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São Paulo De 20 a 26 de janeiro de 2005 R$ 2,00 Ano 3 Número 99 Governo argentino enfrenta credores Néstor Kirchner só retoma o pagamento da dívida externa se banqueiros aceitarem reduzir o endividamento em 75% Missionários da CPT são perseguidos Pág. 3 Dificuldades à vista na política agrária Pág. 6 Pescadores de Rodeadouro (BA) desconhecem plano de transposição do Rio São Francisco EUA insuflam conflitos na América Latina Pág. 10 Comunicação é destaque no 5º Fórum Social E mais: EFEITO ESTUFA – Conferên- cia das Nações Unidas sobre o clima, em Buenos Aires (Argentina), não discutiu os padrões atuais de produção e consumo. Pág. 14 BRASIL-ÁFRICA – Governo bra- sileiro envia comitiva para es- treitar relações comerciais com cinco países africanos (Sene- gal, Cabo Verde, Guiné-Bis- sau, Nigéria e República de Camarões). Pág. 12 A Argentina propôs à banca internacional pagar só 25% do valor que cobram os credores. O país vizinho está em moratória desde 2001. A estraté- gia de Kirchner vai na contramão dos governos vizinhos, que prio- rizam o mercado financeiro, cujo maior temor é que outros sigam o exemplo argentino. Para o inte- lectual César Benjamin, o sucesso da Argentina pode colocar à pro- va a política do ministro Antonio Palocci, da Fazenda: nos últimos dois anos, o Brasil pagou a dívida religiosamente em dia, mas não a reduziu nem em 10%. Em 2004, gastou com esses pagamentos 160 vezes a mais do que inves- tiu em habitação. Já a Argentina, não pagou nada, e poderá reduzir seu passivo em até 75%. Mais: a economia argentina cresceu 18% nos últimos dois anos, enquanto a brasileira ficou nos 5%. Págs. 2 e 9 Nestlé explora ilegalmente água mineral Povos indígenas em luta contra o preconceito Vida difícil para os indígenas que moram em Manaus (AM). Apesar de sua cultura milenar, ainda são vistos como sinal de atraso, além de serem apresen- tados como atrativo exótico. O censo de 2000 informa que o Amazonas possui aproximada- mente 18 mil indígenas moran- do nos centros urbanos. Para garantir o seu reconhecimento, eles enfrentam oposição tanto do poder público, como do pró- prio movimento indígena. “O movimento indígena ainda não se dispôs, verdadeiramente, a abrir uma agenda para a ques- tão do índio urbano”, reconhece Francisco Loebens, coordenador regional do Conselho Indigenis- ta Missionário (Cimi). Pág. 16 Com a cumplicidade do go- verno estadual, a transnacional Nestlé criou uma zona franca em São Lourenço, Minas Gerais. Zona de impunidades. Na região, onde atua desde 1996, a empresa causou uma catástrofe ambien- tal, com a exploração predatória da água e a construção de uma fábrica sem autorização e sem estudo de impacto ambiental. Em defesa dos recursos naturais da área, onde várias fontes de água já secaram, entidades se mobilizaram e exigem que as atividades da transnacional se- jam investigadas. Pág. 13 Bolivianos retomam as ruas de La Paz Estatização do petróleo, saída imediata da empresa espanhola de energia e o início do processo judicial do ex-presidente Gonzalo Sánchez de Lozada. Eis as reivin- dicações dos bolivianos, que ocu- param as ruas, dias 16 e 17. Antes, após 80 horas de greve geral, 600 juntas vicinais de El Alto conse- guiram o fim da privatização da água, com a expulsão da multina- cional francesa Suez. Evo Morales defendeu nova legislação para o setor energético e a convocação de uma Assembléia Constituinte. Pág. 10 Uma das novidades do 5º Fó- rum Social Mundial, que começa dia 26, em Porto Alegre (RS), é o elevado número de atividades en- volvendo comunicação, em espe- cial a alternativa e compartilhada. O 1º Fórum Mundial da Comuni- cação, dia 25, que fará discussão política sobre o tema. O tema é destaque no momento em que, em crise e aproveitando uma emenda constitucional, conglomerados de mídia se fundem e vendem ações a empresas estrangeiras. Págs. 4 e 8 Sem aval da sociedade, a transposição avança Ao passar por cima de resolu- ção do Comitê da Bacia Hidro- gráfica do São Francisco, dia 17, o governo precisa de muito pou- co para aprovar a transposição do Rio São Francisco. Agora, só fal- ta a licença ambiental do Ibama. Mas a sociedade procura formas de reagir. Segundo o agrônomo Hugo Jesus Filho, um dos criado- res da Frente Nacional em Defesa do Rio São Francisco e Contra a Transposição das Águas, lançada dia 6, estão sendo usados todos os meios, inclusive jurídicos, pa- ra barrar a obra sem que o povo participe dos debates. Pág. 5 Iraquianos vão boicotar eleição para presidente Marcada para o dia 30, a elei- ção presidencial pode se tornar um grande fracasso. A avaliação é de Juan Cole, professor de histó- ria da Universidade de Michigan (EUA), para quem mais de 500 mil eleitores devem boicotar o pleito. Um eventual fiasco enfra- quece o domínio militar dos Esta- dos Unidos, pois, segundo Cole, o presidente George W. Bush quer eleger um governo fantoche, que controle. A resistência não é apenas nas urnas: ataques contra soldados estadunidenses e ira- quianos que apóiam a ocupação recrudescem em todo o país. Pág. 11 Recursos públicos podem virar lucros privados Se se tratassem só de parcerias com empresas privadas e levantar recursos para investir em infra-es- trutura, leis e dinheiro não faltam. Mas a intenção das PPPs parece ser outra, dizem especialistas. A economista Ceci Juruá não é contra parcerias, mas contra a lei que as sanciona, que autoriza a transformação de recursos pú- blicos em lucros privados. Pior: nada garante que os lucros dos grupos privados sejam reinves- tidos no país. Com o mercado interno retraído e sem controle de capitais, aqueles lucros tendem a ser remetidos para fora. Pág. 7 Iraquianas passam diante de cartazes de vários candidatos, colados em muro no centro de Bagda. Campanha eleitoral não anima eleitores Maringoni João Zinclar Sabah Arar/AFP/AE

