Biaografia de Pablo Escobar

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Radiografia íntima do narcotraficante mais famoso de todos os tempos Tradução Paulo Ramos Pablo Escobar O Meu Pai Juan Pablo Escobar

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Cartel Mederlim

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  • Radiografia ntima do narcotraficante mais famoso de todos os tempos

    Traduo Paulo Ramos

    Pablo Escobar O Meu Pai

    Juan Pablo Escobar

  • Planeta Manuscrito Rua do Loreto, n. 16 1. Direito

    1200 242 Lisboa Portugal

    Reservados todos os direitos de acordo com a legislao em vigor

    2014, Juan Sebastin Marroqun Santos 2015, Planeta Manuscrito

    Ttulo original: Pablo Escobar, Mi Padre

    Reviso: Fernanda Fonseca

    Paginao: Guidesign

    1. edio: Maro de 2015

    Depsito legal n. 389 853/15

    Impresso e acabamento: Guide Artes Grficas

    ISBN: 978 989 657 6295

    www.planeta.pt

  • Ao meu filho, que me d a fora e a energia para ser um homem de bem.

    minha amada incondicional e companheira de aventuras. minha corajosa me.

    minha carinhosa irm. minha querida famlia.

    E aos escassos amigos que transcenderam o medo.

  • 9ndice

    Nota do editor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11Apresentao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

    Captulo 1. A traio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17Captulo 2. Onde ficou o dinheiro? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27Captulo 3. A paz com os cartis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39Captulo 4. Ambio desmedida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75Captulo 5. As origens do meu pai . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87Captulo 6. Npoles: sonhos e pesadelos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115Captulo 7. A coca Renault . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141Captulo 8. Excentricidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149Captulo 9. Fazendo de MAS pelos amigos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 155Captulo 10. Pap Narco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 163Captulo 11. Poltica: o seu pior erro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 187Captulo 12. Preferimos uma campa na Colmbia . . . . . . . . . . . . . 205Captulo 13. Barbrie . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 237Captulo 14. Contos a partir de La catedral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 293Captulo 15. Preocupemse quando me virem a atar os tnis . . . . 329

    Eplogo. Duas dcadas de exlio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 381

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    Nota do editor

    Pablo Escobar, oMeu Pai talvez seja um dos projectos editoriais mais complexos em que o Grupo Planeta embarcou nos ltimos anos.

    At agora pensvamos que j tinha sido tudo dito acerca do narcotraficante. Sobre ele escreveram os melhores autores, osmais conceituados jornalistas e at os seus irmos. Avida do capo tambm j foi recriada pelo cinema.

    Foi preciso esperar mais de duas dcadas para que Juan Pablo Escobar, oseu filho, mergulhasse na vida que no escolheu para descobrirmos as curiosas formas do amor paternal num ambiente repleto de excessos e violncia. Osemfim de pormenores inditos reunidos por esta investigao revelanos uma personagem ainda mais complexa.

    No entanto, no apenas isto. Pablo Escobar, oMeu Pai tambm apresenta uma verso diferente sobre uma grande quantidade de episdios ocorridos naquela poca no pas (Colmbia).

    Durante mais de um ano, Juan Pablo Escobar que trocou de identidade, passando a dar pelo nome de Juan Sebastin Marroqun e a Planeta empenharamse na tarefa de desenvolver esta obra, que teve de ultrapassar rigorosos filtros editoriais e de fontes de informao.

    Pela transcendncia do tema, pelas feridas ainda abertas, pelos milhares de vtimas que ficaram pelo caminho, pelas investigaes j

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    concludas ou ainda em curso, inevitvel que a partir de agora Pablo Escobar, oMeu Pai se torne uma referncia incontornvel no pas e noutras latitudes.

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    Apresentao

    Passaram mais de vinte anos de silncio enquanto refazia a minha vida no exlio. Cada coisa tem o seu tempo e este livro, tal como o seu autor, precisavam de um processo de amadurecimento, autocrtica e humildade. S assim estaria pronto a sentarme para escrever histrias que ainda hoje continuam a suscitar muitas interrogaes na sociedade colombiana

    A Colmbia tambm amadureceu para ouvir e por isso considerei que chegara o momento de partilhar com os leitores a minha vida ao lado do homem que foi o meu pai, aquem amei incondicionalmente e com quem, por fora do destino, vivi momentos que marcaram uma parte da histria da Colmbia.

