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    ELIZABETH JORGE DA SILVA MONTEIRO DE FREITAS

    Gesto de Teatros: os desafios do mercado

    Dissertao apresentada ao Curso de MestradoAcadmico em Administrao de Empresas daUniversidade Federal da Bahia como requisito

    parcial obteno do grau de Mestre emAdministrao de Empresas.

    Orientador: Prof. Dr. Jos Marcelo Dantas dos Reis

    Salvador

    2007

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    ELIZABETH JORGE DA SILVA MONTEIRO DE FREITAS

    Gesto de Teatros: os desafios do mercado

    Dissertao apresentada ao Curso de MestradoAcadmico em Administrao de Empresas daUniversidade Federal da Bahia como requisito

    parcial obteno do grau de Mestre emAdministrao de Empresas.

    Aprovado em:

    _______________________________________________________________Prof. Dr. Jos Marcelo Dantas dos Reis - OrientadorDr. em Sociologia - UFBA

    _______________________________________________________________Profa. Dra. Maria Jos de Oliveira PalmeiraDra. em Socioeconomia UNEB/ Faculdade Social da Bahia (FSBA)

    _______________________________________________________________Prof. Dr. Armindo Jorge de Carvalho Bio

    Dr. em Antropologia Social e Sociologia Comparada -UFBA

    _______________________________________________________________Prof. Dr. Rogrio Hermida QuintellaPh.D em Gerenciamento Estratgico-UFBA

    Salvador

    2007

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    Talvez no tenhamos conseguido fazer o melhor,

    mas lutamos para que o melhor fosse feito...

    No somos o que deveramos ser,

    no somos o que iremos ser.

    Mas, graas a Deus, no somos o que ramos....

    Martin Luther King

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    Agradecimentos

    A Deus por ter me acompanhado nesta longa caminhada, sempre me protegendo e me dando

    sade para continuar.Aos meus filhos, Daniel e Andr, e ao meu marido, Antonio Alberto, pela compreenso dos

    momentos difceis e pela minha ausncia em determinadas ocasies.

    Aos meus pais, Amncio e Therezinha, por todo o incentivo e por sempre acreditarem em

    mim.

    Ao meu orientador, Jos Marcelo Dantas dos Reis, por acreditar no meu potencial e na minha

    capacidade de realizar este trabalho.

    Aos professores da Escola de Administrao da UFBA, em especial ateno ao Prof. Dr.Rogrio Quintella.

    bibliotecria Hosana e sua equipe da FSBA pela dedicao na interminvel consulta

    bibliogrfica.

    Profa. Maria Jos Palmeira por todo o seu olhar cuidadoso e sbio.

    A Vinicius Carvalho pela sua eterna boa vontade em colaborar com a formatao dos

    grficos.

    Aos amigos Lelo Filho e Marcos Motta pelas contribuies e apoio com suas palavras de

    estmulo.

    Aos colaboradores do Teatro ISBA que no s demonstraram pacincia e compreenso, mas

    me ajudaram nos levantamentos de informaes relativas a esta pesquisa.

    Ao Espao Sade e Beleza, especialmente a Deo Carvalho, Ana e Augusta pelo carinho e

    apoio nos momentos mais tensos.

    equipe da Faculdade Ruy Barbosa pelas contribuies acadmicas que deram.

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    RESUMO

    Este estudo prope a identificao e anlise dos fatores relacionados gesto queimpactaram no desempenho dos teatros de mdio porte de Salvador, no perodo de 2002 a2005. O ponto de partida foi a observao sobre as dificuldades vividas por estes teatros parase manterem no mercado e, ao mesmo tempo, buscarem alternativas para melhorarem os seusdesempenhos. Dentre estas alternativas, se prope a mudana nos processos de gesto tantodos prprios teatros, quanto da produo artstica, que o principal cliente dos teatros. Osteatros de mdio porte de Salvador possuem especificidades que contribuem para determinar aconcorrncia dentro do seu grupo estratgico, a exemplo de todos pertencerem a instituiescujas atividades principais esto na rea educacional ou sindical e, por este motivo, acabam

    perdendo o foco no mercado cultural, tornam-se apenas diferenciais competitivos das suasinstituies mantenedoras. Para um melhor desempenho dos teatros, esta pesquisa discute aadoo do modelo de gesto por Unidade Estratgica de Negcio (UEN), no qual haveriamaior autonomia de gesto focada para o mercado cultural, ao mesmo tempo em que manteriao vnculo institucional atravs da gesto corporativa. Um outro fator que poderia vir amelhorar o desempenho dos teatros de mdio porte de Salvador relaciona-se ao mercado localde produes artsticas. At os dias atuais, este mercado ainda carente de um processo deestruturao e profissionalizao dos seus agentes e atividades, apesar de j haver algummovimento neste sentido, principalmente aps a disponibilidade e utilizao das Leis deIncentivos Fiscais, concedidas pelos governos federal e estadual. Com a consolidao destemercado, haveria maior oferta de espetculos na cidade e, consequentemente, maior procura

    por espaos para suas apresentaes, o que indicaria um maior movimento nos teatros e ummelhor desempenho dos mesmos. Em relao aos resultados, a pesquisa evidenciou aexistncia de viabilidade na aplicao dos modelos de gesto propostos, tanto para os teatros,quanto para o mercado de produes artsticas teatrais. Aliada criatividade existente no setorcultural de Salvador que foi construda ao longo da sua histria, a aplicao de ferramentas degesto empresarial torna capaz de gerar uma maior organizao no s da produo artsticacomo produto de mercado, mas tambm no setor como um todo, criando assim novas

    perspectivas de crescimento e melhor desempenho dos teatros da cidade.

    PALAVRAS-CHAVES: Teatro Baiano. Gesto. Unidade Estratgica de Negcio. PolticasPblicas e Profissionalizao.

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    ABSTRACT

    This study aims to identify and analyze the management factors related to theperformance of a medium sized theatre in the city of Salvador, Brazil over the period 2002 to2005. The study was prompted by the difficulties such theatres face in the market and attempsto find ways to improve their financial performance. These involve changes in theatre runningas well as within artistic production. Within their strategic group all the medium sized theatresin the city belong to educational or trade union institutions and they often lose their way in thecultural market, becoming simply a competitive edge for the institutions. To improve thefinancial performance of theatres, this work discusses the adoption of the Strategy BusinessUnity (SBU), where there is greater management autonomy focused on the cultural market

    while maintaining the institutional link through corporative management. A further factor isthe local artistic production market which lacks structure and qualified professionals andactivities, despite there having been some progress with the availability of tax breaks given byFederal and State governments. With the consolidation of the market, there would be moreshows on offer and therefore more demand for spaces for events which would lead to greateruse and a subsequent better economic performance of theatres. As regards the results, theresearch found it feasible to apply the management models suggested both for theatres as wellas the market for theatrical productions. With the existing creativity of the cultural sector,

    build up over the citys history, the application of corporate management tools would enablegreater organization of not only the artistic production as a product of the market but also inthe sector as a whole, thus creating new opportunities for growth and better performance of

    the citys theatres.

    KEYWORDS: Theatre in Bahia, Management, UNE, Public policy, Professionalization

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    LISTA DE FIGURAS

    f.

    Figura 1 Grupos estratgicos dos teatros de Salvador 20

    Figura 2 Propriedade dos Teatros de Salvador, segundo sua Natureza Jurdica 51

    Figura 3 rea de atuao dos proprietrios de teatros privados sem fins lucrativos 52

    Figura 4 Modelo proposto de relacionamento entre os agentes envolvidos na produo

    teatral e as respectivas atividades

    81

    LISTA DE QUADROSf.

    Quadro 1 Propriedade e rea de atuao dos mantenedores dos teatrospertencentes ao Grupo C

    22

    Quadro 2 Quantidade de entrevistas realizadas nos Teatros de Salvador 58

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    LISTA DE TABELAS

    f.

    Tabela 1 Dispndios culturais por nvel de governo, Grandes Regies e Estadosem 2002 (Em R$ mil)

    46

    Tabela 2 Captao de recursos atravs da Lei Rouanet por regio (2003) (Em R$milho)

    47

    Tabela 3 Nmero de Teatros por regio do Brasil 48

    Tabela 4 Maior resultado ( em %) por varivel sobre o pblico pesquisado 58

    Tabela 5 Percentual de Freqncia de Publico nos Teatros Jorge Amado, ISBA e

    Mdulo

    59

    Tabela 6 Estatstica das ligaes telefnicas recebidas pelo Call Centerdo TeatroRenaissance

    91

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    LISTA DE ABREVIATURAS

    ACBEU Associao Cultural Brasil-Estados Unidos

    CIA Centro Industrial de Aratu

    ETUB Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia

    EUA Estados Unidos da Amrica

    FazCultura Programa Estadual de Incentivo Cultura

    FCB Fundao do Cinema Brasileiro

    FCBA Fundo Estadual de Cultura

    FCEBa Fundao Cultural do Estado da Bahia

    Ficart Fundo de Investimento Cultural e Artstico

    FIESP Federao da Indstria do Estado de So Paulo

    FNC Fundo Nacional de Cultura

    FSBA Faculdade Social da Bahia

    FUNCEB Fundao Cultural do Estado da Bahia

    Fundacen Fundao Nacional de Artes Cnicas

    IPTU Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana

    ISBA Instituto Social da Bahia

    ISS Imposto sobre Servio

    LDB Lei de Diretrizes e Bases

    MinC Ministrio da Cultura

    ONG Organizao No Governamental

    OSCIP Organizao da Sociedade Civil de Interesse Pblico

    PNC Plano Nacional de CulturaPronac Programa Nacional de Apoio Cultura

    RJ- Rio de Janeiro

    SNC Sistema Nacional de Cultura

    SNT Servio Nacional de Teatro

    SP- So Paulo

    TBC Teatro Brasileiro de Comdia

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    TCA Teatro Castro Alves

    TN- Teatro dos Novos

    TVV- Teatro Vila Velha

    UEC Universal English Course

    UEN Unidade Estratgica de Negcio

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    SUMRIO

    f.

