BELO HORIZONTE 2013 - 2° Congresso Brasileiro de ... · Mais recentemente, em 25 de Janeiro de...

30
2º CONGRESSO BRASILEIRO DE POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EM SAÚDE UNIVERSALIDADE, IGUALDADE E INTEGRALIDADE DA SAÚDE: UM PROJETO POSSÍVEL A práxis dos profissionais da Atenção Primária à Saúde no processo de notificação de violência contra crianças e adolescentes Deborah Pedrosa Moreir 1 Geisy Lanne Muniz Luna 2 Samira Valentim Gama Lira 3 Maria de Fátima de Carvalho Mello 4 Aline de Souza Pereira 5 Luiza Jane Eyre de Souza Vieira 6 BELO HORIZONTE 2013 1 Universidade de Fortaleza 2 Universidade de Fortaleza 3 Universidade de Fortaleza 4 Universidade Estadual do Ceará 5 Faculdades Nordeste- FANOR DeVry 6 Universidade de Fortaleza

Transcript of BELO HORIZONTE 2013 - 2° Congresso Brasileiro de ... · Mais recentemente, em 25 de Janeiro de...

2º CONGRESSO BRASILEIRO DE POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EM SAÚDE

UNIVERSALIDADE, IGUALDADE E INTEGRALIDADE DA SAÚDE: UM PROJETO POSSÍVEL

A práxis dos profissionais da Atenção Primária à Saúde no processo de notificação de

violência contra crianças e adolescentes

Deborah Pedrosa Moreir1

Geisy Lanne Muniz Luna2

Samira Valentim Gama Lira3

Maria de Fátima de Carvalho Mello4

Aline de Souza Pereira5

Luiza Jane Eyre de Souza Vieira6

BELO HORIZONTE

2013

1 Universidade de Fortaleza

2 Universidade de Fortaleza

3 Universidade de Fortaleza

4 Universidade Estadual do Ceará

5 Faculdades Nordeste- FANOR DeVry

6 Universidade de Fortaleza

A PRÁXIS DOS PROFISSIONAIS DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE NO PROCESSO

DE NOTIFICAÇÃO DE VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES7

THE PRAXIS OF PROFESSIONALS OF PRIMARY HEALTH CARE IN THE PROCESS OF

NOTIFICATION OF VIOLENCE AGAINST CHILDREN AND ADOLESCENTS

A PRÁXIS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE NA NOTIFICAÇÃO DA VIOLÊNCIA

Resumo: A violência contra criança e adolescente configura-se atualmente como um problema

social e de saúde pública e a identificação e acompanhamento dos casos ainda é um grande

desafio para os profissionais de saúde. Nesse sentido o presente estudo teve como objetivo

analisar a percepção dos profissionais de saúde da Atenção Primária à Saúde sobre a Notificação

da Violência contra Crianças e Adolescentes em sua práxis. Trata-se de uma pesquisa descritiva

com abordagem qualitativa, realizada em uma Unidade Básica de Saúde de referência para

violência da cidade de Fortaleza, Ceará, entre agosto e setembro de 2012. Contou com a

participação de 12 profissionais cadastrados na Estratégia Saúde da Família e os critérios de

inclusão utilizados foram profissionais que trabalhem na unidade há mais de seis meses, atendam

crianças e/ou adolescentes e aceitem participar da pesquisa. O instrumento de coleta de dados foi

uma entrevista individual a partir de questões norteadoras e estes foram analisadas pela Análise

de Conteúdo. Todos os preceitos éticos foram respeitados. Os agrupamentos temáticos surgidos

no discurso dos profissionais sinalizaram que as dificuldades para efetivarem a notificação de

maus-tratos na prática da atenção básica foram: falta de capacitação na área, medo de represálias

por parte do agressor, falta de estrutura dos serviços de apoio, dentre outros. Também emergiu

dos discursos a importância dos Agentes Comunitários de Saúde como o elo entre comunidade e

7 Recorte de um projeto de pesquisa em andamento intitulado “Notificação de maus-tratos em crianças e

adolescentes por profissionais da Equipe de Saúde da Família – Fortaleza”, com início em 2007 e término

previsto para 2014. Vale salientar que está pesquisa apresentada foi realizada em 2012.

equipe de saúde, pois os mesmos trazem para o âmbito da unidade básica os casos de violência

ocorridos em suas áreas de atuação e, por fim, o conhecimento acerca da ficha de notificação,

onde a maioria dos profissionais afirmou saber de sua existência, porem, muitos nunca tiveram a

oportunidade de ver ou preencher a mesma. Conclui-se que o reconhecimento da violência e a

notificação de maus-tratos, em crianças e adolescentes por profissionais da Estratégia Saúde da

Família, estão ligados ao “saber reconhecer” e ao “ter como fazer”, nesse sentido, o

desenvolvimento de programas de formação continuada, o aprimoramento das instituições de

proteção à criança e ao adolescente e a ampliação das redes de suporte profissional poderão

reduzir o grau de insegurança profissional em reconhecer e notificar e, deste modo, aumentar o

número de notificações dos casos de violência.

Palavras chave: Violência; Adolescente; Notificação; Papel Profissional.

INTRODUÇÃO

A Organização Mundial da Saúde (OMS, 2002) define violência como o uso

intencional da força física, do poder, real ou sob forma de ameaça contra si próprio, contra

outrem, ou contra um grupo ou comunidade, que resulte ou tenha possibilidade de resultar em

lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação de liberdade.

A violência, de acordo com dados do Ministério da Saúde, constitui a segunda causa

de óbitos no quadro da mortalidade geral brasileira e entre os 5 e 49 anos é a primeira causa entre

todas as mortes ocorridas (BRASIL, 2002a).

Deste modo, pode-se observar a gravidade do fenômeno, que acaba repercutindo em

todo território brasileiro e compõe grande problema de saúde pública, inerente, principalmente, à

sensação de insegurança causada em todas as classes sociais e ao custo financeiro que vem

representando para todos (FERRIANI; GARBIN; RIBEIRO, 2004).