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Néstor Kirchner só retoma o pagamento da dívida externa se banqueiros aceitarem reduzir o endividamento em 75% E mais: R$ 2,00 São Paulo • De 20 a 26 de janeiro de 2005 Ano 3 • Número 99 EFEITO ESTUFA – Conferên- cia das Nações Unidas sobre o clima, em Buenos Aires (Argentina), não discutiu os padrões atuais de produção e consumo. Pág. 14 Pág. 3 Pág. 10 Pág. 6 Pescadores de Rodeadouro (BA) desconhecem plano de transposição do Rio São Francisco Sabah Arar/AFP/AE

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São Paulo • De 20 a 26 de janeiro de 2005

R$ 2,00Ano 3 • Número 99

Governo argentino enfrenta credoresNéstor Kirchner só retoma o pagamento da dívida externa se banqueiros aceitarem reduzir o endividamento em 75%

Missionáriosda CPT sãoperseguidos

Pág. 3

Difi culdadesà vista na

política agrária Pág. 6

Pescadores de Rodeadouro (BA) desconhecem plano de transposição do Rio São Francisco

EUA insufl amconfl itos na

América LatinaPág. 10

Comunicação édestaque no

5º Fórum Social

E mais:

EFEITO ESTUFA – Conferên-cia das Nações Unidas sobre o clima, em Buenos Aires (Argentina), não discutiu os padrões atuais de produção e consumo. Pág. 14

BRASIL-ÁFRICA – Governo bra-sileiro envia comitiva para es-treitar relações comerciais com cinco países africanos (Sene-gal, Cabo Verde, Guiné-Bis-sau, Nigéria e República de Camarões). Pág. 12

AArgentina propôs à banca internacional pagar só 25% do valor que cobram os

credores. O país vizinho está em moratória desde 2001. A estraté-gia de Kirchner vai na contramão dos governos vizinhos, que prio-rizam o mercado fi nanceiro, cujo maior temor é que outros sigam o exemplo argentino. Para o inte-lectual César Benjamin, o sucesso da Argentina pode colocar à pro-va a política do ministro Antonio Palocci, da Fazenda: nos últimos dois anos, o Brasil pagou a dívida religiosamente em dia, mas não a reduziu nem em 10%. Em 2004, gastou com esses pagamentos 160 vezes a mais do que inves-tiu em habitação. Já a Argentina, não pagou nada, e poderá reduzir seu passivo em até 75%. Mais: a economia argentina cresceu 18% nos últimos dois anos, enquanto a brasileira fi cou nos 5%.

