BERTOCENLO, Edilson Ricardo Emiliano. Revisitando Os Estudos Do Desenvolvimento

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  • 95BIB, So Paulo, n 71, 1 semestre de 2011, pp. 95-122.

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    Edison Ricardo Emiliano Bertoncelo

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    O objetivo deste artigo mapear os es-tudos e pesquisas sobre o desenvolvimento, revelando os confrontos tericos e metodo-lgicos entre as principais perspectivas de anlise. O objetivo proposto supe a exis-tncia de um campo de estudos que possui um objeto de investigao particular, alm de teorias, mtodos e conceitos construdos para lidar com problemas de pesquisa espec-cos: os estudos do desenvolvimento se vol-tam particularmente para a investigao dos processos de reproduo e transformao sociais dos pases em desenvolvimento, em conjunto com os fatores internacionais que inuenciam tais processos (Martinussen, 2005 [1995], p. 4; traduo prpria).

    Obviamente, a preocupao com o pro-cesso de desenvolvimento antecede a forma-o desse campo e, portanto, no se restringe a ele. Em confronto com os neoclssicos de seu tempo, preocupados fundamentalmen-te com o equilbrio na alocao de recursos pelo mercado, o economista alemo, Joseph Schumpeter (1997 [1912]), colocava maior nfase sobre os fatores de desequilbrio do sistema econmico, especialmente os agen-tes produtores de inovaes, que produziam transformaes na utilizao dos fatores pro-dutivos. Da, a distino entre desenvolvi-mento, resultante de inovaes relacionadas com a introduo de novas tcnicas de pro-duo, novos produtos ou novas maneiras de

    organizar as relaes de produo, por um lado, e crescimento, que tem a ver simples-mente com o aumento da capacidade de produo, por outro.

    verdade que os estudos do desenvol-vimento se apropriaram dessa distino, concebendo o desenvolvimento como um processo que envolve profundas transfor-maes estruturais e, ao mesmo tempo, distanciando-se da teoria neoclssica e sua problemtica do equilbrio e ecincia na alocao de recursos. Ainda nesse vis das origens tericas do campo de estudos do de-senvolvimento nunca demais ressaltar a importncia que tiveram os autores clssicos das cincias humanas (Martinussen, 2005, p. 19-30). Ao mesmo tempo, esse campo de estudo prope uma nova mirada sobre o fenmeno. Nele, o desenvolvimento fre-quentemente concebido como um processo multidimensional, que no se esgota em seu aspecto econmico. Ademais, as escolhas metodolgicas propostas geralmente cir-cunscrevem os objetos de investigao aos pases includos sob o que se convencionou chamar de Terceiro Mundo (com enfoque ora sobre os aspectos que os assemelham ora sobre os aspectos que os diferenciam), to-mados, em seu conjunto, como qualitativa-mente distintos dos pases avanados.

    A formao do campo dos estudos do de-senvolvimento ocorreu nas dcadas de 1940 e 1950, concomitantemente ao processo de descolonizao nos continentes africano e

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    asitico, ao incio da Guerra Fria, que ense-jou as disputas geopolticas entre as grandes potncias (e resultou na diviso tripartite do mundo), e s mudanas no sistema econmi-co mundial em decorrncia da Grande De-presso e da Segunda Guerra Mundial. Sua problemtica fundamental residia em expli-car as diferentes experincias de desenvolvi-mento entre os pases ora industrializados e aqueles que ento se desligavam dos laos co-loniais ou que, j deles desligados, passavam por transformaes resultantes de mudanas na vinculao economia mundial (caso de alguns pases latino-americanos) (Valenzuela e Valenzuela, 1978). Embora se assemelhem em termos da problemtica, os estudos no campo divergem enormemente no que se refere conceituao do fenmeno (o que desenvolvimento?), concepo da natu-reza e dinmica do desenvolvimento (como entender o processo, as causas do atraso, as condies de mudana, o papel dos ato-res etc.?), aos mtodos de investigao (ex.: unidade de anlise) e s estratgias para in-terveno (qual o papel do Estado ou da sociedade civil?).

    Entre as dcadas 1950 e 1970, os prin-cipais embates no campo se davam entre trs perspectivas: a teoria da modernizao, o estruturalismo cepalino e a anlise da de-pendncia. Na dcada de 1980, duas outras perspectivas emergiram (ou ganharam for-a) em resposta s diculdades daquelas em lidar com a crescente diferenciao entre os pases do Terceiro Mundo, quando alguns pases do Leste Asitico, especialmente Co-reia do Sul e Taiwan, deixaram para trs os pases relativamente mais desenvolvidos da Amrica Latina (Argentina, Brasil e M-xico) em termos de diversos indicadores

    econmicos, sociais e culturais. So elas: a perspectiva centrada no Estado e a perspectiva neoliberal. Por m, gostaria de destacar al-guns estudos que propem uma nova abor-dagem do fenmeno do desenvolvimento em face das mudanas ocorridas no cenrio econmico e poltico internacional a partir das dcadas de 1970 e 1980, relacionadas com o fenmeno da transnacionalizao do capital e com a emergncia de uma nova es-trutura de regulao das relaes comerciais e nanceiras internacionais e de proteo propriedade intelectual.

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    A teoria da modernizao surgiu dos esforos de pesquisadores de diversas disci-plinas acadmicas para compreender a natu-reza das diferenas do desenvolvimento entre os pases do Primeiro Mundo e os pases do Terceiro Mundo, categorias que correspon-diam ao lado do bloco comunista di-viso tripartite do mundo aps a Segunda Guerra Mundial (Sztompka, 2005)1.

    Nessa perspectiva, que se tornou bastan-te difundida entre as dcadas de 1950 e 1960, o processo de desenvolvimento entendido como modernizao, que se refere aos esfor-os das sociedades atrasadas para alcanar as sociedades avanadas em termos econmi-cos, polticos, culturais e sociais. Nesse senti-do, desenvolvimento envolve um movimen-to de convergncia das sociedades nacionais (unidade de anlise bsica) em torno de uma estrutura institucional e um sistema de nor-mas e valores comuns (Lerner, 1958; Kerr et al., 1963 [1960]).

    1 Ver tambm Valenzuela e Valenzuela (1978) e So (1990).

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    Central a essa perspectiva a oposi-o entre formas tradicionais e modernas de organizao da vida social. Tradio e mo-dernidade so tomadas como polos de um continuum: com base em premissas retiradas da teoria evolucionista, os estudos da mo-dernizao entendem que a transio entre eles envolveria mudanas sequenciais, incre-mentais, irreversveis e inevitveis que con-duziriam a transformaes qualitativas em diversos mbitos da vida social. O polo do moderno adquiria centralidade, pois reunia os traos caractersticos das sociedades ento industrializadas e desenvolvidas (essencial-mente as sociedades da Europa Ocidental e os Estados Unidos; da, a acusao de etno-centrismo dirigida a essa perspectiva). O tra-dicional denido logicamente em oposio quele seria simultaneamente expresso e causa do atraso. Alguns de seus traos podem ser assim identicados: comportamento so-cial fracamente orientado para a realizao, mobilidade social restrita, estrutura produ-tiva pouco diversicada, economia de mer-cado incipiente, burocracia estatal precaria-mente constituda etc. (Black, 1971 [1966]).

    Esse quadro analtico-conceitual foi comum a vertentes vinculadas a diferentes disciplinas: a economia do desenvolvimento enfocava a escassez de capital e/ou a falta de capacidade empresarial como os principais traos das sociedades tradicionais e os deter-minantes dos incipientes nveis de poupana e de investimento produtivo que bloquea-vam a expanso da moderna economia de mercado (A. Lewis; H. Domar; R. Nurske; W. W. Rostow); a vertente sociolgica, pro-fundamente inuenciada pelo funcionalis-mo estrutural, colocava maior nfase sobre as variaes nos sistemas normativos pre-dominantes e no processo de diferenciao estrutural, entendendo que valores e normas de comportamento tradicionais (comporta-mento pouco orientado para a realizao e

    desempenho, incipiente institucionalizao da racionalidade instrumental, desprezo por atividades manuais e materiais) bloque-ariam a expanso dos elementos modernos (T. Parsons; N. Smelser; S. M. Lipset); a ci-ncia poltica, por sua vez, entendia que o atraso era causado pela reproduo de ca-ractersticas tradicionais do sistema poltico; nesse sentido, a modernizao decorreria da diferenciao poltica, da instaurao de formas democrticas de governo, da insti-tucionalizao de direitos de cidadania, da constituio de uma administrao pblica imparcial e universalista e da construo de um aparato estatal capaz de conduzir o de-senvolvimento social e distribuir bens coleti-vos (J. Coleman; G. Almond).

    Diferenas parte, todas essas vertentes viam o desenvolvimento como um processo de modernizao que conduziria a uma con-vergncia das estruturas institucionais e bases normativas das sociedades tradicionais com as sociedades modernas. Por isso, a moder-nizao um processo homogeneizador. Alm disso, este um processo sistemtico e trans-formativo, porque produz mudanas mais ou menos simultneas em diversas dimenses da vida social (industrializao, urbanizao, elevao da mobilidade social, diferenciao estrutural, secularizao). Consequentemen-te, o atraso seria apenas uma etapa no pro-cesso de desenvolvimento, produto da repro-duo de traos tradicionais; desenvolver-se supe superar os obstculos da tradio.