Sabe-se, porem, que existem grupos mais vulneráveis à violência e é essencial que

estes recebam atenção especial como as crianças e adolescentes, o qual é o foco deste estudo,

além disso, destacam-se também os idosos e as mulheres.

A violência contra crianças e adolescentes não é um fato recente e, por alguns

períodos da história, foi fortalecida e era uma prática habitual, justificada e aceita pelas diferentes

sociedades, estando presente no desenvolvimento das mesmas (PIRES; MIYAZAK, 2005).

Nesse ínterim, a legislação brasileira sobre violência foi tratada na Constituição

Federal (BRASIL, 1988) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (BRASIL, 1990), que

tornaram a notificação de casos suspeitos ou confirmados como ação obrigatória por parte de

profissionais da área de saúde e educação, prevendo penas para os mesmos e para os

estabelecimentos de saúde e educação que deixassem de comunicar os casos de seu conhecimento

(BRASIL, 2010). Com estas medidas começou-se a contextualizar a importância da percepção

diária em cada setor envolvido na vida social desse público infanto-juvenil.

Diante de tal panorama e seguindo as recomendações da OMS, feitas na Assembleia

Geral das Nações Unidas (ONU) em 1996, o Ministério da Saúde (MS) declarou que a violência

se constitui em um importante problema para a saúde pública e publicou a Política Nacional de

Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências (BRASIL, 2001a) e definiu um

instrumento de notificação, às autoridades competentes, de casos de suspeita ou de confirmação

de violência contra crianças e adolescentes, Portaria MS/GM nº 1.968 (BRASIL, 2001b).

Mais recentemente, em 25 de Janeiro de 2011, foi criada a portaria nº 104/2011

(BRASIL, 2011), onde são definidas as terminologias e relação de doenças, agravos e eventos em

saúde pública de notificação compulsória, estabelecendo fluxo, critérios, responsabilidades e

atribuições aos profissionais e serviços de saúde.

Segundo Silva et al (2009), a notificação constitui-se como um instrumento de

proteção à criança e/ou adolescente que está sob cuidado profissional na Instituição, porém,

muitos profissionais, por falta de conhecimento e por insegurança, podem deixar de agir diante de

uma situação de violência ou até mesmo agir de forma errônea. O ECA, mesmo sem explicitar

como fazer a notificação, respalda e apoia esse procedimento. A falta de confiança dos

profissionais no aparato estatal, associada à falta de capacitação para o acompanhamento e

compreensão do desenvolvimento do fenômeno da violência, pode impedir que a notificação seja

efetivada, apesar da exigência legal contida no ECA (SILVA et al, 2009).

JUSTIFICATIVA

Diante da complexidade configurada e ao perceber o aumento de casos de violência contra

crianças e adolescentes que chegam diariamente aos serviços de saúde, surgiu-me inquietações e

reflexões acerca da abordagem da violência na atenção básica, tendo em vista que esse serviço é

considerado ”porta de entrada” para o Sistema Único de Saúde.

O estudo tem como relevância ressaltar a realidade da notificação de maus-tratos em

crianças e adolescentes por profissionais da Estratégia Saúde da Família, no intuito de formular dados

para o planejamento de ações que visem oferecer táticas que venham a facilitar a pratica da notificação

de maus-tratos.

A pesquisa nessa área traz subsídios para fomentar Políticas Públicas no setor, no

intuito de conscientizar para a importância do aperfeiçoamento profissional na abordagem de

casos de violência contra criança e adolescente.

OBJETIVOS

Analisar a percepção dos profissionais da Atenção Primária em Saúde sobre a Notificação de

Violência contra Crianças e Adolescentes em sua práxis.

REFERENCIAL TEÓRICO

Violência contra criança e adolescente

Segundo Minayo (2001), a violência contra crianças e adolescentes é todo ato ou

omissão cometido pelos pais, parentes, outras pessoas e instituições capazes de causar dano

físico, sexual e/ou psicológico à vítima. Implica, de um lado, uma transgressão no poder/dever de

proteção do adulto e da sociedade em geral e, de outro, numa coisificação da infância. Isto é, uma

negação do direito que crianças e adolescentes têm de serem tratados como sujeitos e pessoas em

condições especiais de desenvolvimento.

Destacam-se duas formas de violência contra criança e adolescente e ambas

distinguem-se por algumas características. A violência intrafamiliar corresponde a toda ação ou

omissão que prejudique o bem-estar, a integridade física, psicológica ou a liberdade e o direito ao

desenvolvimento da criança ou adolescente. Pode ser cometida dentro ou fora de casa por algum

membro da família, incluindo pessoas que passam a assumir função parental e de relação de

poder à outra, ainda que sem laços de consanguinidade. A violência doméstica, por sua vez, inclui

outros membros do grupo, sem função parental, mas que convivem no espaço doméstico.

Incluem-se aí empregados, pessoas que convivem esporadicamente e agregados (BRASIL,

2001c).

Salienta-se que a violência é um fenômeno de difícil apreensão pelo grau de

subjetividade, polissemia e controvérsia que contém, entretanto, pode-se analisá-la em suas

distintas formas e expressões (MINAYO, SOUZA, 1998). Convém realçar que a violência contra

a criança e o adolescente abrange conceitos específicos de violência física, psicológica, sexual e

de negligência, os quais são abordados a seguir.

Violência física

Violência física é cometida quando uma pessoa, que está em relação de poder à

criança, causa ou tenta causar dano não acidental, por meio do uso da força física ou de algum

tipo de arma que pode provocar - ou não - lesões externas, internas ou ambas. Segundo

concepções mais recentes, o castigo repetido, não severo, também é considerado como violência

física (BRASIL, 2001c).

Violência psicológica

A violência psicológica, segundo Camargo e Buralli (2006), evidencia-se como a

interferência negativa do adulto sobre a criança e sua competência social, conformando um

padrão de comportamento abusivo. As formas mais comuns são: rejeitar, isolar, aterrorizar,

ignorar, corromper e criar expectativas irreais ou extremadas sobre a criança ou adolescente.