    Desde o dia em que nasci at ao dia da sua morte, omeu pai foi um amigo, um guia, um mestre e um bom conselheiro. Em vida, ainda lhe pedi uma vez que escrevesse a sua verdadeira histria, mas no concordou: Grgory1, preciso acabarmos de fazer a histria para a podermos escrever.

    1 Por vezes, Pablo Escobar tratava o filho por Grgory, numa aluso a Grigori Rasputine, personagem por quem tinha um especial fascnio. (N. do T., aps explicao do Autor.)

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    Jurei vingar a morte do meu pai, mas quebrei a promessa passados 10 minutos. Todos temos direito a mudar de ideias e desde h mais de duas dcadas que vivo mergulhado em regras claras de tolerncia, convivncia pacfica, dilogo, perdo, justia e reconciliao.

    Este no um livro de censuras; um livro que apresenta reflexes profundas sobre a maneira como est desenhada a nossa ptria e as suas polticas e que tenta descobrir como que das suas entranhas surgem personagens como o meu pai.

    Respeito a vida e foi com esta atitude que escrevi este livro; a partir de uma perspectiva diferente e nica na qual no tenho agenda oculta, ao contrrio da maior parte dos textos que circulam sobre o meu pai.

    Este livro tambm no a verdade absoluta. um exerccio de busca e uma aproximao vida do meu pai. uma investigao pessoal e ntima. a redescoberta de um homem com todas as suas virtudes e tambm com todos os seus defeitos. Contoume a maior parte destas histrias durante as longas e frias noites do ltimo ano da sua vida, volta de fogueiras; outras passoumas por escrito quando os seus inimigos estavam prestes a aniquilarnos a todos.

    Esta aproximao histria do meu pai conduziume a personagens que andaram escondidas durante anos e que s agora se dispuseram a dar o seu contributo para este livro, para que no pairassem nuvens sobre o meu juzo nem sobre o da editora e, sobretudo, para que nunca mais algum herde tamanhos dios.

    Nem sempre estive ao lado do meu pai, por isso no conheo todas as suas histrias. Quem disser que as conhece todas est a mentir. Inteireime de todas as memrias contidas neste livro muito tempo depois de os factos terem ocorrido. Omeu pai nunca falou das suas decises comigo, nem com ningum; era um homem que tomava decises por conta prpria.

    Das muitas verdades do meu pai s se conhecem metades ou nem sequer so conhecidas. Por isso, contar a sua histria implicou muitos riscos porque tinha que ser narrada com um enorme sentido de responsabilidade, pois lamentavelmente muito daquilo que j tinha sido

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    Pablo Escobar, o Meu Pai

    dito parecia encaixar na perfeio. Tenho a certeza de que o filtro de ao aplicado pela Planeta atravs do editor Edgar Tllez contribuiu para o bom sucesso deste projecto.

    Estamos perante uma explorao pessoal e profunda das entranhas de um ser humano que, alm de ser meu pai, liderou uma organizao mafiosa que a humanidade desconhecia.

    Peo publicamente perdo a todas as vtimas do meu pai, sem excepes; dime profundamente na alma que tenham sofrido os confrontos de uma violncia indiscriminada e sem igual que provocou a morte de muitos inocentes. Dofundo da minha alma, digo a todas estas almas que hoje procuro honrar a memria de cada uma delas. Este livro foi escrito com lgrimas, mas sem rancores. No tem qualquer intuito de denncia, nem de vingana ou de desculpa para promover a violncia e, muito menos ainda, no pretende fazer a apologia do delito.

    Os leitores ficaro por certo surpreendidos com o contedo dos primeiros captulos do livro, porque revelo pela primeira vez o profundo conflito que vivemos com os meus avs do lado paterno. Foram 21 anos de desencontros que me levaram a concluir que muitos deles contriburam decisivamente para o desenlace final que conduziu morte do meu pai.

    No estou enganado quando afirmo que a famlia do meu pai nos perseguiu mais do que os piores inimigos dele. Osmeus actos para com eles tiveram sempre origem no amor e no respeito absoluto pelos valores familiares, que no se deveriam perder nem na pior das guerras nem, muito menos, por dinheiro. Deus e o meu pai sabem que eu, mais do que ningum, sonhei e quis acreditar que esta dolorosa tragdia familiar fosse apenas um pesadelo e no uma realidade com a qual tivesse que me confrontar.