Págs. 2 e 9

Nestlé explorailegalmente

água mineral

Povos indígenasem luta contrao preconceitoVida difícil para os indígenas

que moram em Manaus (AM). Apesar de sua cultura milenar, ainda são vistos como sinal de atraso, além de serem apresen-tados como atrativo exótico. O censo de 2000 informa que o Amazonas possui aproximada-mente 18 mil indígenas moran-do nos centros urbanos. Para garantir o seu reconhecimento, eles enfrentam oposição tanto do poder público, como do pró-prio movimento indígena. “O movimento indígena ainda não se dispôs, verdadeiramente, a abrir uma agenda para a ques-tão do índio urbano”, reconhece Francisco Loebens, coordenador regional do Conselho Indigenis-ta Missionário (Cimi).

Pág. 16

Com a cumplicidade do go-verno estadual, a transnacional Nestlé criou uma zona franca em São Lourenço, Minas Gerais. Zona de impunidades. Na região, onde atua desde 1996, a empresa causou uma catástrofe ambien-tal, com a exploração predatória da água e a construção de uma fábrica sem autorização e sem estudo de impacto ambiental. Em defesa dos recursos naturais da área, onde várias fontes de água já secaram, entidades se mobilizaram e exigem que as atividades da transnacional se-jam investigadas.

Pág. 13

Bolivianosretomam as

ruas de La PazEstatização do petróleo, saída

imediata da empresa espanhola de energia e o início do processo judicial do ex-presidente Gonzalo Sánchez de Lozada. Eis as reivin-dicações dos bolivianos, que ocu-param as ruas, dias 16 e 17. Antes, após 80 horas de greve geral, 600 juntas vicinais de El Alto conse-guiram o fi m da privatização da água, com a expulsão da multina-cional francesa Suez. Evo Morales defendeu nova legislação para o setor energético e a convocação de uma Assembléia Constituinte.

Pág. 10

Uma das novidades do 5º Fó-rum Social Mundial, que começa dia 26, em Porto Alegre (RS), é o elevado número de atividades en-volvendo comunicação, em espe-cial a alternativa e compartilhada. O 1º Fórum Mundial da Comuni-cação, dia 25, que fará discussão política sobre o tema. O tema é destaque no momento em que, em crise e aproveitando uma emenda constitucional, conglomerados de mídia se fundem e vendem ações a empresas estrangeiras.

Págs. 4 e 8

Sem aval da sociedade,a transposição avança

Ao passar por cima de resolu-ção do Comitê da Bacia Hidro-gráfi ca do São Francisco, dia 17, o governo precisa de muito pou-co para aprovar a transposição do Rio São Francisco. Agora, só fal-ta a licença ambiental do Ibama. Mas a sociedade procura formas de reagir. Segundo o agrônomo

Hugo Jesus Filho, um dos criado-res da Frente Nacional em Defesa do Rio São Francisco e Contra a Transposição das Águas, lançada dia 6, estão sendo usados todos os meios, inclusive jurídicos, pa-ra barrar a obra sem que o povo participe dos debates.

Pág. 5

Iraquianos vãoboicotar eleiçãopara presidente

Marcada para o dia 30, a elei-ção presidencial pode se tornar um grande fracasso. A avaliação é de Juan Cole, professor de histó-ria da Universidade de Michigan (EUA), para quem mais de 500 mil eleitores devem boicotar o pleito. Um eventual fi asco enfra-quece o domínio militar dos Esta-dos Unidos, pois, segundo Cole, o presidente George W. Bush quer eleger um governo fantoche, que controle. A resistência não é apenas nas urnas: ataques contra soldados estadunidenses e ira-quianos que apóiam a ocupação recrudescem em todo o país.

Pág. 11

Recursos públicos podemvirar lucros privados

Se se tratassem só de parcerias com empresas privadas e levantar recursos para investir em infra-es-trutura, leis e dinheiro não faltam. Mas a intenção das PPPs parece ser outra, dizem especialistas. A economista Ceci Juruá não é contra parcerias, mas contra a lei que as sanciona, que autoriza

a transformação de recursos pú-blicos em lucros privados. Pior: nada garante que os lucros dos grupos privados sejam reinves-tidos no país. Com o mercado interno retraído e sem controle de capitais, aqueles lucros tendem a ser remetidos para fora.

