à linha de raciocínio desenvolvida. Nesse sentido, Rui Portanova,

em sua obra sobre os princípios do processo civil (individual) faz excelente divisão do

tema, que nos serviu de inspiração para a concatenação dos temas que seguem.181

I) Jurisdição e juiz:

3.1 A judicialização das relações sociais e da política: o ativismo judicial como tendência

e suas implicações na seara coletiva

Ganha relevo o tema do ativismo judicial182, que consagra a exigência de

mudança na postura dos magistrados, que têm seus poderes reforçados com o dever de

estimular a participação das partes, bem como de ele mesmo se mostrar atuante sob o

fulcro do contraditório, buscando o cumprimento das exigências legais e evitando abusos

das partes. Segundo Luís Roberto Barroso, ativismo judicial é:

[...] uma expressão cunhada nos Estados Unidos e que foi empregada,

sobretudo, como rótulo para qualificar a atuação da Suprema Corte

durante os anos em que foi presidida por Earl Warren, entre 1954 e 1969.

Ao longo desse período, ocorreu uma revolução profunda e silenciosa em

relação a inúmeras práticas políticas nos Estados Unidos, conduzida por

uma jurisprudência progressista em matéria de direitos fundamentais.

Todas essas transformações foram efetivadas sem qualquer ato do

Congresso ou decreto presidencial. A partir daí, por força de uma intensa

reação conservadora, a expressão ativismo judicial assumiu, nos Estados

Unidos, uma conotação negativa, depreciativa, equiparada ao exercício

impróprio do poder judicial. Todavia, depurada dessa crítica ideológica –

até porque pode ser progressista ou conservadora – a ideia de ativismo

judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do

Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior

interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. Em muitas

situações, sequer há confronto, mas mera ocupação de espaços vazios.”

183

181 Cf. PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995.

182 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v.1. 6.ed. São Paulo:

Malheiros, 2009. p. 239. No mesmo sentido: BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Por um processo

socialmente efetivo. In: Temas de direito processual: oitava série. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 25-26.

183 BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção

teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.244-246.

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64

Estabelecido o conceito de ativismo judicial através da citação acima,

necessário perquirir quais as suas limitações e suas possibilidades, no âmbito processual

coletivo, para que fique nítido não tratar-se de arbitrariedade por parte do órgão judicial e

diferenciar-se de outros fenômenos, como o aumento do poderes do magistrado. Maria

Benedita Urbano destaca a pluralidade de conceitos encontrados para o termo “ativismo

judicial” e adota a autora o conceito de “pathological or unorthodox lawmaking” 184. Luís

Roberto Barroso identifica a diferenciação entre ativismo judicial e judicialização:

“A judicialização, como demonstrada acima, é um fato, uma

circunstância do desenho institucional brasileiro. Já o ativismo é uma

atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a

Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente, ele se

instala – e este é o caso do Brasil – em situações de retração do Poder

Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a

sociedade civil, impedindo que determinadas demandas sociais sejam

atendidas de maneira efetiva.” 185

Como ensina José Carlos Baptista Puoli, houve uma alteração na visão da

função do órgão jurisdicional dentro do processo civil que acompanhou a própria evolução

da ciência processual186. Hoje, reconhece-se que o magistrado “[...] é um agente estatal no

desempenho de uma função pública cujos objetivos são bem mais amplos do que a mera

satisfação das partes envolvidas no litígio.”187, prevalecendo a visão publicista do

processo, deixando marginalizado o repúdio ao juiz ativo e participativo.188

184 URBANO, Maria Benedita. The law of judges: attempting against Montesquieu´s Legacy or a new

configuration for an old principle? In: Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

Volume LXXXVI, ano 2010, p.621-639. p.622.

185 BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção

teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.246-247.

186 Cf. PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora

Juarez de Oliveira, 2001. p. 5-20.

187 Cf. PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora

Juarez de Oliveira, 2001. p. 21.

188 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora

Juarez de Oliveira, 2001. p. 22.

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65

Alguns juristas, tais como Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. 189, elencam o

ativismo judicial como princípio, que seria caracterizado como a maior participação do

magistrado na seara coletiva, “[...] resultante da presença de forte interesse público

primário nessas causas.”190. Os autores mencionados apontam o denominado “princípio”

como uma faceta do princípio inquisitivo ou impulso oficial. Preferimos não adotar o tema

como mais um princípio do sistema processual, seguindo a orientação da Professora Ada

Pellegrini Grinover que destaca que a tendência é notada em todo o processo, que deixa de

colocar o juiz na posição de espectador inerte para reposicioná-lo como protagonista

principal da relação processual.191 Seguindo a definição do vocábulo “tendência”, segundo

o dicionário Michaelis da língua portuguesa, o vocábulo significa uma disposição,

inclinação ou vocação.192 Da mesma forma, os autores do Projeto de Lei n. 5.139 de 2009

não elencaram o ativismo judicial como princípio. Assim, seguindo a definição de

princípio adotada aqui, o ativismo judicial representa mais uma tendência propriamente

dita do que um princípio, que poderia ser aplicado diante da regra do sopesamento, por

exemplo, com o uso dos postulados normativos aplicativos, tais como a proporcionalidade.

No entanto, tal tendência tem se revelado complexa e importante a ponto de merecer uma

análise mais detida dentro da pesquisa quanto aos princípios do processo civil no âmbito

coletivo.

Essa tendência é percebida no processo civil de uma forma geral, no entanto,

há a necessidade latente de destacarmos a sua presença forte na tutela jurisdicional dos

interesses transindividuais, pois em situações de maior desequilíbrio e/ou de interesses

indisponíveis, essa tendência se destaca, como ensina José Carlos Baptista Puoli no

seguinte trecho:

[...] maior será o poder do juiz (de pesquisa e complementação do sentido

da norma concreta a ser atuada), enquanto que, em situações entre partes

portadoras de suficiência para defesa de seus direitos (e onde estejam

189 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.129-132.

190 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.129.

191 GRINOVER, Ada Pellegrini. A marcha do processo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000.

passim.

192 MICHAELIS online. Disponível em:

<http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-

portugues&palavra=tend%EAncia>. Acesso em: 09 de março de 2013.

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sendo debatidos direitos disponíveis), menor será essa liberdade de

atuação. 193

Entretanto, cabe uma ressalva importante quando à afirmação feita acima: não

se trata de um retorno à fase imanentista do processo, mas a afirmação segura da

independência da ciência processual com a característica da instrumentalidade, que

considera dados da relação de direito material, para que, com eles, produza um resultado

mais efetivo e ajustado à realidade material.194

Quanto aos sistemas processuais, há o sistema dispositivo, que se concentra na

vontade das partes e os poderes do magistrado se encontram em posição secundária, com

privilégio dado aos princípios dispositivo, da inércia e da imparcialidade do juiz, que

serviam como limites para a atuação do órgão jurisdicional, sob pena de caracterização de

abuso de poder e nulidade do ato judiciário195, e o sistema inquisitivo, que é centrado nos

poderes do juiz e, ao contrário, a vontade das partes passa a ser secundária. São sistemas

opostos. Atualmente, não se constata a existência de sistemas puros, mas mistos. Portanto,

existem efetivamente poderes do juiz, mas a vontade das partes também ganha

importância.196

Questão relevante é como os poderes do juiz se manifestam no âmbito coletivo.

A temática tem relevo, tendo em vista o interesse social relevante presente nesses

processos, além da elevada conflitusiodade dentro de um único grupo, que engloba

diversos tipos de interesses. Ensina José Carlos Baptista Puoli que o grau de intensidade da

atuação do órgão jurisdicional depende do grau de disponibilidade do interesse sob

análise197, como afirmado acima.

193 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora

Juarez de Oliveira, 2001. p. 81.

194 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora

Juarez de Oliveira, 2001. p. 81.

195 Cf. PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora

Juarez de Oliveira, 2001. p. 22-23. Observa o autor que tais princípios ainda são aplicados, mas com a

visão da instrumentalidade do processo: “[...] tais postulados ainda podem reter posição de destaque no

embasamento de nossa ciência sem, contudo, servir de amarra excessiva para a postura e forma de

atuação dos juízes, o que se entende mais condizente com o atual momento metodológico do processo.”.

196 Foge ao objetivo da presente dissertação a análise dessa evolução. Quanto ao tema, recomenda-se a

consulta da seguinte obra: PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo

civil. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001. p. 21-55.

197 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora

Juarez de Oliveira, 2001. p. 27. Em relações de consumo, em âmbito coletivo, estarão presentes interesses

de alta relevância a demandar um alto grau de participação do órgão jurisdicional. Cf. p. 28.

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Assim, por mais bem elaborado que seja um sistema processual, ele não será

efetivo se não tiver magistrados empenhados com a efetividade do direito material

envolvido198, dentro da visão publicista do processo, em que o magistrado deve buscar

“[...] impor e fazer valer o direito material positivado pelo próprio Estado e pacificar os

conflitos ocorrentes na sociedade e que lhe forem submetidos.”.199

Nessa temática, o processo coletivo apresenta duas singularidades que devem

ser consideradas: primeiramente, o titular do direito não participa do processo200, ou seja, o

sujeito da relação jurídica processual não é o mesmo da relação jurídica material; e os

indivíduos atingidos pela decisão jurisdicional são, em regra, em número bastante

considerável, fazendo com que o alcance subjetivo de um processo coletivo seja sempre

significativamente maior do que um processo individual.

Podem-se citar, como exemplo, os poderes instrutórios detidos pelo magistrado

na seara processual individual, conforme prevê o artigo 130 do Código de Processo Civil.

Com maior razão essa previsão legal se aplica ao processo coletivo.

Como afirma Fábio Peixinho Gomes Côrrea201, em tese sobre o tema, o

ativismo judicial possui maior legitimidade quando o procedimento judicial tenha sido

conduzido sob o manto da cooperação entre as partes, através da estratégia de condução do

processo que cada juiz deve traçar, mas não se trata de fim primordial. A cooperação entre

as partes e o órgão jurisdicional é forma de conferir maior legitimidade às decisões e

melhorar a qualidade e quantidade de dados a serem considerados em cada

pronunciamento judicial.202 Cabe citar, a respeito do assunto, o que ensina José Carlos

Baptista Puoli: “É relevante notar que esse diálogo cooperativo, em verdade, será mesmo

condição fundamental para a própria verificação concreta do alcance dos princípios

198 Sobre o tema, cf. PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas da lei processual civil

brasileira. Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, sob

a orientação do Prof. Dr. Luiz Carlos de Azevedo. São Paulo: USP, 2000. p.47-50, 78-88.

199 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora

Juarez de Oliveira, 2001. p. 21.

200 Há uma exceção a essa regra que vem prevista no artigo 94 do Código de Defesa do Consumidor, nas

ações que envolvem direitos individuais homogêneos.

201 CORRÊA, Fábio Peixinho Gomes. Governança judicial: modelos de controle das atividades dos sujeitos

processuais. Tese de doutorado Professor Orientador: José Rogério Cruz e Tucci. São Paulo: USP, 2008.

p.225.

202 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora

Juarez de Oliveira, 2001. p. 47.

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constitucionais do processo, entre os quais o direito ao contraditório e ao devido processo

legal.” .203

Interessante notar, neste momento, o modo de definir “juiz” utilizado por

Marcelo Lima Guerra204 em comparação com um personagem teatral. Enquanto o

personagem do teatro tem um conjunto de atos que está autorizado a praticar de forma

fechada e estabelecida pelo autor da peça; o juiz, também deve seguir o conjunto de atos

previstos. No entanto, o conjunto estipulado para o magistrado é apenas uma possibilidade

hipotética de ocorrência e a criação desse modelo judicial se dá de forma mais complexa

que a criação teatral, pois depende da influência de diversas normas criadas não apenas por

processos explícitos, “[...] mas também recebendo o influxo de informações culturais

quase imperceptíveis.”205, além de situações externas que dependem da postura das partes

e das situações fáticas em que cada parte se encontra. Assim, desde há muito se averigua

qual o papel do magistrado: se mero intérprete-aplicador do direito ou se participa da

atividade de criação do direito, o que recebe, por vezes, a denominação de atividade

supletiva, dado que, primordialmente, quem teria a competência de “criar” o direito seria o

Poder Legislativo na clássica tripartição dos poderes206, elaborada por Montesquieu.207

Diante da já mencionada tendência ao aumento dos poderes judiciais, cabe fazer uma breve

análise histórica. No Estado liberal do século XIX, o juiz deveria conduzir o processo

seguindo as prescrições legais de forma estrita208, sem considerar as condições reais de

participação de cada parte no processo. Enquanto ao Poder Legislativo cabia a função de

203 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora

Juarez de Oliveira, 2001. p. 47.

204 Cf. GUERRA, Marcelo Lima. O que é um juiz? Revista de Processo, n. 191, ano 36, janeiro 2011, p.321-

337. Cf. CORRÊA, Fábio Peixinho Gomes. Governança judicial: modelos de controle das atividades dos

sujeitos processuais. Tese de doutorado Professor Orientador: José Rogério Cruz e Tucci. São Paulo: USP,

2008. p.39.

205 Cf. GUERRA, Marcelo Lima. O que é um juiz? Revista de Processo, n. 191, ano 36, janeiro 2011, p.324.

206 Cf. CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Trad. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Porto

Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999. p.13. Cf. PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e

as reformas do processo civil. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001. p.125-128. Sobre a alteração

do papel do Poder Judiciário.

207 Do Espírito das Leis ou das Relações que as leis devem ter com as Constituições de cada governo,

costumes, clima, religião e comércio. Obra publicada em 1748.

208 CANTOARIO, Diego Martinez Fervenza. Poderes do juiz e princípio do contraditório. Revista de

Processo, n. 195, ano 36, maio 2011. São Paulo, Revista dos Tribunais. (p.279-308). P. 281. “Este sistema,

alicerçado na igualdade como mero princípio teórico, punha-se em contraste com a realidade da vida,

perecendo nos casos em que não houvesse contendas entre pessoas e coletividades que ocupassem posições

semelhantes na sociedade.”.

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criação do direito, devido a sua legitimação popular e democrática, ao Poder Judiciário

cabia fazer atuar o conteúdo das normas legais209. No entanto, a solicitada igualdade

formal no tratamento das partes pelo magistrado não correspondia aos anseios sociais de

pacificação com justiça dos conflitos trazidos ao Poder Judiciário210, diante dessa

realidade, na Europa, durante o entre guerras211, houve leis que propugnavam o modelo do

juiz ativo na resolução de controvérsias212. Entretanto, o pêndulo rumou a seu outro

extremo, gerando empecilhos quanto à parcialidade do magistrado, que deixou sua postura

inerte para assumir uma postura ativa na busca de provas, comprometendo, da mesma

maneira, a eficácia do seu julgamento.213

Jeremy Bentham214, há quase dois séculos, usou o termo “direito judiciário”

para definir e também já condenar a realidade de o juiz declarar o direito e cria-lo neste

processo, a hoje conhecida judicialização da política e das relações sociais, defendida por

Luís Roberto Barroso215. Bentham criticava a criação do direito pelo magistrado diante dos

defeitos dessa atividade criativa, tais como a incerteza, a obscuridade, a confusão e a

dificuldade na verificação. No entanto, ele tinha consciência que mesmo a completa

codificação seria incapaz de inibir a atividade criadora do juiz. Sobre o tema, aponta

Mauro Cappelletti o paradoxo que ocorrera no século XX com a expansão do direito

209 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora

Juarez de Oliveira, 2001. p. 125.

210 Segundo Cândido Rangel Dinamarco, a tutela jurisdicional deve perseguir três escopos: o social, o

político e o jurídico. Cf.DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 4.ed. São

Paulo: Malheiros, 1994. passim.

211A análise da evolução da postura judicial nesse âmbito é feita com saltos e superficialmente, por fugir do

objetivo do presente trabalho a evolução histórica do instituto.

212 Sobre a evolução histórica do tema, cf. SADEK, Maria Tereza. Judiciário e arena pública: um olhar a

partir da ciência política. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle

jurisdicional de políticas públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

213 CANTOARIO, Diego Martinez Fervenza. Poderes do juiz e princípio do contraditório. Revista de

Processo, n. 195, ano 36, maio 2011. São Paulo, Revista dos Tribunais. p. 283. “Entre nós, o CPC de 1973

foi uma das últimas manifestações da crença na supremacia do interesse público e na excelência do Estado-

Providência, excessivamente interventivo. Esta foi a fonte do art. 130 do CPC pátrio, que almejava maior

proximidade com a verdade objetiva através do aumento dos poderes inquisitórios dos magistrados.”.

214 BENTHAM, Jeremy. The limits of jurisprudence defined. New York: Columbia University Press, 1945.

p.342. No sentido de que a deficiência na elaboração da lei pelo legislador que cria a necessidade de

interpretação.

215 BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção

teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.246-247.

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legislativo na mesma proporção em que o direito judiciário aumentara216. Adverte o autor

italiano que o tema não se reflete somente no âmbito do Poder Judiciário, pois é a

consequência da expansão do Estado em todos os seus ramos: executivo, legislativo e

judiciário. O reflexo causado no poder julgador é consequência do sistema de pesos e

contrapesos e da expansão do poder estatal nos poderes políticos. Segundo Mauro

Cappelletti217 a afirmação de que a expansão da atividade legislativa para novos domínios

com a consequente e paralela expansão do direito judiciário traz em si a necessária

conclusão de que a atividade do magistrado envolve certo grau criativo. É o conceito de

ativismo judicial de Luís Roberto Barroso trazido acima, com a participação do Poder

Judiciário na concretização dos valores constitucionais.

Pode-se lembrar uma causa provável para a ocorrência da judicialização das

relações sociais. É o fato de o Estado do Bem Estar Social ter operado suas mudanças

sociais iniciais através do Poder Legislativo, que elaborou leis regulamentadoras de

políticas sociais, concernentes ao direito do trabalho, da saúde, da segurança social, etc.

Com o decorrer do tempo, o Estado passou a ampliar sua regulamentação para a economia,

com leis antimonopolísticas, transportes e agricultura. Atualmente, o Estado assumiu

diferentes campos de responsabilidades para si, como a política de empregos, assistência

social, econômica e jurídica, o financiamento de atividades culturais, artísticas e a

renovação de centros urbanos em decadência218. Esses casos citados não são exaustivos,

pois as áreas de intervenção estatal são várias e não parecem parar de crescer. Além disso,

o mundo industrial que gera um grande mercado de consumo ocasiona consequências para

o consumidor durante a produção e no consumo, o que está regulamentado pelo direito

consumerista. Dessa maneira, quanto mais desenvolvida a sociedade, maior a sua

complexidade. Os conflitos originados nesta sociedade com elevado grau de complexidade

tendem a serem repletos de minúcias. Assim, a sociedade e o seu governo assumem o

compromisso de resolução desses conflitos de forma a manter o maior equilíbrio possível

216 Cf. Introdução do livro de Ronald Dworkin sobre a evolução da Teoria do Direito: DWORKIN, Ronald.

Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. CAPPELLETTI, Mauro. Juízes

legisladores? Trad. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor,

1999. p.18.

217 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Trad. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Porto Alegre:

Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999. p.20.

218 No sentido da constitucionalização de direitos: SADEK, Maria Tereza. Judiciário e arena pública: um

olhar a partir da ciência política. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O

controle jurisdicional de políticas públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.15.

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de acordo com o interesse público geral219, que não seria considerado por grandes grupos

empresariais, por exemplo, quando o assunto é o meio ambiente e o congestionamento no

trânsito, por exemplo, versus a maximização dos lucros.

Assim, os Estados com maior nível de organização se veem intervindo nas

mais diversas áreas e são chamados de Estado do Bem Estar Social, como já citado e

Mauro Cappelletti220 usa, inclusive, o termo “estado burocrático” para se referir a eles.

Essa realidade complexa que assume o Poder Legislativo gera uma situação de

sobrecarga sobre esse poder, principalmente nos Estados pluralísticos, onde seus

parlamentares se ocupam prioritariamente com discussões político-partidárias, e, assim, o

Poder Judiciário é chamado a intervir nos mais diversos campos221 e também o Poder

Executivo recebe funções novas, como a de regulamentar situações e regular serviços

através de agências222. Tais desenvolvimentos apontados trouxeram importantes

consequências para o Poder Judiciário, com aumento de funções e responsabilidades:

“Eles devem de fato escolher uma das duas possibilidades seguintes: a)

permanecer fieis, com pertinácia, à concepção tradicional, tipicamente do

século XIX, dos limites da função jurisdicional, ou b) elevar-se ao nível

dos outros poderes, tornar-se enfim o terceiro gigante, capaz de controlar

o legislador mastodonte e o levianesco administrador.” 223

Como aponta Mauro Cappelletti224, os Poderes Judiciários dos Estados

Modernos, mais cedo ou mais tarde, têm seguido a segunda opção, que acompanha o

219 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Trad. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Porto Alegre:

Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999. p.37-38.

220 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Trad. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Porto Alegre:

Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999. p.39.

221 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Trad. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Porto Alegre:

Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999. p.43.

222 Não se aborda a temática com a devida profundidade por fugir ao escopo do trabalho, no entanto,

recomenda-se a leitura de: CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Trad. OLIVEIRA, Carlos Alberto

Alvaro de. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999. passim. “Verifica-se, assim, o

desenvolvimento que já havíamos mencionado acima: a transformação gradual do welfare state em estado

administrativo. Mas, acrescenta-se aqui a constatação de crescente sentimento de desilusão e desconfiança,

não apenas em face dos parlamentos, mas também em relação ao poder executivo, à administração pública

e suas inúmeras agências.” p.44.

223 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Trad. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Porto Alegre:

Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999. p.46-47.

224 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Trad. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Porto Alegre:

Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999. p.48.

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aumento do Estado “leviatã”. Essa opção não se apresenta isenta de riscos de abusos:

“Existe, antes, certa semelhança entre esses riscos e os decorrentes de outras

manifestações do gigantismo estatal, de natureza legislativa ou administrativa: riscos de

autoritarismo, lentidão e gravosidade, [...].”225. Dentre os vários pontos vulneráveis desta

nova realidade que se apresenta, pode-se citar a dificuldade no controle da

discricionariedade administrativa em questões técnicas e a dificuldade de fiscalização de

atividades que são de trato continuado no tempo, como a prestação de serviços públicos e a

implantação de políticas públicas, além da questão da legitimidade democrática das

decisões oriundas do Poder Judiciário.226

Seguidamente a essa realidade exposta, a legislação do Estado de Bem Estar

Social não se amolda ao modelo tradicional de o Estado optar por o que seja “certo” ou

“errado”, permitindo ou proibindo condutas. Este modelo estatal adota o modelo

promocional, estabelecendo diretrizes para o futuro, prospectivas sobre direitos sociais.

Assim, usualmente, a lei conterá princípios e diretrizes gerais que deverão ser

complementadas por normas técnicas posteriores de inferior grau hierárquico. Como

aponta Mauro Cappelletti227 sobre os direitos sociais: “Exigem eles, ao contrário,

permanente ação do estado, com vistas a financiar subsídios, remover barreiras sociais e

econômicas, para, enfim, promover a realização dos programas sociais [...].”.

Essa realidade da legislação sobre direitos sociais afeta o papel dos

magistrados, que integram um dos Poderes deste Estado com papel transformado e não

teriam como passar inertes diante de tamanhas mudanças. O Poder Judiciário é chamado a

tornar efetivos esses programas previstos legalmente de forma abstrata através de

finalidades e princípios.228

225 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Trad. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Porto Alegre:

Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999. p.49.

226 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Trad. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Porto Alegre:

Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999. p.50. “Permanece, todavia, o fato de que, segundo a opinião de muitos,

na criatividade jurídica dos legisladores democraticamente eleitos e dos administradores públicos

politicamente responsáveis reside maior grau de “legitimação”, de qualquer maneira mais evidente do que

no “ativismo judiciário”, vale dizer, na criatividade jurídica da magistratura, caracterizada exatamente pela

tradição de independência política e isolamento.”.

227 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Trad. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Porto Alegre:

Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999. p.41.

228 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Trad. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Porto Alegre:

Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999. p.42.

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Assim, a atividade criativa existe em qualquer tarefa julgadora, como já

apontado, no entanto, em matéria de direitos sociais e leis prescritivas, o grau de

criatividade da atividade judiciária aumenta diante do elevado grau de abstração da própria

norma 229, exigindo dos membros do Poder Judiciário novas posturas de forma a fazer

respeitar esses direitos previstos legalmente de forma ampla.

Atualmente, o tema ganha relevância no controle judicial de políticas públicas,

é como Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. ensinam: “[...] os exemplos recentes estão se

multiplicando, existindo precedentes, já dos tribunais superiores, confirmando decisões

que ordenam a execução de atividades essenciais pelo administrador, a obrigatoriedade

do fornecimento de creches, a reforma de presídios, de hospitais, etc.” 230. Trata-se melhor

do tema adiante.

Assim, resta inconteste que a atividade judiciária envolve a atividade de

criação do direito, pois o significado dado a expressões idiomáticas e a palavras secas

variam de acordo com o tempo e com o espaço em uma mesma sociedade e,

acentuadamente, em sociedades plurais. Somada a essa realidade, o próprio legislador

passou a fazer maior uso de conceitos indeterminados para evitar que os textos legais

rapidamente se tornassem obsoletos com as cada vez mais rápidas mudanças que têm se

operado no âmbito tecnológico e social.231 Além disso, por vezes, não se trata de

determinar qual o grau de criatividade que o intérprete detém, mas o subjetivismo

carregado por cada interpretação e que é distinto em cada indivíduo232. O questão central é

o grau de criatividade, os modos, os limites e a aceitabilidade dessa criação pelos Tribunais

de forma a evitar a arbitrariedade. A afirmação de que toda interpretação envolve a criação

229 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Trad. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Porto Alegre:

Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999. p.42.

230 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.130.

231PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Juarez de

Oliveira, 2002. p.72-73.

232CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Trad. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Porto Alegre:

Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999. p.21-22. “Em realidade, interpretação significa penetrar os

pensamentos, inspirações e linguagem de outras pessoas com vistas a compreende-los e – [...]. É óbvio que

toda reprodução e execução varia profundamente, entre outras influências, segundo a capacidade do

intelecto e estado de alma do intérprete. Quem pretenderia comparar a execução musical de Arthur

Rubinstein com a do nosso ruidoso vizinho? E, na verdade, quem poderia confundir as interpretações

geniais de Rubinstein, com as também geniais, mas bem diversas, de Cortot, Gieseking ou de Horowitz?

Por mais que o intérprete se esforce por permanecer fiel ao seu “texto”, ele será sempre, por assim dizer,

forçado a ser livre – porque não há texto musical ou poético, nem tampouco legislativo, que não deixe

espaço para variações e nuances, para a atividade interpretativa.”.

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de algo pelo indivíduo que a exerça não significa total liberdade deste. Como bem destaca

Mauro Cappelletti: “Discricionariedade não quer dizer necessariamente arbitrariedade, e

o juiz, embora inevitavelmente criador do direito, não é necessariamente um criador

completamente livre de vínculos.”.233 Dessa forma, a atividade judicial é tolhida por limites

processuais e substanciais. Estes variam com o tempo e com o espaço, podendo ser a lei ou

a equidade, por exemplo, além do texto constitucional, cabe-nos pontuar alguns dos limites

que incidem hoje para o magistrado pátrio adiante. Segundo Swarai Cervone de

Oliveira234, tanto no processo individual, quanto no coletivo, o vetor de atuação judicial

deve ser a cláusula do devido processo. O grau de liberdade judicial dependerá da menor

ou maior carga publicística que se dê ao processo judicial, como aponta o mencionado

autor. O Projeto de Lei n. 5.139/09, que foi rejeitado, valorizava o cunho publicístico do

processo coletivo e seus fins políticos sociais, no mesmo sentido que o microssistema de

processos coletivos atualmente em vigor o faz.235

Até o momento, delimitada a temática e, nos dizeres de Mauro Cappelletti, não

passa-se de “[...]truísmo privado de significado: é natural que toda interpretação seja

criativa [...]” 236. Agora, convém estabelecer quais os limites da atividade criadora do juiz.

Essa tarefa de delinear limites à realidade destacada é árdua, mas, dentro dos objetivos do

presente trabalho, esses limites são apontados dentro da manifestação de maior poder do

órgão jurisdicional em alguns dos princípios estudados em seguida e diante de algumas

conclusões alcançadas pelo Professor paulista José Carlos Baptista Puoli237 em pesquisa

sobre a ampliação dos poderes do juiz no processo civil brasileiro. Aponta o Professor

mencionado o princípio da motivação das decisões judiciais, imposto pelo constituinte

233 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Trad. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Porto Alegre:

Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999. p.23-24.

234 Cf. OLIVEIRA, Swarai Cervone de. Poderes do juiz nos processo coletivos. In: CALMON, Petrônio;

CIANCI, Mirna; GOZZOLI, Maria Clara; QUARTIERI, Rita (Coord.). Em defesa de um novo sistema de

processos coletivos: estudos em homenagem a Ada Pellegrini GRinover. São Paulo: Saraiva, 2010. p.643.

235 Sobre o caráter político das decisões que envolvem interesses transindividuais, cf.: PUOLI, José Carlos

Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001.

p. 139. “Fechando este tópico, cumpre verificar que, seja pelo aspecto da maior influência que as decisões

proferidas em ações onde são debatidos interesses metaindividuais projetam sobre a sociedade, seja pelo

modo peculiar de interpretação exigida pelas normas legais relacionadas com os novos direitos, fato é que

tais decisões têm nítido componente político.”.

236 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Trad. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Porto Alegre:

Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999. p.25.

237 Cf. PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora

Juarez de Oliveira, 2001. p.213-217.

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brasileiro, no artigo 93, inciso IX, como um “[...] elemento de controle do exercício do

crescente poder exercido pelos juízes.”238, através do estudo da conformação do conteúdo

da decisão com as disposições de nosso ordenamento jurídico.

Além disso, em um Estado Democrático de Direito, que estabelece limitações e

responsabilidades para os que exercem o poder, o tema da responsabilidade dos juízes se

destaca e carece de profundos estudos sobre o tema que transitem pela responsabilidade

civil dos juízes e pela responsabilidade civil do Estado diante da atuação do magistrado

como um agente público.239

Por fim, aponta José Carlos Baptista Puoli240 que a forma de recrutamento e

aperfeiçoamento do corpo profissional são temas que não podem ser olvidados diante da

realidade de aumento de poderes dos magistrados; “[...] tudo para que o poder (de que

tanto tratou este texto) seja continuamente exercido dentro de parâmetros de

razoabilidade e humanismo e, no bojo do processo civil, não se perca de vista jamais o

norte, a saber, a viabilização dos escopos social, político e jurídico do processo.” 241, para

que se evitem situações perigosas, como indica José Eduardo Faria: “Porque, ao lado de

suas preocupações de natureza profissional, muitos atores jurídicos também não se

descartam de suas opções políticas, valendo-se dos aspectos ambíguos e contraditórios do

direito positivo para uma “práxis libertadora” em prol de uma efetiva justiça social.” .242

238 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora

Juarez de Oliveira, 2001. p. 215.

239 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora

Juarez de Oliveira, 2001. p. 213-214. “Sabe-se, contudo, que as dificuldades para formatação de um

adequado modelo para responsabilização dos juízes são inúmeras.”.

240 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora

Juarez de Oliveira, 2001. p. 216.

241 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora

Juarez de Oliveira, 2001. p. 217.

242 FARIA, José Eduardo. Ordem legal X mudança social: a crise do Judiciário e a formação do magistrado.

In: FARIA, José Eduardo. (Org.). Direito e justiça: a função social do Judiciário. 3.ed. São Paulo: Editora

Ática, 1997. p.97.

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3.1.1 Ativismo judicial e a tutela jurisdicional dos interesses transindividuais

Como já mencionado linhas atrás, o processo coletivo tem peculiaridades que

afetam o ativismo judicial de forma peculiar, pois o titular do direito substancial não está

presente na relação processual diretamente, mas através de um representante adequado e a

abrangência da decisão judicial no âmbito coletivo é larga, tendo “[...] repercussão sobre

grandes parcelas da sociedade quando não atingem todos os seus componentes”, como

destaca o processualista José Carlos Baptista Puoli243, o que destaca a conotação altamente

política das decisões jurisdicionais que envolvem interesses transindividuais. Assim,

citam-se o artigo 130 do Código de Processo Civil e a possibilidade de saneamento de

vícios pelo magistrado244, como exemplos. Deve-se buscar o uso do processo de forma

ética, como ensina José Carlos Baptista Puoli: “Em situações de desequilíbrio, não poderá

o legislador, nem o aplicador da lei (principalmente o juiz), contentar-se com soluções

genéricas e formalistas que não tenham a capacidade de contribuir para o fim [...] de

superação de desigualdades.”.245

Em parecer sobre o Código de Defesa do Consumidor e o processo civil, o

processualista paulista José Rogério Cruz e Tucci destaca os aspectos processuais mais

relevantes trazidos pelo Código Consumerista e, dentre os pontos eleitos, está a amplitude

dos poderes conferidos aos órgãos do Poder Judiciário, inserido na necessidade de “[...]

um equilíbrio harmônico entre técnica de tutela substancial e garantia de defesa

processual.” 246, trazendo importante papel aos órgãos jurisdicionais no desenvolver do

processo: “[...] se funções transcendentais são reservadas ao juiz quanto à direção do

processo, com certeza dilatam-se estas no âmbito das ações de natureza coletiva.” .247

243 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora

Juarez de Oliveira, 2001. p. 134.

244 Cf. item “O ativismo judicial como tendência e suas implicações na seara coletiva”.

245 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora

Juarez de Oliveira, 2001. p. 76-77.

246 TUCCI, José Rogério Cruz e. Código do consumidor e processo civil: aspectos polêmicos. Revista dos

Tribunais, ano 80, setembro de 1991, vol. 671, p.32-39, São Paulo. p.33.

247 TUCCI, José Rogério Cruz e. Código do consumidor e processo civil: aspectos polêmicos. Revista dos

Tribunais, ano 80, setembro de 1991, vol. 671, p.32-39, São Paulo. p.33.

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77

Assim, o artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor traz previsões que

configuram exceções ao princípio da demanda248, que delineia a função jurisdicional com a

característica de substitutividade somente, quando prevê, em seu caput, a possibilidade de

o juiz determinar providências que assegurem o resultado prático equivalente ao da

prestação não adimplida; também prevê uma exceção no seu parágrafo 4º, quando

possibilita a fixação de multa diária ao réu independentemente de pedido do autor. Como

ensinam Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe e Nelson Nery Júnior:

“O dispositivo confere maior plasticidade ao processo, principalmente

quanto ao provimento nele reclamado, permitindo que o juiz, em cada

caso concreto, por meio da faculdade prevista no parágrafo em análise,

proceda ao adequado equilíbrio entre direito e a execução respectiva,

procurando fazer com que esta última ocorra de forma compatível e

proporcional à peculiaridade de cada caso.”249

Os autores mencionados destacam a necessidade de preparação dos

magistrados com relação ao conhecimento jurídico e também a outras áreas do saber

humano diante dessa previsão legal, para que a aderência de suas decisões à realidade

socioeconômica-política seja a maior possível.250 Por fim, o dispositivo sob análise ainda

prevê, em seu parágrafo 5º, a possibilidade de o magistrado determinar as medidas

necessárias para a obtenção do resultado prático equivalente.

Ensina José Rogério Cruz e Tucci251 que o Código de Processo Civil, no

âmbito do processo individual, portanto, já traz, em seu artigo 798, o “poder cautelar geral”

do magistrado. No entanto, a legislação ora em comento objetivou dar maior realce a essa

possibilidade concedida ao órgão jurisdicional na tutela dos interesses transindividuais, de

forma a impedir-lhes o dano ou a limitar seus efeitos nocivos. O processualista paulista

encerra o tema:

248 TUCCI, José Rogério Cruz e. Código do consumidor e processo civil: aspectos polêmicos. Revista dos

Tribunais, ano 80, setembro de 1991, vol. 671, p.32-39, São Paulo. p.33.

249 GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do

Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2011. p.115.

250 GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do

Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2011. p.115.

251 TUCCI, José Rogério Cruz e. Código do consumidor e processo civil: aspectos polêmicos. Revista dos

Tribunais, ano 80, setembro de 1991, vol. 671, p.32-39, São Paulo. p.33.

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78

“Desse modo, não se faz difícil compreender a clara intenção do

legislador pátrio de afastar-se de dogmas tradicionais do processo civil,

posto, em se tratando de controvérsias de espectro coletivo, correta se

delineia, a meu ver, a ampliação dos poderes dos agentes do Poder

Judiciário incumbidos da administração da Justiça.”252

Além dessas previsões, o microssistema consumerista ainda traz a

possibilidade de inversão do ônus da prova em favor da parte vulnerável mediante o

preenchimento dos requisitos de vulnerabilidade ou de hipossuficiência. Cabe frisar o que

diz José Carlos Baptista Puoli sobre o tema: “Ocorre que o conteúdo de tais requisitos

será, em boa medida, plasmado pelo juiz, segundo as circunstâncias do caso concreto e o

influxo de uma carga valorativa [...].”253. O uso de termos vagos não se esgota aí na seara

coletiva, pelo contrário, os exemplos são vários e permeiam os princípios constitucionais,

assim como as regras, que, a rigor, deveriam conter termos com maior nível de precisão

teórica. Diante dessa situação, o silogismo puro da situação fática à norma é obstaculizado,

como ensina José Carlos Baptista Puoli.254

Como destaca Vittorio Denti255, as regras que regulam o papel do juiz não

exibem neutralidade, pois são reflexo da ideologia do processo que regula a relação entre o

juiz e o Estado e entre o juiz e a sociedade civil. No entanto, para a garantia de um

processo leal e célere, seria irresponsável falar-se apenas no papel mais ativo que o

magistrado assume sem destacar a devida colaboração das partes.256

Como expôs José Carlos Baptista Puoli em sua dissertação já citada neste

trabalho, cabe citar mais um trecho concludente sobre o tema:

252 TUCCI, José Rogério Cruz e. Código do consumidor e processo civil: aspectos polêmicos. Revista dos

Tribunais, ano 80, setembro de 1991, vol. 671, p.32-39, São Paulo. p.33.

253 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora

Juarez de Oliveira, 2001. p. 78.

254 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora

Juarez de Oliveira, 2001. p. 135.

255 DENTI, Vittorio. La giustizia civile: lezioni introduttive. Bologna: il Mulino, 1989. p. 80-92. Cf.

OLIVEIRA, Swarai Cervone de. Poderes do juiz nos processo coletivos. In: CALMON, Petrônio; CIANCI,

Mirna; GOZZOLI, Maria Clara; QUARTIERI, Rita (Coord.). Em defesa de um novo sistema de

processos coletivos: estudos em homenagem a Ada Pellegrini GRinover. São Paulo: Saraiva, 2010. p.645.

256 Cf. OLIVEIRA, Swarai Cervone de. Poderes do juiz nos processo coletivos. In: CALMON, Petrônio;

CIANCI, Mirna; GOZZOLI, Maria Clara; QUARTIERI, Rita (Coord.). Em defesa de um novo sistema de

processos coletivos: estudos em homenagem a Ada Pellegrini GRinover. São Paulo: Saraiva, 2010. p.646.

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79

“Se isto, por um lado, demonstra aumento dos poderes detidos pelos

juízes, por outro, como será oportunamente examinado, impõe maiores

cuidados e maior grau de responsabilidade por parte do juiz, seja por

conta dele não poder se escudar de forma direta na vontade da maioria

(que nenhuma relação teve para com seu recrutamento), seja por conta de

sua decisão gerar efeitos para um futuro que, justamente por ser ainda

desconhecido, impõe maior ponderação a respeito da decisão, ou, ao

menos, algum tipo de controle sobre o correto atingimento dos objetivos

programáticos que nelas estejam embutidos.” 257

Entretanto, contar somente com “maior cuidado” por parte do magistrado e

com sua consciência de uma “maior responsabilidade” gera insegurança jurídica, pois falta

previsibilidade no exercício do poder político conferido ao Poder Judiciário, como

explanado na obra acima mencionada. Faltam limites objetivos ao exercício dessa

liberdade, que somente encontra freios no princípio da inércia e nos preceitos

constitucionais e legais, que, no entanto, apresentam termos indeterminados,

impossibilitando um nítido delineamento das possibilidades do órgão jurisdicional.258

Algumas formas de controle do exercício da atividade jurisdicional são trazidas ao longo

do trabalho, quando aborda-se do princípio da publicidade e o da motivação das decisões

judiciais, por exemplo, que possuem conexão com o tema ora em análise.

257 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora

Juarez de Oliveira, 2001. p. 76-77.

258 Para ampla referência bibliográfica sobre os poderes do juiz, cf. PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes

do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001. p. 145-146.

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80

3.1.2 Processo coletivo e as políticas públicas

Thomas Humphrey Marshall, em seu estudo “Citizenship and social class” 259,

elaborado no contexto europeu, especificamente britânico, em meados do século XX,

propõe que a cidadania seja composta de três esferas de direitos que se desenvolveram em

um processo histórico: civis, políticos e sociais. São as duas primeiras gerações de direitos:

os civis e os sociais; acrescidos, posteriormente da terceira geração, que são os direitos que

pertencem aos grupos, ou seja, crianças, idosos, consumidores e minorias260. Para a

efetivação dos direitos de segunda e terceira geração, são necessárias políticas públicas:

“[...] ao reconhecerem a exclusão, objetivem uma justiça distributiva. Ou seja, é

necessário um Estado atuante, no sentido de providenciar a concretização dos direitos à

saúde, ao trabalho, à educação, à moradia, à aposentadoria etc.” 261. A divisão dos

direitos fundamentais é de Paulo Bonavides262, que acrescenta, ainda, a quarta

dimensão de direitos, referentes aos direitos de participação relacionados à

democracia.

É necessário conceituar “políticas públicas”, no entanto, conceituar

não é tarefa fácil, pois conceitos podem fechar realidades amplas, fornecendo

uma ideia menor do seu real alcance, ou apenas mostrar parte da realidade.

Diante desse obstáculo, seguimos a definição precisa de Rodolfo de Camargo

Mancuso que relaciona o tema ao controle jurisdicional:

“[...] política pública pode ser considerada como a conduta

comissiva ou omissiva da Administração Pública, em sentido

largo, voltada à consecução de programa ou meta previstos em

norma constitucional ou legal, sujeitando-se ao controle

jurisdicional amplo e exauriente especialmente no tocante à

259 MARSHALL, Thomas Humphrey. Citizenship and social class. Disponível em:

<http://delong.typepad.com/marshall-citizenship-and-social-class.pdf>. Acesso em: 08 de julho de 2013.

260 Sobre o tema, cf. SADEK, Maria Tereza. Judiciário e arena pública: um olhar a partir da ciência política.

In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas

públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.9.

261 SADEK, Maria Tereza. Judiciário e arena pública: um olhar a partir da ciência política. In: GRINOVER,

Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. Rio de

Janeiro: Forense, 2011. p.9.

262 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13.ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p.571.

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81

eficiência dos meios empregados e à avaliação dos resultados

alcançados.” 263

Nesse contexto brevemente apresentado264, “[...] modifica-se inteiramente o

perfil do poder público e também da justiça estatal. Trata-se, a partir de então, de garantir

não apenas as liberdades negativas, mas também de assegurar as liberdades positivas.”

265, assim, revela-se a extrema importância do acesso à justiça e do novo papel do Poder

Judiciário266. Eurico Ferraresi afirma que as políticas públicas almejam o alcance dos

objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, inscritos no artigo 3º do texto

constitucional.267

Foge ao objetivo deste trabalho a análise ampla do tema da intervenção do

Poder Judiciário nas políticas públicas, que se revela extremamente complexo268, no

263 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Controle judicial das chamadas políticas públicas. In: MILARÉ, Édis.

(Coord.). Ação civil pública: Lei n. 7.347/1985 – 15 anos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p.730.

264 Para maiores explicações sobre a evolução histórica dos institutos, recomenda-se a leitura do artigo:

SADEK, Maria Tereza. Judiciário e arena pública: um olhar a partir da ciência política. In: GRINOVER,

Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. Rio de

Janeiro: Forense, 2011. p.1-32. Assim como a leitura da obra de Thomas Humphrey Marshall.

MARSHALL, Thomas Humphrey. Citizenship and social class. Disponível em:

<http://delong.typepad.com/marshall-citizenship-and-social-class.pdf>. Acesso em: 08 de julho de 2013..

265 SADEK, Maria Tereza. Judiciário e arena pública: um olhar a partir da ciência política. In: GRINOVER,

Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. Rio de

Janeiro: Forense, 2011. p.10. Sobre os estudos acerca do tema: “Não é, pois, por acaso que os primeiros

estudos de natureza política sobre o Judiciário tenham nascido nos Estados Unidos. A tradição inaugurada

por Tocqueville no século XIX se desenvolveu, ganhando estatura. Desde pelo menos os anos 1950, uma

importante área de estudos e pesquisas se consolidou caracterizada por interpretações que acentuam o papel

político do Judiciário, e consequentemente sua atuação na arena pública. Essa literatura é em grande parte

marcada pelo debate entre os favoráveis e os contrários ao ativismo judicial.” – p.13. A obra de Tocqueville

a que a autora se refere é “A democracia na América: sentimentos e opiniões”.

266 CAPPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto

Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988. passim. Mauro Cappelletti e Bryant Garth apontam a existência de

três ondas processuais. A segunda dessas ondas renovatórias abrange o acesso à justiça e os direitos

coletivos. Percebeu-se a necessidade, segundo esses autores, de uma tutela mais efetiva para direitos que

transbordam a esfera individual.

267 FERRARESI, Eurico. A responsabilidade do Ministério Público no controle das políticas públicas. In:

GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas

públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 491-492.

268 Sobre a complexidade que circunda o tema: ZUFELATO, Camilo. Controle judicial de políticas públicas

mediante ações coletivas e individuais. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O

controle jurisdicional de políticas públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 309. “Trata-se de um tema

com extensão amplíssima, transpassando por uma miríade de áreas do direito – dentre as quais é possível

destacar direito constitucional, administrativo, processual civil, econômico etc. -, bem como tem

fundamentado uma quantidade considerável de decisões dos tribunais pátrios, [...].”. No mesmo sentido:

COSTA, Susana Heniques da. O Poder Judiciário no controle de políticas públicas: uma breve análise de

alguns precedentes do STF. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle

jurisdicional de políticas públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.451.

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82

entanto, convém registrar a existência do fenômeno e a forma que ele se revela dentro do

processo coletivo, pois há uma relação entre ele e os princípios do processo civil.

Inclusive, há processualistas, como Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. que classificam o

ativismo judicial como um princípio, como mencionado acima e, além disso, citam esses

juristas que o “princípio do ativismo judicial” se revela no controle judicial de políticas

públicas:

“Em verdade, é bom frisar, as decisões têm salientado não ser permitido

ao Judiciário a criação ou sindicabilidade de meras diretrizes em políticas

públicas, deixadas à conveniência e oportunidade do executivo e do

legislador, mas, quando existe um direito assegurado na Constituição e na

lei infraconstitucional, que regulamente o campo de escolha do

administrador, este está de tal forma reduzido que a sindicabilidade pelo

Judiciário é decorrência natural do dever de assegurar a efetividade dos

direitos fundamentais.” 269

Como já explanado, não se defende, aqui, a classificação do fenômeno

“ativismo judicial” como um princípio, por todos os argumentos já explanados

anteriormente, mas a posição dos juristas do Estado da Bahia se mostra relevante e merece

destaque.

Exemplos desse controle se multiplicam nos Tribunais Superiores, com a

obrigatoriedade no fornecimento de creches, a reforma de presídios e de hospitais, dentre

outros270. “Em outras palavras, o protagonismo judicial encontra guarida em

variáveis decorrentes do desenho institucional e da amplitude dos direitos

reconhecidos legalmente. Essas balizas levam a concluir que a relaç ão entre o

Poder Judiciário e as políticas públicas é indissociável e previsível .”, conclui

Maria Tereza Sadek.271

Embora fuja do cerne da questão a ser abordada aqui, cabe mencionar

que “[...] basicamente os argumentos contrários à judicialização das políti cas

269 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.131.

270 Cf. Boletim Informativo do STF n. 419 (RE 190938). Nesse sentido: DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR.,

Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4. 5.ed. Salvador: JusPodium, 2010.

p.130-131.

271 SADEK, Maria Tereza. Judiciário e arena pública: um olhar a partir da ciência política. In: GRINOVER,

Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. Rio de

Janeiro: Forense, 2011. p.19.

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públicas se concentram nos seguintes pontos: i) a violação à teoria da

separação dos poderes estatais, ii) o dogma da discricionariedade

administrativa e iii) a reserva do possível.” 272. No entanto, esses argumentos têm

sido afastados na prática diante da premente necessidade de judicialização de conflitos que

envolvem a violação de direitos fundamentais. Além disso:

“Em realidade, sob a égide da Constituição Federal de 1988 e da eficácia

dos direitos fundamentais, é preciso revisitar a ideia liberal de que à

Jurisdição não cabe apreciar questões “políticas” sob pena de se imiscuir

em temática a ela estranha, considerando que tradicionalmente o

Judiciário decidia tão somente questões individuais. Em suma, é inegável

que o processo tem um escopo político273 na medida em que é

instrumento de consecução de fins estatais.” 274

As críticas costumeiramente feitas se baseiam em um conceito

equivocado de jurisdição, que não se coaduna com o seu instrumento, o

processo no formato atual, como meio de resolução de conf litos em uma

sociedade plural e democrática e também como meio de efetivação dos direitos

fundamentais previstos no texto constitucional, “[...] meio esse que convive

harmoniosamente com os instrumentos clássicos da democracia, como a

tripartição de poderes e a escolha dos representantes políticos por meio do

voto, por exemplo .” 275. O fator legitimador das decisões judiciais hodiernamente é o

binômio “participação e processo”, ou seja, é o procedimento judicial conduzido através de

um contraditório efetivo que concederá a legitimidade necessária às decisões judiciais no

âmbito de políticas públicas.

272 ZUFELATO, Camilo. Controle judicial de políticas públicas mediante ações coletivas e individuais. In:

GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas

públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 310. Sobre o dogma da discricionariedade administrativa,

recomenda-se a leitura dos artigos no livro: SALLES, Carlos Alberto de. (Org.). Processo civil e interesse

público: o processo como instrumento de defesa social. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

273 Segundo os três escopos da jurisdição: social, jurídico e político. Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. A

instrumentalidade do processo. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1994. passim.

274ZUFELATO, Camilo. Controle judicial de políticas públicas mediante ações coletivas e individuais. In:

GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas

públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 311.

275 ZUFELATO, Camilo. Controle judicial de políticas públicas mediante ações coletivas e individuais. In:

GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas

públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 312.

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84

Em seguida, apresenta-se o elemento de ligação entre o conteúdo do capítulo

anterior, que aborda as espécies normativas, e este tópico, afirmando a assunção de eficácia

jurídica pelos princípios que legitimam a intervenção judicial em matéria de políticas

públicas, como ensina Camilo Zufelato:

“Concomitantemente à suplantação da ideia de jurisdição liberal acima

referida, ocorreu uma significativa alteração no modelo de construção do

regramento jurídico, que passou de um sistema único de regras para um

sistema de regras e princípios. Essa mudança estrutural, fundada em uma

nova hermenêutica constitucional que confere eficácia aos valores

jurídicos e aos princípios constitucionais, autoriza o Judiciário a intervir

nos conflitos envolvendo políticas públicas mesmo sem lei

regulamentadora do assunto, pois que os princípios em tese violados

gozam de eficácia jurídica suficiente para serem implementados

judicialmente. Em síntese, a legislação não é mais a fonte única ou

mesmo prioritária da produção de regras jurídicas, e por consequência o

juiz não é mais um simples aplicador da regra legal ao caso concreto.”276

Portanto, a nova organização das espécies normativas, que alçou os princípios

a categoria de norma jurídica e não mera diretriz abstrata, possibilitou essa transformação

da jurisprudência que se forma nos Tribunais paulatinamente.277

No entanto, não é prudente admitir a possibilidade da intervenção judicial em

políticas públicas sem o delineamento de alguns limites para essa atuação. Embora essa

não seja tarefa fácil, estes limites podem ser encontrados na decisão monocrática do

Ministro Celso de Mello na ADPF n. 45/9 em três linhas: o mínimo existencial que deve

ser garantido a todo cidadão; a razoabilidade da pretensão deduzida frente ao Poder

Público; a existência de disponibilidade financeira do Estado para efetivar as prestações

positivas exigidas.

Quanto ao primeiro limite, o mínimo existencial, a discussão se concentra nos

direitos jurisdicionalizáveis: se todos os direitos fundamentais previstos no texto

constitucional seriam imediatamente exigíveis ou se há necessidade de uma manifestação

dos outros dois poderes, o Executivo e o Legislativo. Seguindo o esteio do Professor

276 ZUFELATO, Camilo. Controle judicial de políticas públicas mediante ações coletivas e individuais. In:

GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas

públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 313-314.

277 Remete-se o leitor ao capítulo segundo, que trata das espécies normativas e a demonstração da alteração

de aplicação das normas jurídicas, que deixou de ser exclusivamente através da subsunção para usar

critérios como o da proporcionalidade e da razoabilidade, que são as normas de segundo grau, segundo

Humberto Ávila. Nesse sentido também: ZUFELATO, Camilo. Controle judicial de políticas públicas

mediante ações coletivas e individuais. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O

controle jurisdicional de políticas públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 314.

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Kazuo Watanabe: “O “mínimo existencial” diz respeito ao núcleo básico do princípio da

dignidade humana assegurado por um extenso elenco de direitos fundamentais sociais,

tais como direitos à educação fundamental, à saúde básica, à assistência social, ao acesso

à justiça, à moradia, ao trabalho, ao salário mínimo, à proteção à maternidade e à

infância.” 278. A jurisprudência dos Tribunais Superiores não tem admitido a alegação da

tese da reserva do possível quando em jogo o mínimo existencial279. Dessa forma, o

mínimo existencial tem funcionado como parâmetro para o controle de políticas públicas

pelo Poder Judiciário. No entanto, o mínimo existencial, como acima explicado, pode ser

amplo e o Poder Judiciário precisará de um parâmetro. Nesse momento, entra o segundo

limite: a razoabilidade, segundo ensina Ada Pellegrini Grinover280, seria sinônimo do

princípio da proporcionalidade e de seus três sub-princípios já elencados nesse trabalho,

quais sejam: adequação de meios, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

Em relação ao terceiro limite, a reserva do possível, não basta que a

Administração Pública o alegue sem fazer a devida prova. Caso a alegação de falta de

recursos seja acolhida, ocorrerá o diferimento no cumprimento da obrigação consistente no

fazer a política pública, pois a obrigação poderá consistir na dotação da verba necessária

para a próxima proposta orçamentária. Kazuo Watanabe entende que a reserva do possível

é inoponível quando em tela o mínimo existencial.281

Dentre os mecanismos técnico-processuais aptos a veicular pretensões que

envolvam políticas públicas, tem-se as ações constitucionais, conhecidas como ações do

controle concentrado de constitucionalidade, e as ações coletivas e individuais no âmbito

das situações concretas em que haja omissão ou desvirtuamento da atuação do Poder

278 WATANABE, Kazuo. Controle jurisdicional das políticas públicas – “mínimo existencial” e demais

direitos fundamentais imediatamente judicialízáveis. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE,

Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 219. “O

“mínimo existencial”, além de variável histórica e geograficamente, é um conceito dinâmico e evolutivo,

presidido pelo princípio da proibição do retrocesso, ampliando-se a sua abrangência na medida em que

melhorem as condições sociais e econômicas do país.”.

279 Nesse sentido: STF, RE n. 482.611, SC, Rel. Ministro Celso de Mello; STJ, REsp n. 1.185.474-SC,

Ministro Humberto Martins.

280 GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle jurisdicional de políticas públicas. In: GRINOVER, Ada

Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. Rio de

Janeiro: Forense, 2011. p. 133.

281 WATANABE, Kazuo. Controle jurisdicional das políticas públicas – “mínimo existencial” e demais

direitos fundamentais imediatamente judicialízáveis. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE,

Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 222-

223.

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86

Público282. Tendo em vista o objetivo atual da análise aqui feita, percorrem-se, de forma

sucinta, as ações coletivas, que veiculam pretensões coletivas de direito material. Como

ensina Camilo Zufelato: “Em termos mais claros, em última análise as políticas públicas

são espécie de direitos coletivos e portanto tuteláveis mediante o processo coletivo.” 283.

Além disso, do ponto de vista legislativo, ocorreu uma grande ampliação do objeto das

ações coletivas com a inserção de uma espécie de cláusula geral que admite a tutela de

qualquer tipo de direito transindividual no inciso IV do artigo 1º da Lei da Ação Civil

Pública (Lei n. 7.347 de 1985). Assim: “[...] é possível inserir as políticas públicas no

interior das espécies de direitos coletivos, e nessa medida afirmar ser possível a utilização

da tutela jurisdicional coletiva para controlar tais políticas.”.284

Quanto às espécies de ações para a tutela jurisdicional de interesses

transindividuais, Camilo Zufelato defende ser possível o uso de todas elas, ou seja, ação

civil pública, ação coletiva, mandado de segurança coletivo, ação popular, ação de

improbidade administrativa e mandado de injunção coletivo, para esse objetivo.285

A preocupação com a efetividade do processo é tema corrente em quase todas

as áreas, no entanto, deve ser redobrada nessa seara, devido à grande relevância social e à

magnitude dos conflitos.286

Hermes Zaneti Jr. 287, em artigo sobre o tema, analisa a

admissibilidade das ações para tratar de políticas públicas. Defende o autor que

questões sobre os pressupostos processuais, quando estritamente formais,

282 ZUFELATO, Camilo. Controle judicial de políticas públicas mediante ações coletivas e individuais. In:

GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas

públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 315.