    Diversas crticas foram dirigidas te-oria da modernizao e a algumas de suas premissas e postulados: ao etnocentrismo, decorrente de se derivar o moderno das ca-ractersticas das sociedades avanadas da Eu-ropa e dos Estados Unidos; ao determinismo pressuposto na premissa evolucionista que via a modernizao como um movimento inevitvel e necessrio, desconsiderando ca-minhos alternativos ao desenvolvimento; ao

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    postulado funcionalista acerca da incompa-tibilidade entre o tradicional e o moder-no etc. O que mais nos interessa aqui, no entanto, apontar as insucincias tericas e metodolgicas da teoria da modernizao a partir das perspectivas do estruturalismo e da teoria da dependncia. Comum a estas duas a crtica oposio entre tradicional e mo-derno como elemento analtico central para explicar o desenvolvimento. Embora as so-ciedades possam ser diferenciadas em termos das caractersticas de suas estruturas sociais, no isso que est no cerne do problema. Ao invs, para ambas as perspectivas, o desen-volvimento moldado historicamente pela forma de vinculao das sociedades nacionais ao sistema econmico mundial, hierarquica-mente organizado. E tais formas de vincula-o moldam a estrutura social interna (assim como esta condiciona as formas de vincula-o economia internacional). Mais funda-mentalmente, as diferentes experincias de desenvolvimento so entendidas como con-formadas por um mesmo processo histrico, de expanso do sistema capitalista em plano global, que produziu, simultaneamente, o desenvolvimento e o subdesenvolvimento, categoria esta que substitui a noo de atraso, por sublinhar que permanecer na periferia do sistema capitalista uma condio estrutural, historicamente moldada, e no uma mera etapa. Consequentemente, tomar a sociedade nacional como a unidade bsica de anlise como faziam os estudos da modernizao insuciente por desconsiderar as relaes en-tre os mbitos interno e externo as formas de insero das sociedades nacionais no sistema econmico e poltico mundial e as relaes internas que sustentam distintas formas de vinculao entre os componentes do sistema.

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    O estruturalismo uma perspectiva de anlise do desenvolvimento intimamente vinculada produo da Cepal (Comisso para Estudos da Amrica Latina e Caribe). O marco inicial dessa corrente pode ser en-contrado em um artigo do economista ar-gentino, Ral Prebisch, publicado em 1949. Como destaca um importante intrprete da corrente cepalina, as primeiras doutrinas e convices econmicas de Ral Prebisch emergem da experincia de um dirigente do banco central enfrentando problemas mo-netrios e de importaes de muito difcil soluo (Rodriguez, 2009, p. 72). Prebis-ch viria a entender tais problemas como produto da vulnerabilidade da economia argentina (e de outras economias latino--americanas) s vicissitudes do comrcio internacional, associando-as ao tipo de vin-culao das economias da regio ao sistema capitalista mundial (Prebisch, 1949, 1952, 1963; Cepal, 1949).

    possvel distinguir um conjunto de ciclos interpretativos na produo cepalina ao longo das ltimas dcadas, que tentam acompanhar as mudanas no cenrio in-ternacional e acomodar disputas tericas. Embora seja extremamente relevante para a compreenso da complexidade do estrutura-lismo, a descrio de tais ciclos no nos in-teressar aqui2. Ao invs, gostaria de destacar os principais elementos do quadro analtico e conceitual construdo por essa corrente.

    O estruturalismo produziu um enfoque bastante peculiar para investigar o processo de desenvolvimento (observando especial-

    2 Remeto o leitor s obras de Rodriguez (2009) e Bielschowsky (2000).

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    mente os pases latino-americanos), denomi-nado de mtodo histrico-estrutural. Nele, o capitalismo concebido como um sistema que se conforma no plano global e se pola-riza em centro e periferia. A concepo do sistema centro-periferia que o ncleo bsico do pensamento cepalino serve para descrever o processo de difuso do progresso tcnico e a distribuio de seus ganhos no sistema capitalista mundial: no centro, que inclui as economias j industrializadas, o progresso tcnico se espalhou rapidamente, diversicando o tecido produtivo e homoge-neizando a estrutura social. Diferentemente, na periferia da economia mundial que se constitui inicialmente como exportadora de produtos primrios aos pases industria-lizados a penetrao do progresso tcnico foi exgua, restrito aos setores voltados para a exportao, resultando em estruturas pro-dutivas marcadas por forte especializao e estruturas sociais extremamente heterogne-as (Bielschowsky, 2000 [1988], p. 11-29). A partir desse contedo bsico, foram cons-trudas as anlises propriamente ditas, que tentavam dar conta de diversas tendncias peculiares do desenvolvimento de longo pra-zo das economias perifricas, especialmente a deteriorao dos termos de troca, a persis-tncia do subemprego estrutural e da ina-o e a tendncia reiterao do desequil-brio externo (Sunkel, 1958; Furtado, 1961; Pinto, 1970).

    A tese da deteriorao dos termos de troca foi importante para fundamentar a

    crtica teoria liberal do comrcio inter-nacional, em voga desde o nal do sculo XIX, ao conectar a noo da difuso desi-gual do progresso tcnico com a ideia da distribuio desigual de seus ganhos no sistema capitalista internacional (Bielscho-wsky, 2000). Seguindo a tese ricardiana de que a especializao produtiva segundo o princpio das vantagens comparativas eleva-ria os ganhos do comrcio internacional, a teoria liberal insistia que a distribuio desi-gual do progresso tcnico seria compensada pela transferncia dos benefcios derivados da elevao da produtividade por meio dos preos relativos. Em outros termos, os pa-ses primrio-exportadores se beneciariam dos ganhos de produtividade ocorridos nos pases industrializados por meio da reduo relativa dos preos dos bens manufaturados frente aos bens primrios. Contrariamente, a tese da deteriorao dos termos de troca identicava uma transferncia de ganhos da periferia para o centro, evidenciada pela crescente disparidade nos nveis mdios de renda real entre os dois polos do sistema econmico mundial3.

    Como parte de um sistema econmi-co internacional e sendo incorporadas a ele como economias perifricas, as sociedades latino-americanas seguiriam ritmos e pa-dres distintos de desenvolvimento em re-lao aos que caracterizaram as economias centrais. O conceito de subdesenvolvimento sublinha as caractersticas estruturais peculia-res periferia do sistema capitalista. Sendo

    3 A operao dos mecanismos de transferncia dos ganhos de produtividade da periferia para o centro estava ligada aos ciclos econmicos No centro, a maior organizao sindical e a concentrao mais elevada de capital na inds-tria impediam que os ganhos de produtividade se traduzissem diretamente em queda de preos na fase minguante do ciclo; na periferia, diferentemente, o excesso crnico de mo de obra exercia presso baixista constante sobre preos e salrios, o que resultava na transferncia dos ganhos de produtividade para o centro em proporo maior na fase minguante do que possivelmente aquela de que a periferia se beneciava na fase ascendente do ciclo (Pre-bisch, 1949). Houve outras elaboraes da tese da deteriorao dos termos de troca, no relacionadas diretamente aos ciclos econmicos (Rodrigues, 2009).

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    o subdesenvolvimento o resultado de um processo histrico autnomo, relacionado com a expanso do ncleo comercial e, de-pois, industrial europeu a partir do sculo XVIII, ele no poderia ser tomado como uma mera etapa do desenvolvimento capi-talista. Ao invs, a penetrao das tcnicas capitalistas em estruturas sociais arcaicas resultou na criao de estruturas hbridas, uma parte das quais tendia a comportar--se como um sistema capitalista; a outra, a manter-se dentro da estrutura preexistente (Furtado, 1961, p. 253). Assim, o trao pe-culiar do subdesenvolvimento mesmo nas formas mais complexas, em que se formou um ncleo industrial voltado para o merca-do interno a coexistncia de setores eco-nmicos que se orientam de forma capitalis-ta e pr-capitalista.

    Da perspectiva cepalina, a possibilidade de desenvolvimento na periferia dependeria de mudanas profundas na forma de vincu-lao das economias desses pases ao sistema capitalista mundial. A industrializao das economias primrio-exportadoras alteraria a forma como estavam vinculadas ao sistema mundial e permitiria que elas se aproprias-sem de uma parcela mais ampla dos frutos do progresso tcnico, resultando em melho-rias do bem-estar social. Ou seja, a industria-lizao seria a nica via para a superao do subdesenvolvimento, embora no fosse con-

    dio suciente. De fato, devido s caracte-rsticas estruturais das economias perifricas (a heterogeneidade estrutural e tecnolgica e a especializao produtiva), a industriali-zao seria inerentemente problemtica e poderia bem resultar no aprofundamento do subdesenvolvimento e de seus traos estrutu-rais centrais (desemprego, inao, desequi-lbrio externo)4.

    A anlise da natureza contraditria do processo de industrializao na perife-ria servia, por um lado, para mostrar que o processo de acumulao capitalista fun-cionava de modo distinto na periferia do que funcionava nas economias centrais e, por outro, para sublinhar a necessidade da interveno do Estado para conduzir delibe-radamente o processo de industrializao5. O planejamento estatal (ou a programao industrial) ganhava, assim, centralidade, como princpio capaz de racionalizar o pro-cesso espontneo de industrializao que ento ocorria no marco das relaes centro--periferia, no momento em que se esgotava o modelo primrio-exportador ou a fase de crescimento para fora aps a crise dos anos 1930 (Tavares, 1964). A necessidade de o Estado intervir na economia atravs da formulao de uma poltica de desenvolvi-mento visando industrializao adquiriu enorme importncia no pensamento estru-turalista e permanece com algumas modi-

    4 Furtado (1961) argumentava que a industrializao na periferia tenderia a reproduzir os padres tecnolgicos utilizados nos pases centrais, padres intensivos em capital e poupadores de mo de obra, portanto, inadequados dotao relativa de fatores de produo em uma economia perifrica. Consequentemente, a expanso dos setores modernos da economia no conseguiria absorver o excedente de mo de obra e a caracterstica bsica do subdesen-volvimento se reproduziria mesmo com elevada industrializao da economia.