    Agradeo ao meu pai a sua sinceridade sem rodeios, aquela que pela fora do destino tive que compreender, mas que nada justifica.

    Perante o meu pedido de perdo no documentrio Pecados de mi Padre, osfilhos dos lderes assassinados, Luis Carlos Galn e Rodrigo Lara Bonilla, disseramme uma vez: Voc tambm uma vtima e a

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    minha resposta continua a ser a mesma desde ento: se por acaso sou, sou o ltimo da longa lista de colombianos.

    O meu pai foi um homem responsvel pelo seu destino, pelos seus actos, pelas suas opes de vida como pai, como indivduo e ao mesmo tempo pelo bandido que infligiu Colmbia e ao mundo umas feridas que no se esquecem. Sonho que um dia estas cicatrizem e se transformem em algo bom, para que ningum ouse repetir esta histria, mas antes aprender com ela.

    No fui um filho que cresceu a ser cegamente fiel ao pai, pois quando estava vivo critiqueilhe duramente a sua violncia e os seus mtodos. Alm disso, pedilhe de todas as maneiras possveis que esquecesse os seus dios, que depusesse as armas e que encontrasse solues no violentas para os seus problemas.

    Das muitas opinies quanto vida do meu pai, sh uma em que estamos todos de acordo: no seu amor incondicional por esta, pela sua nica famlia.

    Sou um ser humano que espera ser recordado pelos seus actos e no pelos do seu pai. Peo aos leitores que no se esqueam de mim ao lerem os meus relatos e que no me confundam com o meu pai, porque esta tambm a minha histria.

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    Captulo 1

    A traio

    A 19 de Dezembro de 1993, duas semanas aps a morte do meu pai, continuvamos refugiados e fortemente protegidos no 29. andar do apart-hotel Residencias Tequendama em Bogot. Derepente recebemos um telefonema de Medelln a informarnos de um atentado contra o meu tio Roberto Escobar na priso de Itag com uma carta armadilhada.

    Preocupados, tentmos saber o que se passara, mas ningum nos esclareceu. Osnoticirios da televiso relataram que Roberto abriu um envelope de papel enviado a partir da Procuradoria, mas este explodiu e provocoulhe ferimentos graves nos olhos e no abdmen.

    No dia seguinte as minhas tias telefonaram e disseramnos que a Clnica Las Vegas, para onde fora transferido de urgncia, no dispunha do equipamento de oftalmologia necessrio para o operar. Como se isto no bastasse, circulava o rumor de que um comando armado se dispunha a matlo no seu quarto.

    Ento a minha famlia decidiu transferir Roberto para o Hospital Militar Central de Bogot porque no s estava mais bem equipado tecnologicamente como oferecia condies adequadas de segurana. Assim aconteceu e a minha me pagou os 3000 dlares que custou o aluguer de um avioambulncia. Logo que confirmei que j estava

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    hospitalizado, resolvemos ir visitlo com o meu tio Fernando, irmo da minha me.

    Quando samos do hotel observmos surpreendidos que os agentes do CTI (Cuerpo Tcnico de Investigacin) da Fiscala1 que nos protegiam desde o final de Novembro tinham sido substitudos nesse dia, esem aviso prvio, por homens da Sijin, osservios secretos da Polcia em Bogot. No disse nada ao meu tio, mas tive o pressentimento de que poderia acontecer algo de mau. Noutras reas do edifcio, edesempenhando diversas tarefas relacionadas com a nossa segurana, viamse agentes da Dijin e do DAS (Departamento Administrativo de Seguridad). No permetro exterior a vigilncia estava a cargo do Exrcito.

    Duas horas depois de chegar s salas de cirurgia do Hospital Militar apareceu um mdico que nos disse que era preciso uma autorizao de um familiar de Roberto porque tinham de lhe remover os dois olhos, pois haviam ficado gravemente afectados aps a exploso.

    Recusmos assinar e pedimos ao especialista que, mesmo que as possibilidades fossem mnimas, fizesse o que estivesse ao seu alcance para que o paciente no ficasse cego, sem olhar a custos. Tambm lhe propusemos que mandasse vir o melhor oftalmologista, onde quer que este estivesse.