283 ZUFELATO, Camilo. Controle judicial de políticas públicas mediante ações coletivas e individuais. In:

GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas

públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 316.

284 ZUFELATO, Camilo. Controle judicial de políticas públicas mediante ações coletivas e individuais. In:

GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas

públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 316.

285 ZUFELATO, Camilo. Controle judicial de políticas públicas mediante ações coletivas e individuais. In:

GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas

públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 317.

286 ZUFELATO, Camilo. Controle judicial de políticas públicas mediante ações coletivas e individuais. In:

GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas

públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 319.

287 ZANETI JR., Hermes. A teoria da separação de poderes e o estado democrático constitucional: funções de

governo e funções de garantia. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O

controle jurisdicional de políticas públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.53.

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87

devem ser superadas ao máximo para que o mérito seja analisado diante da

magnitude do assunto. Não se objetiva, aqui, tratar do tema, no entanto, a

seguir, analisa-se o princípio do interesse no julgamento do mérito que tem

relação estrita com a temática e com a efetividade da prestação jurisdic ional ao

fim proferida.

Um aspecto que favorece o controle de políticas públicas através do

instrumento processual é o modelo de admissão no processo, que é híbrido no

nosso ordenamento jurídico, com órgãos públicos como legitimados, assim

como entes da sociedade civil.288

Questão central do tema reside na técnica decisória, já que não há

regra jurídica a priori aplicável ao caso. A clássica técnica da subsunção do

fato à norma não se mostra suficiente:

“Com efeito, o juiz está diante de um conflito de interesses

juridicamente relevantes, e deverá, por meio de um

contraditório de valores constitucionalmente protegidos e não

exclusivamente de fatos ou provas, eleger o valor mais

relevante no caso sob análise. A judiciabilidade das políticas

públicas significa que o juiz deverá submeter a escolha – ou

mesmo a omissão – do administrador público ao crivo dos

direitos fundamentais garantidos constitucionalmente, que em

última análise são também direitos transindividuais, para só

então concluir se a escolha política é compatível com

prioridade eleita pelo constituinte.” 289

Dessa maneira, a técnica decisória envolve maior carga de atividade

criativa do magistrado diante do choque entre princípios, é a postura jurí dico-

política do magistrado já mencionada. No entanto, essa nova posição não é

sinônimo de arbitrariedades. A legitimidade da jurisdição não é perdida com o

não uso da subsunção, mas com o exercício efetivo do contraditório

cooperativo das partes para o alcance de uma decisão final justa.290

288 ZUFELATO, Camilo. Controle judicial de políticas públicas mediante ações coletivas e individuais. In:

GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas

públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 320.

289 ZUFELATO, Camilo. Controle judicial de políticas públicas mediante ações coletivas e individuais. In:

GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas

públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 321.

290 ZUFELATO, Camilo. Controle judicial de políticas públicas mediante ações coletivas e individuais. In:

GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas

públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 322. “Ademais, com a ideia de processo como instrumento

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88

De grande contribuição para a melhor formação da decisão , através

do contraditório cooperativo, pode ser a participação de especialistas da própria

sociedade. Camilo Zufelato, de lege ferenda, recomenda a ampliação do uso da

figura do amicus curiae, que já está previsto em alguns procedimentos perante

o Supremo Tribunal Federal e que poderia ser ampliado para os processos

coletivos de uma forma geral 291. O rejeitado Projeto de Lei n. 5.139 de 2009,

em seu artigo 22, continha previsão no sentido de ampliar a participação da

sociedade292. Eurico Ferraresi, ao tratar do tema, observa que:

“Nos processos coletivos, todos os operadores do Direito são

colocados à prova, uma vez que as decisões não se baseiam em

juízos técnicos, mas sim em critérios sociológicos e políticos.

Por esse motivo a importância das audiências públicas como

forma de aproximação dos operadores do Direito com o corpo

social, fazendo com que a discussão não se limite ao âmbito

técnico-processual, mas, sim, atenda aos escopos sociais e

políticos do processo.” 293

O jurista mencionado ainda traz o exemplo da Espanha, que, apesar

de não possuir um modelo para processos coletivos, determina que direitos

pertencentes a massas só sejam analisados mediante a manifestação de grupos,

partidos políticos e meios de comunicação.

O Ministério Público do Estado de São Paulo, através do Ato

Normativo n. 484-CPJ, do ano de 2006, regulamentou a realização das

audiências públicas em seu capítulo V, artigo 60 e seguintes. Sobre o tema,

observa Eurico Ferraresi: “Com efeito, a oportunidade para o debate com a

democrático no qual as próprias partes constroem, por intermédio do contraditório cooperativo, juntamente

com o juiz, a solução jurídica, afasta-se a ideia de crise de legitimidade da jurisdição ao se imiscuir em

questões políticas, um dogma que precisa ser revisto a partir dos novos paradigmas do processo civil

contemporâneo.”.

291 ZUFELATO, Camilo. Controle judicial de políticas públicas mediante ações coletivas e individuais. In:

GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas

públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 323.

292 Artigo 22, PL n. 5.139/09: “Em qualquer tempo e grau do procedimento, o juiz ou tribunal poderá

submeter a questão objeto da ação coletiva a audiências públicas, ouvindo especialistas no assunto e

membros da sociedade, de modo a garantir a mais ampla participação social possível e a adequada cognição

judicial.”.

293 FERRARESI, Eurico. A responsabilidade do Ministério Público no controle das políticas públicas. In:

GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas

públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 497.

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89

comunidade a respeito dos interesses prioritários será nas audiências

públicas; na hipótese de futura propositura de ação coletiva, o ajuizament o da

demanda não será um ato isolado do promotor [...] .” .294

Quanto à forma de tutela jurisdicional usualmente expedida nesse

âmbito, a tutela específica é a regra, pois o magistrado escolherá ou planejará

como certo direito fundamental será implementado pelo órgão estatal

competente295. Diante da prevalência da tutela específica, todos os seus

consectários também são aplicáveis, como defende Camilo Zufelato 296. Assim,

caso ocorra o descumprimento da decisão judiciária, Ada Pellegrini Grinover

afirma: “[...] abrem-se diversas vias para a aplicação de sanções: a) a

aplicação de multa diária (astreintes) ou a título de ato atentatório ao

exercício da jurisdição; b) a responsabilização por ato de improbidade

administrativa; c) a intervenção do Estado no Município; d) a

responsabilização criminal .” 297. A primeira opção, a multa, se mostra de pequena

eficiência, já que a conta recairá nos cofres públicos, ou seja, bem de todos. A multa

somente será eficiente quando cobrada do administrador público.298

Embora o tema tenha recebido grande destaque, o uso da intervenção

judicial nas políticas públicas deve continuar a ser a ultima ratio, já que, a

294 FERRARESI, Eurico. A responsabilidade do Ministério Público no controle das políticas públicas.. In:

GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas

públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 497.

295 ZUFELATO, Camilo. Controle judicial de políticas públicas mediante ações coletivas e individuais. In:

GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas

públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 324. “Em outros termos, a obrigação específica é do próprio

Estado em relação à adoção desta ou daquela política pública, que no caso de não cumprimento será

imposta pelo Judiciário, não por uma discricionariedade arbitrária e ilegítima do juiz, mas sim a partir da

construção, por meio do processo e das razões das partes em contraditório, da hipótese mais conveniente e

adequada ao caso concreto.”.

296 ZUFELATO, Camilo. Controle judicial de políticas públicas mediante ações coletivas e individuais. In:

GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas

públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 324.

297 GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle jurisdicional de políticas públicas. In: GRINOVER, Ada

Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. Rio de

Janeiro: Forense, 2011. p. 140.

298 Nesse sentido: GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle jurisdicional de políticas públicas. In:

GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas

públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 140-141. Também cf. ZUFELATO, Camilo. Controle judicial

de políticas públicas mediante ações coletivas e individuais. In: GRINOVER, Ada Pellegrini;

WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. Rio de Janeiro: Forense,

2011. p. 324-325.

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90

priori, a competência para legislar e implantar políticas públicas continua a ser

dos poderes de Estado essencialmente políticos299. Nesse sentido, Kazuo Watanabe,

ao tratar dos limites expostos acima, ensina:

“Os demais direitos fundamentais sociais, que não correspondam ao

núcleo básico da dignidade humana e por isso não são qualificáveis como

asseguradores do “mínimo existencial”, e tampouco estejam consagrados

em normas constitucionais de “densidade suficiente”, não desfrutam da

tutelabilidade jurisdicional sem a prévia ponderação do Legislativo ou do

Executivo, por meio de definição de política pública específica. Em

relação a eles deve ser resguardado o debate democrático e preservado o

pluralismo político, no âmbito do Legislativo e do Executivo.” 300

Em contraposição aos benefícios trazidos pelo controle judicial de políticas

públicas efetivas, José Carlos Baptista Puoli aponta o lado pernicioso do fenômeno, que

são os abusos no uso da ação civil pública, quando o autor coletivo tenta impor seus

valores subjetivos na condução dos assuntos estatais. Isso se dá, segundo o autor, devido à

grande quantidade de termos indeterminados na legislação material que possibilita a

escolha política de preferência do agente301:

“Não tem sido esta, contudo, a atuação judicial verificada em nossa

realidade forense, na qual, ao lado dos casos em que valorosa

contribuição tem sido dada pela Ação Civil Pública, tem-se notado

preocupante número de situações em que pedidos abusivos e/ou não

razoáveis tem sido ajuizados em nome da busca por ideais apenas

genericamente acolhidos pelo sistema, gerando processos que acarretam

enormes riscos para o valor segurança jurídica, na medida em que as

escolhas subjetivas (políticas e ideológicas!) feitas pelo autor da demanda

em regra contrastam com condutas que vinham sendo historicamente

aceitas na sociedade, o que, ademais, ainda leva o Judiciário a enormes

perplexidades, eis que nossos juízes não foram formados para tomar as

decisões necessárias para a solução destes conflitos e/ou para aquilatar

299 ZUFELATO, Camilo. Controle judicial de políticas públicas mediante ações coletivas e individuais. In:

GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas

públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 314.

300 WATANABE, Kazuo. Controle jurisdicional das políticas públicas – “mínimo existencial” e demais

direitos fundamentais imediatamente judicialízáveis. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE,

Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 223.

301 PUOLI, José Carlos Baptista Puoli. Artigo 1º, LACP. In: COSTA, Susana Henriques da. (Coord.).

Comentários à Lei de Ação Civil Pública e Lei de Ação Popular. São Paulo: Quartier Latin, 2006.

p.329.

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91

das repercussões práticas que decorrerão de sua decisão, liminar ou

definitiva.” 302

Apesar da pertinência das críticas e da importância em mencioná-las, o

fenômeno conduzido de forma proba e correta tem apresentado vantagens. Além disso,

mais do que um fenômeno forçado em si, parece estarmos diante de algo ínsito ao novo

desenho institucional do nosso sistema, assim, o apropriado estudo do tema é

recomendável.

3.2 Princípio da imparcialidade

Não se encaixa no objetivo desse estudo a análise de todos os princípios

usualmente trazidos que circundam o juiz e a jurisdição, pois eles atuam de forma

semelhante na seara processual coletiva e na individual, como o princípio do juiz natural,

por exemplo303. No entanto, convém tratar do princípio da imparcialidade, pois muito se

questiona sobre o comprometimento desta diante da postura mais ativa do magistrado na

seara processual coletiva. As observações feitas valem tanto para o âmbito coletivo quanto

para o individual, no entanto, como muito se falou sobre o tema da judicialização da

política, da nova postura do juiz ou do ativismo judicial na tutela jurisdicional coletiva,

importa destacar o tema para que não restem dúvidas quanto ao não-comprometimento da

imparcialidade do magistrado.

Cândido Rangel Dinamarco, ao cuidar do tema, indica que a Constituição

Federal não traz dispositivo específico sobre o princípio da imparcialidade, mas são várias

as previsões dispersas pela Carta Magna que garantem o processamento de causas em juízo

por juízes imparciais304, dentre elas, há a garantia do juiz natural, a proibição dos tribunais

302 PUOLI, José Carlos Baptista Puoli. Artigo 1º, LACP. In: COSTA, Susana Henriques da. (Coord.).

Comentários à Lei de Ação Civil Pública e Lei de Ação Popular. São Paulo: Quartier Latin, 2006.

p.331.

303 Para uma ampla análise do tema, cf. PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 1995. p.77 e ss. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito

processual civil. vol. I. 6.ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p.205-208.

304 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. vol. I. 6.ed. São Paulo:

Malheiros, 2009. p.205. “Seria absolutamente ilegítimo e repugnante o Estado chamar a si a atribuição de

solucionar conflitos, exercendo o poder, mas permitir que seus agentes o fizessem movidos por sentimentos

ou interesses próprios, sem o indispensável compromisso com a lei e os valores que ela consubstancia –

especialmente com o valor do justo.”.

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92

de exceção, além de todas as garantias que os magistrados possuem, como a vitaliciedade,

a inamovibilidade e a irredutibilidade de vencimentos, por fim, há os impedimentos

trazidos pelo Código de Processo Civil (artigos 134 e 135 – casos de impedimento e

suspeição). Assim como o princípio da demanda também é mais um garantidor da

imparcialidade do órgão judicial.305

Rui Portanova conceitua o princípio da imparcialidade como a norma que

determina que o juiz não tenha interesse voltado para nenhuma das partes do litígio nem

que ele possa retirar algum proveito econômico do resultado da lide.306

De há muito a doutrina separa imparcialidade de neutralidade. O juiz é um

cidadão como os outros, inserido no contexto social, e é impossível que ele seja ética ou

axiologicamente neutro. No entanto, a afirmação da não existência da neutralidade não

gera excessos, pois “O sistema de pluralidade de graus de jurisdição e a publicidade dos

atos processuais operam como freios a possíveis excessos e prática de imparcialidades a

pretexto dessa liberdade interpretativa.” 307. Portanto, a diferença entre imparcialidade e

neutralidade é clara, nas palavras de Rui Portanova: “Já a neutralidade é dado subjetivo

que liga o juiz-cidadão-social e sua visão geral de mundo, no concerto da comunidade e

da ciência.”.308

Rui Portanova, ao tratar do princípio da imparcialidade, o relaciona com o

princípio da isonomia e afirma: “A igualização promovida pelo juiz não compromete em

nada a importância essencial da imparcialidade do juiz – pelo contrário, fortalece o

princípio da imparcialidade.” 309. Segundo o jurista mencionado, o magistrado que se

conforma com a igualdade meramente formal deve ter a sua imparcialidade questionada,

pois isso significa, na prática, o favorecimento da parte mais forte no sentido financeiro ou

técnico. No entanto, mais uma vez, é destacada a importância de se impor limites a essa

305 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. vol. I. 6.ed. São Paulo:

Malheiros, 2009. p.206-207.

306 PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995. p.44.

“Com desigualdade entre as partes não há imparcialidade judicial, mas conivência na opressão pela via

judicial do mais forte sobre o mais fraco. Sem que as partes estejam em igualdade de condições de postular

seus direitos (que não raro desconhecem) o contraditório é uma farsa.” – p.47.

307 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. vol. I. 6.ed. São Paulo:

Malheiros, 2009. p.206.

308 PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995. p.78.

309 PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995. p.77.

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93

atuação. Rui Portanova indica a Constituição Federal como norte, assim como José Renato

Nalini, em sua obra “O juiz e o acesso à justiça”310, através, principalmente, do princípio

da publicidade e do princípio da fundamentação das decisões judiciais, como já

mencionado.

3.3 Princípio da competência adequada

A competência para as ações coletivas é um tema sensível em razão do direito

tutelado cujo titular pode ser um grupo espalhado por diversas localidades311. Assim, a

dificuldade em identificar o juízo competente é ínsita à temática.

O legislador pátrio optou pela técnica dos foros concorrentes quando o dano for

regional ou nacional, possibilitando que o réu seja demandado em qualquer capital de

Estado-membro ou mesmo em Brasília, conforme a dicção do artigo 93 do Código de

Defesa do Consumidor.

Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., ao tratarem do tema, alertam para a

possibilidade de ocorrência de forum shopping, diante de foros concorrentes, que é a “[...]

escolha do juízo de competência concorrente para apreciar determinada lide de acordo

com seus interesses, quer para dificultar a defesa do réu, quer porque saiba que

determinado juízo tem posicionamentos mais favoráveis a seus interesses.” 312. Essa

realidade é comum no âmbito do direito internacional e necessita de freios: “Dentro deste

contexto, há um princípio que deve ser inserido no processo coletivo nacional, pois tem

finalidade prática urgente: o princípio da competência adequada.”.313

Assim, diante dessa realidade, nasceu, no direito norte-americano, a

possibilidade de controle pelo órgão jurisdicional da competência adequada. Trata-se de

um limite para o forum shopping e é também conhecido como forum non conveniens. O

310 NALINI, José Renato. O juiz e o acesso à justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p.29.

311 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.135. “Como a ação coletiva atinge direitos que pertencem a

coletividades, muitas delas compostas por pessoas que não possuem qualquer vínculo entre si, além de

estarem espalhadas por todo o território nacional, é preciso ter muito cuidado na identificação das regras de

competência, principalmente a competência territorial.”.

312 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.116.

313 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.117.

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94

juiz, perante o qual a causa foi proposta, tem a possibilidade de análise das circunstâncias

concretas para aferir qual a competência adequada, evitando, assim, manobras por parte da

parte autora. No entanto, a tarefa a ser empreendida não é simples, pois a competência vem

circundada por outros dois princípios: o da tipicidade e o da indisponibilidade, embora eles

não sejam intransponíveis, eles merecem consideração e análise em cada caso. O que se

propõe não é a ignorância desses princípios, mas a correta interpretação das regras de

competência, como propõem os juristas do Estado da Bahia314, de lege ferenda.

Os autores Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., já mencionados, trazem o

princípio da Kompetenzkompetenz, originário do direito alemão, que, segundo o qual, o

juiz é competente para julgar a sua própria competência para justificar o princípio em tela:

“Com a inserção desse princípio o próprio juiz da causa, dentro do

controle de sua competência, utilizando o princípio da

Kompetenzkompetenz (o juiz é competente para controlar a sua própria

competência), já aceito pelo ordenamento nacional, evitaria julgar causas

para as quais não fosse o juízo mais adequado, quer em razão do direito

ou dos fatos debatidos (p.ex.: extensão e proximidade com o ilícito), quer

em razão das dificuldades de defesa do réu. Também seria evitado o uso

da competência para obter vantagens processuais, trabalhando como

limite para que a regra da competência por prevenção não se torne uma

disputa pelo foro.” 315

Segundo essa lógica, defendem os autores mencionados, que, mesmo a

competência sendo territorial concorrente e absoluta, ela pode ser alterada quando se

verificar que isso atenderá melhor os interesses das partes ou da justiça de forma ampla:

“Como se pode perceber, trata-se de princípio do Direito norte-americano e da justiça

internacional que poderá, sem ofensa ao princípio do juiz natural, uma vez que o próprio

juiz deverá declinar da sua competência, gerar mais efetividade e racionalidade na

prestação jurisdicional em sede de tutela coletiva.” 316. Assim, concluem os autores

que o magistrado deve considerar sempre a facilitação da produção da prova e

da defesa do réu, a publicidade da ação coletiva e a facilidade de notificação e

conhecimento dos membros do grupo. Dessa forma, de lege ferenda, poder-se-

314 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.135.

315 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.117.

316 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.117.

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95

ia adotar o mesmo procedimento no nosso ordenamento de forma a privilegiar a

efetividade da prestação jurisdicional no âmbito coletivo. Também, nesse

campo, a decisão do magistrado em aplicar o princípio da competência

adequada seria passível de controle através do princípio da publicidade e da

motivação das decisões judiciais, possibilitando o reexame da questão por

órgão jurisdicional superior.

3.4 Princípio do microssistema processual coletivo

Como afirma Ada Pellegrini Grinover, o Brasil foi precursor de um sistema de

tutela de interesses transindividuais, que teve início com a reforma de 1977 na Lei da Ação

Popular. Em 1981, a Lei n. 6.938 legitimou o Ministério Público para as ações ambientais

de responsabilidade penal e civil. Nas palavras da processualista paulista, a mudança se

deu: “Mas foi com a Lei n. 7.347/85 – a Lei da Ação Civil Pública – que os interesses

transindividuais, ligados ao meio ambiente e ao consumidor, receberam tutela

diferenciada, por intermédio de princípios e regras que, de um lado, rompiam com a

estrutura individualista do processo civil brasileiro e, de outro, acabaram influindo no

CPC.” 317. No entanto, foi o texto constitucional de 1988 que universalizou a

proteção a interesses transindividuais sem impor limites ao objeto do processo.

A formação do microssistema de processos coletivos , que muito se comenta, se

deu com o Código de Defesa do Consumidor – Lei n. 8.078 de 1990 – que

determinou a aplicação recíproca entre este e a Lei da Ação Civil Pública

(artigo 21 da Lei n. 7.347/85 e artigo 90, Lei n. 8.078/90).

Em comentário ao artigo 90 do Código de Defesa do Consumidor,

Kazuo Watanabe ensina que a relação de complementaridade entre esses dois

dispositivos é perfeita e o Código de Processo Civil, que é o diploma que

regulamenta o ordenamento processual de uma forma geral, tem aplicação

subsidiária, ou seja, será o último recurso quando não encontrado dispositivo

317 GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual coletivo. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR.,

Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do

anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.25.

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mais consentâneo com as peculiaridades do processo colet ivo318. Nesse sentido,

é o artigo 22 da Lei da Ação Popular que determina a aplicação do Código de

Processo Civil somente naquilo que não contrariar a natureza específica da

ação. Dentro desse microssistema, também há a relação de complementaridade

entre diversos diplomas, como a já mencionada Lei da Ação Popular (Lei n.

4.717/65), Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/92), Estatuto da

Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), Estatuto do Idoso (Lei n.

10.741/03), Lei do Mandado de Segurança, que trata do mandado de segurança

coletivo (Lei n.12.016/09), etc.

Assim, afirmam Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., ao tratar do

princípio do microssistema: “Antes de voltar os olhos para o sistema geral, o

intérprete deverá examinar, no conjunto legislat ivo que constitui o

microssistema, se não existe uma norma melhor e mais adequada a correta

pacificação com justiça.” 319. Os autores mencionados relacionam o princípio

do microssistema com a observância do devido processo coletivo. Poder-se-ia

dizer que o microssistema “estabelece e fundamenta” o devido processo legal

coletivo.320

II) Ação e defesa

3.5 Princípio do acesso à justiça

Ada Pellegrini Grinover, em artigo sobre o Direito Processual Coletivo, afirma

que o princípio do acesso à justiça assume outra feição na seara transindividual e, devido a

318 GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do

Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2011. p.124.

319 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.123.

320 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.124.

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isso, merece menção321. O rejeitado Projeto de Lei n. 5.139 de 2009, em seu artigo 3º,

inciso I, elencava o princípio do amplo acesso à justiça e da participação social como um

dos nortes do processo civil coletivo.

O acesso à justiça não é somente o ingresso aos tribunais, “[...] mas também o

de alcançar, por meio de um processo cercado das garantias do devido processo legal, a

tutela efetiva dos direitos violados ou ameaçados.” 322. Dessa forma, o princípio do

acesso à justiça não significa somente o ingresso nos Tribunais através dos

mecanismos processuais, mas a viabilização do acesso a uma ordem jurídica

justa323 junto a todos os mecanismos para tornar essa realidade viável.

Segundo Rui Portanova, o princípio do acesso à justiça é pré-

processual e supraconstitucional, informando todos os outros princípios ligados

à ação e à defesa. O lado ativo do acesso à justiça, segundo o autor, seria o

princípio da demanda, já o lado passivo do princípio seria o princípio d a inércia

da jurisdição.324

Quanto ao sistema processual civil tradicional, este foi concebido com base em

concepções liberalistas e individualistas das codificações do século XIX. Assim, todo o

sistema tem a marca desses traços em sua concepção325. Com o destaque do processo

coletivo, iniciado, principalmente, nas últimas décadas do século XX, como explanado

acima, alguns temas processuais e os princípios regentes do processo civil pedem outra

análise para que o processo coletivo atinja sua principal finalidade de forma efetiva: que é

o acesso à justiça. 326 Afirma Ada Pellegrini Grinover:

321 GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual coletivo. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR.,

Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do

anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.26.

322 GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual coletivo. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR.,

Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do

anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.26.

323 GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo em evolução. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998.

p.115.

324 PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995. p.70.

325 Exemplo desta afirmação é o artigo 6º do Código de Processo Civil: “Ninguém poderá pleitear, em nome

próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei.” Além disso, a única previsão do Código de

Processo Civil, no sentido de evitar processos repetitivos, é o litisconsórcio ativo ou passivo, previsto no

artigo 46, mas com a ressalva do seu parágrafo único sobre a limitação ao número de litigantes, quando a

defesa ou celeridade na resolução do conflito ficar prejudicada.

326 LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método,

2006. p. 135. “Toda sua interpretação e aplicação devem convergir, em última análise, para o alcance desse

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“Para tanto, buscando inspiração no direito comparado, mas adaptando as

soluções alienígenas à realidade nacional, foi necessário redimensionar

certos princípios que a processualística clássica tinha como verdadeiros

dogmas: e, notadamente, os princípios retores da legitimação para a

causa; da coisa julgada; dos poderes do juiz no processo.” 327

Um grande estudioso sobre o tema do acesso à justiça, Mauro Cappelletti,

observou que existem pontos sensíveis no sistema, que ele classificou como as ondas

renovatórias do processo civil. Em obra sobre o acesso à justiça, elaborada em conjunto

com Bryant Garth, 328 as três ondas renovatórias do direito processual foram expostas,

sendo que a segunda delas envolve o acesso à justiça e os direitos coletivos. Percebeu-se a

necessidade, segundo esses autores, de uma tutela mais efetiva para direitos que

transbordam a esfera individual e a consequente alteração procedimental para que o

processo se adeque a esses novos direitos.

Segundo Ada Pellegrini Grinover, há mudança no modo de ser do processo,

que, “[...] quando individual, obedece a esquemas rígidos de legitimação, difere do modo

de ser do processo coletivo, que abre os esquemas da legitimação, prevendo a titularidade

da ação por parte do denominado “representante adequado” [...]”329. Camilo Zufelato

afirma: “Tem-se, em síntese, um amplíssimo acesso à justiça, tanto do ponto de vista

formal, ou seja, as espécies de ação e de tutela jurisdicional, quanto substancial, relativo

às matérias judicializáveis e à fruição do resultado final do processo.”. 330

escopo fundamental [O ACESSO À JUSTIÇA], do qual o exegeta e o operador do direito não podem abrir

mão. Tais postulados não podem ser negligenciados, seja pelo legislador infraconstitucional, seja pelos

operadores do direito.”.

327 GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo em evolução. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998.

p.118.

328 CAPPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto

Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988. passim. Sobre as ondas renovatórias, a primeira é a assistência

judiciária, que favorece o acesso à justiça ao hipossuficiente; a segunda, os interesses transindividuais,

como mencionado; a terceira é o modo de ser do processo, ou seja, a técnica processual que realmente leve

à solução de conflitos com justiça.

329 GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual coletivo. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR.,

Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do

anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.27.

330 ZUFELATO, Camilo. Controle judicial de políticas públicas mediante ações coletivas e individuais. In:

GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas

públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 312.

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99

José Renato Nalini, em obra que relaciona a figura do juiz ao acesso à justiça,

afirma que o texto constitucional deixa claro seu ânimo em abrir cada vez mais as portas

do Poder Judiciário a todos os tipos de reclamos, inclusive para o “planejamento e

elaboração de programas de ação, propostas projetadas para o futuro”, ou seja, o controle

jurisdicional das políticas públicas, já analisado previamente. Para o autor, diante do atual

desenho constitucional, o juiz passa a ser mais um “entidade concretizadora de direitos

fundamentais” 331. José Renato Nalini ainda traz a perspectiva do usuário da justiça estatal,

pois, segundo ele, “O movimento do acesso à Justiça introduziu na esfera jurídica uma

perspectiva nova: aquela dos usuários ou consumidores da Justiça” 332. Trata-se da visão

mais democrática do acesso à justiça, pois é a que considera o indivíduo, os grupos, a

sociedade e suas necessidades, as exigências e os obstáculos jurídicos, econômicos,

políticos e culturais. É o lado positivo da massificação do direito: “Reconhecer essa

tendência evolutiva representa, ainda, resgatar o aspecto positivo da massificação do

Direito. O incremento da demanda obriga o Judiciário a um razoável grau de abertura e

de sensibilidade para com a sociedade e os indivíduos que a integram, a cujo serviço

exclusivo se encontra o sistema judiciário.” 333. Ada Pellegrini Grinover destaca esse novo

aspecto, ao afirmar que nova perspectiva teve de ser considerada: a do consumidor da

justiça, exigindo uma nova postura mental.334

José Renato Nalini destaca a importância da informação para o acesso à justiça.

No Tribunal de Justiça de Paris, por exemplo, há folhetos que orientam o jurisdicionado

acerca de pedido de alimentos, guarda de filhos, questões de vizinhança, etc. Práticas como

essa facilitam o entendimento do funcionamento do Poder Judiciário para o cidadão,

principalmente no Brasil, onde “existem vários ramos da Justiça e inúmeros problemas de

competência, podem funcionar como canal de facilitação do acesso.” 335. Quando da

elaboração da obra de Nalini, em 1994, a situação era mais crítica em relação à

informação, pois a difusão da internet era menor e não havia o Conselho Nacional de

Justiça, criado com a Emenda Constitucional n. 45 de 2004. No entanto, a situação ainda

331 NALINI, José Renato. O juiz e o acesso à justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p.28-29.

332 NALINI, José Renato. O juiz e o acesso à justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p.54.

333 NALINI, José Renato. O juiz e o acesso à justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p.54.

334 GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo em evolução. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998.

p.115-116.

335 NALINI, José Renato. O juiz e o acesso à justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p.55.

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100

precisa ser melhorada, diante do vasto território do país e do pouco acesso a essas fontes de

informação por grande parte da população que vive em situação de carência extrema.336

O movimento do acesso à justiça não é somente jurídico, mas pluridisciplinar,

abrangendo a sociologia, a antropologia, a ciência política, a história e a economia337. Da

mesma forma, dentro do campo jurídico, a preocupação do acesso à justiça deve atingir

todas as instituições: Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e advogados

mediante a OAB.

No redesenho operado pela Constituição Federal de 1988 na instituição

Ministério Público, ocorreu um inegável crescimento de suas funções com o objetivo do

alcance jurisdicional de vulnerações antes excluídas do Poder Judiciário. Dessa forma, na

luta pela efetivação dos direitos de terceira dimensão, o Ministério Público assume

importante papel.

Além disso, o Código de Defesa do Consumidor (assim como a Lei da Ação

Civil Pública, que integram o microssistema processual coletivo) adotou uma solução

pluralística na legitimação para a defesa dos direitos coletivos lato sensu, assim, a

sociedade civil tem seu espaço no acesso à justiça, assim como o cidadão, que é titular da

ação popular. Apesar da quebra de diversos dogmas processuais individuais e da nova

postura mental que foi exigida da comunidade jurídica com a edição das leis que compõem

o microssistema processual coletivo, desafios ainda existem. Por mais avançadas que

sejam as leis, elas devem encontrar guarida na jurisprudência e, nesse âmbito, foram

encontrados alguns limites338. Como exemplo, pode-se trazer a legitimação do Ministério

Público para a tutela de interesses individuais homogêneos, que foi colocada em dúvida

anteriormente. No início, a constitucionalidade da titularidade do órgão ministerial foi

questionada com base no artigos 129, inciso III, e 127, da Constituição Federal. Contra

336 NALINI, José Renato. O juiz e o acesso à justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p.57. “O

brasileiro tem direito constitucional à informação. Não desatende à positividade o juiz que se preocupar

com a transmissão desses dados à comunidade. Antes, estará implementando a nova ordem constitucional,

que pretende tornar cada homem um bom cidadão – a completeza do homem em sociedade – ou, segundo a

feliz expressão de Hannah Arendt, o direito a ter direitos.”.

337 NALINI, José Renato. O juiz e o acesso à justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p.64.

“Estudos da economia, analisando a relação custo/benefício da prestação jurisdicional, ou apontando os

valores que deixam de ser pleiteados pela ineficácia da máquina, sem dúvida auxiliam os formuladores de

novas propostas. Assim como análises sociológicas sobre a origem social dos magistrados, o perfil da

clientela da Justiça e o dos atuais estudantes dos cursos de bacharelado. Até mesmo os aspectos

psicológicos da prestação jurisdicional, em tudo aquilo que ela gera de traumas para os partícipes e

operadores, tudo há de ser considerado na construção da Justiça do futuro.”.

338 Quando os limites não venham incluídos na própria legislação. GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo

em evolução. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998. p.121.

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101

esse posicionamento, lembrou-se de que o texto constitucional é anterior à edição do

Código de Defesa do Consumidor, portanto, não seria exigível que o constituinte

diferenciasse as espécies de interesses transindividuais como o legislador

infraconstitucional o fez. Além disso, o constituinte deixou uma norma residual no artigo

129, inciso IX, permitindo a atuação do Ministério Público em funções compatíveis com a

sua finalidade. Por fim, nas palavras de Ada Pellegrini Grinover:

“[...] a doutrina fixou desde há muito o conceito de que os direitos e

interesses, coletivamente tratados, não pertecem ao direito público nem

ao direito privado, colocando-se numa categoria intermédia, de direitos

privados de relevância social (Cappelletti); e que, pelo próprio fato de

receberem tratamento coletivo, os direitos ou interesses individuais

homogêneos adquirem relevância social, em decorrência da dimensão

política de que as demandas coletivas se revestem, como conflitos de

massa (Villone, Watanabe). [...] Quando muito, numa visão mais

acanhada, o juiz poderia aferir, caso a caso, se os direitos ou interesses

individuais homogêneos, coletivamente tratados, se revestem ou não, de

particular relevância social (Hugo Mazzili).” 339

Esse entendimento culminou com a edição da Súmula 643 do

Supremo Tribunal Federal, com relação às mensalidades escolares, e há

julgados, tanto do Superior Tribunal de Justiça, quanto do Supremo Tribunal

Federal, com relação à legitimidade do Ministério Público para a defesa

judicial de interesses individuais homogêneos decorrentes de relação de

consumo, como contratos bancários, consórcios, seguros, planos de saúde, TV

por assinatura, serviços telefônicos, etc. 340 Por fim, o Conselho Superior do

Ministério Público do Estado de São Paulo editou a Súmula 7 com o seguinte

texto:

“O Ministério Público está legitimado à defesa de interesses ou

direitos individuais homogêneos de consumidores ou de outros,

entendidos como tais os de origem comum, nos termos do art.

81º, III, c/c o art.82, I, do CDC, aplicáveis estes últimos a toda

e qualquer ação civil pública, nos termos do art.21º da LAC

7.347/85, que tenham relevância social, podendo esta decorrer,

exemplificativamente, da natureza do interesse ou direito

pleiteado, da considerável dispersão de lesados, da cond ição

dos lesados, da necessidade de garantia de acesso à Justiça, da

339 GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo em evolução. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998.

p.121-122.

340 Nesse sentido: a fundamentação da Súmula 7 do CSMP-SP.

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conveniência de se evitar inúmeras ações individuais, e/ou de

outros motivos relevantes.”

3.6 Princípio da ação

O direito de ação é um direito público, subjetivo e independente da situação

jurídica para a qual se pede a tutela judiciária341. Na visão clássica e individualista do

direito processual civil, a regra é aquela estampada no artigo 6º do Código de Processo

Civil: “Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando

autorizado por lei.”. No entanto, esse modelo é insuficiente e inadequado para a tutela

jurisdicional de interesses coletivos em sentido amplo, pois seria inviável exigir a presença

de todos os membros de um grupo no processo. O tema da legitimação, diretamente

envolvido com o princípio da ação é um ponto intrincado na seara processual coletiva que

envolve escolhas político-legislativas com as considerações de questões técnicas.342

Tema técnico de extrema importância nesta área é a representatividade

adequada, que tende a ser abordado por parte da doutrina juntamente com o tema da

legitimidade, mas que com ele não se confunde, já que a representatividade é instituto mais

amplo, que exige do magistrado a correta análise de elementos do caso concreto para que

ocorra a completa observância do princípio do processo legal.343

Flávia Hellmeister Clito Fornaciari, em tese sobre o tema, conceituou

a representatividade adequada como “[...] uma qualidade apresentada pelo

representante que atuará em nome da sociedade ou do grupo na defesa de

interesses de ordem coletiva [...] ”344. A capacidade do representante deve ser

341FREITAS, José Lebre de. Introdução ao processo civil: conceitos e princípios gerais. 2.ed. Coimbra,

2009, p.87.

342 VIGORITI, Vincenzo. Garanzie costituzionali del processo civile. Milano: Giuffrè, 1973. p.14.

343 Nesse sentido: COSTA, Susana Henriques da. O controle judicial da representatividade adequada: uma

análise dos sistemas norte-americano e brasileiro. In: SALLES, Carlos Alberto de. (Coord.). As grandes

transformações do processo civil brasileiro: homenagem ao Professor Kazuo Watanabe. São Paulo:

Quartier Latin, 2009. p. 959.

344 FORNACIARI, Flávia Hellmeister Clito. Representatividade adequada nos processos coletivos. Tese

de Doutorado orientada pela Professora Ada Pellegrini Grinover a apresentada à Faculdade de Direito da

USP. São Paulo: Faculdade de Direito da USP, 2010. p.50.

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103

aferida de acordo com as suas possibilidades de uma adequada defesa dos

interesses do grupo em juízo.

Eurico Ferraresi345 observa que a relação entre legitimidade346 e coisa

julgada é estreita, apesar de desvinculada, pois os atingidos não participam do

processo, assim, devem ser bem representados, para a satisfatór ia observância

do contraditório durante o procedimento judicial que at ingirá pessoas que não

estavam presente no processo, mas pelo processo. O mesmo autor ensina que:

“O requisito da representatividade adequada tem origem no sistema da

common law, apresentando-se como uma decorrência natural da proteção

do due process. Os países do common law exigem que o autor coletivo

represente adequadamente os interesses do grupo, diante da ausência dos

interessados não identificados e que sequer serão ouvidos em juízo. Por

este motivo é que os tribunais redobram a atenção no momento de

verificarem a capacidade do autor coletivo.” 347

A representatividade adequada funciona como um instituto legitimador da

tutela jurisdicional coletiva, pois a decisão alcançará quem não participou do processo,

portanto, a representação deve ter sido adequada. Segundo Susana Henriques da Costa348:

“É este conceito que torna factível a introdução dos interesses difusos, coletivos e

individuais homogêneos em juízo e, ainda, é ele que justifica a prolação de uma decisão

com efeitos erga omnes, incidentes sobre terceiros que não foram partes no processo.”.

345 FERRARESI, Eurico. Ação popular, ação civil pública e mandado de segurança coletivo:

instrumentos processuais coletivos. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p.111.

346 VIGORITI, Vincenzo. Interessi collettivi e processo: la legittimazione ad agire.. Milano: Giuffrè, 1979.

p.65. “Il problema della legitimazione ad agire in giudizio (legitimatio ad causam), e cioè il problema della

individuazione dei sogetti che in concreto possono stimolare e nei confronti dei quali deve essere stimolata,

in um determinato caso, la funzione giurisdizionale, costituisce uno dei temi classici della teoria generale

del processo e non ha certo bisogno di introduzione.”.

347 FERRARESI, Eurico. Ação popular, ação civil pública e mandado de segurança coletivo:

instrumentos processuais coletivos. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p.112. Cf. MULLENIX, Linda S. New

trends in standing and res judicata in collective suits. General Report – Common law. In: Direito

Processual Comparado, XIII World Congress of Procedural Law, Salvador, 16-22 set. 2007; Rio de

Janeiro: Forense, 2007. A autora conceitua representatividade nos seguintes termos: “intricately related to

the protection of the due process interests of absent class members. Because the class representatives are

representing the interests of absent class members, the representatives are guardians and fiduciaries for

the class interests”.

348 COSTA, Susana Henriques da. O controle judicial da representatividade adequada: uma análise dos

sistemas norte-americano e brasileiro. In: SALLES, Carlos Alberto de. (Coord.). As grandes

transformações do processo civil brasileiro: homenagem ao Professor Kazuo Watanabe. São Paulo:

Quartier Latin, 2009. p. 957.

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104

Dessa maneira, a representatividade adequada está intimamente relacionada à observância

do devido processo legal, em seu aspecto substancial, no processo coletivo.

A mesma discussão assume outra dimensão no ordenamento jurídico dos

Estados Unidos, pois, lá, a coisa julgada opera pro et contra, enquanto, aqui, a coisa

julgada é secundum eventum litis e in utilibus. Essa pode ser uma das razões para o sistema

norte-americano se concentrar mais sobre a representatividade adequada, já que a coisa

julgada produzirá efeitos no âmbito individual, mesmo quando prejudicial.

Dentre os requisitos para uma class action ser certificada é a representatividade

adequada, pela previsão da Rule 23 (a)(4). A verificação da adequação da

representatividade não se limita à certificação, podendo ocorrer, dessa forma, durante todo

o processo e mesmo após o seu término. Nesta última hipótese, caso o juiz verifique a

inadequação da representação, o julgado não produz efeitos.

Sobre o tema da representatividade adequada, há que se passar por dois campos

temáticos: os sujeitos que melhor podem cumprir essa defesa de indivíduos que

não estão presentes no processo e o controle do cumprimento dessa tarefa pelo

juiz da causa.

Quanto ao primeiro tema, sobre os sujeitos, interessa notar que,

normalmente, cada ordenamento adota uma solução. No Brasil, optou -se por

legitimar entidades públicas e privadas, mas não pessoas físicas, ressalvada a

ação popular349. A aferição da representatividade adequada pode ser feita pela

lei ou pelo juiz. A lei brasileira adotou o critério legal, estabelecendo

previamente as pessoas presumivelmente aptas a defender os interesses

transindividuais em juízo, já o ordenamento norte-americano adotou o outro

sistema.

O legislador pátrio previu o rol de legitimados nos artigos 5º da Lei

da Ação Civil Pública – Lei n. 7.347/85 – e 82 do Código de Defesa do

Consumidor. Diante desse rol extenso de legitimados, é possível a tomada de

duas posições: ou todos os entes possuem presunção absoluta de legitimidade,

não se admitindo o controle judicial da representatividade, ou deve ser

verificada a adequada representação de todos os legitimados. A adoção da

349 FERRARESI, Eurico. Ação popular, ação civil pública e mandado de segurança coletivo:

instrumentos processuais coletivos. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p.115. “A opção brasileira pela

legitimidade concorrente é a mais adequada, uma vez que vários são os entes aptos à propositura de

demandas coletivas. [...] Não há hierarquia ou preferência de um legitimado sobre o outro. Todos são

igualmente legitimados para o ajuizamento da demanda – desde que, claro, representem adequadamente a

coletividade.”.

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primeira posição traz empecilhos, como a possibilidade de entidades sem a

adequada estrutura operacional, econômica e jurídica promover ações coletivas

temerárias ou mesmo mal arguidas. Diante dessa possibilidade, o controle da

representatividade adequada, principalmente das associações, tem tomado força

na doutrina.350

Assim, diante da própria previsão legal, o magistrado deve aferir se a

associação tem o tempo mínimo de constituição e se tem, em seu estatuto

social, a finalidade de proteção dos direitos envolvidos, ou seja, se há

pertinência temática entre a demanda coletiva proposta e a associação. Dessa

forma, o próprio legislador pátrio estabeleceu critérios para que o juiz verifique

a adequada representação em ações coletivas propostas por associações.

Convém salientar que esse controle não é absolutamente efe tivo em

evitar fraudes, mas esse não é o principal objetivo da representatividade

adequada.351

Há requisitos subjetivos para a aferição da adequação da

representatividade, que são: credibilidade, capacidade, prestígio, experiência

do legitimado, histórico na proteção judicial ou extrajudicial dos interesses do

grupo, condutas em outros processos, coincidência ou não de interesses, tempo

de constituição da associação, representatividade do indivíduo frente ao grupo.

Assim, o magistrado deve fazer a análise da associação de forma conjunta com

a realidade da situação jurídica de direito material 352, não sendo suficiente a

mera observância da letra da lei, tampouco seria eficiente uma legislação que

fixasse critérios rígidos de aferição da adequação da representativ idade.

Convém destacar o seguinte trecho de Flávia Hellmeister Clito

Fornaciari:

350 FERRARESI, Eurico. Ação popular, ação civil pública e mandado de segurança coletivo:

instrumentos processuais coletivos. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p.118.

351 FORNACIARI, Flávia Hellmeister Clito. Representatividade adequada nos processos coletivos. Tese

de Doutorado orientada pela Professora Ada Pellegrini Grinover a apresentada à Faculdade de Direito da

USP. São Paulo: Faculdade de Direito da USP, 2010. p. 52.

352 FORNACIARI, Flávia Hellmeister Clito. Representatividade adequada nos processos coletivos. Tese

de Doutorado orientada pela Professora Ada Pellegrini Grinover a apresentada à Faculdade de Direito da

USP. São Paulo: Faculdade de Direito da USP, 2010. p. 53.

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“Diante disso, não se vislumbra justificativa plausível para que qualquer

legislação que verse sobre direitos coletivos não coloque a

representatividade adequada dentre os princípios dos processos voltados a

sua defesa, porque ele é intrínseco ao próprio conceito das ações

representativas.” 353

Antonio Gidi354 destaca que o direito norte-americano se interessa

mais pela realidade dos fatos do que por ficções legais, assim, foi ne cessária a

criação de meios para o controle da representatividade adequada de forma a

garantir o efetivo direito de todos os membros do grupo serem ouvidos em

juízo através do representante. Os norte-americanos, outrossim, acreditam que

somente um membro do grupo, ou seja, com interesse pessoal na controvérsia

contra o réu, possa defender bem os interesses do grupo. Além disso, segundo o

referido autor, há as seguintes vantagens:

“Através desse requisito, a lei atinge três resultados. A um só

tempo, minimiza-se o risco de colusão, incentiva-se uma

conduta vigorosa do representante e do advogado do grupo e

assegura-se que sejam trazidos para o processo todos os reais

interesses dos membros ausentes. O objetivo, em última

análise, é assegurar, tanto quanto possível, que o resultado

obtido com a tutela coletiva não seja diverso daquele que seria

obtido se os membros estivessem defendendo pessoalmente os

seus interesses.”

O direito norte-americano, para aferir a adequação da representatividade, além

da análise do representante, averigua também o advogado do grupo, desde a sua

experiência na condução de demandas coletivas, como a capacidade de suportar os custos

do processo e a ausência de conflitos entre advogado, grupo e representante.

A representatividade adequada deve funcionar como medida do respeito às

garantias constitucionais do processo. Quanto ao tema, Vincenzo Vigoriti355 bem

delimitou o problema da adequação da representação e o reflexo nas garantias

processuais dos sujeitos que não estão presentes no processo.

353 FORNACIARI, Flávia Hellmeister Clito. Representatividade adequada nos processos coletivos. Tese

de Doutorado orientada pela Professora Ada Pellegrini Grinover a apresentada à Faculdade de Direito da

USP. São Paulo: Faculdade de Direito da USP, 2010. p. 54.

354 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva dos direitos: as ações coletivas em

uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.100.

355 Cf. VIGORITI, Vincenzo. Interessi collettivi e processo: la legittimazione ad agire.. Milano: Giuffrè,

1979. p. 271-288.

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107

A rule 23(a)(4) estabelece como uma dos condições da class action a

adequação da representação: “The representative parties will fairly and

adequately protect the interests of the class .” 356.

A exigência tem fundamento no devido processo, que não poderia

admitir decisões judiciais proferidas contra ou a favor de quem não teve a

chance de ser bem representado no processo.

A adequação da tutela é averiguada caso a caso, diante de variados

dados, como o tipo de interesse, o objeto da demanda, a capacidade financeira

dos representantes, dentre outros. A sentença alcançará indivíduos que não

estiveram presente em juízo, por isso, a importância do tema e os maiores

poderes que são atribuídos ao magistrado em matéria de ações coletivas.

Como aponta Susana Henriques da Costa,

“À análise séria da representatividade adequada alia-se, ainda, dentro de

uma perspectiva garantista, a necessidade de realização de notificação

pessoal dos membros ausentes sobre a existência da class actions,

permitindo que estes optem por não ser atingidos pela sua decisão (opt

out).” 357

O legislador brasileiro concedeu legitimidade ativa a um rol taxativo

de entes, quais sejam: Ministério Público; União, Estados, Municípios e

Distrito Federal; entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou

indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à

defesa dos interesses protegidos; associações constituídas há pelo menos um

ano e que tenham, como um de seus fins institucionais, a defesa dos interesses

transindividuais de seus membros. Portanto, o sistema brasileiro é misto, tendo

por legitimados tanto entes públicos quanto entes privados.

356 Cf. BAICKER McKEE, Steven; JANSSEN, William M.; CORR, John B. A student´s guide to the

Federal Rules of Civil Procedure. 3.ed. Saint Paul: West Group, 2000. p.361. “Because class actions vest

authority over the interests of passive members of the class in the hands of class activists, Rule 23(a)(4)

requires the court to ensure that class representatives will be individuals who will meet those

responsibilities fully.”.

357 COSTA, Susana Henriques da. O controle judicial da representatividade adequada: uma análise dos

sistemas norte-americano e brasileiro. In: SALLES, Carlos Alberto de. (Coord.). As grandes

transformações do processo civil brasileiro: homenagem ao Professor Kazuo Watanabe. São Paulo:

Quartier Latin, 2009. p. 961.

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Diante dessa previsão legal, há autores, como Nelson Nery Júnior e

Rosa Maria de Andrade Nery358, que entendem a legitimação coletiva ser ope

legis, ou seja, não cabe ao magistrado aferir, casuisticamente, a adequação da

representação, pois já teria o legislador, previamente, estabelecido um rol legal

taxativo de legitimados. Vincenzo Vigoriti359 ensina ser a questão da

legitimidade, antes de tudo, uma questão de política legislativa e, somente

após, um problema técnico. No entanto, percebe-se uma diminuição no número

de pessoas que defendem esta corrente360.

Outros autores defendem, com base na experiência norte -americana,

a existência de controle da representação adequada também no nosso

ordenamento jurídico, que se daria em duas fases, como ensinam Fredie Didier

Júnior e Hermes Zaneti Júnior:

“Primeiramente, verifica-se se há autorização legal para que

determinado ente possa substituir os titulares coletivos do

direito afirmado e conduzir o processo coletivo. A seguir, o

juiz faz o controle in concreto da adequação da legitimidade

para aferir, sempre motivadamente se estão presentes os

elementos que asseguram a representatividade adequada dos

direitos em tela.” 361

A necessidade do controle judicial na segunda fase decorre da necessária

observância do devido processo legal. A possibilidade de dispensa pelo magistrado da

constituição prévia por um ano da associação que pretenda propor ação coletiva, prevista

no artigo 82, parágrafo 1º, do Código de Defesa do Consumidor aponta para a

possibilidade de controle judicial sobre a legitimação362.

358 NERY JR., Nelson, NERY, Rosa Maria A. Código de Processo Civil Comentado e Legislação

Extravagante em vigor. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 1443.

359 VIGORITI, Vincenzo. Interessi collettivi e processo: la legittimazione ad agire.. Milano: Giuffrè, 1979.

p.66.

360 FORNACIARI, Flávia Hellmeister Clito. Representatividade adequada nos processos coletivos. Tese

de Doutorado orientada pela Professora Ada Pellegrini Grinover a apresentada à Faculdade de Direito da

USP. São Paulo: Faculdade de Direito da USP, 2010. p.60.

361 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. vol.4.

5.ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2010. p. 211-212. “A tendência é a consagração legislativa da

possibilidade deste controle judicial.”

362 Nesse sentido: STJ, REsp 706449 / PR, Relator Ministro Fernando Gonçalves; 4ª Turma, DJ. 26/05/2008,

publicação em 09/06/2008, LEXSTJ vol. 227, p.75.

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109

No mesmo sentido, a afirmação da jurisprudência e o texto da Súmula 7 do

Conselho Superior do Ministério Público também indicam a legitimidade da instituição

somente para a defesa de interesses individuais homogêneos quando estiver presente a

relevância social. Esse exame casuístico está próximo à análise da representatividade

adequada.

Além disso, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem exigido um

vínculo de afinidade entre o objeto da demanda coletiva e o legitimado, ao que eles têm

chamado de “pertinência temática”, o que seria uma forma de controle jurisdicional da

adequação da representação363. Apesar de ser uma forma de controle, não se identifica com

a representatividade adequada, pois esta abrange, além do vínculo, outros critérios, como

seriedade, aptidão, atuação na defesa, dentre outros. Percebe-se que os Tribunais têm

chamado de “representatividade adequada” o que é, na verdade, apenas “pertinência

temática” 364. Sobre o tema, Susana Henriques da Costa ensina que:

“A exigência jurisprudencial desta pertinência temática no caso

concreto, mesmo nos casos em que a lei não menciona nada a

respeito, leva a doutrina brasileira a refletir e rever o

entendimento de que no sistema vigente não é permitido o

controle judicial da representatividade adequada do legitimado

à propositura da ação civil pública.” 365

O Projeto de Lei Flávio Bierrenbach havia previsto o controle da

representatividade adequada pelo juiz, mas a Lei da Ação Civil Pública acolheu, quanto ao

tema, a proposta do Ministério Público paulista, que prevê a legitimidade ope legis e sem

referência à adequação da representatividade. Os regulamentos legais posteriores seguiram

a mesma orientação. No entanto, convém transcrever o que aponta Ada Pellegrini

Grinover:

“Todavia, problemas práticos têm surgido pelo manejo de ações coletivas

por parte de associações que, embora obedeçam aos requisitos legais, não

363 Nesse sentido: cf. ADI 2482/MG, STF, Pleno, relator Ministro Moreira Alves, j. 02.10.2002, DJ de

25.04.2003.

364 Nesse sentido: cf. STJ-REsp 651.064/DF, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, j. 15.03.2005, DJ 25/04/2005, p.

240.

365 COSTA, Susana Henriques da. O controle judicial da representatividade adequada: uma análise dos

sistemas norte-americano e brasileiro. In: SALLES, Carlos Alberto de. (Coord.). As grandes

transformações do processo civil brasileiro: homenagem ao Professor Kazuo Watanabe. São Paulo:

Quartier Latin, 2009. p. 972.

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110

apresentam a credibilidade, a seriedade, o conhecimento técnico-

científico, a capacidade econômica, a possibilidade de produzir uma

defesa processual válida, dados sensíveis esses que constituem as

características de uma ‘representatividade’ idônea e adequada. E, mesmo

na atuação do Ministério Público, têm aparecido casos concretos em que

os interesses defendidos pelo parquet não coincidem com os verdadeiros

valores sociais da classe de cujos interesses ele se diz portador em juízo.”

366

Para casos como esses ilustrados pela Professora Ada Pellegrini Grinover que

seria interessante conceder ao juiz o controle sobre a adequação da representatividade.

Os elementos para a certificação, nos Estados Unidos, estão na Rule

23 (a) e a tipificação das class actions é acertada conforme a Rule 23 (b).

Fredie Didier Júnior e Hermes Zaneti Júnior367 apontam que, no direito

brasileiro, a certificação também deve ocorrer, porém, na fase de saneamento,

como uma garantia para o réu, pois o procedimento coletivo traz inúmeras e

graves consequências para as partes, portanto, seria uma exigência natural.

Esses autores se referem a tal necessidade como um princípio, o princípio da

adequada certificação da ação coletiva.

Flávia Hellmeister Clito Fornaciari368 destaca que,

independentemente do texto legal, o juiz deve aferir os requisitos de

admissibilidade da demanda coletiva no despacho saneador, pois a

representatividade adequada seria inerente ao sistema, independendo, assim, de

previsão legal.

Nesse sentido, os autores apontam que a legislação brasileira, na Lei

de Improbidade Administrativa – Lei n. 8.429 de 1992, em seu artigo 17,

parágrafo 6º, - prevê uma fase própria para a verificação da existência de

elementos mínimos de prova. Por ser a Lei de Improbidade Administrativa

parte do microssistema processual coletivo, esse mesmo dispositivo poderia ser

aplicado a qualquer ação coletiva, segundo Fredie Didier Júnior e Hermes

366 GRINOVER, Ada Pellegrini. Ações coletivas ibero-americanas: novas questões sobre a legitimação e a

coisa julgada, in Revista Forense, n. 301, p.3-12.

367 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. vol.4.

5.ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2010. p. 113-114.

368 FORNACIARI, Flávia Hellmeister Clito. Representatividade adequada nos processos coletivos. Tese

de Doutorado orientada pela Professora Ada Pellegrini Grinover a apresentada à Faculdade de Direito da

USP. São Paulo: Faculdade de Direito da USP, 2010. p.62-63.

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111

Zaneti Júnior369. No entanto, em posição oposta, Susana Henriques da Costa

aponta:

“Por serem produto de um mesmo movimento histórico e

jurídico, às leis da ação popular, ação civil pública e ação de

improbidade administrativa aplicam-se os mesmos princípios e

regras interpretativas previstos para os processos coletivos. São

todas demandas coletivas e, como tais, sujeitas à disciplina da

teoria geral do processo coletivo.