    5 A nfase sobre a ao Estatal para a superao do atraso no era um elemento novo nos estudos do desenvol-vimento. De fato, a perspectiva da economia do desenvolvimento j havia sublinhado que, sob as condies de atraso econmico escassez de capital, falta de uma camada empresarial forte, mercado interno incipiente etc. o desenvolvimento econmico dependeria da ao do Estado, por meio de programas de investimentos pblicos e da criao de uma estrutura de incentivos para induzir um comportamento mais empresarial entre as elites econ-micas (Hirschman, 1958; Gerschenkron, 1962).

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    caes nos estudos mais recentes (Rodri-guez, 2009)6.

    Embora os estudos cepalinos conram centralidade ao estatal no desenvolvi-mento da periferia, o Estado no teorizado de forma sistemtica. Em geral, tais estudos assumem que o Estado tem (ou pode ter) autonomia em relao aos diferentes grupos sociais e capacidade para formular polticas econmicas e levar a cabo uma estratgia de desenvolvimento econmico baseada na in-dustrializao. No entanto, como sugeriam alguns estudos poca, a possibilidade de se alcanar o desenvolvimento autossustentado pelas economias latino-americanas enfrenta-va limites estruturais severos no plano exter-no e interno, que reduziam a margem de ma-nobra da ao estatal. As crticas da anlise da dependncia ao estruturalismo sublinha-vam que a oposio centro-periferia era in-suciente para captar as restries estruturais associadas ao subdesenvolvimento: de um lado, havia uma vertente que entendia que a dependncia externa em relao aos pases desenvolvidos bloqueava o desenvolvimen-to da periferia e defendia a desvinculao do sistema capitalista mundial como nico caminho para a superao do subdesenvol-vimento; de outro, havia uma vertente que entendia que o desenvolvimento era possvel na periferia no sistema capitalista, mas sua natureza e dinamismo seriam resultado das conguraes formadas pelas relaes entre

    o mbito interno, das alianas sociopolticas que se expressavam no nvel do Estado, e o mbito externo, das relaes entre os centros de poder econmico e poltico mundial.

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    O que se convencionou chamar de an-lise da dependncia inclui vertentes bastante distintas entre si, cujo trao em comum reivindicar o uso do mtodo marxista (dia-ltico) de interpretao sociolgica para dar conta do desenvolvimento na periferia do sistema capitalista mundial. Uma maneira de distingui-las reside no enfoque analtico, predominantemente sobre fatores internos (relaes de classe) ou fatores externos (re-laes de dominao no sistema econmico internacional). Obviamente, trata-se de n-fase diferencial, uma vez que tanto fatores internos quanto externos so considerados (Martinussen, 2005)7.

    A anlise da dependncia se desenvolveu nas dcadas de 1960/1970 em meio s dicul-dades do estruturalismo cepalino para com-preender a dinmica da nova fase de cresci-mento econmico orientado para dentro na Amrica Latina. Na exposio anterior, vimos que os estudos cepalinos consideravam que a industrializao seria a nica via para supera-o da condio perifrica e de seus traos es-truturais (subemprego, inao, desequilbrio externo persistente). A industrializao das

    6 Nos trabalhos cepalinos, o termo industrializao espontnea indicava que o impulso industrializao da Am-rica Latina derivava em parte das foras de mercado, no contexto da crise dos pases avanados na dcada de 1930, induzindo um processo de substituio de importaes, resultante da interao entre os desequilbrios externos e a elevao da demanda domstica por bens importados nos pases da regio. O artigo de M. C. Tavares (1964) bastante esclarecedor acerca da dinmica peculiar da industrializao latino-americana.

    7 Os termos utilizados para designar esses estudos so muito variados: teoria da dependncia (Cardoso, 1977; Santos, 2000), anlise da dependncia (Love, 1990), escola da dependncia (So, 1990). Utilizo o termo anlise da dependncia para indicar que o esforo dos autores se voltava mais para a construo/renovao de um mtodo de interpretao de que propriamente para a formulao de um conjunto formal de proposies.

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    economias latino-americanas permitiria a elas vincular-se de forma mais autnoma econo-mia mundial em termos da produo de pro-gresso tcnico e apropriao de seus ganhos, reduzindo a distncia que as separava das eco-nomias centrais em termos de nveis de produ-tividade e de renda e abrindo caminho para o desenvolvimento autossustentado (sobretudo nos pases mais desenvolvidos da regio, como Argentina, Brasil, Mxico e Chile). Tais previ-ses perderam fora ao longo das dcadas de 1950 e 1960, com o menor dinamismo do crescimento industrial na regio. Foram feitas diversas tentativas dentro do estruturalismo para explicar por que condies aparentemen-te to favorveis para a transio da etapa de substituio de importaes para outra basea-da no crescimento dinamizado pelo mercado interno no se materializara. Um dos auto-res que mais avanou nessa direo foi Celso Furtado. Para ele, o crescimento econmico na Amrica Latina tenderia estagnao, em virtude da forte concentrao da renda e da propriedade fundiria que bloqueavam a ex-panso do mercado interno. Considerava, en-to, que a redistribuio de renda por meio da reforma agrria, tributao progressiva etc. seria fundamental para ampliar o mercado interno e dinamizar as economias da regio (Furtado, 1966)8.

    Esse argumento foi questionado pela teoria da dependncia sob dois aspectos distintos. Uma vertente que inclui autores como A. G. Frank, T. dos Santos e R. Mari-ni armava que as relaes de dependn-cia externa, vinculando os centros de poder capitalista e as economias subdesenvolvidas,

    constituam um bloqueio estrutural ao de-senvolvimento dessas ltimas e defendiam a via da revoluo socialista como nica estra-tgia vivel para a periferia desenvolver-se. Quer dizer, a estagnao dos pases subdesen-volvidos era a contrapartida do crescimento dos pases desenvolvidos. Outra vertente em que se destacam F. H. Cardoso e E. Faletto ar-gumentava que a dependncia no impedia o desenvolvimento, mas lhe conferia natureza peculiar, associada s distintas conguraes assumidas pela relao entre os mbitos in-terno e externo. A estagnao econmica da regio era vista, por essa vertente, como produto do esgotamento de um padro de desenvolvimento (industrializao com forte participao do capital nacional) em razo da eroso da aliana sociopoltica (de orientao nacional-desenvolvimentista) que lhe dava sustentao. Para as duas vertentes, portanto, os erros de diagnstico do estruturalismo decor-riam de insucincias tericas e metodolgicas.

    Alm disso, os estudos da dependncia tinham em comum a tentativa de explicar as formas emergentes de dependncia asso-ciadas fase de industrializao controlada pelas empresas multinacionais (sobretudo nos setores de bens de consumo durveis e bens de capital) e resultante internacionali-zao do mercado interno de diversos pases da Amrica Latina, a partir dos anos 1960. Com isso, esses estudos questionavam as te-ses sobre o desenvolvimento nacional as-sociadas especialmente esquerda ortodoxa e ao Partido Comunista segundo as quais o desenvolvimento capitalista na regio se daria segundo o padro clssico, conduzido

    8 Posteriormente, a tese do estrangulamento ou estagnao foi substituda pelo argumento de que haveria diferentes estilos de desenvolvimento, alguns mais favorveis em termos dos conitos redistributivos e mais dinmicos do que outros (Pinto, 1976). Para os debates entre Furtado e os desenvolvimentistas do setor privado para os quais, a distribuio de renda em favor do capital nacional era essencial para a elevao da poupana nacional e do nvel de investimento produtivo , ver Bielschowsky (2000 [1988], p. 77-127).

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    por uma burguesia nacional que, aliada ao proletariado contra as foras oligrquicas e o capitalismo internacional, promoveria a in-ternalizao dos centros de deciso e outras mudanas necessrias ampliao do merca-do interno e consolidao de um desenvol-vimento nacional e democrtico9.

    O trao caracterstico s obras dos au-tores inseridos na primeira vertente o en-foque sobre as relaes de dependncia que vinculavam as sociedades subdesenvolvidas ao ncleo do sistema capitalista mundial e supostamente bloqueavam seu desenvolvi-mento. Embora concordassem com algumas premissas cepalinas associadas concepo centro-periferia (sobretudo que o subde-senvolvimento um produto histrico da expanso do sistema capitalista em plano mundial), no aceitavam o argumento de que a periferia poderia se desenvolver ple-namente dentro desse sistema. Ao invs, a condio de subdesenvolvimento, produto das relaes de dependncia, implicava que a expanso da periferia s poderia ser um re-exo das economias desenvolvidas (Santos, 1970). A dependncia externa , portanto, determinante dos processos sociais internos.