    Horas depois, ainda anestesiado, Roberto saiu da sala de operaes e transferiramno para um quarto onde o esperava um guarda do Instituto Carcelario y Penitenciario, Inpec. Tinha a cara, oabdmen e a mo esquerda envolvidos em ligaduras.

    Aguardmos pacientemente at que comeou a acordar. Ainda entorpecido pela anestesia, dissenos que via um pouco de luz mas no conseguia identificar qualquer figura.

    Quando vi que j recuperara um pouco de lucidez disselhe que estava desesperado porque, se tinham atentado contra ele depois da morte do meu pai, omais certo a que a seguir seramos ns: a minha me, aminha irm e eu. Angustiado, pergunteilhe se o meu pai tinha um helicptero escondido para fugirmos.

    1 rgo do poder judicial com funes semelhantes s do Ministrio Pblico. (N. do T.)

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    Pablo Escobar, o Meu Pai

    A meio da conversa, interrompida pela entrada de enfermeiras e de mdicos para o tratarem, pergunteilhe vrias vezes como poderamos sobreviver ante a ameaa evidente dos inimigos do meu pai.

    Roberto mantevese calado por alguns segundos e depois mandoume ir buscar papel e um lpis para apontar um dado.

    Anote isto, Juan Pablo: AAA; e v j para a Embaixada dos Estados Unidos. Pealhes ajuda e digalhes que vai da minha parte.

    Guardei o papel no bolso das calas e disse a Fernando para irmos embaixada, mas nessa altura entrou o mdico que operara Roberto e dissenos que estava optimista, que fizera todos os possveis para lhe salvar os olhos.

    Agradecemos as diligncias do mdico e despedimonos para regressar ao hotel, mas disseme taxativamente que eu no podia sair do hospital.

    Como assim, doutor? Porqu? Porque o seu guardacostas no veio respondeu.As palavras do mdico aumentaram a minha parania porque se

    estivera a operar no podia estar to a par daquilo que se passava com o nosso esquema de segurana.

    Doutor, sou um homem livre, ouesclareame se estou aqui na qualidade de detido porque, seja como for, voume embora. Acho que est em marcha um plano para me matarem hoje. J trocaram os agentes do CTI que nos protegiam respondi muito assustado.

    Protegido, no detido. Neste hospital militar somos responsveis pela sua segurana e s o podemos entregar segurana do Estado.

    Doutor, aqueles que tm que responder pela minha segurana l fora so precisamente os que vm a para me matar insisti. Assim, oume ajuda com a autorizao para eu poder sair do hospital ou terei que fugir daqui. No vou entrar no carro daqueles que vm para me matar.

    O mdico deve ter visto a minha cara de terror e, emvoz baixa, disseme que no tinha qualquer objeco e que assinava imediatamente a ordem para eu e o meu tio Fernando sairmos. Regressmos com muito cuidado s Residencias Tequendama e decidimos ir embaixada no dia seguinte.

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    Levantmonos muito cedo e fui com o meu tio Fernando ao quarto do 29. andar onde estavam alojados os encarregados da nossa custdia. Cumprimentei A1 e disselhe que precisvamos de acompanhamento para irmos Embaixada dos Estados Unidos.

    Com quem vai ter? perguntou com maus modos. No tenho que lhe dizer a si com quem vou encontrarme. Diga

    me se nos vai dar proteco ou se tenho que chamar o procuradorgeral para lhe dizer que voc no quer protegernos.

    Neste momento no h homens suficientes para o levar l respondeu o funcionrio da Fiscala, aborrecido.

    Como que no h pessoas, seaqui funciona um esquema permanente de segurana de cerca de quarenta agentes de todo o Estado e veculos destinados nossa proteco?

    Pois se quer ir, v, mas eu no o vou proteger. Efaame o favor de assinar um papel em que renuncia proteco que lhe estamos a oferecer.

    Traga o papel e eu assinoo respondi.A1 foi a outra diviso buscar um papel para escrever e ns apro

    veitmos esse momento para sair do hotel. Descemos a correr e apanhmos um txi que levou 20 minutos a chegar Embaixada dos Estados Unidos. quela hora, 8 da manh, j havia uma longa fila de pessoas espera para entrar na seco de vistos de viagem para esse pas.