O fato de as demandas acima mencionadas serem todas

coletivas, entretanto, não implica automaticamente a conclusão

de que os dispositivos legais sejam interdependentes, ou seja,

de que as leis tenham aplicação recíproca. [...] A comunhão de

regras específicas, ao contrário dos princípios, somente pode

decorrer por expressa previsão legal.” 370

Assim, em sentido oposto ao defendidos pelos mencionados autores,

a aplicação do dispositivo da Lei de Improbidade Administrativa somente seria

possível se houvesse previsão expressa na lei.

Eurico Ferraresi ensina:

“As novas tendências apontam que nos países do sistema civil

law, a aferição da representatividade adequada se faz mediante

critérios previamente estabelecidos pela lei. A aferição caso a

caso, realizada pelo juiz, acerca do preenchimento da

representatividade adequada sobressai no sistema norte -

americano, sendo raros os países que preveem esse tipo de

controle individualizado pelo juiz.” 371

De acordo com Susana Henriques da Costa372, o controle judicial

da representatividade adequada deve ser permitido tanto no aspecto

quantitativo, quanto no qualitativo, pois, pelo primeiro, não se deve admitir a

movimentação da máquina judiciária para uma demanda que, provavelmente,

será reproposta; pelo segundo, não há como controlar a qualidades das peças

369 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. vol.4.

5.ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2010. p. 113-114.

370 COSTA, Susana Henriques da. O processo coletivo na tutela do patrimônio público e da moralidade

administrativa. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 133-135.

371 FERRARESI, Eurico. Ação popular, ação civil pública e mandado de segurança coletivo:

instrumentos processuais coletivos. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p.118.

372 COSTA, Susana Henriques da. O processo coletivo na tutela do patrimônio público e da moralidade

administrativa. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 975/976.

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112

apresentadas. Apesar do esquema da coisa julgada coletiva, no Brasil, ser

garantista (artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor), não é efetivo

permitir o prosseguimento de uma demanda que tem altos riscos de ser proposta

novamente, como destacado. Dessa forma, Susana Henriques da Costa conclui:

“Sob todos os pontos de vista, portanto, o controle judicial da

representatividade adequada se mostra melhor e mais efetivo.

Sendo a efetividade o móvel do processo civil moderno, não há

por que negar a possibilidade de o juiz apreciar a aptidão do

legitimado coletivo em representar os membros ausentes na

relação jurídica processual.” 373

O artigo 13 do Código de Processo Civil cuida da deficiência na

representação no processo civil individual clássico. Como os institutos e

princípios do processo civil tradicional não devem ser simplesmente

transpostos para o processo coletivo, não é possível a aplicação do dispositivo

na seara coletiva.374

3.7 Princípio da não taxatividade da ação e do processo coletivo

O princípio da não-taxatividade pode ser analisado sob dois ângulos diversos.

Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. trazem essas duas facetas da seguinte maneira: a

análise através dos artigos: 1º, IV, da Lei da Ação Civil Pública e 5º, XXXV e 129, III, da

Constituição Federal, que delineiam um rol amplo para a tutela de direitos coletivos lato

sensu; e a análise do artigo 83 do Código de Defesa do Consumidor, que permite todas as

373 COSTA, Susana Henriques da. O controle judicial da representatividade adequada: uma análise dos

sistemas norte-americano e brasileiro. In: SALLES, Carlos Alberto de. (Coord.). As grandes

transformações do processo civil brasileiro: homenagem ao Professor Kazuo Watanabe. São Paulo:

Quartier Latin, 2009. p. 975.

374 “Art. 13, CPC. Verificando a incapacidade processual ou a irregularidade da representação das partes,

o juiz, suspendendo o processo, marcará prazo razoável para ser sanado o defeito. Não sendo cumprido o

despacho dentro do prazo, se a providência couber: I - ao autor, o juiz decretará a nulidade do processo;

II - ao réu, reputar-se-á revel; III - ao terceiro, será excluído do processo.” Nesse sentido: FORNACIARI,

Flávia Hellmeister Clito. Representatividade adequada nos processos coletivos. Tese de Doutorado

orientada pela Professora Ada Pellegrini Grinover a apresentada à Faculdade de Direito da USP. São Paulo:

Faculdade de Direito da USP, 2010. p.61.

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113

formas de tutela para a defesa dos interesses transindividuais375, que é aplicável a todo o

sistema coletivo por força do artigo 21 da Lei da Ação Civil Pública. Gregório Assagra de

Almeida traz os mesmos artigos para fundamentar que qualquer direito coletivo poderá ser

objeto de ação coletiva, não subsistindo a regra da taxatividade que existia no sistema

anterior à Constituição Federal de 1988 e ao Código de Defesa do Consumidor376 e,

segundo o autor, a assertiva se reforça com o “princípio da máxima amplitude da tutela

jurisdicional coletiva”, “[...] previsto no art. 83 do CDC e aplicável a todo o direito

processual coletivo, por força do art. 21 da LACP.” 377, possibilitando o uso de todos os

instrumentos processuais necessários e eficazes para a tutela jurisdicional coletiva: “Com

efeito, cabe ação de conhecimento, com todos os tipos de provimentos (declaratório,

condenatório, constitutivo ou mandamental), ação de execução, em todas as suas espécies,

ação cautelar e respectivas medidas de efetividade pertinentes. Cabe inclusive a

antecipação da tutela jurisdicional no Processo Coletivo de Execução.”. 378

Assim, preferimos unir as duas facetas nesse princípio da não taxatividade da

ação e do processo coletivo, no entanto, a divisão em dois outros princípios não altera o

conteúdo nem prejudica a abordagem.

Dessa maneira, qualquer restrição ou tentativa de restrição ao objeto da ação

coletiva ou ao tipo de tutela jurisdicional dos interesses transindividuais deve ser ignorada

pelo intérprete, que deverá interpretar conforme o texto normativo, para adequá-lo ao

microssistema e à Constituição Federal, na proposta de Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti

Jr.379. No entanto, em sentido contrário, José Carlos Baptista Puoli, comentando o

parágrafo único do artigo 1º da Lei da Ação Civil Pública, que foi redigido com a

finalidade de evitar que a ação civil pública seja usada para questionar tributos,

contribuições previdenciárias e questões relativas ao Fundo de Garantia por Tempo de

Serviço, afirma que a ação civil pública que traga a matéria constante nesse parágrafo

375 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.125.

376 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito

processual. São Paulo: Saraiva, 2003. p.575.

377 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito

processual. São Paulo: Saraiva, 2003. p.575.

378 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito

processual. São Paulo: Saraiva, 2003. p.578.

379 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.129.

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114

único deverá ser extinta sem julgamento do mérito por impossibilidade jurídica do

pedido.380

Outra limitação legal encontrada é o artigo 21, parágrafo único, da Lei n.

12.016 de 2009, a Lei do Mandado de Segurança, que determina que os direitos coletivos

que podem ser objeto do mandado de segurança coletivo são os coletivos em sentido estrito

e os individuais homogêneos. Dessa maneira, os difusos permanecem fora do âmbito do

instrumento mandamental. Essa questão é tormentosa, pois o constituinte originário

concedeu ao mandado de segurança status de direito fundamental individual e coletivo (cf.

artigo 5º, incisos LXIX e LXX) e qualquer limitação a direito fundamental deve receber

uma justificativa constitucional, o que se mostra difícil de se sustentar, pois qualquer

direito líquido e certo, seja ele individual ou coletivo, caso seja provado documentalmente,

pode, em tese, ser objeto de mandado de segurança, desde que não seja cabível o habeas

data ou o habeas corpus. Segundo Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. 381, o dispositivo

em comento é inconstitucional por ofensa ao princípio da inafastabilidade da

jurisdição, previsto no inciso XXXV do artigo 5º da Carta Magna, afirmando:

“Ter um direito sem ter uma ação adequada para defendê-lo significa não

poder exercê-lo, o que fere de morte a promessa constitucional e a força

normativa da Constituição que dela decorre.” . 382 Apontam os autores mencionados

que o dispositivo criticado está em descompasso com a evolução doutrinária e

jurisprudencial da tutela coletiva, pois muito foi discutido sobre o objeto do mandado de

segurança coletivo e a tese que prevaleceu foi a mais ampla, no sentido de todas as

espécies de interesses transindividuais serem tuteláveis por mandado de segurança

coletivo383. Dessa forma, afirmam os autores que a interpretação literal do dispositivo

implica um retrocesso social, prejudicando a tutela constitucionalmente adequada.

380 PUOLI, José Carlos Baptista. Comentários ao artigo 1º. In: COSTA, Susana Henriques da. (Coord.).

Comentários à Lei de Ação Civil Pública e Lei de Ação Popular. São Paulo: Quartier Latin, 2006.

p.327.

381 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.128.

382 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.127.

383 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.128. Nesse sentido: STF, RE 181.438-1/SP, Tribunal Pleno, relator

Ministro Carlos Velloso, RT 734/229).

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Ada Pellegrini Grinover, ao analisar o mandado de segurança coletivo no ano

de 1998, o classificou como uma ação de eficácia potenciada pela própria Constituição

Federal e, assim, “Qualquer lei e qualquer interpretação restritivas serão

inquestionavelmente inconstitucionais.” 384. A autora defende que o intérprete deve

considerar esse aspecto ao analisar o mandado de segurança coletivo e buscar

retirar da norma a maior carga de eficácia possível, portanto, sendo possível a

defesa de qualquer espécie de interesse coletivo por meio desse instrumento:

“Mas nenhuma outra restrição deve sofrer quanto aos interesses

e direitos protegidos: além da tutela dos direitos coleti vos e

individuais homogêneos, que se titularizam nas pessoas filiadas

ao partido, pode o partido buscar, pela via da segurança

coletiva, aquela atinente a interesses difusos, que transcendam

aos seus filiados.” 385

Outro aspecto a ser destacado relacionado a este princípio é a irrelevância do

“nome” dado à ação, pois para fins de admissibilidade da demanda, o nome não importa386.

Embora essa já seja uma orientação corrente no processo civil como um todo e decorrente

da atual fase do processo, a instrumentalista, importa destacar isso em relação à

identificação da ocorrência de litispendência, coisa julgada ou a conexão e a continência.

Para a identificação da ocorrência desses institutos processuais, deve-se analisar o pedido e

a causa de pedir. Embora o âmago do trabalho sejam os princípios do processo civil

aplicáveis ao processo civil coletivo, esses institutos mencionados da relação entre

demandas apresentam peculiaridades na seara processual coletiva, e merecem breve

menção:

384 GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo em evolução. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998.

p.99.

385 GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo em evolução. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998.

p.101.

386 Nesse sentido: DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo

coletivo. v.4. 5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.126-127.

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3.7.1 Controle da conexão, continência e litispendência entre ações coletivas

3.7.1.1 Litispendência

Quando dois ou mais processos forem iguais, ou seja, tiverem total identidade

de elementos, ou seja, mesmas partes, mesma causa de pedir e mesmo pedido, eles trarão

em si a mesma demanda, o que ocasiona o efeito da litispendência387, que é a situação de

“processo pendente”, ou seja, ainda em curso, como afirma Cândido Rangel Dinamarco388.

Portanto, o efeito da litispendência é o impedimento da instauração válida e eficaz de outro

processo com a mesma demanda já levada a juízo, como determina o artigo 301, inciso V,

parágrafos 1º a 3º.

Essa é a concepção clássica do processo civil individual, que transposta para o

processo civil coletivo poderia nos levar a afirmar que duas demandas coletivas com

mesma causa de pedir e mesmo pedido, mas propostas por legitimados ativos distintos, não

seriam idênticas. Tal assertiva é equivocada, pois assume que “parte” no processo coletivo

teria o mesmo contorno que no processo individual. Como destaca Cândido Rangel

Dinamarco, quando trata do processo civil tradicional:

Partes da demanda são o sujeito que comparece perante o juiz pedindo

tutela jurisdicional e aquele em relação ao qual essa tutela é pedida

(Chiovenda). É, de um lado, um sujeito que externa sua dupla pretensão

ao Estado-juiz, para que este lhe preste o serviço jurisdicional e para que,

por este meio, faça valer seu interesse a haver o bem da vida; e, de outro,

a pessoa cuja interesse o primeiro quer que seja sacrificado para que o seu

seja satisfeito. 389

No processo coletivo, a legitimação ativa não é a ordinária, ou seja, aquela

tradicional do artigo 6º do Código de Processo Civil, mas feita de forma hipotética pela

387 Cf. Artigo 301, parágrafo 2º, Código de Processo Civil e; DIDIER JR., Fredie. Curso de direito

processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 6. ed. v. 1, Salvador: Juspodivm,

2006. p. 131.

388 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v.2. 6.ed. São Paulo:

Malheiros, 2009. p. 50. “Formado, o processo considera-se existente e, portanto, pendente. Pendente é algo

que já foi constituído e ainda existe, não foi extinto.”.

389 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v.2. 6.ed. São Paulo:

Malheiros, 2009. p. 117-118.

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legislação que compõe o microssistema processual coletivo em seus artigos 5º da Lei da

Ação Civil Pública e 82 do Código de Defesa do Consumidor390. Assim, diferentes

legitimados coletivos podem representar a mesma coletividade, de forma que a parte, em

cada caso prático, deve ser estudada para que se analise qual a situação jurídica de direito

material existente e se busque soluções para eventuais problemas surgidos nos casos

concretos. Assim, o que se analisa, nas demandas coletivas, é a relação de direito material

existente.391

Para a identificação do autor, o que importa é a sua condição jurídica, ou seja,

qual a sua relação com a situação jurídica de direito material deduzida. Isto ocorre devido

às peculiaridades dos interesses transindividuais, que possuem titulares indeterminados ou

determináveis, elevada conflituosidade interna, liame fundado em relações fáticas, dentre

outras. Assim, diferentemente do processo civil individual, não é relevante aqui a

identidade física ou institucional. Portanto, pode ocorrer litispendência entre uma ação

popular e uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público, mesmo que aquela

tenha sido proposta por cidadão e esta pelo Parquet, por exemplo. 392 Assim, a

litispendência entre demandas coletivas é possível. 393 Nesse mesmo sentido é a Súmula 1

do Conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo:

SÚMULA 1. “Se os mesmos fatos investigados no inquérito civil foram

objeto de ação popular julgada improcedente pelo mérito e não por falta

de provas, o caso é de arquivamento do procedimento instaurado.”

Fundamento: Cotejando uma ação popular e uma ação civil pública, pode

haver o mesmo pedido e a mesma causa de pedir (p. ex., na defesa do

meio ambiente ou do patrimônio público, cf. LAP e LACP, e art. 5º

LXXIII, da CF). Numa e noutra, tanto o cidadão como o Ministério

Público agem por legitimação extraordinária, de forma que, em tese, é

possível que a decisão de uma ação popular seja óbice à propositura de

uma ação civil pública (coisa julgada), o que pode ocorrer tanto se a ação

390 Importante destacar brevemente que o modelo processual coletivo brasileiro adotou a legitimidade

taxativa, que está prevista no rol do artigo 5º, da Lei n. 7.347/85, em dissonância com o modelo da common

law, o qual adota o sistema da representatividade adequada, pelo qual o magistrado analisará em casa

situação concreta a capacidade de representação do sujeito que veio a juízo para representar os interesses de

um grupo.

391 Cf. STJ, REsp 1168391 / SC, Relatora Ministra Eliana Calmon, 2ª Turma, DJ. 20/05/2010, Publicado em

31/05/2010.

392 LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.

229.

393 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor,

patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 22. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva,

2009. p. 256-257.

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118

popular for julgada procedente, como também se for julgada

improcedente pelo mérito, e não por falta de provas (art. 18 da Lei n.º

32.600/93).

Quanto à litispendência entre ações coletivas e ações individuais, o artigo 104

do Código de Defesa do Consumidor394 nega a possibilidade entre ações coletivas que

versem sobre interesses coletivos ou difusos e ações individuais, pois partes e pedido não

coincidem (dano diferenciado). A interpretação a contrario sensu levaria à conclusão da

possibilidade de litispendência entre ação individual e ação coletiva sobre interesses

individuais homogêneos, mas tal conclusão não é precisa, porque os objetos e partes são

distintos. Sobretudo, jamais o ajuizamento de uma ação coletiva poderia ensejar

litispendência com ações individuais, impedindo o acesso do jurisdicionado ao Poder

Judiciário, pois violaria o direito de ação, como tem sido decidido pelo Superior Tribunal

de Justiça em inúmeros julgados, como, por exemplo, no REsp n. 264.423-RS395 e no

AgRg no Agravo de Instrumento n. 1.400.928 – RS.396

Quanto ao momento da caracterização da prevenção do juízo, no processo

coletivo, está disposto no parágrafo único do artigo 2º, da Lei n. 7.347/85397, que é a

propositura da ação, ou seja, da distribuição, onde haja mais de uma vara, ou com o

despacho do juiz da petição inicial. Quanto ao efeito do reconhecimento da litispendência,

o Superior Tribunal de Justiça aplicou nos Embargos de Declaração nos Embargos de

Declaração no Mandado de Segurança Coletivo n. 13.547/DF, o artigo 267, inciso V, e

parágrafo 3º, do Código de Processo Civil, ou seja, a extinção do segundo mandado de

segurança sem o julgamento do mérito em decorrência do reconhecimento da

litispendência398, que é o mesmo efeito aplicado para o reconhecimento da litispendência

394 Art. 104, CDC: “As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não

induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra

partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais,

se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da

ação coletiva.”.

395 Em decisão a contrario sensu, cf. Recurso Especial n. 1.110.549-RS, que teve como Relator o Ministro

Sidnei Beneti e julgado em 28 de outubro de 2009.

396 STJ, AgRg no Agravo de Instrumento n. 1.400.928 – RS, Relator Ministro Benedito Gonçalves.

397 Texto do dispositivo: “Art. 2º, Parágrafo único: A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para

todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto.”.

398 STJ, EDcl nos EDcl no MS 13547 / DF, Relator Ministro OG Fernandes, 3ª Seção, Data do Julgamento:

22/05/2013, publicado em 31/05/2013. No mesmo sentido quanto aos efeitos: STJ, AgRg na MC 14216 /

RS, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 3ª Seção, DJ. 08/10/2008, publicado em 23/10/2008.

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no âmbito processual tradicional e defendido por parte da doutrina, como Fredie Didier Jr.

e Hermes Zaneti Jr. 399. No entanto, há corrente oposta que defende a reunião das

demandas coletivas. Foi nesse sentido que decidiu a 2ª Turma do Superior Tribunal de

Justiça, no Recurso Especial n. 642.462 / PR, relatado pela Ministra Eliana Calmon, em

08/03/2005400, desde que observado o limite territorial imposto pelo artigo 16 da Lei da

Ação Civil Pública, segundo a Ministra Relatora. Segundo Marcelo Henrique Matos

Oliveira401, tal posicionamento se justifica pelo elevado interesse social presente nas ações

coletivas e com base na estrutura principiológica do processo civil coletivo, que demanda a

revisitação de conceitos tradicionais do processo civil individual:

É por isso que a reunião dos processos de natureza coletiva para serem

julgados conjuntamente demonstra-se mais adequado, principalmente por

propiciar o fortalecimento da proteção do interesse social contido nessas

ações, e não a simples aplicação das normas estabelecidas no processo

individual. Além disso, não restringe a possibilidade de defesa dos

interesses em jogo por aquele que foi mais rápido na propositura da

demanda, até porque nem sempre aquele que propõe primeiramente o fez

de forma adequada e com densidade probatória para futura sentença de

procedência. Tudo isso evidencia a possibilidade de, não reunindo os

processos, acarretar sérios prejuízos à coletividade. 402

3.7.1.2 Conexão

No artigo 103, Código de Processo Civil, conexão é definida pela identidade da

causa de pedir ou do objeto (pedido). 403 Cândido Rangel Dinamarco define conexão da

399 Nesse sentido: DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo

coletivo. v.4. 5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.177.

400 Nesse sentido: STJ, REsp n. 642.462/PR: “As ações que têm objeto idêntico devem ser reunidas, inclusive

quando houver uma demanda coletiva e diversas ações individuais, mas a reunião deve observar o limite da

competência territorial da jurisdição do magistrado que proferiu a sentença. Hipótese em que se nega a

litispendência porque a primeira ação está limitada ao Município de Londrina e a segunda ao Município de

Cascavel, ambos no Estado do Paraná.”.

401 OLIVEIRA, Marcelo Henrique Matos. Litispendência e conexão no processo coletivo brasileiro.

Disponível em: <www.seer.ufu.br/index.php/revistafadir/article/download/18547/12649>. Acesso em: 11

de setembro de 2013. p.15.

402 OLIVEIRA, Marcelo Henrique Matos. Litispendência e conexão no processo coletivo brasileiro.

Disponível em: <www.seer.ufu.br/index.php/revistafadir/article/download/18547/12649>. Acesso em: 11

de setembro de 2013. p.18.

403 “Art. 103. Reputam-se conexas duas ou mais ações, quando Ihes for comum o objeto ou a causa de pedir.”

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seguinte forma: “[...] é a relação de semelhança entre duas ou várias demandas que

tenham um ou mais elementos constitutivos em comum, sem terem todos [...]”, pois, se

todos os elementos fossem iguais, teriam demandas iguais, não conexas. 404 A relação de

conexidade é recíproca, pois não há preponderância de uma demanda em relação à outra.

Adotou-se, dessa maneira, a teoria dos três elementos da demanda para identificar a

conexão entre elas: “Há nessa definição nítida remissão aos três eadem, que

tradicionalmente servem de apoio para a identificação e comparação entre demandas.

Ocorre conexidade quando duas ou várias demandas tiverem por objeto o mesmo bem da

vida ou forem fundadas no mesmo contexto de fatos.” 405, mas recomenda a doutrina406

certa flexibilidade nessa análise, pois a conexidade deve ser avaliada quanto à sua utilidade

nas consequências, conferindo-se ao juiz certa margem de liberdade para aferir a utilidade-

necessidade na harmonia de julgados e na formação de sua convicção quanto a mais de

uma demanda. Observa Cândido Rangel Dinamarco que essa orientação, apesar de vaga,

tem suas vantagens com a flexibilização dos critérios e merece ser observada407. Fredie

Didier Jr. também critica a opção legal do modo de definir conexão e aponta a tendência,

na prática, da adoção da Teoria Materialista, que averigua a identidade da relação jurídica

de direito material, fornecendo maior garantia de julgamentos uniformes e economia

processual408. Nesse sentido, entendeu a Ministra Nancy Andrighi, no julgamento do

404 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v.2. 6.ed. São Paulo:

Malheiros, 2009. p. 154.

405 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v.2. 6.ed. São Paulo:

Malheiros, 2009. p. 154.

406 Nesse sentido: DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v.2. 6.ed. São

Paulo: Malheiros, 2009. p. 156. Também: DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria

geral do processo e processo de conhecimento. 6. ed. v. 1, Salvador: Juspodivm, 2006. p. 132-133. Critica o

autor o conceito legal que não abrange outras situações em que a conexão também ocorre e a flexibilização

acaba por ocorrer também na jurisprudência (RP 3/330, em. 51; STJ RT 762/197). Há três teorias sobre a

conexão, as quais são: a teoria tradicional (artigo 103, CPC), a teoria de Carnelluti, que defende a

identidade de questões, e a teoria materialista, que conceitua a conexão pela identidade da relação jurídica

de direito material, que leva a consequências positivas, tais como julgamentos uniformes e economia

processual. Esta última é a que prevalece. LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 251. “São admitidos pacificamente como casos de conexão situações

que não se enquadram no conceito estritamente legal, e não obstante não haja identidade ou comunhão

integral de causa ou de pedidos, justifica-se a identificação da conexão e a reunião das ações pela afinidade

da relação substancial. O que prepondera é o proveito econômico e a instrumentalidade processual,

mitigando-se a rígida concepção legal do fenômeno.” CRUZ E TUCCI, José Rogério. A causa petendi no

processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 169-170.

407 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v.2. 6.ed. São Paulo:

Malheiros, 2009. p. 156.

408 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de

conhecimento. 6. ed. v. 1, Salvador: Juspodivm, 2006. p. 134.

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121

Recurso Especial n. 1.087.783 / RJ, ao afirmar: “O escopo do artigo 103 do CPC, além da

evidente economia processual, é, principalmente, evitar a prolação de decisões

contraditórias ou conflitantes. Com vistas a dotar o instituto de efetividade, evitando a

reunião desnecessária – ou até mesmo imprópria – de ações, o art. 105 do CPC confere

certa margem de discricionariedade ao Juiz para que avalie a conveniência na adoção do

procedimento de conexão.”. 409

Assim, o artigo 105 do Código de Processo Civil fala que o juiz “pode” reunir

as ações conexas para julgamento conjunto. No entanto, afirma Fredie Didier Jr. que, caso

a conexão venha acompanhada de risco de decisões contraditórias e a possibilidade de

reunião devido a mesma competência absoluta, deve o magistrado reunir os processos por

se tratar de norma processual cogente.410

A conexão em causas coletivas pode modificar competência territorial, que é

absoluta na seara coletiva, de acordo com o parágrafo único do artigo 2º da Lei n. 7.347 de

1985,411 que permite a reunião dos processos para julgamento simultâneo, de acordo com a

letra da lei e também de acordo está Fredie Didier Júnior. 412 No entanto, se aplicado o

artigo 16 da Lei da Ação Civil Pública413, que restringe a eficácia subjetiva da coisa

julgada na ação coletiva ao limite territorial do órgão prolator da decisão, somente haverá

conexão naquele limite territorial. Entretanto, malgrado o texto legal, é mais conveniente o

entendimento de que o referido artigo 16 estaria tacitamente revogado e inválido pelo

artigo 2º, parágrafo único, da mesma lei, embora haja decisões jurisprudenciais nos dois

409 STJ, Recurso Especial n. 1.087.783/RJ, Relatora Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJ. 01/09/2009.

Publicado em 10/12/2009.

410 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de

conhecimento. 6. ed. v. 1, Salvador: Juspodivm, 2006. p. 132.

411 “Artigo 2º, Parágrafo único: A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações

posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto.”

412 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de

conhecimento. 6. ed. v. 1, Salvador: Juspodivm, 2006, p. 136. MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos

interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros

interesses. 22. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 261-262. “A reunião de processos em

razão da conexão só se dará, porém, se o juízo, junto ao qual se pretende a reunião, for competente para

todas as ações. Assim, p.ex., como a competência da Justiça Federal é absoluta (CR, art. 109), “não se

admite sua prorrogação por conexão, para abranger causa em que ente federal não seja parte na condição de

autor, réu, assistente ou opoente”; assim, a reunião dos processos por conexão só tem cabimento se o

mesmo juízo for competente para julgar as diversas causas.”.

413 “Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão

prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que

qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.”.

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sentidos, tanto no sentido da aplicação do artigo 16, quanto no da sua revogação tácita,

assim: “Esse regramento especial da conexão em causas coletivas leva-nos a concluir que

a vetusta lição de que conexão modifica competência relativa deve ser revista. Conexão

pode modificar competência territorial, em regra relativa, mas que, em alguns casos, pode

ser absoluta.”. 414

Quanto à possibilidade de conexão entre uma demanda coletiva e uma

individual Hugo Nigro Mazzilli aponta que: “[...] casos há em que, em tese, também é

possível haver conexão, continência ou até litispendência entre ação civil pública ou

coletiva e algumas outras ações civis, ainda que estas não sejam ações civis públicas ou

coletivas propriamente ditas.” 415. As hipóteses de ocorrência de conexão são várias,

dentre as quais, trazidas por Hugo Nigro Mazzilli416: a) uma ação civil pública ambiental

que anteceda ações individuais para impedir o mau uso da propriedade vizinha, que emite

poluentes prejudiciais à saúde; b) ações individuais ou ações coletivas para a defesa de

direitos coletivos ou individuais homogêneos em andamento e ocorre o ajuizamento de

ação coletiva para a defesa de interesses difusos conexos com os interesses já levados à

apreciação judicial; c) também é possível que já esteja em andamento uma ação coletiva e

ações individuais conexas são ajuizadas. Para que o indivíduo se beneficie in utilibus dos

efeitos ultra partes ou erga omnes da coisa julgada coletiva, é necessário que requeira a

suspensão da ação individual em trinta dias, contados da ciência da ação coletiva417.

Importante frisar que ação coletiva que verse somente sobre interesses difusos não

influencia ações individuais, mas pode ocorrer que a coisa julgada coletiva sobre interesses

difusos seja usada in utilibus pelos indivíduos lesados.418

414 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de

conhecimento. 6. ed. v. 1, Salvador: Juspodivm, 2006. p. 137. Cf. STJ, CC 115532 / MA, Relator Ministro

Hamilton Carvalhido, 1ª Seção, DJ. 14/03/2011, Publicado em 09/05, 2011, que entendeu pela aplicação do

artigo 2º da Lei da Ação Civil Pública de forma a beneficiar os princípios da segurança jurídica e da

economia.

415 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor,

patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 22. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva,

2009. p. 254.

416 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor,

patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 22. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva,

2009. p. 255-256.

417 A Nova Lei de Mandado de Segurança (artigo 22, parágrafo 1º, Lei n. 12.016/09) tratou o tema de forma

distinta. Para que o autor individual possa se beneficiar do julgado coletivo, deverá requerer a desistência

da ação individual.

418 Cf. item sobre a correlação entre o pedido e a sentença.

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Mesmo que baseadas nos mesmos fundamentos fáticos, as ações individuais

não ficam impedidas pelo ajuizamento de ações coletivas, sobretudo quanto aos danos

variáveis. Isto não poderia ser diferente, pois é garantia individual de todos os cidadãos o

acesso à jurisdição, como preceitua o inciso XXXV do artigo 5º do texto constitucional e a

tutela coletiva objetiva a ampliação do acesso ao Poder Judiciário, não a sua restrição.419

Como efeito da conexão, o juiz tem a faculdade de reunir os processos,

conforme dita o artigo 105, Código de Processo Civil. São os seguintes fundamentos que

justificam a reunião dos processos para julgamento conjunto: mais celeridade, menos

onerosidade e a prevenção da ocorrência de decisões contraditórias (ordem pública). Há

entendimento de Nelson Nery Júnior e Rosa Nery no sentido de que, em matéria de ordem

pública, o juiz deve conhecer da conexão de ofício. 420 Em sentido diverso, está Hugo

Nigro Mazzilli, que afirma que:

“[...] deve mesmo existir uma certa margem de discricionariedade para o

juiz ao avaliar até que ponto convém ou não a reunião das ações, para o

que deverá levar em conta: a) a fase processual de cada uma delas no

momento em que se identifica o nexo; b) qual o grau ou a intensidade da

conexão entre elas, e em que nível seu julgamento em separado poderá

provocar decisões inconciliáveis. Caso seja muito tênue o grau de

conexidade e nula a possibilidade de conflito entre eventuais julgados

isolados, a reunião poderá ser recusada.” 421

Quando admitida a reunião de processos, os autores, ainda que individuais, das

demais ações podem intervir como assistentes litisconsorciais. O juiz somente limitará o

litisconsórcio facultativo, quanto ao número de litigantes, quando possa comprometer a

celeridade do caso ou comprometer a defesa, como dispõe o parágrafo único do artigo 46.

422

419 Em decisão a contrario sensu, cf. Recurso Especial n. 1.110.549-RS, que teve como Relator o Ministro

Sidnei Beneti e julgado em 28 de outubro de 2009.

420 NERY JR., Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação

extravagante. 11.ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2010. p. 378. Comentários ao artigo 105, CPC.

421 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor,

patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 22. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva,

2009. p. 261. Nesse sentido também: REsp n. 112.647-RJ.

422 Art. 46, parágrafo único, CPC: “O juiz poderá limitar o litisconsórcio facultativo quanto ao número de

litigantes, quando este comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa. O pedido de limitação

interrompe o prazo para resposta, que recomeça da intimação da decisão.”.

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124

3.7.1.3 Continência

A relação de continência423 entre demandas considera os elementos concretos

destas, tanto os subjetivos quanto os objetivos. Segundo Cândido Rangel Dinamarco, “Há

relação de continência entre duas demandas quando uma delas, por conter um pedido

mais extenso ou fundar-se em razões mais amplas, contém em si a outra.” 424 O Código de

Processo Civil definiu a continência em seu artigo 104 com a seguinte redação: “Dá-se a

continência entre duas ou mais ações sempre que há identidade quanto às partes e à causa

de pedir, mas o objeto de uma, por ser mais amplo, abrange o das outras.”. Os efeitos da

continência são os mesmos da conexão, pois o Código de Processo Civil as trata de forma

uniforme.

A continência ocorre quando há identidade entre o elemento subjetivo da

demanda, ou seja, as partes, identidade de causa de pedir, mas um pedido é mais

abrangente do que o outro. Dessa forma, a continência é uma espécie de conexão, pois para

que haja continência é necessária a identidade da causa de pedir, configurando já a

conexão.

Não pode haver continência entre demanda coletiva e demanda individual, pois

o máximo de identidade entre demandas que poderá ocorrer será entre a causa de pedir

remota, isto é, os fatos, ocasionando eventual conexão, a qual, no entanto, não gerará a

consequência do artigo 105 do Código de Processo Civil, pois a reunião entre esses

processos não traria o melhor resultado. Além disso, como aponta Ricardo de Barros

Leonel: “Ademais, a finalidade do processo coletivo é proteger os interesses coletivos, e

não equacionar questões individuais.”. 425

Os efeitos da continência muito se assemelham aos da conexão. No julgamento

do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n. 24.196/ES, o STJ reconheceu a

continência entre dois processos, porém a reunião dos processos se mostrou inviável, tendo

423 Prevista no artigo 104, Código de Processo Civil: “Dá-se a continência entre duas ou mais ações sempre

que há identidade quanto às partes e à causa de pedir, mas o objeto de uma, por ser mais amplo, abrange o

das outras.”.

424 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v.2. 6.ed. São Paulo:

Malheiros, 2009. p. 158.

425 LEONEL, Ricardo de Barros. Pedido e causa de pedir: conexão, litispendência e continência. In:

GOZZOLI, Maria Clara e al. (Coord.). Em defesa de um novo sistema de processos coletivos: estudos

em homenagem a Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 531.

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em vista que um deles já havia sido julgado (Súmula 235/STJ), resultando na extinção

parcial da segunda ação, somente na parte em que apresenta o mesmo pedido.426

Existe, em nosso ordenamento jurídico, uma dificuldade de controlar a relação

entre demandas por não existir um cadastro nacional de ações coletivas.427

3.8 Princípio da disponibilidade motivada da demanda coletiva

Este princípio circunda algumas previsões legais dentro microssistema

processual coletivo, como o artigo 5º, parágrafo 3º, da Lei da Ação Civil Pública. A

nomenclatura dada a este princípio não é pacífica na doutrina. Gregório Assagra de

Almeida428 adota a denominação usada aqui, a disponibilidade motivada. Já Fredie Didier

Jr. e Hermes Zaneti Jr.429 usam o termo “indisponibilidade”. No julgamento do Recurso

Especial n. 855.181 / SC, o Superior Tribunal de Justiça também adotou o termo “princípio

da indisponibilidade da demanda coletiva”, julgado em 2009430. Independentemente da

preferência terminológica, importa delinear o fenômeno.

Gregório Assagra de Almeida431 afirma que, por este princípio, “a desistência

infundada da ação coletiva ou o seu abandono são submetidos ao controle por parte dos

outros legitimados ativos e especialmente do Ministério Público, que deverá, quando

infundada a desistência, assumir a titularidade da ação.”. É o que prevê o parágrafo 3º do

artigo 5º da Lei n. 7.347/85. Embora a previsão seja expressa na lei, sua justificativa está

426 STJ, RMS 24.196/ES, Relator Ministro Felix Fischer, 5ª Turma, DJ. 13/12/2007, Publicado em

18/02/2008, p. 46.

427 Cf. item sobre o princípio da publicidade e a comunicações aos órgãos competentes.

428 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito

processual. São Paulo: Saraiva, 2003. p.573.

429 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.121.

430 STJ, REsp 855181 / SC, Relator Ministro Castro Meira, 2ª Turma, DJ. 01/09/2009, publicado em

18/09/2009.

431 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito

processual. São Paulo: Saraiva, 2003. p.573.

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no interesse social presente nas demandas coletivas432. Em decorrência da previsão legal,

que usa o verbo “dever” em relação ao Ministério Público, Fredie Didier Jr. e Hermes

Zaneti Jr. afirmam que o “processo coletivo vem contaminado pela ideia de

indisponibilidade do interesse público.” 433, mas os autores ressalvam que essa

obrigatoriedade é relativizada com a conveniência e com a oportunidade:

“Claro que esta obrigatoriedade está predominantemente

voltada para o Ministério Público, já que ele tem o dever

funcional de, presentes os pressupostos e verificada a lesão ou

ameaça ao direito coletivo, propor a demanda; mesmo assim,

poderá o parquet fazer um juízo de oportunidade e

conveniência, que equivale a um certo grau de

discricionariedade do agente. Nos casos de inquérito civil já

instruído a não propositura implicará em arquivamento, sujeito

ao controle pelo Conselho Superior do MP (art. 9º da LACP).”

434

Diante dessa constatação de que mesmo o Ministério Público tem critérios de

conveniência e oportunidade, diante de uma fundamentação adequada, não se justifica

denominar o princípio de “indisponibilidade”.

O que há é a obrigatoriedade do Ministério Público intervir como fiscal da lei

quando não for parte o próprio parquet, segundo o inciso III do artigo 82 do Código de

Processo Civil que é norma genérica e aberta a determinar a intervenção ministerial

quando presente o interesse público e o parágrafo 1º do artigo 5º da Lei da Ação Civil

Pública. É o que se dá no âmbito da ação popular, como escrevemos em artigo sobre o

tema:

“A atuação do Ministério Público, na ação popular, será sempre como

fiscal da lei, inicialmente, pois a legitimação é do cidadão. No entanto,

caso o cidadão desista da ação e nenhum outro se habilite para conduzi-

la, caberá ao Parquet fazê-lo (conforme se depreende da leitura do art. 9º

da Lei da Ação Popular). O Ministério Público tem a mesma incumbência

432 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito

processual. São Paulo: Saraiva, 2003. p.574.

433 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.121.

434 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.121.

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para a execução de sentença condenatória, conforme o art. 16 da mesma

lei.” 435

No entanto, também aqui o Ministério Público pode fazer o juízo de

oportunidade para decidir se assume ação popular ou ação civil pública em andamento,

pois não faz sentido “[...] a obrigatoriedade de continuar em processo com demanda

infundada ou temerária.”. 436

Sobre o controle da motivação da desistência ou da não continuidade pelo

Ministério Público da ação coletiva, existem três teorias que cabem serem lembradas. A

primeira delas defende a aplicação, analogicamente, do artigo 28 do Código de Processo

Penal, é o que afirma Gregório Assagra de Almeida437, Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de

Andrade Nery438, pois essa desistência ou abandono já não é questão interna corporis do

Ministério Público: “Caso o juiz não concorde com a desistência da ACP pelo MP, aplica-

se analogicamente o CPP 28. O magistrado, então, remeterá os autos ao PGJ, que

insistirá na desistência ou designará outro órgão do MP para assumir a titularidade ativa

da ACP.” 439. A segunda corrente defende a aplicação, feita também de forma

analógica, do artigo 9º da Lei da Ação Civil Pública, que estabelece o controle

pelo Conselho Superior do Ministério Público do arquivamento do inquérito

civil. Por fim, a terceira corrente defende a aplicação do artigo 267, incisos III

e VII do Código de Processo Civil, com a extinção do processo sem o

julgamento do mérito.

435 RICHTER, Bianca Mendes Pereira Richter. Nulidade processual pela falta de intervenção do Ministério

Público. In: Revista dos Tribunais, ano 102, abril de 2013, vol. 930, p.266.

436 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.121.

437 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito

processual. São Paulo: Saraiva, 2003. p.573.

438 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação

extravagante. 11.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p.1446.

439 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação

extravagante. 11.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p.1446.

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III) Processo e conhecimento

3.9 Princípio do devido processo

Para iniciar a análise deste importante princípio, cabe conceituar o termo

central “devido processo legal”. No entanto, conceituar dificilmente se mostra como uma

tarefa fácil, principalmente quando se está diante de termos históricos e amplos. José

Carlos Baptista Puoli440, em sua dissertação de mestrado, conceitua o devido processo

como verdadeiro “princípio síntese” de todos os demais princípios processuais, no mesmo

sentido do processualista também paulista Nelson Nery Junior441 que pontua o princípio do

devido processo como a base dos princípios processuais, sendo que ele, por si só,

dispensaria a necessidade de expressa menção aos demais princípios442. No entanto, outros

autores, como Fredie Didier Júnior e Hermes Zaneti Júnior, definem o devido processo em

patamar superior, mas não, por isso, suficiente. Além disso, o devido processo é tido como

o responsável pela conquista de inúmeras garantias mínimas para o processo, tais como o

contraditório e a duração razoável, que devem ser mantidos nos textos legais por existir a

proibição do retrocesso em tema de direitos fundamentais443. Em sentido oposto, José

Rogério Cruz e Tucci aponta que a Constituição Federal incorreu em redundância ao

prever o devido processo em seu artigo 5º, inciso LIV, pois todos os princípios que o

440 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora

Juarez de Oliveira, 2001. p. 64.

441 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10.ed. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2010. p. 79. “Em nosso parecer, bastaria a norma constitucional haver adotado o princípio

do due process of law para que daí decorressem todas as consequências processuais que garantiriam aos

litigantes o direito a um processo e a uma sentença justa. É, por assim dizer, o gênero do qual todos os

demais princípios e regras constitucionais são espécies.

Assim é que a doutrina diz, por exemplo, serem manifestações do “devido processo legal” a publicidade

dos atos processuais, a impossibilidade de utilizar-se em juízo de prova obtido por meio ilícito, assim como

os postulados do juiz natural, do contraditório e do procedimento regular.”

442 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10.ed. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2010. p. 79.

443 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Princípio da adequação jurisdicional do processo coletivo –

benfazeja proposta contida no projeto da nova lei de ação civil pública. In: GOZZOLI, Maria Clara et. alli.

(Coord.). Em defesa de um novo sistema de processos coletivos: estudos em homenagem a Ada

Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 246.

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garantiam já vinham previstos, no entanto, tal repetição foi oportuna, segundo o autor444. Já

Humberto Theodoro Júnior posiciona o devido processo como um “superprincípio”, “[...]

coordenando e delimitando todos os demais princípios que informam tanto o processo

como o procedimento. Inspira e torna realizável a proporcionalidade e razoabilidade que

deve prevalecer na vigência e harmonização de todos os princípios do direito processual

de nosso tempo.”445. Cândido Rangel Dinamarco afirma que a contínua redução

dos conflitos não-jurisdicionalizáveis não teria significado social se não

houvesse a garantia do devido processo, “[...] que por um de seus possíveis

aspectos é a expressão particularizada do princípio constitucional da

legalidade, enquanto voltado ao processo .” 446 O referido autor destaca que o

devido processo legitima os provimentos jurisdicionais na medida em que é o

caminho para a efetividade do contraditório.

É interessante e respeitável a posição defendida por Nelson Nery Junior com

relação à importância do devido processo para o processo civil, ou seja, de gênero dos

demais princípios, dispensando, inclusive, a expressa menção a todos eles no texto

constitucional, que foi feita somente como forma de ênfase, segundo o autor. No entanto,

há que se ter em tela a incipiência da tutela jurisdicional transindividual no ordenamento

pátrio e que a dispensa da menção a diversos princípios, com base somente no devido

processo, poderia ser instrumento de manobra político-jurídica para limitar a eficácia dessa

nova forma de tutela jurisdicional. Assim, entende-se absolutamente necessária a expressa

menção aos princípios na seara coletiva para a garantia de máxima observância destes, no

sentido que o Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos caminhava em seu

artigo 3º.

Originariamente, o devido processo foi elaborado para a tutela do tripé vida-

liberdade-propriedade447 e todas as suas derivações. O próprio inciso LIV do artigo 5º da

Carta Magna indica essa inclinação: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens

444 TUCCI, José Rogério Cruz e. Garantias constitucionais do processo em relação a terceiros. Revista do

Advogado, ano XXVIII, n.99, set. 2008. p.63.

445THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil. V.1. 44.ed. Rio de Janeiro: Forense,

2006. p.29.

446DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 12.ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

p.374.

447 Nesse sentido: NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10.ed. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 81-83.

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sem o devido processo legal”. No entanto, o texto constitucional que determina a

observância do devido processo é aberto e vago, sendo que a norma que se extraia da

previsão há séculos atrás é diferente da norma que extraímos hoje. É a chamada

historicidade448, ou seja, ocorre a mudança de um conceito de acordo com a evolução da

sociedade com o passar do tempo.

Como forma de atestar essa afirmação, é suficiente a observância da finalidade

do devido processo quando do seu surgimento, no Brasil, que era uma forma protetiva no

âmbito do processo penal, ou seja, com foco estritamente processualístico.449

Destaca Cândido Rangel Dinamarco que o texto constitucional

objetiva delinear um “processo pluralista, de acesso universal, participativo,

isonômico, liberal, transparente, [...] ”450, que, segundo este autor, será

alcançado com a observância do devido processo legal: “[...] porque observar

os padrões previamente estabelecidos na Constituição e na lei é oferecer o

contraditório, a publicidade, possibilidade de ampla defesa etc. ” 451. Além

disso, a cláusula do devido processo permite que a Corte julgue a causa em

análise ao mesmo tempo em que fixa parâmetros para os casos futuros, diante

de sua fluidez. Essa característica se reflete, nos países de direito continental,

na dificuldade enfrentada pelo Poder Judiciário em solucionar casos que

envolvam normas programáticas constitucionais sem a devida regulamentação

infraconstitucional.452

448NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10.ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2010. p.83. “O conceito de “devido processo” foi-se modificando no tempo, sendo que doutrina

e jurisprudência alargaram o âmbito de abrangência da cláusula, de sorte a permitir interpretação elástica, o

mais amplamente possível, em nome dos direitos fundamentais do cidadão.”. DIDIER JR., Fredie; ZANETI

JR., Hermes. Princípio da adequação jurisdicional do processo coletivo – benfazeja proposta contida no

projeto da nova lei de ação civil pública. In: GOZZOLI, Maria Clara et. alli. (Coord.). Em defesa de um

novo sistema de processos coletivos: estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover. São Paulo:

Saraiva, 2010. p. 245. Cf. VIGORITI, Vincenzo. Garanzie costituzionali del processo civile.1973, p.35,

sobre correttezza processuale.

449 Nesse sentido: NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10.ed. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 83.

450 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituição de direito processual civil. Vol.1. 6.ed. São Paulo:

Malheiros, 2009. p.203.

451 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituição de direito processual civil. Vol.1. 6.ed. São Paulo:

Malheiros, 2009. p.203.

452 Cf. parte sobre o ativismo judicial neste trabalho.

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A Constituição Federal garante proteção ao processo mediante a enumeração

de princípios e garantias, na chamada tutela constitucional do processo. 453 Ao mesmo

tempo, o processo funciona como meio de efetivação dos preceitos constitucionais. 454 É o

que Cândido Rangel Dinamarco chama dos dois sentidos vetoriais.

A Constituição Federal adotou como fundamento da República Federativa do

Brasil, em seu artigo 1º, inciso III, a dignidade humana, que merece especial destaque e

proteção em todas as questões particulares455. Bruno Silveira de Oliveira e Francisco

Vieira Lima Neto456 denominam “devido processo constitucional” o direito positivo

combinado aos valores incorporados pela sociedade através de dois milênios como direitos

do homem, ou seja, o devido processo constitucional é o “conjunto dos direitos processuais

fundamentais”.

Com relação ao processo civil, a Constituição Federal adotou como princípio

fundamental o devido processo, expressão que advém do direito inglês (due process) e se

encontra previsto no artigo 5º, inciso LIV (“ninguém será privado da liberdade ou de seus

bens sem o devido processo legal”), do nosso texto constitucional. Marco Eugênio Gross457

aponta que o fundamento para o devido processo encontra-se disposto nos seguintes

dispositivos do texto constitucional, além do já mencionado inciso LIV, artigo 5º, incisos

XXXV e LV e o artigo 37. Segundo este autor, o devido processo tem a dimensão na

protetividade dos direitos em todos os procedimentos instaurados pelo poder público.458

453 Alguns exemplos dos princípios e garantias presentes no texto constitucional são: artigo 5º, inciso XXXV:

inafastabiliade da jurisdição; inciso XXXVII: vedação aos tribunais de exceção; inciso LIII: princípio do

juiz natural; inciso LIV: devido processo legal; inciso LV: contraditório e ampla defesa; inciso LVI:

vedação das provas ilícitas; inciso LX: princípio da publicidade; inciso LXVII: vedação da prisão civil por

dívidas; inciso LXXIV: assistência gratuita como corolário do acesso à justiça.

454 Nesse sentido, Ricardo de Barros Leonel e Cândido Rangel Dinamarco. Em opinião diversa, Nelson Nery

Júnior defende que a enumeração de princípios na Carta Magna seria dispensável se somente houvesse a

previsão do devido processo legal, o que englobaria todas as previsões feitas atualmente, de forma a garantr

um processo justo do ponto de vista formal e substancial. Cf. NERY JR., Nelson. Princípios do processo

civil na constituição federal. 4.ed. rev. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1997. passim.

455 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10.ed. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2010. p. 78.

456 OLIVEIRA, Bruno Silveira de; LIMA NETO, Francisco Vieira. Notas sobre o devido processo

constitucional, o litisconsórcio e os processos coletivos. Revista de Processo, n. 191, ano 36, jan. 2011, p.

23.

457 GROSS, Marco Eugênio. Devido processo legal procedimental e ofensa reflexa à Constituição. Revista

de Processo, n.193, ano 36, março de 2011, São Paulo. p.384.

458 Fala-se também na eficácia horizontal dos direitos fundamentais, conforme julgado do Tribunal de Justiça

do Estado de São Paulo, APL 9162509412008826 SP 9162509-41.2008.8.26.0000, Rel. Rui Cascadi,

j.15.05.2012, 1ª Câmara de Direito Privado, p. 17.05.2012.

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É notável a importância que o princípio adquiriu ao longo do tempo na seara

processual. Atualmente, este princípio é indispensável ao Estado de Direito459. A primeira

referência ao devido processo legal encontra-se no regime feudal alemão durante a dinastia

de Conrado II, o qual editou um Decreto com a determinação de que nenhum homem

poderia perder o seu feudo “(...) senão pelas leis do império e pelo julgamento de seus

pares.”. 460

No entanto, o marco histórico mais lembrado é a Carta Magna do Rei João

Sem-Terra, da Inglaterra, com as garantias formais do devido processo, simbolizando a

limitação do monarca pelas leis por ele editadas. Apesar de sua origem ter sido a

necessidade de proteção dos barões contra as arbitrariedades do monarca, o princípio

acompanhou a evolução sócio jurídica e possui significação mais abrangente461. É o que

nos ensina também José Carlos Baptista Puoli, ao explanar a evolução histórica do

princípio.462

Humberto Ávila classifica o devido processo como um sobreprincípio, que,

além de exercer as duas funções importantes dos princípios: a interpretativa e a

bloqueadora, que serão explicitadas em seguida, ele também exerce a função de

459 GROSS, Marco Eugênio. Devido processo legal procedimental e ofensa reflexa à Constituição. Revista

de Processo, n.193, ano 36, março de 2011, São Paulo. p.376.

460 NOYA, Felipe Silva. O REsp 1.110.549 à luz do devido processo legal: o acesso à justiça individual

frente às ações coletivas. Revista de Processo, n. 197, ano 36, julho 2011, p. 380.

461 VENTURI, Elton. Processo civil coletivo. São Paulo: Malheiros, 2007. p.147. ““Na verdade, como visto,

o princípio do devido processo legal foi forjado num contexto essencialmente voltado à proteção de direitos

individuais concernentes a castas privilegiadas (especificamente a do clero e a dos barões feudais), muito

embora tenha sido difundido, posteriormente, seu alcance genérico, numa perspectiva de afetação de todos

os indivíduos, indistintamente.”

A primeira menção ao devido processo ocorreu na Magna Carta de João Sem-Terra, em 1215, na Inglaterra.

No entanto, o termo “devido processo legal” não foi, de pronto, utilizado, sendo que este somente se

consagrou em 1254 em lei inglesa.

O devido processo se consolidou nos textos legais estadunidenses: “That every freeman for every injury

dono him in his goods, lands or person, by any other person, ought to have justice and right for the injury

dono to him freely without sale, fully without any denial, and speedily without delay, according to the law

of the land.” Declaraçao de Delaware, 02.09.1776, Seção 12. “That no freeman ought to be taken, or

imprisioned, or disseizae of his freehold, liberties, or privileges, or outlawed, or exiled, or in any manner

destroyed, or deprived of his life, liberty, or property, but by the judgement of his peers, or by the law of the

land.” (Constituição Americana, XXI).

Convém destacar que o texto da Magna Carta tinha o objetivo de resguardar o clero e a nobreza contra os

abusos do monarca inglês, sendo, portanto, instrumento reacionário, que, no entanto, simboliza a limitação

do poder do monarca pelas leis que edita. Apesar desta característica, havia institutos jurídicos originais

que ainda despertam o interesse dos juristas.

462 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora

Juarez de Oliveira, 2001. p. 64.

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rearticulação entre vários elementos que fazem parte do estado ideal de coisas a ser

buscado. No sentido de que os princípios, como a ampla defesa, o contraditório, o juiz

natural, a apresentação de provas, e outros, recebem uma significação diferenciada quando

interpretados à luz do sobreprincípio do devido processo. Quanto às duas funções tidas

como mais importantes pelo autor em comento, em relação ao devido processo, elas se

expressam da seguinte forma: a função interpretativa se reflete na proteção efetiva dos

interesses do cidadão, que, embora tenha garantido expressamente diversas manifestações

do devido processo de forma específica na legislação, sabe que a expressa menção ao

devido processo não foi inútil, pois serve de orientação para a interpretação e aplicação de

todo o sistema processual; e a função bloqueadora no sentido de afastar elementos

incompatíveis com o estado ideal de coisas a ser promovido, como exemplo, o autor traz o

seguinte trecho: “Por exemplo, se há uma regra prevendo a abertura de prazo, mas o

prazo previsto é insuficiente para garantir efetiva protetividade aos direitos do cidadão,

um prazo adequado deverá ser garantido em razão da eficácia bloqueadora do princípio

do devido processo legal.”. 463

3.9.1 Devido processo em sentido material

Devido à mencionada historicidade que caracteriza o devido processo, este, que

surgiu com cunho eminentemente processualista, ampliou seu espectro de atuação e tem

efetividade também nas relações materiais464. Segundo Nelson Nery Júnior, a origem do

devido processo legal substancial se deu com a questão dos limites do poder

governamental levado à análise na Suprema Corte norte-americana no final do século

XVIII. Cabe ao Poder Legislativo elaborar leis que atendam ao interesse público, ou seja, o

princípio da razoabilidade se aplica também ao processo de elaboração legal. Conclui o

mencionado jurista: “Toda lei que não for razoável, isto é, que não seja a law of the land, é

463 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São

Paulo: Malheiros, 2010. p.98-99.

464 Nesse sentido: NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10.ed. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 85.

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contrária ao direito e deve ser controlada pelo Poder Judiciário.” 465. Ensina José

Carlos Baptista Puoli que por law of the land se entende que sejam as normas

razoáveis, ou seja, as que estejam em conformidade com os princípios

constitucionais.466

Não basta que as decisões observem o teor das leis, pois elas devem ser

substancialmente devidas e razoáveis. Normalmente os valores comuns da sociedade vêm

expressos no próprio texto da lei, já que ela é a vontade da população expressada por meio

de seus representantes. Não obstante, a passagem do tempo ou outras causas podem gerar

um conflito entre os termos legais e o que seja razoável, fazendo nascer a necessidade de o

juiz atuar com base no devido processo legal substancial, aplicando a razoabilidade467.

Segundo Luciano Benetti Timm, em artigo sobre o devido processo legal em

sua perspectiva comparada com a Constituição norte -americana, a análise do

devido processual substancial com base na razoabilidade é um critério

filosófico e econômico subjetivo: “É da própria concepção filosófica

econômica e social pessoal que o juiz formula sua decisão a respeito da

razoabilidade da lei.”. 468

Fredie Didier Junior afirma que a partir da garantia de decisões corretas surge

os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, que são implícitos no texto

constitucional469, dentro da cláusula do devido processo legal substancial470. Parte da

doutrina brasileira, como Luís Roberto Barroso471, tem identificado o devido processo, em

seu aspecto substancial, com a proporcionalidade, que permite o questionamento de atos

465 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10.ed. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2010. p. 85.

466 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora

Juarez de Oliveira, 2001. p. 68.

467 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora

Juarez de Oliveira, 2001. p. 69.

468 TIMM, Luciano Benetti. O direito fundamental ao Devido Processo Legal em perspectiva comparativa.

In: JOBIM, Eduardo; MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). O processo na Constituição. São

Paulo: Quartier Latin, 2008. p.756.

469 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de

conhecimento. 6.ed. Salvador: JusPodium, 2006. p.47.

470 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora

Juarez de Oliveira, 2001. p. 70.

471 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

p.218-246.

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estatais com critérios mais objetivos e de acordo com o devido processo substancial.