    Uma das manifestaes desse fenme-no reside na vinculao entre as relaes de explorao transnacional e um tipo de colonialismo interno, em que os centros polticos e econmicos internos s econo-mias subdesenvolvidas exploram suas regies mais atrasadas por meio de polticas scais e cambiais (Frank, 1966). Em uma elaborao mais sosticada dessa ideia, Marini (1977) argumenta que esse padro de explorao transnacional est necessariamente associa-do superexplorao da classe trabalhado-ra local: o excedente econmico produzido

    internamente , em parte, apropriado pela burguesia local para valorizar seu prprio capital e, em parte, transferido para as eco-nomias centrais. Esses processos impediriam a ampliao do mercado interno e produzi-riam uma tendncia estagnao do desen-volvimento, reproduzindo as caractersticas estruturais associadas ao subdesenvolvimen-to. A constatao da inviabilidade do desen-volvimento capitalista na periferia levou concepo da sada revolucionria. Assim, o socialismo que implicaria na destruio dos vnculos das economias subdesenvolvi-das com o sistema capitalista mundial era visto como o nico caminho para o desen-volvimento na periferia e tal necessidade histrica dependia, para sua materializao, da mobilizao das camadas populares e ope-rrias. Alternativamente ao socialismo, esta-va a reproduo de um padro capitalista de acumulao incipiente e fortemente concen-trador, sustentado por regimes polticos au-toritrios funcionais concentrao de renda e excluso poltica das camadas populares e operrias (Santos, 1972).

    A outra vertente da perspectiva da de-pendncia que trataremos aqui o produ-to de um padro de sociologia poltica que emerge na Universidade de So Paulo na dcada de 1950, associada aos trabalhos de autores como Fernando Henrique Cardoso e Octvio Ianni (Sallum, 2002). Esse padro de sociologia poltica se materializou de for-ma mais paradigmtica em Dependncia e desenvolvimento na Amrica Latina. O en-foque a proposto tem como fundamento um conceito de dependncia redenido em uma direo no determinista, que contem-pla a possibilidade de diferentes graus de au-tonomia das sociedades nacionais em relao

    9 Para uma reconstruo desses debates, ver Cardoso (1972, 1977).

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    aos interesses externos e, com isso, diferentes padres de desenvolvimento na periferia. Os fatores externos como a dependncia eco-nmica que eram considerados essenciais na conformao do desenvolvimento peri-frico (tanto por alguns estudos cepalinos quanto pela vertente vista anteriormente) s o impactam quando passam a ter expresso na estrutura social e poltica interna (Sallum, 2002). A dependncia externa torna-se, as-sim, dependncia estrutural:

    [...] a dependncia encontra [...] no s expres-so interna, mas tambm seu verdadeiro carter como modo determinado de relaes estruturais: um tipo especco de relao entre as classes e grupos que implica uma situao de domnio que mantm estruturalmente a relao com o exte-rior. Nesta perspectiva, a anlise da dependncia signica que no se deve consider-la como uma varivel externa, mas que possvel analis-la a partir da congurao do sistema de relaes entre as diferentes classes no mbito mesmo das naes dependentes (Cardoso e Faletto, 1970, p. 31).

    Em outras palavras, a dependncia estru-tural se expressa por um conjunto de relaes internas entre grupos e classes sociais organiza-das sob uma estrutura de dominao que, por sua vez, produz uma forma peculiar de vincu-lao entre a economia nacional e o mercado mundial. Assim, esse conceito capta as relaes contraditrias entre o externo e o interno e, por isso, permite contemplar diferentes padres de desenvolvimento e situaes de dependncia. De fato, a relao interna entre as classes [...] torna possvel e d sionomia prpria de-pendncia. Mais do que isso, a dinmica que pode adquirir o sistema econmico depen-dente, no mbito da nao, est determinada dentro de certos limites pela capacidade dos sistemas internos de aliana para propor-cionar-lhe capacidade de expanso (ibidem, p. 36). Contrariamente perspectiva anterior que priorizava o externo sobre o interno, eli-minando a dinmica poltica prpria das so-

    ciedades dependentes como fator importante nas explicaes, Cardoso sustenta que a rela-o de dependncia um processo atravs do qual algumas classes se impem a outras e cer-tas fraes de classe se associam ou se opem entre si nas lutas polticas. Est a o cerne da anlise dialtica, segundo o autor: o enfoque sobre o movimento, as lutas de classe, as re-denies de interesse e as alianas polticas, que ao mesmo tempo em que sustentavam as estruturas abriam perspectivas de transforma-o (Cardoso, 1977, p. 41; traduo prpria).

    Esse enfoque metodolgico sobre a de-pendncia estrutural chamava ateno, ain-da, para a insucincia da anlise cepalina, incapaz de integrar de forma adequada os fatores inscritos na estrutura social [...] res-ponsveis tanto do resultado favorvel quan-to da perda de impulso do processo [...] de desenvolvimento (Cardoso e Faletto, 1970, p. 9). Ao mesmo tempo, ao invs de tomar o desenvolvimento como um processo acumu-lativo e dinamizado a partir de fora, o enfo-que de Cardoso e Faletto sublinhava que a mudana social implica rupturas profundas, produzidas por disputas entre grupos e clas-ses sociais por meio dos quais alguns deles tentam impor uma forma de dominao que expresse seus valores e interesses.

    No confronto com o estruturalismo, com as vertentes marxistas e com a teoria da modernizao, Cardoso e Faletto cons-troem a anlise integrada do desenvolvimento colocando como problemtica sociolgica fundamental o estudo das estruturas de do-minao e das formas de estraticao social que condicionam os mecanismos e os tipos de controle e deciso do sistema econmico em cada situao particular (ibidem, p. 23). Ou seja, o eixo de uma anlise do desenvol-vimento orientada por essa perspectiva reside no problema do controle social da produo e do consumo, ou seja, nas disputas em torno da produo e distribuio (setorial e fun-

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    cional) do excedente econmico10. Como o Estado possui as alavancas para interveno na vida social, tais disputas tendem a se ma-terializar em torno das polticas estatais (pol-tica cambial, poltica tributria, poltica edu-cacional, poltica scal etc.) (Sallum, 2002).

    Com esse novo enfoque, os autores re-jeitavam tanto a possibilidade aventada pela Cepal de desenvolvimento capitalista autos-sustentado (na medida em que a burguesia nacional tenderia a se aliar ao capital externo na fase de internacionalizao do mercado interno) e recusavam a inevitabilidade sugerida em alguns estudos marxistas da alternativa socialismo/fascismo (pois a orga-nizao da aliana sociopoltica no Estado comportava alternativas diversas no nvel do regime poltico).

    Diferentemente do mainstream da tra-dio marxista, essa vertente da perspectiva da dependncia no toma o Estado apenas como o instrumento de uma classe ou co-alizo de classes; ao invs, o Estado aparece como a aliana bsica [...] pacto de dom-nio bsico, que se estabelece entre as classes sociais ou fraes das classes dominantes e as normas que garantem o seu domnio sobre as camadas subordinadas (Cardoso, 1982, p. 46). Ao tomar o Estado como expresso do pacto de dominao, essa vertente chama ateno aos limites margem de manobra dos Estados nacionais na formulao e im-plementao de polticas econmicas, limi-tes derivados da dinmica dos conitos entre grupos e classes sociais. Ao mesmo tempo, como no mero instrumento de domi-nao de uma classe sobre outra, o Estado torna-se potencialmente autnomo em re-

    lao aos interesses sociais. Entretanto, esse fenmeno autonomia estrutural no teorizado sistematicamente, pois no se d muita ateno s estruturas institucionais e organizacionais que medeiam os conitos distributivos e conformam as aes estatais11.

    'LIHUHQWHV(VWDGRVHGLIHUHQWHVIRUPDVde interveno

    No campo dos estudos do desenvolvi-mento, no so incomuns os argumentos de que a interveno do Estado na economia (e em outras esferas sociais) pode ser um fator importante (seno o aspecto fundamental) para impulsionar o desenvolvimento. Em perspectivas to distintas quanto a economia do desenvolvimento (vertente econmica da teoria da modernizao) e o estruturalismo de origem cepalina, o Estado concebido como um catalisador do desenvolvimento (em suas diversas acepes). Ao mesmo tem-po, em algumas vertentes da perspectiva da dependncia, o Estado concebido como produto de relaes de poder, frequente-mente subordinado aos interesses das classes dominantes e do capital internacional.

    As perspectivas centradas no Estado (State-centered theories) que emergem na dcada de 1980, associadas a um movimen-to mais amplo nas cincias sociais, especial-mente norte-americanas, que reivindicava trazer de volta o Estado para a investiga-o de fenmenos sociais diversos (Evans, Rueschemeyer e Skocpol, 1985) diferem fundamentalmente da perspectiva anterior sob esse aspecto: nesta, o Estado concebido como um ator no processo de desenvolvi-

    10 Esse argumento incorpora uma questo clssica da sociologia, que a dominao poltica.

    11 Como argumenta Hall (1986), negligenciar a dimenso propriamente institucional uma insucincia comum s anlises que tomam as polticas econmicas como produtos das disputas entre grupos e classes sociais.