    Eu estava muito nervoso. Abri caminho por entre as pessoas dizendolhes que ia tratar de um assunto diferente. Assim que cheguei guarita de entrada tirei o papel com o Triplo A que Roberto me ditara e decidi coloclo contra o vidro escuro e blindado.

    Num instante apareceram quatro homens corpulentos e comearam a fotografarnos. Mantiveme em silncio e dois minutos depois um dos que estava a tirar fotografias aproximouse e disseme para o acompanhar.

    No me pediram o nome, nem documentos, nem me revistaram e nem sequer passei pelo detector de metais. Era claro que o Triplo A se tratava de uma espcie de salvoconduto e tinhame sido dado pelo meu tio Roberto. Estava assustado. Talvez por isso nem me

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    Pablo Escobar, o Meu Pai

    ocorreu pensar que tipo de contacto tinha o irmo do meu pai com os norteamericanos.

    Ia a sentarme numa sala de espera quando apareceu um homem j de idade, com o cabelo quase branco e ar srio.

    Chamome Joe Toft, sou director da DEA1 para a Amrica Latina. Venha comigo.

    Levoume para um gabinete ao lado e, sem rodeios, perguntoume por que tinha ido embaixada.

    Venho pedir ajuda porque esto a matar a minha famlia toda como voc sabe, estou aqui porque o meu tio Roberto disseme para contar que vim da parte dele.

    O meu governo no lhe pode garantir qualquer tipo de ajuda disse Toft num tom seco e distante. O mximo que posso fazer recomendarlhe um juiz dos Estados Unidos para que avalie a possibilidade de lhes oferecer residncia no meu pas em virtude de uma colaborao que voc possa dar.

    Colaborao em qu? Eu ainda sou menor de idade. Voc pode colaborar muito connosco com informao. Informao? De que tipo?Sobre os arquivos do seu pai. Com a morte dele vocs mataram esses arquivos. No estou a perceber disse o funcionrio. No dia em que vocs colaboraram na morte do meu pai. Osarqui

    vos estavam na cabea dele e ele est morto. Ele tinha tudo na memria. Anica coisa que guardava em arquivos, emagendas, era informao sobre matrculas de automveis e moradas onde viviam os seus inimigos do cartel de Cali, mas j h muito tempo que essa informao est em poder da polcia colombiana.

    No, ojuiz quem decide se o aceitam l ou no.

    1 Drug Enforcement Administration, departamento da polcia federal dos EUA encarregue da luta contra o trfico de droga. (N. do T.)

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    Ento no temos mais nada para conversar, senhor. Voume embora, muito obrigado disse ao director da DEA, que se despediu com poucas palavras e me entregou o seu cartodevisita.

    Se um dia se lembrar de qualquer coisa, no hesite em telefonarme.Sa da Embaixada dos Estados Unidos com muitas dvidas. Oinespe

    rado e surpreendente encontro com o nmero um da DEA na Colmbia e na Amrica Latina no servira para melhorar a nossa difcil situao, mas revelou algo que desconhecamos: os contactos de alto nvel do meu tio Roberto com os norteamericanos, osmesmos que trs semanas antes ofereciam cinco milhes de dlares pela captura do meu pai, osmesmos que enviaram para a Colmbia um imenso aparato de guerra para o caarem.

    Pareciame inconcebvel pensar que o irmo do meu pai estivera ligado de alguma maneira ao seu principal inimigo. Esta possibilidade suscitava outras inquietaes, por exemplo, que Roberto, osEstados Unidos e os grupos que integravam os Pepes (Perseguidos por Pablo Escobar) se tinham aliado para apanhar o meu pai.

    A hiptese no era disparatada. Na verdade, feznos pensar num episdio ao qual no prestmos ateno na altura em que teve lugar e que ocorreu quando ns e o meu pai estvamos escondidos numa casa de campo no sector montanhoso de Beln, aComuna 16 de Medelln. Foi quando sequestraram o meu primo Nicols Escobar Urquijo, filho de Roberto, raptado por dois homens e uma mulher na tarde de 18 de Maio de 1993. Levaramno do Motel Catos, na estrada que liga os municpios de Caldas e Amag, emAntioquia.