    1 INTRODUO. 13

    2 TEMPO E HISTRIA: A FORMAO DO TEATRO BAIANO 25

    3 POLTICAS PBLICAS, DESCENTRALIZAO E MARKETINGCULTURAL: IMPORTANTES CONTRIBUIES PARA ODESENVOLVIMENTO DA CULTURA

    37

    3.1 ECONOMIA DA CULTURA, FALHAS DE MERCADO E RAZESPARA INTERVENO DO ESTADO 39

    3.2 A RELAO ESTADO-CULTURA NO BRASIL 41

    3.2.1 Descentralizao e desconcentrao de polticas pblicas: alternativaspara a melhoria das aes do governo 43

    3.3 AS CONTRIBUIES DO SETOR PRIVADO: O MECENATO E OMARKETING CULTURAL 48

    4 SCULO XXI: UMA ANLISE DOS MERCADOS DE TEATROS E DEPRODUES ARTSTICAS DE SALVADOR NO PERODO DE 2002 A2005

    50

    4.1 O MERCADO DE TEATROS DE MDIO PORTE DE SALVADOR ESUAS PARTICULARIDADES 50

    4.2 O MERCADO DE PRODUO TEATRAL EM SALVADOR 54

    4.2.1 Comdia: preferncia do pblico freqentador dos teatros de Salvadore uma alternativa de sobrevivncia para o mercado local de produoteatral

    57

    4.2.2 Leis de incentivo produo de artes cnicas em Salvador 61

    5 POSSVEIS MODELOS PARA A GESTO DO MERCADO DEARTES CNICAS 66

    5.1 GESTO CORPORATIVA E GESTO DE UNIDADE ESTRATGICADE NEGCIO (UEN): ALTERNATIVAS PARA MELHOR

    DESEMPENHO DOS TEATROS PERTENCENTES S INSTITUIESCOM NEGCIOS DIFERENCIADOS 66

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    5.2 GESTO DE PRODUO TEATRAL: A CONSTRUO DE UMMODELO 73

    6 DISCUSSO PRTICA SOBRE A GESTO E MERCADO DEARTES CNICAS: A POSSIBILIDADE DA ADOO DOS MODELOS 85

    6.1 AS IMPLICAES DO MODELO DE GESTO DOS TEATROS DEMDIO PORTE DE SALVADOR E O EXEMPLO DO TEATRORENAISSANCE

    85

    6.2 A IMPORTNCIA DA ADEQUADA GESTO DA PRODUO DE

    ESPETCULOS TEATRAIS PARA O DESEMPENHO DOS TEATROSDE SALVADOR

    95

    7 CONSIDERAES FINAIS 101

    REFERNCIAS 105

    APNDICES 110

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    1 INTRODUO

    Imaginar que os teatros de uma cidade possam vir a movimentar-se no sentido de

    encerrar suas atividades ou simplesmente deixarem de apresentar espetculos de artes cnicas

    para se dedicarem realizao de eventos empresariais , no mnimo, um alerta de que algum

    agente do mercado cultural local no est cumprindo com o seu papel, ainda mais quando a

    cidade considerada pelo pblico e pela mdia uma cidade cultural, como o caso de

    Salvador. Ao observar o mercado de teatros de Salvador, no perodo de 2002 a 2005,

    especificamente os teatros de mdio porte (entre 250 e 600 lugares, que realizavam

    apresentaes de artes cnicas e eventos empresariais) foi possvel identificar uma tendncia

    deste movimento. Alguns, a exemplo do Teatro Diplomata, abdicaram da atividade de

    fomentar a arte, para se concentrarem na realizao de eventos como formaturas e congressos,

    por estes proporcionarem uma maior margem de rentabilidade, enquanto outros buscavam

    diversas alternativas de sobrevivncia como reduo de custos atravs de demisses de

    colaboradores, reduo de investimentos, apoio de empresas privadas etc.

    Juntamente com o Teatro Castro Alves (o maior da cidade), os teatros privados de

    mdio porte (Jorge Amado, ISBA, Mdulo, ACBEU, Cine-teatro Casa do Comrcio,

    Salesiano e Diplomata) so referncias culturais da cidade e, portanto, merecem uma especial

    ateno.

    Vrios motivos podem ser atribudos como causas deste movimento, dentre eles, a

    falta de pblico freqentador e interessado por teatro (demanda), pouco investimento do

    governo no desenvolvimento cultural, alto custo de manuteno das casas de espetculos e

    falta de uma programao com qualidade. Contudo, alm desses, outros dois fatores

    relacionados gesto despertam tambm a ateno: o primeiro, que pode ser considerado

    como fator interno, diz respeito falta de uma clara definio sobre o modelo de gesto dos

    teatros de mdio porte de Salvador. No obstante, todos os teatros de mdio porte citadosacima pertencem a instituies privadas, com boa imagem no mercado, cujas atividades

    principais se encontram na rea educacional ou sindical-patronal. Da experincia da autora

    desta pesquisa como profissional da rea e estudiosa do assunto, observa-se que o vnculo

    institucional existente entre os teatros e seus mantenedores, de onde decorre a pouca

    autonomia para a gesto destes estabelecimentos, dificulta o seu desempenho enquanto teatro,

    visto que h uma constante interferncia institucional desde a composio da programao

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    artstica at o processo decisrio. Como conseqncia, os teatros no conseguem desenvolver

    suas atividades, mantendo-se com um foco no mercado cultural e assim, acabam por ser

    geridos como diferenciais dos principais negcios das suas instituies mantenedoras.

    O segundo fator observado pode ser considerado externo e diz respeito gesto das

    produes artsticas (espetculos), que so os principais clientes de teatros, quando entende-se

    que a principal funo de um teatro o fomento arte. Por ser um mercado ainda carente de

    maior estruturao e profissionalizao de seus agentes, gera uma instabilidade no mercado de

    teatros, que acabam buscando outras alternativas de rentabilidade, se deslocando assim da sua

    principal atividade.

    Diante do contexto observado, e tratando-se especificamente dos fatores relacionados

    gesto, esta pesquisa se debrua na identificao dos fatores que impactaram no

    desempenho dos teatros de mdio porte de Salvador, o que faz mediante duas categorias de

    anlise: a) mercado de teatros de mdio porte e b) mercado de produes artsticas. Alm

    disso, a pesquisa busca apontar alternativas para uma melhor gesto e conseqente melhor

    desempenho dos teatros.

    A O PROBLEMA E OS PRESSUPOSTOS NORTEADORES DA PESQUISA

    A anlise pretendida referencia-se no seguinte problema: quais os principais fatores

    relacionados gesto que impactaram diretamente no desempenho do teatro de mdio porte

    de Salvador, no perodo de janeiro de 2002 a dezembro de 2005?

    Para responder ao problema, dois pressupostos foram elaborados:

    a) devido a sua ligao com instituies mantenedoras (neste caso, educacionais e

    sindicais), os teatros de mdio porte de Salvador no conseguem desenvolver suas

    potencialidades mercadolgicas, com foco no mercado cultural, visto que no

    possuem autonomia de gesto, tornando-se, assim, diferenciais dos negcios principaisde suas instituies;

    b) os limites de gesto, aliados falta de estruturao do mercado de produo de artes

    cnicas na cidade, causam reflexos no desempenho dos teatros de mdio porte de

    Salvador, que so conduzidos a buscarem alternativas de rentabilidade atravs do

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    aluguel do espao para eventos empresariais, afastando-se assim do seu core

    business1, que o fomento arte.

    B - RELEVNCIA DO ESTUDO

    A discusso sobre aspectos do mercado cultural vai alm de uma dimenso

    econmica-financeira. Envolve outras dimenses como a social e educacional. Envolve a

    construo de uma sociedade melhor preparada para enfrentar os diversos desafios cotidianos,

    principalmente em pases onde as questes sociais so intensas. Cultura educao; um

    mecanismo de formao e transformao.

    Apesar da existncia de diversas pesquisas na rea cultural, a exemplo de Rubim

    (2005), Brant (2001), Carvalho (2003), Coelho (1980;1999), os estudos relacionados

    especificamente ao mercado de artes cnicas ainda so escassos, sendo que a maioria destes

    poucos so relativos s produes artsticas. Mais raros ainda, so os estudos sobre gesto de

    teatros.

    A relevncia deste estudo est na contribuio que ele possa vir a dar para melhorar o

    desempenho dos teatros de mdio porte de Salvador, atravs da anlise do seu mercado e do

    mercado do seu principal cliente a produo artstica teatral.

    O conceito de mdio porte se define por estes teatros possurem uma capacidade

    intermediria de platia (entre 250 e 600 lugares), abrigarem espetculos com no mximo 25

    atores e cenrios adaptveis. Este tipo de espetculo, hoje em dia, o mais produzido no

    Brasil assim como tambm na Bahia. Possui um custo mdio de produo (entre R$ 30 mil e

    R$ 100 mil), dentro do limite estipulado pelas leis de incentivos fiscais2, facilidade de

    circulao por outras cidades3 e de adaptao a palcos de mdio tamanho (12mx8m) no

    modelo italiano4 e no necessita de um grande aporte de capital patrocinador. Alm disso,

    1Negcio (atividade) principal da empresa.2Sobre as Leis de Incentivos Fiscais para a produo de espetculos, como Lei Rouanet, Fazcultura e outras,

    vide 4.2.2.3O cenrio flexvel e a quantidade de atores, tcnicos, diretor e produtor no ultrapassa quinze integrantes.

    4Espao retangular fechado nos trs lados, com uma quarta parede visvel ao pblico frontal atravs da boca decena: retangular, semicircular, ferradura ou misto.

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    possui uma mdia de 250 espectadores por apresentao e, por isso, plenamente adaptvel

    aos teatros pertencentes a este grupo. Os teatros, por sua vez, oferecem conforto (cadeiras

    acolchoadas, ar condicionado central, servio de caf-bar, alguns possuem bilheteria

    informatizada, boa localizao e acesso, e equipe de tcnicos e recepcionistas qualificados) e

    tecnologia de iluminao cnica e audiovisual compatvel para a realizao tanto dos

    espetculos, como de eventos empresariais.

    Estudar o grupo de teatros de mdio porte de Salvador foi a opo escolhida como

    objeto de estudo devido a sua importncia perante o mercado de teatros de Salvador.

    Juntamente com o Teatro Castro Alves - TCA (o principal teatro da cidade), este grupo

    representa a imagem do teatro baiano no Estado e, juntos, eles so as principais referncias na

    cidade, para produtores nacionais e estrangeiros.

    C - OBJETIVOS

    Esta pesquisa tem como objetivo geral, identificar quais os principais fatores

    relacionados gesto, que impactam no desempenho dos teatros de mdio porte de Salvador.

    Para alcanar este objetivo, detalhadamente, a pesquisa se prope a: a) Analisar a formao

    histrica do mercado de artes cnicas de Salvador; b) Demonstrar a importncia das aes

    relacionadas s polticas pblicas e o papel do setor privado para a consolidao do mercado

    de produes artsticas teatrais; c) Construir e analisar um modelo de gesto para os teatros de

    mdio porte de Salvador; e d) Construir e analisar um modelo de gesto que contribua para a

    profissionalizao das produes de espetculos teatrais.

    D ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA E SEU

    PROCEDIMENTO METODOLGICO

    O primeiro passo metodolgico no desenvolvimento desta investigao foi de natureza

    conceitual, com vistas a bem definir os termos e propiciar um bom desenvolvimento desse

    estudo.

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    D.1 SOBRE O TERMO TEATRO

    Teatro, tanto em latim, theatru, quanto em grego, thatron, significa lugar aonde se

    vai para ver (FERREIRA, 1999, p. 1934). Apesar da origem da palavra nos conduzir a

    associ-la ao local, ao espao fsico onde so realizadas apresentaes de espetculos, o termo

    utilizado usualmente com um significado mais amplo.

    Numa consulta ao dicionrio da lngua portuguesa, encontram-se as seguintes

    definies: 1. edifcio onde se representam obras dramticas, peras, etc. 2. A arte de

    representar; o palco. 3. Coleo de obras dramticas de um autor. (FERREIRA, 1999, p.

    1934).