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    mento. A nfase recai sobre a capacidade e autonomia da burocracia estatal (pelo me-nos, alguns de seus setores) em formular e implementar polticas de desenvolvimento atravs da apropriao/construo de ala-vancas de interveno poltica em diversas esferas sociais, sobretudo a econmica. Ao mesmo tempo, em vez de apenas assumir que a interveno estatal pode impulsionar o desenvolvimento (argumento que no novo), tal perspectiva tenta revelar por meio de anlise comparativa os fundamen-tos da interveno estatal bem-sucedida, so-bretudo as estruturas internas do Estado e as relaes que o conectam s demais esferas da sociedade. Isso signica que os Estados no so fenmenos padronizados:

    Os Estados no so genricos, eles variam drastica-mente nas suas estruturas internas e relaes com a sociedade. Tipos diferentes de estruturas geram capacidades diferenciadas de ao. As estruturas denem a gama de papis que o Estado capaz de representar. Os resultados dependem tanto da extenso em que os papis se enquadram no con-texto quanto da competncia demonstrada na sua execuo (Evans, 2004, p. 37).

    Um estudo de Chalmers Johnson (1982) sobre o rpido crescimento econmi-co no Japo aps a Segunda Guerra Mun-dial foi bastante inuente na conformao dessa perspectiva de anlise. Nesse estudo, o autor utiliza o conceito de Estado Desen-volvimentista para delinear os traos da in-terveno do Estado japons na economia nacional: por meio de polticas econmicas que buscavam construir e aperfeioar os me-canismos de mercado, o Estado (sobretudo,

    uma agncia estatal, o Ministrio da Inds-tria e Comrcio Exterior) teve enorme xito em promover setores industriais estratgicos (indstrias de base e de alta tecnologia) que alavancaram o crescimento econmico do pas, permitindo-lhe alcanar e, mesmo, so-brepujar, sob alguns aspectos, os centros do sistema econmico mundial. Nesse sentido, o conceito de Estado Desenvolvimentista cha-ma ateno para um tipo de interveno esta-tal na economia, interveno orientada para a transformao da economia nacional in-dustrializao visando melhoria de sua posio no sistema econmico mundial12. A principal contribuio do autor reside justa-mente em seu esforo por identicar os fato-res que permitem explicar a eccia do Es-tado japons nessa empreitada. Tais fatores so a estrutura interna do Estado (sobretudo sua burocracia econmica) e os vnculos que o conectavam com grupos na sociedade e na esfera poltico-institucional.

    Na viso de Johnson, a eccia do Esta-do japons em conduzir o desenvolvimento econmico aps a Segunda Guerra Mundial (como meio de combater o imperialismo ocidental e de garantir a sobrevivncia na-cional) pode ser explicada sob dois aspectos: (i) a existncia de uma burocracia (especial-mente os segmentos econmicos) que con-centrava enorme poder poltico, capaz de formular polticas de transformao indus-trial com vistas a inserir a economia nacional nos nichos produtivos mais dinmicos do mercado internacional; (ii) vnculos estreitos do Estado com o capital industrial e com a esfera poltico-partidria, que facilitavam a

    12 Segundo Johnson (1982, p. 3-34), esse tipo de interveno difere substancialmente daquele mais comum aos Estados regulatrios (tipicamente os Estados Unidos), em que a interveno estatal geralmente se restringe denio de normas que regulam a competio dos agentes no mercado. Embora o autor utilize os termos Estado desenvolvimentista e Estado regulatrio, parece que ele quer diferenciar tipos de interveno segundo sua orien-tao predominante.

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    coordenao pela burocracia estatal dos v-rios setores econmico e a legitimao pol-tica das iniciativas poltico-estatais.

    A burocracia governa e os polticos rei-nam. Talvez esta frase do autor nos ajude a compreender a importncia que segmen-tos da burocracia japonesa adquiriram no perodo posterior Segunda Guerra Mun-dial, concomitantemente s tentativas de reconstruo do Estado japons pelas foras de ocupao lideradas pelos Estados Unidos. A transformao da burocracia japonesa no principal centro de poder poltico nesse perodo decorreu de circunstncias hist-ricas (ocupao do ps-guerra e reformas poltico-institucionais que enfraqueceram centros de poder polticos e econmicos anteriores guerra, sobretudo os militares e os grandes conglomerados econmicos), fatores polticos (elevao das chances de po-der do Imperador vis--vis o Parlamento e o primeiro-ministro antes da guerra) e, ainda, de crenas enraizadas no imaginrio coletivo japons que ligavam a burocracia s tradicio-nais famlias de samurais (Johnson, 1995).

    Ademais e esse o ponto que gosta-ria de sublinhar havia fatores relacionados com a estrutura interna da burocracia, sobre-tudo a forma de recrutamento e os padres de mobilidade social. O ingresso na carreira pblica e a promoo para cargos de alto escalo eram regulados por procedimentos meritocrticos fortemente institucionaliza-dos, que conduziam os indivduos mais ta-lentosos de cada coorte de ingressantes para os cargos de alto escalo aps algumas dca-das de servio pblico (mesmo em nvel go-vernamental). Isso signica que as principais

    posies no Estado eram preenchidas por funcionrios de carreira segundo critrios de meritocracia e senioridade. Obviamente, ocupar posies dirigentes no Estado eleva-va as chances de poder da burocracia e sua capacidade de intervir em outras esferas so-ciais, capacidade ampliada, ainda, pelos laos (quase) primrios vinculando os ingressantes no servio pblico, que, em sua maioria, vi-nham do curso de direito das Universidades de Tquio e de Quioto e que, por isso, pos-suam vises de mundo similares resultantes de processos comuns de socializao acad-mica e familiar.

    Alm disso, um padro de mobilidade social peculiar entre as elites japonesas re-produzia vnculos densos entre burocratas de alto escalo, dirigentes de grandes empre-sas (sobretudo o grande capital industrial e nanceiro) e atores polticos. Na sociedade japonesa, era comum que os ingressantes de coortes mais antigas dos cargos pblicos de alto escalo fossem forados a se aposentar (amakudari) para abrir caminho promoo de ingressantes de coortes mais novas (o que se dava por volta dos 50 anos de idade)13. Os egressos da burocracia eram, ento, con-duzidos a cargos de direo de empresas no setor privado ou pblico e/ou convidados para assumir cargos polticos (ministros) ou ingressar na vida partidria. Esse padro de mobilidade teve consequncias importantes para a capacidade da burocracia estatal de formular polticas econmicas e de coorde-nar os setores econmicos estratgicos de forma mais ecaz: ele forjou vnculos amplos e densos entre os ministrios e suas burocra-cias, de um lado, e as empresas privadas e a

    13 Assim, quando um vice-primeiro-ministro, cargo mais elevado de um funcionrio de carreira, era obrigado a se aposentar para ceder seu lugar a algum mais novo, todos aqueles que haviam ingressado com ele na mesma co-orte - eram tambm forados a se retirar do servio pblico, pois o critrio de senioridade implicava que os cargos mais elevados fossem ocupados por ingressantes mais antigos.

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    esfera poltico-partidria, de outro (Johnson, 1982, 1995).

    Seguindo a trilha aberta por Johnson, diversos estudos empreenderam anlises do desenvolvimento do Leste Asitico (especial-mente na Coreia do Sul e Taiwan) que confe-riam centralidade s intervenes estatais de orientao desenvolvimentista, questionan-do o argumento neoliberal mais ortodoxo que privilegiava o papel das foras de merca-do na dinmica do crescimento econmico daquela regio (Gold, 1986; Amsden, 1989; Wade, 1990; Woo-Cumings, 1991; Weiss e Hobson, 1995; Evans, 2004). De fato, tais estudos sublinham que os Estados no Les-te Asitico conduziram deliberadamente as transformaes na economia (governaram os mercados, segundo R. Wade) e em outras esferas sociais por meio do planejamento es-tratgico, levado a cabo por um conjunto de mecanismos de interveno capazes de criar e aperfeioar mercados com o objetivo de elevar a posio daqueles pases no cenrio poltico-econmico internacional. O con-trole sobre as nanas por meio da cria-o de mecanismos de nanciamento com base no crdito constituiu-se no aspecto mais importante da conduo da economia pelo Estado: controlando tais mecanismos, a burocracia estatal denia padres de inves-timento e induzia a mobilidade setorial da produo (Zysman, 1983).

    Alguns estudos tentavam explorar a pers-pectiva de Johnson em um vis comparativo (Schneider, 1990; Loriaux, 1990; Herring, 1990). Evans (2004, 2007) foi o autor que mais avanou nessa direo. O autor empre-

    endeu uma interessante anlise comparativa do desenvolvimento de pases como Coreia do Sul, ndia e Brasil, formalizando os traos que distinguem um Estado do outro. Segun-do o autor, os Estados podem ser distinguidos sob duas dimenses: suas estruturas internas e as redes que o conectam com a sociedade e economia. Essas dimenses determinam os tipos de interveno do Estado na economia e na vida social mais ampla e a eccia dela: de um lado, um tipo predatrio de interven-o, que bloqueia o desenvolvimento da so-ciedade; de outro, um tipo desenvolvimentis-ta, que dinamiza a economia e contribui para a promoo do bem-estar social. H, ainda, um tipo intermedirio, que combina os tra-os dos outros dois.

    A frgil burocratizao do Estado (e no o excesso) e uma tnue imerso (embe-ddedness) do aparato estatal na vida social estariam na raiz do Estado predatrio. Seus traos tpicos pouca previsibilidade da ao estatal; ausncia de um quadro institucional que regule as aes dos dirigentes estatais e as relaes com os grupos sociais; estrutura de dominao patrimonialista desestimula-riam a formao de uma economia de mer-cado competitiva, bloqueariam a mobilidade social e fechariam o espao para o surgimento de novos atores coletivos que poderiam di-namizar o desenvolvimento endogenamente. Esse o caso tpico de Estados africanos.