A violência psicológica se traduz como uma das modalidades mais difíceis de ser

identificada e consequentemente de ser combatida. Ela perpassa todas as demais modalidades de

violência, visto que as experiências de maus tratos físicos, psicológicos, sexuais e negligência

acarretam para a maior parte das vítimas traumas de dimensões profundas. Além disso, se

configura ainda pela sua especificidade que consiste em atos que destorcem a imagem e

acarretam prejuízos à identidade da pessoa, tais como: xingamento, humilhações, discriminação,

entre outros, levando a pessoa a sentir-se desvalorizada, sofrer de ansiedade e adoecer com

facilidade, podendo inclusive, em casos de longo tempo se agravar de forma profunda chegando

até a morte (ABRAPIA, 2002).

Violência sexual

Segundo Deslandes (1994), a violência sexual, é entendida como todo ato ou jogo

sexual, relação hetero ou homossexual na qual o agressor está em estágio de desenvolvimento

psicossexual mais adiantado que a criança ou adolescente, com o objetivo de estimulá-la

sexualmente ou utilizá-la como meio para alcançar satisfação sexual. Gonçalves e Ferreira (2002)

complementa afirmando que, algumas vezes, não há, necessariamente, sinal corporal visível. A

estimulação sexual pode ocorrer sob a forma de práticas eróticas e sexuais (violência física,

ameaças, indução, vouyerismo, exibicionismo, produção de fotos e exploração sexual).

Negligência

De acordo com Camargo e Buralli (2006), a negligência é o tipo mais frequente de

maus-tratos e é explicada como o fato da família se omitir em prover as necessidades físicas,

emocionais e educacionais de uma criança ou adolescente. Configura-se quando os pais ou

responsáveis falham em alimentar, vestir adequadamente, medicar ou educar seus filhos. Azevedo

e Guerra (1989) ressalta que é importante perceber e distinguir a relação da negligência com as

condições sociais de vida dos pais, aspecto relevante em uma realidade como a brasileira. Logo,

se uma criança está mal alimentada porque os pais não conseguem obter dinheiro para alimentá-

la adequadamente, o caso não será considerado como de negligência. Entretanto, se todo o

dinheiro conseguido e que deveria ser destinado, prioritariamente, para a alimentação dos filhos é

desviado para o consumo de bebidas alcoólicas, então poderia se configurar um cuidado

negligente.

A violência que ocorre dentro das famílias ainda é um assunto cercado de tabus e

sabe-se que as experiências da infância, sejam elas boas ou más, se refletirão na personalidade

adulta. Muszkat (2001) refere que famílias podem ser despreparadas para compreender,

administrar e tolerar seus próprios conflitos e tornarem-se violentas por tradição. Acredita-se que

o ciclo da violência contra crianças e adolescentes está vinculado diretamente ao relacionamento

afetivo entre pais e filhos. Muitas crianças se sentem ameaçadas, negligenciadas, abandonadas e

não encontram motivos, no seu próprio ambiente, para acreditarem que são importantes.

Constantemente submetidas à violência, aprendem, erradamente, que só através de tal forma

poderão resolver conflitos, contribuindo, deste modo, para a manutenção da violência geração

após geração (PEREIRA, 2005).

A notificação como instrumento de prevenção à violência

O instrumento da notificação deve dar inicio a um processo que se caracteriza muito

mais como assistência e auxilio, não como punição. Algumas experiências tem mostrado que a

intervenção do setor saúde pode ser mais efetiva quando a saúde e o bem-estar de todos os

envolvidos colocam-se como objeto primeiro da ação, buscando-se equacionar os direitos de

todos os membros da família ao invés de alimentar o confronto entre direitos subjetivos (LUNA,

2007).

O Brasil começou a se preocupar e a tratar a violência contra crianças e adolescentes,

como um problema de saúde após os anos 60, sobretudo na área da pediatria (GUERRA, 2001).

No final da década de 80 houve uma atenção crescente em relação ao tema e, em 1988, o texto da

atual Constituição Brasileira que em seu artigo 227 determina que “é dever da família, da

sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à

vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao

respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda

forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Assegurando,

assim, direitos à criança e ao adolescente (BRASIL, 1988).

O reconhecimento da necessidade em proteger crianças e adolescentes, garantindo

seu crescimento e desenvolvimento saudáveis, veio ampliar as políticas e estratégias voltadas

para a emergente questão da violência ocorrida nas últimas décadas contra este grupo e, no dia 30

de junho de 1989, foi aprovado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) pelo Congresso

Nacional e, posteriormente, transformado na Lei Federal nº 8069 em 13 de julho de 1990 o qual

veio a se constituir no instrumento legal na garantia da cidadania de crianças e adolescentes. Com

a implementação do ECA, a lei passa a dar prioridade absoluta à criança e/ou adolescente por

parte da família, da sociedade e do Estado, mudando a concepção de atendimento à criança e ao

adolescente (BRASIL, 2006a).

Mesmo reconhecendo "a distância entre intenção e prática", é preciso saudar o

estatuto, com suas concepções abrangentes dos direitos dos jovens, indo desde a criança como

sujeito de direitos abstratos até as disposições jurídicas para a sua proteção em caso de delito

(LUNA, 2007).

Além do Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código Penal também prevê

penalidades para o abuso infantil, com pena que varia de dois meses a um ano de detenção ou

multa, podendo ser aumentada para um a quatro anos se caracterizada lesão corporal grave e para

quatro a doze anos em caso de morte (BRASIL, 1988).

Neste movimento, em direção à proteção da criança e do adolescente, o Ministério da

Saúde elaborou, em 1993, uma proposta preliminar de prevenção e assistência à violência

doméstica (BRASIL, 1993).

Atenção Primária à Saúde

A conferência de Alma-Ata definiu a Atenção Primária a Saúde (APS) como

"cuidados essenciais baseados em métodos de trabalho e tecnologias de natureza prática,

cientificamente críveis e socialmente aceitáveis, universalmente acessíveis na comunidade aos

indivíduos e às famílias, com a sua total participação e a um custo suportável para as

comunidades e para os países, à medida que se desenvolvem num espírito de autonomia e

autodeterminação" (BRASIL, 2001d).