    A partir destas definies, pode-se perceber que quando h referncia ao termo teatro,

    reporta-se tanto produo artstica, quanto ao estabelecimento onde as apresentaes

    acontecem. Sendo assim, organizaes teatrais podem ser tanto estabelecimentos onde se

    encontra a estrutura fsica, como o resultado das interaes entre atores, ou seja, a formao

    das produes artsticas (RANSON; HININGS; GREENWOOD, 1980 apud PACHECO,

    2001).

    O significado de gesto de teatro, tambm, assume duplo sentido. Ora est se referindo

    gesto do espetculo, com todo o seu procedimento administrativo de seleo de atores,

    diretores e tcnicos, montagem cnica, aluguel de espao para apresentaes etc, ora est se

    tratando da gesto da casa de espetculo, do espao fsico onde acontecem os espetculos.

    No intuito de um melhor entendimento, nesta pesquisa a utilizao da palavra teatro

    ser diferenciada e as seguintes referncias sero assumidas:

    Teatro: local de apresentaes.

    Espetculo: apresentao artstica teatral.

    E o que diferencia um teatro de um auditrio? Mais uma vez, ao se recorrer ao

    dicionrio da lngua portuguesa citado, verifica-se uma diferena quase inexistente, aindamais quando se considera que, atualmente, os teatros realizam atividades diversificadas, no

    s abrigando produes artsticas, como tambm seminrios, eventos empresariais,

    congressos, formaturas escolares, dentre outros. Para definir auditrio, Ferreira (1999, p. 231)

    diz: 3. Edifcio de tipo especial, de acstica condicionada, com cobertura ou sem ela, onde se

    renem pessoas para ouvir concertos musicais, recitais de canto, declamaes etc. 4. Sala

    acusticamente tratada, onde se proferem palestras, conferncias, aulas especiais, etc. Esta

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    definio conduz deduo de que todo teatro um auditrio, j que devidamente equipado

    e atende realizao dos tipos de eventos citados acima. Entretanto, nem todo auditrio pode

    ser considerado um teatro, visto que no possui os recursos tcnicos necessrios para a

    realizao de diversos tipos de espetculos, como dimenses de palco, quantidade de

    camarins, equipamentos de luz e som, alm de pessoal qualificado.

    Devido proximidade conceitual existente, nesta dissertao teatro ser definido

    comoorganizaes ou unidades estratgicas de negcio onde so realizados espetculos

    artsticos, independente da realizao de outros tipos de eventos no mesmo espao

    cnico.

    D.2 SOBRE O TERMO DESEMPENHO

    Para efeito desta investigao, desempenho conceituado como a execuo de um

    empreendimento (negcio) que exige competncia. mediante a anlise do seu

    desempenho, que as organizaes podem medir a sua capacidade de sobrevivncia e

    continuidade em face das exigncias dos ambientes interno e externo em que estejam

    inseridas. Segundo Zarifian (2001, p. 94), uma caracterstica bsica do desempenho ele ser

    dinmico. Ele escreve:

    no se trata apenas de ter um desempenho. preciso melhor-lo. Isso pode levar amudar profundamente a maneira de encarar o trabalho profissional. [...] Nenhumaorganizao ou nenhuma maneira de fazer, pode ser considerada definitivamenteestabelecida e eficaz: existe uma transformao mtua quase contnua entrecompetncia e desempenhos. Isso tem uma conseqncia muito profunda na maneirade ver tanto as competncias quanto os desempenhos: as competncias transformam-se no prprio curso das aes de melhoria e procurando melhorar desempenhosque as competncias existentes mudam, ou que novas competncias sodemandadas.

    Trata-se ento de uma viso dinmica da relao entre competncia e desempenho,

    onde a maior capacidade e habilidade de fazer determinada ao conduziro a um melhor

    desempenho, que, por sua vez, demandar novas competncias, tornando assim um processo

    contnuo de aperfeioamento, e, partindo-se do ponto de que uma organizao precisa estar

    melhorando sempre seu desempenho para permanecer no mercado no qual atua, novas

    competncias devem ser observadas. Nesta pesquisa, especificamente, ser tratada a gesto

    como uma competncia que interfere no desempenho dos teatros de mdio porte de Salvador.

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    E O ESTUDO EXPLORATRIO E SEUS PRINCIPAIS RESULTADOS

    A definio do conceito de teatro foi fundamental como primeiro passo metodolgico

    desta pesquisa. Percebeu-se, a seguir, que devido escassa bibliografia sobre o tema, foi

    pertinente a realizao de um estudo exploratrio, como segundo passo, onde foi identificado

    o universo de teatros existentes na cidade de Salvador, visto que muitos espaos culturais so

    chamados de teatros, porm, no possuem programao artstica, servindo apenas como

    auditrio.

    Como resultado, foram mapeados 26 (vinte e seis) teatros (relacionados no apndice

    A) e foi feito um levantamento de informaes de cada teatro sobre capacidade de pblico,

    localizao, natureza jurdica, tipo de palco, situao atual de funcionamento (em atividade ou

    em reforma) e atividade-fim (com a identificao dos tipos de apresentaes que ocorrem no

    teatro).

    De posse do levantamento de dados, foi possvel reunir os vinte e seis teatros

    encontrados em grupos estratgicos. Segundo Benzoni (1988, p. 152), grupo estratgico se

    define como o conjunto das firmas que, no seio de uma mesma indstria, possuem

    caractersticas muito semelhantes (tamanho, gama de produtos, localizao etc). Sendo

    assim, 06 (seis) grupos estratgicos de teatros de Salvador foram definidos, conforme figura

    1. Para tanto, foram utilizados como parmetros de classificao a capacidade possvel de

    pblico (quantidade de assentos na platia) e a atividade-fim do teatro (realizao de produo

    artstica e/ou eventos empresariais5).

    5 So considerados eventos empresariais: palestras, seminrios, reunies de empresas, formaturas de cursosdiversos etc. So consideradas produes teatrais: peas teatrais, shows musicais, apresentao de grupos dedana ou similares.

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    PRODUO TEATRAL

    CAPACIDADE

    DE

    PBLICO

    (MAIS

    DE

    600

    LUGARES)

    EVENTOS EMPRESARIAIS

    C

    APACIDADE

    DE

    PBLICO

    (ENTRE

    250E

    600

    LUGARES)

    CAPACIDADE

    DE

    PBLICO

    (MENOS

    DE

    250

    LUGARES)

    GRUPO ATeatro Castro Alves

    ICEIA

    GRUPO BCentro de Convenes da Bahia

    GRUPO CTeatro ISBA

    Teatro ACBEUTeatro Jorge Amado

    Cine - Teatro Casa dp ComrcioTeatro Mdulo

    Teatro DiplomataTeatro Salesiano

    GRUPO DTeatro Gregrio de Matos

    Solar Boa VistaVila Velha

    GRUPO FTeatro ICBA

    Teatro Caballeros de SantiagoTeatro Molire

    GRUPO ETeatro SESITeatro XVIII

    Teatro Miguel SantanaTeatro GambaEspao Xisto

    Teatro Dias GomesTeatro do Pelourinho

    Teatro Martim GonalvesTeatro da Barra

    Sala de Coro do TCA

    Figura 1 - Grupos estratgicos dos teatros de Salvador

    Fonte: quadro elaborado a partir de levantamento de campo realizado no estudo exploratrio paraidentificao dos teatros de Salvador; Monteiro de Freitas, 2005.

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    Com exceo dos Teatros Sesc - Casa do Comrcio, Martim Gonalves e ACBEU,

    que ficaram desativados por um perodo para reformas, os demais teatros permaneceram em

    atividade durante todo o perodo que compreendeu esta pesquisa, ou seja, de janeiro de 2002 a

    dezembro de 2005. Entretanto, alguns teatros, a exemplo dos Teatros Salesiano e Diplomata,

    apesar de estarem em funcionamento, no conseguiram manter uma programao contnua de

    espetculos neste perodo.

    F GRUPO ESTRATGICO SELECIONADO

    Para responder ao problema desta pesquisa, que, como j foi dito, procura identificar

    quais os principais fatores relacionados gesto que impactaram diretamente no

    desempenho do teatro de mdio porte em Salvador, no perodo de janeiro de 2002 a

    dezembro de 2005, e, na considerao dos grupos estratgicos obtidos no estudo exploratrio

    e apresentados na figura 1, a definio do objeto de anlise neste estudo o grupo C, formado

    pelos teatros ISBA (489 lugares), ACBEU (409 lugares), Jorge Amado (418 lugares), Cine-

    teatro Casa do Comrcio (552 lugares), Teatro Mdulo (282 lugares), Teatro Diplomata (453

    lugares) e Teatro Salesiano (482 lugares).

    Esta deciso deveu-se ao fato de que, alm desses teatros possurem semelhanas

    como uso da tecnologia, infra-estrutura, boa localizao e abrigarem espetculos de mesmo

    porte, tm em comum outra caracterstica que os une, qual seja a de pertencerem a instituies

    privadas, cujas principais atividades esto na rea educacional e sindical, conforme pode-se

    constatar no quadro 1:

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    Teatro Instituio Proprietria rea de atuao da Instituio

    Proprietria

    ACBEU Associao Cultural Brasil- Estados Unidos EducaoSesc - Casa do

    Comrcio

    Federao do Comrcio do Estado da Bahia Sindical-patronal

    Diplomata Empreendimentos Educacionais Diplomata Educao

    ISBA Associao Brasileira de Educao Familiar eSocial

    Educao

    Mdulo Mdulo Administrao Baiana de Cursos Educao

    Jorge Amado Universal English Course Educao

    Salesiano Liceu Salesiano do Salvador Educao

    Quadro 1 - Propriedade e rea de atuao dos mantenedores dos teatros pertencentes ao Grupo CFonte: quadro elaborado a partir de levantamento de campo realizado no estudo exploratrio para identificaodos teatros de Salvador; Monteiro de Freitas, 2005.

    O corte temporal da pesquisa correspondente a janeiro de 2002 a dezembro de 2005,

    foi assim determinado, j que um dos teatros deste grupo, o ISBA foi inaugurado em 14 de

    outubro de 2001 e suas atividades foram iniciados em janeiro de 2002. A importncia da

    participao do Teatro ISBA se deve ao fato dele ser, na atualidade, um dos mais expressivos

    teatros de Salvador.

    Contudo, como j mencionado, durante este perodo os Teatros ACBEU e Sesc Casa

    do Comrcio foram desativados para reformas e os Teatros Salesiano e Diplomata no

    mantiveram uma programao artstica constante. No caso especfico do Teatro Diplomata,

    devido reestruturao administrativa do seu mantenedor, e conseqente venda do seu

    patrimnio nos ltimos meses de 2005, foi invivel o acesso s informaes necessrias para

    esta pesquisa. Sendo assim, foram entrevistados os diretores dos seguintes teatros: Jorge

    Amado, Mdulo, Salesiano, Sesc-Casa do Comrcio e ACBEU6. Quanto ao levantamento de

    informaes primrias sobre espetculos apresentados entre os anos de 2002 e 2005,

    participaram da pesquisa os Teatros Jorge Amado, ISBA e Mdulo, visto que foram os nicos

    que mantiveram uma programao contnua neste perodo.

    6No caso especfico do Teatro ISBA foi utilizada a tcnica de observao participante, visto que a autora dapesquisa diretora deste Teatro.