Marcelo José Magalhães Bonício afirma ser corrente na doutrina o entendimento de que o

princípio da proporcionalidade é formado por três subprincípios, quais sejam, a adequação

de meios; a necessidade e o princípio da proporcionalidade em sentido estrito. O primeiro,

da adequação de meios, estabelece que a medida escolhida deve ter aptidão para alcançar o

fim almejado; já o segundo, da necessidade, estabelece que o meio escolhido deve ser o

que tenha o menor ônus para a sociedade; por fim, a proporcionalidade em sentido estrito,

que somente chega a ser analisada após a aprovação do meios pelos dois primeiros

subprincípios, estabelece o sopesamento das vantagens e desvantagens do meio em relação

ao fim.472

No direito norte-americano, como aponta Marco Eugênio Gross473, o Estado

necessita de uma justificativa razoável e suficiente para privar o cidadão de sua vida, de

sua liberdade ou de sua propriedade e, nesse sentido, é que se enquadra o sentido

substancial da cláusula do devido processo. A doutrina brasileira recebeu grande influência

da estadunidense, neste aspecto, ao identificar o sentido substancial do devido processo474,

assim como a jurisprudência brasileira contemporânea, como destaca Felipe Silva Noya475,

como se percebe da leitura do voto do Ministro Celso de Mello na ADI 10.603-8, que

vincula o devido processo substancial à razoabilidade e à proporcionalidade, ou seja, os

meios escolhidos devem ser adequados, a medida adotada deve ser necessária e os valores

devem ser estritamente proporcionais.

472 BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da

proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,

2006. p.27-28.

473 GROSS, Marco Eugênio. Devido processo legal procedimental e ofensa reflexa à Constituição. Revista

de Processo, n.193, ano 36, março de 2011, São Paulo. p.381. Importa salientar a alteração do devido

processo legal em sentido material na legislação estadunidense: “Assim é que, a partir da década de 30 do

século passado, a cláusula muda de foco, passando a fazer parte de seu contexto outros direitos

fundamentais. O devido processo legal assume papel importante, na medida em que se torna o meio pelo

qual a Suprema Corte traz à tona os direitos contidos no Bill of Rights, bem como aqueles não expressos na

Constituição e suas emendas, reconhecendo-os, mesmo assim, como direitos fundamentais.”

474 GROSS, Marco Eugênio. Devido processo legal procedimental e ofensa reflexa à Constituição. Revista

de Processo, n.193, ano 36, março de 2011, São Paulo. p.387.

475 NOYA, Felipe Silva. O REsp 1.110.549 à luz do devido processo legal: o acesso à justiça individual

frente às ações coletivas. Revista de Processo, n. 197, ano 36, julho 2011, p. 383.

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Marcelo José Magalhães Bonício nos mostra que há doutrina que diferencia a

proporcionalidade da razoabilidade476, no entanto, para os fins do presente trabalho essa

distinção não se mostra relevante visto que seus elementos são bastante parecidos477. O

autor citado, em relação ao devido processo, afirma ser ele garantia de fundo,

“[...] predisposta, por exemplo, a assegurar a paridade de armas entre as

partes, durante o processo, desde que não haja uma regra específica com

a mesma finalidade, e, na sua feição protetora, para os fins propostos na

presente obra, é indiferente que tratemos da razoabilidade ou da

proporcionalidade.” 478

Dessa forma, tanto o princípio da razoabilidade como o princípio da

proporcionalidade se enquadram na categoria de standart, ou seja, “[...] termos fluidos que

servem de sustentação jurídica para hipóteses em que não há regra específica para

regular uma determinada situação.” 479. Portanto, eles são aspectos de um mesmo

fenômeno da cláusula do due process na luta contra injustiças, “[...] sendo o

primeiro deles de origem inglesa e o segundo de origem alemã, mas ambos

voltados para a mesma finalidade.” 480. Portanto, o devido processo em sentido

substancial fornece abrigo ao princípio da proporcionalidade que não tem

previsão expressa no texto constitucional481, funcionando como garantia de

476 Para maior aprofundamento no tema, com ampla citação bibliográfica, cf. BONÍCIO, Marcelo José

Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da proporcionalidade, a legitimação

do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas, 2006. p.28-30.

477BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da

proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,

2006. p.32.

478BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da

proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,

2006. p.33.

479BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da

proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,

2006. p.33.

480BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da

proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,

2006. p.34.

481Embora a Constituição Federal não preveja esse princípio, a Constituição Estadual de São Paulo, em seu

artigo 111, faz menção ao princípio da razoabilidade, que, conforme afirmou-se, há quem sustente se tratar

de um princípio equivalente ao da proporcionalidade. Na legislação infraconstitucional, há a Lei n.

9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal e que trata dos

princípios da razoabilidade e da proporcionalidade em seu artigo 2º. Para ampla análise do tema na

legislação nacional, cf. BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia

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fundo sempre que faltar uma norma específica para algumas situações

processuais482. Nesse aspecto, o sobreprincípio do devido processo legal, em

uma de suas facetas, se assemelha a alguns dos postulados normativos

aplicativos, trazidos por Humberto Ávila, como explicado anteriormente.

No entanto, a análise do devido processo substancial merece ser menos rasa,

seguindo a direção que trouxe Luciano Benetti Timm483 e é a que analisa-se a seguir,

de forma breve, por fugir do escopo principal do trabalho, mas que não merece

o desprezo do leitor por esclarecer algumas origens essenciais dos temas ora

tratados. O devido processo foi adotado pelo constituinte brasileiro no inciso

LIV do artigo 5º em teor muito semelhante ao da 14º Emenda à Constituição

estadunidense. A partir dessa constatação e das explanações acima feitas,

poderia se questionar se o sistema jurídico interno teria admitido o amplo

controle judicial da razoabilidade das leis e dos atos administrativos, com a

consequente colocação do Poder Judiciário em uma posição fundamental. A

resposta a essa indagação não é simples, pois o constitucionalismo pátrio

seguiu a tradição francesa do princípio da legalidade, que considera a lei como

resultado da vontade do povo, como forma de prevenção contra abusos de quem

exerce o poder e como forma de assegurar as liberdades individuais. Esse

princípio não é compartilhado pelos Estados Unidos. Expondo o conflito,

Luciano Benetti Timm diz:

Ocorre que o constituinte de 1988, ao mesmo tempo em que

adotou o princípio da legalidade, como sempre o fizera,

também escreveu no texto constitucional atual a regr a de

controle americana, em uma má tradução do original: due

process of law por devido processo “legal”, quando law jamais

poderia ter sido traduzido por “legal”, já que significa, na

constitucional da proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São

Paulo: Atlas, 2006. p.39.

482BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da

proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,

2006. p.34.

483 TIMM, Luciano Benetti. O direito fundamental ao Devido Processo Legal em perspectiva comparativa.

In: JOBIM, Eduardo; MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). O processo na Constituição. São

Paulo: Quartier Latin, 2008. p.756 e ss.

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138

verdade, Direito. Lei nos países anglo-saxões é chamada act,

estatute. 484

Dessa forma, como a cláusula do devido processo deve ser lida em seu sentido

substancial dentro do nosso ordenamento jurídico? Luciano Benetti Timm defende que a

vontade do constituinte não deve ser desconsiderada, ou seja, admitindo-se o controle

judicial de razoabilidade das leis e dos atos administrativos485. Segundo Marcelo José

Magalhães Bonício, o princípio da proporcionalidade, ou seja, o devido processo em

sentido substancial, não significa subjetivismo do julgador, mas uma forma de lidar com

situações excepcionais de falta de regras ou quando as regras existentes não apresentem

uma solução satisfatória sob a perspectiva da justiça.486

3.9.2 Devido processo em sentido processual

Em sentido estritamente processual, a cláusula do devido processo alcança

espectro mais estreito, pois abrange somente as repercussões do devido processo no âmbito

procedimental. Significa o direito de ser processado de acordo com as normas

procedimentais previamente estabelecidas487 regentes de um processo civil governado pelo

amplo acesso à justiça, com a garantia do juiz natural, com paridade de tratamento entre as

partes, de acordo com o contraditório, com publicidade dos atos processuais e decisões

motivadas, de forma a permitir o controle externo da atividade do Poder Judiciário; além

disso, tudo dentro de um período de tempo razoável de forma a garantir a efetividade da

484 TIMM, Luciano Benetti. O direito fundamental ao Devido Processo Legal em perspectiva comparativa.

In: JOBIM, Eduardo; MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). O processo na Constituição. São

Paulo: Quartier Latin, 2008. p.760.

485 TIMM, Luciano Benetti. O direito fundamental ao Devido Processo Legal em perspectiva comparativa.

In: JOBIM, Eduardo; MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). O processo na Constituição. São

Paulo: Quartier Latin, 2008. p.761. “Já quanto ao problema filosófico de nossa Carta Maior admitir dois

sistemas de controle do poder, atribuídos a diferentes poderes, ou seja, a questão de saber qual efetivamente

o poder supremo, só a prática política brasileira dirá.”. p.762.

486BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da

proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,

2006. p.35.

487 TUCCI, José Rogério Cruz e. Garantias constitucionais do processo em relação a terceiros. Revista do

Advogado, ano XXVIII, n.99, set. 2008. p.63.

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tutela jurisdicional ao fim proferida. Como ensina José Carlos Baptista Puoli488, a atividade

estatal exercida pelo órgão jurisdicional visa pacificar conflitos e fazer atuar a vontade

concreta da lei, dessa forma, como se trata de um ato de poder que interfere na vida dos

cidadãos, ela está sujeita a limites delineados pelos direitos de cada indivíduo e no

conjunto de garantias constitucionais acima enumeradas.

O Direito Processual se encontra entre a necessidade de precisão técnica-

formal e o anseio por uma justiça substancial. Entre esse conflito, estão as garantias

constitucionais do processo inseridas nos textos constitucionais de Estados Democráticos

de Direito489. Como destaca José Rogério Cruz e Tucci, o processo visto como instrumento

de pacificação social “[...] enseja uma natural evolução de inúmeros princípios e regras

que passam a ser alvo de novas e importantes exigências.”490. Forma eficiente de

alcance do objetivo de uma justiça substancial no caso concreto é a observância

das garantias processuais, é a chamada legitimação pelo procedimento 491, com a

certeza fornecida por este de que as partes tiveram a oportunidade de serem

ouvidas e de exercer efetiva influência no conteúdo da decisão ao final

produzida. Convém citar o que ensina José Carlos Baptista Puoli:

E para que a regulamentação seja mais adequada, deve estar ela

previamente formulada pela lei, para que os jurisdicionados

tenham a prévia ciência sobre as formalidades condicionantes

do exercício da jurisdição e tenham segurança sobre não haver

a possibilidade de alterações oportunísticas das regras de rito

492.

No direito norte-americano, a cláusula do devido processo, em âmbito

processual, abrange a citação, o juiz natural, a possibilidade de uma defesa ampla, a

488 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora

Juarez de Oliveira, 2001. p. 66.

489 TUCCI, José Rogério Cruz e. Garantias constitucionais do processo em relação a terceiros. Revista do

Advogado, ano XXVIII, n.99, set. 2008. p.63.

490 TUCCI, José Rogério Cruz e. Garantias constitucionais do processo em relação a terceiros. Revista do

Advogado, ano XXVIII, n.99, set. 2008. p.62.

491 O mestre Cândido Rangel Dinamarco invoca a teoria de Niklas Luhmann: DINAMARCO, Cândido

Rangel. Instituições de direito processual civil. v.1. 6.ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 250 e ss.

492 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora

Juarez de Oliveira, 2001. p. 66-67.

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140

oportunidade de apresentar provas, o direito à defesa técnica, o direito às decisões

fundamentadas, dentre outras, como enumera Nelson Nery Júnior. 493

No entanto, a existência em si de um procedimento legalmente

previsto não determina a observância das garantias processuais

constitucionais494, pois caso, por exemplo, o procedimento legal não garanta um

prazo razoável para a defesa ou não imponha o dever de motivação às decisões

judiciais, “[...] não poderão ser tidos como ritos erigidos em plena atenção ao

princípio do devido processo legal, entendido este como o conjunto de

garantias necessárias para que se tenha um processo justo .” 495. É nesse sentido

que o processualista paulista José Carlos Baptista Puoli recomenda a preocupação

constante do magistrado com o cumprimento do procedimento e se este cumpre com as

exigências do devido processo legal, possibilitando, à luz de cada caso concreto, que a

análise feita seja condição prévia de sua aplicabilidade496.

Por fim, observa-se que a doutrina tem usado a locução “devido

processo legal” no sentido processual majoritariamente, ao enumerar como

manifestações do devido processo a igualdade entre as partes, o direito de

defesa e do contraditório. 497 Tal se deve, principalmente, pela tradução do

termo “process”, do inglês, por “processo”, o que tem levado a doutrina

brasileira a priorizar os aspectos procedimentais do devido processo. No

entanto, o aspecto material, apesar de menos abordado, vem ganh ando espaço,

como mencionado anteriormente. Nas palavras de Nelson Nery Júnior, o devido

processo substancial é a “[...] possibilidade efetiva de a parte ter acesso à justiça,

493 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10.ed. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2010. p.86.

494 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora

Juarez de Oliveira, 2001. p. 67.

495 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora

Juarez de Oliveira, 2001. p. 67.

496 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora

Juarez de Oliveira, 2001. p. 67-68. Este tema é objeto de análise mais profunda adiante, quando analisa-se a

possibilidade de adaptação do procedimento.

497 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10.ed. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2010. p. 87.

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deduzindo pretensão e defendendo-se do modo mais amplo possível [...]”, ou seja, his day

in Court.498

3.9.3 O direito ao devido processo

Nelson Nery Junior aponta que o direito comunitário europeu e o direito

interno italiano vêm desenvolvendo pesquisas sobre o devido processo legal e chamando-o

de justo processo, o que tem encontrado adeptos internamente, pois a terminologia

tradicional não expressa todo o conteúdo do instituto que envolve aspectos de direito

substancial e de direito processual.499

Sobre o tema, Humberto Theodoro Júnior pontua que o devido

processo não se resume à observância da letra da lei, mas compreende a

observância de outros princípios, como o do juiz natural, da ampla defesa, do

contraditório, dentre outros, de forma a garantir um processo justo 500. A ideia

de um processo justo abrange, portanto, a observância das normas legais,

garantindo a regularidade formal, mas que, além disso, busque a efetividade do

resultado concreto a ser proferido pela jurisdição. É, assim, a combinação entre

devido processo material e devido processo formal 501. Para Marco Eugênio

Gross502 e Carlos Alberto Alvaro de Oliveira503, o processo justo não é apenas

aquele que se adequa às previsões legais, mas aquele que, além de cumprir

essas previsões, também seja informado pelos direitos fundamentais.

498 Nesse sentido: NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10.ed. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 87-89.

499 Nesse sentido: NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10.ed. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 88.

500THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil. V.1. 44.ed. Rio de Janeiro: Forense,

2006. P.28.

501THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil. V.1. 44.ed. Rio de Janeiro: Forense,

2006. P.29.

502 GROSS, Marco Eugênio. Devido processo legal procedimental e ofensa reflexa à Constituição. Revista

de Processo, n.193, ano 36, março de 2011, São Paulo. p.385.

503 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Teoria e prática da tutela jurisdicional. Rio de Janeiro: Forense,

2008. p.129-135.

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142

Os juristas italianos vêm discutindo o tema do justo processo desde as

alterações ocorridas no artigo 111 de sua Constituição504, quando princípios da atividade

jurisdicional foram enumerados no texto constitucional, principalmente nos dois primeiros

incisos. Arthur César de Souza sustenta que a discussão doutrinária que se formou na

península itálica demonstra a congruência que se faz necessária entre justo processo e justa

decisão505. Segundo o autor, “justo processo” em seu aspecto formal, é a legitimação que o

procedimento garante à decisão diante da sua estrita observância. No entanto, o respeito ao

procedimento formal, apesar de fornecer legitimidade ao provimento emanado ao fim, não

é garantia absoluta da justeza da decisão506. A justiça da decisão envolve a análise do caso

concreto, o que passa pela discussão da garantia da prova, a qual pode ser inserida na

cláusula geral do devido processo, mas, por questões de organização do presente trabalho,

é feito em tópico separado adiante.

3.9.4 Devido processo coletivo

Convém destacar, como ensina Vincenzo Vigoriti507, que a

participação popular pode se dar através da justiça, quando o processo passa a

ser um instrumento de realização do princípio da participação. Dentre as várias

ocasiões em que esse fenômeno pode ocorrer, inclui -se a tutela jurisdicional

dos interesses supraindividuais, que, além de demonstrar a confiança no

sistema processual, é uma expressão da vontade/necessidade de renovação

desse sistema.

504Art. 111. “La giurisdizione si attua mediante il giusto processo regolato dalla legge. Ogni processo si

svolge nel contraddittorio tra le parti, in condizioni di parità, davanti a giudice terzo e imparziale. La

legge ne assicura la ragionevole durata. [...]”.

505 SOUZA, Artur César de. Justo processo ou justa decisão. Revista de Processo, n. 196, ano 36, junho de

2011, p. 477.

506 SOUZA, Artur César de. Justo processo ou justa decisão. Revista de Processo, n. 196, ano 36, junho de

2011, p. 482. O autor cita o artigo 111 da Constituição italiana e o artigo 24 da Constituição espanhola, que

enumeram os aspectos formais de um “justo processo” para exemplificar que esses requisitos são

importantes, mas não são suficientes para a justiça material de uma decisão.

507 VIGORITI,Vincenzo.Garanzie costituzionali del processo civile. Padua, 1973. p.12-16.

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143

O uso do sistema processual para a tutela de interesses coletivos, em

sentido lato, traz consigo questões intrincadas do âmbito político -constitucional

e também questões técnicas, como já destacado 508. O direito coletivo material,

quando transportado para a seara processual, exige o abandono da visão

individualista do processo civil, pois os indivíduos não podem participar

diretamente do procedimento (há vezes que não podem ser identificados!), além

disso, a postura do magistrado, em seara coletiva, é alterada .509

Dessa forma, os sistemas procedimentais pedem alterações profundas

nesse âmbito, mas que não significam o abandono do devido processo legal

tradicionalmente conhecido, mas a superação dele. Como exemplo, o direito de

ser ouvido, de ser citado e de apresentar a defesa tradicionais são substituídos

pelos direitos exercidos por um representante, o que traz o tema da

representatividade adequada, pois a maioria dos sujeitos da relação jurídica

material não estarão presentes no processo judicial. A adequação da tutela e da

representatividade adequada, no sistema das class actions, é averiguada caso a

caso, diante de variados dados, como o tipo de interesse, o objeto da demanda,

a capacidade financeira dos representantes, dentre outros; e garantida, de forma

idônea, com a realização de notificação pessoal dos membros ausentes sobre a

existência da class action, permitindo que os indivíduos decidam se serão

alcançados ou não pela decisão coletiva. No entanto, se elevado for o número

de lesados a ponto de dificultar a viabilidade da notificação de todos sobre a

ação coletiva, o prosseguimento desta ficará inviabilizado. Diante disso, a Rule

23 sofreu uma emenda no ano de 2003 para a forma de notificação ser distinta

conforme o tipo de class action. Para as mandatory - Rule 23 (b)(1) e (b)(2) -,

não é necessária a notificação pessoal, bastando que o juiz garanta a apropriate

notice. Nesse tipo de class action, não existe o direito de autoexclusão, pois o

interesse é indivisível.

No entanto, nas class actions for damages - Rule 23(b)(3) -, a

notificação de cada membro do grupo é obrigatória, pois há a possibilidade de

auto-exclusão do membro do grupo e os interesses são divisíveis. Entretanto,

não há a exigência de que todos os membros sejam notificados

508 VIGORITI,Vincenzo.Garanzie costituzionali del processo civile. Padua, 1973. p.14.

509 O que é abordado em tópico separado.

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144

obrigatoriamente, pois esse tipo de exigência poderia prejudicar o andamento

da ação coletiva. Assim, basta que todos os membros que possam ser

notificados com reasonable effort o sejam.

Dessa maneira, a representatividade adequada unida a esse sistema

de notificação dos membros ausentes garante a observância do devido processo

legal, possibilitando a ocorrência da coisa julgada e de acordos coletivos, no

sistema processual norte-americano.

Assim, os instrumentos processuais, no âmbito coletivo, devem ser

tomados com vistas às peculiaridades dos interesses materiais em jogo .510

Da mesma maneira que diversos institutos processuais sofrem

modificações na seara coletiva, tais como a competência, a legitimação, a coisa

julgada, a publicidade, etc., o princípio do devido processo também precisa ser

adaptado ao processo coletivo, já que ele abrange diversos dire itos e garantias

processuais devido a sua grande abrangência 511. Segundo Fredie Didier Júnior e

Hermes Zaneti Júnior, essas mudanças ressaltadas são consequência da

necessária adaptação do princípio do devido processo legal aos novos litígios

coletivos, fazendo surgir, para os autores, o “garantismo coletivo”, que deve se

consolidar aos poucos na doutrina e na jurisprudência brasileiras para assegurar

maior legitimidade aos processos coletivos .512

A necessidade de adaptação não significa que o devido processo f oi

esvaziado pelas inúmeras mudanças que ocorreram na sociedade, mas que “A

construção do processo devido é obra eternamente em progresso.” 513,

destacando, mais uma vez, a historicidade do instituto.

510 Nesse sentido: COSTA, Susana Henriques da. O controle judicial da representatividade adequada: uma

análise dos sistemas norte-americano e brasileiro. In: SALLES, Carlos Alberto de. (Coord.). As grandes

transformações do processo civil brasileiro: homenagem ao Professor Kazuo Watanabe. São Paulo:

Quartier Latin, 2009. p. 956.

511 Nesse sentido: DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo

coletivo. v.4. 5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.112.

512 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.112.

513 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Princípio da adequação jurisdicional do processo coletivo –

benfazeja proposta contida no projeto da nova lei de ação civil pública. In: GOZZOLI, Maria Clara et. alli.

(Coord.). Em defesa de um novo sistema de processos coletivos: estudos em homenagem a Ada

Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 246.

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145

É esta cláusula geral que permite a flexibilidade do ordenamento

jurídico para a adaptação às novas situações sem a insegurança de ter qualquer

arbitrariedade cometida nos âmbitos legislativo, administrativo, jurisdicional e

privado514. Os alvos de proteção do devido processo legal, embora continuem os

mesmos, ou seja, vida, liberdade e propriedade, teve a sua perspectiva

profundamente modificada.

No âmbito coletivo, a observância do devido processo engloba o

respeito às normas do microssistema processual coletivo, composto pela Lei da

Ação Civil Pública e pelo Código de Defesa do Consumidor, que se

complementam mutualmente, além de normas específicas em outros diplomas

legais, como o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto do Idoso, o

Estatuto das Cidades, dentre outros. Nesta seara, o Código de Processo Civil

tem aplicação somente subsidiária. No entanto, esse traço de subsidiariedade

não é no sentido estrito de “subsidiariedade” como possa parecer 515, pois, além

da ausência de regulamentação no microssistema processual coletivo, a norma

do estatuto processualista civil não pode contrariar a natureza da ação, como

dispõe o artigo 22 da Lei da Ação Popular (Lei n. 4.717/65): “Aplicam-se à

ação popular as regras do Código de Processo Civil, naquilo em que não

contrariem os dispositivos desta lei, nem a natureza específica da ação .”.

Sobre este dispositivo, Daniela Gabbay516, ao comentá-lo, afirma que

ele funciona como legitimador do uso do Código de Processo Civil como

sistema subsidiário diante de lacunas e omissões, mas somente depois da

completa análise do microssistema processual coletivo, que não se limita ao

514 Nesse sentido: DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Princípio da adequação jurisdicional do

processo coletivo – benfazeja proposta contida no projeto da nova lei de ação civil pública. In: GOZZOLI,

Maria Clara et. alli. (Coord.). Em defesa de um novo sistema de processos coletivos: estudos em

homenagem a Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 247. No mesmo sentido: VENTURI,

Elton. Processo civil coletivo. São Paulo: Malheiros, 2007. p.148.

515 Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa Michaelis, o vocábulo “subsidiário” tem o seguinte

significado: “(si) adj (lat subsidiariu) 1 Pertencente ou relativo a subsídio. 2 Que subsidia. 3 Que fortalece.

4 Que vem em apoio ou reforço. 5 Que se dá ou manda em socorro de outrem. 6 Dir Diz-se da ação ou

responsabilidade que confirma ou robustece outra principal. 7 Auxiliador, preparador.” Disponível em:

<http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-

portugues&palavra=subsidi%E1rio>. Acesso em: 14 de março de 2012.

516GABBAY, Daniela. Comentários ao artigo 22, Lei da Ação Popular. In: COSTA, Susana Henriques da.

(Coord.). Comentários à Lei de ação civil pública e Lei de ação popular. São Paulo: Quartier Latin,

2006. p.311 e ss.

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146

Código de Defesa do Consumidor e à Lei de Ação Civil Pública, à luz do

princípio da especialidade:

“As diferenças paradigmáticas e principiológicas destes dois

sistemas processuais (individual e coletivo) precisarão ser

flexibilizadas somente em alguns casos, quando não mais for

possível se recorrer ao microssistema coletivo, e mesmo assim

encontram-se geralmente sujeitas a revisitações e esforços

hermenêuticos de compatibilização, que viabilizam o

intercâmbio de informações, em busca da garantia da

efetividade da tutela jurisdicional e da necessária pacificação

social, finalidade comum a que convergem os instrumentos

processuais de ambos os sistemas.” 517

Elton Venturi518 aponta a alteração paradigmática que se opera

constantemente, porém, de forma lenta, diante de novos contextos sociais o que

faz com que o entendimento da expressão “ser humano livre e digno” se altere

ao longo do tempo. Essas modificações se projetam sobre o conceito do devido

processo, que não mais se refere somente às relações intersubjetivas

individuais, mas às relações complexas de grupos, com a valorização da

solidariedade e da reciprocidade. Mudanças essas operadas, primeiramente,

pelo Estado Social Democrático de Direito. Diante dessa realidade que se

apresenta, Elton Venturi pontua que há uma necessidade urgente de revisão das

clássicas garantias processuais, principalmente a do devido processo, sob pena

de elas se tornarem obsoletas na nova realidade econômico-social, a qual é

incompatível com a proteção fragmentada de direitos .519

A vocação coletiva, preconizada por Elton Venturi, também

denominada de “devido processo social”, depende da ampliação e da

desburocratização do Poder Judiciário, além de alterações legislativas que

envolvem também uma mudança da compreensão do papel do judiciário na

efetivação de direitos individuais e sociais, segundo o autor. Além disso, tal

empreitada seria possível a partir da leitura do artigo 5º da Lei de Introdução às

517GABBAY, Daniela. Comentários ao artigo 22, Lei da Ação Popular. In: COSTA, Susana Henriques da.

(Coord.). Comentários à Lei de ação civil pública e Lei de ação popular. São Paulo: Quartier Latin,

2006. p.312.

518 VENTURI, Elton. Processo civil coletivo. São Paulo: Malheiros, 2007. p.148-152.

519 VENTURI, Elton. Processo civil coletivo. São Paulo: Malheiros, 2007. p.151.

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Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei n. 4.657 de 1942), que menciona os

“fins sociais”: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela

se dirige e às exigências do bem comum .”.

Como aponta Mauro Cappelletti520, a real defesa processual de

interesses coletivos lato sensu depende do abandono de estruturas

individualísticas do processo civil, mas com a devida prudência para que

valores irrenunciáveis não sejam arranhados. Assim, as garantias basilares do

processo não podem ser dispensadas, o que seria inaceitável. Essas garantias

básicas que devem ser mantidas e assumem novos contornos no âmbito

transindividual formam o devido processo coletivo.

3.10 Princípio do contraditório

Como aponta Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, o processo é fruto da estrutura

social e, como tal, reflete os projetos sociais, ambições econômicas, interesses sociais e

políticos da sociedade em uma determinada época. O mesmo acontece com os princípios,

inclusive com o contraditório521, ora tratado. Na época em que vivemos, segundo o autor

citado, mostra-se uma forte inclinação pela ânsia de justiça, reforçando as liberdades

individuais juntamente com as sociais, de modo a assegurar uma igualdade material e não

somente formal. Essa tendência se reflete no princípio do contraditório, que não é apenas

uma garantia formal de necessidade de citação, por exemplo, mas um princípio que deve

ser observado durante todo o correr processual em seu aspecto substancial, ou seja, que as

partes tenham efetiva possibilidade de participação e de influência sobre a decisão

judicial522. Cresce a importância do contraditório com o destaque conferido à efetividade,

pois medidas conservativas ou antecipatórias de sentença de mérito, por exemplo, antes do

520 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Trad. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Porto Alegre:

Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999. p.48-59.

521 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Garantia do contraditório. In: TUCCI, José Rogério Cruz e.

(Coord.). Garantias constitucionais do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p.133. “O

mesmo se passa com os princípios, que haurem seu significado, alcance, extensão e aplicação nos valores

imperantes no meio social, em consonância com o specificum de cada tempo e espaço social.”.

522 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Garantia do contraditório. In: TUCCI, José Rogério Cruz e.

(Coord.). Garantias constitucionais do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p.136-137.

“Recupera-se, assim, o valor essencial do diálogo judicial na formação do juízo, fruto da colaboração e

cooperação das partes com o órgão judicial e deste com as partes, segundo as regras formais do processo.”.

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término usual do processo ou liminarmente, exigem a correta observância do contraditório

e da ampla defesa.

A parte tem o direito de atuar de modo crítico, durante o processo, colocando-

se para além da posição de mero espectador da discussão de seus direitos, para atuar como

agente, influindo no convencimento do juiz, “[...] atuando, assim, como anteparo à

lacunosidade ou insuficiência da sua cognição.” 523, e, no âmbito processual, essa postura

da parte melhor se reflete no contraditório, como destaca Carlos Alberto Alvaro de

Oliveira.524

No entanto, essa garantia não é somente direcionada às partes, mas ao juiz

também, que deve participar da preparação do julgamento que será feito525. Entretanto,

mesmo com o destaque dado ao aumento dos poderes do juiz, todo o sistema processual é

estruturado de forma a permitir que as partes peçam, aleguem e provem, ou seja, que

tenham “his day in court”, como mostra Cândido Rangel Dinamarco.526

Nelson Nery Júnior527 aponta que os textos constitucionais do Brasil mantém a

tradição de conservar em seu conteúdo o contraditório como uma garantia e o texto atual,

em seu artigo 5º, inciso LV, prevê o seguinte: “aos litigantes, em processo judicial ou

administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa,

com os meios e recursos a ela inerentes;”528. Com relação ao texto constitucional anterior,

a evolução foi a previsão expressa, em mandamento constitucional, da aplicação do

523 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Garantia do contraditório. In: TUCCI, José Rogério Cruz e.

(Coord.). Garantias constitucionais do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p.140.

524 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Garantia do contraditório. In: TUCCI, José Rogério Cruz e.

(Coord.). Garantias constitucionais do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p.139-140.

525 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. V.1. 5.ed. São Paulo:

Malheiros, 2002. p.124. Cf. p.130. “A garantia constitucional do contraditório endereça-se também ao juiz,

como imperativo de sua função no processo e não mera faculdade (o juiz não tem faculdades no processo,

senão deveres e poderes).”.

526 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. V.1. 5.ed. São Paulo:

Malheiros, 2002. p.125.

527 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10.ed. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2010. p.207.

528 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de; MITIDIERO, Daniel. O direito fundamental ao contraditório e

sua centralidade no processo coletivo. In: ASSIS, Araken de. MOLINARO, Carlos Alberto. GOMES JR.,

Luiz Manoel. MILHORANZA, Mariângela Guerreiro. (Org.). Processo coletivo e outros temas de direito

processual: homenagem 50 anos de docência do professor José Maria Rosa Tesheiner, 30 anos de docência

do professor Sérgio Gilberto Porto. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p.96. “O contraditório é tão

essencial à vida do processo que hoje não é possível mesmo conceituar este sem alusão àquele. Processo no

Estado Constitucional é procedimento em contraditório.”.

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149

contraditório ao processo administrativo, o que já acontecia anteriormente, mas somente

por manifestação doutrinária.529

O princípio do contraditório pode ser explicitado através da concretização do

princípio da igualdade das partes combinado com o direito de ação e de defesa. Cândido

Rangel Dinamarco530 ensina que o contraditório das partes se revela na dinâmica do pedir-

alegar-provar, com a dedução de pedidos, na fase postulatória, e com a produção de provas

e alegações, na fase instrutória, impulsionados pela reação aos atos desfavoráveis.

O princípio em comento não é somente aplicável às partes litigantes, tais como

autor, réu, litisdenunciado, opoente e o chamado ao processo, mas também ao assistente,

tanto o litisconsorcial como o simples, e ao Ministério Público, mesmo quando na função

de fiscal da lei, pois quaisquer desses sujeitos podem ter pretensão de direito material

acerca do litígio531. Seguindo o mesmo raciocínio, testemunhas e peritos não têm direito a

invocar o princípio do contraditório, já que não possuem interesse material, atuando

somente como auxiliares da justiça.

O artigo 125, inciso I, do Código de Processo Civil, impõe ao juiz o dever de

assegurar às partes igualdade de tratamento durante a condução do processo. Assim,

enquanto as partes têm direito ao contraditório, é dever do juiz garantir a observância

deste. Saliente-se que por partes deve-se entender não somente pessoas naturais, mas

também pessoas jurídicas.

O princípio do contraditório tem duas facetas: o direito de informação da parte

de ter ciência de cada ato do processo e a possibilidade de reação diante de cada nova

informação, ou seja, a possibilidade de influência sobre o processo e seu resultado. Esta

última faceta abrange o amplo direito à prova que a parte possui, ou seja, de produzir prova

de suas alegações, assim como a contraprova do que foi alegado pela parte contrária532.

Como o destinatário da prova é o processo e não o juiz, este não pode indeferir

determinada prova sob a alegação de já estar convencido de determinado fato, pois tal

529 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10.ed. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2010. p.208. Cf. Lei do Processo Administrativo, Lei n.9.784/99, artigo 2º, caput.

530 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. V.1. 5.ed. São Paulo:

Malheiros, 2002. p.126-127.

531 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10.ed. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2010. p.210.

532 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10.ed. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2010. p.210-211.

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150

atitude configuraria ofensa ao contraditório, como salienta Nelson Nery Júnior533. Como

destacado pelo substantivo “possibilidade”, a segunda faceta do contraditório consiste

justamente em a parte ter a chance de se manifestar, porém, não precisa necessariamente

fazê-lo. Assim, enquanto a informação é absolutamente necessária, sob pena de

ilegitimidade do processo e nulidade de seus atos, a reação exige somente a

possibilidade.534

Destaca Carlos Alberto Alvaro de Oliveira que o princípio do contraditório não

consiste somente na necessária ciência que as partes devem ter de cada ato do processo,

mas do poder de influência sobre a decisão a ser proferida ao final, como recém-destacado.

Para que este objetivo seja alcançado: “[...] insta a que cada uma das partes conheça as

razões e argumentações expendidas pela outra, assim como os motivos e fundamentos que

conduziram o órgão judicial a tomar determinada decisão, possibilitando-se sua

manifestação a respeito em tempo adequado.”.535

Como ensina Humberto Theodoro Júnior, o justo processo engloba um debate

bem feito entre as partes, proporcionando uma redução do tempo processual e decisões

construídas de uma melhor maneira, evitando o uso de recursos. Para proporcionar o

alcance desse debate, o contraditório surge como fundamental.536

Quanto à segunda faceta do contraditório, ou seja, a possibilidade de reação das

partes, toma importância a figura do juiz, pois além da previsão legal de um procedimento

que possibilite a atuação e influência sobre a decisão pelas partes, o juiz deve manter

postura ativa no sentido de fazer o contraditório ser observado. É o que determina, no

direito alienígena, o artigo 16 do nouveau côde de procédure civile francês537 que

533 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10.ed. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2010. p.211.

534 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. V.1. 5.ed. São Paulo:

Malheiros, 2002. p.127. “Esse é, de certo modo, um culto ao valor da liberdade no processo, podendo a

parte optar entre atuar ou omitir-se segundo sua escolha.”.

535 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Garantia do contraditório. In: TUCCI, José Rogério Cruz e.

(Coord.). Garantias constitucionais do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p.144.

536 THEODORO JR., Humberto. Processo justo e contraditório dinâmico. In: ASSIS, Araken de.

MOLINARO, Carlos Alberto. GOMES JR., Luiz Manoel. MILHORANZA, Mariângela Guerreiro. (Org.).

Processo coletivo e outros temas de direito processual: homenagem 50 anos de docência do professor

José Maria Rosa Tesheiner, 30 anos de docência do professor Sérgio Gilberto Porto. Porto Alegre: Livraria

do Advogado, 2012. p.262.

537 Artigo 16: “Le juge doit, en toutes circonstances, faire observer et observer lui-même le principe de la

contradiction. Il ne peut retenir, dans sa décision, les moyens, les explications et les documents invoqués ou

produits par les parties que si celles-ci ont été à même d'en débattre contradictoirement. Il ne peut fonder

sa décision sur les moyens de droit qu'il a relevés d'office sans avoir au préalable invité les parties à

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151

prescreve que o juiz faça observar e observe ele mesmo o princípio do contraditório, assim

como o artigo 3º, 3, do Código de Processo Civil português, antes da reforma realizada no

ano de 2013: “o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o

princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade,

decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as

partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se manifestarem.”538. José Lebre de

Freitas afirma que o escopo primordial do contraditório deixou de ser a defesa, no sentido

de resistência a alguma atuação de outrem, para ser também a influência nas decisões

tomadas ao longo do desenvolvimento procedimental.539

Como ensina Cândido Rangel Dinamarco: “A globalização da ciência

processual foi o canal de comunicação pelo qual uma regra de direito positivo de um país

pôde ser guindada à dignidade de componente desse princípio universal, transpondo

fronteiras.”.540

O tema do ativismo judicial ganha relevância diante da busca pela efetividade

do processo541, cabendo ao juiz a direção do processo, a tomada de iniciativas probatórias

em certos casos (com a consequente mitigação do princípio dispositivo542) e o diálogo, o

qual também é uma forma de concretização do contraditório sem que ocorra ofensa à

imparcialidade necessária ao julgador, pois afastado o dogma de que o juiz que

manifestasse seus pensamentos estaria efetuando um prejulgamento, como explica Cândido

présenter leurs observations.”. Fonte:

<http://www.legifrance.gouv.fr/affichCode.do;jsessionid=1709B854A1CDD3A95C70A02520751E44.tpdj

o17v_3?idSectionTA=LEGISCTA000006149639&cidTexte=LEGITEXT000006070716&dateTexte=2012

0719>. Acesso em: 19 de julho de 2012.

Destaca Humberto Theodoro Júnior que a discussão não deve se limitar a uma análise comparada, pois que

é aplicável em qualquer Estado Democrático de Direito, como o Brasil. Cf. THEODORO JR., Humberto.

Processo justo e contraditório dinâmico. In: ASSIS, Araken de. MOLINARO, Carlos Alberto. GOMES JR.,

Luiz Manoel. MILHORANZA, Mariângela Guerreiro. (Org.). Processo coletivo e outros temas de direito

processual: homenagem 50 anos de docência do professor José Maria Rosa Tesheiner, 30 anos de docência

do professor Sérgio Gilberto Porto. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p.261-272. p.263.

538 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. V.1. 5.ed. São Paulo:

Malheiros, 2002. p.131.

539FREITAS, José Lebre de. Introdução ao processo civil: conceitos e princípios gerais. 2.ed. Coimbra,

2009, p.108-109.

540 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. V.1. 5.ed. São Paulo:

Malheiros, 2002. p.131.

541 Cf. item sobre “ativismo judicial”.

542 Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. V.1. 5.ed. São Paulo:

Malheiros, 2002. p.134. “Isso não significa que o juiz assuma paternalmente a tutela da parte negligente.”.

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152

Rangel Dinamarco543. É nesse sentido que indica o citado artigo 16 do estatuto processual

francês, determinando a proibição de o juiz fundamentar sua decisão com pontos que ele

haja levantado de ofício sem antes chamar as partes para que apresentem as suas versões.

Conclui Humberto Theodoro Júnior que:

“[...] o “processo justo”, nas dimensões constitucionais do Estado

Democrático de Direito deve ser construído e concluído como obra do

esforço e participação das partes e do juiz. Ele não dá margem ao

autoritarismo judicial, de sorte que, até mesmo quando a questão é

daquelas que o juiz pode enfrentar de ofício, não deverá decidi-la sem

antes ensejar a discussão com as partes, e assim permitir-lhes influir,

lógica e juridicamente, com seus argumentos, na formação do julgado. O

“processo justo”, como adverte Comoglio não convive com a

possibilidade de julgamentos “de surpresa”, qualquer que seja o seu

conteúdo. ” 544

No processo civil, o contraditório apresenta diferente viés do que é apresentado

pelo processo penal, pois, enquanto este exige que o contraditório seja efetivo e

substancial, a ponto de o Código de Processo Penal determinar, em seu artigo 497, inciso

V, que o Juiz Presidente do Tribunal do Júri nomeie novo defensor para o réu quando o

considerar indefeso; o processo civil admite como suficiente a oportunidade de

manifestação às partes, assim, o réu tido como revel terá contra si a possibilidade de o juiz

tomar como verdadeiras as alegações verossímeis feitas pelo autor relativas à matéria de

fato, conforme determina o artigo 319 do Código de Processo Civil. Diante dessa

diferença, Nelson Nery Júnior545 defende que o termo “bilateralidade da audiência” seria

mais apropriado para o processo civil, pois bastaria a citação quando os interesses fossem

estritamente disponíveis, mesmo que o réu se torne revel. Há situações em que mesmo o

processo civil somente admite o contraditório efetivo, como ocorre quando a citação se dá

por meios precários, ou seja, editais, permanecendo o réu revel. Deve ser dado curador ao

543 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. V.1. 5.ed. São Paulo:

Malheiros, 2002. p.135.

544 THEODORO JR., Humberto. Processo justo e contraditório dinâmico. In: ASSIS, Araken de.

MOLINARO, Carlos Alberto. GOMES JR., Luiz Manoel. MILHORANZA, Mariângela Guerreiro. (Org.).

Processo coletivo e outros temas de direito processual: homenagem 50 anos de docência do professor

José Maria Rosa Tesheiner, 30 anos de docência do professor Sérgio Gilberto Porto. Porto Alegre: Livraria

do Advogado, 2012. p.271.

545 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10.ed. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2010. p.213. “O réu deve ser, portanto, citado (CPC 213). Isto se verificando, mesmo no

caso de ele tornar-se revel, deixando de apresentar contestação, terá sido atendido o princípio constitucional

do contraditório.”.

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153

demandado que se encontre nessa situação, como determina o artigo 9º, inciso II, do

Código de Processo Civil.546

3.10.1 Contraditório e tutela coletiva

O viés individualista do processo civil determina como premissas do

contraditório a legitimidade ad causam prevista no artigo 6º do Código de Processo Civil,

ou seja, que ninguém pode defender em juízo interesses alheios; e os limites subjetivos da

coisa julgada delineados pelo artigo 472 do Estatuto Processual Civil.547

No entanto, com a superação desses traços individualistas que se faz necessária

com a tutela jurisdicional dos interesses transindividuais, essas premissas sofreram

alterações. O processo coletivo é conduzido por uma entidade que detém legitimidade

conferida a ela, no sistema jurídico brasileiro, pelo legislador (artigo 5º da Lei da Ação

Civil Pública e artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor), permitindo que sujeitos

que não estejam no processo sejam adequadamente representados por essas entidades, tais

como o Ministério Público, as Defensorias Públicas, associações, dentre outras, e que

sejam, inclusive, atingidos pela autoridade da coisa julgada. Sobre a possível ofensa ao

princípio do contraditório, convém citar Cândido Rangel Dinamarco:

“Não reside nisso qualquer ultraje à garantia constitucional do

contraditório, porque os entes qualificados para o exercício da ação

pública atuam no interesse do grupo ou comunidade interessada, sendo

tecnicamente qualificados como seus substitutos processuais.” 548

Como pontua Camilo Zufelato, em obra sobre a coisa julgada coletiva, o

princípio do contraditório ganha conotação própria nesta seara, mas a essência é a mesma,

qual seja, “[...] evitar que o comando judicial imutável traga prejuízos àquele que não

546 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. V.1. 5.ed. São Paulo:

Malheiros, 2002. p.128. “Não se sabe se o réu não respondeu à inicial porque não quis, ou porque não

soube da sua propositura.”.

547DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. V.1. 5.ed. São Paulo:

Malheiros, 2002. p.129.

548DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. V.1. 5.ed. São Paulo:

Malheiros, 2002. p.130.

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154

participou efetivamente em juízo da formação da decisão judicial.” 549, assim, tornam-se

necessários novos mecanismos distintos dos clássicos conhecidos do processo civil de

cunho individual, tais como a intervenção de terceiros e as diversas formas de impugnação

da decisão.

A clássica conceituação do contraditório como o direito à informação e a

possibilidade de reação é compatível com o processo civil que se passa entre sujeitos

determinados e com uma relação jurídica material individual subjacente. O processo civil

coletivo é incompatível com as regras dos artigos 6º e 472 do Código de Processo Civil.

Diante disto, há a necessidade da adoção de um sistema que atinja um grande número de

pessoas sem que haja a necessidade de participação pessoal no processo550, pois, como

ensina Ada Pellegrini Grinover, a participação no processo coletivo é menor no processo;

mas, maior, pelo processo551. A solução adotada foi a elaboração de um sistema

diferenciado de legitimação coletiva e de formação da coisa julgada, eliminando resquícios

de conceitos do processo individual para a composição do devido processo coletivo552.

Neste ponto, destaca Camilo Zufelato: “Com efeito, entende-se que o modo de

configuração do regime jurídico da coisa julgada é aquele que está mais apto a

proporcionar respeito às garantias constitucionais e efetividade na concretização desse

novo campo do processo denominado tutela jurisdicional coletiva.”.553

Hermes Zaneti Júnior e Fredie Didier Júnior554 destacam a

necessidade de equilíbrio da relação processual coletiva, o que se dá com a

549ZUFELATO, Camilo. Coisa julgada coletiva. São Paulo: Saraiva, 2011. p.182.

550ZUFELATO, Camilo. Coisa julgada coletiva. São Paulo: Saraiva, 2011. p.182-183.

551GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual coletivo. GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR.,

Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do

anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.25 e ss.

552ZUFELATO, Camilo. Coisa julgada coletiva. São Paulo: Saraiva, 2011. p.183. “Insta frisar, nesse passo,

a intrínseca correlação entre o regime da coisa julgada e a legitimação para agir nas ações coletivas e sua

relevância para a constitucionalidade do modelo adotado.”.

553ZUFELATO, Camilo. Coisa julgada coletiva. São Paulo: Saraiva, 2011. p.184.

554 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.69-71. “Isto significa dizer que para preservar o campo razoável de

previsibilidade jurídica o Código de Processo Coletivo deverá apresentar um número determinado de

princípios gerais ou informativos e de cláusulas gerais que facultem aos intérpretes saber de antemão, a

depender das circunstâncias históricas, a tendência do microssistema em relação a questões dogmáticas

fundamentais.”. Cf. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de; MITIDIERO, Daniel. O direito fundamental ao

contraditório e sua centralidade no processo coletivo. In: ASSIS, Araken de. MOLINARO, Carlos Alberto.

GOMES JR., Luiz Manoel. MILHORANZA, Mariângela Guerreiro. (Org.). Processo coletivo e outros

temas de direito processual: homenagem 50 anos de docência do professor José Maria Rosa Tesheiner, 30

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155

democratização do processo, e isso é possivelmente alcançado com o princí pio

do contraditório, que impõe o “dever de debate” entre juiz e partes e o “direito

de influência” das partes na decisão do julgador.

Como destacam Carlos Alberto Alvaro de Oliveira e Daniel

Mitidiero555, tanto o processo civil individual quanto o coletivo têm em comum

o fato da inexistência de processo justo sem a observância do contraditório.

Rodrigo Mazzei556, ao comentar o artigo 6º da Lei da Ação Popular,

destaca que muito se discute acerca do princípio do contraditório

exclusivamente quanto ao lado do autor na tutela jurisdicional dos interesses

transindividuais, sob o enfoque do artigo 16 da Lei da Ação Civil Pública e o

artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor, que são as maiores fontes

legais dentro do microssistema relacionado à tutela de massa. No entanto, o

artigo 6º da lei comentada traz o enfoque do princípio do contraditório sob o

prisma do demandado e se revela importante dentro do microssistem a

processual coletivo557. O parágrafo terceiro do dispositivo mencionado permite

que a pessoa jurídica de direito público ou de direito privado, cujo ato seja

objeto de impugnação e que se encontre no polo passivo, possa se abster de

contestar ou atuar ao lado do autor. Assim, a pessoa jurídica, no polo passivo,

detém três opções, quais sejam: contestar, manter -se inerte ou aderir ao polo

ativo da ação popular558. Existe divergência quanto à ocorrência ou não de

anos de docência do professor Sérgio Gilberto Porto. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p.95-100.

Neste texto, os autores discordam dos autores previamente citados, quais sejam, Didier e Zaneti, no sentido

de o contraditório não constituir um valor, pois se encontra no plano normativo.

555 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de; MITIDIERO, Daniel. O direito fundamental ao contraditório e

sua centralidade no processo coletivo. In: ASSIS, Araken de. MOLINARO, Carlos Alberto. GOMES JR.,

Luiz Manoel. MILHORANZA, Mariângela Guerreiro. (Org.). Processo coletivo e outros temas de direito

processual: homenagem 50 anos de docência do professor José Maria Rosa Tesheiner, 30 anos de docência

do professor Sérgio Gilberto Porto. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p.100. “Sem o contraditório

no centro do tablado do processo civil não há como construir-se um processo democrático realmente idôneo

à tutela dos direitos.”.

556 Para uma ampla referência bibliográfica sobre o tema, cf. MAZZEI, Rodrigo. Comentários ao artigo 6º da

Lei da Ação Popular. In: COSTA, Susana Henriques da. (Coord.). Comentários à Lei de ação civil

pública e Lei de ação popular. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p.156.

557 MAZZEI, Rodrigo. Comentários ao artigo 6º da Lei da Ação Popular. In: COSTA, Susana Henriques da.

(Coord.). Comentários à Lei de ação civil pública e Lei de ação popular. São Paulo: Quartier Latin,

2006. p.157.

558 MAZZEI, Rodrigo. Comentários ao artigo 6º da Lei da Ação Popular. In: COSTA, Susana Henriques da.

(Coord.). Comentários à Lei de ação civil pública e Lei de ação popular. São Paulo: Quartier Latin,

2006. p.182.

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156

preclusão para a pessoa jurídica. Rodrigo Mazzei entende que, desde que o

administrador pode rever seus próprios atos, como se extrai da leitura das

súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal, não há preclusão 559. Admitir a

hipótese contrária, ou seja, que ocorreria a preclusão após o prazo para resposta

é aplicar norma de natureza estritamente individual do Código de Processo

Civil a interesse supraindividual. Assim, Rodrigo Mazzei admite a

retratabilidade a qualquer tempo desde que adequadamente fundamentada.560

3.10.2 Coisa julgada coletiva

Como destacado no item anterior, a coisa julgada coletiva é um dos

institutos que permite que a tutela jurisdicional coletiva obtenha a efetividade

que lhe é necessária561. Como afirma Ricardo de Barros Leonel562, para que a

tutela coletiva cumpra seus objetivos, ou seja, solucionar conflitos de massa,

proporcionar economia processual e alcançar a efetividade da prestação

jurisdicional, há “[...] a necessidade de modificação nos dois polos essenciais

da relação jurídica processual – legitimação e coisa julgada [...] .”.563

559 MAZZEI, Rodrigo. Comentários ao artigo 6º da Lei da Ação Popular. In: COSTA, Susana Henriques da.

(Coord.). Comentários à Lei de ação civil pública e Lei de ação popular. São Paulo: Quartier Latin,

2006. p.182-183.

560 MAZZEI, Rodrigo. Comentários ao artigo 6º da Lei da Ação Popular. In: COSTA, Susana Henriques da.

(Coord.). Comentários à Lei de ação civil pública e Lei de ação popular. São Paulo: Quartier Latin,

2006. p.183. “Ademais, nos termos da exposição prévia que fizemos sobre a aplicação puramente residual

do CPC na ação popular, não se pode pensar que regras de natureza individual venham a constituir

obstáculo para a ratio da LAP, que é a proteção especial de interesse supra individual, hoje descrita no

artigo 5º, LXXIII, da CF de 1988.”.

561LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2011. p.276. “Juntamente com a legitimação para agir, a coisa julgada é um dos pontos sensíveis da

regulamentação e desenvolvimento do processo coletivo. Da sua correta formulação torna-se possível o

alcance dos objetivos que a tutela jurisdicional coletiva preconiza em sua essência.”.

562LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2011. p.276-277.

563LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2011. p.277.

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157

Sobre a questão da legitimação e da representação adequada, já

abordadas neste trabalho, convém somente recordar, neste momento, que a

legitimidade é conferida a determinados entes ope legis, pelo artigo 5º da Lei

da Ação Civil Pública e pelo artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor,

além de haver certa possibilidade de controle judicial da representatividade

adequada prevista no artigo 82, parágrafo 1º, do Código de Defesa do

Consumidor, e a análise jurisprudencial casuística da existência de inte resse

social na defesa de direitos individuais homogêneos pelo Ministério Público 564.

Dessa maneira, os indivíduos estão indiretamente presentes no processo

coletivo através de seu representante adequado, o que justifica o alcance da

sentença coletiva a eles, sem que haja a configuração de uma exceção ao

princípio da limitação subjetiva do julgado, “[...] configurando, sim, um novo

conceito de representação substancial e processual aderente às novas

exigências da sociedade .”.565

Quanto à coisa julgada coletiva, suas peculiaridades decorrem da

própria relação de direito material subjacente, pois, como destaca José Roberto

dos Santos Bedaque: “O regime dos limites da coisa julgada, sem dúvida, deve

ser considerado em função de o direito referir -se a apenas uma pessoa, a

várias determinadas ou a titulares indeterminados .”.566

O tratamento da coisa julgada coletiva recebe tratamento distinto do

modelo processual individual em razão das peculiaridades do direito material

coletivo. Assim, resumidamente, pode-se dizer que a sentença coletiva, quando

aborde interesses difusos, tem efeito erga omnes quando da procedência ou da

improcedência, salvo, neste último caso, quando a improcedência tiver como

fundamento a insuficiência probatória. A ação coletiva não impede ações

individuais dos lesados em razão dos mesmos fatos, pois partes, causa de pedir

e pedido serão distintos, além disso, o indivíduo não pode ser prejudicado com

564GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo: estudos e pareceres. 2.ed. São Paulo: DPJ Editora, 2009. p.268.

“Esse exame, que se faz caso a caso, implica a análise de algo muito próximo à representatividade

adequada, dependendo do objeto da demanda ou da quantidade de pessoas envolvidas na causa.”.

565LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2011. p.288.

566BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo.

5.ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p.125.

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158

a improcedência coletiva. Com relação aos interesses coletivos stricto sensu, o

legislador determinou o efeito ultra partes do julgado limitado ao grupo, à

categoria ou à classe, salvo na hipótese de insuficiência probatória, quando a

coisa julgada será formal apenas. A extensão do julgado coletivo para o

indivíduo somente se dá in utilibus, não se admitindo a extensão que lhe seja

prejudicial. Por fim, as demandas que tratam sobre interesses individuais

homogêneos têm a formação da coisa julgada com efeitos erga omnes, sendo

que a sentença coletiva determina o an debeatur e cada indivíduo lesado deve

promover a liquidação e execução individuais para a consolidação do quantum

debeatur e a demonstração do nexo de causalidade entre a conduta lesiva do réu

e a sua lesão567, ou seja, a própria condição de titular do direito reconhecido na

sentença deve ser objeto de prova568. Assim, “[...] cada liquidante deverá

provar, em contraditório pleno e mediante cognição exauriente, a existência de

seu dano pessoal e seu nexo etiológico, com o dano globalmente causado .”.569

Diante da necessidade de revisão do dogma processua l dos limites

subjetivos da coisa julgada, tornou-se imprescindível adequar o novo modelo

de coisa julgada ao princípio do contraditório.570

567LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2011. p.289-293. Cf. artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor que dispõe sobre a coisa julgada

coletiva. Diego Faleck destaca que com a sentença de mérito, tem início uma nova fase de liquidação, que

analisa aspectos quanto à legitimidade, quanto ao quantum debeatur, comprovação de renda, grau de

dependência econômica, dentre outros. FALECK, Diego. Do programa extrajudicial de prevenção ou

reparação de danos: inovação da Lei da Ação Civil Pública. In: ASSIS, Araken de. MOLINARO, Carlos

Alberto. GOMES JR., Luiz Manoel. MILHORANZA, Mariângela Guerreiro. (Org.). Processo coletivo e

outros temas de direito processual: homenagem 50 anos de docência do professor José Maria Rosa

Tesheiner, 30 anos de docência do professor Sérgio Gilberto Porto. Porto Alegre: Livraria do Advogado,

2012. p.153.

568WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; WAMBIER, Luis Rodrigues. Anotações sobre as ações coletivas no

Brasil – presente e futuro. In: ASSIS, Araken de. MOLINARO, Carlos Alberto. GOMES JR., Luiz Manoel.