    Diferentemente, na raiz da interveno de orientao desenvolvimentista, estaria uma estrutura burocrtica autnoma e, ao mesmo tempo, imersa (embedded) na vida social mais ampla14. Essa combinao apa-

    14 Essa perspectiva de anlise se assemelha, sob vrios aspectos, produo mais recente na sociologia econmica, especialmente no que se refere ideia de imerso ou de enraizamento da economia na vida social (Swedberg e Smelser, 1995). As origens tericas dessa ideia residem na teoria durkheimiana e sua nfase sobre os fundamentos normativos e morais da vida social. Durkheim expressou esse argumento de forma elegante em sua famosa tese acerca das bases no contratuais do contrato.

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    rentemente contraditria entre autonomia e parceria a caracterstica fundamental dos Estados desenvolvimentistas: eles esto in-seridos em um conjunto concreto de alianas sociais que ligam o Estado sociedade e pro-vm canais institucionalizados para negocia-o contnua de objetivos e planos de ao (Evans, 2004, p. 38)15. Japo, Coreia do Sul e Taiwan podem ser includos sob esse tipo.

    Entre esses dois polos do Estado predatrio, de um lado, e do Estado de-senvolvimentista, de outro o autor iden-tica casos intermedirios, em que a com-binao entre autonomia e parceria mais problemtica. Nos Estados intermedirios, a burocracia estatal menos autnoma em virtude da menor institucionalizao dos procedimentos meritocrticos de recruta-mento e de promoo aos cargos de alto escalo. Quando caracteriza o Estado bra-sileiro como um caso intermedirio, Evans sublinha o fato de os chefes do Executivo nomearem milhares de funcionrios para os cargos superiores em ministrios e agn-cias estatais. Embora essa prtica possa dar maior margem de manobra ao Executivo para construir uma base de apoio poltico--partidria, ela, ao mesmo tempo, limita a capacidade da burocracia de produzir po-lticas de longo prazo, que no dependam das foras polticas que ocupam as princi-pais posies dirigentes. Ademais, subli-nha o autor, a ausncia de uma estrutura burocrtica autnoma favorece laos clien-telistas. Brasil e ndia so os exemplos de Estados intermedirios citados pelo autor.

    Resumindo, a distino entre Estados predatrios, intermedirios e desenvolvi-

    mentistas chama ateno para diferentes tipos de interveno estatal na economia (e na vida social mais ampla) e relaciona esses tipos de interveno s estruturas internas do Estado e s relaes que vinculam Estado, economia e sociedade.

    A perspectiva de anlise que confere cen-tralidade ao conceito de Estado Desenvolvi-mentista pode ser bastante til por revelar a primazia da poltica sobre a economia, quer dizer, por sublinhar como o desenvolvimen-to econmico pode resultar de um projeto politicamente construdo visando melho-ria da competitividade econmica nacional (Pempel, 1999, p. 140; traduo prpria). No entanto, embora ela avance em relao a outras ao examinar mais detidamente os arranjos institucionais que esto por trs dos graus variados de autonomia e capacidade de ao do Estado para imprimir um padro peculiar ao desenvolvimento econmico, ela no investiga de modo sistemtico os limites estruturais ao estatal derivados do equi-lbrio de poder no mbito interno e no ce-nrio internacional (Cheng, 1990). O ponto que gostaria de destacar que o maior peso da participao dos burocratas na tomada de decises polticas nos Estados do Leste Asi-tico tambm pode ser explicado com base na peculiaridade das coalizes ou alianas socio-polticas que sustentavam uma determinada estrutura de dominao no plano interno e em um equilbrio favorvel de foras no pla-no internacional

    Internamente, Japo, Coreia do Sul e Taiwan possuam Estados fortes sustenta-dos por uma coalizo sociopoltica formada pelo grande capital industrial (sobretudo no

    15 A distino entre Estados predatrios e Estados desenvolvimentistas pouco tem a ver com a distino corri-queira em dcadas anteriores entre Estados fortes e fracos. Um exemplo o estudo de Gunnar Myrdal sobre os determinantes da reproduo do atraso (1968). Estados fortes podem ser simplesmente fracos em aspectos que conhecemos menos (Hall, 1986, p. 17).

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    Japo, zaibatsu; Coreia do Sul, chaebol) e uma tecnocracia altamente qualicada em-pregada no alto escalo do Estado que no enfrentava a resistncia de grandes proprie-trios rurais (amplas programas de reforma agrria precederam a industrializao maci-a nesses pases) ou de organizaes traba-lhistas (fortemente controladas nos regimes autoritrios da Coreia do Sul e de Taiwan), apoiada, ainda, por pequenos proprietrios rurais (fortemente protegidos especialmente em Taiwan e Japo) e pequenos comercian-tes. O insulamento em relao aos interes-ses operrios e o peso do capital industrial combinados com a inexistncia de partidos comunistas ou socialistas fortes abriram es-pao para que a burocracia estatal conduzisse a transformao da economia numa direo que privilegiava a concentrao econmi-ca (setorialmente) e a formao de grandes conglomerados de empresas (Coreia do Sul e Japo) ou de um vasto setor pblico em-presarial (Taiwan), ao mesmo tempo, dis-ciplinando o capital industrial por meio de contrapartidas de desempenho aos subsdios estatais (Pempel, 1999, p. 165-166)16.

    No plano externo, havia condies fa-vorveis a polticas de desenvolvimento na-cional baseadas na industrializao: a ajuda externa, sobretudo norte-americana, foi fun-damental para nanciar as polticas de de-senvolvimento nacional durante as dcadas de 1940/1950 no Japo e durante a dcada de 1960 na Coreia do Sul e Taiwan (que re-ceberam inuxos de capital japons nas d-cadas seguintes). Alm do uxo de recursos dos Estados Unidos (estratgia geopoltica no contexto da guerra fria), tais pases pude-ram contar com mercados norte-americanos

    e de outras economias industrializadas para seus produtos sem a exigncia num primei-ro momento de contrapartidas em termos de abertura comercial e nanceira. Embora estivessem vinculados ao sistema econmico mundial de forma dependente, os Estados nacionais nessa regio encontraram ampla margem de manobra para a viabilizao de estratgias nacionais de desenvolvimento. Fica claro, ento, que as restries estrutu-rais derivadas das relaes de dependncia variam segundo o tipo de vnculo predomi-nante com o exterior (ajuda externa, emprs-timo comercial, investimento direto etc.) (Stallings, 1990; Geref e Fonda, 1992). Ademais, a existncia de um cenrio interna-cional to favorvel (derivado, obviamente, da conjuntura do ps-guerra e das estratgias geopolticas das potncias mundiais) levanta a questo sobre a possibilidade de se aplicar tal perspectiva de anlise em outros contex-tos histricos. Ou seja, no seria a perspectiva de anlise baseada no Estado Desenvolvimen-tista a materializao de oportunidades hist-ricas delimitadas no tempo e no espao?

    (VWDGRversusPHUFDGRDSHUVSHFWLYDneoliberal

    Embora as perspectivas do estrutura-lismo, da dependncia e do Estado Desen-volvimentista possam ser distinguidas em termos de suas premissas, proposies, m-todos, conceitos etc., elas se assemelham por entenderem que existem diferenas es-truturais entre pases desenvolvidos e subde-senvolvidos e que a superao da condio perifrica implica uma poltica deliberada de desenvolvimento levada a cabo pelo Es-

    16 A capacidade de ao da burocracia estatal foi sustentada, ainda, pela importncia que o nacionalismo adquiriu nessa regio, devido s guerras e aos sentimentos polticos ligados sorte de tais pases no perodo posterior Segunda Guerra Mundial (Cumings, 1979; Johnson, 1982; Woo-Cumings, 1991).

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    tado e/ou foras sociais. Metodologicamen-te, entendem tambm que as trajetrias de desenvolvimento a partir da periferia so sucientemente peculiares para permitir ge-neralizaes a partir da histria dos pases j desenvolvidos e que mesmo categorias como Terceiro Mundo, subdesenvolvimento ou periferia tornaram-se demasiadamente amplas para abarcar a diversidade dos cami-nhos percorridos pelas sociedades que busca-vam desenvolver-se.

    A perspectiva neoliberal, que ganha maior espao poltico e acadmico a partir da dcada de 1980, questiona vrios desses postulados, retomando mesmo algumas das premissas que informavam a teoria da mo-dernizao17. Embora as ideias incorporadas nessa vertente no sejam verdadeiramente novas, elas ganharam maior notoriedade especialmente com a ascenso de governos conservadores na Inglaterra, Estados Unidos e Alemanha cujas polticas passaram ento a questionar trs dcadas de keynesianismo e com a reorientao pr-mercado das po-lticas das organizaes multilaterais nesse perodo (Martinussen, 2005).

    De forma similar teoria da moder-nizao bastante popular nas dcadas de 1950/1960 a perspectiva neoliberal con-cebe o processo de desenvolvimento como movimento de convergncia em termos de uma estrutura institucional e normativa co-mum: o contexto da globalizao econmica (sobretudo a maior mobilidade dos capitais) ensejaria a constituio de uma economia de

    livre mercado em nvel global, desde que fosse adotado um conjunto de polticas (as cha-madas reformas estruturais) que removessem os obstculos para o funcionamento adequa-do dos mercados (como na velha teoria da modernizao, trata-se de remover os obst-culos oriundos da tradio para a emergncia da modernidade). Entre tais obstculos, est a interveno do Estado na economia, que, como vimos, marcou fortemente o padro de desenvolvimento dos pases na Amrica Latina e outras regies.