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    G ESTRATGIAS METODOLGICAS SELECIONADAS E

    INSTRUMENTOS

    Do ponto de vista da forma de abordagem metodolgica do problema, esta pesquisa

    pode ser classificada como qualitativa, pois descritiva sem a utilizao de tcnicas apuradas

    de estatstica e o ambiente natural foi a fonte direta de coleta de dados, sendo aplicados

    questionrios com perguntas abertas e levantamento de dados primrios junto aos teatros

    escolhidos (SILVA ; MENEZES, 2000).

    Como estratgia de pesquisa, foi escolhido o estudo de caso, por ele poder contribuir

    com o aprofundamento do conhecimento existente dos fenmenos organizacionais. Segundo

    Yin (2005, p.26-27), o estudo de caso :

    [...] uma estratgia escolhida ao se examinarem acontecimentos contemporneos,mas quando no se podem manipular comportamentos relevantes. O estudo de casoconta com muitas tcnicas utilizadas pelas pesquisas histricas, mas acrescenta duasfontes de evidncias que usualmente no so includas no repertrio de umhistoriador: observao direta dos acontecimentos que esto sendo estudados eentrevistas das pessoas neles envolvidas. Novamente, embora o estudo de caso e aspesquisas histricas possam se sobrepor, o poder diferenciador do estudo de caso asua capacidade de lidar com uma ampla variedade de evidncias documentos,artefatos, entrevistas e observaes alm do que pode estar disponvel no estudohistrico convencional.

    Esta afirmao de Yin (2005) reitera as intenes deste estudo, visto que trata-se deuma investigao mais detalhada de um grupo especfico (teatros de mdio porte que possuem

    caractersticas semelhantes), que foi desenvolvida atravs de estudo de caso que se valeu de

    levantamento de dados primrios, observaes e entrevistas semi-estruturadas com diretores

    de espetculos, produtores culturais, atores e diretores de teatros. Alm disso, a observao

    participante tambm foi utilizada, pois a autora da pesquisa fundadora e diretora do Teatro

    ISBA.

    Considerando os tipos de projetos de estudo de caso apresentados por Yin (2005), apesquisa desenvolvida trata de um caso nico incorporado, ou seja, analisado o caso do

    grupo estratgico C (figura 1), que possui unidades mltiplas de anlise (teatros). Ela se

    configura como um caso nico por ser um grupo representativo do setor. Por sua vez, este

    grupo composto por vrias unidades de anlise, que so os sete teatros j mencionados:

    ISBA, Jorge Amado, ACBEU, Salesiano, Mdulo, Diplomata e Cine-teatro Casa do

    Comrcio.

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    Para analisar e discutir estes aspectos, os captulos desta dissertao foram divididos

    da seguinte forma: no segundo captulo, reconstruda a histria da formao do teatro baiano

    desde o princpio do sculo XX a partir da pesquisa de raros trabalhos publicados na rea, a

    exemplo de Franco (1994), Arajo (1991), Faria (1997) e Leo (2002). O terceiro captulo

    discute a importncia das participaes das esferas governamentais, atravs da formulao de

    polticas pblicas para a rea cultural e do setor privado, atravs do mecenato e do marketing

    cultural. O quarto captulo analisa a atual situao dos mercados de teatros e de produes

    artsticas teatrais de Salvador, suas especificidades, a preferncia do pblico atravs de

    levantamento de dados primrios e secundrios e de entrevistas realizadas com diretores de

    teatros, produtores e diretores de espetculos que estiveram em cartaz entre 2002 e 2005, nos

    Teatros Jorge Amado, ISBA e Mdulo. No quinto captulo, encontra-se a maior contribuio

    desta pesquisa: a proposta da adoo de dois modelos de gesto para o mercado de artes

    cnicas. Nesta parte, alm da proposta, os dois modelos de gesto so analisados, sendo o

    primeiro referente gesto de teatros atravs de Unidade Estratgica de Negcio e o segundo,

    proposto pela autora, como condio necessria para o fortalecimento e profissionalizao do

    mercado de produo artstica teatral. O sexto captulo discute a viabilidade e implicaes da

    aplicao dos modelos sugeridos no captulo anterior, tendo como referncia, para os teatros,

    o exemplo do Teatro Renaissance (SP), e, para o mercado de produo, as entrevistas

    realizadas junto aos seus produtores e diretores. Por fim, no stimo captulo so feitas as

    consideraes finais da pesquisa.

    Esta foi a lgica e o desenho metodolgico desenvolvidos nesta pesquisa, cujos

    principais resultados so apresentados a seguir.

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    2TEMPO E HISTRIA: A FORMAO DO TEATRO BAIANO

    Salvador, desde que deixou de ser a capital do Brasil, em 1763, sofreu um processo de

    estagnao (ou at mesmo regresso), no s por conta de no ser mais o centro poltico das

    decises, mas tambm pela decadncia do setor aucareiro. Este perodo no s veio a abalar

    a economia e a sociedade baiana, mas tambm provocou um isolamento cultural em relao s

    grandes cidades do pas.

    Esta tendncia se manteve at os primrdios do sculo XX, quando Salvador se

    traduzia numa cidade pacata, sem muitos acontecimentos extraordinrios, pois a vida poltica,

    social, econmica e artstica do pas acontecia no Rio de Janeiro, que era a Capital Federal. As

    temporadas de espetculos s aconteciam de abril a outubro, quando as companhias teatrais,

    de variedades e as lricas se apresentavam no Teatro So Joo (localizado na Praa Castro

    Alves, onde hoje o Palcio dos Esportes) ou no Polytheama Bahiano, as duas nicas casas

    de espetculos da cidade.

    O Teatro So Joo (mais antigo do pas) pertencia ao Estado desde a sua inaugurao,

    em 1812. Dispunha de 340 assentos, 60 camarotes de primeira, segunda e terceira ordens e

    300 assentos populares chamados de geral. Geralmente abrigava pequenas companhias

    dramticas, companhias de variedades, cinematgrafos itinerantes. Por falta de manuteno

    por parte do governo do Estado acabou sendo destrudo por um incndio em 1923.

    O Polytheama Bahiano, localizado no bairro do Politeama, foi inaugurado em 1883 e

    arrendado a empresrios que o administravam. Possua 853 assentos, 64 camarotes, 242

    galerias numeradas e 500 assentos populares. Suas portas eram abertas para companhias

    dramticas importantes, as lricas, de operetas e de variedades de maior porte, alm de

    convenes polticas, eventos sociais, bailes carnavalescos e cinematgrafos, sendo

    considerado o ponto de encontro da sociedade soteropolitana.

    Devido configurao dos teatros, a platia ficava dividida em classes sociais: nascadeiras ficavam os comerciantes, alguns profissionais liberais, funcionrios pblicos

    graduados e um caixeiro viajante bem sucedido; nos camarotes, as autoridades e as famlias

    ricas; as galerias eram compostas pela Mocidade Acadmica7e nas gerais ficavam os artistas,

    os demais caixeiros viajantes e os artesos.

    7Alunos das Faculdades de Direito e Medicina da Bahia

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    No princpio do sculo XX, o cenrio dos encontros sociais se deslocou do teatro para

    o cinema, com a inaugurao do Cine Bahia, primeiro cinematgrafo permanente de Salvador.

    A novidade aliada ao baixo valor dos ingressos fez com que o teatro baiano fosse esvaziado e

    nove novos cinemas8fossem abertos em apenas dois anos. O cinema j podia ser considerado

    como uma atividade concorrente e substituta do teatro. Como escreveu Boccanera Jnior

    (apudFRANCO, 1994, p.31), desde aquela poca, o cinematgrafo o maior inimigo do

    teatro. Da em diante, literalmente, o teatro comeou a perder espao para o cinema. Os

    teatros existentes foram adaptados para apresentaes de cinema mudo e a quantidade de

    espetculos apresentados em Salvador diminuiu significativamente, assim como seu destaque

    nos jornais da cidade.

    Com a deflagrao da Primeira Guerra Mundial, em 1914, as companhias europias

    diminuram ainda mais a sua freqncia em Salvador, o que poderia vir a ser uma

    oportunidade para o desenvolvimento do teatro brasileiro. Como cita Franco (1994, p.37):

    [...] o universo no se envolveu com a carnificina, mas os nossos fornecedoresculturais sim e, tanto Paris, que enviava o seu teatro para o Rio de Janeiro e SoPaulo, quanto Portugal, Espanha e Itlia, que espalhavam o seu pelo resto do pas,ficaram impossibilitados de honrar seus compromissos. Era a hora de o teatrobrasileiro, semi-livre da concorrncia europia, acontecer.

    Entretanto, nem na Semana de Arte Moderna de 1922, se viu manifestaes teatrais,

    apesar de Oswald de Andrade ter escrito, em 1933, O Rei da Vela, que s foi encenada em

    1967, pelo Teatro Oficina de So Paulo. Somente em 1924, quando Jaime Costa e Procpio

    Ferreira criaram suas companhias, que o teatro comeou a engatilhar no Brasil, apesar de

    ainda estar preso aos moldes das revistas francesas (ARAJO, 1991).

    Na dcada de 1920, apesar do incndio ocorrido no Teatro So Joo, Salvador ainda

    recebeu seis companhias dramticas, duas de comdias, uma lrica, trs de operetas e revistas

    e vinte e trs de revistas, alm das troupes e companhias menores, que se apresentavam nos

    Cine-Teatros, mesmo considerando a pssima qualidade da acstica. Neste perodo, maisprecisamente nos anos de 1924 e 1925, graas ao aparecimento da Companhia do Cine-Teatro

    Olmpia, houve um surto de teatralidade soteropolitana. A Companhia chegou a montar

    cerca de 10 espetculos, mas sumiu dos noticirios em 1926 (FRANCO,1994).

    8Em 1910, foram inaugurados o Cinema Central, na Praa Castro Alves, o Cinema Ideal, no Largo do Papagaio,o Cinema Popular, em Itapagipe, O Cinema Castro Alves, no Largo do Carmo, O Recreio Fratelli Vita eBijou Theatre, no Bonfim. Em 1911, o Jandaya, na Baixa dos Sapateiros, o Rio Branco, na Praa Qunize deNovembro, e o Avenida, no Rio Vermelho (FRANCO,1994, p.31).

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    Nos anos de 1930, com a chegada do cinema falado, os Cine-Teatros resolvem investir

    definitivamente nesta atividade. Para piorar ainda mais a situao das apresentaes teatrais

    em Salvador, o Polytheama Bahiano fora destrudo em 1932 ao mesmo tempo em que foram

    inaugurados os Cassinos Tabaris e Antartyca e a pista de dana do Palace Hotel, que vieram a

    despertar a ateno da sociedade soteropolitana (FRANCO, 1994). O nico fato marcante para

    as artes cnicas na dcada de 30 ocorreu em 1935, quando foi apresentado ao Congresso

    Nacional o primeiro projeto de viabilidade de uma escola de teatro em Salvador.