A Constituição de 1988 aprovou o Sistema Único de Saúde (SUS) o qual forneceu os

princípios para a reorganização da Atenção Básica no Brasil e tem sido o Programa Saúde da

Família (PSF), atualmente conhecido como Estratégia Saúde da Família (ESF), o viabilizador da

construção de um novo modelo de atenção a saúde.

De acordo com Mendes (2012), no Brasil, inventou-se algo sem similar na literatura

internacional, pois aqui atenção primária denomina-se atenção básica, o que, para o autor, reforça

a concepção de algo simples que pode ser banalizado. Em função dessa visão ideológica da

atenção primária à saúde, interpreta-se primário como primitivo, mas, ao contrário, o significante

primário quer referir-se ao complexo princípio da Atenção Primária à Saúde: o do primeiro

contato.

A Atenção Básica de Saúde (ABS) é definida como o modo de organização e

funcionamento da porta de entrada preferencial do sistema de saúde e com ênfase na função

resolutiva dos serviços, sobre os problemas de saúde mais comuns da população, com redução de

custos econômicos, mas com atendimento às demandas da população por ações de atenção á

saúde de primeiro nível, caracterizando-se por um conjunto de ações de saúde no âmbito

individual e coletivo que abrangem a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o

diagnostico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde através do uso de tecnologias

de elevada complexidade e baixa densidade, que devem resolver os problemas de saúde de maior

frequência e relevância em seu território (BRASIL, 2006b).

Seus fundamentos são possibilitar o acesso universal e contínuo a serviços de saúde

de qualidade e resolutivos; efetivar a integralidade em seus vários aspectos; desenvolver

relações de vínculo e responsabilização entre as equipes e a população adscrita, garantindo a

continuidade das ações de saúde e a longitudinalidade do cuidado; valorizar os profissionais de

saúde por meio do estímulo e acompanhamento constante de sua formação e capacitação;

realizar avaliação e acompanhamento sistemático dos resultados alcançados, como parte do

processo de planejamento e programação; estimular a participação popular e o controle social

(MENDES, 2012).

METODOLOGIA

As asserções da pesquisa direciona-nos para um estudo descritivo com abordagem

qualitativa.

Na pesquisa qualitativa o pesquisador é ativo descobridor do significado das ações e

relações que se ocultam nas estruturas sociais (CHIZZOTTI, 2000). De acordo com Minayo

(2002), a pesquisa qualitativa trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações,

crenças, valores e atitudes, o que corresponde ao espaço profundo das relações, dos processos e

dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.

Realizou-se na Atenção Básica do município de Fortaleza-Ceará. Atualmente

Fortaleza é dividida em 6 Secretarias Regionais (I, II, III, IV, V e VI). Na SER I, é formada por

15 bairros e moram cerca de 360 mil habitantes, SER II é formada por 20 bairros, onde moram

325.058 pessoas, SER III possui 378.000 habitantes que estão distribuídos em 17 bairros, SER IV

abrange 19 bairros e sua população é cerca de 305 mil habitantes, SER V possui 570 mil

habitantes dos 18 bairros e SER VI com população estimada em 600 mil habitantes e atende a 29

bairros. Em relação ao serviço de atenção básica, Fortaleza possui 92 Unidades Básicas de Saúde

distribuídas nas SER‟s. Desses, 12 estão na SER I, 12 na SER II, 16 na SER III, 12 na SER IV, 20

na SER V e 20 na SER VI (PREFEITURA DE FORTALEZA, 2011). Nesse estudo a pesquisa

será realizada na Secretaria Executiva Regional IV.

A SER IV possui 33 Equipes de Saúde da Família, onde escolhemos, por amostra, 05

equipes lotadas em uma Unidade Atenção Primária à Saúde (UAPS), pois trata-se de uma

unidade-escola, vinculada à uma Universidade.

A UAPS é considerada referência no atendimento de vítimas de violência na Regional

IV, essa realidade foi fundamental na escolha desses profissionais para este estudo, pois a maioria

já foi capacitada na área.

Os sujeitos do estudo foram profissionais de saúde (enfermeiros e cirurgiões-

dentistas) da Estratégia Saúde da Família. No primeiro momento foi solicitado a participação de

todos os profissionais de nível superior da ESF, contudo no período de coleta de dados alguns

médicos encontravam-se de férias e o restante se negou a participar, ficando então a participação

restrita de enfermeiros e cirurgiões-dentistas.

Os critérios de inclusão adotados pelo estudo foram: ser profissionais cadastrado na

Equipe Saúde da Família, trabalhar na Unidade há mais de 6 meses, atender crianças e/ou

adolescentes em sua práxis e aceitar participar da pesquisa.

A coleta dos dados foi realizada durante os meses de agosto a setembro de 2012

através de entrevista individual com a utilização de um roteiro com questões norteadoras sobre a

notificação da violência contra crianças e adolescentes. Para a coleta de dados foi realizado visita

na Unidade de Saúde, explicado à coordenação sobre os objetivos do estudo e posteriormente

obtivemos permissão para entrevistar os profissionais. Essas entrevistas aconteceram nos

intervalos das consultas.

O instrumento de coleta de dados foi uma entrevista, definida como um encontro

entre duas pessoas, com o propósito de que uma delas obtenha informações a respeito de

determinado assunto, por meio de uma conversação de natureza profissional. É um procedimento

utilizado na investigação social, para coleta de dados ou para ajudar no diagnostico ou no

tratamento de um problema social (LAKATOS; MARCONI, 1999).

A entrevista utilizada contempla as informações sobre as características

sociodemográficas e sobre o conhecimento do profissional acerca da ficha de notificação e as

facilidades e dificuldades no reconhecimento das vitimas de violência. Durante a coleta de dados

foi solicitado assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido – TCLE.