    Para os neoliberais, a interveno do Estado na economia tende a gerar compor-tamentos rentistas (rent-seeking behavior), como a corrupo, reduzindo a ecincia e o dinamismo da economia. Esse postulado fundamenta-se no pressuposto de que a es-sncia da relao entre Estado e sociedade baseia-se em trocas autointeressadas em uma estrutura de oportunidades e restries (Bu-chanan, Tolisson e Tullock, 1980). Assim, as autoridades governamentais disputariam um recurso escasso (poder) buscando mo-bilizar possveis apoiadores pela distribuio de privilgios (o que resultaria na contnua elevao dos gastos pblicos). A distribuio de privilgios pelos agentes do Estado pode tomar a forma da criao articial de escas-sez ou imposio de barreiras expanso da oferta de mercado (ex.: medidas de res-trio a importaes, barreiras de entrada a novos produtores, reservas de mercado etc.). As oportunidades de ganho econmico dos apoiadores passariam a depender crescente-

    17 Os fundamentos do neoliberalismo foram desenvolvidos durante longos perodos. Eles esto ligados a trs fon-tes: os monetaristas como Milton Friedman, a escola de Chicago dos Estados Unidos e o Instituto de Assuntos Econmicos na Inglaterra, que argumentam que a inao e o dcit scal derivam do gasto pblico excessivo, elevando a quantidade de dinheiro em circulao na economia; o liberalismo econmico clssico, como o repre-sentado por Friedrich von Hayek (que sublinhava a importncia dos princpios econmicos clssicos de Adam Smith e David Ricardo), e ideias polticas e econmicas que sustentavam o laissez-faire e o individualismo (Peet e Hartwick, 1999).

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    mente desses privilgios de apropriao do excedente econmico (rents), tornando-se cada vez mais comprometidos com a ma-nuteno dessa prtica. Os altos retornos derivados da busca de lucros em atividades improdutivas acabam por dominar a vida econmica (Bhagwati, 1982).

    O desenvolvimento dependeria, para os neoliberais, de se restituir a economia aos mercados, eliminando os controles bu-rocrticos e reduzindo a esfera da atividade estatal na vida social. Claro est que este argumento tenta recuperar uma ideia cen-tral economia poltica clssica: os agen-tes econmicos buscariam a maximizao do lucro e, em condies de livre mercado, esse comportamento produziria a alocao mais eciente dos recursos socialmente dis-ponveis (Smith, [1776] 1985; Lal, 1983; Bhagwati, 1982).

    A ascenso dos pases do Leste Asi-tico (sobretudo Coreia do Sul e Taiwan) foi entendida por diversos autores sob essa tica, servindo como evidncia emprica que corroborava as expectativas formu-ladas por essa teoria: impulsionadas por foras de mercado, tais economias teriam se desenvolvido para fora, integrando-se crescentemente aos mercados internacio-nais. Resultou da a percepo de que o crescimento orientado para fora (outward oriented), impulsionado pelo mercado, era prefervel ao crescimento orientado para dentro (inward oriented), cujo trao fun-damental o protecionismo estatal pro-duo industrial voltada para o mercado

    interno (padro tpico aos pases latino--americanos)18.

    Essa concepo de desenvolvimento se materializou em um conjunto de recomen-daes (sintetizadas sob o termo Consenso de Washington) que orientaram polticas de ajuste econmico ou reformas estruturais em diversos pases do Terceiro Mundo, espe-cialmente na Amrica Latina, no incio da dcada de 1990. Havia na poca uma cres-cente percepo (entre autoridades polticas, setores empresariais e parcelas da mdia) de que a estagnao econmica e o forte endivi-damento externo dos pases da regio haviam sido causados por um padro de desenvolvi-mento fortemente controlado pelo Estado que resultou em estruturas industriais pouco competitivas e basicamente imitativas. As polticas neoliberais propunham um decidi-do fortalecimento do papel dos mercados na alocao de recursos (que implica uma am-pla desregulao dos mercados), a reduo do tamanho e das atribuies do Estado (por meio da privatizao de empresas e servios pblicos), a adoo de medidas de liberaliza-o do comrcio exterior e dos movimentos internacionais de capital e o favorecimento do investimento direto estrangeiro.

    A principal crtica a essa perspectiva se dirige ao determinismo subjacente tese da convergncia, que supe que as reformas estruturais teriam por objetivo produzir arranjos institucionais ajustados lgica do mercado, em resposta s mudanas ocorri-das no capitalismo internacional (Haggard, 1995). como se, nesse novo contexto, to-

    18 Cf. Little (1979) e Ranis (1979). Para um resumo crtico das teses neoliberais sobre o crescimento econmico dessa regio, ver Wade (1990, p. 52-72). Contrariamente s teses neoliberais, alguns estudos tentavam mostrar que o padro de crescimento orientado para fora, que caracterizou a trajetria de desenvolvimento de pases como Coreia do Sul e Taiwan a partir da dcada de 1960, no implicava ausncia de interveno estatal (Geref, 1990; Wade, 1990; Amsden, 1989). Para um exame da liberalizao econmica na China, comparar Qian (2003), e Haung (2008).

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    dos os pases tivessem que se adaptar s ne-cessidades do mercado. Se, de fato, houver uma nica direo que se possa escolher, a economia de livre mercado, e uma ni-ca maneira para se percorrer esse caminho, por meio da adoo de boas polticas e de boas instituies, ento no faz mais sentido debater estratgias nacionais de de-senvolvimento e, mesmo, a delimitao de um campo de estudos voltado a esse tema tornar-se-ia problemtica (Sallum, 2000; Rodrik, 2007).

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    No obstante as limitaes da perspec-tiva neoliberal anteriormente apontadas, importante notar que ela chama ateno para um fenmeno de extrema relevncia: as transformaes no capitalismo mundial a partir do nal da dcada de 1970 modi-caram drasticamente as possibilidades de construo de estratgias nacionais de desen-volvimento (Stallings, 1995).

    Os contornos de um novo contexto internacional do desenvolvimento surgem associados desarticulao do regime de re-gulao de Bretton Woods que dava ampla margem de manobra aos governos nacionais para denir polticas econmicas a partir do nal da dcada de 1970, a mudanas no sis-tema monetrio internacional e, sobretudo, intensicao dos fenmenos associados globalizao econmica. Tais fenmenos

    so: (i) integrao crescente dos mercados de bens e de capital; (ii) internacionalizao da produo; (iii) maior inuncia das organi-zaes multilaterais; (iv) especializao das economias nacionais em diferentes setores industriais ou mesmo em diferentes estgios da produo. Obviamente, esses fenmenos esto intimamente ligados: a liberalizao dos uxos de comrcio exterior e dos inves-timentos, combinada com a revoluo tec-nolgica (na microeletrnica, nas tecnolo-gias de transporte, comunicao etc.), criou novas as oportunidades de atuao para as CTNs (companhias transnacionais), que re-organizaram suas atividades produtivas para alm das fronteiras nacionais e integraram os sistemas de produo em nvel global (Hu-ber e Stephens, 2005).

    Como o desenvolvimento pode ser con-cebido nesse novo contexto? Alguns estudos sugerem que, para se captar a dinmica do desenvolvimento em um cenrio interna-cional desse tipo, essencial redirecionar o enfoque dos estudos do desenvolvimento para as cadeias globais de mercadorias [global commodity chains] e as posies nelas ocu-padas pelas economias nacionais. Se ainda houver espao para estratgias nacionais de desenvolvimento, elas devem ser pensadas a partir de posies dentro de tais cadeiras de produo (Geref, 1994, 1995)19.

    As cadeias globais de mercadorias so sistemas integrados de produo, desenvol-vimento e distribuio de produtos e ser-vios que esto enraizados em redes orga-

    19 De forma similar perspectiva do sistema-mundo, a abordagem proposta por Geref e outros autores arma que tomar as sociedades nacionais como unidades de anlise insuciente para captar a dinmica do desenvolvimento. Ao invs, essa abordagem sublinha a necessidade de se investigar a dinmica do sistema mundial. Ao mesmo tem-po, a concepo tripartite do sistema mundial proposta pela perspectiva do sistema-mundo (centro, semiperiferia e periferia) vista como muito vaga para captar as caractersticas de integrao de diferentes regies e pases economia mundial. Para uma reviso dos principais trabalhos associados perspectiva do sistema-mundo, ver So (1990, p. 169-260). Para uma viso crtica dessa perspectiva, ver Geref (1994).

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    nizacionais e institucionais que operam em escala transnacional (Geref, 1995, p. 113). As economias nacionais podem se vincular a elas por meio dos seguintes papis (no mutuamente excludentes): (i) exportao de produtos primrios; (ii) montagem de produtos para exportao (por meio das zonas de processamento de exportaes); (iii) subcontratao para o fornecimento de peas e componentes; (iv) produo nal de bens para empresas detentoras de marcas e patentes; (v) produo nal de bens com marcas prprias.