Pág. 7

Iraquianas passam diante de cartazes de vários candidatos, colados em muro no centro de Bagda. Campanha eleitoral não anima eleitores

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De 20 a 26 de janeiro de 20052

NOSSA OPINIÃO

O presidente da Argentina, Néstor Kirchner, desafi ou, mais uma vez, o mercado fi nanceiro. No dia 14, de-clarou que, sem esfolar ainda mais a população, em crescente ritmo de pauperização, não tem como pagar a dívida externa do país, que atinge 80 bilhões de dólares. No lugar, propõe uma redução de 75% do valor co-brado pelos credores. Na grande im-prensa, porta-voz dos interesses do mercado fi nanceiro, houve alvoroço. Não faltaram colunistas e editoriais para condenar a iniciativa de Kirch-ner: chamaram-no de irresponsável, mau pagador, caloteiro...

O que incomoda mesmo os capa-tazes dos credores internacionais não é a moral do presidente argentino, mas sua coragem. Acostumados à subserviência dos governos dos paí-ses do Terceiro Mundo em relação aos ditames do mercado internacio-nal, não sabem como reagir a um governo que não aceita mais suas re-gras. Se é verdade que Kirchner rea-liza o superavit fi scal como recomen-da o Fundo Monetário Internacional (FMI), o presidente argentino, desta vez, decidiu priorizar o bem-estar social, com investimentos em servi-ços indispensáveis para a população, como educação e saúde, e apresenta

Argentina desafi a credoresum projeto de desenvolvimento nacional.

Desde a crise de 2001, quando o governo da Argentina decretou a moratória do pagamento da dívida privada e a moeda nacional, o peso, despencou em relação ao dólar, a situação social do país entrou em colapso. Até 2003, semanalmente, milhares de pessoas saíam às ruas, exigindo mudanças na política eco-nômica e melhores condições de vida. Segundo um relatório do ano passado da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), ligada à Organização das Nações Unidas (ONU), a renda mé-dia dos argentinos diminuiu 3% de 2000 a 2003. No mesmo período, o desemprego no país atingiu 16,8% da população ativa – quase duas ve-zes mais do que o índice do Brasil.

Apesar de pressões de movi-mentos sociais para que rompa com o mercado fi nanceiro, Kirch-ner não faz isso, mas propõe uma negociação da dívida, tentando preservar políticas que atendam às necessidades da população. De qualquer modo, o presidente ar-gentino sinaliza uma resistência à dominação fi nanceira dos países do Terceiro Mundo pelas grandes

potências. Também reacende o debate sobre a legitimidade da dí-vida externa da Argentina – e a de centenas de outros países do mun-do. Investigações realizadas pelo advogado Alejandro Olmos, morto em 2000, concluíram que todo o endividamento do país, de 1976 a 1983, é ilegal. Constatou também que o Banco Central argentino não possui o perfi l dos vencimentos e uma lista de credores e devedores, o que anula qualquer obrigação no pagamento da dívida.

A atitude de Kirchner serve de exemplo para os governos da Amé-rica Latina. É a prova de que é pos-sível dar um “Não!” às incessantes humilhações e pilhagens que o con-tinente sofre. Em dezenas de países, o receituário aplicado pelo FMI para resolver difi culdades econô-micas e sociais acentua as mazelas e cria um sistema de endividamento galopante. O objetivo não é outro que reforçar ainda mais a subservi-ência e a dominação em relação às grandes potências, principalmente os Estados Unidos. Contra isso, Kirchner apresenta uma fórmula, que não é mágica ou, em si, revo-lucionária: basta ter coragem e um projeto de nação sob o braço.