MILHORANZA, Mariângela Guerreiro. (Org.). Processo coletivo e outros temas de direito processual:

homenagem 50 anos de docência do professor José Maria Rosa Tesheiner, 30 anos de docência do

professor Sérgio Gilberto Porto. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p.618.

569 LUCON, Paulo Henrique dos Santos; SILVA, Érica Barbosa e. Análise crítica da liquição e execução na

tutela coletiva. In: LUCON, Paulo Henrique dos Santos (Coord.). Tutela coletiva: 20 nos da LACP e do

FID, 15 anos do CDC. (p.163-183). p.175. Defendem os autores que, apesar do veto ao artigo 96 do CDC,

o juiz deve garantir a máxima publicidade possível à sentença coletiva, determinando a publicação de

editais em meios de comunicação de grande circulação, portanto, e assim, possibilitar a habilitação de

indivíduos para a liquidação individual da sentença genérica coletiva.

570BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo.

5.ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p.127.

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159

Em função de os interesses tratados na demanda coletiva serem

indivisíveis e a coisa julgada alcançar indivíduos que não participaram do

processo efetivamente, há a necessidade de tratamento uniforme para a situação

material coletiva, afastando a possibilidade de decisões diferentes e

contraditórias. Assim, como ensina José Roberto dos Santos Bedaque:

“Daí a necessidade de o disposto na sentença tornar -se imutável

para todos. É, pois, a indivisibilidade do objeto da demanda

que determina a extensão dos limites subjetivos da coisa

julgada erga omnes ou ultra partes .” 571

A possibilidade de crítica à sistemática da coisa julgada coletiva por

ofensa ao princípio do contraditório deve ser afastada, pois que se basearia

somente em concepções individualistas do processo civil, o que não se amolda

às peculiaridades do processo coletivo, que possui um sistema arquitetado com

base na legitimação de entes específicos para a propositura de demandas que

garantam a representatividade adequada dos membros que não se encontrem no

processo e a incidência da coisa julgada benéfica, como ensina Ricardo de

Barros Leonel572:

“Há integral observância do devido processo legal sob a ótica

coletiva – com a inafastabilidade da jurisdição, do contraditório

e da ampla defesa -, pois o sistema estabelece meios de

controle e ressalvas a fim de inviabilizar, v.g., a colusão entre

autor e réu com a finalidade de fraudar a lei (produzindo

sentença de improcedência para legalizar conduta ilícita).” 573

Em relação ao demandado, que terá que refazer sua defesa, se o

julgamento for pela improcedência, pois a demanda pode ser reformulada em

outra oportunidade pelo mesmo ou por outro legitimado, não há sacrifício do

571BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo.

5.ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p.127.

572LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2011. p.278-279.

573LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2011. p.279.

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160

contraditório574, por que, como destaca Ricardo de Barros Leonel, o demandado

integra a relação processual e tem condições de depositar grande empenho em

sua defesa dado à importância e à relevância da controvérsia575. Marcelo José

Magalhães Bonício, em sua tese sobre o princípio da proporcionalidade e o

processo civil brasileiro, indica a falta de proteção do réu em ação coletiva

caso a decisão se dê pela improcedência por falta de provas, gerando uma

desigualdade entre o réu de uma ação individual e o réu em ação civil pública,

no entanto, “Nem por isso se cogita de existência de violação à garantia da

coisa julgada, ou mesmo ao devido processo legal.” 576. Segundo o autor recém-

mencionado, o legislador considerou esta como uma hipótese em que a garantia

da coisa julgada não deve ser absoluta de acordo com o princípio da

proporcionalidade577, ou o postulado normativo aplicativo da

proporcionalidade. Assim, nesse caso, o legislador, no sopesamento entre o

princípio da igualdade de tratamento das partes do processo e o princípio do

contraditório, preferiu por bem delinear o sistema da forma que se encontra.

3.10.3 Contraditório no processo executivo coletivo

No processo civil individual, é indiscutível que o processo/fase executiva não

comporta discussões quanto à existência do crédito, pois, como determina o artigo 586 do

Código de Processo Civil, o título deve conter obrigação certa, líquida e exigível; no

574LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2011. p.281.

575LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2011. p.281.

576BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da

proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,

2006. p.106.

577Para uma ampla explicação das hipóteses de relativização da garantia da coisa julgada, cf. BONÍCIO,

Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da proporcionalidade, a

legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas, 2006. p.102-108.

Convém lembrar a opinião trazida pelo Professor Cândido Rangel Dinamarco sobre as hipóteses legais de

flexibilização da coisa julgada. O autor critica que o legislador liste situações excepcionais. Somente

caberia ao magistrado a análise de casos concretos. Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova era do

processo civil. 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p.255.

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161

entanto, mesmo no processo/fase executiva, há espaço para decisões referentes a outras

questões relativas à execução, e onde há decisão, deve estar presente o contraditório.

É o que afirma Acir Murad578, quando diz que o processo de execução não é

processo de sentença, “[...] motivo lógico a autorizar a conclusão de ausência de

julgamento que se identifique com aquele proferido no processo de conhecimento.”, mas

que há a presença de atuação cognitiva de menor dimensão. Nesse sentido, destaca

Cândido Rangel Dinamarco579 que também está presente o trinômio “pedir-alegar-provar”

na fase ou processo executivo, “Sendo a participação indispensável fator legitimante da

imposição dos resultados do exercício do poder [...].”580. Como destaca Carlos Alberto de

Salles581, é a cognição rarefeita, tratada por Kazuo Watanabe582. Dessa maneira, apesar de

não ocorrer o reexame quanto às questões decididas no processo/fase de conhecimento, há

conteúdo decisório quanto às providências a serem tomadas para a realização do

provimento jurisdicional e o contraditório deve ser observado.583

Em acréscimo ao exposto, o artigo 620 do Código de Processo Civil determina

que a execução se dê pelo meio menos gravoso para o executado e isso se torna viável com

a dialética possibilitada pelo contraditório. Além disso, o dispositivo constitucional, artigo

5º, inciso LV, não faz ressalva quanto ao modelo de processo judicial, conhecimento,

execução ou cautelar.584

Em sentido diverso, Enrico Tullio Liebman ensinava, em 1976, que a atividade

do juiz na execução toma a direção de modificação da realidade para que a vontade judicial

578 MURAD, Acir. Princípios constitucionais do processo civil. (Dissertação de mestrado apresentada à

FDUSP, sob a orientação do Prof. Dr. Antônio Carlos Marcato). São Paulo: USP, 2004. p.99. “A cognição

não é atividade exclusiva de um ou de outro processo – conhecimento e execução -, ainda que o espaço

ocupado no primeiro seja muito maior do que aquele que ocupa no segundo.”.

579 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. V.1. 5.ed. São Paulo:

Malheiros, 2002. p.128.

580 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. V.1. 5.ed. São Paulo:

Malheiros, 2002. p.129.

581 SALLES, Carlos Alberto de. Execução judicial em matéria ambiental. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1998. p.231.

582 WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987. p.86.

583 SALLES, Carlos Alberto de. Execução judicial em matéria ambiental. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1998. p.233.

584 MURAD, Acir. Princípios constitucionais do processo civil. (Dissertação de mestrado apresentada à

FDUSP, sob a orientação do Prof. Dr. Antônio Carlos Marcato). São Paulo: USP, 2004. p.100.

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162

expressa na sentença se concretize, ou seja, era extremamente prática e material585. Com

relação às partes, o autor referido afirmava que havia paridade no processo de

conhecimento, “[...] pois o princípio do contraditório é essencial a este tipo de processo;”

586, no entanto, no processo executivo, a situação se invertia. Nas palavras do autor:

“[...] na execução, não há mais equilíbrio entre as partes, não há

contraditório; uma exige que se proceda, a outra não o pode impedir e

deve suportar o que se faz em seu prejuízo, podendo pretender

unicamente que, no cumprimento desta atividade, seja observada a lei.”

587

De qualquer maneira, o autor citado acima não descartava a possibilidade de

surgimento do contraditório no processo executivo em um novo processo de cognição

incidente.588

Quanto ao processo executivo coletivo, o legislador não se ateve em determinar

suas peculiaridades, assim, cabe ao intérprete desenhar os seus contornos com base na

interpretação extensiva da existente legislação executiva para o âmbito individual589 e

com base nos poucos dispositivos na legislação coletiva, acrescidos dos

princípios regentes dos interesses transindividuais590. Não cabe aqui, diante dos

escopos do presente trabalho, esmiuçar a execução e a liquidação executivas,

mas somente o que for pertinente ao princípio do contraditório .591

585 LIEBMAN, Enrico Tullio. Estudos sobre o processo civil brasileiro (com notas da Dra. Ada Pellegrini

Grinover). São Paulo: Editora José Bushatsk Ltda, 1976. p.43. Nota introdutória de Ada Pellegrini

Grinover: “O código processual em vigor aboliu, como se sabe, a distinção entre execução e ação executiva

e unificou a execução, empregada, hoje, tanto para o título judicial como para o título extrajudicial.”.

586 LIEBMAN, Enrico Tullio. Estudos sobre o processo civil brasileiro (com notas da Dra. Ada Pellegrini

Grinover). São Paulo: Editora José Bushatsk Ltda, 1976. p.44.

587 LIEBMAN, Enrico Tullio. Estudos sobre o processo civil brasileiro (com notas da Dra. Ada Pellegrini

Grinover). São Paulo: Editora José Bushatsk Ltda, 1976. p.44.

588 LIEBMAN, Enrico Tullio. Estudos sobre o processo civil brasileiro (com notas da Dra. Ada Pellegrini

Grinover). São Paulo: Editora José Bushatsk Ltda, 1976. p.44.

589LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2011. p.402.

590 LUCON, Paulo Henrique dos Santos; SILVA, Érica Barbosa e. Análise crítica da liquição e execução na

tutela coletiva. In: LUCON, Paulo Henrique dos Santos (Coord.). Tutela coletiva: 20 nos da LACP e do

FID, 15 anos do CDC. (p.163-183). p.164. Cf. LACP, artigos 11,13 e 15; CDC, artigo 84.

591Para tal objetivo, haveria a necessidade de um trabalho inteiro sobre o tema. Cf., v.g., SILVA, Érica

Barbosa e. Cumprimento de sentença em ações coletivas. São Paulo: Atlas, 2009.

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163

Com essa perspectiva definida, tem-se que o processo coletivo

desloca para a fase executiva maior atividade cognitiva do juiz, como pontua

Ricardo de Barros Leonel592, como, por exemplo, na liquidação e execução de

sentença que envolva interesses individuais homogêneos, como citado acima,

quando cada indivíduo deverá demonstrar o seu nexo de causalidade para a

fixação do quantum debeatur, através de uma liquidação semelhante à por

artigos do CPC, pois “[...] jamais poderá alterar aquilo que foi decidido na

sentença condenatória genérica, que reconhece a potencialidade lesiva do

dano [...]”593, além das chamadas “execuções complexas” 594, consagradas com

a reforma efetivada no artigo 461 do Código de Processo Civil, que

disponibiliza um grande leque de medidas a serem tomadas com vistas à

efetividade do provimento jurisdicional, que podem envolver, por exemplo,

danos ao meio ambiente, interesses difusos e coletivos, portanto, a demandar,

liquidação por arbitramento ou por artigos, caso haja a necessidade de prova de

fato novo595. A consequência dessa grande gama de possibilidades é o aum ento

da discricionariedade judicial, o qual deve vir acompanhado do contraditório

possibilitado às partes para que uma decisão adequada seja razoavelmente

alcançada.596

Em relação à execução específica das obrigações de fazer e de não

fazer, há previsão legal nos artigos 84 do Código de Defesa do Consumidor, no

artigo 11 da Lei da Ação Civil Pública, nos artigos 461 e 632 do Código de

592LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2011. p.402. Destaca o autor que a tendência de relativização entre o binômio conhecimento e execução

ocorre nos dois lados, pois existem medidas de antecipação dos efeitos da tutela ou ações destinadas ao

cumprimento da obrigação específica na fase de conhecimento e também maior carga decisória já na fase

executiva, como em questões ambientais, quando a obrigação de reparar o meio ambiente se dá em fase

cognitiva, mas a eleição do modo se dá na execução. Cf. SALLES, Carlos Alberto de. Execução judicial

em matéria ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p.239-240.

593 LUCON, Paulo Henrique dos Santos; SILVA, Érica Barbosa e. Análise crítica da liquição e execução na

tutela coletiva. In: LUCON, Paulo Henrique dos Santos (Coord.). Tutela coletiva: 20 nos da LACP e do

FID, 15 anos do CDC. p.168 e 176.

594 SALLES, Carlos Alberto de. Execução judicial em matéria ambiental. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1998. p.251 e ss.

595 Cf. LUCON, Paulo Henrique dos Santos; SILVA, Érica Barbosa e. Análise crítica da liquição e execução

na tutela coletiva. In: LUCON, Paulo Henrique dos Santos (Coord.). Tutela coletiva: 20 nos da LACP e do

FID, 15 anos do CDC. p.168.

596 SALLES, Carlos Alberto de. Execução judicial em matéria ambiental. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1998. p.252.

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164

Processo Civil e no artigo 213 do Estatuto da Criança e do Adolescente,

conferindo poderes ao magistrado para determinar as medidas mais adequadas a

proporcionar a efetividade necessária ao provimento jurisdicional coletivo, para

impor ou modificar o valor de multa para o efeito de coerção,

independentemente do pedido da parte e determinar medidas, tais como a busca

e apreensão, a remoção de coisas e pessoas, dentre outras597. Diante desse poder

conferido ao magistrado, ele necessitará de subsídios técnicos para tomar a

melhor decisão, assim, como deve fazer com que o contraditório seja

observado, consultando o demandado. Como no exemplo trazido por Ricardo de

Barros Leonel, em que houve a condenação de uma empresa em não mais emitir

poluentes, com o pedido de cessação de suas atividades pela parte autora. Caso

o mesmo efeito possa ser obtido com a instalação de filtros, tal medida p ode ser

adotada.598

De semelhante exemplo, pode-se aferir a importância do

contraditório em situações tais a ponto de auxiliar o magistrado a tomar a

decisão que encontre um equilíbrio entre posições extremas, evitando o

fechamento de uma indústria, por exemplo, criadora de renda e empregos, além

de observar o disposto no artigo 620 do Código de Processo Civil.

Além disso, medidas compensatórias em espécie podem ser uma

opção viável, já que a medida compensatória que é conversão em perdas e

danos e a remessa das verbas ao Fundo de Interesses Difusos não tem

vinculação com o dano originário nem com a região atingida, a medida

compensatória em espécie pode ser uma opção mais adequada para a

efetividade da prestação jurisdicional .599

Convém destacar o seguinte trecho da obra de Ricardo de Barros Leonel:

597LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2011. p.408.

598LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2011. p.408.

599 Cf. LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2011. p.409. O autor traz o exemplo de contaminação irreparável de lençol freático que abastece

determinada localidade, sendo possível a determinação de que o causador do dano traga água de outra

região para abastecer a área atingida.

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“Essa relevância do processo executivo é potencializada no sistema

coletivo, seja pelo amplo espectro de abrangência de sua base subjetiva,

seja pela complexidade objetiva dos atos executórios, bem como pelas

dificuldades inerentes à concretização da tutela específica das obrigações

de fazer ou de não fazer (também chamada de execução imprópria,

indireta ou específica).” 600

O artigo 15 da Lei da Ação Civil Pública determina que: “Decorridos sessenta

dias do trânsito em julgado da sentença condenatória, sem que a associação autora lhe

promova a execução, deverá fazê-lo o Ministério Público, facultada igual iniciativa aos

demais legitimados.”. Assim, preferencialmente, cabe ao autor da ação coletiva promover a

respectiva liquidação ou execução e o órgão ministerial tem o dever legal de fazê-lo em

caso de inércia daquele. Apesar de o texto legal falar em “associação”, deve-se fazer uma

interpretação extensiva para abranger todos os legitimados. Além disso, em caso de inércia

do autor coletivo para promover a execução, qualquer outro legitimado pode fazê-lo, desde

que respeitados determinados requisitos, como a pertinência temática para os entes da

administração indireta e para as entidades civis, além do prazo de constituição anuo para

estas últimas.

A previsão legal referida parece minimizar o princípio da disponibilidade da

ação ou da inércia, previsto no artigo 2º do Código de Processo Civil, havendo quem

defenda a sua inaplicabilidade diante da previsão específica na legislação coletiva pela

obrigatoriedade e indisponibilidade da execução601. Em casos concretos, caso o juiz

verifique a inércia dos legitimados para iniciar a liquidação/execução, deve comunicar o

chefe do Ministério Público. Sobre o tema, trata-se de forma mais aprofundada adiante, no

princípio da obrigatoriedade da execução coletiva pelo Ministério Público.

600LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2011. p.401.

601 LUCON, Paulo Henrique dos Santos; SILVA, Érica Barbosa e. Análise crítica da liquição e execução na

tutela coletiva. In: LUCON, Paulo Henrique dos Santos (Coord.). Tutela coletiva: 20 nos da LACP e do

FID, 15 anos do CDC. p.170. Os autores indicam, de lege ferenda, que o juiz possa determinar o início da

execução de ofício.

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166

3.10.4 Direito à prova no processo coletivo: à luz do princípio do contraditório

O sistema probatório está em um momento de alteração paradigmática

desencadeada pelo avanço tecnológico, que ocorre através de um vagaroso processo de

reconsideração de conceitos diante do surgimento de meios novos e mais seguros de prova

que podem substituir ou adicionar maior robustez às provas tradicionalmente utilizadas,

como explicita Carlos Alberto de Salles602, e a principal área em que se podem observar

tais mudanças é na seara coletiva das ações civis públicas, onde provas tecnológicas

podem, por exemplo, demonstrar o estado de bens através de fotos de satélite, por

exemplo. A absorção pela ciência processual da certeza tecnológica não dispensa o papel

do juiz, mas o modifica na medida em que o julgamento de questões de fato fica relegado a

um segundo plano diante da prevalência do julgamento pela interpretação do direito e dos

valores envolvidos603. Essas modificações mencionadas repercutem na forma de apreciação

das provas no direito processual civil, gerando a necessidade de um regramento distinto

para o ônus da prova, que funciona como regra de julgamento604 da forma como está

regulado atualmente. Tradicionalmente, pelo princípio dispositivo, pelo qual cabe à parte a

prova de fatos de seu interesse, juntamente com a vedação do non liquet, é exigência

prévia do processo que as partes estejam cientes da forma de distribuição do ônus

probatório para que elas possam orientar suas iniciativas probatórias e sopesar as

probabilidades de resultado, como alerta Carlos Alberto de Salles605. No entanto, com a

prova científica adentrando o meio probatório, há alterações na possibilidade de prova de

cada parte, como, por exemplo, o caso de um fornecedor que terá domínio sobre as

602 SALLES, Carlos Alberto de. Processos coletivos e prova: transformações conceituais, direito à prova e

ônus da prova. In: MILARÉ, Édis. (Coord.). A ação civil pública após 25 anos. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2010. p.147. “Pode-se dizer que os processos coletivos impulsionam as provas para um

momento de transição, [...].”.

603 SALLES, Carlos Alberto de. Processos coletivos e prova: transformações conceituais, direito à prova e

ônus da prova. In: MILARÉ, Édis. (Coord.). A ação civil pública após 25 anos. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2010. p.151.

604 SALLES, Carlos Alberto de. Processos coletivos e prova: transformações conceituais, direito à prova e

ônus da prova. In: MILARÉ, Édis. (Coord.). A ação civil pública após 25 anos. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2010. p.157. “Pretende-se, isso sim, denunciar a insuficiência do conceito quando aplicada a

novas situações, como na inversão do Direito do Consumidor [...].”.

605 SALLES, Carlos Alberto de. Processos coletivos e prova: transformações conceituais, direito à prova e

ônus da prova. In: MILARÉ, Édis. (Coord.). A ação civil pública após 25 anos. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2010. p.154.

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167

informações técnicas de um produto, diferentemente do consumidor final. Assim, a

possibilidade probante, neste contexto, não tem relação com a capacidade financeira de

forma direta. Diante disso, elaborou-se a teoria do ônus dinâmico da prova, a qual tem sido

corroborada pelo Superior Tribunal de Justiça.606

“Não obstante o reforço dos poderes do juiz se mostre presente nas

diversas fases do processo coletivo é, sem dúvida, na fase instrutória que

sua atuação deverá ser a mais ativa possível.” 607

Como demonstra Swarai Cervone de Oliveira, no trecho acima destacado, é na

instrução probatória que a postura ativa do magistrado, na seara coletiva, ganha relevo

maior; ou, como afirma Fábio Peixinho Gomes Côrrea, “[...] a experiência demonstra que

a iniciativa probatória constitui o mais valioso instrumento à disposição do Juiz para o

fim de reequilibrar a disputa no processo.”. 608

O interesse público primário está muito presente nos direitos materiais que são

objetos da tutela jurisdicional coletiva para permitir uma postura estática do magistrado. O

Código de Processo Civil, em seu artigo 130, determina o seguinte: “Art. 130. Caberá ao

juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução

do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias.”. Se há

justifica para o legislador prever a possibilidade de o magistrado determinar provas na

seara individual, com maior razão deve fazê-lo no âmbito do processo coletivo.

Assim, compromete-se o princípio dispositivo para privilegiar a efetividade da

jurisdição, o acesso a uma ordem jurídica justa e de igualdade substancial e, não apenas

formal, como destaca Rogério Marrone de Castro Sampaio.609

606 SALLES, Carlos Alberto de. Processos coletivos e prova: transformações conceituais, direito à prova e

ônus da prova. In: MILARÉ, Édis. (Coord.). A ação civil pública após 25 anos. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2010. p.155. Cf. AgIn 706.524-RS, decisão monocrática, rel. Min. Teori Albino Zavascki,

p.05.10.2005. Cf. REsp 69309-SC, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 4ª T., j.18.06.1996. No mesmo

sentido: TJSP, AgIn 754.083-5/0-00, rel. Des. Samuel Júnior, Câmara Reservada do Meio Ambiente,

j.10.07.2008.

607 OLIVEIRA, Swarai Cervone de. Poderes do juiz nos processos coletivos. In: CALMON, Petrônio;

CIANCI, Mirna; GOZZOLI, Maria Clara; QUARTIERI, Rita (Coord.). Em defesa de um novo sistema de

processos coletivos: estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010. p.668.

608 CORRÊA, Fábio Peixinho Gomes. Governança judicial: modelos de controle das atividades dos sujeitos

processuais. Tese de doutorado Professor Orientador: José Rogério Cruz e Tucci. São Paulo: USP, 2008.

p.67.

609 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. A atuação do juiz no direito processual civil moderno. Tese

de doutorado sob orientação do Prof. Dr. Flávio Luiz Yarshell. São Paulo: USP, 2007. p.180.

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168

Segundo Marcelo José Magalhães Bonício, o princípio dispositivo tem raízes

na natureza do direito material em discussão e no caráter instrumental do processo: “[...]

porque, conforme for o grau de indisponibilidade do direito material ou, em outras

palavras, a natureza pública ou privada deste direito, será definido o grau de

disponibilidade que os titulares do direito material possuirão.”610. O princípio dispositivo

impede que o juiz inicie a demanda – embora essa dimensão seja relativizada na seara

coletiva, à luz do artigo 7º, da Lei da Ação Civil Pública – e que determine e assuma toda a

atividade probatória do processo, independentemente da vontade das partes. No entanto,

ele não deve permanecer inerte, como o próprio Código de Processo Civil, em seu artigo

130, indica. É demandada certa atuação do magistrado, mas com limites. Por exemplo, o

juiz deve se limitar aos fatos trazidos pelas partes, com exceção dos fatos notórios,

segundo Marcelo José Magalhães Bonício.611

Quanto à provável alegação de comprometimento da imparcialidade do juiz, tal

não ocorre, como destaca Swarai Cervone de Oliveira612, pois o processo coletivo tem

como predominante o traço de vontade da atuação concreta da lei, se aproximando mais do

processo civil objetivo e deixando em plano inferior a vontade das partes, além disso, juiz

imparcial não é juiz imóvel: “Ser imparcial não significa ser passivo, mas, sim, analisar as

provas de forma não tendenciosa, sem a intenção de beneficiar uma ou outra parte.” 613.

Antes da produção da prova, de qualquer forma, não se sabe qual será o resultado

alcançado, além disso, a prova deve ser submetida ao contraditório, garantindo a

participação das partes na instrução probatória e legitimando o seu resultado. Como ensina

José Carlos Baptista Puoli614, a filosofia liberal exacerbada e os fortes traços

610BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da

proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,

2006. p.160.

611BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da

proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,

2006. p.161.

612 OLIVEIRA, Swarai Cervone de. Poderes do juiz nos processos coletivos. In: CALMON, Petrônio;

CIANCI, Mirna; GOZZOLI, Maria Clara; QUARTIERI, Rita (Coord.). Em defesa de um novo sistema de

processos coletivos: estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010. p.669.

613 OLIVEIRA, Swarai Cervone de. Poderes do juiz nos processos coletivos. In: CALMON, Petrônio;

CIANCI, Mirna; GOZZOLI, Maria Clara; QUARTIERI, Rita (Coord.). Em defesa de um novo sistema de

processos coletivos: estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010. p.669.

614 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora

Juarez de Oliveira, 2001. p. 39-40.

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individualistas do final do século XIX, que ainda exercem certa influência em nossos dias,

utilizam o comprometimento da imparcialidade do órgão jurisdicional como motivo para

negar a possibilidade de iniciativa probatória do magistrado, confundindo os conceitos de

“juiz ativo” com o de “juiz parcial”, o que contraria as bases da instrumentalidade do

processo. No entanto, o sistema de tutela coletiva cobra do juiz uma postura ativa, como

nos interesses de consumidores, de crianças e adolescentes e de idosos, ao prescrever, o

próprio texto legal, a inversão do ônus probatório. Um grande avanço foi logrado com o

texto do Código de Defesa do Consumidor, que previu, em seu artigo 6º, inciso VIII, como

direito básico do consumidor: “a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a

inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for

verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de

experiências;”. Assim, operou-se a flexibilização da regra clássica de distribuição do ônus

probatório previsto no artigo 333 do Código de Processo Civil, o qual privilegiava a

segurança jurídica com base no contraditório, para passarmos à fase em que a distribuição

do ônus da prova se dá ope judicis. Dessa maneira, quando o magistrado note presentes os

requisitos autorizadores da inversão, deve fazê-lo. No entanto, tem-se presente que não se

trata de empreitada simples, dado que o legislador se utilizou de expressões abertas, como

“verossimilhança da alegação” ou “hipossuficiência” 615, além de não destacar o momento

em que se opera a inversão, o que deu origem a diversas posições doutrinárias sobre o

momento adequado em que o magistrado poderia ordenar a inversão do ônus probatório616.

Sobre o tema, aponta José Carlos Baptista Puoli617 ser a posição mais adequada a que

defende o diálogo entre as partes com o órgão jurisdicional antes do início da fase

probatória, para que as condições do litígio e a possibilidade de inversão fiquem nítidas

615 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. A atuação do juiz no direito processual civil moderno. Tese

de doutorado sob orientação do Prof. Dr. Flávio Luiz Yarshell. São Paulo: USP, 2007. p.183. “O requisito

da hipossuficiência é o que, na realidade, retrata o espírito da técnica processual. A situação de

vulnerabilidade em que se encontram os consumidores, nas mais variadas e complexas relações jurídicas

travadas com os fornecedores, os coloca em situação de desequilíbrio também na relação processual.

Busca-se, com a inversão do ônus da prova, o restabelecimento da igualdade de condições que emerge da

cláusula do devido processo legal.”.

616 Para ampla indicação bibliográfica, cf. PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas

do processo civil. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001. p. 48-50.

617 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora

Juarez de Oliveira, 2001. p. 49.

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170

para todos os envolvidos. Como destaca Kazuo Watanabe618, a teoria da carga dinâmica da

prova considera a facilidade da parte em demonstrar determinado fato com base em seus

conhecimentos científicos e técnicos ou pela detenção de informações acerca dos fatos

relevantes para a causa.

Quando se trata da verossimilhança da alegação, Kazuo Watanabe619 destaca

que não se trata propriamente de inversão do ônus probatório, mas a admissão pelo juiz da

produção de determinada prova que era incumbência de uma das partes com base em

máximas da experiência e regras da vida. Em determinado caso, com base na experiência,

determinado fato que deveria ter sido provado seria a premissa ou a consequência dos

acontecimentos, caso não haja prova em contrário. Como destaca o autor mencionado:

“Cuidou o legislador, apesar disso, de explicar a regra, e o fez com

propósitos didáticos, para lembrar aos operadores do Direito, não muito

propensos a semelhante critério de julgamento, que é ele inafastável em

processos que tenham por conteúdo o direito do consumidor. E há, no

dispositivo, também a lembrança de que, tratando-se de tutela do direito

do consumidor, deve ser utilizada, com mais frequência, regra inscrita no

art. 335 do Código de Processo Civil.” 620

Em relação à hipossuficiência, um verdadeiro caso de inversão do ônus

probatório, ela estará configurada não somente em casos de hipossuficiência econômica,

conforme a definição dada pelo parágrafo único do artigo 2º da Lei n. 1.060/50621, mas

também em casos de hipossuficiência técnica, ou seja, quando uma das partes estiver em

situação de grande desvantagem na obtenção de informações técnicas acerca de uma

contenda, como na relação entre consumidor e fabricante.622

618 GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do

Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2011. p.6.

619 GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do

Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2011. p.9.

620 GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do

Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2011. p.6. Cf. Artigo 335, CPC: “Em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as

regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as

regras da experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial.”.

621 “Considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar

as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família.”.

622 GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do

Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro:

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171

Ademais, o processo tem uma finalidade social que não pode ser olvidada

diante de um caso em que o desequilíbrio das partes fique evidente, exigindo a postura

ativa do magistrado a determinar a produção de provas, que, repita-se, não compromete sua

imparcialidade, pois o resultado de tal prova é desconhecido de todos os envolvidos

teoricamente: “O processo não pode ser visto como um jogo, em que o mais forte tem mais

possibilidades de vencer. Isso contraria o ideal da igualdade substancial entre as partes,

contentando-se o juiz com a simples igualdade formal, sob o cômodo manto da

imparcialidade.”. 623

As ações coletivas, por tratarem de direito de inúmeras pessoas que não estão

presentes no processo, mas que são representadas por representantes adequados, que

dificilmente terão contato direto com os representados, reclamam um juiz atento a suprir

lacunas detectadas na fase probatória.624

Como destaca Rogério Marrone de Castro Sampaio625, o Código de Processo

Civil sintetiza a atuação judicial em matéria probatória em seu artigo 130. O juiz é o

destinatário final das provas que são produzidas durante o iter procedimental. Assim, cabe

a ele ponderar os interesses em jogo à luz da proporcionalidade, para determinar as provas

essenciais e as somente protelatórias.626

Conforme já destacado, diante da ampliação dos poderes do juiz, ele poderá

determinar a colheita de algumas provas. Na mesma direção, a atuação do magistrado na

seara probatória vem delineada no artigo 331 do Código de Processo Civil, que dispõe

sobre a audiência preliminar, com a seguinte redação em seu segundo parágrafo: “Se, por

qualquer motivo, não for obtida a conciliação, o juiz fixará os pontos controvertidos,

Forense, 2011. p.10. “O mais que o magistrado poderá fazer, tal seja o custo da prova a ser colhida, por

exemplo, uma perícia especializada e sua impossibilidade prática de realização gratuita, é determinar que o

fornecedor suporte as despesas com a prova.”.

623 OLIVEIRA, Swarai Cervone de. Poderes do juiz nos processos coletivos. In: CALMON, Petrônio;

CIANCI, Mirna; GOZZOLI, Maria Clara; QUARTIERI, Rita (Coord.). Em defesa de um novo sistema de

processos coletivos: estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010. p.672.

624 OLIVEIRA, Swarai Cervone de. Poderes do juiz nos processos coletivos. In: CALMON, Petrônio;

CIANCI, Mirna; GOZZOLI, Maria Clara; QUARTIERI, Rita (Coord.). Em defesa de um novo sistema de

processos coletivos: estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010. p.673.

“A relevância social das decisões e o interesse público que permeia o processo coletivo impõem,

decididamente, a postura ativa do juiz.”.

625 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. A atuação do juiz no direito processual civil moderno. Tese

de doutorado sob orientação do Prof. Dr. Flávio Luiz Yarshell. São Paulo: USP, 2007. p.181.

626 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. A atuação do juiz no direito processual civil moderno. Tese

de doutorado sob orientação do Prof. Dr. Flávio Luiz Yarshell. São Paulo: USP, 2007. p.181.

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decidirá as questões processuais pendentes e determinará as provas a serem produzidas,

designando audiência de instrução e julgamento, se necessário.”. Portanto, deve o juiz

exercer papel ativo na audiência preliminar, fixando os pontos controvertidos e

determinando as provas que deverão ser produzidas. Além disso, caso entenda necessário,

o juiz pode alertar as partes sobre as regras de distribuição do ônus probatório que poderão

ser futuramente aplicadas627. Segundo Kazuo Watanabe, o juiz não deve decidir, neste

momento inicial, sobre a inversão do ônus probatório, mas apenas informar as partes, de

acordo com o princípio da colaboração processual628 e como aplicação de medida de boa

política judiciária629. A necessidade de se recorrer às regras do ônus probante somente tem

a probabilidade de surgir após a conclusão da fase probatória.630

O Projeto de Lei n. 5.139/2009 rejeitado pela Comissão de Constituição e

Justiça da Câmara dos Deputados continha disposição neste sentido em seu artigo 20,

inciso IV, determinando que o juiz distribuísse “[...] a responsabilidade pela produção da

prova, levando em conta os conhecimentos técnicos ou informações específicas sobre os

fatos detidos pelas partes ou segundo a maior facilidade em sua demonstração.” 631, de

forma a buscar o restabelecimento do equilíbrio das partes quanto às possibilidades

probatórias.

627 GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do

Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2011. p.7.

628 CORRÊA, Fábio Peixinho Gomes. Governança judicial: modelos de controle das atividades dos sujeitos

processuais. Tese de doutorado Professor Orientador: José Rogério Cruz e Tucci. São Paulo: USP, 2008.

p.65-66. “A colaboração das partes ocorre por força do fenômeno da “participação contraditória”, o qual

nada mais é do que o exercício do direito fundamental à participação visto segundo o princípio do

contraditório.”.

629 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. V.3. 6.ed. São Paulo:

Malheiros, 2009. p.82-83. “A transparência das condutas judiciais é uma inafastável inerência do due

process of law e da exigência do diálogo que integra a garantia constitucional do contraditório: o processo

civil moderno quer muita explicitude do juiz e de suas intenções, que são fatores indispensáveis à

efetividade do justo processo.”. GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo.

Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo

coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.12.

630 No mesmo sentido: DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. V.3. 6.ed.

São Paulo: Malheiros, 2009. p.81-83. Em sentido contrário: Cf. ALMEIDA, João Batista de. A proteção

jurídica do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1993. p.80. Para este autor, a inversão do ônus probatório

deve ser comunicada a tempo para que a parte possa se desincumbir deste ônus.

631 SALLES, Carlos Alberto de. Processos coletivos e prova: transformações conceituais, direito à prova e

ônus da prova. In: MILARÉ, Édis. (Coord.). A ação civil pública após 25 anos. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2010. p.156.

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3.11 Princípio da publicidade

O princípio da publicidade garante conhecimento dos atos do processo a todos,

garantindo transparência à atividade jurisdicional, juntamente com a necessidade de

motivação das decisões judiciais632. A publicidade adequada é uma garantia do devido

processo. Quando na seara coletiva, a publicidade adequada ganha meandros distintos e

passa a ser corolário do devido processo coletivo.

No texto constitucional, há previsão no artigo 5º, inciso LX, e no artigo 93,

inciso IX, aquele com caráter pragmático para possibilitar a sua restrição quando

necessário, preservar a intimidade ou o interesse social; este, com caráter garantístico633.

Quando referente ao processo coletivo, o princípio da publicidade ganha dimensão diversa,

pois envolve a adequada notificação dos membros do grupo ou grupos envolvidos, a

publicidade necessária para a sociedade em geral e a informação aos órgãos

competentes634. Antonio Gidi635 afirma que a notificação aos membros do grupo não deve

ser tomada como um fim em si mesma, mas como um meio de controle da adequação da

representação do processo coletivo e somente pode ser exigida na medida desta, pois uma

exigência para que o devido processo legal seja cumprido não pode servir como empecilho

do acesso à justiça.

Fredie Didier Júnior e Hermes Zaneti Júnior636 diferenciam o princípio da

publicidade em dois sub-princípios: o da adequada notificação dos membros do grupo e o

632 Cf. ALMADA, Roberto José Ferreira de. A garantia processual da publicidade. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2005. p.17-18. Sobre a publicidade interna do processo, que possibilita o exercício do

contraditório pelas partes; e a publicidade externa, que cumpre o papel de revelação pública da regularidade

do procedimento, cf. ALMADA, Ibid., p. 49-50.

633 Artigo 5º, inciso LX: “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da

intimidade ou o interesse social o exigirem;” e artigo 93, inciso IX: “todos os julgamentos dos órgãos do

Poder Judiciário serão públicos [...]”. Cf. ALMADA, Roberto José Ferreira de. A garantia processual da

publicidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p.15.

634 Nesse sentido, mas apontando também a comunicação ao Cadastro Nacional de ações coletivas, quando

criado: AZEVEDO, Júlio Camargo de. Princípios do processo coletivo aplicáveis à tutela dos interesses

metaindividuais: análise feita à luz do Projeto de Lei n. 5.139/09. Franca: UNESP, 2009. p. 91.

635 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em

uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.230.

636 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.115.

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da informação aos órgãos competentes. Para a melhor esquematização do tema, optou-se

por abordar essas duas facetas do princípio, ora abordado, de forma separada.

3.11.1 Adequada notificação aos membros do grupo

Quanto ao primeiro sub-princípio, o da adequada notificação aos membros do

grupo, os autores apontam a importância da comunicação da existência do processo

coletivo àqueles que não estão efetivamente presentes na relação processual, o que se dá

por editais, segundo a atual regulamentação dada à matéria no direito brasileiro637. É o que

o direito estadunidense chama de fair notice638. A notificação aos membros do grupo tem

dupla finalidade: permite que os indivíduos exerçam a fiscalização sobre a condução do

processo pelo representante adequado, assim como permite o exercício do direito de “sair”

da ação coletiva para dar continuidade a sua ação individual. Segundo Antonio Gidi639, os

membros dos grupos devem ser notificados acerca da causa, seus direitos e os riscos

envolvidos para que possam decidir qual conduta tomar.

Assim, o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 94, tratou da matéria

da notificação dos membros do grupo, dispensando a publicação em jornal local por ser

custosa e não mais proveitosa640 do que a opção adotada, qual seja, a ampla divulgação da

ação pelos meios de comunicação, como rádio, televisão e internet, por órgãos de defesa

637 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em

uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.239. Cf. Artigo 94, Código de

Defesa do Consumidor.

638 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.115.

639 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em

uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.213.

640 Nesse sentido: GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código

Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo coletivo.

10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. passim. Em sentido contrário: GIDI, Antonio. A class action como

instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em uma perspectiva comparada. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2007. p.240.

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do consumidor federais, estaduais e municipais e também por entidades privadas de defesa

do consumidor que integram o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor.641

O escopo da divulgação prevista no referido artigo 94 é possibilitar que os

interessados a intervir como litisconsortes no processo coletivo tomem ciência da

existência deste. O litisconsorte não poderá ampliar o objeto da demanda coletiva, trazendo

seus direitos pessoais, pois, como explicam Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe e

Nelson Nery Júnior642, contraria a “molecularização” da causa. Diante desta inovação das

regras processuais, alguns autores643 preferem qualificar esta intervenção como um caso de

assistência qualificada ou litisconsorcial, mas, como destacam os autores recém-

mencionados, o enfoque de institutos processuais muda quando há a transposição para a

seara coletiva. Convém citar que a intervenção ora em comento acarreta consequências nos

limites subjetivos da coisa julgada para o interventor, pois caso a demanda seja rejeitada

pelo mérito, ele não poderá propor uma ação individual posterior, diferentemente daquele

membro do grupo que não atuou como litisconsorte.

Quanto ao sistema de auto exclusão no microssistema processual coletivo

brasileiro, o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 104, dispôs que: “As ações

coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem

litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou

ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores

das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar

da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.”.

Assim, o demandante individual tem duas opções: continuar com sua demanda

individual, independentemente da ação coletiva, por não existir litispendência entre elas,

mas com a ciência de não haver possibilidade de ele ser beneficiado por eventual

procedência coletiva; ou, optar pela suspensão do processo individual, no prazo de trinta

dias, desde a ciência inequívoca nos autos da existência da ação coletiva, conforme já

641 Nesse sentido: GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código

Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo coletivo.

10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.150.

642GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do

Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2011. p.151.

643Como explicam: GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código

Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo coletivo.

10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.151.

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mencionado. Caso a ação coletiva seja julgada procedente, nesta última hipótese, o autor

individual será beneficiado; caso contrário, ele poderá prosseguir com sua ação que foi

suspensa e ainda ter chances de procedência na seara individual. É o critério de extensão

subjetiva dos julgados secundum eventum litis, adotado pelo microssistema processual

coletivo.644

Fredie Didier Júnior e Hermes Zaneti Júnior645 lembram que somente há

sentido na existência de uma previsão legal para a exclusão de um membro do grupo, caso

exista a possibilidade de prejuízo para o indivíduo, como a longa espera pelo julgamento

da ação coletiva, ou a ausência de confiança no sistema processual coletivo, ou, ainda, a

vedação da tutela individual. No entanto, o nosso sistema adota a eficácia in utilibus da

coisa julgada coletiva, ou seja, o indivíduo, que não seja demandante individual, não tem

motivo para comunicar nos autos de uma ação coletiva a sua exclusão do grupo, pois ele

somente pode ser beneficiado por eventual procedência646. Caso ele não deseje o benefício

advindo de uma ação coletiva, basta que não proceda à liquidação e à execução da sentença

coletiva.

No entanto, como nota-se da análise do artigo 94 do Código de Defesa do

Consumidor em conjunto com todo o microssistema de tutela coletiva, falta

regulamentação, no direito pátrio, que garanta uma eficaz comunicação aos indivíduos

lesados. É truísmo que a publicação de um edital para notificar os membros do grupo é

ineficaz e somente uma ficção. Como alerta Antonio Gidi647, o legislador pode criar

ficções, mas “[...] sem fugir ao bom senso e à necessidade constitucional de se promover

uma efetiva notificação aos membros do grupo.”. De nada adianta a previsão da

644 GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do

Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2011. p.213.

645 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.187.

646 Cf. GIDI, Antonio; MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer (Coord.). La tutela de los derechos difusos,

colectivos e individuales homogéneos: hacia um código modelo para iberoamLerica. 2.ed. México:

Editorial Porrúa México, 2004. Introdução por Ada Pellegrini Grinover. p. XLVIII. “A visão norte-

americana das class actions ainda é uma visão individualista do processo, centrada nos membros do grupo

e preocupada sobretudo com as pessoas que o compõem. Seguro indício disto são, entre outras, as

numerosas notificações, para que cada interessado seja cientificado da demanda; o critério do opt in e do

opt out, como princípio reitor do regime da coisa julgada; [...].”.

647 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em

uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.239.

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possibilidade de intervenção do indivíduo no processo coletivo se não houver um

mecanismo eficiente de levar a notícia da existência deste para seus membros.

Como pontua Antonio Gidi648, o sistema de notificação utilizado nos Estados

Unidos não é transponível para o nosso sistema jurídico por diversas razões, tais como

normas éticas que impedem que advogados financiem suas causas e também a necessidade

de advogados com altas somas disponíveis para investir em tais ações. No entanto,

segundo o autor, nossa parca regulamentação da matéria não se justifica diante dos

interesses extremamente relevantes envolvidos.649

Propõe Antonio Gidi que os legitimados ope legis, no Brasil, poderiam adiantar

as despesas referentes à notificação dos membros do grupo, ou, ainda, que as verbas do

Fundo do artigo 13 da Lei da Ação Civil Pública poderiam ser direcionadas para tal

objetivo650, de lege ferenda.

Além disso, a segunda parte do artigo 94 do Código de Defesa do Consumidor

faculta aos órgãos de defesa do consumidor a divulgação da existência de ações coletivas,

o que pode ou não ocorrer, portanto, não garantindo a eficácia da notificação651, pois tal

dispositivo funciona apenas como uma sugestão.

Dessa maneira, diante da ausência de regulamentação expressa quanto à forma

de comunicação do indivíduo sobre a existência da ação coletiva, a doutrina se divide.

Fredie Didier Júnior e Hermes Zaneti Júnior652 defendem que cabe ao réu

proceder a essa informação, pois o indivíduo que não teve ciência da existência do

processo coletivo não pode ser prejudicado com o prosseguimento normal de sua ação

individual. É o que se infere do artigo 31 do Código Modelo do IIDP. Apontam esses

648 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em

uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.240.

649 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em

uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.241. “Ademais, no direito

brasileiro, ao contrário do que acontece no americano, a coisa julgada coletiva atinge a esfera individual

dos membros do grupo apenas in utilibus, secundum eventum litis, diminuindo os riscos do grupo.”.

650 Assim como os membros do Ministério Público aspiram que as verbas do Fundo do artigo 13 da Lei da

Ação Civil Pública pudessem ser direcionadas para o financiamento de suas investigações. No entanto,

como aponta Hugo Nigro Mazzilli: “Entretanto, se, de lege ferenda, tal solução pode ser cogitada, hoje,

porém, lege lata, é inviável.”. MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. São

Paulo: Saraiva, 2012. p. 572.

651 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em

uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.240.

652 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.183.

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autores que o réu tem interesse na comunicação do autor individual acerca da existência da

ação coletiva, pois ele evitaria ser demandado mais de uma vez acerca do mesmo caso653,

criando-se um ônus para o réu, que, se não cumprido, beneficiará o autor da ação

individual. Trata-se, como indicam os autores mencionados, de aplicação do princípio da

cooperação no processo civil e, diante do silêncio do sistema normativo, manobra viável

diante da incidência do princípio da adequação.654

Assim, assumindo-se esta postura, o demandado em ação coletiva,

seria o único sujeito com ciência da existência de ações indivi duais acerca da

mesma matéria de uma ação coletiva, cabendo a ele o ônus de dar ciência aos

autores individuais.

Antonio Gidi655 sugere que a lei deveria obrigar o autor da ação

coletiva a promover uma adequada notícia, de uma forma mínima, aos membros

do grupo acerca da propositura da ação, deixando aberta a possibilidade de o

juiz determinar formas de notificação complementares 656. Defende o autor

mencionado que a entidade autora poderia conseguir divulgar a propositura da

ação de forma gratuita através de rádio, televisão e internet, o que obviamente

deveria ser feito de forma neutra e concisa. No entanto, caso necessário pagar

fosse, isso comprovaria também sua capacidade de representação adequada e

sua boa-fé. Antonio Gidi vai além em suas sugestões e propõe que a lei

estabelecesse critérios para que o juiz pudesse transferir ao réu, desde que

observados o contraditório e a ampla defesa, a responsabilidade financeira pela

notificação do grupo, com fundamento na analogia de casos de inversão de

ônus da prova, liminar, provimento cautelar e antecipação de tutela, ou seja,

653 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.183.

654 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.183.

655 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em

uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.241.

656 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em

uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.241. “O magistrado deveria

escolher a melhor forma de notificação de acordo com os fatos do caso concreto, avaliando as

peculiaridades do grupo e do direito violado.”.

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casos de cognição sumária de verossimilhança ou da presença do fumus boni

iuris na pretensão do autor.657

Por fim, conclui Antonio Gidi que não há necessidade de que a

notificação dos membros do grupo seja pessoal, bastando a notificação a

entidades públicas e associações representativas do grupo para que o sistema

atual seja aperfeiçoado, pois, da forma como está, ele é vulnerável a ações

coletivas fraudulentas, porque os advogados e os entes coletivos legitimados

permanecem livres de controle que poderia/deveria ser exercido pelos membros

do grupo e de outras associações ou entidades legitimadas .658

Quanto à possibilidade de a parte exercer o direito de arrependimento quanto

ao pedido de suspensão de sua ação individual, Antonio Gidi, Fredie Didier Júnior e

Hermes Zaneti Júnior659 entendem pela possibilidade, desde que a informação seja levada à

ação coletiva e à ação individual660. Ainda, Kazuo Watanabe, Ada Pellegrini Grinover e

Nelson Nery Júnior concordam com a possibilidade de arrependimento da suspensão da

ação individual e citam a seguinte situação: “[...] como no caso de superveniência de uma

sentença desfavorável de primeiro grau, a prenunciar a formação de uma coisa julgada

negativa na ação coletiva.” 661. Apesar de o Código de Defesa do Consumidor não

disciplinar a questão, os autores recém-mencionados defendem a interpretação da questão

de acordo com os princípios norteadores da legislação consumeirista.662

657 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em

uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.241.

658 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em

uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.242. “A mera publicidade dos atos

processuais é instrumento insuficiente para proteger os interesses dos membros ausentes do grupo, se a

controvérsia coletiva não despertar o interesses dos meios de comunicação.”.

659 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.183.

660 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.183.

661 GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do

Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2011. p.213.

662 GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do

Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2011. p.213. “[...] assim, todo o enfoque da nova lei, como instrumento de proteção e defesa do

consumidor (art. 1º), com o reconhecimento de sua vulnerabilidade (art. 4º, inc. I), aliado à previsão da

“facilitação da defesa de seus direitos” (art. 6º, inc. VIII), leva a responder afirmativamente à indagação

supra.”.

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A Lei n. 12.016 de 2009, que cuida do mandado de segurança, estabeleceu, em

seu dispositivo 22, parágrafo 1º, o seguinte:

“Art. 22. § 1º O mandado de segurança coletivo não induz litispendência

para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada não

beneficiarão o impetrante a título individual se não requerer a desistência

de seu mandado de segurança no prazo de 30 (trinta) dias a contar da

ciência comprovada da impetração da segurança coletiva.” (grifo nosso)

Assim, ao contrário do sistema usual de pedido de suspensão da ação

individual, o impetrante de mandado de segurança individual, caso queira ser beneficiado

pela coisa julgada formada em mandado de segurança coletivo, deve desistir daquela. No

entanto, tal prescrição pode causar restrição ao direito fundamental que é o mandado de

segurança, pois este tem prazo de cento e vinte dias para a impetração (artigo 23, Lei n.

12.016/09) 663. Assim, com a desistência da primeira demanda, é praticamente certo que o

impetrante perderia o prazo caso necessário fosse a impetração de segunda demanda em

decorrência da desistência da primeira e da improcedência da demanda coletiva. Além do

dispositivo não evitar a situação de concomitância entre ação individual e ação coletiva,

pois dificilmente o impetrante optará pela desistência, o dispositivo não segue os ditames

de efetividade e economia, pois caso haja a necessidade de nova impetração de mandado

de segurança individual, nada do que já houvesse sido feito poderá ser reaproveitado, dado

a desistência. Há que se lembrar do princípio da vedação do retrocesso, ou efeito cliquet,

em matéria de direitos fundamentais, que proíbe que o legislador restrinja direito

fundamental do indivíduo já regulamentado, como o é o direito ao mandado de segurança,

previsto no artigo 5º, incisos LXIX e LXX, da Constituição Federal.

A solução sugerida por Fredie Didier Júnior e Hermes Zaneti Júnior segue no

sentido de a jurisprudência tornar o dispositivo letra morta664, adotando a suspensão do

processo individual por aplicação do microssistema de processo coletivo ou com base na

relação de preliminaridade entre a ação coletiva e a ação individual, pois a procedência

663 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.184. “Pode ser que a desistência não implique necessariamente essa

perda (como nos casos de mandado de segurança contra omissão, que não se submete ao mencionado

prazo). Mas a regra será a perda da oportunidade de discutir o seu direito individual por mandado de

segurança.”.

664 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.184-185. Solução semelhante já foi adotada no Supremo Tribunal

Federal com relação ao mandado de segurança: MS n.25087 ED/SP, j. em 21.9.2006, MS n.26.244

AgR/DF, publicado no DJU de 23.2.2007, e MS n.26.006 AgR/DF, j. em 2.4.2007).

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coletiva dispensa o julgamento da ação individual, com base no artigo 265, IV, “a”, do

Código de Processo Civil.665

Kazuo Watanabe, Ada Pellegrini Grinover e Nelson Nery Júnior destacam que

a solução dada pela legislação especial é muito mais drástica e destoa do microssistema de

processos coletivos.666

O nosso sistema legal admite a coexistência de ação coletiva e ação individual,

como já explicitado. Esse era o direcionamento das decisões do Superior Tribunal de

Justiça, como ilustra o CC n.47.731/DF, publicado no DJ em 05 de junho de 2006, que

teve como relator o Ministro Teori Albino Zavascki.667

Fredie Didier Júnior e Hermes Zaneti Júnior668 criticavam a manutenção da

postura do Superior Tribunal de Justiça no tema, pois, segundo os autores, há interesse

público na suspensão de ações individuais que versem sobre os mesmos interesses

individuais homogêneos contidos em ação coletiva, de acordo com a efetividade exigida do

sistema processual. Assim, defendem os autores que a admissão da relação de

prejudicialidade entre ação coletiva e ação individual nada mais é do que a aplicação do

princípio da adequação e da flexibilização dos procedimentos. É o que determinava o

artigo 7º, parágrafos 3º e 4º, da proposta de Código Brasileiro de Processos Coletivos669,

ou seja, a redefinição do sistema vigente, buscando uma adequação com as características

da tutela coletiva. Foi esta a ideia que o Superior Tribunal de Justiça adotou no julgamento

665 “Art. 265, CPC: Suspende-se o processo: IV - quando a sentença de mérito: a) depender do julgamento de

outra causa, ou da declaração da existência ou inexistência da relação jurídica, que constitua o objeto

principal de outro processo pendente;”.

666 GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do

Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2011. p.214.

667 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.188. “Se a própria lei admite a convivência autônoma e harmônica das

duas formas de tutela, fica afastada a possibilidade de decisões antagônicas e, portanto, o conflito.”.

668 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.188-193. “O STJ deu um grande passo na racionalização do sistema de

tutela dos direitos, dando-lhe mais coerência e eficiência. Percebe-se que mudanças legislativas, às vezes,

são desnecessárias; a mudança do repertório teórico do aplicador é muito mais importante. A decisão é

bem-vinda e benfazeja.”.

669 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.191. “De acordo com a proposta, a suspensão dos processos

individuais, em razão da existência de uma ação coletiva correspondente, pode ser determinada pelo

tribunal, ex officio ou a requerimento da parte ou do juiz da causa, sempre obedecida a garantia do

contraditório, com a ouvida dos autores da ação individual. Determinada a suspensão pelo tribunal, o autor

não poderá retomar o andamento do processo individual até o trânsito em julgado da sentença coletiva.”.

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do Recurso Especial n. 1.110.549-RS, que teve como Relator o Ministro Sidnei Beneti e

julgado em 28 de outubro de 2009.

Afirmam Fredie Didier Júnior e Hermes Zaneti Júnior670 que o indivíduo não

fica impedido de ajuizar a sua demanda individual, mas o processo poderá ser suspenso e

ele, indivíduo, poderá influenciar no julgamento, seja intervindo como amicus curiae

(artigo 543-C, par. 4º, CPC), seja intervindo como litisconsorte no molde do artigo 94 do

Código de Defesa do Consumidor.

Kazuo Watanabe, Ada Pellegrini Grinover e Nelson Nery Júnior671

classificaram a solução adotada pelo Superior Tribunal de Justiça como “criativa”, mas

sem embasamento no artigo 104 do Código de Defesa do Consumidor.

Quanto ao direito estadunidense, cabe ao juiz a tarefa de redigir a notificação,

no entanto, como tal feito costuma demandar tempo e energias, é usual que o juiz delegue

tal tarefa a um dos advogados, sob a supervisão do outro. Após a oitiva de ambos, o juiz

decide o conteúdo da notificação672, que deve incluir a definição do grupo, a identificação

do réu, o nome do representante, o nome e o endereço do advogado do grupo, a

identificação do tribunal, a descrição da conduta do réu ou o sumário do caso; a descrição

da pretensão e do pedido; o prazo e o procedimento para a auto-exclusão, caso seja

possível, a informação de que os membros que não solicitarem a auto-exclusão serão

vinculados pela sentença, independentemente do resultado, o endereço para o envio do

pedido de exclusão do grupo, a informação sobre o procedimento para comparecer ou

intervir no procedimento, caso permitido, uma solicitação para que os membros ausentes

contribuam com provas, a informação de que os membros ausentes devem guardar provas

de seus direitos individuais, as alternativas disponíveis para os membros do grupo e suas

670 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.192.

671 GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do

Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2011. p.217.

672 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em

uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.214. Cf. GIDI, Ibid., p. 231. “É

verdade que a Rule 23 (c)(2)(B) exige a notificação somente nos casos de class actions do tipo (b)(3), mas

isso não significa que as demais espécies de ações coletivas não possam ou não devam proporcionar aos

membros alguma forma de notificação.”.