    Ficmos a saber pelos noticirios quando estvamos escondidos nessa casa depois de recebermos o telefonema de um familiar. Imaginmos o pior porque j nessa altura e na sua nsia por localizarem o meu pai, osPepes haviam atacado numerosos membros das famlias Escobar e Henao. Por sorte, no passou tudo de um susto, porque cinco horas mais tarde, por volta das 10 da noite, Nicols foi deixado em liberdade, sem um belisco, perto do Hotel Intercontinental de Medelln.

    Como cada dia que passava ficvamos mais incomunicveis, osequestro de Nicols caiu no esquecimento, embora eu e o meu pai

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    Pablo Escobar, o Meu Pai

    nos perguntssemos como conseguira escapar vivo de um sequestro que, pela dinmica daquela guerra, equivalia a uma sentena de morte.

    Como que o Nicols se salvou? A troco de qu que os Pepes o libertaram horas depois de o sequestrarem? provvel que Roberto tivesse resolvido fazer um pacto com os inimigos do meu pai em troca da vida do filho.

    Confirmei esta aliana em Agosto de 1994, oito meses aps a minha ida Embaixada dos Estados Unidos.

    Naquela altura, aminha me, aminha irm Manuela, aminha namorada Andrea e eu fomos ver as runas e o pouco que restava de p na Herdade Npoles. Tnhamos autorizao da Fiscala para ir at l porque a minha me devia encontrarse com um poderoso capo da regio para lhe entregar algumas terras do meu pai.

    Numa dessas tardes, quando percorramos a velha pista de aviao da propriedade, recebemos um telefonema da minha tia Alba Marina Escobar a dizer que tinha de falar connosco nessa mesma noite porque o assunto a tratar era muito urgente.

    Dissemos logo que sim porque utilizou a palavra urgente, que nos cdigos da nossa famlia significa que algum corre perigo de vida. Chegou nessa mesma noite herdade e sem bagagem. Estvamos espera dela na casa do capataz, anica construo que sobrevivera s rusgas e guerra.

    Os agentes da Fiscala e da Sijin que nos protegiam ficaram espera fora da casa e ns dirigimonos sala de jantar, onde a minha tia comeu um prato de sancocho1. Depois sugeriu que s eu e a minha me ouvssemos o que tinha para nos contar.

    Tragovos uma mensagem do Roberto. Que aconteceu, tia? perguntei, nervoso. Ele est muito satisfeito porque h uma possibilidade de vos con

    cederem o visto para os Estados Unidos. Que bom! Como que ele conseguiu isso? perguntmos e deve

    se ter notado que a expresso dos nossos rostos mudara.

    1 Estufado de vaca e frango, tpico da Colmbia. (N. do T.)

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    No para j. Mas antes preciso fazer uma coisa disse num tom que me fez desconfiar.

    muito simples ORoberto esteve a falar com a DEA e pediramlhe um favor em troca de vistos para todos vocs. Anica coisa que tm de fazer escrever um livro sobre o tema que quiserem, desde que nesse livro sejam mencionados o teu pai e Vladimiro Montesinos, ochefe dos servios secretos de Fujimori, no Peru. Alm disso, nesse livro tens de afirmar que o viste aqui em Npoles a falar com o teu pai e que o Montesinos chegou de avio. Oresto do contedo do livro no interessa.

    No so assim to boas notcias, tia interrompi. Como no? Por acaso no querem os vistos? Uma coisa a DEA pedirnos para contarmos o que seja verdade

    e que eu no tenha problemas em contar, outra coisa que me pea que minta com a inteno de causar um dano to grande.

    Sim, Marina interveio a minha me, aquilo que nos esto a pedir muito delicado, porque como que vamos justificar umas afirmaes que no so verdade!?

    E o que que isso vos importa? No querem os vistos? Se vocs no conhecem o Montesinos nem o Fujimori, qual o problema em dizerem isso aquilo que vocs querem viver tranquilos. Estas pessoas mandaramme dizervos que a DEA ficaria muito agradecida e que ningum vos incomodaria nos Estados Unidos a partir desse momento. Tambm vos concedem a possibilidade de levarem dinheiro para l e de o usarem sem problemas.

    Marina, no quero meterme em novos problemas a testemunhar coisas que no so verdade.

    Ai, coitado do meu irmo Roberto, que est a fazer tantos esforos para vos ajudar e vocs recusam logo a primeira ajuda que ele consegue.