Dentre as técnicas de análise, resolvemos adotar a análise de conteúdo de Bardin

(2011) que é definida como um conjunto de técnicas de análise de comunicação visando a obter

indicadores, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das

mensagens, que permitam a inferência de conhecimentos relativos ao discurso dos entrevistados.

Após a análise dos dados emergiu-se as seguintes categorias:

1. Falta de Preparo Profissional para Abordagem da Violência

2. Medo do Profissional frente a Casos de Violência

3. A Notificação como Instrumento de Prevenção à Violência

Vale salientar, que todos os preceitos éticos foram respeitados a partir da Resolução

196/96, e foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Fortaleza - UNIFOR,

onde recebeu aprovação para realização do estudo, sob o parecer 072/2007.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Caracterização dos Sujeitos

O estudo contou com a participação de doze profissionais, sendo: seis cirurgiões

dentistas e seis enfermeiros da equipe de saúde da família, os quais atuavam diretamente

desenvolvendo ações em suas áreas de adscrição/responsabilização. Nem todos os profissionais

que compõem a equipe foram entrevistados; faltaram dois médicos e uma enfermeira.

Visando à preservação do anonimato dos sujeitos, escolheu-se a denominação de

profissional, seguido do número correspondente a ordem de entrevista.

Quadro 1 – Caracterização dos profissionais de saúde – CE- 2012

Profissional Profissão Sexo Idade Estado

Civil

Renda

Familia

r R$

Religião Qualificação

Profissional

P01 Enfermeiro F 35 Casada 2.000,0

0

Católica Pós em outra

área

P02 C. Dentista F 38 Viuva 3.500,0

0

Católica Pós em Saúde

Púb.

P03 Enfermeiro M 35 Casado 3.000,0

0

Não

Católica

Pós em outra

área

P04 C. Dentista F 60 Casada ---- Não

Católica

Pós em Saúde

Púb.

P05 Enfermeiro F 47 Solteira ---- Católica Pós em Saúde

Púb.

P06 Enfermeiro F 45 Outro ---- Católica Pós em outra

área

P07 C. Dentista F 29 Solteira ---- Não

Católica

Pós em outra

área

P08 C. Dentista F 35 Casada ---- Católica Pós em outra

área

P09 Enfermeiro F 32 Casada 7.000,0

0

Não

Católica

Pós em outra

área

P10 C. Dentista F 30 Casada ---- Católica Pós em Saúde

Púb.

P11 Enfermeiro F 42 Casada 6.000,0

0

Católica Não possui

P12 C. Dentista F 41 Solteira 16.000,

00

Católica Pós em outra

área

Categorias:

Falta de Preparo Profissional para Abordagem da Violência

A falta de preparo do profissional em reconhecer a violência foi uma reclamação

comum e quase unânime entre os sujeitos da pesquisa e, segundo os mesmos, isso dificulta que

ações pertinentes ao fenômeno da violência contra crianças e adolescentes sejam desenvolvidas, o

discurso abaixo confirma tal evidenciação.

“A falta de preparo do profissional é um fator que dificulta a identificação da

violência, associado a falta de informação pela falta de notificação...” (P10)

A maioria dos participantes do estudo não possui formação em saúde da família.

Portanto, há uma necessidade visível de se discutir e rever essa fragilidade encontrada na equipe

fornecendo cursos de capacitação ao profissional da área para que o mesmo esteja habilitado a

reconhecer a violência e estar apto a tomar as medidas necessárias.

Isto corrobora o pensamento de Deslandes (1994), segundo o qual a identificação dos

casos de maus-tratos que chegam aos serviços públicos de saúde é uma realidade possível, desde

que fornecidas aos profissionais condições instrumentais e esclarecidas suas responsabilidades

com essas crianças e adolescentes.

Os discursos que se seguem demonstram a realidade descrita pelos entrevistados em

relação às dificuldades na abordagem da violência, onde se percebe que a necessidade de

capacitação na área está presente na maioria das respostas.

“O principal fator é o despreparo do profissional para reconhecer a criança ou

o adolescente vítima da violência quanto à abordagem.” (P02)

“A falta de capacitação profissional é um dos fatores, mas tem outros como

falta de suporte e de equipamentos como RX e falta de vínculo com os familiares.” (P03)

A atitude dos profissionais frente à abordagem da violência cometida contra a criança

e o adolescente se encontra intimamente relacionada com a capacitação ou não do profissional

em reconhecer tal fato. Embora o tema esteja assumindo maior visibilidade em vários estudos e

pesquisas ainda se observa o despreparo dos profissionais das diferentes áreas que lidam com a

problemática.

A identificação da violência nos serviços de saúde é ainda carregada de muitas

incertezas. A questão não tem sido tratada na maioria dos currículos de graduação (ALMEIDA,

1998). Deste modo, muitos profissionais não dispõem de informações básicas que permitam

diagnosticá-la com um mínimo de certeza.

Segundo Gomes et al. (2002), vem sendo destacado na literatura internacional que a

não identificação dos casos de maus-tratos e sua consequente não notificação se relacionam à

falta de conhecimento por parte dos profissionais em detectar os sintomas.

Acerca do conhecimento da ficha de notificação e de seu correto preenchimento ficou

evidente o desconhecimento e despreparo dos profissionais em relação à questão. Alguns

afirmam que nunca viram a mesma, consequentemente, não sabem preenchê-la, ficando

comprovado pelos relatos abaixo:

“Não conheço essa ficha, nem sei como deve ser preenchida, mas sei que tem

aqui.” (P08)

“Eu nunca preenchi a ficha, pra falar a verdade nunca vi.” (P12)

Apesar dos profissionais afirmarem ter ciência da existência da ficha de notificação, o

conhecimento do seu teor não é efetivado. Evidenciando, mais uma vez, o despreparo do

profissional em relação à questão da violência e de sua devida notificação.

“A ficha existe na unidade, entretanto eu nunca tive a experiência em detectar

tal violência, por isso nunca a preenchi.” (P02)

“Nunca preenchi, nem sei se tenho dificuldades” (P09)

Prover um programa de educação permanente aos profissionais da saúde, formando

um quadro de pessoal devidamente capacitado e qualificado, como também seguro de suas ações,

é de extrema importância para que os mesmos executem as ações pertinentes às suas funções com

mais segurança e exatidão.