    A dcada de 1940 pode ser considerada um marco para a histria do teatro no pas e

    para a profissionalizao da produo de espetculos. Esta dcada significou o ingresso do

    teatro brasileiro na modernidade, atravs da apresentao de Vestido de Noiva, de Nelson

    Rodrigues, em 1943, que foi encenada pelos Comediantes, no Rio de Janeiro e dirigida pelo

    polons Zbigniev Ziembinski. Em 1948, Franco Zampari cria o Teatro Brasileiro de Comdia

    (TBC), que, segundo Leo (2002), tem como objetivo abrigar a inquietao e o idealismo dos

    amadores e dos estudantes. Considerado a fbrica teatral, o grupo se assenta em bases

    empresariais assim que o seu fundador percebe que no poderia contar com o trabalho amador

    para estruturar as atividades artsticas do empreendimento, serve de modelo para o fazer

    teatral no eixo Rio-So Paulo e, consequentemente, em outras regies do pas (LEO, 2002,

    p.78).

    Apesar do crescimento das produes teatrais brasileiras, no s representadas pelos

    Comediantes e pelo TBC, mas por outras companhias nacionais de teatro, que inclusive eram

    subsidiadas pelo Servio Nacional de Teatro (SNT), Salvador ainda parecia que vivia em

    pocas passadas. O pblico baiano perdeu o costume de ir ao teatro, j que as companhias

    nacionais e internacionais no passavam pela cidade por no haver um palco que pudesse

    abrigar as suas apresentaes. Segundo Franco (1994), os cine-teatros, alm de serem

    deficientes, cobravam caros aluguis. E a conseqncia desta crise que a populao mais

    jovem no possuia o hbito de ir ao teatro. Como reflete esta autora (p.85), isso [...] nos levaa pensar em como sucessivas geraes de platias teatrais foram deformadas, por quase quatro

    dcadas, em Salvador e como se espera que essa situao seja revertida por fora de um

    milagre.

    Algumas significativas formaes amadoras foram identificadas nas dcadas de 1940-

    1950 em Salvador. Foram elas: Teatro Amador do Fantoches (1945), Hora da Criana (1947),

    Teatro de Cultura da Bahia (1952), o Teatro de Amadores da Bahia (1954) e o Teatro

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    Experimental da Bahia (1956). Juntaram-se a elas, os estudantes do Central, reunidos em As

    Jogralescas, recitais de poesia moderna tendo frente Glauber Rocha, Fernando da Rocha

    Peres e Paulo Gil Soares. Porm, estes grupos sofriam de uma grande instabilidade devido

    falta de incentivos financeiros para suas manutenes. Segundo Franco (1994), poucos eram

    os incentivos por parte do Estado para a produo das artes cnicas.

    Nos anos 50, apesar das dificuldades e da distncia entre o teatro e o pblico de

    Salvador, h referncias a quase 30 grupos cnicos locais9, pertencentes a organizaes

    religiosas, sociais ou polticas, formados para entretenimento ou catequese de seus

    integrantes. Outros estiveram ligados a centros educacionais. Entretanto, o bocado mais

    numeroso constitui-se de amadores independentes. (FRANCO, 1994, p.106-107).

    Em relao aos espaos para as apresentaes, no final da dcada de 1950, Salvador

    contava com os seguintes palcos: o Cine-Teatro Guarani, o Teatro do ICEIA e os recm-

    inaugurados Teatro Oceania (400 lugares), do SESC (1200 lugares) e Santo Antonio (206

    lugares).

    Em 07 de julho de 1958, contudo, foi inaugurado o maior e mais completo teatro da

    cidade, o Teatro Castro Alves, com 1600 lugares, com capacidade tcnica de abrigar de volta

    as grandes companhias nacionais e internacionais. Porm, dois dias depois, o teatro foi

    destrudo por um incndio at hoje no explicado, o que frustrou a todos que esperavam as

    apresentaes j divulgadas do Bal do Corpo de Baile do Teatro Municipal do Rio de Janeiro

    e de tantos outros grupos e atraes. As obras foram reiniciadas em 18 de julho de 1958 com

    uma missa campal no Campo Grande e a presena do governador, caracterizado de operrio.

    Somente em 04 de abril de 1959, houve uma falsa reinaugurao, com um show de Dorival

    Caymmi acompanhado da Orquestra Sinfnica da Bahia, na Concha Acstica do teatro, que

    nada havia sofrido com o incndio. Jornais da poca denunciaram a inaugurao de

    fachada. E as notcias fizeram com que o secretrio de Viao e Obras Pblicas, Antonio

    Balbino, fosse substitudo por Vieira de Melo.

    9Teatro de Amadores de Fantoches, A Hora da Criana, Clube de teatro Paulo Magalhes, teatro da Mocidadedo ICEIA, Teatro de Amadores do Centro Teodoro Sampaio, Teatro de Cultura da Bahia, Sociedade Teatralde Amadores da Bahia, Teatro Universitrio, Teatro de Amadores Auta de Souza, Grupo Teatral do CentroEspanhol, teatro Baiano de Shows e Revistas, Teatro dos Bancrios da Bahia, teatro de Amadores da Bahia,Grmio Dramtico Familiar, Teatro do Crculo Operrio, Grupo Cnico da Bahia, Teatro Esprita, TeatroMariano, Teatro Educativo, Teatro dos Funcionrios Pblicos, Teatro de Vanguarda Bertold Brecht, TeatroPopular dos Jovens, Grupo Renato Viana, Grupo Experimental de pera da Bahia, Teatro Experimental daBahia, Jogralescas do Colgio da Bahia, Juventude Teatral da Bahia, O Picadeiro, Teatro Vera Cruz e ABarca.

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    Apesar do nmero de produes teatrais destes anos, percebia-se a necessidade de uma

    profissionalizao do teatro baiano. Nas palavras de Franco (1994, p.115): no h dvidas de

    que o teatro soteropolitano nasceu velho. Nenhum dos grupos amadores formados nesse

    perodo envolveu-se com Stanislavski ou Brecht, quando eles j eram uma regra teatral em

    todo o mundo.

    Sobre o mesmo fato, Leo ( 2002, p.102) diz que:

    [...] as mudanas quantitativas no indicam uma renovao. A crtica local, emborafrgil na sua formao especfica, fornece indicadores da m orientao dosamadores pela falta de diretores, aponta a vaidade das estrelas, negao de umteatro como fruto do trabalho de equipe; discorre sobre a falta de espaostecnicamente aparelhados para encenaes mais audaciosas; expe as dificuldadesfinanceiras e o descaso dos poderes pblicos com relao dotao de recursos paraapoiar as iniciativas um pouco mais arrojadas, dando preferncia encenao de

    prespios vivos, dramas sobre a Paixo de Cristo ou festivais de teatro de qualidadeduvidosa, no caso o promovido pelo Clube Cruzeiro da Vitria, alvo de severascrticas por parte daqueles que se dedicam a escrever sobre o teatro feito emSalvador.

    Ainda assim, apesar das crticas, o teatro amador foi importante, pois significou o

    incio de uma longa caminhada ao profissionalismo. Numa tentativa de fortalecer as

    produes locais surge a Federao de Teatro Amador da Bahia, que tinha como objetivo

    propiciar o intercmbio de experincias entre Estados, alm de produzir eventos relacionados

    rea.

    Contudo, somente em 1956, com a inaugurao da Escola de Teatro da Universidade

    da Bahia (ETUB) que o caminho da profissionalizao de atores e diretores ganha fora. O

    Curso de Interpretao Teatral inicialmente era livre e depois tornou-se de nvel mdio. Mais

    tarde, passa a ser chamado de Curso de Formao do Ator e, em 1985, extinto e criado o

    bacharelado em Interpretao Teatral em substituio ao curso tcnico. J o curso de Direo

    Teatral, desde o incio, constitui-se como de nvel universitrio.

    Para dirigir a Escola de Teatro, o reitor Edgar Santos convida Martim Gonalves, um

    dos fundadores do Tablado (RJ), que fixa residncia em Salvador e, assim que assume a

    direo da Escola, cria a companhia cnica A Barca, cujas montagens impressionam a

    imprensa local pelo profissionalismo das suas apresentaes.

    No princpio, a Escola funciona nos pores da Reitoria, em salas da Escola de

    Enfermagem e depois na Av. Arajo Pinho, 12, onde hoje uma das unidades da Residncia

    Universitria. S em 1958, a escola se muda para o antigo Solar Santo Antnio, onde tambm

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    inaugurado o Teatro Santo Antnio, palco de aulas, ensaios e apresentaes dos seus alunos.

    Segundo Franco (1994, p.117), [...] a sociedade baiana ficou encantada com o refinamento

    intelectual da ETUB, com o brilho de seu diretor, passando a freqent-la para tomar ch em

    seus jardins e assistir s sesses teatrais. E conclui, [...] assim, o primeiro pblico do teatro

    soteropolitano a caminho da profissionalizao foi burgus, tal e qual as platias do TBC, em

    So Paulo, ou do novo teatro brasileiro, nos anos 50.

    Um importante fato em relao ETUB a administrao do seu diretor Martim

    Gonalves, que no s colocou em prtica todo o projeto dos cursos que a escola abrigava,

    mas tambm conseguiu recursos financeiros para implant-lo. Estes recursos foram

    provenientes da Fundao Rockfeller e se destinaram aquisio de material eltrico e

    eletrnico, alm de um vasto intercmbio cultural, com vindas de professores, um programa

    de traduo de peas por escritores de renome do Brasil e o desenvolvimento de uma seo de

    documentao da vida do pas.

    verdade que, com a criao da ETUB e a profissionalizao do pessoal envolvido na

    rea, houve um distanciamento entre os grupos amadores existentes e os novos profissionais

    que emergiam na vida teatral. Esta desunio foi cada vez mais acentuada devido s crticas

    que foram feitas a Martim Gonalves e seu modo de conduzir a formao de atores e

    diretores. [...] aface progressistado programa de Martim Gonalves para a Escola de Teatro

    no enxergada; atravs de um julgamento apressado, sua ao distorcida e seu trabalho

    tipificado como algo alienado e alienante um teatro burgus, tradicional, academicista.

    (LEO, 2002, p.168, grifo do autor).

    As crticas feitas Escola e ao seu diretor conduzem a dois fatos importantes:

    primeiro, a ruptura de um grupo pertencente primeira turma de formandos (dois meses antes

    da formatura em 1959) e alguns professores. Faziam parte chio Reis, Carlos Petrovich,

    Carmen Bittencourt, Martha Overbeck, Tereza S, Nevolanda Amorim, Mrio Gadelha, Sonia

    Robatto, Othon Bastos e os professores Joo Augusto, Gianni Ratto e Domitila Amaral, queretornaram para o Rio de Janeiro, por no concordarem com a administrao de Martim

    Gonalves. Segundo, foi o afastamento definitivo de Martim Gonalves, em 1961, fato que

    levou a escola decadncia, ocasionada tambm pela perda do patrocnio da Fundao

    Rockfeller anos aps sua sada.

    O grupo dissidente formou o Teatro dos Novos (TN), fundado em 1959, sob a

    liderana de Joo Augusto e foi considerado o primeiro grupo profissional da Bahia e talvez

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    o mais importante do estado em todo o sculo XX. (FRANCO,1994, p.118). Na dcada de

    60, perante a escassez de teatros em Salvador, o TN fez diversas apresentaes ao ar livre e

    em outros locais improvisados. Em 1960, o grupo constituiu a Sociedade Teatro dos Novos

    Ltda, reconhecida como de utilidade pblica. O objetivo da sociedade era a construo de um

    teatro prprio, livre, no pertencente ao Governo, nem tampouco dependente do apoio da

    iniciativa privada.