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consequências, a eventual existência de pedido reconvencional contra o grupo, qualquer

outra informação que seja relevante para o caso.673

Dessa forma, quando sujeitos com os mesmos direitos afetados, ou seja,

direitos individuais homogêneos, já tiverem ações individuais ajuizadas, eles podem optar

por suspender suas ações individuais e integrarem a ação coletiva, mediante o direito de

habilitação no processo coletivo674. No entanto, para que isso ocorra é necessária a prévia

ciência da instauração da ação coletiva. Essa prática é conhecida nos Estados Unidos da

América como right to opt in or opt out. Alhures, para que esse direito seja exercido, a

comunicação deve ser justa e adequada, ou seja, a fair notice675, que não se trata da citação

de cada membro, pois tal desconfiguraria a ação coletiva para formar um litisconsórcio,

mas, sim, a ciência da existência da ação somente.

Na Federal Rules of Civil Procedure, Rule 23, (c), 2, (B), a previsão sobre a

ciência inequívoca do indivíduo é expressa: “the court must direct to class members the

best notice practicable under the circumstances, including individual notice to all members

who can be identified through reasonable effort”. Assim, o dispositivo mencionado exige a

adequada notificação dos membros do grupo, mas considera as circunstâncias de cada

caso, ou seja, não exige esforços hercúleos para que a notificação ocorra para todos os

membros, pois o esforço deve ser razoável diante de cada situação e cabe ao juiz, em

decisão discricionária, dispor sobre qual esforço seria razoavelmente exigido para que a

notificação dos membros ocorra. Como destaca Antonio Gidi, “[...] entre a notificação

pessoal de todos os membros do grupo e a mera publicação de um edital ritualístico,

escrito em letras miúdas e escondido nas últimas páginas de um jornal local de pequena

circulação, há uma infinidade de alternativas para o juiz da causa.”676, que pode, por

exemplo, determinar que o réu envie juntamente com correspondências, usualmente

673 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em

uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.214.

674 Quando isso ocorrer, eles serão beneficiados em caso de procedência da ação coletiva, mas não perderão o

direito de prosseguir com a ação individual, caso a ação coletiva seja entendida improcedente. Caso

decidam pela não inclusão na ação coletiva, não poderão ser beneficiados com eventual decisão procedente

em sede coletiva.

675 Destaque-se que as class actions da Federal Rule 23 (b)(1) e (b)(2) não permitem auto-exclusão devido à

relação de direito material de que elas tratam, por isso, são denominadas de mandatory class action ou no

opt out class action. Cf. BILICH, Edward K.M.; KLONOFF, Robert H. Class actions and other multi-

party litigation: cases and materials. American Casebook Series. St. Paul: West Group, 2000. p.6.

676 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em

uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.225. O sistema da class action

admite, inclusive, o sampling notice. Cf. GIDI, Ibid., p.220.

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postadas, a notícia da ação677. Outrossim, a notificação ainda deve ser clara e concisa,

abrangendo as informações básicas, como listadas acima. A jurisprudência estadunidense

reconhece a importância da correta notificação678 dos membros da class action para que

fiquem vinculados à tutela jurisdicional ao fim proferida e cogita, inclusive, da

possibilidade de um membro da classe participar do processo, intervindo com a

apresentação de provas, por exemplo. No entanto, para que a possibilidade de intervir no

processo seja real, a notificação deve ocorrer em uma fase inicial do procedimento,

geralmente logo após a certificação da ação como coletiva, no sistema alienígena citado.679

3.11.2 Adequada informação aos órgãos competentes

Como destacou Ricardo de Barros Leonel680, as ações coletivas não funcionam

de forma adequada coletivamente, ou seja, não há, no Brasil, um sistema único de

informações sobre ações coletivas para que legitimados coletivos, magistrados e a

sociedade possam se informar acerca da existência e do estágio de determinada ação

coletiva para que o controle da relação entre demandas pudesse ser mais efetivo, por

exemplo.

O que o nosso ordenamento prescreve acerca da comunicação de ações

coletivas está previsto nos artigos 6º e 7º da Lei da Ação Civil Pública, este último que

dispõe que “Se, no exercício de suas funções, os juízes e tribunais tiverem conhecimento de

fatos que possam ensejar a propositura da ação civil, remeterão peças ao Ministério

Público para as providências cabíveis.”. Assim, cria-se um dever para o órgão

jurisdicional de comunicar ao Ministério Público e aos outros legitimados qualquer fato

que possa dar ensejo à propositura de ação civil pública, como a existência de vários

677 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em

uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.227.

678 Phillips Petroleum Co. v. Shutts, 472 U.S. 797, 105 S.Ct. 2965, 86 L.Ed.2d 628 (1985). Cf. BILICH,

Edward K.M.; KLONOFF, Robert H. Class actions and other multi-party litigation: cases and materials.

American Casebook Series. St. Paul: West Group, 2000. p.6.

679 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em

uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.215.

680 Em palestra proferida na Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo, no dia 05 de

junho de 2012, com a tema: Brasil-Itália: ações coletivas.

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processos semelhantes contra o mesmo demandado. Segundo Fredie Didier Júnior e

Hermes Zaneti Júnior681, o escopo do dispositivo é a racionalização do Poder Judiciário

através da preferência dada à ação coletiva.

A regra é dirigida ao juiz no exercício de suas funções jurisdicionais,

administrativas e extrajudiciais, não o tornando impedido ou suspeito para julgar a ação

civil pública resultante da remessa ao Ministério Público ou a outro legitimado682, além

disso, a remessa não obriga o Promotor de Justiça ou qualquer outro legitimado a ajuizar a

ação coletiva.

O projeto do Instituto Brasileiro de Direito Processual de Código Brasileiro de

Processos Coletivos contém regra neste sentido em seu artigo 8º: “Caso o Ministério

Público não promova a demanda coletiva, no prazo de 90 (noventa) dias, o juiz, se

considerar relevante a tutela coletiva, fará remessa das peças dos processos individuais

ao Conselho Superior do Ministério Público para ajuizar a demanda coletiva, ou insistirá,

motivadamente, no não ajuizamento da ação, informando o juiz.”.

3.12 Princípio da adaptabilidade procedimental temperada

Defende José Roberto dos Santos Bedaque que o sistema procedimental, para

ser eficaz, não pode ser dotado de formalismos estéreis, que comprometam a eficácia do

sistema. Para que isso se concretize, afirma o autor que o juiz deve ser dotado de poderes

para a condução do processo, “[...] possibilitando a adoção de soluções adequadas às

especificidades dos problemas surgidos durante o desenvolvimento da relação

processual.”683. A justificativa para semelhante afirmação reside no interesse público, que

determina que formalismos precisam ser relevados de acordo com a função social do

processo e de acordo com o processo civil de resultados.684

681 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.193.

682 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação

extravagante. 11.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p.1456-1457.

683 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. 2.ed. São Paulo:

Malheiros, 2007. p.107.

684 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo.

5.ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p.68-69.

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186

Normalmente, o início do processo se dá com o impulso da parte685 e segue seu

caminho com o impulso oficial do Poder Judiciário. Ada Pellegrini Grinover, ao tratar do

princípio do impulso oficial, aponta as alterações ocorridas nesse campo. Entretanto,

ensina a autora que “a soma de poderes atribuídos ao juiz é questão intimamente ligada ao

modo pelo qual se exerce o princípio do impulso oficial. Embora o aumento dos poderes

do juiz, seja, atualmente, visto como ponto alto do processo individual, a soma de poderes

atribuídos ao juiz no processo coletivo é incomensuravelmente maior.” 686. Dessa maneira,

a questão central é o equilíbrio que deve ser perquirido. Equilíbrio entre o amplo poder

conferido ao magistrado no exercício do impulso oficial em relação ao extremo oposto, que

se encontra na estrita aplicação dos termos legais ao procedimento judicial.

Entretanto, pede-se cautela nesse campo, pois o que pode ser extremamente

benéfico também pode gerar relevantes injustiças, se fruto de arbitrariedades. Assim,

interessante a busca por possibilidades e limites nesse tema, por isso, a escolha em tratar a

possibilidade de adaptação do procedimento judicial como temperada, ou seja, limitada.

Segundo Marcelo José Magalhães Bonício, o procedimento, que sempre vem delineado em

lei, é uma fórmula de como os atos processuais devem ser praticados, sua ordem

cronológica, para que se alcance o fim da relação jurídica processual.687

Além da dispensa de formalismos estéreis, um único procedimento rígido não é

capaz de suprir as diversas necessidades e diferentes nuances do direito material, assim,

nota-se uma tendência de flexibilização dos procedimentos688 em diversos países, como

685 Segundo o princípio da ação, mas, no processo coletivo, o magistrado pode estimular o legitimado a

ajuizar a ação coletiva, dando-lhe notícia da existência de diversos processos individuais, versando sobre o

mesmo tema: cf. GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual coletivo. In: GRINOVER, Ada

Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor:

comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

p.28.

686 GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual coletivo. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR.,

Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do

anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.28.

687BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da

proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,

2006. p.144.

688 Nesse sentido: CORRÊA, Fábio Peixinho Gomes. Governança judicial: modelos de controle das

atividades dos sujeitos processuais. Tese de doutorado Professor Orientador: José Rogério Cruz e Tucci.

São Paulo: USP, 2008. p.168-170. Aponta o autor a tendência de flexibilização em cada país e, para os fins

deste estudo, cabe destacar o artigo 265-A do Código de Processo Civil de Portugal que possui a seguinte

redação: “quando a tramitação processual prevista na lei não se adequar às especificidades da causa, deve o

juiz oficiosamente, ouvidas as partes, determinar a prática dos atos que melhor se ajustem ao fim do

processo, bem como as necessárias adaptações.”.

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187

enumera Fábio Peixinho Gomes Côrrea, na busca de uma maior adequação do

procedimento às especificidades do direito material.

No entanto, a previsão de diversos procedimentos de acordo com as

especificidades do direito material deve vir no texto legal, produzido de acordo com os

ditames constitucionais. Assim, as sugestões feitas neste trabalho são de lege ferenda. No

Brasil, doutrinariamente, o princípio da adequação do procedimento conquistou sua

importância. Já, jurisprudencialmente, ele se apresenta no sentido de conversão de ritos

quando tal feito se mostrar mais eficiente. Entretanto, a teoria encontra certa distância da

prática nesta seara689. O Ministro Raul Araújo, no Recurso Especial 698.598/RR, da 4ª

Turma do Superior Tribunal de Justiça, julgado em 02/04/2013, afirmou: “Quando o Juízo

a quo, de ofício, converte o procedimento de ordinário para sumário, deve adotar medidas

de adequação ao novo rito, ordenando o processo, oportunizando às partes a indicação

das provas que pretendem produzir, inclusive com a apresentação de rol de testemunhas,

sob pena de cerceamento do direito de defesa.”, pois, no caso julgado, o magistrado havia

convertido, de ofício, o rito de ordinário para sumário sem intimar as partes para que

apresentassem rol de testemunhas, configurando cerceamento de defesa, portanto, como

conclui o Superior Tribunal de Justiça.

Um limite claro, destacado por Marcelo José Magalhães Bonício é a vedação

de alteração de estruturas procedimentais existentes que fixem prazos de contestação e

apelação, por exemplo, ou a inversão de fases processuais, pois a base do procedimento

jurisdicional fixado em lei é a garantia para o cidadão de que ele terá as mesmas chances

que todos, em qualquer circunstância ou localidade do território nacional: “Se não fosse

assim, em cada cidade ou região, poderiam existir regras diferentes, eventualmente

injustas, ou mesmo juízes arbitrários, que entendessem que os ritos processuais poderiam

ser, por exemplo, mais informais, ou, ainda, eminentemente orais.”690. Apesar da forte

presença do fator segurança da observância dos procedimentos previstos em lei, como já

apontado acima, há uma tendência de flexibilização de procedimentos, com a não

689 CORRÊA, Fábio Peixinho Gomes. Governança judicial: modelos de controle das atividades dos sujeitos

processuais. Tese de doutorado Professor Orientador: José Rogério Cruz e Tucci. São Paulo: USP, 2008.

p.172. “Na prática, porém, a incidência do princípio da adaptabilidade do procedimento continua sendo

pontual e esporádica, não se identificando uma orientação constante e sistemática similar àquela dos países

que aderiram à flexibilização dos procedimentos.”.

690BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da

proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,

2006. p.148.

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188

observância de algumas regras procedimentais, como o artigo 331 do Código de Processo

Civil, segundo o qual o juiz deveria marcar uma audiência para tentativa de conciliação,

não obtendo sucesso, fixar os pontos controvertidos para, depois, determinar as provas a

serem produzidas. Diante da não observância por muitos magistrados da previsão, houve

alteração do texto legal, com a inclusão do parágrafo 3º, deixando a audiência de tentativa

de conciliação como uma opção do magistrado.

As possibilidades abstratas, previstas em nossa legislação, quanto à

adaptabilidade do procedimento são as seguintes, como enumera Fábio Peixinho Gomes

Côrrea:

“(i) a inversão da regra do ônus da prova (art. 6º, VIII, CDC), (ii) o

julgamento antecipado da lide (art. 330, CPC), (iii) a variação

procedimental da ação popular (art. 7º e ss. da Lei n. 4.717/65), e (iv) a

fixação do prazo para resposta pelo relator na ação rescisória (art. 491,

CPC).” 691

Quanto à ação popular, Frederico Cais, comentando o artigo 7º, inciso III, da

Lei n. 4.717 de 1965, que determina o não retorno do procedimento quando descoberta

identidade de pessoa beneficiada ou responsável até a prolação da sentença de primeiro

grau de jurisdição, mas apenas o cumprimento do contraditório, sendo-lhe conferido prazo

para contestação e produção de provas, ensina: “Essa possibilidade de ampliação tardia do

litisconsórcio tem por fim a integração do contraditório, mercê do caráter necessário do

litisconsórcio em questão, bem como a formação da coisa julgada material em face de

todos os que tenham sido integrados à lide, possibilitando, inclusive, o exercício do direito

de regresso entre os co-réus.” 692.

Esse exemplo legal mostra que a possibilidade de flexibilização procedimental

não precisa ser realizada de acordo com o subjetivismo do magistrado, mas de acordo com

a letra da lei, fornecendo a necessária previsibilidade ao sistema. Com a efetiva adoção da

possibilidade de adaptação do procedimento pelo órgão jurisdicional, a recomendação

passa a ser que o legislador, na sua tarefa de criação da lei abstrata e genérica, a exerça de

691 CORRÊA, Fábio Peixinho Gomes. Governança judicial: modelos de controle das atividades dos sujeitos

processuais. Tese de doutorado Professor Orientador: José Rogério Cruz e Tucci. São Paulo: USP, 2008.

p.172-173.

692CAIS, Frederico. Comentários ao artigo 7º, III, Lei da Ação Popular. In: COSTA, Susana Henriques da.

(Coord.). Comentários à Lei de ação civil pública e Lei de ação popular. São Paulo: Quartier Latin,

2006. p.212.

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189

forma aberta para que o magistrado tenha a possibilidade de adaptação do procedimento às

peculiaridades de cada caso substancial que se lhe apresenta todos os dias693. No Recurso

Especial n. 813.001/SP, aplicou-se o artigo 7º, inciso III, da Lei da Ação Popular,

afirmando-se: “A autorização legal da ampliação posterior do polo passivo da ação

popular, no curso do processo e antes da sentença, tem o objetivo de abarcar todas as

pessoas físicas e jurídicas que supostamente foram beneficiadas ou são responsáveis pelo

ato impugnado pelo autor popular. Assim, os réus poderão exercer o contraditório pleno

e, por conseguinte, irão se sujeitas aos efeitos da coisa julgada material.”.694

Segundo Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., o princípio da adequação se

exterioriza em dois momentos: no legislativo, quando o legislador deve ser informado por

ele ao elaborar as regras processuais; e no jurisdicional, quando o juiz pode adaptar o

procedimento às vicissitudes do caso concreto: “Neste segundo momento, fala-se em

princípio da adaptabilidade, elasticidade ou adequação formal do processo.”. 695

No entanto, dentro das previsões legais dos procedimentos já existentes, há

insuficiências, que serão preenchidas nesse segundo momento, o jurisdicional, dito acima.

Um exemplo que nos interessa, trazido por Marcelo José Magalhães Bonício, é o da Lei da

Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85), pois “[...] não houve nenhuma preocupação com a

criação de um procedimento novo para este tipo de demanda, até porque não se sabia, na

época, qual seria a reação do sistema a este respeito.”.696

Além disso, todos os pontos sensíveis do processo civil coletivo hoje, tais

como a legitimação, a coisa julgada, a competência, as políticas públicas, dentre outros,

decorrem da ausência de um procedimento específico para a ação coletiva, “[...] o máximo

possível, do tradicional procedimento ordinário, voltado apenas para os conflitos

693 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. 2.ed. São Paulo:

Malheiros, 2007. p.109.

694 STJ, Recurso Especial n. 813.001/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, 2ª Turma, D.J. 26/05/2009. Disponível

em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=a%E7%E3o+popular+e

+contradit%F3rio&ref=LAP-65&&b=ACOR&p=true&t=JURIDICO&l=10&i=10>. Acesso em: 06 de

setembro de 2013.

695 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Princípio da adequação jurisdicional do processo coletivo:

benfazeja proposta contida no projeto de nova lei de ação civil pública. In: CALMON, Petrônio; CIANCI,

Mirna; GOZZOLI, Maria Clara; QUARTIERI, Rita (Coord.). Em defesa de um novo sistema de

processos coletivos: estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010. p.247.

696BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da

proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,

2006. p.150

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190

individuais.” 697. Ademais, falar-se em direitos coletivos lato sensu, no âmbito do direito

material, envolve a defesa do meio ambiente, a defesa do consumidor, questões de política

econômica etc. e é claro que há peculiaridades de direito material em cada campo a exigir

diferentes posturas procedimentais698. Nesse sentido, afirma Marcelo José Magalhães

Bonício:

“Não custa lembrar, ainda, que seria também muito interessante que se

pensasse num procedimento específico para tratar das questões ligadas às

fraudes praticadas contra a Administração Pública, ou contra o sistema

financeiro, permitindo, em cada uma das situações, por exemplo, um

poder maior aos juízes, ou uma dimensão diferente da coisa julgada.” 699

Dessa forma, propõe o autor especificidades procedimentais dentro da ação

civil pública de acordo com os interesses transindividuais tutelados.700

Dentro da adaptabilidade procedimental no âmbito jurisdicional, afirma José

Roberto dos Santos Bedaque ser o juiz também um sujeito do processo, devendo participar

ativamente do contraditório, “[...] para tornar efetivo o princípio da isonomia, em seu

aspecto substancial, não sendo mais admissível a figura do juiz espectador.”701. Assim,

compete ao magistrado atualmente a direção material do processo e não somente a formal.

Na análise do formalismo, o juiz deve considerar os princípios da economia processual, da

ausência de prejuízo, da instrumentalidade das formas, do contraditório e da ampla

defesa702: “Em resumo, o juiz, em colaboração com as partes, respeitando o devido

697BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da

proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,

2006. p.150

698BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da

proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,

2006. p.150.

699BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da

proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,

2006. p.150-151.

700BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da

proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,

2006. p.151.

701 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. 2.ed. São Paulo:

Malheiros, 2007. p.110.

702 Cf. OLIVEIRA, Swarai Cervone de. Poderes do juiz nos processos coletivos. In: CALMON, Petrônio;

CIANCI, Mirna; GOZZOLI, Maria Clara; QUARTIERI, Rita (Coord.). Em defesa de um novo sistema de

processos coletivos: estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010. p.650.

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191

processo legal, deve, em tempo razoável, buscar o fim do processo, que é a solução do

litígio e a pacificação social. Para tanto, a forma do processo deve servir de instrumento a

ser devidamente manejado pelo julgador.” 703. Assim, indispensável que o magistrado se

paute pelo contraditório quando pretenda aplicar o princípio da adaptabilidade

procedimental (ou da elasticidade processual), alertando as partes sobre a possibilidade de

alteração para um procedimento mais adequado às necessidades do direito material

envolvido: “As formas mais utilizadas para assegurar essa participação das partes, em

outros países, têm sido a convocação de uma audiência preparatória específica ou a

provocação de manifestações escritas a respeito dessa questão.”704, pois é fundamental

que as partes possam influir na decisão sobre a necessidade de adaptação ou não do

procedimento. Daniela Monteiro Gabbay, ao tratar sobre o sistema processual italiano e a

audiência preliminar na península itálica, ressalta que a estabilização da demanda somente

ocorre após a fase de trattazione della causa, no entanto, o magistrado ainda tem a

possibilidade de, durante a instrução, admitir que a parte retorne à fase preliminar para

retomar ato precluso, desde que demonstrado que a nulidade que gerou a omissão não lhe é

culposamente imputável.705

Porém, importa destacar que de nada adianta as previsões legais no sentido de

maior flexibilidade do procedimento para que se garanta a efetividade da tutela coletiva

caso o juiz, ao longo do processo, não tenha essa novel perspectiva do processo imposta

pelo microssistema de tutela coletiva706, pois é ao juiz que cabe o papel de se orientar e

orientar as partes acerca dos princípios da tutela coletiva.

703 Cf. OLIVEIRA, Swarai Cervone de. Poderes do juiz nos processos coletivos. In: CALMON, Petrônio;

CIANCI, Mirna; GOZZOLI, Maria Clara; QUARTIERI, Rita (Coord.). Em defesa de um novo sistema de

processos coletivos: estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010. p.646.

Cf. CORRÊA, Fábio Peixinho Gomes. Governança judicial: modelos de controle das atividades dos

sujeitos processuais. Tese de doutorado Professor Orientador: José Rogério Cruz e Tucci. São Paulo: USP,

2008. p.42.

704 CORRÊA, Fábio Peixinho Gomes. Governança judicial: modelos de controle das atividades dos sujeitos

processuais. Tese de doutorado Professor Orientador: José Rogério Cruz e Tucci. São Paulo: USP, 2008.

p.174.

705 GABBAY, Daniela Monteiro. Processo coletivo e elementos objetivos da demanda. Dissertação de

mestrado. São Paulo: USP, 2007. p. 98.

706 Cf. OLIVEIRA, Swarai Cervone de. Poderes do juiz nos processos coletivos. In: CALMON, Petrônio;

CIANCI, Mirna; GOZZOLI, Maria Clara; QUARTIERI, Rita (Coord.). Em defesa de um novo sistema de

processos coletivos: estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010. p.652.

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192

Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr.707 apontam que a adequação se reflete no

processo jurisdicional em três aspectos: subjetivo, objetivo e teleológico. No processo

coletivo, a adequação subjetiva, ou seja, em relação aos sujeitos envolvidos no processo, se

mostra na regulamentação da coisa julgada, que tem especificidades para atingir sujeitos

não presentes no processo, além da legitimação para agir, que tem peculiaridades únicas

para a garantia da adequada representação. Essas peculiaridades do processo coletivo

foram regulamentadas pelo legislador, que previu um sistema próprio de legitimação

coletiva, assim como o sistema peculiar da coisa julgada que guarnece o processo coletivo.

No aspecto teleológico, o procedimento deve se adequar aos valores de cada

caso, como nos Juizados Especiais, onde deve preponderar a celeridade, por exemplo. Já

no processo coletivo, deve o juiz privilegiar a efetividade da tutela jurisdicional a ser

proferida ao final do procedimento com vistas às peculiaridades do direito material

envolvido, assim, deve se atentar para a legitimação e a representatividade adequada, para

a distribuição do ônus probatório, para a prioridade da tutela específica, etc.

A adequação, no aspecto objetivo, segundo Hermes Zaneti Jr. e Fredie Didier

Jr. 708, é guiada por três critérios: a natureza do direito material; a forma como esse direito

material se apresenta no processo judicial; e, por fim, a urgência: “[...] cabe ao órgão

jurisdicional prosseguir na empresa da adequação do processo, iniciada pelo legislador,

mas que, em razão da natural abstração do texto normativo, pode ignorar peculiaridades

de situações concretas somente constatáveis caso a caso.” 709. Assim, objetivamente, a

adequação considera o procedimento com vistas nas peculiaridades de cada caso concreto.

No entanto, convém destacar que o processo não pode ser uma “caixa de

surpresas” para as partes, de forma a comprometer a necessária segurança jurídica que o

procedimento legal garante. Quando o órgão jurisdicional entenda que a observância do

procedimento, embora garanta a segurança, prejudique a efetividade da tutela e, com isso,

707 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Princípio da adequação jurisdicional do processo coletivo:

benfazeja proposta contida no projeto de nova lei de ação civil pública. In: CALMON, Petrônio; CIANCI,

Mirna; GOZZOLI, Maria Clara; QUARTIERI, Rita (Coord.). Em defesa de um novo sistema de

processos coletivos: estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010. p.249.

708 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Princípio da adequação jurisdicional do processo coletivo:

benfazeja proposta contida no projeto de nova lei de ação civil pública. In: CALMON, Petrônio; CIANCI,

Mirna; GOZZOLI, Maria Clara; QUARTIERI, Rita (Coord.). Em defesa de um novo sistema de

processos coletivos: estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010. p.250.

709 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Princípio da adequação jurisdicional do processo coletivo:

benfazeja proposta contida no projeto de nova lei de ação civil pública. In: CALMON, Petrônio; CIANCI,

Mirna; GOZZOLI, Maria Clara; QUARTIERI, Rita (Coord.). Em defesa de um novo sistema de

processos coletivos: estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010. p.251.

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193

pretenda executar a elasticidade procedimental, ele deve fazê-lo, dentro de limites pré-

estabelecidos e com a observância do contraditório, observando os ditames legais,

portanto, as sugestões, aqui elaboradas, são de lege ferenda, como já mencionado.

Nenhuma alteração deve ocorrer sem a prévia ciência das partes, que, aliás, devem

participar da formação da convicção do juiz quanto à necessidade de adaptação do

procedimento. Atualmente, no nosso ordenamento jurídico, a situação é de prevalência da

conversão de ritos pelo juiz perante a jurisprudência e a facultatividade da audiência

prevista no artigo 331 do Código de Processo Civil.

O Projeto de Lei n. 5.139 de 2009 consagrava o princípio da adequação

jurisdicional do processo com o seguinte texto: “Artigo 10, par. 1º: Até o momento da

prolação da sentença, o juiz poderá adequar as fases e atos processuais às especificidades

do conflito, de modo a conferir maior efetividade à tutela do bem jurídico coletivo,

garantindo o contraditório e a ampla defesa.”. Assim, o Projeto era generoso na concessão

de poderes ao juiz para que ele adaptasse o procedimento em busca de efetividade. Sobre o

tema, conclui Rodrigo Mazzei:

“Assim, até que se edite um Código de Processos Coletivos, as omissões

internas das leis que compõem o sistema de massa serão supridas por

normas dos outros diplomas que fazem parte do microssistema para,

somente após, em postura residual, se cogitar em aplicação do CPC, já

que terá que se trazer para o caso concreto norma com concepção de

processo não coletivo, o que importará, inclusive, a adaptação da norma

individual (em homenagem ao princípio da adaptabilidade). Nada mais

correto, eis que, com tal postura, segue-se a linha do art. 2º da Lei de

Introdução ao Código Civil (LICC), em buscar hermenêutica com a maior

compatibilidade possível à especificidade da relação jurídica.”710

No inciso V do artigo 295 do Código de Processo Civil, o legislador

demonstrou vontade na ocorrência da adaptação do procedimento pelo juiz: “Art. 295. A

petição inicial será indeferida: V - quando o tipo de procedimento, escolhido pelo autor,

não corresponder à natureza da causa, ou ao valor da ação; caso em que só não será

indeferida, se puder adaptar-se ao tipo de procedimento legal;”. Se a parte errar na

escolha do procedimento, o juiz somente indeferirá a petição inicial caso não possa adaptar

o procedimento. Difícil é imaginar uma situação em que o magistrado não possa fazê-lo,

710 MAZZEI, Rodrigo. Comentários ao artigo 6º, Lei da Ação Popular: In: COSTA, Susana Henriques da.

(Coord.). Comentários à Lei de ação civil pública e Lei de ação popular. São Paulo: Quartier Latin,

2006. p.155.

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194

dado o momento tão inicial do processo, portanto, normalmente cabe ao magistrado indicar

qual o procedimento mais adequado e prosseguir na demanda através dele.

3.13 Princípio da economia processual

O princípio da economia processual é tradicionalmente abordado sob dois

enfoques: a economia processual microscópica, que é a ideia de tornar o processo mais

econômico quando considerado individualmente; e a economia processual macroscópica,

que considera o sistema processual como um todo para a análise da economicidade do

sistema. Ao invés de olhar processos individualmente considerados, olha-se o conjunto de

processos, formando o sistema processual civil.

O que nos interessa para o fito deste trabalho é o segundo enfoque, ou seja, a

economia processual macroscópica, que tem o objetivo de alcançar o máximo de resultado

com o mínimo de atividade possível diante das circunstâncias fático-jurídicas. Exemplos

de institutos processuais que funcionam nessa seara, ou seja, que proporcionam eficiência

econômica para o sistema processual civil, são vários, tais como o litisconsórcio, as

modalidades de intervenções de terceiros, a ação declaratória incidental, a reconvenção e, o

que mais se destaca nesse momento, o processo coletivo. Enquanto aqueles institutos têm

sua importância na efetivação de certa economia processual, esta tem o potencial de ser

amplificada na seara coletiva, devido ao seu elemento subjetivo, ou seja, o elevado número

de indivíduos envolvidos. Se todo processo precisa ter a garantia de amplo acesso, de

ampla participação, de decisões justas e eficazes, o processo coletivo ainda mais, pois seu

elemento subjetivo torna tudo mais relevante, pois as ações coletivas têm um aspecto

subjetivo de alcance mais sensível.

O Superior Tribunal de Justiça711 reconheceu que o processo coletivo veio para

o sistema processual pátrio com duas promessas: a harmonização de julgados e a

diminuição de processos, de forma a contribuir para uma prestação jurisdicional eficiente,

célere e uniforme.

Além disso, a busca pela economia processual está na origem da ação coletiva

do sistema inglês da Equity, impulsionadora do surgimento do Bill of Peace, como ensina

711 Cf. STJ, 5ª T, Recurso Especial n. 1.142.630/PR, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 7/12/2010.

Informativo n. 459.

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195

Antonio Gidi712. Para evitar a inconveniência de um número elevado de pessoas em um

polo do processo através do litisconsórcio necessário ou a exclusão de indivíduos da

relação processual, impedindo que as demais obtivessem a prestação jurisdicional, as

chancery courts criaram a bill of Peace, admitindo ações representativas. Como foge ao

objetivo do presente trabalho analisar a origem do processo coletivo de forma detida, é

suficiente esse breve apontamento sobre o tema.

Ada Pellegrini Grinover afirma que típica aplicação do princípio da economia

está na reunião de processos nos casos de conexidade e continência e no encerramento do

segundo processo em casos de litispendência e coisa julgada. Entretanto, “os conceitos de

conexidade, continência e litispendência são extremamente rígidos no processo individual,

colocando entraves à identificação das relações entre processos, de modo a dificultar sua

reunião ou extinção”.713 Assim, esses institutos merecem uma releitura no âmbito coletivo

para que a efetivação do princípio da economia seja cada vez maior, o que foi feito

anteriormente aqui no trabalho.

Nesse sentido, quanto menor o número de ações individuais concomitantes e

sobre o mesmo direito material envolvido, maior a eficiência do sistema processual em

garantir a harmonia de julgados, e menor será o número de processos em trâmite. No

entanto, o direito de ação individual é perene e não merece limitação, como garantido pelo

texto constitucional (Artigo 5º, inciso XXXV, CF). A decisão do Superior Tribunal de

Justiça714 que foi paradigma em promover a suspensão obrigatória de ações individuais

impôs essa situação diante da multiplicação de ações individuais semelhantes, que pode ser

explicada pela falta de informação da maioria dos profissionais em lidar com a ação

coletiva, muitas vezes, transpondo conceitos e institutos processuais individuais para a

tutela coletiva, outras vezes, lidando com desconfiança. Essa decisão se tornou um

paradigma do nosso sistema por transpor o esquema da suspensão facultativa da demanda

individual, o critério do opt out, estabelecido no artigo 104 do Código de Defesa do

Consumidor, que permite ao indivíduo requerer a sua exclusão da demanda coletiva de

712GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em

uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.26; p. 41. “Esta norma baseia-se no

princípio de que um juiz deve fazer uma justiça completa ou abster-se de julgar.”.

713 GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual coletivo. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR.,

Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do

anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.29. Sobre o tema, escrevemos

no princípio da não taxatividade da ação e do processo coletivo, para onde remetemos o leitor.

714 Cf. STJ, 2ª Seção, Recurso Especial n. 1.110.545/RS.

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196

modo a ser considerado terceiro, portanto, não abrangido pela coisa julgada, seja ela

favorável ou desfavorável715. Observação relevante sobre o sistema é a necessidade de

ampla divulgação da demanda. Ada Pellegrini Grinover reforça essa necessidade ao

afirmar que a notificação pode ser até pessoal quando viável716. O Código de Defesa do

Consumidor fornece o prazo de trinta dias para o pedido de suspensão da demanda

individual, contados da ciência da existência da demanda coletiva.

Rui Portanova717 define o princípio econômico como a procura em se obter o

maior resultado com o menor esforço, através da economia de custos, de tempo, de atos,

obtendo, assim, maior eficiência na administração judiciária. O referido autor define tal

princípio como informador do processo civil.

Cândido Rangel Dinamarco718 entende por princípio tudo o que atuar como

pilar de um sistema e como regra o que atuar internamente. Dessa forma, aponta o autor

quatro regras, tradicionalmente chamadas de princípios informativos do processo e, dentre

esses, está o econômico. Segundo o Professor paulista, somente será princípio o que refletir

as grandes premissas constitucionais e os chamados “princípios informativos do processo”

apenas refletem as ideias que os verdadeiros princípios representam.

Não obstante entendimentos diversos, adota-se o princípio da economia

processual como verdadeiro princípio do sistema processual no mesmo sentido que o

rejeitado Projeto de Lei n. 5.139 de 2009 o fez em seu artigo 3º, inciso III.

Antonio Gidi719, em obra sobre a class action, posiciona a economia processual

como um objetivo e um valor da tutela coletiva no ordenamento processual civil

americano. É importante ter claro que a economia feita não se materializa somente para o

Poder Judiciário, mas também para as partes. Para o autor coletivo, o custo é reduzido a

uma ação, sendo que as despesas podem ser rateadas entre os membros do grupo, caso haja

715 GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual coletivo. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR.,

Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do

anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.53.

716 GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual coletivo. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR.,

Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do

anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.53.

717 PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995. p.24.

718 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. V.1 6.ed. São Paulo:

Malheiros, 2009. p.200. Para o autor, somente é princípio o que for uma grande premissa constitucional.

719GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em

uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.25.

Page 197: Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP ......Como o procedimento processual civil passa por uma concatenação de atos processuais, organizados de forma a fornecer a prestação

197

essa possibilidade. Para o Poder Judiciário, evitam-se processos repetitivos. Para o réu, a

vantagem está em concentrar sua defesa e esforços em apenas uma ação e não em inúmeras

ações individuais relacionadas à mesma controvérsia.720

Chama-nos a atenção Antonio Gidi para o fato de uma ação coletiva ser mais

complexa e mais cara do que uma ação individual, além de ocupar mais tempo dos

advogados e do juiz:

“Para analisar o grau de economia alcançada com o processo

coletivo, é preciso comparar, em abstrato, o tempo, a despesa e o

esforço necessários para julgar uma ação coletiva com os

necessários para julgar cada um dos correspondentes

procedimentos individuais emergentes da mesma controvérsia. por

exemplo, em In re Hotel Telephone Charges, observou-se que, se

apenas 10% dos quarenta milhões de membros do grupo lesado

resolvessem ir pessoalmente a juízo, ainda que cada audiência

durasse apenas dez minutos, seriam necessários cem anos para que

todos os casos fossem decididos.” 721

Assim, além dessa efetiva análise de cada caso concreto para que se possam

fazer afirmações precisas quanto à economia, continua o autor mencionado a enumerar as

vantagens da tutela coletiva de direitos, ao apontar que o valor simbólico de uma ação

coletiva é maior do que o de uma ação individual, no sentido de servir como exemplo para

a sociedade, assumindo a função preventiva da tutela coletiva722. No entanto, o ponto

negativo dentro da sistemática processual coletiva americana é o peso que isso representa

para quem se torna réu em uma ação coletiva, pois: “A desproporção entre o baixo custo

do processo e o alto valor da sentença faz com que mesmo uma ação com uma pequena

possibilidade de vitória seja economicamente viável para o grupo e extremamente

perigosa para o réu.” 723. No entanto, essa constatação decorre da própria sistemática de

720GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em

uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.26. Aponta o autor que para o réu

isso ocorre principalmente com a mass tort class action, que é aquela em que o dano sofrido por cada

indivíduo justifica financeiramente o ajuizamento de ações individuais.

721GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em

uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.27.

722GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em

uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.28.

723GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em

uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.28.

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198

funcionamento da tutela coletiva de direitos e não pode ser evitada724. Sobre o tema,

conclui Ada Pellegrini Grinover:

“Outros institutos, como o reforço da coisa julgada de âmbito nacional e a

expressa possibilidade de controle difuso da constitucionalidade pela via

da ação coletiva, levarão ainda mais o processo coletivo a – na feliz

expressão de Kazuo Watanabe – “molecularizar” os litígios, evitando o

emprego de inúmeros processos voltados à solução de controvérsias

fragmentárias, dispersas, “atomizadas”.” 725

3.14 Princípio da duração razoável do processo

A Emenda Constitucional n. 45 de 2004 alterou o rol de direitos fundamentais

na Constituição Federal para acrescentar um inciso: “LXXVIII - a todos, no âmbito

judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que

garantam a celeridade de sua tramitação.”. Assim, o princípio da duração razoável do

processo está, a partir de 2004, expresso no texto constitucional.

Segundo Nelson Nery Jr. 726, em sua obra acerca dos princípios do processo

civil na Constituição Federal, o princípio da duração razoável do processo é um

desdobramento do princípio da ação, previsto no artigo 5º também, mas no inciso XXXV,

pois garante o direito do cidadão de obter a tutela jurisdicional adequada. Segundo José

Augusto Delgado, a garantia da duração razoável do processo, mesmo antes de 2004,

estava garantida pelo texto constitucional através dos incisos LIV, LV e LVI, que

asseguram o devido processo legal, assim como pelo artigo 37, caput, que determina a

atuação com eficiência por parte da Administração Pública.727

724Para ampla indicação bibliográfica sobre o funcionamento do sistema de tutela de direitos coletivos por

class actions, recomenda-se a consulta à obra do professor Antonio Gidi. Cf. GIDI, Antonio. A class action

como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em uma perspectiva comparada. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.29.

725 GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual coletivo. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR.,

Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do

anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.29.

726NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. 10.ed. rev. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2010. p.316.

727DELGADO, José Augusto. O processo posto na Constituição Federal: aspectos contemporâneos. In:

JOBIM, Eduardo; MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). O processo na Constituição. São Paulo:

Quartier Latin, 2008. p.90-119. p.95.

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199

O Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Interamericana de Direitos

Humanos), de 1969, aprovado pelo Congresso Nacional, prevê, em seu artigo 8º, a duração

razoável do processo:

“Artigo 8º - 1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas

garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal

competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei,

na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na

determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista,

fiscal ou de qualquer outra natureza.”

No entanto, a incorporação do Tratado Internacional ao nosso ordenamento

jurídico não parecia significar a imediata adoção do princípio da duração razoável do

processo, já que a leitura, através de uma interpretação restrita, do dispositivo levaria à

ideia de que se estaria no âmbito do processo penal. Entretanto, assevera Nelson Nery Jr.

728 que, em matéria de direitos humanos e fundamentais, deve-se preferir a interpretação

ampliativa à restritiva. Logo, mediante interpretação ampliativa aliada à sistemática, a

duração razoável do processo se aplica ao processo judicial como um todo e ao processo

administrativo729, logo, o princípio da duração razoável do processo já estava incorporado

no nosso ordenamento jurídico antes da aprovação da Emenda Constitucional n. 45 de

2004, ou, para outros, ele já seria ínsito ao próprio Estado de Direito.

A necessidade de celeridade para garantir efetividade não afeta somente o

processo civil coletivo, objeto do presente estudo, e já é alvo de discussões há mais tempo

no processo civil: “O tempo no processo assume importância vital nos dias de hoje,

porquanto a aceleração das comunicações via web (internet, e-mail), fax, celulares, em

conjunto com a globalização social, cultural e econômica, tem feito com que haja maior

cobrança dos jurisdicionados e administrados para que haja solução rápida dos processos

judiciais e administrativos.” 730. É a busca por um processo mais efetivo, ou seja, que

profira uma prestação jurisdicional justa, em tempo razoável de acordo com o devido

728NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. 10.ed. rev. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2010. p.317.

729Também no sentido de já termos o princípio da duração razoável do processo incorporado ao nosso

sistema jurídico antes mesmo da EC n. 45/04: CRUZ E TUCCI, José Rogério. Duração razoável do

processo: artigo 5º, LXXVIII, CF. In: JOBIM, Eduardo; MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). O

processo na Constituição. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p.322-342. p.336.

730NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. 10.ed. rev. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2010. p.319-320.

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200

processo legal. Assim, embora o tempo no processo seja fator de mensuração de justiça,

ele tem limites, como o respeito aos preceitos constitucionais que circundam o devido

processo, tais como a isonomia, o contraditório, a ampla defesa, a publicidade, dentre

outros. Sobre o tema, destaca José Lebre de Freitas:

“A duração dos processos judiciais nos tribunais portugueses ultrapassa

frequentemente o prazo razoável. Está, porém, hoje geralmente espalhada

a compreensão da necessidade de o respeitar. A progressiva valoração da

celeridade processual não deve, porém, levar a subalternizar, como por

vezes entre nós se verifica, a necessária maturação e a qualidade da

decisão de mérito, com o inerente desvio da função jurisdicional.” 731

Ensina Nelson Nery Jr. que: “A razoabilidade da duração do processo deve ser

aferida mediante critérios objetivos, já que não se afigura possível o tratamento

dogmático apriorístico da matéria. Comporta, portanto, verificação da hipótese concreta.”

732. O princípio do inciso LXXVIII do artigo 5º do texto constitucional, portanto, demanda

interpretação e aplicação com a devida carga de eficácia que ele contém. O dispositivo não

deve ser alinhado à posição de quem defende que a Emenda Constitucional n.45 de 2004

não trouxe mecanismos práticos de aceleração da tutela jurisdicional.733

Esses critérios são734: a) a natureza do processo e a sua complexidade: o tempo

não pode ser valorizado a ponto de olvidar necessidades materiais, como o tempo

necessário para a realização de uma perícia complexa, como as que perquirem sobre danos

ambientais em ações civis públicas, por exemplo; b) comportamento das partes e de seus

procuradores; c) a atividade e o comportamento das autoridades competentes: do juiz se

pode exigir o princípio constitucional da eficácia do serviço público, previsto no artigo 37,

caput, da Constituição Federal. Além disso, “A adoção do princípio dispositivo, com a

iniciativa da parte, no processo civil, não exime o juiz, como diretor do processo (CPC

731FREITAS, José Lebre de. Introdução ao processo civil: conceitos e princípios gerais. 2.ed. Coimbra,

2009, p.127.

732NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. 10.ed. rev. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2010. p.320.

733DELGADO, José Augusto. O processo posto na Constituição Federal: aspectos contemporâneos. In:

JOBIM, Eduardo; MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). O processo na Constituição. São Paulo:

Quartier Latin, 2008. p.90-119. p.95.

734A Corte Europeia dos Direitos do Homem adota critérios semelhantes para aferir a duração razoável do

processo diante de cada caso concreto, cf. afirma: CRUZ E TUCCI, José Rogério. Duração razoável do

processo: artigo 5º, LXXVIII, CF. In: JOBIM, Eduardo; MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). O

processo na Constituição. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p.326.

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201

125 caput), de “velar pela rápida solução do litígio” (CPC 125 II).”;735 d) a fixação legal

de prazos que garantam o efetivo contraditório e a ampla defesa. Além desses mecanismos

de controle da duração razoável do processo, ainda tem-se: os deveres das partes elencados

no artigo 14, incisos III, IV e V do Código de Processo Civil; a aplicação da litigância de

má-fé pelo magistrado (artigo 17, incisos, IV, VI e VII, Código de Processo Civil); o dever

do juiz de velar pela rápida solução do litígio, determinando reunião de processos e

rejeitando provas protelatórias (artigos 125, I, e 130, Código de Processo Civil); impulso

oficial do processo (artigo 262, Código de Processo Civil); tentativa de conciliação das

partes a qualquer tempo do processo (artigo 125, IV, Código de Processo Civil); por fim, a

responsabilização do magistrado, por perdas e danos, quando recusar, omitir ou retardar,

sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício ou a requerimento da parte736.

Sobre a consideração desses critérios, conclui José Rogério Cruz e Tucci: “O

reconhecimento desses critérios traz como imediata consequência a visualização das

dilações indevidas como um conceito indeterminado e aberto, que impede de considerá-las

como o simples desprezo aos prazos processuais pré-fixados.”. 737

Quanto à prioridade no processamento, já há previsão nesse sentido no Estatuto

da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069 de 1990, artigo 4º) e no Estatuto do Idoso (Lei

n. 10.741 de 2003, artigo 71). No entanto, são raros os casos em que o fim do processo

ocorre em tempo razoável somente em decorrência da previsão legal. O rejeitado Projeto

de Lei n. 5.139 de 2009, em seu artigo 3º, inciso II, previa a ampliação da prioridade de

processamento, hoje prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente e do Idoso, como

acima mencionado, para todo o processo civil coletivo: “Artigo 3º, II – duração razoável

do processo, com prioridade no seu processamento em todas as instâncias.”. A previsão

merecia aplausos, por notar as peculiaridades do processo coletivo e a sua necessidade de

celeridade, no entanto, leis que garantam a rápida duração do processo em geral já existem.

São várias e muito boas. O problema da morosidade do Poder Judiciário se concentra em

outros setores, como estruturais e de mentalidade, como afirma Nelson Nery Jr.:

735NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. 10.ed. rev. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2010. p.321.

736DELGADO, José Augusto. O processo posto na Constituição Federal: aspectos contemporâneos. In:

JOBIM, Eduardo; MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). O processo na Constituição. São Paulo:

Quartier Latin, 2008. p.96.

737CRUZ E TUCCI, José Rogério. Duração razoável do processo: artigo 5º, LXXVIII, CF. In: JOBIM,

Eduardo; MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). O processo na Constituição. São Paulo: Quartier

Latin, 2008. p.326-327.

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202

“Queremos nos referir à forma com que são aplicadas as leis e à maneira

como se desenvolve o processo administrativo e o judicial em nosso País.

É necessário dotar-se o poder público de meios materiais e logísticos para

que se possa melhorar sua infra-estrutura e, ao mesmo tempo, capacitar

melhor os juízes e servidores públicos em geral, a fim de que possam

oferecer prestação jurisdicional e processual administrativa adequada aos

que dela necessitam.” 738

Nesse mesmo sentido, alertando para a necessidade de mudança de

mentalidade739, Rui Portanova afirma: “Ainda que seja um direito fundamental do cidadão

a solução judicial em prazo razoável, também é garantido que as decisões finais não

podem afastar-se de garantias processuais. Por outro lado, não parecem suficientes meras

mudanças legislativas processuais, sem que venham acompanhadas da mudança de

mentalidade.”. 740

José Augusto Delgado destaca que a preocupação com a duração do processo

alcança diversos países, pois se tornou valor globalizado o entendimento de que a demora

na prestação da tutela jurisdicional viola a cidadania741. José Lebre de Freitas ensina que a

“[...] decisão ou uma providência executiva tardia pode equivaler à denegação de

justiça.” 742, tanto para o autor, quanto para o réu, pois ambos têm o interesse de não ver o

prolongamento de uma indefinição jurídica, pelo menos, em tese. Segundo José Rogério

Cruz e Tucci: “Mesmo aquele que sai derrotado não deve lamentar-se da pronta resposta

do Judiciário, uma vez que, sob o prisma psicológico, o possível e natural inconformismo

738NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. 10.ed. rev. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2010. p.323.

739No mesmo sentido: BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia

constitucional da proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São

Paulo: Atlas, 2006. p.57.

740 PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995. p.174.

Nesse sentido: NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. 10.ed. rev. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p.325. “A real efetividade do direito fundamental da CF 5º LXXVIII,

pois, não depende apenas do Poder Judiciário e de seus juízes, mas principalmente dos Poderes Executivo e

Legislativo e da mudança de mentalidade dos governantes e políticos, no sentido de cumprirem a fazerem

cumprir a Constituição, evitando a judicialização das questões que os particulares têm de submeter ao

Poder Judiciário por falha do poder público no exercício principalmente da função administrativa.”.

741DELGADO, José Augusto. O processo posto na Constituição Federal: aspectos contemporâneos. In:

JOBIM, Eduardo; MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). O processo na Constituição. São Paulo:

Quartier Latin, 2008. p.97.

742FREITAS, José Lebre de. Introdução ao processo civil: conceitos e princípios gerais. 2.ed. Coimbra,

2009, p.125.

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é, sem dúvida, mais tênue quando a luta processual não se prolonga durante muito

tempo.” 743, além da diminuição da eficácia da decisão quanto maior for o tempo para a

prolação da decisão final.

Nesse sentido, é a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, em seu artigo

6.1744, que gerou alterações nos ordenamentos europeus, como o art.20-4 da Constituição

da República de Portugal de 1997 (“Todos têm direito a que uma causa em que

intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável.”) 745. Segundo o jurista português

citado, o prazo para a aferição da razoável duração do processo se dá com a propositura da

ação até o seu término, no entanto, o excesso de duração pode-se configurar também no

curso do processo, quando este fique por muito tempo parado em uma fase. O Estado

português já foi condenado em situações como essas746. No Brasil, entretanto, ainda não foi

aceita expressamente a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos “[...]

como o tribunal competente para julgar os casos de ofensa a direitos humanos ocorridos

no país, o país não está obrigado a submeter-se a um processo instaurado contra si na

corte interamericana. Contudo, isso não exime o Estado brasileiro de responder por

violação a direitos humanos [...].”747. Sobre essa realidade brasileira, o litigante pátrio está

em desvantagem em relação ao litigante europeu cujo país integra a União Europeia, pois

este pode recorrer à Corte dos Direitos do Homem, caso se sinta prejudicado pela

excessiva demora do processo jurisdicional em que seja parte, com a certeza de que o

julgamento não será processado pelo mesmo órgão moroso que já lhe causou

743CRUZ E TUCCI, José Rogério. Duração razoável do processo: artigo 5º, LXXVIII, CF. In: JOBIM,

Eduardo; MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). O processo na Constituição. São Paulo: Quartier

Latin, 2008. p.323.

744Sobre o tema, cf. CRUZ E TUCCI, José Rogério. Duração razoável do processo: artigo 5º, LXXVIII, CF.

In: JOBIM, Eduardo; MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). O processo na Constituição. São

Paulo: Quartier Latin, 2008. p.325. “Foi, sem dúvida, a partir da edição desse diploma legal supranacional,

que o direito ao processo sem dilações indevidas passou a ser concebido como um direito subjetivo

constitucional, de caráter autônomo, de todos os membros da coletividade (incluídas as pessoas jurídicas) à

tutela jurisdicional dentro de um prazo razoável, decorrente da proibição do non liquet, vale dizer, do dever

que têm os agentes do Poder Judiciário de julgar as causas com estrita observância das normas de direito

positivo.”.

745FREITAS, José Lebre de. Introdução ao processo civil: conceitos e princípios gerais. 2.ed. Coimbra,

2009, p.125-126.

746Cf. FREITAS, José Lebre de. Introdução ao processo civil: conceitos e princípios gerais. 2.ed. Coimbra,

2009, p.126. Caso Guincho: a citação somente ocorreu após mais de seis meses após a propositura da ação.

Caso Barona: o processo ficou parado por mais de um ano, aguardando a contestação do Ministério

Público.

747NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. 10.ed. rev. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2010. p.323.

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empecilhos748. No Brasil, o litigante deve encaminhar sua demanda para o mesmo órgão

jurisdicional que causou o dano anteriormente:

“Resta ao litigante brasileiro, mesmo na pendência do processo em que

houve excesso de tempo, ingressar em juízo e pedir uma indenização

pelos danos materiais e morais que sofreu, cabendo a ele provar,

especialmente, que sua conduta não foi determinante para o atraso da

tutela jurisdicional e que havia pouca complexidade no assunto em

discussão, de modo a deixar claro que o atraso ocorreu principalmente, ou

exclusivamente, dependendo das circunstâncias existentes, por culpa do

próprio Estado.” 749

Na Itália, indica José Augusto Delgado750, o artigo 111 da Constituição fez a

exigência da elaboração de uma lei, que foi aprovada em 2001, que garantisse ao cidadão

afetado pela demora do processo jurisdicional a justa reparação. O autor sugere, de lege

ferenda, que solução parecida seja adotada no Brasil. No entanto, mesmo diante do

regramento vigente hoje, no Brasil, afirma José Augusto Delgado ser: “[...] auto-aplicável

o inciso LXXVIII do art. 5º, da CF, que deve ser interpretado em harmonia com o art. 37,

caput, e par. 6º, da própria Carta Magna.”. 751

Marcelo José Magalhães Bonício, em sua obra sobre a proporcionalidade e o

processo civil, destaca o paradoxo do processo civil em ser tão rigoroso na imposição de

prazos aos litigantes e o sistema de preclusões, mas tão benevolente com o tempo de

duração do processo em si e afirma: “Não pode existir um serviço público que

simplesmente não esteja sujeito a prazo algum para apresentar resultados, assim como

também não pode existir um serviço público que não esteja preocupado com a eficiência

de seus serviços, principalmente quando se trata da relevantíssima missão de aplicar

748BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da

proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,

2006. p.65.

749BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da

proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,

2006. p.66.

750DELGADO, José Augusto. O processo posto na Constituição Federal: aspectos contemporâneos. In:

JOBIM, Eduardo; MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). O processo na Constituição. São Paulo:

Quartier Latin, 2008. p.99.

751DELGADO, José Augusto. O processo posto na Constituição Federal: aspectos contemporâneos. In:

JOBIM, Eduardo; MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). O processo na Constituição. São Paulo:

Quartier Latin, 2008. p.99.

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justiça ao caso concreto.” 752. O Brasil, dessa maneira, embora tenha previsão expressa no

texto constitucional sobre a duração razoável do processo, mostra uma indiferença

vergonhosa quanto ao tema, pois nota-se quase nenhuma melhora nos últimos anos e quase

nenhum levantamento oficial com dados sobre o tema, que poderiam auxiliar na

identificação dos pontos mais fracos do sistema, fornecendo a ideia global necessária a

qualquer mudança efetiva753. Uma medida paliativa para essa situação alarmante já foi

trazida a lume, que é o artigo 1.112-A do Código de Processo Civil754, garantindo a

prioridade na tramitação de processos judiciais que envolvam pessoas com mais de

sessenta anos ou portadoras de doenças graves.

3.15 Princípio do interesse no julgamento do mérito

O término esperado de um processo judicial é o julgamento de mérito,

demonstrando que o poder estatal, teoricamente, deu ao caso concreto a solução mais justa

possível, pacificando, assim, um conflito social. Além do fim almejado, há o fim anômalo

através de uma sentença terminativa, o que deve ser evitado, como demonstrou o legislador

ao elaborar a norma do artigo 249, parágrafo 2º, CPC.755

752BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da

proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,

2006. p.54-55.

753BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da

proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,

2006. p.60-61.

754Art. 1.211-A, CPC: “Os procedimentos judiciais em que figure como parte ou interessado pessoa com

idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, ou portadora de doença grave, terão prioridade de

tramitação em todas as instâncias”. (Redação dada pela Lei nº 12.008, de 2009). Cf. BONÍCIO, Marcelo

José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da proporcionalidade, a

legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas, 2006. p.61. “É natural

que as pessoas idosas tenham preferência, mas melhor seria se o legislador estabelecesse regras que

levassem o Poder Judiciário a se preocupar com o excessivo tempo de duração do processo, beneficiando

indiretamente os idosos, do que voltar suas preocupações somente para estes, deixando de lado, por

exemplo, os enfermos e aqueles que estão em situação financeira difícil, todos com direito a prioridade

também.”.

755 “Art. 249. O juiz, ao pronunciar a nulidade, declarará que atos são atingidos, ordenando as providências

necessárias, a fim de que sejam repetidos, ou retificados. §2º Quando puder decidir do mérito a favor da

parte a quem aproveite a declaração da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato, ou

suprir-lhe a falta.”

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206

Como destaca Gregório Assagra de Almeida756, esse princípio, na seara

coletiva, ganha maior dimensão diante dos direitos materiais envolvidos.

A sentença terminativa está prevista no artigo 267 do Código de Processo Civil

e significa que, após as providências preliminares, o juiz chega à conclusão de que o caso é

de extinção do processo sem o exame do mérito. Foge ao objetivo do trabalho a análise de

cada hipótese prevista na legislação para essa situação, mas apenas as que possuem

peculiaridades na seara coletiva. O artigo 267, em seu inciso II, CPC, prescreve que:

“Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: II – quando ficar parado durante mais

de um ano por negligência das partes.”. Normalmente, ou seja, no âmbito individual do

processo civil, essa extinção pode ocorrer por decisão de ofício do magistrado, depois que

tenha intimado as partes pessoalmente para providenciarem o andamento processual em 48

horas. Essa situação é rara de ocorrer, pois depende da inércia de ambas as partes para um

ato em comum. Já o inciso III é mais comum, pois prevê a extinção: “III – quando, por não

promover os atos e diligências que lhe competir, o autor abandonar a causa por mais de

trinta dias.”. Essa hipótese também exige a prévia intimação pessoal do autor para a

extinção. Assim, enquanto na seara processual clássica, ocorreria a extinção do processo,

nas ações coletivas, o abandono gera fenômeno diverso: a sucessão processual. O objetivo

do microssistema processual coletivo é fazer com que a ação alcance o seu fim normal, ou

seja, o julgamento com mérito da demanda que envolve interesses transindividuais,

portanto, de elevada repercussão social. Por fim, o inciso VIII fala em desistência da ação

por parte do autor e o raciocínio aplicado a essa situação é o mesmo do abandono,

ocorrendo a sucessão processual.