Profissionais qualificados são de extrema importância para o manejo dos casos, bem

como para a qualidade das informações contidas no instrumento de notificação, a qualificação

profissional deve ser sempre estimulada, o Ministério da Saúde, através da Portaria GM/MS nº

198 (BRASIL, 2004) de 13 de fevereiro de 2004, implantou a Política Nacional de Educação

Permanente que tem como proposta de ação estratégica contribuir para transformar e qualificar as

práticas de saúde, a organização das ações e dos serviços de saúde, os processos formativos e as

práticas pedagógicas na formação e desenvolvimento dos trabalhadores de saúde (BRASIL,

2004).

Na Estratégia Saúde da Família (ESF) a necessidade de formação permanente dos

profissionais torna esse desafio maior, pois vai de encontro com as formas tradicionais de ensino

socialmente reconhecidas (MENDONÇA et al, 2010).

Medo do Profissional frente a Casos de Violência

O medo é outro fator que contribui para a subnotificação. Os profissionais de saúde

demonstram uma grande relutância em assumir uma notificação de violência contra criança e/ou

adolescente e não se sentem seguros em fazê-lo, pois, além do receio em abordar a família,

alegam que não têm suporte de outros órgãos.

Os discursos mostram com clareza a insegurança em trabalhar com situações

delicadas como a violência, as quais envolvem denúncia, notificação e escassez de parcerias

como: Conselho Tutelar, Delegacia da Criança e do Adolescente, e outras.

“O receio da abordagem com a família e, alem disso, o Conselho Tutelar, às

vezes, nem aparece, a falta de capacitação também prejudica porque o profissional não valoriza

a notificação, por exemplo, a notificação da dengue, muitas vezes não é feita.” (P01)

A ameaça do agressor aos profissionais é um argumento invocado, com certa

frequência, para justificar a não-notificação dos casos de violência (BRASIL, 2002a).

“O medo do profissional em relação à família da vitima porque a gente pode

ser ameaçada, falta de preparo do profissional para identificação de violência e falta de

informação pela falta de notificação. (P10).

A violência contra a criança e o adolescente é uma demanda antiga para os

profissionais de saúde, mas estes, em sua maioria, não desenvolveram meios para seu

enfrentamento. Isso ocorre por medo do profissional de envolvimento legal, embora haja amparo,

especialmente, no Estatuto da Criança e do Adolescente, para que as ações desenvolvidas surtam

efeito e não prejudiquem o trabalhador da saúde (PIRES, 2004).

O medo está claro tanto no discurso dos enfermeiros como no dos cirurgiões-

dentistas, que tentam justificar esse sentimento através do fato de estarem mais próximos da

comunidade e do contato mais frequente que estes profissionais possuem com a mesma. Os

profissionais que atuam na ESF exercem suas ações em territórios definidos e, pela própria

característica do processo de trabalho, criam vínculos com a comunidade o que pode acarretar no

aumento do medo e/ou receio na abordagem às vítimas de violência, pois eles encontram-se

muito próximos da comunidade, como representa a fala abaixo:

“A gente tem receio de abordar a família porque a gente entra e sai todo dia

daqui e nós não temos segurança, falta de referência, mas eu identifico.” (P05)

Deslandes (1999) defende que este quadro só poderá ser revertido quando algumas

ações fundamentais forem tomadas, como a criação de uma dinâmica de responsabilidade

institucional para a notificação dos casos, pois se de um lado é responsabilidade do profissional

notificar, por outro é a instituição que deve garantir esta conduta profissional, protegendo o

indivíduo de “arcar” com todas as pressões, compartilhando a responsabilidade pelo caso. Há que

se criar uma "rotina institucional" para a notificação, identificando-se etapas e atribuições.

Essa realidade nos remete à necessidade de construção de uma rede de apoio pela

gestão, que consiga dar segurança ao profissional que trabalha na ESF. Sem ela, continuará

ocorrendo a hegemonia do silêncio, em detrimento da fala de protesto e das ações contra essa

conjuntura que aflige as comunidades nas quais os profissionais procuram melhorar a qualidade

de vida dos moradores (FERREIRA JÚNIOR, 2010).

A Notificação como Instrumento de Prevenção à Violência

Nas falas dos profissionais entrevistados, independentemente de sua categoria

profissional, podemos constatar o déficit de notificação nos casos de violência contra criança e

adolescente como também é salientada a importância da mudança deste quadro para que ações

possam ser tomadas e estratégias geradas a partir do estudo epidemiológico dos casos.

Em 2004, a portaria GM/MS 2.406 (BRASIL, 2004b) disseminou a notificação

compulsória da violência, de acordo com a lei 10.778/2003 (BRASIL, 2003) que estabelece essa

forma de registro, e a lei 10.886/2004 (BRASIL, 2004a), também chamada lei Maria da Penha,

que tipifica a violência domestica. Mais recentemente, em 2006, o Ministério da Saúde lançou a

„matriz pedagógica‟8 para a formação de redes de atenção integral para mulheres e adolescentes

em situação de violência domestica e sexual (BRASIL, 2006c).

Geralmente, a notificação realizada numa instancia dos serviços de saúde segue para

o Conselho Tutelar da cidade onde o evento violento ocorreu, com cópia para a secretaria de

saúde do município. A principal finalidade desse ato é dar apoio e proteção à criança e ao

adolescente e sua família. Para os serviços de saúde, o registro tem ainda o objetivo de gerar um

perfil dos problemas e da demanda e, assim, subsidiar o planejamento adequado de atenção às

vitimas nas unidades básicas e no sistema como um todo (LUNA, 2007).

“Há déficit de notificação. Seria muito importante que os equipamentos

sociais nos dessem mais apoio, porque assim a gente teria um retrato da comunidade e ver o que

pode ser trabalhado na família. Com subnotificação não há como trabalhar estratégias para

melhorar.” (P01)

A prática da notificação de violência contra criança e adolescente pode ser

considerada indicador de um melhor monitoramento da violência. Isso pode ser justificado pela

fala abaixo.