    Desde a formao da sociedade at a inaugurao do Teatro Vila Velha (TVV) em

    1964, foram anos difceis, quando o grupo procurou manter-se unido na busca de recursos

    financeiros para a construo do teatro. Tratava-se de um grupo com uma [...] identidade que

    ia desde o artstico at o poltico passando pelas relaes pessoais que exerceriam, diga-se de

    passagem, papel decisivo na consolidao da organizao e mesma na consecuo da meta

    proposta: a construo de um teatro para a Bahia. (MARTINEZ, 2002, p.29).

    Ao contrrio do que viveu na Escola de Teatro sob a direo de Martim Gonalves, a

    Sociedade tinha um modelo administrativo participativo, o que era decisivo para a obteno

    de resultados concretos. No existia estrelismo e os atores e atrizes podiam ser considerados

    artistas operrios. (MARTINEZ, 2002, p.31).

    Ainda na dcada de 60, a cidade ganha mais cinco novos espaos, o Cine-Teatro

    Nazar (1961), o Teatro de Hoje (1964), a Galeria de Artes da Biblioteca Pblica (1964), o

    Teatro Vila Velha (1964), o auditrio10 da Associao Cultural Brasil-Estados Unidos

    ACBEU (1966) e finalmente o to esperado Teatro Castro Alves (TCA) reinaugurado em

    1967. Embora o Teatro de Hoje e o Cine-teatro Nazar fossem acanhadas e sem condies

    tcnicas de qualidade para dar suporte aos diretores, vo se unir ao Teatro de Arena da Bahia,

    ao Cine-Teatro Guarani, ao Teatro do ICEIA, Concha Acstica do TCA e ao Teatro Santo

    Antnio, totalizando assim onze espaos capazes de abrigar produes artsticas, elevando a

    cidade de Salvador a produtora de um teatro profissional, apesar de toda a censura imposta

    pelo regime militar vivido no Brasil a partir de 1964 (FRANCO, 1994).A violncia contra a classe teatral e a censura foram marcas dos anos 70 em Salvador.

    Apesar de inmeros textos e espetculos serem censurados, as produes baianas continuaram

    a sua caminhada trabalhando com temas que refletiam a poca vivida pelos jovens, que eram

    10S na dcada de 80 que o auditrio transformado em Teatro.

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    maioria nos grupos teatrais. O diretor de espetculos, Luiz Marfuz11, comenta que esta poca

    diferenciou-se de qualquer outra dcada, pois os atores, diretores e corpo tcnico no tinham

    preocupaes relativas a remuneraes. O que todos queriam fazer era um teatro ideolgico,

    que abrisse a cabea do pblico que freqentava os espetculos.

    O nmero de teatros na cidade tambm cresceu, sendo, nesta dcada, inaugurados o

    Teatro Gamboa (80 lugares) e o Teatro do ICBA (150 lugares), em 1974, o Teatro do SENAC

    (400 lugares), em 1975 e o Teatro Gregrio de Mattos (280 lugares) e a Sala do Coro do TCA

    (150 lugares), em 1978.

    O reconhecimento da importncia do teatro baiano para a cultura local, fez com que a

    TV Aratu (na poca, repetidora da TV Globo) e o Jornal Tribuna da Bahia criassem o Trofu

    Martim Gonalves, cujo objetivo era premiar os melhores profissionais da rea. O Jornal A

    Tarde tambm lana sua premiao com o apoio da caderneta de poupana Tradio e o

    Restaurante Ya.

    A dcada de 70 tambm foi marcada pela criao da Fundao Cultural do Estado da

    Bahia, que j nos primeiros meses gerou muita polmica. O objetivo de sua existncia no

    estava claro para a classe artstica, o que gerou alguns atritos. Um deles aconteceu quando o

    ento secretrio de Educao e Cultura Rmulo Galvo chamou de coisinhas os espetculos

    teatrais. Em depoimento ao Jornal da Bahia de 23.09.1974, Alvinho Guimares (apud

    FRANCO, 1994, p.218, grifo nosso) citou o fato e replicou:

    [...] Estamos fazendo teatro numa grande cidade do interior, um teatro provinciano esrio, s vezes at enfezado. Trabalhamos mais vontade porque nossoscompromissos empresariais so menores e nos damos ao luxo de levar Brecht,Ionesco, Lorca e Tchekhov. Os produtores se contentam em no ter prejuzos e osatores, com cachs irrisrios [...] O Secretrio de Cultura, Rmulo Galvo, chegou adeclarar que havia gasto muito dinheiro patrocinando coisinhas [...]

    Desta declarao, pode-se perceber no s o descaso do poder pblico em relao ao

    apoio s produes teatrais, mas tambm abre-se um espao para a reflexo sobre a falta de

    preocupao do meio artstico em tratar o espetculo cnico como um negcio12, ao ponto de

    mencionar que a pouca relao com o empresariado, d maior liberdade de criao.

    11Em entrevista realizada em 30 de dezembro de 2005.12A palavra negcio utilizada no sentido comercial, onde so envolvidas relaes comerciais e transaes

    entre duas partes.

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    Se, por um lado, no havia ainda uma profissionalizao na produo dos espetculos

    at o final da dcada, os anos 70 foram marcados por um crescimento do nvel dos atores

    baianos, ao ponto de se considerar o teatro produzido em Salvador, um teatro artisticamente

    profissional. Segundo Franco (1994), o teatro amador ainda existente na cidade ficou restrito

    aos grupos egressos dos anos 50 e 60, que encenavam, geralmente, espetculos teatrais com

    temas de cunho poltico, contra o regime ditatorial. Seus movimentos foram em torno da

    Federao de Teatro Amador da Bahia, de grupos universitrios, escolares e de bairros.

    Vale lembrar apenas que, a respeito dos bons espetculos vindos de outros Estados ou

    pases, esta dcada foi fraca.

    Observa-se tambm que o profissionalismo apresentado nas peas locais refere-se

    exclusivamente aos atores e diretores. A atividade de produo artstica ainda no conseguia

    se mobilizar rumo profissionalizao e ainda carecia, na sua maioria, de recursos e de

    gesto.

    Na dcada de 80, com o fim do regime militar, a censura perdeu flego e a vida

    cultural ganhou novo espao, juntamente com os meios de comunicao.

    Novas peas foram produzidas em Salvador, num movimento ininterrupto de

    formao de atores e diretores. Entretanto, o descaso do poder pblico e a sua m

    administrao, fizeram com que teatros fossem fechados, como relata Franco (1994, p.279-

    280):

    [...] em 83, a Sociedade dos Novos desistiu de administrar o Vila Velha, arrendando-o Fundao Cultural do Estado da Bahia (FCEBa). Trs anos depois, apesar dacompetncia de sua diretora artstica, Sandra Berenguer, seu palco estava sendocedido a temporadas do teatro porn paulista e carioca, para pagar contas de gua eluz atrasadas pelo Estado [...] O Teatro, que foi a sede de criatividade e resistnciada arte local nos anos 60 e 70, nos anos 80 foi pouco mais que nada.A Sala do Coro do TCA acompanhou a decadncia do prprio teatro, fechado em 89sem condies de funcionamento, segundo sua diretoria. [...] O Teatro Gregrio deMattos foi fechado em 84 e reinaugurado em 89, pela administrao municipal.

    Apesar do descaso apresentado pelo Governo em relao aos seus teatros, a dcada de

    80 foi marcada pelo que pode ser considerado o boom de espaos culturais em Salvador,

    todos ligados iniciativa privada. Assim foram:

    - Teatro Maria Bethnia (600 lugares) construdo pela empresria Gilda Carvalho e

    localizado no bairro do Rio Vermelho, foi por muitos anos a referncia em Salvador, j que o

    TCA estava fechado;

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    - Teatro ACBEU (400 lugares) inaugurado em 1988 pela Associao Cultural Brasil

    Estados Unidos e localizado na Vitria, bairro nobre e centro de Salvador;

    - Teatro da Casa do Comrcio (600 lugares) construdo pela Federao da Indstria do

    Estado de So Paulo (FIESP) e administrado pela Federao do Comrcio do Estado da

    Bahia, o teatro foi construdo em 1989;

    - Outros espaos alternativos Fbrica, Circo Troca de Segredos em Geral, Espao Bleff,

    Fala, Restaurante La Fiacre, caf Concerto, restaurante Universitrio, Gabinete Portugus de

    Leitura, Ad Libitum, restaurante Rama e a Sala Cinco da Escola de Teatro da Universidade

    Federal da Bahia.

    A abertura de novos espaos com capacidade de pblico superior a 400 lugares fez

    com que muitas peas do sul do pas viessem a Salvador. Alm deste movimento, foram

    realizados na cidade, eventos representativos da rea, a exemplo do I Frum Nacional do

    Teatro. Nomes significativos nos dias atuais, como Fernando Guerreiro, Luiz Marfuz, Marcio

    Meirelles e Paulo Dourado ganharam espao com suas montagens. Segundo o prprio Luiz

    Marfuz13, se tratava de uma outra poca: com o fim do regime militar, os temas dos

    espetculos mudaram, saindo do poltico para o indivduo, sua vida cotidiana, seus conflitos.

    Por outro lado, o modo de fazer teatro tambm mudou. Na dcada anterior, os artistas se

    reuniam e decidiam o que iriam fazer. A partir dos anos 80, a figura do diretor se destacou e

    ele era o responsvel pelas decises quanto ao texto a ser encenado e formao de elenco.

    Nesta tendncia surgiu, em 1987, a Companhia Baiana de Patifaria, que Faria (1997, p.29)

    considerou o grande acontecimento para o teatro baiano, ainda que isso no estivesse claro

    naquela poca quando estrearam o espetculo Abafabanca no mesmo ano.

    Depois do sucesso de Abafabanca veio, em 1990, A Bofetada14, [...] um besteirol15

    pleno de baianidade (que) promoveu uma mudana radical no comportamento do pblico

    soteropolitano, sendo prestigiado por platias que, antes dele, preferiam freqentar

    espetculos visitantes com elencos televisivos globais. (FRANCO, 1994, p.353). O sucessofoi to grande, que, at 2005, o espetculo ainda lotava teatros em Salvador e em outras

    cidades do Brasil.

    13Entrevista realizada em 30 de dezembro de 2005.14Tambm produzido pela Companhia Baiana de Patifaria.15Estilo de comdia teatral, cujo texto retrata a vida cotidiana das pessoas, atravs de uma linguagem coloquial e

    na maioria das vezes irnica.

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    O sucesso obtido pelas produes da Companhia Baiana de Patifaria no foi

    considerado o padro do final dos anos 80. Segundo Franco (1994, p.295), [...] o teatro

    soteropolitano produziu durante 1981, 71 espetculos, nmero que, comparado s estrias

    mirradas de 1989 e 1990, d idia de como a verba estatal pode definir a existncia cultural de

    uma comunidade.