A valorização do conhecimento do mérito no processo coletivo é decorrente do

princípio da instrumentalidade das formas, como ensinam Fredie Didier Jr. e Hermes

Zaneti Jr.757

Este princípio se materializa no processo coletivo através de algumas maneiras,

dentre elas, está a necessária flexibilização na análise do preenchimento dos requisitos de

756 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito

processual. São Paulo: Saraiva, 2003. p.571. No mesmo sentido: DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR.,

Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4. 5.ed. Salvador: JusPodium, 2010.

p.118.

757 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.118.

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207

admissibilidade processual758, de forma que “[...] questões meramente formais não

embacem a finalidade do processo, permitindo ao órgão jurisdicional que seja mais

flexível em relação ao preenchimento dos requisitos de admissibilidade processual.” 759,

para que cumpra a sua função social760. Exemplo disso é a sucessão processual que

pode ser operada diante da ilegitimidade ativa, ao invés da extinção do processo sem o

julgamento do mérito de acordo com a previsão tradicional do artigo 267 do Código de

Processo Civil. A sugestão é que o magistrado use da possibilidade de evitar a extinção do

feito, aplicando, por analogia, o artigo 5º, parágrafo 3º, Lei da Ação Civil Pública761 e o

artigo 9º da Lei da Ação Popular762, ou seja, que determine a publicação de edital para

convocar legitimados ativos para assumir a condução do processo, o que já foi reconhecido

como possível pelo Superior Tribunal de Justiça763, evitando, assim, a extinção sem

julgamento de mérito de uma ação, que poderia ser reproposta por qualquer outro dos

legitimados coletivos. Quanto ao artigo 9º da Lei da Ação Popular, Rodrigo Mazzei admite

a possibilidade de a pessoa jurídica prosseguir no polo ativo da demanda, caso ela

demonstre interesse em obter a procedência do pedido, em aplicação do artigo 6º,

758 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito

processual. São Paulo: Saraiva, 2003. p.572. No mesmo sentido: DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR.,

Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4. 5.ed. Salvador: JusPodium, 2010.

p.118-119.

759 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.118-119.

760 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito

processual. São Paulo: Saraiva, 2003. p.572.

761 Art. 5º, Lei da Ação Civil Pública: “§ 3º Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por

associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa.”.

762 Art. 9º, Lei Ação Popular: “Se o autor desistir da ação ou der motiva à absolvição da instância, serão

publicados editais nos prazos e condições previstos no art. 7º, inciso II, ficando assegurado a qualquer

cidadão, bem como ao representante do Ministério Público, dentro do prazo de 90 (noventa) dias da última

publicação feita, promover o prosseguimento da ação.”.

763 STJ. 2ª T, Recurso Espescial n. 1.177.453/RS: “5. De acordo com a leitura sistemática e teleológica das

Leis de Ação Popular e Ação Civil Pública, fica evidente que o reconhecimento da ilegitimidade ativa para

o feito jamais poderia conduzir à pura e simples extinção do processo sem resolução de mérito. 6. Isto

porque, segundo os arts. 9º da Lei n. 4.717/65 e 5º, § 3º, da Lei n. 7.347/85, compete ao magistrado

condutor do feito, em caso de desistência infundada, abrir oportunidade para que outros interessados

assumam o pólo ativo da demanda. 7. Embora as referidas normas digam respeito aos casos em que parte

originalmente legítima opta por não continuar com o processo, sua lógica é perfeitamente compatível com

os casos em que faleça legitimidade a priori ao autor.” - Data do Julgamento: 24/08/2010; Data da

Publicação/Fonte: DJe 30/09/2010. Ministro Relator Mauro Campbell Marques.

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parágrafo 3º, da referida lei764, mesmo no caso de a pessoa jurídica ter contestado a

demanda, desde que os motivos de sua retratação venham bem fundamentados765. Segundo

a Ministra Eliana Calmon, em voto proferido em sede de Recurso Especial, em 2003, tal

entendimento não viola o teor da súmula 365 do Supremo Tribunal Federal766, tendo em

vista o conteúdo do parágrafo 3º do artigo 6º da Lei da Ação Popular e que a súmula tem

origem anterior à Lei n. 4.717/65. Em assertiva conclusiva sobre seu posicionamento,

Rodrigo Mazzei afirma:

“Além disso, a conjugação do artigo 9º e do parágrafo 3º do artigo

6º da LAP não induz ao ajuizamento da ação popular por pessoa

jurídica, mas apenas ao seu prosseguimento, o que é bem diferente.

Trabalha-se com a concepção de que a máquina judiciária já foi

movimentada por quem de direito e o processo deve continuar em

razão do interesse público em jogo. E, para finalizar, colocando

uma pá de cal na discussão, toda interpretação sobre o polo ativo

das ações coletivas merece, atualmente, a leitura da LACP e do

CDC, em razão da nova realidade legal. Se a pessoa jurídica for

legitimada para propor ação coletiva (ainda que outra que não a

ação popular), não haverá plausível justificativa para vedar a

providência contida no artigo 9º da LAP.” 767

Assim, a leitura do caso deve ser feita de acordo com o microssistema de

processos coletivos e os princípios que o regem.

Como salienta Gregório Assagra de Almeida: “[...] interesse em conhecer o

mérito do processo coletivo não significa que o Poder Judiciário estaria propenso a julgar

a favor de “A” ou de “B”, mas que tem interesse na resolução do conflito.”. 768

764 MAZZEI, Rodrigo. Comentários ao artigo 6º da Lei da Ação Popular. In: COSTA, Susana Henriques da.

(Coord.). Comentários à Lei de ação civil pública e Lei de ação popular. São Paulo: Quartier Latin,

2006. p.185.

765 Nesse sentido: MAZZEI, Rodrigo. Comentários ao artigo 6º da Lei da Ação Popular. In: COSTA, Susana

Henriques da. (Coord.). Comentários à Lei de ação civil pública e Lei de ação popular. São Paulo:

Quartier Latin, 2006. p.186. Cf. voto vencedor, STJ, AgRg no Resp n. 439.854/MS, 2ª Turma, Rel. Min.

Eliana Calmon, j.8.4.2003, DJU de 18.8.2003, p.194.

766Cf. voto vencedor, STJ, AgRg no Resp n. 439.854/MS, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, j.8.4.2003,

DJU de 18.8.2003, p.194. Súmula 365, STF: “Pessoa jurídica não tem legitimidade para propor ação

popular.”.

767 MAZZEI, Rodrigo. Comentários ao artigo 6º da Lei da Ação Popular. In: COSTA, Susana Henriques da.

(Coord.). Comentários à Lei de ação civil pública e Lei de ação popular. São Paulo: Quartier Latin,

2006. p.186.

768 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito

processual. São Paulo: Saraiva, 2003. p.572.

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Outra manifestação desse princípio se dá na fungibilidade entre as ações

coletivas. Por exemplo, o patrimônio público pode ser tutelado por ação popular, por ação

civil pública e por ação de improbidade administrativa. Cada qual com as suas

especialidades. Proposta uma, quando outra era a adequada, pergunta-se: porque não

receber uma pela outra? Mesmo por que adequações procedimentais podem ser feitas,

através de uma emenda à petição inicial, por exemplo.769

Além disso, na ação de improbidade administrativa, não se justifica “[...] que

não se possa reconhecer procedência parcial nas demandas de improbidade quando não

houver tipicidade ou dolo do agente (suficiente para condená-lo nas severas sanções da

lei), mas se configurar ato ilícito ensejando condenação no ressarcimento.” 770, o mesmo

se dá com relação à prescrição das sanções – artigo 23, Lei de Improbidade

Administrativa, conforme decidiu o Superior Tribunal de Justiça 771, com base

no artigo 37, parágrafo 5º, Constituição Federal, determinando que a reparação de danos

causados ao erário seja imprescritível:

“7. O prazo estabelecido no art. 23 da Lei 8.429/92 se refere à

aplicação das sanções, e não ao ressarcimento ao erário.

8. O ressarcimento não constitui penalidade; é consequência lógica

do ato ilícito praticado e consagração dos princípios gerais de todo

ordenamento jurídico: suum cuique tribuere (dar a cada um o que é

seu), honeste vivere (viver honestamente) e neminem laedere (não

causar dano a ninguém).”

Assim, se o juiz constata posteriormente que as sanções previstas na Lei de

Improbidade Administrativa estão prescritas no caso sob sua análise, decidiu o Superior

Tribunal de Justiça que a ação deve seguir quanto ao pedido reparatório772. Quando a

prescrição é evidente, o juiz pode rejeitar o pedido de condenação nas sanções e rejeitar a

inicial parcialmente, prosseguindo a ação quanto à reparação dos danos causados ao erário.

A justificativa para a prescrição das sanções e não da obrigação de reparação dos danos,

769Nesse sentido: DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo

coletivo. v.4. 5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.119. “Revela-se interessante notar que as premissas do

formalismo-valorativo definem muito bem qual a conduta a ser adotada.”.

770 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.119.

771 STJ, 1ª T, Recurso Especial n. 1.028.330/SP.

772 STJ, 2ª T, AgRg no Recurso Especial n. 1.218.202/MG.

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segundo Eurico Ferraresi773, é a prevalência da estabilidade social e da segurança jurídica

em não deixar o agente público sujeito a se tornar réu em ação de improbidade

administrativa indefinidamente. A ressalva é feita quanto ao ressarcimento, que é

imprescritível por expressa determinação constitucional – artigo 37, parágrafo 5º. Como

ensina o mencionado autor:

“De um lado, há o interesse em que as relações não se perpetuem;

de outro lado, há o interesse público de que lesões ao patrimônio

público não prescrevam. A discussão sobre qual interesse deva

prevalecer se mostra estéril, diante da expressa opção

constitucional pela imprescritibilidade da pretensão ao

ressarcimento dos danos causados ao patrimônio público. Acresça-

se que o Código Civil prevê casos em que não ocorre a

prescrição.”774

Além do que foi exposto acima, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a

constitucionalidade da imprescritibilidade do dano ao patrimônio público775. Ensina José

Afonso da Silva quanto à prescritibilidade dos ilícitos administrativos: “Vê-se, porém, que

há uma ressalva ao princípio. Nem tudo prescreverá. Apenas a apuração e punição do

ilícito, não, porém, o direito da Administração ao ressarcimento, à indenização, do

prejuízo causado ao erário.”. 776

Quando houver cumulação de pedidos condenatórios e ressarcitórios

na ação de improbidade administrativa, e, na hipótese de rejeição dos primeiros

devido à prescrição, nada obsta o prosseguimento da ação em relação ao

ressarcimento do dano em razão da sua imprescritibilidade , como já afirmado

acima. É o que ensina Eurico Ferraresi777, seguindo a orientação do Superior

Tribunal de Justiça.778

773 FERRARESI, Eurico. Improbidade administrativa: Lei 8.429/1992 comentada artigo por artigo. São

Paulo: Método, 2011. p.234. “[...] a prescrição constitui uma espécie de sanção imposta pelo ordenamento

ao titular do direito que, sabendo da ocorrência do ato lesivo, não agiu.” p.236.

774 FERRARESI, Eurico. Improbidade administrativa: Lei 8.429/1992 comentada artigo por artigo. São

Paulo: Método, 2011. p.236-237.

775 STF, Recurso Extraordinário 299.591/MG e 492.936/RS. No entanto, há decisões em sentido contrário:

cf., v.g., STJ, Recurso Especial n. 601.961/MG, DJU 21/08/2007.

776 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 30.ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

p.673.

777 FERRARESI, Eurico. Improbidade administrativa: Lei 8.429/1992 comentada artigo por artigo. São

Paulo: Método, 2011. p.238-239.

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211

Por fim, cabe analisar, como manifestação do princípio do interesse do

julgamento do mérito, a importância não só da análise do mérito, mas a busca do melhor

julgamento do mérito possível.

Como manifestação dessa relevância, na tutela coletiva, há a coisa julgada

material secundum eventum probationis (art. 103, incisos e parágrafos, CDC; art. 16,

LACP; art. 18, LAP). Basicamente, uma sentença de improcedência baseada na ausência

ou na insuficiência de provas não faz coisa julgada material. A ação pode ser reproposta

com base em prova nova.

Como destacam Fredie Didier Júnior e Hermes Zaneti Júnior: “O que o

legislador quis foi garantir que o julgamento pela procedência ou improcedência fosse de

mérito, não uma mera ficção decorrente da aplicação do ônus da prova como regra de

julgamento (art. 333, CPC).” 779. Como demonstra Rodolfo de Camargo Mancuso, a coisa

julgada, na seara coletiva, não apresenta nenhuma particularidade em relação ao processo

civil singular, com exceção da possibilidade de propor nova ação mediante prova nova. No

entanto, como ressalva o autor citado, a coisa julgada secundum eventum probationis não

se limita à tutela jurisdicional dos interesses transindividuais780,

“[...] evidenciando – mais uma vez – que prevalece, no instituto da

coisa julgada, o móvel de natureza política, vale dizer, ao legislador

é dado examinar a conveniência de certas decisões passarem ou não

em julgado e, em caso positivo, pode ele fixar os graus de expansão

e eficácia.” 781

778 Cf. STJ, Recurso Especial n. 1.089.492/RO.

779DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.120.

780MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição coletiva e coisa julgada: teoria geral das ações coletivas.

2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.293. Isso ocorre quando o legislador remete as partes às

“vias ordinárias” ou para a discussão ser travada em “ação própria”, v.g., questões de mais alta indagação

no inventário e na partilha; certos assuntos em desapropriação; julgamento de causas complexas nos

Juizados Especiais Cíveis; provas mais técnicas no procedimento sumário; quando não for possível

verificar a liquidez e a certeza do direito no mandado de segurança.

781MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição coletiva e coisa julgada: teoria geral das ações coletivas.

2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.293.

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212

Se for o caso de direitos individuais homogêneos, a coisa julgada material é

tradicional, ou seja, não se admitirá a repropositura da ação782. No entanto, na hipótese de

interesses difusos e coletivos, a ideia é a seguinte: se o fundamento da improcedência tiver

sido a ausência ou insuficiência de provas, se admitirá a repropositura da ação coletiva,

com base em prova nova.

Ensina Rodolfo de Camargo Mancuso que a razão dessa diferença de

tratamento entre as espécies de interesses transindividuais se dá em função da maior

proteção conferida pelo legislador aos interesses essencialmente coletivos, já que os

individuais homogêneos configuram direitos subjetivos783, sendo considerados

acidentalmente coletivos.

Dentre as vantagens da coisa julgada secundum eventum probationis, está a

diminuição do risco de conluio entre o autor coletivo e o polo passivo, evitando a formação

de uma coisa julgada prejudicial a toda a coletividade devido às insuficiências probatórias

causadas pelo autor ideológico em atuação deturpada 784. No entanto, há críticas a essa

previsão, no sentido de que a sentença do magistrado perderá sua autoridade, o réu terá seu

direito de defesa esvaziado, além de desestimular a participação das vítimas no processo. É

o que defende José Ignácio Botelho de Mesquita785. Para o autor, a previsão afronta as

garantias constitucionais do demandado em ação coletiva:

“É sabido, sem dúvida, que as ações coletivas trazem em si o risco de

conluio entre o autor a título coletivo e o réu, com o fim de, maltratada e

julgada improcedente a ação, poder o demandado escudar-se na coisa

julgada contra pretensões futuras, melhor deduzidas e mais bem cuidadas.

Daí não se extrai, contudo, que não haja meios de coibir tal abuso, ou que

o direito o desconheça. Suposto, no entanto, que assim ocorresse, a opção

que restaria ao legislador não seria nunca a de escolher entre respeitar ou

não a Constituição, mas, sim, a de introduzir, ou não, no sistema jurídico,

a ação coletiva. A final, com que autoridades se poderia exigir o

782Criticando a opção do legislador no sentido de que a previsão também deveria se estender aos interesses

individuais homogêneos, cf. GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de

direitos: as ações coletivas em uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.287.

“A lei seria muito mais consistente se essa norma fosse aplicável em todos os tipos de ações coletivas.”.

783MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição coletiva e coisa julgada: teoria geral das ações coletivas.

2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.296.

784Nesse sentido, cf.: MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição coletiva e coisa julgada: teoria geral

das ações coletivas. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.308.

785Nesse sentido, cf.: MESQUITA, José Ignácio Botelho de. Na ação do consumidor, pode ser inútil a defesa

do consumidor. Revista do Advogado, n.33, p.80-82, dez./1990.

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cumprimento da lei, se nem mesmo a Constituição precisasse ser

cumprida?” 786

Afirma Ricardo de Barros Leonel que o legislador restringiu a extensão da

coisa julgada para que os titulares da relação de direito material sejam preservados no caso

de improcedência por insuficiência de provas, dessa forma: “Ademais, mesmo com

visão estritamente processual do fenômeno, seria possível afirmar que não

houve ampliação legislativa dos efeitos do julgado coletivo .”.787

Como admite a melhor doutrina, nessa repropositura é possível ter o mesmo

autor da primeira ação tida por improcedente por falta ou insuficiência de provas788,

mesmo que o autor tenha sido desidioso na primeira ação, desde que haja prova nova. A

preocupação, nessa previsão, não se concentrou na celeridade do procedimento, mas com

as possíveis consequências perniciosas de uma ação coletiva mal proposta.789

Questiona-se se seria necessário que a ausência ou insuficiência conste na

fundamentação da decisão. Quanto a isso, parece não haver essa exigência de nenhuma

corrente doutrinária790, mas há quem defenda a necessidade de uma possível dedução, a

partir da leitura da fundamentação, que tenha ocorrido a falta de prova, como ensina

Ricardo de Barros Leonel: “[...] o que importa não é a dicção do magistrado na sentença,

mas o conteúdo ou modo pelo qual o feito se encerrou.”. 791

Por outro lado, outra corrente – encabeçada por Antonio Gidi - afirma que, na

verdade, não há essa necessidade de dedução de falta de prova a partir da leitura, bastando

o surgimento de prova nova. Antonio Gidi792 afirma que, em alguns casos mais claros,

786MESQUITA, José Ignácio Botelho de. Na ação do consumidor, pode ser inútil a defesa do consumidor.

Revista do Advogado, n.33, p.80-82, dez./1990, p. 82.

787LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2011. p.288.

788Nesse sentido: LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2011. p.290.

789MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição coletiva e coisa julgada: teoria geral das ações coletivas.

2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.293.

790LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2011. p.290.

791LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2011. p.290.

792GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em

uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.285.

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pode ser que o magistrado consiga visualizar e afirmar que a rejeição da pretensão coletiva

se deu por instrução insuficiente. No entanto, na maior parte das vezes, não tem como o

juiz saber da existência de alguma prova relevante que não lhe tenha sido apresentada.

Lembra o autor mencionado que o direito processual civil americano tem como regra não

estar o juiz em condições de determinar os efeitos de suas decisões.

Este posicionamento é compatível com as provas tecnológicas novas e não se

trata de supressão do biênio para a possível propositura da ação rescisória, mas a fixação

do termo inicial desta com a obtenção do laudo de prova nova, como o exame de DNA ou

novos relatórios em relação a algum medicamento, por exemplo793. A prova nova não

precisa ter a condição de garantidora de um julgamento favorável ao grupo, ela somente

deve apresentar-se suficientemente relevante para que possibilite um resultado distinto do

anteriormente obtido. Segundo Antonio Gidi, o juiz da segunda ação coletiva não deve

efetuar o rejulgamento da causa sem considerar a decisão anterior: “[...] ele somente

poderá alterar o resultado obtido na primeira ação coletiva, se autorizado pela nova

prova apresentada.”. 794

Nesse sentido era a previsão do Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos

Coletivos, versão janeiro/2007, que, além de prever a coisa julgada secundum eventum

probationis em seu artigo 13, parágrafo 5º,

“[...] diz ainda que mesmo as sentenças de mérito fundadas em

prova plena, dando pela procedência ou pela improcedência,

transitadas em julgado, podem ser repropostas, por qualquer co-

legitimado, “com idêntico fundamento, no prazo de 2 (dois) anos

contados do conhecimento geral da descoberta de prova nova,

superveniente, que não poderia ser produzida no processo, desde

que idônea para mudar seu resultado” (parágrafos 5º e 6º do art.

13).” 795.

No campo ambiental, a Carta de São Paulo, lavrada ao final do 7º Congresso de

Direito, ocorrido em junho de 2003, n.59, determina o seguinte:

793Nesse sentido, cf.: MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição coletiva e coisa julgada: teoria geral

das ações coletivas. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.305-306.

794GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em

uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.286.

795MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição coletiva e coisa julgada: teoria geral das ações coletivas.

2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.293.

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“Em relação à coisa julgada, deve prevalecer critério segundo o

qual, sobrevindo provas novas, é sempre possível a renovação da

ação civil pública para a defesa dos interesses transindividuais,

mesmo que a sentença anterior não tenha feito menção expressa à

improcedência da ação por insuficiência de provas.” (grifo nosso).

Ainda no campo ambiental, Rodolfo de Camargo Mancuso fornece o exemplo

de mitigação da coisa julgada no caso de novo laudo sobre agrotóxico: “[...] impende

atuar eficazmente para que a imunização trazida pela coisa julgada não acabe operando

como um contra-direito, ou como um vetor de injustiça, estabilizando situações absurdas e

iníquas.” 796. Embora Ricardo de Barros Leonel defenda que a viabilidade de nova

propositura dependa da constatação de insuficiência probatória como fundamento da

decisão anterior a partir da análise do conteúdo da decisão, afirma o jurista que, em caso de

avanço tecnológico nos meios de prova, será possível a repropositura da demanda

encerrada.797

Destaca-se que por “prova nova”, entende-se ser a prova não produzida durante

a primeira oportunidade, na demanda encerrada. Portanto, a novidade seria a apreciação

originária pelo Poder Judiciário. Em sentido mais restrito, Ada Pellegrini Grinover e Kazuo

Watanabe798 defendem que prova nova seja sinônimo de prova superveniente. Os autores

mencionados aplicam, por analogia, o artigo 474, do Código de Processo Civil, ou seja, a

eficácia preclusiva sobre a prova, que recai sobre alegações, fazendo coisa julgada material

o alegado e o alegável. Então, para esta corrente, prova nova é a que não foi utilizada e que

não poderia ter sido utilizada na primeira demanda.

Doutrina nacional799, curiosamente, diz que, na coisa julgada secundum

eventum probationis, na verdade, não há coisa julgada. O fundamento é que a possibilidade

de repropositura da ação é incompatível com a imutabilidade dos efeitos da decisão.

796MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição coletiva e coisa julgada: teoria geral das ações coletivas.

2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.306.

797Nesse sentido: LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2011. p.290.

798 GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do

Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2011. p.197-201.

799 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor,

patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 25.ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p.601. Nesse

sentido: NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e

legislação extravagante. 11.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p.1473.

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Segundo esse entendimento, caso ocorra a repropositura sem prova nova, deve ocorrer a

extinção do processo, não por respeito à coisa julgada material, já que essa não há, mas por

falta de interesse, na modalidade adequação - artigo 267, VI, CPC – com a consequente

sentença terminativa.

Antonio Gidi conclui o tema da seguinte forma:

“Portanto, segundo pensamos, se a qualquer momento depois da

decisão uma nova prova for descoberta que possa alterar a decisão

do caso, a ação coletiva poderá ser reproposta. Essa interpretação

liberal é imperativa para que a norma seja efetiva na prática e não

seja indevidamente limitada por uma exigência que não está na lei

nem deriva do bom senso.” 800

No âmbito da ação popular, o artigo 6º, parágrafo 4º, da Lei n. 4.717/65, prevê

que: “§ 4º O Ministério Público acompanhará a ação, cabendo-lhe apressar a produção

da prova e promover a responsabilidade, civil ou criminal, dos que nela incidirem, sendo-

lhe vedado, em qualquer hipótese, assumir a defesa do ato impugnado ou dos seus

autores.”.

IV) Sentença e execução

3.16 Princípio da (não) correlação entre o pedido e a sentença

A necessidade de congruência entre a sentença e o pedido encontra-se prevista

no Código de Processo Civil nos artigos 2º, 128 e 460 e a sua ratio é relacionada com a

intrínseca disponibilidade do bem da vida e do direito invocados, que são levados a juízo

da forma que melhor entender os litigantes801. Quanto à parte objetiva da demanda,

relacionado ao pedido, é vedado ao magistrado proferir decisão que vá além do objeto da

demanda (ultra petita), que extravase o objeto da demanda (extra petita) ou que fique

800GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em

uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.286.

801 GABBAY, Daniela Monteiro. Processo coletivo e elementos objetivos da demanda. Dissertação de

mestrado. São Paulo: USP, 2007. p. 81.

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aquém desse objeto (citra petita), pois o juiz estaria decidindo sem a necessária iniciativa

da parte (artigos 2º e 262 do Código de Processo Civil). Entretanto, é importante

compatibilizar o conceito liberal-individualista em que se pauta a correlação com a atual

fase publicista em que o processo civil se encontra, como afirma Daniela Monteiro

Gabbay802, que classifica a correlação entre o pedido e a sentença, como uma regra, apesar

de afirmar a tendência do uso da ponderação para a sua aplicação. Dessa maneira, neste

trabalho, adota-se o fenômeno como um princípio, tendo em vista a orientação

crescentemente adotada pela doutrina e jurisprudência pátria, como será adiante

aprofundado.803

Hugo Nigro Mazzilli804 entende que as ações coletivas estão sujeitas ao

princípio da correlação entre o pedido e a decisão judicial, previsto no caput do artigo 460

do Código de Processo Civil805. Segundo o autor, se o legitimado coletivo pretende que a

sentença seja título executivo aproveitável por lesados individuais, o pedido deve vir

expresso. No exemplo trazido pelo autor paulista citado, caso a causa de pedir seja a

poluição causada por uma fábrica; e o pedido, o seu fechamento, nenhum indivíduo poderá

utilizar a sentença para liquidar eventual dano individual causado pela poluição, pois

ocorreria ofensa à ampla defesa da parte. Em sentido oposto, Ada Pellegrini Grinover

defende que o Código de Defesa do Consumidor alterou o sistema tradicional para ampliar,

ope legis, o objeto do processo, de forma a incluir na coisa julgada coletiva o dever de

indenizar as vítimas:

“Seja como for, e qualquer que seja a explicação científica que se lhe dê

(eficácia preclusiva, efeito secundário da sentença, ou ampliação do

objeto do processo coletivo, para que o julgado inclua o pronunciamento

sobre o dever de indenizar, ope legis), trata-se de fenômeno bem

conhecido, agora incorporado ao Código do Consumidor, mercê do

802 GABBAY, Daniela Monteiro. Processo coletivo e elementos objetivos da demanda. Dissertação de

mestrado. São Paulo: USP, 2007. p. 82.

803 GABBAY, Daniela Monteiro. Processo coletivo e elementos objetivos da demanda. Dissertação de

mestrado. São Paulo: USP, 2007. p. 81. “Em conformidade com o princípio da instrumentalidade de

formas, porém, a jurisprudência tem determinado a anulação apenas do excedente no caso de sentenças

ultra petita, muito embora haja ainda casos de anulação total das sentenças citra petita, tendo em vista a

incompletude do julgado, e das sentenças extra petita, por tratarem de objeto diferente daquele debatido

nos autos.”.

804 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 25.ed. São Paulo: Saraiva, 2012. P.

138-139.

805 “É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar

o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que Ihe foi demandado.”

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transporte, in utilibus, do julgado da ação coletiva para as ações

individuais de responsabilidade civil.” 806

Segundo Luigi Paolo Comoglio807, a razão de ser da existência do dogma da

imutabilidade do objeto litigioso tem origem na litis contestatio romana. No entanto,

segundo o mesmo autor, a discussão acerca deste dogma tem evoluído em razão do

princípio da economia processual.

A questão que se coloca é até que ponto a economia no processo em curso deve

prevalecer sobre a possibilidade de multiplicação de processos externos, capazes de

ocasionar a multiplicação de demandas e o conflito lógico de julgados.

Em sentido contrário, Elton Venturi808, ao tratar da instrumentalidade da tutela

coletiva, defende que o artigo 83 do Código de Defesa do Consumidor deve ser

interpretado da forma mais ampla possível: “Para a defesa dos direitos e interesses

protegidos por este código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de

propiciar sua adequada e efetiva tutela.”, segundo o texto da legislação consumeirista que

integra o microssistema processual coletivo809. Elton Venturi defende a legitimidade dos

magistrados para inovar nos provimentos jurisdicionais, antecipando a tutela final ou

assegurando o seu resultado útil, quando o escopo for concretizar a efetividade da tutela

jurisdicional coletiva. Dessa forma, o artigo 83 transcrito seria uma forma de estimular a

criatividade tanto das partes, quando pleiteiam interesses transindividuais, quanto do Poder

Judiciário, no papel de garantir a adequação e a efetividade da tutela a ser proferida ao

cabo do processo.

Em uma segunda análise do mesmo fenômeno, o Poder Judiciário também

seria dotado da faculdade de flexibilizar ao máximo as exigências de preenchimento dos

pressupostos processuais e das condições da ação coletiva para que o mérito seja

806 GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo em evolução. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998.

p.135-136.

807 COMOGLIO, Luigi Paolo. Il principio di economia processuale. Vol.1. Padova: Cedam, 1980. p.177.

808 Cf. VENTURI, Elton. Processo civil coletivo. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 152.

809 O microssistema processual coletivo brasileiro, o qual tem em seu centro o Código de Defesa do

Consumidor (Lei n. 8.078/90) e a Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85), que se complementam

através de remições recíprocas, e leis gravitantes em torno desses dois diplomas, tais como: Estatuto das

Cidades, Estatuto do Idoso, Estatuto de Proteção à Criança e ao Adolescente, etc., e que tem o Código de

Processo Civil somente como forma de aplicação subsidiária em caso de ausência de prescrição normativa

entre a legislação citada.

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conhecido810. É o que Gregório Assagra de Almeida denomina de “princípio do interesse

jurisdicional no conhecimento do processo coletivo”.811 No mesmo sentido, Rogério

Marrone de Castro Sampaio812, em tese sobre a atuação do juiz no processo civil moderno,

defende a flexibilização do princípio da correlação entre pedido e a providência

jurisdicional concedida desde que respeitadas as garantias processuais das partes, com a

justificativa da função social a ser preenchida pelo processo. Dessa forma, admitir-se-iam

pedidos genéricos para a ampliação da efetividade da tutela jurisdicional coletiva, que são

tidos como exceção no modelo tradicional do processo civil.813

Daniela Monteiro Gabbay, no mesmo sentido, afirma que: “[...] à luz do

princípio da instrumentalidade de formas, a transgressão da regra de correlação deve ser

considerada como nulidade sanável se, observado o princípio do contraditório, nenhum

prejuízo concreto for detectado, restando preservado o escopo almejado por referida

regra processual.” 814. Além disso, segundo a autora, as provas produzidas também têm a

habilidade de ampliar os limites objetivos da demanda desde que os fatos estejam

definitivamente provados nos autos e submetidos ao contraditório. Havia previsão

semelhante do Código Estadual do Estado da Bahia, em seu artigo 306. Nesse sentido,

decidiu o Superior Tribunal de Justiça, em 2008, no Recurso Especial n. 1.107.219 – SP:

“A tutela ambiental é de natureza fungível por isso que a área objeto da agressão ao meio

ambiente pode ser de extensão maior do que a referida na inicial e, uma vez assim aferida

pelo conjunto probatório, não importa em julgamento ultra ou extra petita.”.

Dessa maneira, defende-se a superação do rígido modelo de preclusões815, com

a consequente perda de faculdades processuais, no processo civil brasileiro quando

810 Cf. VENTURI, Elton. Processo civil coletivo. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 155. “Mais grave, contudo,

é que as prematuras exigências terminativas das demandas coletivas revelam um verdadeiro

amesquinhamento da função jurisdicional, vital à sobrevivência do Estado Democrático de Direito.”.

811 Cf. ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito

processual: princípios, regras interpretativas e a problemática da sua interpretação e aplicação. São Paulo:

Saraiva, 2003. p. 571.

812 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. A atuação do juiz no direito processual civil moderno. Tese

de doutorado sob orientação do Prof. Dr. Flávio Luiz Yarshell. São Paulo: USP, 2007. p.154.

813 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. A atuação do juiz no direito processual civil moderno. Tese

de doutorado sob orientação do Prof. Dr. Flávio Luiz Yarshell. São Paulo: USP, 2007. p.155.

814 GABBAY, Daniela Monteiro. Processo coletivo e elementos objetivos da demanda. Dissertação de

mestrado. São Paulo: USP, 2007. p. 83.

815 Sobre o sistema de preclusões adotado, cf. LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o

direito superveniente. São Paulo: Método, 2006. p.223 e ss.

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estivermos diante de interesses transindividuais, desde que observados certos limites. É a

posição defendida por Ada Pellegrini Grinover, ao abordar o tema de preclusões, que visto

pelo lado positivo, conduz o procedimento para o seu resultado final, mas que não pode ser

levado a extremos a ponto de comprometer a efetividade da tutela jurisdicional816. No

mesmo sentido, Daniela Monteiro Gabbay afirma: “No que tange aos interesses e direitos

coletivos, todavia, acredito que a regra da correlação da sentença ao pedido deva ser

aplicada de forma diferenciada, em face do bem jurídico coletivo e do interesse social que

estão subjacentes ao pedido, não se subsumindo à interpretação estrita que obste a sua

efetiva e adequada proteção.”. 817

Estava em curso a elaboração de um Código de Processos Coletivos, como já

mencionado neste trabalho, que, apesar da rejeição sofrida no ano de 2010, merece ser

trazido à análise. O Anteprojeto previa diversas possibilidades para os processos coletivos

que demonstravam a vontade de seus elaboradores de uma visão mais flexível para o

processo coletivo818 desde que respeitados os princípios constitucionais do processo.

Dentre essas hipóteses, estava o artigo 4º, que possibilitava a interpretação extensiva do

pedido e da causa de pedir com vistas ao bem jurídico tutelado. O Projeto de Lei n. 5.139

de 2009 permitia a alteração do pedido e da causa de pedir até a prolação da sentença de

primeiro grau, desde que fosse feita de boa-fé e sem a ocorrência de prejuízo para o

demandado, com a devida observância do princípio do contraditório e da ampla defesa.

A solução usual do processo civil é aquela trazida pelo Código de Processo

Civil em seu artigo 264819, que estabelece o saneamento como o momento final para

qualquer alteração dos elementos objetivos da demanda, quais sejam: causa de pedir e

pedido. Hodiernamente, a alteração do pedido e da causa de pedir varia de acordo com o

momento em que se encontra o procedimento. Até a citação é possível alterar a parte

objetiva da demanda. Entre a citação e o saneamento, a alteração mostra-se viável, desde

816 GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual coletivo. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR.,

Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do

anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.31-32.

817 GABBAY, Daniela Monteiro. Processo coletivo e elementos objetivos da demanda. Dissertação de

mestrado. São Paulo: USP, 2007. p. 84.

818 LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método,

2006. p.286-291.

819 Art. 264, CPC: Feita a citação, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o

consentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições permitidas por lei. Parágrafo

único. A alteração do pedido ou da causa de pedir em nenhuma hipótese será permitida após o saneamento

do processo.

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que haja consentimento da outra parte. Após o saneamento, o sistema é rígido e não se

pode alterar mais o pedido ou a causa de pedir. A demanda se estabiliza.

O sistema é rígido quanto ao momento para a alteração objetiva da lide (na

expressão Carneluttiana), mas, apesar disso, o magistrado deve proferir decisão justa no

momento da entrega da prestação jurisdicional. Entre a propositura da demanda, a sua

estabilização e a entrega da decisão final, o decurso do tempo pode provocar diversos

fenômenos que alteram a justiça da decisão. Assim, diante dessa constatação, o legislador

determinou, no artigo 462 do Código de Processo Civil, que o magistrado pode, de ofício,

considerar fatos que interfiram no julgamento da causa: “Art. 462. Se, depois da

propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no

julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento

da parte, no momento de proferir a sentença.”, desde que não altere os contornos objetivos

da demanda820. Assim, o artigo 462 do Código permite a alteração limitada, ou seja: “Já os

“fatos posteriores” constitutivos, modificativos ou extintivos do direito (art. 462 do CPC),

embora digam respeito diretamente aos limites objetivos da demanda, podem ser

conhecidos, desde que não signifiquem inovação com relação ao que foi originariamente

deduzido pelo autor." 821. Ressalta Ricardo de Barros Leonel, em sua tese de doutorado

sobre o tema em análise, que toda a elaboração teórica construída acerca da estabilização

objetiva da demanda não deve ser esquecida, no entanto, é necessária uma interpretação

mais flexível quanto ao direito superveniente, no sentido de: “[...] envolver a compreensão

indissociável (conjunta) de fatos e direitos que sobrevenham (ou sejam invocados) no

curso da demanda já proposta, sempre que, com relação a esta, forem aptos a gerar a já

referida “eficácia jurídica superveniente”.” 822. Aponta o referido autor que essa

construção teórica acerca da flexibilização do momento para a alteração da demanda e do

objeto dessa alteração não viola o princípio da congruência823. Assim, opta-se por

denominar o fenômeno de princípio da (não) congruência para ressaltar a alteração de

820 LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método,

2006. p.227.

821 LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método,

2006. p.228.

822 LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método,

2006. p.231.

823 Nesse sentido: LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o direito superveniente. São

Paulo: Método, 2006. p.240.

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paradigma, que não significa a valorização da alteração superveniente, que somente deve

ocorrer se respeitados os valores constitucionais do processo, como a ampla defesa e o

contraditório, diante da inexistência de prejuízo para as parte e em caráter excepcional.

O Anteprojeto continha disposição diversa da encontrada hoje em nosso

ordenamento, permitindo a modificação extemporânea desses elementos, desde que

houvesse requerimento da parte, até a prolação da sentença e observado o contraditório.

Assim, havia requisitos que deveriam ser observados: o requerimento da parte interessada,

a boa-fé do autor, a inexistência de prejuízo injustificado para o réu e a preservação do

contraditório824; além dos mencionados no Anteprojeto, é truísmo mencionar que a decisão

deveria ser fundamentada e impugnável por recurso de agravo.

É o objetivo da estabilização da demanda garantir o não retrocesso do processo

e garantir a segurança das partes que terão ciência do âmbito de discussão do processo825.

No entanto, na seara transindividual, tais valores devem ser sopesados com o inerente

dinamismo dos interesses coletivos lato sensu, para que a tutela jurisdicional coletiva a ser

ao fim proferida consiga resolver o conflito de um única vez. Nesse sentido, convém

destacar: “Todavia, isso não impede nem conflita com a solução que admite, em caráter

excepcional, que determinadas espécies de relações de direito material tenham um

tratamento diferenciado em função de sua ampla importância e relevância social,

justificando inclusive o reconhecimento de sua indisponibilidade.”. 826

Como destaca Ricardo de Barros Leonel827, a questão é de política legislativa,

pois o legislador deve optar por manter o sistema tradicional aplicável também à tutela

coletiva ou inovar. Portanto, a sugestão aqui feita é de lege ferenda.

No caso da manutenção do sistema atual de estabilização de demandas, caso,

por exemplo, seja feita uma perícia em uma ação coletiva, que tenha sido extremamente

morosa e dispendiosa e, a partir desta prova, tenha sido constatado que os fatos são mais

824 Para maiores explicações sobre cada requisito, cf. LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e

pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método, 2006. p.294-295.

825 LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método,

2006. p.292.

826 LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método,

2006. p.239-240.

827 LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método,

2006. p.293.

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amplos, somente resta a possibilidade da propositura de uma nova ação828, que gera os

inconvenientes do maior lapso temporal para esta nova demanda e de novos custos. Além

disso, nova ação coletiva poderá gerar conflito de julgados, que, apesar de conviverem no

sistema, geram um desprestígio para o Poder Judiciário. O tempo para a tramitação dessa

nova demanda, instaurada por justificativa da segurança jurídica, pode funcionar como

elemento amplificador da insegurança jurídica para a situação diante do prolongamento da

querela. 829

No caso da proposta feita pelo Anteprojeto rejeitado, com a flexibilização da

estabilização da demanda, o pedido e a causa de pedir, no exemplo acima mencionado,

seriam modificados para englobar toda a crise de direito material em um processo só, que,

mesmo com um tempo de duração maior, ainda traria menores empecilhos do que a

propositura de uma nova ação. Dessa forma, o Poder Judiciário potencializaria seus

resultados, pacificando com Justiça.830

Swarai Cervone de Oliveira831 destaca que os interesses materiais discutidos

em ações coletivas tem elevada relevância social, assim, o bem jurídico (causa de pedir e

pedido) a ser tutelado deve ser interpretado de maneira extensiva, de forma a considerar o

bem da vida (pedido mediato).

Além disso, tendo em vista o maior grau de generalidade com que a causa de

pedir vem descrita832, o magistrado deve adotar maior flexibilidade na sua interpretação,

828 LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método,

2006. p.293-294.

829 LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método,

2006. p.244.

830 LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método,

2006. p.294. No mesmo sentido: OLIVEIRA, Swarai Cervone de. Poderes do juiz nos processos coletivos.

In: CALMON, Petrônio; CIANCI, Mirna; GOZZOLI, Maria Clara; QUARTIERI, Rita (Coord.). Em

defesa de um novo sistema de processos coletivos: estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover.

São Paulo: Saraiva, 2010. passim.

831 OLIVEIRA, Swarai Cervone de. Poderes do juiz nos processos coletivos. In: CALMON, Petrônio;

CIANCI, Mirna; GOZZOLI, Maria Clara; QUARTIERI, Rita (Coord.). Em defesa de um novo sistema de

processos coletivos: estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010. p.655.

832 LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2011. p.241. “A descrição fática deve ser formulada no limite da suficiência para a demonstração da

situação material mais ampla, decorrente da própria essência dos interesses metaindividuais.”. No nosso

ordenamento atual, o artigo 286, II, CPC, admite a formulação de pedido genérico, ou seja, que não seja

certo e determinado, quando, pelas circunstâncias fáticas, não for possível determinar as consequências do

ato ou fato ilícito.

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observando os limites da boa-fé, da ausência de prejuízo às partes e da observância do

contraditório efetivo.

Como afirma Rogério Marrone de Castro Sampaio, o magistrado está

autorizado a conceder a tutela coletiva que melhor dissolva a crise de direito material

coletivo, “[...] ainda que para tal tenha que integrar ou suprir deficiências oriundas do

ajuizamento da demanda.” 833, respeitado o devido processo legal e o contraditório.

O objetivo é evitar “decisões-surpresa” para as partes, por isso, a relevância da

observância do contraditório em casos que o magistrado pretenda extrair diversa

interpretação dos fatos trazidos ao processo ou, ainda, aplicar norma jurídica não ventilada

nos autos834. Além de prestigiar a participação das partes, a credibilidade do Poder

Judiciário junto à sociedade é maximizada quando observado o contraditório.

Interessante pesquisa jurisprudencial realizou Daniela Monteiro Gabbay, já

citada neste trabalho, acerca da aplicação ou não do princípio da correlação entre o pedido

e a sentença pelo Superior Tribunal de Justiça, como sua dissertação de mestrado perante

esta Faculdade. A autora formulou as seguintes hipóteses: A “regra” da correlação da

sentença ao pedido tem sido observada pelo STJ, tanto em casos que envolvam direitos

disponíveis, quando indisponíveis. Entretanto, naqueles, normalmente de natureza

patrimonial, a “regra” é observada com mais rigor, com interpretação restritiva do pedido e

anulação daquilo que extravasar os elementos objetivos da demanda. No caso de direitos

indisponíveis, dentre eles os coletivos, a “regra” da correlação admite maiores ponderações

na sua interpretação diante da natureza do conflito. Elementos que atenuam a correlação

são: a observância do princípio do contraditório e a ausência de prejuízo de acordo com a

instrumentalidade das formas. Além disso, causa de pedir e pedido compõem o objeto do

processo e a “regra” se aplicaria aos dois. Por fim, a última hipótese envolve a admissão de

forma pacífica de certos pedidos implícitos pelo STJ835. Depois da análise de inúmeros

julgados em confronto com as hipóteses trazidas acima, observou-se que há flexibilização

da correlação entre o pedido e a sentença, além dos casos que envolvam matérias de direito

833 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. A atuação do juiz no direito processual civil moderno. Tese

de doutorado sob orientação do Prof. Dr. Flávio Luiz Yarshell. São Paulo: USP, 2007. p.155.

834 CORRÊA, Fábio Peixinho Gomes. Governança judicial: modelos de controle das atividades dos sujeitos

processuais. Tese de doutorado Professor Orientador: José Rogério Cruz e Tucci. São Paulo: USP, 2008.

p.251.

835 Cf. GABBAY, Daniela Monteiro. Processo coletivo e elementos objetivos da demanda. Dissertação de

mestrado. São Paulo: USP, 2007. p. 140 e ss. para completo detalhamento da pesquisa realizada.

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indisponível, em considerável número de situações com direitos disponíveis836. Em geral,

as demais hipóteses restaram confirmadas. Interessante julgado é o Recurso Especial n.

1.126.146 do Estado do Rio de Janeiro837, em que o Superior Tribunal de Justiça, ao

analisar caso de assentamento agrícola em área de proteção ambiental descartou a violação

ao princípio da correlação, pois a retirada do pessoal assentado é providência que se revela

implícita no pedido de nulificação do ato de aprovação do projeto de assentamento,

ilustrando a admissão de pedido implícito quando considerado o bem da vida envolvido no

conflito de natureza coletiva.

3.17 Princípio da reparação integral do dano

O rejeitado Projeto de Lei n. 5.139 de 2009, que objetivava a sistematização do

processo civil no âmbito coletivo, previa, em seu artigo 3º, inciso IV, o seguinte: “O

processo civil coletivo rege-se pelos seguintes princípios: IV – tutela coletiva adequada,

com efetiva precaução, prevenção e reparação dos danos materiais e morais, individuais e

coletivos, bem como punição pelo enriquecimento ilícito.”. Observa-se, assim, que o

objetivo era a reparação integral do dano.

Na legislação vigente, tem-se o artigo 11 da Lei da Ação Popular (“A sentença

que, julgando procedente a ação popular, decretar a invalidade do ato impugnado,

condenará ao pagamento de perdas e danos os responsáveis pela sua prática e os

beneficiários dele, ressalvada a ação regressiva contra os funcionários causadores de

dano, quando incorrerem em culpa.”) que evidencia a presença do princípio da reparação

integral do dano ao permitir o pedido implícito de reparação de danos para a ação popular.

Segundo Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., a reparação integral do dano é da natureza

da ação popular e da ação de improbidade administrativa.838

836 GABBAY, Daniela Monteiro. Processo coletivo e elementos objetivos da demanda. Dissertação de

mestrado. São Paulo: USP, 2007. p. 151.

837 Consulta realizada no sítio eletrônico do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=a%E7%E3o+civil+p%F

Ablica+e+extra+petita&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO>. Acesso em: 05 de setembro de 2013.

838 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.125.

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226

O princípio da reparação integral do dano se manifesta também no fluid

recovery, previsto no artigo 100 do Código de Defesa do Consumidor839. Ada Pellegrini

Grinover ensina que: “A fluid recovery é instituto típico das ações coletivas que permite,

em determinadas circunstâncias, que se passe do ressarcimento pelos danos sofridos

(regulado pelo Código Civil) à reparação dos danos provocados, ou ao menos

coletivamente sofridos, na hipótese de o prejuízo individual ser muito pequeno ou as

vítimas dificilmente identificáveis.”. 840

Em comentário ao artigo 100 do Código Consumeirista, Kazuo Watanabe nos

lembra de que: “As ações coletivas que têm por objeto a reparação dos danos causados a

pessoas indeterminadas podem carrear consigo algumas dificuldades.” 841. Dentre as

várias dificuldades encontradas, há a barreira da identificação das pessoas que compõem o

grupo, a distribuição a ser feita entre elas da arrecadação do valor indenizado e o uso de

eventual resíduo financeiro do pagamento das indenizações. O sistema norte-americano

das class actions encontrou o sistema da fluid recovery para solucionar a maioria desses

empecilhos. O sistema pátrio não se parece com o norte-americano, pois, lá, o juiz desde

logo determina a indenização pelos danos causados, ao passo que, aqui, a indenização é

residual. É residual, pois, primeiramente, o bem jurídico objeto da tutela é genérico e

indivisível. Com a liquidação de sentença, os danos são apurados para cada uma das

vítimas. Assim, “A condenação faz-se, portanto, pelos danos causados, mas em termos

ilíquidos, e o pagamento a cada credor corresponderá exatamente aos danos sofridos.” 842.

Caso alguma vítima não liquide seu dano por qualquer motivo, ou caso o número de

indivíduos habilitados seja menor do que a gravidade do dano, aplica-se a previsão do

artigo 100 do CDC, ou seja, após o decurso do prazo ânuo sem a habilitação de vítimas do

839 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.125.

840 GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual coletivo. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR.,

Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do

anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.32.

841, Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do

Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2011. p.162.

842Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor:

comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

p.163.

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227

dano em nível compatível com a sua gravidade, os legitimados do artigo 82 do CDC843

poderão promover a liquidação e a execução da indenização devida que será revertido para

o Fundo criado pela Lei n. 7.347 de 1985.

Como a indenização que será revertida ao Fundo da Lei da Ação Civil Pública

é residual, não é correto o pedido explícito de recolhimento de indenização ao Fundo:

“Adequado, ao contrário, o pedido de indenização pessoal, por lesão aos interesses

individuais homogêneos, com indicação de sua reversão ao Fundo, somente na hipótese de

não haver habilitações dos interessados ou, em as havendo, a da reversão pelo eventual

resíduo não reclamado.”844. O valor que será revertido ao Fundo será determinado pelo

juiz com base no prejuízo globalmente causado e nas indenizações pessoais já apuradas

para compensação.845

3.18 Princípio da máxima efetividade da tutela coletiva

O devido processo constitucional estabelece as linhas do modelo processual

brasileiro que deve solucionar as lides de forma eficaz e em tempo razoável, sob pena de se

tornar inútil846. Dessa premissa, se extrai a efetividade como garantia fundamental do

processo, pois não haveria razão de existência para um sistema de solução de contendas

caso os resultados alcançados não fossem úteis. Segundo José Carlos Barbosa Moreira, o

processo será efetivo na medida em que se constitua em instrumento efetivo de realização

do direito material847. Além disso, o clamor por efetividade não atende somente aos

843 Não se está mais diante da legitimação extraordinária, mas a ordinária, pois os legitimados atuarão na

busca de seus objetivos institucionais. Cf. Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo.

Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo

coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.164.

844Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor:

comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

p.163.

845 Sobre o aumento dos poderes do juiz e a defining function: Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson;

WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do

anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.164-165.

846 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Garantia da amplitude de produção probatória. In: TUCCI, José

Rogério Cruz e (Coord.). Garantias constitucionais do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais,

1999. p. 159.

847 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Temas de direito processual: oitava série. São Paulo: Saraiva,

2004. p.15.

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interesses privados das partes, mas ao escopo de pacificação que o processo possui848.

Assim, como destaca José Roberto dos Santos Bedaque: “Efetividade do processo, devido

processo legal e direito a adequada tutela jurisdicional são fenômenos indissociáveis.”.849

A efetividade do processo pode ser tomada por diversos prismas e escaparia ao

escopo deste trabalho explicá-los todos. No entanto, convém destacar a relevância da

efetividade social do processo, esmiuçada por José Carlos Barbosa Moreira850 em seu texto

“Por um processo socialmente efetivo”, no qual o autor salienta que o processo não tem

como assumir para si a responsabilidade de sanar todas as desigualdades sociais enraizadas

em um país como o Brasil, mas não pode o processualista enxergar o instrumento

processual em posição de total impotência. Prefere José Carlos Barbosa Moreira posicionar

o processo mais como um caminho que deve estar desimpedido para encampar interesses

sociais relevantes através da via judicial. Exemplos destes interesses sociais relevantes são

justamente os interesses transindividuais,851 veiculados através de ações coletivas.

Entretanto, não existem dados precisos sobre como está a situação das ações civis públicas

pelos fóruns desse país, assim, dispõe-se somente de informações de um ou outro caso

esparso. De qualquer maneira, como afirma o autor recém mencionado, é indubitável que

as ações civis públicas estejam sofrendo limitações sérias.

A efetividade da tutela pretendida depende, de início, da possibilidade de agir

em juízo, ou seja, da legitimidade e termina com a efetividade da tutela obtida, passando,

nesse iter, de forma sumarizada, pelo contraditório e pela ampla defesa852. Quanto à

legitimação, o sistema adotado, no Brasil, é o da concorrente e disjuntiva entre diversas

entidades enumeradas previamente pelo legislador. Dentre as entidades previstas, estão as

associações civis, constituídas há pelo menos um ano, que tenham como finalidade

848 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Garantia da amplitude de produção probatória. In: TUCCI, José

Rogério Cruz e (Coord.). Garantias constitucionais do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais,

1999. p. 163.

849 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Garantia da amplitude de produção probatória. In: TUCCI, José

Rogério Cruz e (Coord.). Garantias constitucionais do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais,

1999. p. 165.

850 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Temas de direito processual: oitava série. São Paulo: Saraiva,

2004. p.15.

851 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Temas de direito processual: oitava série. São Paulo: Saraiva,

2004. p.17. Destaca o autor que a efetividade desses interesses não pode ficar a cargo somente do processo

judicial, pois cada indivíduo tem deveres em face da comunidade na manutenção de bens e valores que são

de todos.

852 A ampla defesa envolve o direito à prova. Sobre o tema: cf. item sobre ativismo judicial.

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229

institucional a proteção dos interesses em causa. José Carlos Barbosa Moreira853 destaca

que o legislador provavelmente teve a intenção de fornecer legitimação a esses corpos

sociais intermediários que poderiam fornecer voz a interesses camuflados e desprotegidos.

No entanto, o que parece ocorrer é que essas entidades preferem dar a notícia de alguma

violação a interesse coletivo para o Ministério Público para que esta instituição promova a

ação judicial, sendo que o Ministério Público é o órgão legitimado mais atuante na seara

coletiva. Medida legislativa que minou o interesse de iniciativa das associações foi a

Medida Provisória n. 1.984-24 que introduziu o artigo 2º-A à Lei n. 9.494/1997, com a

seguinte redação: “A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por

entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá

apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito

da competência territorial do órgão prolator. Parágrafo único. Nas ações coletivas

propostas contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas autarquias

e fundações, a petição inicial deverá obrigatoriamente estar instruída com a ata da

assembleia da entidade associativa que a autorizou, acompanhada da relação nominal dos

seus associados e indicação dos respectivos endereços.” (grifo nosso). Tentativa clara de

minar a efetividade da tutela jurisdicional coletiva, especialmente quando o Poder Público

estiver no polo passivo, afinal, a prescrição legal atenta contra o conceito de substituição

processual, vinculando sua efetividade a um critério irrelevante, como é o domicílio.854

A máxima efetividade855 é garantida através de algumas maneiras, dentre elas,

pode-se citar o máximo benefício da tutela jurisdicional coletiva comum a ser atingida

através da forma como a coisa julgada coletiva se delineia, com previsão legal no artigo

103 do Código de Defesa do Consumidor856, ou seja, garantindo a repropositura da ação

853 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Temas de direito processual: oitava série. São Paulo: Saraiva,

2004. p.17.

854 Nesse sentido: BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Temas de direito processual: oitava série. São

Paulo: Saraiva, 2004. p.18-19.

855 Cf. Princípio do máximo benefício da tutela jurisdicional coletiva comum: ALMEIDA, Gregório Assagra

de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito processual: princípios, regras

interpretativas e a problemática da sua interpretação e aplicação. São Paulo: Saraiva, 2003. p.575.

856 Art. 103, CDC: “Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:

I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em

que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova,

na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;

II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por

insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do

parágrafo único do art. 81;

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coletiva quando a improcedência tenha se dado por insuficiência de provas e haja prova

nova e possibilitando o acesso à justiça individual em determinados casos. Como ressalta

Gregório Assagra de Almeida: “[...] busca-se o aproveitamento máximo da prestação

jurisdicional coletiva, para evitar novas demandas, mesmo e especialmente as individuais

que tenham como fundamento idêntica causa de pedir.”.857

Além do especial modelo de coisa julgada coletiva, o processo coletivo possui

mecanismos de possibilitar que o magistrado tenha uma postura mais ativa diante da

elevada importância e repercussão dos direitos materiais envolvidos, assim, pode ele

determinar a produção de todas as provas pertinentes, como já explicitado anteriormente,

quando tratou-se do ativismo judicial na seara coletiva, pode conceder a antecipação de

tutela, utilizar as medidas previstas no artigo 84, parágrafo 5º, do Código de Defesa do

Consumidor858, etc. Nesse sentido, José Carlos Barbosa Moreira destaca a importância da

forma como o órgão judicial conduz o processo, aproveitando todas as oportunidades

legais para atenuar a disparidade de armas entre os litigantes, para a obtenção da

efetividade almejada.859

Nota-se certa carga civilista na legislação consumeirista, principalmente em

seu artigo 83, quando admite que: “Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por

este código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada

III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus

sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.