    Muito aborrecida, Alba Marina foise embora da Herdade Npoles nessa mesma noite.

    Poucos dias depois deste encontro e j de regresso a Bogot, recebi um telefonema. Era a av Hermilda, que estava de visita a Nova Iorque,

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    Pablo Escobar, o Meu Pai

    na companhia de Alba Marina. Depois de me contar que viajara em classe turstica, perguntoume se eu precisava que ela me trouxesse qualquer coisa de l. Ingnuo e ainda sem perceber o enorme significado daquilo que representava a presena da minha av naquele pas, pedilhe que me comprasse uns perfumes que eu no conseguia encontrar na Colmbia.

    Desliguei surpreendido. Como era possvel que a minha av estivesse nos Estados Unidos sete meses aps a morte do meu pai porque, pelo que me era dado saber, tinham sido cancelados os vistos s famlias Escobar e Henao?

    J eram alguns os acontecimentos em que os meus familiares apareciam com ligaes no claras aos inimigos do meu pai. No entanto, quando lutamos pela defesa da nossa vida, deixamos o tempo passar, ficamonos pelas suspeitas e no as investigamos a fundo.

    Passaramse vrios anos e, j radicados na Argentina, onde tnhamos ido parar aps o exlio, ficmos assombrados quando vimos num telejornal a notcia de que o presidente do Peru, Alberto Fujimori, seescapara para o Japo e renunciara ao cargo de presidente por uma notificao via fax.

    A surpreendente demisso de Fujimori, aps dez anos de governo, tivera lugar uma semana depois de a revista Cambio ter publicado uma entrevista na qual Roberto afirmava que o meu pai financiara com um milho de dlares a primeira campanha presidencial de Fujimori, em1989.

    Tambm garantia que o dinheiro tinha sido enviado atravs de Vladimiro Montesinos que, segundo ele, visitou por vrias vezes a Herdade Npoles. Omeu tio adiantou ainda revista que Fujimori se tinha comprometido a facilitar que o meu pai traficasse a partir do seu pas assim que assumisse a presidncia. Na parte final da entrevista esclareceu que no tinha provas daquilo que afirmava porque, segundo ele, amfia no deixa marcas das suas aces ilegais.

    Semanas depois foi lanado o livro Mi Hermano Pablo, deRoberto Escobar, com 186 pginas, daeditora Quintero Editores, no qual so recriadas as relaes do meu pai com Montesinos e Fujimori.

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    Em dois captulos, Roberto narra a visita de Montesinos Herdade Npoles, amaneira como o meu pai traficava cocana, aentrega de um milho de dlares para a campanha de Fujimori, ostelefonemas de agradecimento do novo presidente para o meu pai e a oferta de colaborao pela ajuda econmica prestada. No final, h uma frase que me chamou a ateno: Montesinos sabe que eu sei. EFujimori sabe que eu sei. Por isso caram os dois.

    Roberto relata episdios nos quais garante ter estado presente, mas que nem eu nem a minha me alguma vez vimos ou ouvimos.

    No sei se se trata do mesmo livro que sugeriram que escrevssemos para obtermos os vistos para os Estados Unidos. Anica certeza sobre este assunto chegou de maneira acidental no Inverno de 2013, atravs do telefonema de um jornalista estrangeiro a quem dera conta das minhas suspeitas por vrias vezes.

    Sebas, Sebas, tenho que te contar uma coisa que acaba de me acontecer e no posso esperar at amanh!

    Conta, oque aconteceu? Acabo de jantar aqui em Washington com dois antigos agentes da

    DEA que participaram na perseguio ao teu pai. Reunime com eles para falar da possibilidade de estar contigo e com eles numa futura srie de televiso para os Estados Unidos sobre a vida e a morte de Pablo.

    Tudo bem. Mas o que aconteceu? quis saber. Sabem muito do assunto e houve oportunidade para eu lhes falar

    da tua teoria sobre a traio do teu tio, daquela de que j falmos. verdade! Eu no queria acreditar quando me confessaram a colaborao directa dele na morte do teu velho.

    Vs que eu tinha razo!? Caso contrrio, como explicar que os nicos exiliados da famlia de Pablo Escobar sejamos ns? Roberto viveu sempre tranquilo na Colmbia, tal como as minhas tias, sem que ningum lhes toque ou persiga.