    Realmente, as produes da Companhia no podiam ser comparadas com as de outros

    espetculos. Alm do sucesso de pblico, ela se firmou no mercado pela inovao na gesto

    das suas produes. Consciente da falta de incentivos governamentais, seus gestores,

    liderados por Lelo Filho, partiram para a conquista do empresariado da cidade, adotando

    assim uma nova forma do fazer teatral, mais profissional e independente.

    Vale aqui uma pausa para a comparao da utilizao do termo independente usado

    acima em relao frase [...] trabalhamos mais vontade porque nossos compromissos

    empresariais so menores mencionada por Alvinho Guimares em 1974 16. Na dcada de 70,

    percebe-se que, para as produes teatrais da cidade, era mais importante ter liberdade de

    expresso, do que ter recursos financeiros para produzir seus espetculos. Este fato foi citado

    tambm por Fernando Guerreiro e Luiz Marfuz17. Tratava-se de uma independncia em

    relao ao empresariado e tambm ao governo. Em pouco mais de uma dcada, observa-se

    que esta frmula no funcionou, visto que sem apoio financeiro para montagem, produo e

    principalmente divulgao, difcil viabilizar um espetculo. A independncia na concepo

    da Companhia se d em relao ao apoio do poder pblico, que ao longo da histria aqui

    apresentada, pouco contribuiu para o desenvolvimento do mercado teatral.

    Nesta mesma linha de pensamento e atuao, surge outro fenmeno, que contribuiu

    para o processo de mudana do cenrio teatral baiano: o espetculo Recital da Novssima

    Poesia Baiana do grupo Los Catedrsticos. A pea ficou em cartaz por quase trs anos,

    sempre com platia lotada. Segundo Faria (1997, p.34)

    [...] dentre os critrios para considerar tais espetculos como marcos na vida teatralbaiana do ponto de vista da profissionalizao [...] esto: a afluncia do pblico aosespetculos (que desde ento alcanaram maior respeito e visibilidade em relao aogrande pblico) e a postura profissional e mercadolgica face ao produto-Teatro

    16Citada na pgina trinta e dois deste texto.17Em entrevistas realizadas nos dias 23 e 30 de dezembro de 2005, respectivamente.

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    Nas ltimas duas dcadas, a produo artstica vem se desenvolvendo a cada ano em

    Salvador, mas raro o exemplo de profissionalizao no qual pode-se espelhar. Na cidade,

    houve uma expanso no nmero de teatros, muitos deles pertencentes a instituies de ensino

    que buscam alternativas para agregar valor ao seu negcio principal, promovendo assim, o

    fortalecimento da imagem dessas instituies no mercado educacional. Um dos fatores

    impulsionadores deste processo foi o surgimento da nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB

    9394/96), que exige uma aproximao entre a arte e a educao.

    Hoje, o mercado de Salvador pulverizado, com teatros que atendem desde pequenas

    produes locais a grandes espetculos internacionais, com diferentes tipos arquitetnicos,

    pertencentes tanto aos setores pblico e privado, assim como tambm ao terceiro setor18.

    Em toda a trajetria de formao do mercado teatral, as aes dos poderes pblicos - embora

    insuficientes e descontnuas - e o apoio da iniciativa privada foram sempre importantes

    contribuies para o seu desenvolvimento e consolidao.

    Por isso, a seguir sero apresentadas as razes e as formas de interveno do Estado

    como importante agente deste mercado, alm das possveis contribuies do setor privado,

    atravs do mecenato e/ou do marketing cultural.

    18Vide apndice A

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    3 POLTICAS PBLICAS, DESCENTRALIZAO E MARKETING CULTURAL:IMPORTANTES CONTRIBUIES PARA O DESENVOLVIMENTO DACULTURA

    Ao se buscar definies e conceitos para cultura, percebe-se que se trata de um tema

    bastante antigo. Aristteles j a definia como o que no natural, ou seja, no est presente

    nas leis fsicas e biolgicas, [...] constituindo o conjunto de conhecimentos transmitidos de

    gerao para gerao, evitando que a humanidade tenha que recomear culturalmente a cada

    novo ciclo. (VALIATI; FLORISSI, 2005, p.5). Na antropologia, a cultura discutida como

    um sistema comum de significados que aprendido e participado pelos membros de um grupo

    social. Nesta dimenso, Botelho (2001, p.3) define a cultura como tudo que o ser humano

    elabora e produz, simblica e materialmente falando, ou seja, o indivduo o agente

    responsvel pelo desenvolvimento cultural de uma sociedade.

    Em seus trabalhos, Botelho (2001) destaca tambm que a ao efetiva das polticas

    pblicas acontece quando a cultura tratada como componente de uma outra dimenso: a

    sociolgica. A autora desenvolve a idia de que, ao abandonar o plano cotidiano do indivduo,

    busca-se produo elaborada com a inteno explcita de construir determinados sentidos e

    de alcanar algum tipo de pblico, atravs de meios especficos de expresso. (BOTELHO,

    2001, p.3). Para tanto, o indivduo dever ter condies de se desenvolver e aprimorar seus

    talentos, ao mesmo tempo em que precisar de canais que lhe permitam expressar-se. Aqui

    percebe-se a referncia a um conjunto de demandas polticas, profissionais, institucionais e

    econmicas que possa viabilizar o desenvolvimento cultural. Nesta anlise, abandona-se o

    universo privado de cada um (viso antropolgica) e parte-se para um mbito de sistemas

    abertos organizados socialmente, com uma organizao da produo cultural que permite a

    formao e/ou aperfeioamentos daqueles que pretendem entrar nesse circuito de produo,

    que cria espaos ou meios que possibilitam a sua apresentao ao pblico, que implementaprogramas/projetos de estmulo e que cria agncias de financiamento para os produtores.

    Como exemplo de um sistema organizado e com uma presena marcante nas atuais

    sociedades, destaca-se a indstria cultural, que evoluiu a partir da revoluo industrial do sc.

    XVIII e se consolidou com a sociedade de consumo do sc. XIX. A indstria cultural

    conseguiu se afirmar com maior facilidade, quando comparada a outras atividades culturais,

    por possuir as seguintes caractersticas: potencial para produo em srie, consumo igual a

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    qualquer outro produto, elevada utilizao de mquina, submisso do ritmo humano ao ritmo

    da mquina, diviso e alienao do trabalho e ausncia da livre expresso e do conhecimento

    como atributos da cultura, matria-prima desta indstria.

    Nos anos 90, os Estados Unidos (EUA) e o Canad definiram no acordo de livre

    comrcio, as atividades s quais pertencem indstria cultural (COELHO, 1999, p.216):

    a) a publicao, distribuio ou venda de livros, revistas ou jornais impressos empapel ou que podem ser lidos por intermdio de uma mquina (revistas em CD-ROM, por exemplo);b) a produo, distribuio, venda ou exibio de filmes e vdeos;c) a produo, distribuio, venda ou exibio de gravaes musicais em udio ouvdeo;d) a produo, distribuio ou venda de msica impressa ou em forma legvel pormquina;e) a comunicao radiofnica ou televisiva em aberto (broadcast), por assinatura ou

    no sistemapay per view(tv a cabo, transmisses por satlite).

    Por ser um sistema amplo e massificante, a indstria cultural tida como alienante,

    pois o indivduo levado a no meditar sobre si mesmo e sobre a totalidade do meio social

    circundante, transformando-se com isso em mero joguete e, afinal, em simples produto

    alimentador do sistema que o envolve (COELHO, 1980, p.33). Porm, ela tambm tida

    como um processo democratizador, j que colocada ao alcance da massa, sendo, portanto,

    instrumento privilegiado no combate dessa mesma alienao; um processo de revelao

    contrrio ao processo de alienao. Noberto Bobbio, pensador italiano, alm de considerar aindstria cultural como doutrinante, diz ser um dos paradoxos da democracia.

    Alienante ou democratizadora, a indstria cultural uma realidade com a qual deve-se

    conviver e procurar orient-la da melhor maneira possvel.

    Seja para regular a indstria cultural, seja para incentivar outras formas de expresses

    artsticas, a formao de polticas pblicas bem elaboradoras considerada um eixo

    fundamental, no s pelo apoio cultura, como tambm pelo incentivo ao desenvolvimento

    de um setor que se mostra cada vez mais importante social e economicamente.

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    3.1 ECONOMIA DA CULTURA, FALHAS DE MERCADO E RAZES PARAINTERVENO DO ESTADO

    Fazendo uma anlise econmica do mercado cultural, encontrar-se- em Baumol e

    Bowen (1966 e 1996), Throsby (1979, 2001), Farina, Azevedo e Saes (1997), Porrse et. al.(2005) e Viliati e Florissi (2005), quatro importantes justificativas que apontam para a

    necessidade das aes de polticas pblicas voltadas para a cultura. O estudo desses autores,

    possivelmente, teve a influncia do Princpio dos Bens Meritrios de Musgrave (1959), que

    considerava os bens de mrito como aqueles que o Estado deveria ofertar mesmo que a

    sociedade no os demande em um primeiro momento.

    Dentro de uma anlise da relao entre o Estado e o mercado, o Estado deve intervir

    toda vez que as transaes impessoais de mercado apresentam falhas na alocao eficiente derecursos (FARINA; AZEVEDO; SAES, 1997). As falhas ocorrem quando os agentes atuantes

    no mercado no so capazes de agir com eficincia para manter o mercado em pleno

    funcionamento. As principais causas das falhas so as externalidades (positivas e negativas),

    as informaes assimtricas ou imperfeitas eos bens pblicos e o poder de monoplio.

    A produo da cultura considerada como uma externalidade positiva. Por

    externalidade entende-se os subprodutos de um processo de produo que no podem ser

    apropriados por aqueles que o produziram. Quando as externalidades so positivas, geram

    aumento de bem-estar sociedade e desejvel que a produo do bem em questo seja

    maior do que aquela disponibilizada no mercado. Entretanto, por falta de estabelecimento de

    direitos de propriedade, incorre-se em uma subproduo do mesmo (PORRSE et. al, 2005,

    p.3). Utilizando um exemplo relacionado produo de Artes Cnicas, a apresentao de um

    espetculo poderia promover o turismo em uma determinada cidade e gerar emprego e renda,

    movimentando a economia local. Porm, a iniciativa para este investimento no possui

    estmulo do setor privado, j que os subprodutos gerados pelo turismo da cidade no sero

    apropriados pelos produtores do espetculo. Sendo assim, esta a primeira razo para a

    interveno do Estado como provedor/financiador da cultura, j que a produo de bens

    culturais ser inferior quela considerada tima pela sociedade (BAUMOL; BOWEN, 1996,

    p. 369-386).

    O segundo motivo para aplicao de polticas pblicas culturais reporta-se aos estudos

    de Baumol e Bowen (1966). Segundo esses autores, diversos setores da economia possuem

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    um alto crescimento de produtividade, devido inovao tecnolgica. Na rea cultural, a

    inovao tecnolgica pouco utilizada, quando comparada com o setor industrial, por

    exemplo, ou seja, trata-se ainda de um setor intensivo em trabalho, o que dificulta os ganhos

    de produtividade tecnolgicos. Por conseqncia, o custo relativo das produes culturais

    elevado e crescente e o repasse integral para os preos no acontece, visto que o consumidor

    no est disposto a pagar. Desta forma, a escassez seria continuamente reiterada. Valiati e

    Florissi (2005, p.3) sugerem que:

    [...] a presena de agentes fomentadores no seria apenas um incentivo, mas simquase uma questo de sobrevivncia das atividades. Ao promover subsdios ao setorcultural, o Estado diminui preos aos quais sero submetidos os consumidores eacaba por realizar uma poltica de incluso de uma parcela da populao que, casoos preos refletissem os reais custos, estaria sendo excluda do mercado. Almdisso, a existncia de subsdios para a produo de atividades culturais acabaria poraumentar a oferta de bens culturais, diminuindo a escassez neste mercado.