§ 1° Os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II não prejudicarão interesses e direitos

individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe.

§ 2° Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pedido, os interessados que não

tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual.

§ 3° Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei n° 7.347, de 24

de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas

individualmente ou na forma prevista neste código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e

seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99.

§ 4º Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal condenatória.”

857 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito

processual: princípios, regras interpretativas e a problemática da sua interpretação e aplicação. São Paulo:

Saraiva, 2003. p.576.

858 Art. 84, par.5º, CDC: “Para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente,

poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e

pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial.”.

Cf. ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito

processual: princípios, regras interpretativas e a problemática da sua interpretação e aplicação. São Paulo:

Saraiva, 2003. p.577.

859 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Temas de direito processual: oitava série. São Paulo: Saraiva,

2004. p.25-26.

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231

e efetiva tutela.”. Deve-se entender “tutela”, quando o Código trata de qualquer tipo de

ação, pois desde há muito o processo abandonou a sua fase civilista, ou seja, quando direito

material e processual eram apenas uma coisa860. Como forma de garantir a efetivação da

tutela coletiva, a tutela jurisdicional coletiva a ser proferida ao fim deve ter a maior

amplitude possível, ou seja, todos os instrumentos processuais necessários podem ser

utilizados.

Além da previsão legal no artigo 84, parágrafo 1º, Código de Defesa do

Consumidor861, sobre a primazia da tutela específica sobre a indenização nas obrigações de

fazer ou não-fazer, a exigência decorre também das peculiaridades dos direitos materiais

envolvidos. A tutela ressarcitória em danos de conteúdo não-patrimonial não encontra

efetividade na prática, como na poluição de uma região ou do ar. Existem mecanismos para

estimular o cumprimento da obrigação específica, que deve ser a preferência, como deixa

claro o enunciado da Súmula 23 do Conselho Superior do Ministério Público do Estado de

São Paulo: “A multa fixada em compromisso de ajustamento não deve ter caráter

compensatório, e sim cominatório, pois nas obrigações de fazer ou não fazer normalmente

mais interessa o cumprimento da obrigação pelo próprio devedor que o correspondente

econômico.”.

No entanto, há situações em que o devedor, mesmo tendo sido condenado a

reparar o dano causado, não o faz por circunstancias alheias a sua vontade ou por sua

própria decisão em se abster. Diante disso, solução outra não resta do que a condenação em

pecúnia. Como afirma Fausto José Martins Seabra862, cabe ao magistrado tomar decisões

que tornem o fazer ou não fazer realidade. Para isso, o juiz precisa de maior flexibilidade,

“[...] o que remete a breves reflexões sobre o poder discricionário do juiz nesse campo,

qual seja, o do inadimplemento das obrigações de fazer ou não fazer impostas por decisão

judicial.”.863

860 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Garantia da amplitude de produção probatória. In: TUCCI, José

Rogério da Cruz. (Coord.). Garantias constitucionais do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais,

1999. p. 156. “A tipicidade das ações se resolve, na verdade, em tipicidade de tutelas. Estas sim,

representam o elemento variável da demanda. Ação é única, voltada para a obtenção de mecanismos aptos a

assegurar o direito afirmado. Não comporta adjetivações, próprias da tutela pleiteada.”.

861 “A conversão da obrigação em perdas e danos somente será admissível se por elas optar o autor ou se

impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.”

862 SEABRA, Fausto José Martins. A atuação do juiz na efetivação da tutela coletiva. Mestrado em Direito

sob a orientação do Prof. Kazuo Watanabe. São Paulo: USP, 2008.p.39.

863 SEABRA, Fausto José Martins. A atuação do juiz na efetivação da tutela coletiva. Mestrado em Direito

sob a orientação do Prof. Kazuo Watanabe. São Paulo: USP, 2008.p.39.

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232

Mesmo que a obrigação de fazer ou não fazer seja convertida em pecúnia, o

sistema processual coletivo se preocupa com a efetividade na proteção dos interesses

transindividuais e, assim, organizou o Fundo do artigo 13 da Lei da Ação Civil Pública –

Lei n.7.347/85 -, na tentativa de solucionar a dificuldade do direcionamento do produto de

eventual condenação864. O fundo é denominado “Fundo de Defesa dos Direitos Difusos”

por definição legal (Lei n.9.008/95) e suas finalidades estão estabelecidas nesta lei, em seu

artigo 1º. Se o montante for referente a interesse transindividual divisível, ele será repartido

entre os lesados. No entanto, se indivisível, o dinheiro será destinado ao Fundo e deve ser

utilizado na reparação direta do bem lesado, ou, em caso de impossibilidade, em finalidade

semelhante com a origem da lesão.

Além disso, o microssistema processual coletivo garante a máxima efetividade

na execução da coisa julgada coletiva, com isso, prevê no artigo 15 da Lei da Ação Civil

Pública a obrigatoriedade de o órgão do Ministério Público promover a execução coletiva

em caso de desídia dos outros legitimados e, também, a Lei da Ação Popular, em seu artigo

16, determina a mesma obrigatoriedade para o parquet caso o cidadão seja renitente em

promover a execução coletiva865, mas esses aspectos são analisados de forma mais detida

em princípio específico.

3.19 Princípio da motivação das decisões judiciais

O já referido Projeto de Lei n. 5.139 de 2009 também previa como um dos

princípios regentes da tutela coletiva a “motivação específica de todas as decisões

judiciais, notadamente quanto aos conceitos indeterminados.”. 866

José Renato Nalini867, em obra sobre o juiz e o acesso à justiça, ressalta a

importância do dever de fundamentar, que está previsto inclusive no texto constitucional,

864 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 25.ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

p.565.

865 Art. 15, LACP: “Art. 15. Decorridos sessenta dias do trânsito em julgado da sentença condenatória, sem

que a associação autora lhe promova a execução, deverá fazê-lo o Ministério Público, facultada igual

iniciativa aos demais legitimados.”. Art. 16, LAP: “Caso decorridos 60 (sessenta) dias da publicação da

sentença condenatória de segunda instância, sem que o autor ou terceiro promova a respectiva execução,

o representante do Ministério Público a promoverá nos 30 (trinta) dias seguintes, sob pena de falta

grave.”.

866Artigo 3º, V, PL n. 5.139 de 2009.

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artigo 93, inciso IX: “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos,

e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a

presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a

estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo

não prejudique o interesse público à informação;”. Embora haja a previsão na Carta

Magna, o princípio da motivação das decisões é um verdadeiro corolário do Estado de

Direito.868

Muito foi dito acerca da fundamentação das decisões no capítulo sobre as

espécies normativas, pois é exigência inarredável para o controle do uso da ponderação

pelo juiz em casos de ativismo judicial, por exemplo. A motivação funciona como um

obstáculo ao arbítrio, pois permite aos jurisdicionados avaliar os critérios usados pelo

julgador diante de cada caso e principalmente diante de conceitos indeterminados, como

previa o PL 5.139 de 2009.

O efeito do descumprimento do princípio da motivação das decisões judiciais é

a nulidade da própria decisão, segundo determina o próprio texto constitucional:

“Interessante observar que normalmente a Constituição Federal não

contém norma sancionadora, sendo simplesmente descritiva e

principiológica, afirmando direitos e impondo deveres. Mas a falta de

motivação é vício de tamanha gravidade que o legislador constituinte,

abandonando a técnica de elaboração da Constituição, cominou no

próprio texto constitucional a pena de nulidade.” 869

Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery 870 destacam que a decisão

judicial pode ser fundamentada de forma concisa, como determina o artigo 165 do Código

de Processo Civil, mas não desmotivada, “[...] eis que o fundamento da sentença é a

867 NALINI, José Renato. O juiz e o acesso à justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p.68-70.

868NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. 10.ed. rev. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2010. p.289. “Nada obstante, há constituições que, como a nossa, exigem expressamente

sejam motivadas as decisões judiciais, como é o caso da Itália (Const. ital.111), da Grécia (Const. grega de

1968, art. 117), dentre outras.”.

869NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. 10.ed. rev. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2010. p.297.

870 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação

extravagante. 11.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p.693. Casuística: STJ, 1ª T, REsp 15288-SP,

rel. Min. Demócrito Reinaldo, v.u., j.10.2.1993, DJU 15.3.1993, p.3784. “Carece de fundamentação

adequada o aresto que, ao invés de discutir e dirimir as questões fáticas e jurídicas ajustadas pelas partes, no

processo, limita-se a fazer remissão a um parecer jurídico, o qual não se detém na apreciação e desate dos

argumentos de uma das partes (a recorrente).”.

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garantia do juiz contra duas pechas que se lhe possam atribuir: o arbítrio e a

parcialidade.”.

Além disso, não basta qualquer motivação. Ela deve ser coerente e lógica,

como afirmou o Ministro Humberto Gomes de Barros: “Embora não se resuma a puro e

abstrato silogismo, a decisão judicial resulta de um exercício lógico, em que premissas e

conclusões mantenham vínculos de pertinência e consequência. O dispositivo judicial é um

teorema que deve ser demonstrado.”.871

Segundo José Renato Nalini, a necessidade de motivação faz com que o juiz se

aproxime dos fatos e fundamentos da demanda, facilitando o alcance do ideal de justiça.

Além disso, afirma o autor:

“Estará indicando o sentido para as futuras invocações dos preceitos que

inspiraram o litígio e, com isso, também facilitando o ingresso à proteção

judiciária eficaz, mais ágil quando percorre trilhas já palmilhadas. E não

deixará de fornecer diretriz certa para a observância espontânea do

ordenamento, objetivo utópico mas que não deve ser desconsiderado.” 872

Para Rui Portanova, deve-se responder à pergunta: “O que é fundamentar?”;

com a adequada visão tridimensional do Direito, ou seja, dele como fato, valor e norma,

pois a fundamentação somente na lei não cumpre com os objetivos claros do princípio em

análise, que foram destacados acima: de funcionar como obstáculos a abusos e a

arbitrariedades, de aproximar o juiz da justiça tida por ideal e de trilhar o caminho de

condutas futuras dos jurisdicionados873. Rui Portanova ainda destaca o dever de o juiz

obedecer ao reclamo do artigo 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,

que pede a consideração do bem comum e dos fins sociais pelo magistrado e que devem vir

expressos na fundamentação874. O Código de Processo Civil, em seu artigo 458, quando

trata dos requisitos da sentença, traz em seu inciso II os fundamentos; assim como o artigo

165 determina a necessidade de fundamentação inclusive das decisões interlocutórias,

ainda que de forma concisa. Nelson Nery Jr. sumariza o assunto da seguinte maneira:

871 STJ, 1ª T, REsp 132.349-SP, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 15.9.1998, v.u., DJU 3.11.1998.

872 NALINI, José Renato. O juiz e o acesso à justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p.70.

873 PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995. p.250.

874 PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995. p.251.

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235

“A motivação da sentença pode ser analisada por vários aspectos, que vão

desde a necessidade de comunicação judicial, exercício de lógica e

atividade intelectual do juiz, até sua submissão, como ato processual, ao

estado de direito e às garantias constitucionais estampadas na CF 5º,

trazendo consequentemente a exigência da imparcialidade do juiz, a

publicidade das decisões judiciais, a legalidade da mesma decisão,

passando pelo princípio constitucional da independência jurídica do

magistrado, que pode decidir de acordo com sua livre convicção, desde

que motive as razões de seu convencimento (princípio do livre

convencimento motivado).” 875

Em decisões concessivas ou denegatórias de liminar, a fundamentação se faz

de extrema necessidade e importância, mas costuma acontecer de ser ignorada com a

simples menção à expressão: “Ausentes os pressupostos legais, revogo a liminar.”, o que

equivale à falta de fundamentação. Segundo Nelson Nery Jr., essas decisões se avolumam

no Judiciário brasileiro sem a preocupação de afronta ao texto constitucional e

principalmente no âmbito das ações civis públicas.876

A fundamentação serve para fornecer maior segurança aos jurisdicionados

diante de cada provimento jurisdicional, no entanto, a segurança completa nunca foi

prometida, já que nem mesmo as ciências naturais convivem com certezas. Sendo assim, a

certeza não é um objetivo do Direito, como afirma Ovídio A. Baptista Silva, sendo que o

processo “[...] será sempre um produto cultural que, como tal, submete-se às

contingências históricas, devendo conviver com a natural insegurança, peculiar à vida

humana, administrando-a, como sua condição essencial.”877. A questão reside em

estabelecer um equilíbrio entre o exercício da discricionariedade e o arbítrio mediante

critérios minimamente confiáveis: “Este é o ponto em que o Direito, afastando-se de suas

pretenciosas aspirações científicas, socorre-se da arte e do sentimento de justiça.” 878. A

essa situação de busca de um equilíbrio, soma-se a desconfortável constatação de textos

legais ambíguos, com o uso de conceitos indeterminados e eventuais lacunas, que parecem

875NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. 10.ed. rev. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2010. p.290-291.

876NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. 10.ed. rev. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2010. p.298.

877SILVA, Ovídio A. Baptista. Fundamentação das sentenças como garantia constitucional. p.453-482. In:

JOBIM, Eduardo; MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). O processo na Constituição. São Paulo:

Quartier Latin, 2008. p.455.

878SILVA, Ovídio A. Baptista. Fundamentação das sentenças como garantia constitucional. p.453-482. In:

JOBIM, Eduardo; MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). O processo na Constituição. São Paulo:

Quartier Latin, 2008. p.456.

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236

multiplicarem-se com o aumento da produção legislativa para preenchê-las, assim, diante

desse contexto, está aberto o campo da discricionariedade para o órgão jurisdicional879.

Forma que tem se mostrado eficiente nesse controle da segurança jurídica das decisões é o

exercício efetivo do contraditório e a fundamentação das decisões judiciais, que não seja

apenas em linguagem técnica, mas compreensível, na maior medida possível, para os

leigos.880

3.20 Princípio da obrigatoriedade da execução coletiva pelo Ministério Público

Embora falar em “indisponibilidade” no âmbito do processo de conhecimento

gere ressalvas, isso não ocorre na demanda coletiva executiva, pois o direito coletivo já foi

reconhecido e será dever do Estado promover a sua correta execução com vistas à

efetividade necessária. Assim, de acordo com o artigo 15 da Lei da Ação Civil Pública e o

artigo 16 da Lei da Ação Popular, cabe ao Ministério Público promover a execução da

sentença coletiva, sob pena das sanções previstas na legislação. Segundo Nelson Nery Jr. e

Rosa Maria de Andrade Nery881, incide aqui o princípio da obrigatoriedade em sentido

amplo, não sobrando espaço para a análise da conveniência ou da oportunidade.

Sobre o tema, Gregório Assagra de Almeida o separa em um princípio

autônomo, o princípio da obrigatoriedade da execução coletiva pelo Ministério Público882 e

foi o que optou-se por fazer, neste trabalho, para facilitar a esquematização principiológica

do tema.

879SILVA, Ovídio A. Baptista. Fundamentação das sentenças como garantia constitucional. p.453-482. In:

JOBIM, Eduardo; MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). O processo na Constituição. São Paulo:

Quartier Latin, 2008. p.459.

880SILVA, Ovídio A. Baptista. Fundamentação das sentenças como garantia constitucional. p.453-482. In:

JOBIM, Eduardo; MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). O processo na Constituição. São Paulo:

Quartier Latin, 2008. p.473.

881 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação

extravagante. 11.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p.1472.

882 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito

processual. São Paulo: Saraiva, 2003. p.578-579.

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237

Como afirmam Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery883, embora o

artigo 15 da Lei da Ação Civil Pública fale em “execução”, o previsto no dispositivo

também se aplica caso a omissão seja com relação à liquidação.

O prazo de sessenta dias se justifica para que o autor coletivo tenha tempo

suficiente para promover a liquidação e a execução coletivas. No entanto, caso esse prazo

transcorra sem nenhuma atividade, essa omissão pode gerar grave prejuízo ao interesse

social contido na sentença condenatória transitada em julgado, justificando a atuação

obrigatória do órgão ministerial. Embora a atuação seja compulsória para o parquet, não o

é para os demais legitimados, que podem atuar sozinhos ou em litisconsórcio facultativo no

ajuizamento de execução dessa sentença condenatória.884

883 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação

extravagante. 11.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p.1472. “Caso a inércia do autor, vencedor

da ACP de conhecimento, se dê quanto à propositura da ação de liquidação, deve o MP ajuíza-la, podendo

fazê-lo os demais colegitimados pela LACP 5º.”.

884 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação

extravagante. 11.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p.1472.

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238

CAPÍTULO 4 - CONCLUSÕES

1. Acerca da valorização dos princípios tanto na doutrina constitucional, quanto na

processual, muitos autores afirmam a ocorrência de certa “euforia principiológica”,

mas que isso não significa a esperada eficácia dessa espécie normativa dentro do

sistema jurídico, dado que falta padronização no trato com os princípios dentro do

ordenamento. Diante dessa falta de padronização, procurou-se estabelecer quais as

principais conceituações sobre as espécies normativas.

2. Os princípios, inicialmente, estratificados em uma dimensão axiológica e sem

eficácia jurídica concreta, passaram a ser enxergados no centro do sistema jurídico,

como norma jurídica. Há juristas que estabelecem uma distinção fraca entre

princípios e regras e os que estabelecem uma distinção forte. A diferenciação entre

as espécies normativas é útil na medida em que antecipa as características de cada

uma delas, facilitando o trabalho do intérprete e do aplicador do direito por aliviar o

ônus argumentativo de cada caso concreto.

3. Dentre os autores que fixam a distinção fraca entre as espécies normativas, há

pequenas diferenças conceituais entre uma e outra, no entanto, mantém-se o

seguinte traço comum: os princípios não são aplicáveis de forma imediata por lhes

faltar o caráter de proposição jurídica. Os princípios, segundo essas concepções

mais clássicas, funcionam como pilares de determinada área do conhecimento, a

fundamentar as demais normas jurídicas, mas sem possuírem aplicabilidade

imediata por si. Assim, os princípios ficariam marcados por sua forte carga

axiológica, mas sem possibilidade de concreção imediata. Está é a teoria tradicional

do Direito Público.

4. Os críticos dessa teoria clássica do Direito Público sobre a caracterização dos

princípios apontam duas inconsistências relevantes. A primeira está em definir

princípio com base na indeterminação da linguagem. Para os críticos, a forma vaga

de propositura através da linguagem pode estar presente em diversas espécies

normativas. Se mostraria equivocado usar a linguagem, que pode ser modelada e

manipulada, para definir princípio. A segunda inconsistência se localiza no

conteúdo valorativo, pois toda norma possui alguma carga valorativa. Por exemplo,

as regras técnicas, além de concretizarem cada valor específico à sua previsão legal,

também concretizam o valor segurança jurídica. Essa teoria de diferenciação fraca

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entre princípios e regras pode levar a perigosa supervalorização dos princípios e à

crença em serem as regras normas de segunda categoria.

5. Em oposição à distinção fraca, há a distinção forte entre as espécies normativas,

defendida por Ronald Dworkin e Robert Alexy. Apesar de serem encontradas

diferenças substanciais entre as teorias dos dois juristas, eles são agrupados como

os que defendem o maior distanciamento conceitual entre as espécies normativas.

Para essa corrente, a distinção entre as espécies normativas está, inicialmente, na

forma de aplicação. As regras devem ser aplicadas no modo “tudo ou nada”, ou

seja, se a hipótese de incidência prevista legalmente for preenchida, a consequência

estabelecida na regra deve ocorrer a priori. Qualquer exceção a esse modelo deve

estar prevista na própria regra. Já os princípios se comportam de forma diferente,

além de possuírem a dimensão de peso, que permite a convivência de princípios

colidentes, com a aplicação de cada um em diferentes medidas. Para Ronald

Dworkin, quando ocorresse a colisão entre as regras, uma delas deveria ser

considerada inválida. Os princípios ficariam reservados para a solução de casos

difíceis, ou seja, aqueles que não encontram resposta pronta nas regras existentes.

6. Robert Alexy, jurista alemão, partiu das distinções elaboradas por Ronald Dworkin

e as especificou, seguindo a linha da distinção forte entre as espécies normativas.

Alexy estabeleceu o gênero “norma jurídica”, englobando duas espécies: regras e

princípios. Assim, para o autor, princípios são uma espécie do gênero norma

jurídica que estabelecem deveres de otimização variáveis de acordo com as

possibilidades normativas e fáticas. Em caso de conflito entre princípios, deve ser

feita a ponderação entre eles, diante do caso concreto, para a análise de qual deve

prevalecer, sem, entretanto, ocorrer a invalidação do outro princípio. As regras são

comandos definitivos aplicados através da subsunção. A diferença entre a

conceituação do jurista alemão e de Dworkin está no modo de aplicação, que, para

Alexy, não se dá no modo “tudo ou nada”, pois as regras comportam exceções.

Fator relevante a destacar é o fato de Robert Alexy considerar a proporcionalidade

um princípio, composto por outros três sub-princípios: adequação, necessidade e

proporcionalidade em sentido estrito, sendo que os três expressam a ideia de

otimização necessária para solucionar conflitos entre princípios em cada caso

concreto. Robert Alexy afirma o caráter prima facie dos princípios, ou seja, eles

não possuem um mandamento definitivo. As concepções de Robert Alexy e de

Ronald Dworkin formam a teoria moderna do Direito Público, cada vez mais

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240

difundida pelos estudos de Filosofia, Teoria Geral do Direito e Direito

Constitucional.

7. À luz das distinções fracas e fortes, Humberto Ávila elaborou uma terceira

classificação das espécies normativas que mereceu menção. Para o autor, a falha da

teoria moderna do Direito Público está em caracterizar os princípios pela sua forma

de aplicação, ou seja, a ponderação, pois toda norma sofre ponderação quando da

sua aplicação, e a caracterização do conflito entre regras com a consequente

invalidação de uma regra, que nem sempre ocorre. Para Humberto Ávila, o risco do

uso arbitrário dos princípios precisa ser superado. Dessa forma, Ávila separou

normas de primeiro e de segundo grau, propondo um modelo tripartite: regras e

princípios, formando as normas de primeiro grau; e postulados, formando as

normas de segundo grau, que servem como condições de aplicação para as normas

de primeiro grau.

8. Dessa maneira, optou-se, no trabalho, pela adoção da teoria tripartite do Professor

Humberto Ávila prioritariamente, que conceitua as regras como normas

imediatamente descritivas, com grande pretensão de decidibilidade, demandando a

análise da correspondência entre a construção conceitual e o suporte fático. Os

princípios, por sua vez, são normas finalísticas, prospectivas, que demandam a

análise de correspondência entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos da

conduta tida como necessária para a sua promoção. Para que a exaltação dos

princípios não fique sem parâmetros, foram apontados mecanismos de mensuração.

Além disso, dentro dessa teoria, são propostos mecanismos de resolução de

conflitos entre normas, como a prevalência de uma regra, quando em conflito com

um princípio, por exemplo, desde que esse princípio não tenha caráter

constitucional.

9. Os postulados normativos são normas dirigidas ao aplicador e ao intérprete do

Direito e, por estarem em um nível diferente do das normas de primeiro grau, não

ocorrem conflitos entre eles. Dentre os postulados normativos aplicativos, estão a

proporcionalidade, a razoabilidade, a igualdade e a proibição de excesso, por

estabelecerem uma estrutura de aplicação de outras normas. Segundo Humberto

Ávila, os doutrinadores que adotam a distinção forte entre as espécies normativas

costumam listar a proporcionalidade como um princípio, mas isso estaria incorreto,

pois uma medida será proporcional ou não, segundo o critério de aplicação, não

funcionando na maior medida possível ou como fundamento. Para os que adotam a

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distinção fraca, a proporcionalidade não se enquadraria em nenhuma categoria.

Luís Roberto Barroso defende que o conflito entre princípios deve ser resolvido

através do sopesamento entre eles, o que é facilitado com o uso da

proporcionalidade, classificado como “princípio” por ele.

10. Como se constata pela exposição feita, falta homogeneidade na doutrina, ao tratar

sobre o tema da classificação das espécies normativas, seu conceito, suas fontes e a

forma de resolução de conflito entre normas, o que justificou a explanação, de

forma breve, da obra de destacados autores na área.

11. A existência da ponderação entre espécies normativas, a serem solucionadas com o

uso da proporcionalidade ou da razoabilidade, não é um convite a arbitrariedades

por parte do magistrado. O exame da legitimidade de cada decisão deve ser sempre

feito através da análise da argumentação desenvolvida, que deve ter priorizado

elementos da ordem jurídica, pois uma retórica de qualidade com elementos de

justiça não se mostra suficiente; deve haver a possibilidade de universalização dos

critérios usados na decisão; e os princípios instrumentais (Luís Roberto Barroso) ou

postulados normativos aplicativos (Humberto Ávila) estão incluídos na facilitação

dessa atividade.

12. Os princípios do processo civil têm previsão em diversas fontes: a Constituição

Federal, o Código de Processo Civil, diversas leis infraconstitucionais e tratados

internacionais. Apesar de existirem juristas que afirmem a independência do ramo

“direito processual coletivo” (Gregório Assagra de Almeida, Ada Pellegrini

Grinover), prefere-se, neste trabalho, manter o processo coletivo integrado ao

processo civil tradicional, mas com a assunção de especificidades que demandam a

revisitação de seus princípios e alguns de seus institutos. Para isso, se faz

necessário que o intérprete e o aplicador do direito se libertem de antigos dogmas

individualistas que caracterizaram a formação do processo civil clássico. Esse

processo de revisitação de conceitos, princípios e institutos processuais, no âmbito

coletivo, não tem sido feito de forma sistemática, mas paulatinamente através de

estudos doutrinários, jurisprudência e rejeitados projetos de lei. Dessa forma,

procurou-se estruturar os princípios processuais que assumem peculiaridades

diversas no âmbito coletivo em um único trabalho, reunindo as diferentes

concepções das espécies normativas, institutos processuais e princípios do processo

civil coletivo.

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13. Na primeira divisão do presente trabalho, “jurisdição e juiz”, iniciou-se por

destacar tendência que se percebe cada vez mais presente no processo civil em

geral. Devido à sua repercussão também na seara coletiva, se mostrou relevante

realizar essa análise acerca da política e das relações sociais, com grande foco no

ativismo judicial, que remete à expressão consagrada nos Estados Unidos da

América, entre 1954 e 1969, quando a Suprema Corte adotou jurisprudência

progressista em relação aos direitos fundamentais sem qualquer ato do Congresso

ou decreto presidencial. Excluindo a crítica ideológica, que pode ser progressista ou

conservadora, o ativismo judicial está diretamente relacionado à maior participação

do Poder Judiciário na concretização dos valores constitucionais, interferindo na

esfera de atuação dos outros dois poderes, na clássica repartição de poderes, como

previsto no artigo 2º da Constituição Federal, ou, simplesmente, assumindo espaços

vazios. Esta é a origem do termo que retrata bem o seu contorno, no entanto, não há

homogeneidade na doutrina quando se trata de conceituar o ativismo judicial. Luís

Roberto Barroso o diferencia da judicialização. Para o autor, o ativismo judicial se

trata de uma atitude, ou seja, um modo proativo de interpretar a Constituição

Federal, de forma a expandir o seu sentido e o seu alcance. Já a judicialização é

uma circunstância do desenho institucional brasileiro. No entanto, há autores

(Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr.) que enquadram o ativismo judicial como um

princípio do processo civil coletivo, caracterizado, principalmente, pela maior

participação do magistrado nos processos coletivos, em razão da existência de forte

interesse público primário nessas causas. Preferimos classificá-lo como uma

tendência, no mesmo sentido que a Professora paulista Ada Pellegrini Grinover,

que tem grande relação com o processo civil coletivo e inúmeros efeitos exerce

sobre ele, de forma a demandar uma maior análise de seus limites e possibilidades.

14. Destaca-se que o juiz deve incentivar a participação efetiva das partes ou dos

representantes adequados através do princípio da cooperação, que será fator de

legitimação de cada decisão através da observância do princípio do devido processo

legal e do contraditório. Quanto aos poderes do magistrado no processo coletivo, se

o próprio Código de Processo Civil, elaborado sob o manto da concepção

individualista, em seu artigo 130, consagra os poderes instrutórios do magistrado,

com maior razão deve o juiz determinar a realização de provas necessárias,

indeferir diligências inúteis ou meramente protelatórias no processo coletivo.

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15. Apesar da constatação do aumento dos poderes do juiz no processo civil, essa

maior liberdade não significa a abertura de espaço para arbitrariedades. Assim,

necessário se faz a imposição de limites. Importante fator limitativo da atuação

judicial é o princípio da necessária motivação das decisões, consagrado no artigo

93, inciso IX, da Constituição Federal. Através dele é possível observar se a

decisão está em conformidade com o ordenamento jurídico e com os elementos

fáticos casuísticos. Além disso, não se exclui a responsabilidade civil dos juízes,

em sua atuação como agente público (José Carlos Baptista Puoli). Claro é que há

significativo aumento do dever de cuidado e da responsabilidade de cada

magistrado, mas contar somente com esses fatores leva à insegurança jurídica pela

falta de previsibilidade no exercício do poder político conferido ao Poder

Judiciário.

16. Quanto ao novo papel do Poder Judiciário e o acesso à justiça, o controle

jurisdicional tem se estendido para o campo das políticas públicas, assegurando

também liberdades positivas. Segundo Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. uma

das manifestações do “princípio do ativismo judicial” se daria no campo das

políticas públicas. O Poder Judiciário não tem reconhecida a sua legitimidade em

criar diretrizes para políticas públicas, mas, uma vez que exista um direito

assegurado na Constituição ou na lei infraconstitucional, o magistrado é chamado a

intervir de forma a concretizar um direito previsto. Exemplos nesse sentido se

multiplicam na jurisprudência dos Tribunais Superiores, como no fornecimento de

creches, na reforma de prédios públicos, como presídios e hospitais, etc. Há

diversos argumentos contra essa intervenção do Poder Judiciário no âmbito das

políticas públicas, tais como a violação à separação dos poderes; o dogma da

discricionariedade administrativa e a reserva do possível. No entanto, esses

argumentos têm sido descartados na prática diante da premente necessidade da

resolução de conflitos envolvendo direitos fundamentais, que têm sido levados à

porta do Poder Judiciário, mostrando a urgência na revisitação de conceitos liberais

que circundam a jurisdição estatal. Um dos fundamentos para a atuação do Poder

Judiciário na seara de direitos fundamentais e sua efetivação através de políticas

públicas é a nova posição jurídica dos princípios, que deixaram de ser somente

fundamentos axiológicos para ser normas jurídicas dotadas de eficácia. Os limites

para a intervenção do Poder Judiciário em matéria de políticas públicas são

encontrados na decisão monocrática do Ministro Celso de Mello na ADPF n. 45/9,

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que envolvem basicamente três linhas: o mínimo existencial a ser garantido a todo

cidadão, a razoabilidade da pretensão deduzida frente ao Poder Público e a

existência de disponibilidade financeira nos cofres públicos para a efetivação das

prestações exigidas. Nessa seara em análise, o contraditório cooperativo entre as

partes e o magistrado é extremamente relevante para a efetiva troca de informações,

assim como a participação de especialistas da sociedade na formação da decisão, de

lege ferenda, como, por exemplo, a ampliação do uso da figura do amicus curiae

no processo coletivo e das audiências públicas, como previa o rejeitado Projeto de

Lei n. 5.139 de 2009. Embora o tema tenha recebido grande atenção por parte da

doutrina e da jurisprudência, não significa a sua supervalorização. A intervenção

judicial continua a ser a ultima ratio diante da inércia dos demais poderes e

somente se justifica em casos que envolvam o mínimo existencial.

17. Quanto ao princípio da imparcialidade, coube destacá-lo para demonstrar o seu não

comprometimento, mesmo diante de uma postura mais ativa do magistrado. O

princípio da imparcialidade é a norma responsável pelo julgamento da lide sem que

o juiz tenha nenhum interesse nas partes do litígio. Em seguida, outro princípio

relacionado aos temas jurisdição e juiz, é o princípio da competência adequada,

considerando sempre a facilitação da produção da prova e da defesa do réu, a

publicidade da ação coletiva e a facilidade de notificação e conhecimento dos

membros do grupo. Assim, propõe-se, de lege ferenda, que o juiz, mesmo diante de

competência funcional, possa controlar a própria competência. Por último, dentro

dessa área temática, tem-se o princípio do microssistema processual coletivo, que

determina a aplicação recíproca entre o Código de Defesa do Consumidor e a Lei

da Ação Civil Pública, em conjunto com outras leis infraconstitucionais que cuidam

de interesses transindividuais, tais como o Estatuto do Idoso, o Estatuto da Criança

e do Adolescente, a Lei da Ação Popular, etc. O Código de Processo Civil somente

será aplicável quando não for encontrada norma específica dentro do microssistema

processual coletivo e naquilo que não contrarie o espírito do microssistema. Ou

seja, ele não é apenas subsidiário: as peculiaridades do processo coletivo também

devem ser observadas. Diz-se que o microssistema processual coletivo legitima o

devido processo coletivo.

18. Em seguida, na análise do princípio do acesso à justiça, que assume outra feição na

seara coletiva, ressalta-se que esse princípio não garante somente o ingresso aos

Tribunais, mas a garantia de que o acesso será resguardado por um processo que

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observe as garantias do devido processo legal. Existiram e ainda existem diversas

tentativas para limitar o objeto da ação coletiva, como, por exemplo, a tentativa de

impedir o Ministério Público de tutelar os interesses individuais homogêneos, que

culminou com a edição da Súmula 7 do Conselho Superior do Ministério Público

do Estado de São Paulo, que regulamenta a matéria. Outro exemplo de tentativa de

limitação é o parágrafo único do artigo 1º da Lei da Ação Civil Pública e o próprio

artigo 16 da mesma Lei. Os mecanismos processuais coletivos proporcionam um

amplo acesso à justiça, antes pouco imaginado, e, acaba afetando outros interesses

por vezes. Cabe ao intérprete e ao aplicador do Direito interpretar cada limitação de

forma restritiva, sempre de forma a fornecer a maior eficácia ao sistema da tutela

jurisdicional dos interesses transindividuais.

19. Em relação ao princípio da ação, o instituto da legitimação é um tema intrincado

dentro do processo coletivo, pois envolve escolhas políticas e técnicas, passando

pelo tema da representatividade adequada, que funciona como instrumento

garantidor da observância dos princípios processuais constitucionais. Devido ao

fato de a coisa julgada coletiva atingir indivíduos que não estiveram presentes no

processo, mas somente através dele, o tema da “porta de entrada” para a jurisdição

coletiva merece muito zelo. O legislador pátrio preferiu legitimar entidades

públicas e privadas para a propositura de ações coletivas listadas na lei, no artigo 5º

da Lei da Ação Civil Pública e no artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor.

Ou seja, os legitimados, em nosso sistema, já estão previamente listados, mas isso

não significa ausência absoluta de controle jurisdicional da representatividade

adequada. A própria lei determina que o magistrado examine o tempo de

constituição das associações e a sua finalidade estatutária. Apesar de o nosso

ordenamento fixar previamente em lei quem sejam os legitimados, ganha força

entendimentos, doutrinários e jurisprudenciais, no sentido de conferir certo controle

sobre a representatividade adequada para o magistrado e, segundo seus defensores,

o artigo 82, parágrafo 1º, do Código de Defesa do Consumidor indica essa

possibilidade. Nesse mesmo sentido é o conteúdo da Súmula 7 do Conselho

Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo, ao legitimar o órgão

ministerial para a tutela de interesses individuais homogêneos somente se houver

relevância social. Além disso, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem

exigido o requisito da “pertinência temática”, que é a relação entre o objeto da

demanda coletiva e o legitimado. Há quem afirme que o requisito da

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representatividade adequada seria inerente ao sistema, como condição de existência

e eficácia da coisa julgada coletiva, assim, o magistrado deveria aferir a existência

do requisito já no despacho saneador. A admissão do instituto do controle da

representatividade adequada garante o não prosseguimento de demandas que têm

elevada chance de repropositura, com a consequente movimentação de toda a

estrutura do Poder Judiciário por mais de uma vez.

20. O princípio da não taxatividade da ação e do processo coletivo tem relação com

dois importantes aspectos: a) qualquer interesse transindividual pode ser objeto da

tutela coletiva; b) qualquer espécie de tutela jurisdicional é admissível na proteção

desses interesses. Esse princípio se mostra de grande importância diante de

inúmeras tentativas de restrição nas ações coletivas. Exemplos que podem ser

trazidos é o artigo 1º, parágrafo único, Lei da Ação Civil Pública, norma que

deveria ter sua inconstitucionalidade declarada, e o parágrafo único do artigo 21 da

Lei do Mandado de Segurança, limitando o uso desse instrumento somente para

interesses coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos. Este último

dispositivo também mereceria ter sua constitucionalidade questionada. Outra faceta

desse princípio é a irrelevância do “nome” que a ação recebe, pois o que importa

para a caracterização de uma demanda coletiva é a causa de pedir e o pedido,

inclusive para determinar a relação entre demandas, que possuem peculiaridades

próprias no âmbito coletivo.

21. O princípio da disponibilidade motivada da demanda coletiva ressalta o elevado

interesse público presente nessas demandas, de forma a justificar o controle por

parte dos demais legitimados em caso de desistência infundada ou abandono do

autor coletivo. A previsão é legal: artigo 5º, parágrafo 3º, Lei da Ação Civil

Pública. O nível de obrigatoriedade é maior para o Ministério Público, que tem o

dever funcional de, presentes os pressupostos e verificada a lesão ou ameaça a

direito coletivo, prosseguir no polo ativo da demanda. Diante da presença de

critérios de conveniência e oportunidade mesmo para o órgão ministerial, convém

denominar o princípio de disponibilidade temperada ao invés de indisponibilidade,

embora muitos autores (Fredie Didier Júnior e Hermes Zaneti Júnior) o façam.

22. Quanto ao devido processo legal, ele é considerado, por muitos juristas, o

“princípio síntese” de todos os demais princípios processuais (Nelson Nery Jr., José

Carlos Baptista Puoli, José Rogério Cruz e Tucci). No entanto, há autores que

admitem ser o devido processo um princípio superior, mas não, por isso, suficiente

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por si só (Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr.). Há que se considerar a incipiência

da tutela jurisdicional coletiva e admitir, como faz Nelson Nery Jr., a

desnecessidade de menção aos demais princípios, somente pela forte presença do

princípio do devido processo, como um risco, pois poderia ser usada como

instrumento de manobra político-jurídica para limitar a eficácia da tutela

jurisdicional no âmbito transindividual. Assim, nesse campo, a expressa menção a

todos os princípios regentes do sistema processual, no modelo seguido pelo

rejeitado Projeto de Lei n. 5.139 de 2009, somente pode trazer benefícios para o

sistema.

23. Para Humberto Ávila, o devido processo pode ser classificado como um

“sobreprincípio”, pois ele exerce importante função de rearticulação entre vários

elementos que compõem o estado ideal de coisas a ser buscado. A função

interpretativa exercida pelo princípio do devido processo é no sentido de máxima

proteção do cidadão e de suas garantias. O devido processo também exerce função

bloqueadora, ou seja, afastando elementos incompatíveis com o estado ideal de

coisas a ser buscado.

24. O princípio do devido processo tem traços processualistas fortes, mas seu espectro

de atuação foi ampliado para alcançar também as relações materiais. As decisões

jurisdicionais, além de observar o teor das leis, também devem ser

substancialmente devidas e razoáveis. Assim, o aspecto material do princípio, ou

sobreprincípio, do devido processo legal, se identifica com as exigências de

proporcionalidade e razoabilidade. Nesse sentido, é a equiparação de um aspecto do

sobreprincípio com alguns dos postulados normativos aplicativos.

25. O princípio do devido processo legal em sentido processual significa o direito de

ser processado de acordo com as normas procedimentais previamente estabelecidas,

evitando surpresas para as partes, baseado em um sistema processual civil que

garanta o amplo acesso à justiça, com a observância de todas as garantias

constitucionais para que a decisão, proferida ao fim, seja efetiva e tempestiva. O

constante embate na seara processual é a necessidade de precisão técnica-formal e o

anseio por justiça material. Entre esses dois polos em conflito, estão as garantias

constitucionais do processo. A observância do procedimento previamente

estabelecido, embora garanta segurança jurídica, pode se mostrar ineficaz em

algumas situações. As partes e o juiz, diante do princípio da cooperação, devem se

atentar para esses casos, no local de trabalho que o processo deve ser, para,

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mediante a estrita observância do contraditório efetivo, resolver situações como

essas, evitando abusos e discricionariedades. O próprio legislador já previu

situações como essa, como, por exemplo, o artigo 7º, inciso III, da Lei n. 4.717 de

1965, que regulamenta a ação popular.

26. O processo civil coletivo se mostra como um importante instrumento de

participação popular através do processo. No entanto, para que essa constatação se

torne efetiva é necessário superar dogmas processuais individualistas, erigidos

quando o processo coletivo era ainda um projeto. Assim, o princípio do devido

processo legal pede transformações, como, por exemplo, pode-se citar a enorme

diferença entre a legitimação para o processo coletivo em relação ao processo civil

individual, pois todos os membros do grupo ou da comunidade não estão presentes

no processo, não são ouvidos nem citados, sendo que eles podem estar vinculados

pela coisa julgada coletiva mesmo sem a sua presença no processo. Assim, temas

como a representatividade adequada, a adequada notificação dos membros do

grupo, a formação diferenciada da coisa julgada coletiva, a revisão do tema de

preclusões de forma estrita, dentre outros, faz com que vários princípios

processuais constitucionais e infraconstitucionais assumam novas feições na seara

coletiva. Por ser o princípio do devido processo legal um sobreprincípio, que

articula a aplicação de todos os outros, é de extrema relevância transformar a sua

forma de aplicação na seara coletiva. Assim, faz sentido falar-se em “devido

processo coletivo”. A vocação coletiva do devido processo é chamada de “devido

processo social” por Elton Venturi.

27. O contraditório deixou de ser apenas uma exigência formal de citação, por

exemplo, para ser um princípio que deve ser observado durante todo o correr

procedimental em seu aspecto substancial, ou seja, as partes devem ter efetiva

possibilidade de participação e de influência sobre cada decisão judicial. A parte

tem o direito de agir como agente influenciador de cada decisão judicial. Enquanto

as partes têm o direito ao contraditório, é dever do juiz assegurar a igualdade de

tratamento durante o processo, como prescreve o artigo 125, inciso I, do Código de

Processo Civil. Na efetivação do princípio do contraditório, ganha destaque a figura

do juiz em uma postura ativa, para estimular o debate entre as partes e tomar

iniciativas probatórias quando necessário (artigo 130, Código de Processo Civil).

No entanto, está-se diante de um ciclo, pois o contraditório acaba por legitimar a

postura ativa do magistrado, que, como prevê o artigo 16 do Código de Processo

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Civil Francês, não pode fundamentar qualquer decisão com pontos levantados de

ofício sem antes chamar as partes para apresentarem as suas respectivas versões. O

processo justo não pode conviver com decisões “surpresas”, por isso, a importância

da concretização do princípio do contraditório em suas duas facetas: o direito à

informação e o direito ao poder de influência.

28. Com relação ao princípio do contraditório e à tutela coletiva, cabe destacar que

grandes premissas do processo civil individual precisaram ser alteradas para

possibilitar a tutela de interesses transindividuais em juízo. Algumas dessas

premissas são a legitimidade e a coisa julgada. Claro está que todos os indivíduos

que compõem um grupo não podem estar presentes no processo e exercer o

contraditório de forma ativa. Eles dependem de um representante adequado, que, no

nosso sistema, tem previsão legal combinada com certa dose de controle judicial da

adequação dessa representação. Não reside nisso qualquer ofensa ao princípio do

contraditório, pois os entes legitimados são tecnicamente qualificados para

representar os interesses do grupo de forma adequada. Além disso, para garantir o

maior benefício possível da tutela coletiva e a proteção dos indivíduos, o sistema de

coisa julgada foi revisto nessa seara, pois os esquemas processuais tradicionais não

eram suficientes.

29. Diante da necessária revisão do dogma processual dos limites subjetivos da coisa

julgada, tornou-se imprescindível adequar o novo modelo de coisa julgada com o

princípio do contraditório. Em razão de os interesses abordados em demanda

coletiva serem indivisíveis e a coisa julgada atingir indivíduos que não participaram

no processo, há a necessidade de tratamento uniforme para a situação material

coletiva de forma a evitar a possibilidade de decisões contraditórias. Dessa forma, é

a natureza do objeto da demanda que determina que a coisa julgada se opere erga

omnes ou ultra partes. A possível alegação de ofensa ao princípio do contraditório

nessa sistemática da coisa julgada coletiva deve ser afastada, pois se baseia

somente em dogmas individualistas do processo civil tradicional. O processo civil

no âmbito coletivo se baseia em um sistema arquitetado com base na legitimação

de entes que garantem a representatividade adequada nos membros do grupo, que

não estiverem presentes no processo, e o sistema da coisa julgada benéfica,

estruturado de forma pensada nas peculiaridades do direito material abordado.

30. O processo coletivo desloca para a fase executiva maior atividade cognitiva do juiz,

como na liquidação e execução de sentença que envolva interesses individuais

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homogêneos ou nas execuções complexas, que envolvam obrigações de fazer ou

não fazer na tutela do meio ambiente, por exemplo. Nelas, há maior carga decisiva

transposta para o âmbito de atuação do magistrado na fase executiva, o que obriga a

observância do princípio do contraditório também neste momento.

31. O princípio da publicidade, na seara coletiva, envolve aspectos importantes: a

adequada notificação dos membros do grupo ou grupos envolvidos, a publicidade

necessária para a sociedade em geral e a informação para os órgãos competentes

envolvidos. Esses aspectos do princípio da publicidade funcionam como guaridas

para a observância do princípio do devido processo coletivo.

32. Quanto ao primeiro aspecto relevante do princípio da publicidade, a adequada

notificação aos membros do grupo, classificada como sub-princípio por Fredie

Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., ele garante a comunicação da existência do processo

civil coletivo para indivíduos que compõem o grupo, mas que não estejam

presentes no processo. Na atual regulamentação do direito brasileiro, isso ocorre

através da publicação de editais. O direito norte-americano, no sistema das class

actions, chama o fenômeno de fair notice. A comunicação aos membros do grupo

tem dupla finalidade: garante o exercício do controle da adequação da

representatividade do legitimado coletivo (artigo 94, Código de Defesa do

Consumidor) e o exercício do direito de exclusão do grupo pelo indivíduo (artigo

104, Código de Defesa do Consumidor). No entanto, os mecanismos legais

previstos para a notificação dos membros do grupo não se mostram eficientes em

nosso sistema. Assim, falta regulamentação, no direito pátrio, que garanta uma

eficaz comunicação aos indivíduos lesados. A crença de que a publicação de

editais, da forma como a lei prevê, garantirá a observância adequada do princípio

do contraditório é uma ilusão. De lege ferenda, há a sugestão doutrinária para que

os legitimados ope legis pudessem adiantar as despesas referentes à notificação dos

membros do grupo ou o direcionamento de parte da verba do Fundo do artigo 13 da

Lei da Ação Civil Pública para tal fim. Tem-se, hoje, a previsão legal, na segunda

parte do artigo 94 do Código de Defesa do Consumidor, que faculta aos órgãos de

defesa do consumidor a divulgação da existência de ações coletivas, o que funciona

apenas como sugestão, não garantindo a eficácia da notificação. Diante da falta de

uma regulamentação efetiva sobre o tema, a doutrina se divide. Parte dela defende

ser ônus do réu informar a existência de processo coletivo em cada processo

individual relacionado, pois seria de seu interesse não se ver processado diversas

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vezes. Concorda-se com essa posição que, apesar de ser de lege ferenda, mostra-se

viável, se considerados o princípio da cooperação entre as partes e a

proporcionalidade.

33. Outro aspecto do princípio da publicidade é a adequada informação aos órgãos

competentes. O sistema processual coletivo precisa funcionar de forma eficaz

coletivamente, ou seja, em seu conjunto. Entretanto, não existe, no Brasil, um

sistema único de informações sobre a existência e o estágio de andamento de cada

ação coletiva. Esse sistema facilitaria o controle da relação entre demandas, por

exemplo. O que existe atualmente é a previsão do artigo 7º da Lei de Ação Civil

Pública, que determina que o juiz comunique ao Ministério Público fatos que

possam ensejar a propositura de ação civil.

34. No campo da possibilidade de adaptação do procedimento previsto em lei, é

necessário zelo, pois o tema pode gerar injustiças, se fruto de arbitrariedades.

Assim, interessante é a busca por possibilidades e limites dentro desse tema, por

isso, a escolha em tratar a possibilidade de adaptação do procedimento judicial

como temperada, ou seja, limitada. É truísmo que um modelo de procedimento

rígido não é suficiente para atender todas as peculiaridades do direito material. No

entanto, de acordo com o modelo institucional tradicional, a previsão abstrata de

um procedimento deve vir em lei. Jurisprudencialmente, tem-se adotado a

possibilidade de conversão de procedimento, caso se mostre mais consentâneo com

o direito material envolvido. Há limites claros para a adaptação do procedimento:

prazos processuais e a ordem de fases processuais não podem ser transpostos.

Apesar da presença forte do valor segurança jurídica na observância dos

procedimentos previstos em lei, observa-se a tendência de flexibilização do

procedimento legal. Exemplo é o artigo 331, Código de Processo Civil, que sofreu

alteração por força da prática jurisprudencial. Exemplos previstos de adaptação do

procedimento é a inversão do ônus da prova (artigo 6º, VIII, Código de Defesa do

Consumidor), a variação procedimental da ação popular (artigo 7º e ss, Lei n. 4.717

de 65), dentre outras. Esta última previsão, quanto à ação popular, mostra que a

flexibilização não precisa ser feita ao arrepio da lei. O legislador pode estabelecer

padrões de flexibilização de modo a prestigiar a efetividade da prestação

jurisdicional. O procedimento da ação coletiva, quando de sua elaboração, não

recebeu nenhuma especificidade relacionada às peculiaridades do direito material

envolvido, até porque, da sua elaboração, não se sabia quais seriam as necessidades

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da prática procedimental, além disso, quando se fala em “direito coletivo”, abrange-

se direito consumerista, direito ambiental, direito dos investidores do mercado

mobiliário, etc. Assim, quando necessária for uma adaptação do procedimento à luz

do caso concreto, deve o magistrado ser orientado pelo princípio da economia

processual, da ausência de prejuízo, do contraditório e da ampla defesa, desde que

observados os grandes limites expostos acima. O Projeto de Lei n. 5.139 de 2009

previa a possibilidade de adaptação procedimental no artigo 10, parágrafo 1º, e era

generoso em conceder poderes ao juiz na tarefa de adaptação procedimental, desde

que com a observância do contraditório. No entanto, nos contornos legais atuais, os

limites citados acima devem ser observados, sob pena de se violarem importantes

garantias individuais.

35. Institutos processuais que favorecem a economia processual macroscópica são: o

litisconsórcio, as intervenções de terceiro, a ação declaratória incidental, a

reconvenção e o processo coletivo. Enquanto os primeiros têm sua importância na

efetivação de certa economia processual, o fenômeno da economia processual é

amplificado na seara coletiva devido ao elemento subjetivo desta, ou seja, o

elevado número de indivíduos envolvidos. A importância é tanta que a economia

processual deve ser considerada um princípio no mesmo sentido que o Projeto de

Lei n. 5.139/2009 fazia, em seu artigo 3º, inciso III, de modo a orientar as posições

processuais das partes e dos servidores da justiça, assim como o próprio legislador.

36. O princípio da duração razoável do processo, previsto constitucionalmente, abrange

todos os processos em nível judicial e administrativo e deve ser aferido segundo

alguns critérios, tais como a natureza do processo e a sua complexidade, o

comportamento das partes e de seus procuradores, a atividade e o comportamento

das autoridades competentes e a fixação de prazos que garantam o efetivo

contraditório e a ampla defesa, segundo a Corte Europeia dos Direitos do Homem.

Assim, o princípio deve ser cumprido a partir de critérios amplos, como os

demonstrados e não somente de acordo com o cumprimento de prazos ou não. O

Estatuto do Idoso e o Estatuto da Criança e do Adolescente têm previsões que

garantem a prioridade de processamento. No entanto, leis que proporcionariam a

rápida duração do processo, nós já possuímos. O que necessita ser alterado são

posturas de mentalidade e aspectos estruturais do sistema judiciário.

37. O término esperado de qualquer processo judicial é o julgamento do mérito,

demonstrando que o Estado proferiu a decisão justa, teoricamente, para o caso

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concreto. Há um verdadeiro princípio do interesse no julgamento do mérito, que

ganha maior dimensão na seara processual coletiva diante dos direitos materiais

envolvidos. Grande diferença entre a seara coletiva e a individual é de que, no

âmbito individual, o abandono gera a extinção sem julgamento do mérito do

processo, enquanto, na coletiva, o abandono ocasiona a sucessão processual. Além

disso, a análise do preenchimento dos requisitos de admissibilidade processual

pode ser mais flexível, por exemplo, ao invés de extinguir o processo por

ilegitimidade ativa, recomenda-se que o juiz aplique o artigo 5º, parágrafo 3º, Lei

da Ação Civil Pública, e o artigo 9º, Lei da Ação Popular, por analogia,

determinando a publicação de editais para a convocação de legitimados ativos que

tenham interesse em assumir a condução do processo, o que já foi reconhecido

como viável pela jurisprudência. Outra manifestação importante desse princípio se

dá na fungibilidade entre as ações coletivas, como, por exemplo, a possibilidade de

tutela do patrimônio público por ação popular, ação civil pública e ação de

improbidade administrativa. Quanto a esta, não se justifica que não se possa

reconhecer procedência parcial, somente em relação ao dano ao patrimônio público,

nas demandas de improbidade, quando não houver tipicidade ou dolo do agente ou

quando ocorrer a prescrição das sanções.

38. Questão intrincada se refere ao princípio da correlação entre o pedido e a sentença.

A doutrina tradicional, seguindo os padrões do processo civil individual, entende

que as ações coletivas também se sujeitam ao princípio da correlação entre o

pedido e a decisão judicial, previsto no artigo 460 do Código de Processo Civil

(Hugo Nigro Mazzilli). No entanto, há doutrina em sentido contrário com a qual

nos alinhamos, por isso a opção por denominar o princípio em seu formato

negativo. A tutela jurisdicional coletiva para ser efetiva precisa se adequar às

peculiaridades do direito material correlato. Isso exige mudança de paradigmas,

como indica Ada Pellegrini Grinover, por exemplo, na superação do rígido modelo

de preclusões. No entanto, para a preservação do equilíbrio, limites são necessários.

O Projeto de Lei n. 5.139 de 2009 previa a permissão da alteração do pedido e da

causa de pedir até a prolação da sentença de primeiro grau, desde que fosse feita de

boa-fé e sem a ocorrência de prejuízo para o demandado, com a devida observância

do princípio do contraditório e da ampla defesa. A questão é de política legislativa.

Portanto, a sugestão é de lege ferenda.

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39. O microssistema processual coletivo privilegia a reparação integral do dano, que foi

alçada à categoria de princípio pelo Projeto de Lei n. 5.139 de 2009, rejeitado. Na

legislação vigente, o artigo 11 da Lei da Ação Popular evidencia o princípio da

reparação integral do dano, ao permitir o pedido implícito de reparação de danos

para a ação popular. Da mesma forma, outra manifestação do princípio está no

artigo 100 do Código de Defesa do Consumidor, que prevê a liquidação através do

fluid recovery.

40. O princípio da máxima efetividade da tutela coletiva ressalta a importância da

concreção da efetividade em qualquer tutela jurisdicional, principalmente, na seara

coletiva, devido à grande relevância dos interesses em jogo. O processo deve ser

enxergado como um caminho que deve estar desimpedido para encampar interesses

sociais relevantes através da via judicial. A efetividade da tutela coletiva depende,

de início, da possibilidade de agir em juízo, ou seja, da legitimidade e termina com

a efetividade da tutela obtida. Há várias formas de garantir a máxima efetividade da

tutela jurisdicional coletiva, dentre elas, pode-se citar a previsão do artigo 103 do

Código de Defesa do Consumidor, que garante a repropositura da ação coletiva

quando a improcedência tenha se dado por insuficiência probatória e haja prova

nova.

41. Está previsto no texto constitucional que todas as decisões judiciais devem ser

motivadas. O princípio da motivação das decisões judiciais funciona como um

verdadeiro corolário do Estado Democrático de Direito. Nesse mesmo sentido, o

Projeto de Lei n. 5.139 de 2009 previa o princípio da motivação específica de todas

as decisões judiciais, notadamente quanto aos conceitos indeterminados, para o

âmbito do processo civil coletivo. A motivação correta garante o controle do uso do

ativismo judicial, funcionando como um obstáculo ao arbítrio, pois permite que os

jurisdicionados avaliem os critérios usados no julgamento. Caso haja

descumprimento do princípio, a decisão é nula.

42. Por fim, o princípio da obrigatoriedade da execução coletiva pelo Ministério

Público determina que o direito coletivo reconhecido deve ser efetivado. A previsão

decorre do texto legal (artigos 15 da Lei da Ação Civil Pública e 16 da Lei da Ação

Popular) e incide o princípio da obrigatoriedade em sentido amplo, não restando

espaço para questionamentos quanto à conveniência ou à oportunidade.

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