“É importante para se ter conhecimento dos casos de violência e,

consequentemente, implantação de políticas de saúde pública.” (P06)

Nos discursos que se seguem, podemos constatar que a notificação é reconhecida

pelos profissionais como um poderoso instrumento de política pública, pois serve para fornecer

dados, dimensionando, assim, a questão da violência e sua dinâmica, como também serve para

implantação de políticas e estratégias que visem minimizar sua ocorrência.

“...serve como histórico do atendimento e poderia desencadear ações

8

� Conjunto de informações que se ancoram entre o instrumental teórico e o aprimoramento técnico. (BRASIL, 2011)

intersetoriais e apoio jurídico”. (P03)

“É um mecanismo importante para proteção das crianças e adolescentes.”

(P08)

“Ah! É fundamental para o acompanhamento e informação dos casos e

também possibilita o planejamento de ações.” (P10)

Os profissionais de saúde têm um papel importante na luta contra a violência e é

necessário esclarecer que a notificação não se trata de uma denúncia, mas de uma ferramenta que

promove políticas públicas reduzindo riscos e danos associados à violência contra as crianças e

adolescentes, permitindo, ainda, que se conheça as diversas formas de violência, suas vitimas e

agressores, fazendo-se o encaminhamento devido e necessário, assim como, promover a

assistência às vítimas.

O ato de notificar é um elemento crucial na ação pontual contra violência, na ação

política global e no entendimento do fenômeno. Apesar disso, muita controvérsia permeia ainda o

tema, sem perspectiva de solução imediata. Pode-se deduzir que o instrumento da notificação

deve dar inicio a um processo que se caracteriza muito mais como assistência e auxilio e não

como punição. Algumas experiências tem mostrado que a intervenção do setor saúde pode ser

mais efetiva quando a saúde e o bem-estar de todos os envolvidos colocam-se como objeto

primeiro da ação, buscando-se equacionar os direitos de todos os membros da família ao invés de

alimentar o confronto entre direitos subjetivos (LUNA, 2007).

Para incentivar o adequado preenchimento das fichas de notificação são essenciais as

parcerias com as instituições formadoras de profissionais de saúde, bem como com entidades de

classe dos profissionais de saúde. Profissionais de outras áreas como educação, promoção social,

dentre outros, podem ser envolvidos também no processo de notificação. As notificações que

envolvem crianças e adolescentes devem ser encaminhadas obrigatoriamente também aos

conselhos tutelares da infância e da adolescência (BRASIL, 2008).

O reconhecimento da violência e a notificação de maus-tratos, em crianças e

adolescentes por profissionais da Estratégia Saúde da Família, estão ligados ao “saber

reconhecer” e ao “ter como fazer”. Nesse sentido, o desenvolvimento de programas de formação

permanente, o aprimoramento das instituições de proteção à criança e ao adolescente e a

ampliação das redes de suporte ao profissional poderão reduzir o grau de insegurança deste em

reconhecer e notificar e, deste modo, aumentar o número de notificações dos casos de violência,

bem como, possibilita realização de futuras reestruturações que se façam necessárias nas políticas

de atenção como também na própria ficha. O profissional não deve apenas se conectar com a

realidade é preciso nela intervir.

REFERÊNCIAS

ABRAPIA, Maus-Tratos Contra Crianças e Adolescentes – Proteção e Prevenção: Guia de

Orientação para Profissionais de Saúde. Petrópolis, RJ: Autores & Agentes & Associados, 2ª ed.,

ABRAPIA, 2002.

ALMEIDA, EC. Violência doméstica: um desafio para a formação do pediatra. [dissertação

de mestrado], Rio de Janeiro: Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de

Janeiro, 1998.

AZEVEDO, MA; GUERRA, VNA. Crianças Vitimizadas: A Síndrome do Pequeno Poder.

São Paulo: Iglu, 1989.

BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa, Portugal: Edições 70, 2011.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília (DF): Senado Federal;

1988.

________. Presidência da Republica. Lei 8.069, 13 jul. 1990. Dispõe sobre o Estatuto da

Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília, 1990.

________. Violência contra a criança e o adolescente: proposta preliminar de prevenção e

assistência à violência doméstica. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde; 1993.

________. Ministério da Saúde. Portaria MS / GM, 737, 16 maio 2001. Política Nacional de

Redução de Morbimortalidade por Acidentes e Violências. Diário Oficial da União. Brasília:

Ministério da Saúde, 2001a.

________. Ministério da Saúde. Portaria GM / MS, 1.968, 2001. Dispõe sobre a

obrigatoriedade de notificação de suspeita ou confirmação de maus-tratos cometidos contra

criança e adolescentes aos conselhos tutelares. Brasília: Ministério da Saúde, 2001b.

________. Ministério da Saúde. Violência intrafamiliar: orientações para a prática em

serviço. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2001c.

________. Ministério da Saúde. Projeto Promoção da Saúde. Promoção da Saúde: Declaração de

Alma-ta, Carta de Ottawa, Declaração de Adelaide, Declaração de Sundsvall, Declaração de

Santa fé de Bogotá, Declaração de Jacarta, Rede de meta países e Declaração do México.

Brasília: Ministério da Saúde, 2001d.

________. Notificação de maus-tratos contra crianças e adolescentes pelos profissionais de

saúde: um passo a mais na cidadania em saúde. Secretaria de Assistência a Saúde, 48p.: série

A Normas e Manuais Técnicos; no 167. Brasília, 2002a.

________. Presidência da República. Lei 10.778, 24 nov. 2003. Estabelece a notificação

compulsória, no território nacional em serviços de saúde públicos e privados. Diário Oficial

da União. Brasília, 2003.

________. Ministério da Saúde. Portaria 198 GM / MS 13 fev. 2004. Institui a Política

Nacional de Educação Permanente em Saúde como estratégia do Sistema Único de Saúde

para a formação e o desenvolvimento de trabalhadores para o setor. Brasília: Ministério da

Saúde, 2004a.

________. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.406 de 5/11/2004. Institui serviço de notificação

compulsória de violência contra a mulher nos serviços de saúde, e aprova instrumento e

fluxo para notificação. Brasília: Ministério da Saúde, 2004b.

________. Presidência da Republica. Lei 10.886, 17 jun. 2004. Acrescenta parágrafo ao artigo

129 do decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, criando o tipo

especial denominado “violência domestica”. Publicado no DOU de 18/06/2004. Presidencia da

Republica, 2004c.

________. Ministério da Saúde. Violência faz mal a saúde. Secretaria de Atenção à Saúde.

Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Brasília – DF, 2006a.

________. Portaria MS / 687, 30 março 2006. Política Nacional de Promoção da Saúde. Diário

Oficial da União Nº 63, sexta-feira, 31 de março de 2006b.

________. Ministério da Saúde. Atenção integral para Mulheres e Adolescentes em Situação

de Violência Doméstica e sexual: matriz pedagógica para formação de redes. Brasília:

Ministério da Saúde, 2006c.

________. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Secretaria de Saúde - CONASS. O

Desafio do Enfrentamento da Violência: Situação Atual, Estratégias e Propostas. Brasília,

2008.

________. Linha de cuidado para a atenção integral à saúde de crianças, adolescentes e suas

famílias em situação de violências: orientação para gestores e profissionais de saúde.

Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Brasília

(DF): Ministério da Saúde, 2010.

________. Portaria do Ministro de Estado da Saúde nº 104, de 25 de janeiro de 2011. Diário

Oficial da União nº18, Brasília, 2011.

CAMARGO, CL; BURALLI, KO. Violência familiar contra crianças e adolescentes. Salvador

(BA): Ultragraph; 1998. Rev Latino-am Enfermagem 2006 julho-agosto; 14(4).

CHIZZOTTI, A. Pesquisa em ciências humanas e sociais. São Paulo: Cortez, 2000.

DESLANDES SF. Prevenir a violência: um desafio para profissionais de saúde. Rio de

Janeiro (RJ): FIOCRUZ/ENSP/CLAVES; 1994.

DESLANDES, SF. O atendimento às vítimas de violência na emergência: "prevenção numa hora

dessas?". Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 4, n. 1, 1999.

FERREIRA JÚNIOR, AR. Percepções dos profissionais da estratégia saúde da família acerca

do enfrentamento da violência entre adolescentes. 2010. 99f. Dissertação (mestrado) –

Universidade de Fortaleza, Fortaleza-CE, 2010.

FERRIANI, MGC; GARBIN, LM; RIBEIRO, MA. Caracterização de casos em que crianças e

adolescentes foram vítimas de abuso sexual na região sudoeste da cidade de Ribeirão Preto, SP,

no ano de 2000. Acta Paul Enfermagem 2004; 17(1):45-54.

GOMES, R, et al. A abordagem dos maus-tratos contra a criança e o adolescente em uma unidade

pública de saúde. Ciênc. saúde coletiva, São Paulo, v. 7, n. 2, 2002.

GONÇALVES, HS & FERREIRA, AL. A notificação da violência intrafamiliar contra crianças e

adolescentes por profissionais de saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(1):

315-319, jan-fev, 2002.

GUERRA, VNA. Violência de pais contra filhos: a tragédia revisitada. 4ª ed. São Paulo:

Cortez; 2001. p.77-88.

LAKATOS, EM; MARCONI, MA. Fundamentos de Metodologia Científica. 3.ed. São Paulo:

Atlas, 1999.

LUNA, GLM, Notificação de Maus-tratos em Crianças e Adolescentes por Profissionais da

Equipe Saúde da Família. 2007. 97f. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) – Universidade

de Fortaleza, Fortaleza, 2007.

MENDES, EV. O Cuidado das Condições Crônicas na Atenção Primária á Saúde: o

Imperativo da Consolidação da Estratégia Saúde da Família. Brasília: Organização Pan-

Americana da Saúde, 2012. 512 p.

MENDONÇA, MHM et al. Desafios para gestão do trabalho a partir de experiências exitosas de

expansão da Estratégia de Saúde da Família. Ciência & Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v. 15, n.

5, ago, 2010. p. 2355-2365.

MINAYO, MCS; SOUZA, ER. Violência e saúde como campo interdisciplinar e de ação

coletiva. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, IV(3):513-31, nov. 1997 – fev 1998.

MINAYO, MCS. Violência contra crianças e adolescentes: questão social, questão de saúde. Rev

Bras Saúde Matern Infant 2001; 1:91-102.

________. O significado social e para a saúde da violência contra crianças e adolescentes. In:

Westphal MF. Violência e criança. São Paulo: Edusp; 2002. p. 95-114.

MUSZKAT M. Violência intrafamiliar: novas formas de internação. In: Levisky DL,

organizador. Adolescência e violência: ações comunitárias na prevenção. Conhecendo,

articulando, integrando e multiplicando. São Paulo (SP): Casa do Psicólogo/Hebraica; 2001:

167-73.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Relatório Mundial de Violência e Saúde.

Genebra: Organização Mundial da Saúde, 2002.

PEREIRA AL. Educação em Saúde. In: Figueiredo NMA, organizadora. Ensinando a cuidar em

Saúde Pública. São Caetano do Sul (SP): Yendis; 2005: 25-46.

PIRES, ALD; MIYAZAKI, MCOS. Maus-tratos contra crianças e adolescentes: revisão da

literatura para profissionais da saúde. Arq Ciênc Saúde. v.12, n.01. São Paulo, jan-mar 2005.

PREFEITURA MUNICIPAL DE FORTALEZA (PMF). Regionais. Disponível em:

http://www.fortaleza.ce.gov.br/regionais. Acesso em: 15 abr 2011.

SILVA PA et al. A notificação da violência intrafamiliar contra crianças e adolescentes na

percepção dos profissionais de saúde. Cienc Cuid Saude 2009 Jan/Mar; 8(1):56-62.