    O terceiro motivo se refere natureza do tipo do bem que ofertado no mercado:

    pblico, privado ou meritrio. A cultura pode ser considerada como um bem para-pblico

    (PORSSE et. al, 2005) ou chamado tambm de coletivo (FARINA; AZEVEDO; SAES,

    1997), apresentando caractersticas de bem pblico e de bem privado. Sendo um bem pblico,

    a cultura pode ser analisada como no-excludente e/ou no-disputvel (no-rivais). Qualquer

    das duas caractersticas suficiente para gerar uma falha de mercado. Por definio, um bem

    considerado no-disputvel, quando seu custo marginal zero, ou seja, o consumo de mais

    um espectador (no caso de produes artsticas) no reduz a quantidade disponibilizada para

    os demais espectadores. As produes culturais tambm so, em determinado aspecto, no-

    excludentes, pois o aumento no nmero de espectadores, at a capacidade total da casa de

    espetculo, no aumenta o custo de produo. O custo da apresentao de um espetculo para

    10 pessoas o mesmo que para 100 pessoas, desde que no ultrapasse o nmero de poltronas

    disponveis no teatro. Por outro lado, a excluso tambm ocorre na medida em que nem toda a

    populao tem acesso, devido ao preo do ingresso.Por sua vez, a produo cultural tambm um bem privado, j que pode ser realizada,

    sem a iniciativa governamental, com patrocnio e apoio do setor privado. Alm disso, pode ser

    considerado um bem privado, mesmo com incentivos pblicos, na medida em que os preos

    praticados dos ingressos so determinados pelo produtor, baseado nas suas planilhas de custos

    e na demanda de mercado.

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    O quarto e ltimo motivo a ser apresentado refere-se questo de que a valorao da

    cultura est ligada diretamente ao processo educacional de uma populao. A preservao de

    valores, smbolos e crenas presentes na sociedade de grande importncia para seu

    desenvolvimento. Para Throsby (1979, 2001 apud VALIATI; FLORISSI, 2005, p. 4), que

    analisa o consumo futuro e seu relacionamento com a teoria do capital humano,

    [...] o aumento do nvel de educao (acmulo de capital humano) leva a umdeslocamento tanto na curva de consumo de bens culturais quanto nas curvas deindiferena, o que supriria a criao de oferta de bens culturais. Assim poder-se-iaofertar bens culturais meritoriamente e garantir sua demanda futura a partir de umapoltica educacional.

    Aps a exposio de motivos para a interveno estatal na formao cultural da

    sociedade, ser apresentada a seguir, uma anlise da relao entre o Estado e a cultura no

    Brasil.

    3.2A RELAO ESTADO-CULTURA NO BRASIL

    O Estado pode promover direta ou indiretamente a cultura. Ao contratar servios da

    iniciativa privada ou produzir atividades culturais atravs de rgos estatais, o Estado

    promove a cultura de forma direta. Quando o poder pblico transfere esta responsabilidade

    para o setor privado, ou seja, empresas se tornam produtoras/financiadoras de aes culturais

    atravs de incentivos fiscais, o desenvolvimento cultural realizado indiretamente pelo

    Estado. Porrse et. al (2005) aponta duas vantagens para a segunda opo: baixos custos de

    transao envolvidos, devido menor burocracia (conseqentemente maior eficincia dos

    gastos) e a impossibilidade de apropriao poltica de atividades artsticas. Porm, a nfase

    dada participao isolada do setor privado, sem a preocupao com uma poltica mais

    ampla, requer tambm uma avaliao criteriosa.No Brasil, a relao Estado-cultura no tem demonstrado ser uma prioridade para os

    governantes. Na histria do pas, a rea cultural sempre foi vista como um acessrio das

    outras reas governamentais (BOTELHO, 2001). Segundo Valiati e Florisse (2005, p. 6, grifo

    dos autores), a aproximao entre os dois plos se d a partir da dialtica da arte semi-

    oficial, ou seja, uma convergncia entre o poder e a sustentao do mesmo pela atividade

    artstica, na qual deposita-se a ideologia conveniente ao Estado. Este processo ocorreu

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    durante os anos 30, onde o Presidente da Repblica, Getlio Vargas, nomeou grandes artistas

    para cargos burocrticos no Estado Novo19e com isso, conseguiu manter uma boa relao

    com a classe artstica brasileira, que sempre se mostrou esclarecida ideologicamente. Este

    modelo de poltica cultural, que aqui pode-se chamar de nacionalista, se estendeu at o regime

    militar de 1964.

    Nos anos 70-80, houve uma maior preocupao com a cultura nacional atravs de um

    suporte a produes culturais por parte do poder pblico e a formao de polticas culturais

    mais efetivas. Em 1970, foram criadas as secretarias estaduais de cultura, vinculadas ao

    Ministrio da Educao e Cultura, alm de alguns rgos de fomento, como a Concine (1976).

    O governo Sarney (1986-90) chegou a demonstrar sinais de consolidao do setor, com a

    criao do Ministrio da Cultura (desmembrado da Educao) e a elaborao de leis de

    incentivo fiscais, como a Lei Sarney (7.505/86), que permitia a deduo de 10% do Imposto

    de Renda de pessoas fsicas e 2% de pessoas jurdicas como recursos aplicados na produo

    artstica. O problema da utilizao da lei nos anos aps a sua criao, foi a falta de

    fiscalizao por parte do governo, j que a transao entre o patrocinador e as empresas e

    produtores culturais era feita diretamente, sem prvia autorizao do projeto, o que dificultava

    um maior controle pblico.

    Logo em seguida, o governo Collor no s extinguiu a Lei Sarney e o Ministrio da

    Cultura20, como promoveu uma destruio nas instituies federais responsveis pelo

    patrimnio histrico e artstico nacional e pela ao cultural e artstica, tendo claro,

    repercusso nas esferas estadual e municipal. Foram extintos a Fundao Nacional de Artes

    Cnicas (Fundacen), a Fundao do Cinema Brasileiro (FCB), a Embrafilme, a Fundao

    Nacional Pr-Leitura e o Conselho Federal de Cultura.

    Ao final do rpido governo de Fernando Collor, ocorreu uma reviravolta na rea

    cultural. O ento secretrio da cultura, Luis Paulo Rouanet, promoveu uma reviso da Lei

    Sarney e criou a Lei Rouanet (8.313/91) e instituiu o Programa Nacional de Apoio Cultura(Pronac), que formado por trs mecanismos: o Fundo Nacional de Cultura (FNC), o

    19Carlos Drummond de Andrade, chefe do gabinete do ministrio da Educao, assessorado por Villa Lobos,Portinari e Ceclia Meirelles; Manuel Bandeira, presidente do Instituto Nacional de Belas-Artes e Mrio deAndrade, no Patrimnio Histrico Nacional.

    20Rebaixado Secretaria de Cultura

    http://www.cultura.gov.br/apoio_a_projetos/lei_rouanet/index.php?p=232&more=1&c=1&pb=1http://www.cultura.gov.br/apoio_a_projetos/lei_rouanet/index.php?p=232&more=1&c=1&pb=1
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    Mecenato, e o Fundo de Investimento Cultural e Artstico (Ficart). Tambm neste perodo, foi

    recriado o Ministrio da Cultura (1992) e a Lei do Audiovisual (8.685/93).

    Somente em 1994, no incio do governo Fernando Henrique Cardoso, que a

    administrao da rea cultural comeou a ser formatada. O Ministrio da Cultura foi

    definitivamente desmembrado do Ministrio da Educao e foram criados colegiados e

    fundaes, a exemplo do Conselho Nacional de Poltica Cultural e a Comisso Nacional de

    Incentivo Cultura. Segundo a Fundao Joo Pinheiro (apudVALIATI; FLORISSI, 2005),

    o investimento cultural realizado diretamente pelo governo federal passou a representar cerca

    de 33% do total investido em cultura (Unio, Estado e Municpios).

    A Lei Rouanet tambm sofreu alteraes, principalmente no percentual abatido do

    Imposto de Renda de pessoas fsicas e jurdicas destinado ao patrocnio de projetos culturais.

    Desde 1997, o abatimento para pessoas fsicas corresponde a 4% e para pessoas jurdicas, 6%

    do Imposto de Renda devido.

    Atualmente, o Brasil possui tambm leis de incentivos fiscais em mbitos estadual21e

    municipal22. Especificamente para o mercado cultural de Salvador, as leis de incentivos sero

    expostas no item 4.2.2 desta pesquisa, quando se far uma anlise deste mercado.

    3.2.1 Descentralizao e desconcentrao de polticas pblicas: alternativas para a

    melhoria das aes do governo

    Um dos pontos discutidos quando se trata de polticas pblicas se elas devem ser

    descentralizadas ou no. Este assunto ainda mais relevante quando se trata de pases que

    possuem uma grande extenso territorial, uma grande heterogeneidade cultural e profundas

    desigualdades sociais e econmicas, como o caso do Brasil. A legislao brasileira no

    prev a distribuio de responsabilidades e competncias no investimento e financiamento de

    aes culturais entre as trs esferas de governo. Ela apenas afirma de forma geral, a

    21Os estados que possuam leis prprias at 2005: Acre, Bahia, Cear, Distrito Federal, Gois, Mato Grosso,Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Par, Paraba, Paran, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte,Rio Grande do Sul, Santa Catarina e So Paulo.

    22Os municpios que possuam leis prprias at 2005: Aracaju, Belm, Belo Horizonte, Cabedelo, Caxias do Sul,Contagem, Curitiba, Florianpolis, Goinia, Itaja, Joo Pessoa, Juiz de Fora, Londrina, Macei, Maring,Ponta Grossa, Porto Alegre, Rio Branco, Rio de Janeiro, Santa Maria, Santo Andr, So Jos dos Campos eSo Paulo.

    http://www.cultura.gov.br/apoio_a_projetos/lei_rouanet/index.php?p=233&more=1&c=1&pb=1http://www.cultura.gov.br/apoio_a_projetos/lei_rouanet/index.php?p=236&more=1&c=1&pb=1http://www.cultura.gov.br/apoio_a_projetos/lei_rouanet/index.php?p=236&more=1&c=1&pb=1http://www.cultura.gov.br/apoio_a_projetos/lei_rouanet/index.php?p=233&more=1&c=1&pb=1
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    participao federal, estadual e municipal no fomento cultura, atravs do incentivo

    produo, difuso e manuteno do patrimnio cultural.

    Apesar dessa falha na legislao brasileira e dos fortes problemas de endividamento

    e desequilbrios fiscais, os estados e municpios, por intermdio de suas secretarias, fundaes

    e rgos setoriais vm aumentando suas participaes na gesto e no fomento s atividades

    culturais quando comparadas