    Embora as companhias transnacionais ocupem um lugar central no processo de tomada de decises nas cadeias globais de mercadorias, as sociedades nacionais ainda teriam certa autonomia para a construo de estratgias de desenvolvimento, buscan-do tipos mais vantajosos de integrao da economia nacional s cadeias de produ-o. O maior desenvolvimento dos pases do Leste Asitico (sobretudo Coreia do Sul e Taiwan), em comparao com pases latino-americanos industrializados (Brasil e Mxico), teria decorrido de polticas de desenvolvimento que impulsionaram tais economias a transitar dos trs primeiros papis para os dois ltimos ao longo das dcadas de 1960 e 1990, sobretudo nos nichos mais dinmicos da cadeia de pro-duo de tecnologias da informao: um elemento comum s polticas de desen-volvimento nessa regio foi o forte apoio estatal a empresas de capital nacional (es-pecialmente em setores econmicos estra-tgicos) de forma a contrabalanar o peso das CTNs na economia nacional e reduzir a dependncia nanceira e tecnolgica em relao ao exterior (Geref, 1994)20.

    Outro aspecto pertinente do novo cenrio internacional ressaltado por al-guns estudos se refere transformao do sistema nanceiro internacional no ltimo quarto do sculo passado. Na dcada de 1980, houve uma quase total interrupo do uxo de crdito voluntrio para pases da Amrica Latina e a concesso de crdito pelas agncias multilaterais (como o FMI e o Banco Mundial) nesse perodo esteve frequentemente associada adoo de re-formas liberalizantes (os pases em desen-volvimento do Leste Asitico no sofreram as mesmas restries nanceiras). O resta-belecimento dos uxos internacionais de crdito privado a partir da dcada de 1990 reduziu a dependncia daqueles pases em relao s agncias multilaterais. No entan-to, boa parte do capital de longo prazo nes-sa dcada foi redirecionada para os pases do Leste Asitico, sob a forma de investi-mentos diretos, ou para o nanciamento do processo de reestruturao industrial dos pases desenvolvidos. Enquanto o ingresso de capital externo sob a forma de investi-mento direto est associado transferncia de tecnologia e ampliao do acesso aos mercados, o uxo de capitais de curto prazo (que teve maior importncia relativa para os pases da Amrica Latina) depende ge-ralmente de condicionalidades implcitas de investidores privados e agncias de ra-ting, que associam o risco de investimento em um pas orientao macroeconmica predominante das polticas estatais (Stallin-gs, 1990; Grifth-Jones e Stallings, 1995). Ademais, os capitais especulativos, de cur-to prazo, tendem a impor srias restries s polticas monetria e cambial internas e, fundamentalmente, no criam condies

    20 Ver tambm Amsden (2004, 2009).

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    para o nanciamento dessas economias (Goldenstein, 1994, p. 119).

    Por m, alguns estudos sublinham a emergncia de formas supranacionais de ordenamento das atividades produtivas e nanceiras, associada ao surgimento da Or-ganizao Mundial do Comrcio (OMC) na dcada de 1990. A atuao da OMC nor-matizada por trs conjuntos de acordos que buscam regular o comrcio internacional, os uxos nanceiros entre pases e garantir a proteo da propriedade intelectual:

    s acordo sobre subsdios e medidas compen-satrias: probe subsdios vinculados ao desempenho exportador ou ao uso de insumos nacionais;

    s acordo sobre medidas de investimentos re-lacionadas ao comrcio: probe a impo-sio de exigncias de desempenho ao IED (investimento estrangeiro direto) e a vinculao da concesso de benefcios adoo de determinadas medidas pelas CTNs;

    s acordo sobre propriedade intelectual rela-cionada ao comrcio: impe regras para a proteo da propriedade intelectual e direitos autorais.

    Entre estudiosos do desenvolvimento, h um consenso de que as regras existentes e propostas para a economia global esto res-tringindo os espaos polticos para o desen-volvimento em naes que mais necessitam de desenvolvimento (Gallagher, 2005, p. 2; traduo prpria). Quer dizer, as novas re-gras do jogo incorporadas nos acordos da OMC tenderiam a limitar a gama de ins-trumentos de poltica industrial que foram utilizados no passado pelos Estados nacionais na tentativa de alavancarem o desenvolvi-mento econmico (Chang, 2003, 2005). En-tretanto, alguns autores sugerem que, nesse novo contexto, os Estados nacionais ainda

    poderiam impulsionar o desenvolvimento por meio de subsdios formao de sistemas de inovao, vistos como elementos centrais de uma estratgia mais vantajosa de inte-grao da economia nacional aos mercados internacionais (Amsden, 2005, 2009; Lall, 2005; Arbix, 2007; Comin e Freire, 2009).

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    Este artigo teve por objetivo delinear os principais confrontos no campo dos estudos do desenvolvimento. Vimos que as perspec-tivas de anlise do desenvolvimento podem ser distinguidas sob trs dimenses (conceito, teoria e estratgia) e que elas so frequente-mente combinadas: as tentativas de explicar o desenvolvimento so acompanhadas da formulao de estratgias que visam aos obje-tivos associados a esse processo (crescimento econmico, melhoria do bem-estar social, ativao de grupos sociais etc.) (Martinussen, 2005). O enfoque deste artigo privilegiou a dimenso terica, dando menor ateno s controvrsias em torno das estratgias pol-ticas e das concepes de desenvolvimento.

    O trabalho de construo terica nos estudos do desenvolvimento raramente in-corpora consideraes metatericas de forma sistemtica, relacionadas com questes onto-lgicas e epistemolgicas (natureza do obje-to, como o objeto pode ser analisado etc.). Isso no necessariamente invalida os esforos tericos para se conhecer a natureza e a din-mica do processo de mudana social (repro-duo social) associado ao desenvolvimento, mas certamente levanta algumas dvidas em relao consistncia lgica e preciso dos instrumentos analticos e conceituais (Mar-tinussen, 2005, p. 345-346). provvel que certo ecletismo terico resulte da falta de ela-borao da dimenso metaterica.

    Ao mesmo tempo, possvel notar que os estudos do desenvolvimento tm demons-

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    trado maior preocupao quanto (i) aos com-ponentes normativos que inuem em todas as etapas da pesquisa cientca, quanto (ii) esfera de aplicabilidade do aparato analtico--conceitual e quanto (iii) validade das evi-dncias produzidas.

    Em relao ao primeiro ponto, diversos autores passaram a chamar ateno para o fato de que a denio de certos objetivos associados a uma concepo de desenvolvi-mento afeta no apenas a escolha da pers-pectiva terica e a organizao das evidn-cias empricas, como tambm inuencia a formulao de estratgias. Assim, na dcada de 1970, surgiu um conjunto de estudos que defendiam concepes de desenvolvimento frequentemente negligenciadas pelo mains-tream da literatura (desenvolvimento como ampliao das chances de vida de grupos vulnerveis, como elevao da capacidade de ao de grupos populares, desenvolvi-mento sustentvel etc.) e propunham indi-cadores mais variados para medir bem-estar social e qualidade de vida (questionando a estreita associao entre desenvolvimento e crescimento econmico). Tais estudos su-blinhavam, ainda, o impacto diferencial do processo de desenvolvimento sobre diversas categorias sociais (ex.: relaes de gnero) (Seers, 1972; Rathgeber, 1990; Sen, 2005).

    Quanto esfera de aplicabilidade das te-orias e de validade dos resultados empricos, igualmente possvel notar inexes impor-tantes nos estudos do desenvolvimento. Ini-cialmente, tais estudos conduziam a anlise em um nvel bastante elevado de abstrao e reivindicavam a universalidade de seus postu-lados tericos (especialmente na teoria da mo-dernizao). Posteriormente, a anlise do de-senvolvimento cou cada vez mais restrita aos chamados pases do Terceiro Mundo, pe-rifricos ou subdesenvolvidos, vistos como possuidores de traos estruturais peculiares que exigiam uma teorizao especca capaz

    de produzir resultados generalizveis apenas nesse nvel. Mais recentemente, o enfoque so-bre as caractersticas similares a tais pases foi substitudo por uma nfase sobre seus traos diferenciadores, tanto em termos das estru-turas internas quanto em termos das formas de vinculao ao sistema poltico-econmico internacional. Quer dizer, a reivindicao de universalidade cedeu espao ao enfoque sobre a peculiaridade do mundo em desenvolvi-mento e este, nfase sobre as variaes re-gionais e locais. O enfoque regional ou local carrega o risco de fragmentao terica que diculta a comparabilidade das evidncias.

    Por m, este artigo gostaria de sugerir um enfoque que incorpore as principais con-tribuies das perspectivas exploradas ante-riormente. Como j sugerido por Polanyi (2000), toda economia de mercado supe, para seu funcionamento, uma estrutura ins-titucional e garantias legais que dependem do Estado. Seguindo essa trilha e incorpo-rando avanos posteriores, pode-se dizer que o desenvolvimento um processo multidi-mensional e multifacetado que supe relaes complexas entre o Estado, a economia e a sociedade. O desao est em investigar os arranjos institucionais e estruturais que sus-tentam tais relaes (tanto no plano interno quanto externo) e que determinam graus variados de autonomia e de capacidade dos Estados nacionais para imprimir um padro especco ao processo de desenvolvimento. Quer dizer, os tipos de interveno do Esta-do na economia e na vida social mais ampla e os instrumentos que utiliza nessa emprei-tada so determinados pelos arranjos institu-cionais existentes, dentro de limites estrutu-rais associados, no plano interno, s relaes de poder entre as classes e grupos sociais e, no plano externo, s formas de insero das economias e sociedades nacionais no sistema mundial e s normas que regulam o comr-cio e investimentos entre os pases.

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