OHIFALA ZÉFALA ZÉ

Brasil de Fato é o resultado das aspirações de milhares de lutadores de movimentos populares, intelectuais de esquerda, sindicatos, jornalistas e artistas que se uniram para formar uma ampla rede nacional e internacional de colaboradores. • Como participar: Você pode colaborar enviando sugestões de reportagens, denúncias, textos opinativos, imagens. Também pode integrar a equipe de divulgação e venda de assinaturas. • Cadastre-se pela internet: www.brasildefato.com.br. • Quanto custa: O jornal Brasil de Fato custa R$ 2,00 cada exemplar avulso. A assinatura anual, que dá direito a 52 exemplares, custa R$ 100,00. Você também pode fazer uma assinatura semestral, com direito a 26 exemplares, por R$ 50,00. • Reportagens: As reportagens publicadas no jornal podem ser reproduzidas em outros veículos - jornais, revistas, e páginas da internet, sem qualquer custo, desde que citada a fonte. • Comitês de apoio: Os comitês de apoio constituem uma parte vital da estrutura de funcionamento do jornal. Eles são formados nos Estados e funcionam como agência de notícias e divulgadores do jornal. São fundamentais para dar visibilidade a um Brasil desconhecido. Sem eles, o jornal fi caria restrito ao chamado eixo Rio-São Paulo, reproduzindo uma nefasta tradição da “grande mídia”. Participe você também do comitê de apoio em seu Estado. Para mais informações entre em contato. • Acesse a nossa página na Internet: www.brasildefato.com.br • Endereços eletrônicos: AL:[email protected]•BA:[email protected]•CE:[email protected]•DF:[email protected]•ES:[email protected]•GO:[email protected]•MA:[email protected]•MG:[email protected]•MS:[email protected]•MT:[email protected]•PA:[email protected]•PB:[email protected]•PE:[email protected]•PI:[email protected]•PR:[email protected]•RJ:[email protected]•RN:[email protected]•RO:[email protected]•RS:[email protected]•SC:[email protected]•SE:[email protected]•SP:[email protected]

Marcelo Barros

Em Cúneo, norte da Itália, pre-para-se para fevereiro uma Feira do Livro com o tema: “A

arte do pensamento”. Em Goiânia, uma rádio mantém um programa diário “para quem não tem preguiça de pensar”. Quando o mercado toma conta de tudo e planeja as coisas pa-ra serem descartáveis, o risco é que pensar se transforme em sinônimo de consumir o que os chamados “forma-dores de opinião” ditam à maioria. Já em 1948, a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou a liberdade de pensamento como um dos direitos humanos, mas nenhuma lei pode fazer um ser humano querer pensar e menos ainda descobrir o prazer de buscar a sabedoria. No mundo das sensações imediatas, consome-se o que é mais fácil e dá menos trabalho. Confunde-se o bom com o agradável. A cultura é de telenovela, a literatura mais em alta é de Paulo Coelho e os fi lmes que mais dão lucro são os da Disney, do Spielberg e da Xuxa.

A “contracultura”, representa-da pelos jovens de outras décadas, reagia ao “politicamente correto”. Apesar de ter como única regra “ser contra”, pensava por si mesma. Esta

CRÔNICACRÔNICA

A responsabilidade do pensar autônomo e o gosto do saber

corrente também foi “domesticada” e transformada em um modo de pensar baseado na comunicação de massa, imediata e sem profun-didade, que se espalha a partir da alienação social e política e pro-voca uma perversão dos sentidos. As pessoas só gostam de música se for barulhenta. A cor tem de ter tons agressivos e tudo se converte em comércio. É a geléia do que o fi lósofo T. Adorno chama de “semi-cultura”.

Há seis anos, em Milão, o cardeal Carlo Martini expressou: “Percebo no seio da sociedade e da juventude um mal que se alas-tra como um vírus que contagia a maioria de nossos contemporâneos. Refi ro-me à apatia social e política que faz com que as pessoas se de-sinteressem dos destinos do país e vivam na mera sensação do imedia-to” (Milão, 07/ 12/ 1998).

Em textos publicados no site da Agência Carta Maior, Lula Miran-da fala do mesmo problema. De-nuncia o quase nenhum estímulo para o desenvolvimento do racio-cínio e da refl exão. Chega a dizer que existe uma “síndrome da des-personalização e da perda da cida-dania” que se manifesta por visível

alheamento da realidade, egocen-trismo acentuado e manifestações de perda da memória. Diz que se levantou até a possibilidade de estarem pondo alguma coisa na água que as pessoas tomam. E responsabiliza a televisão por esta subcultura, escrava da imagem.

Para reconquistar a autono-mia do pensar, é preciso “nadar contra a corrente”, não se deixar arrastar pela rotina do cotidiano e aprender a se extasiar com a vida, com o universo e com o mistério presente em cada ser. Muitos fi -lósofos concordam que o pensar criativo, assim como a fé e a vida interior, começa pela capacidade de espanto e admiração que leva o ser humano às perguntas funda-mentais da vida. É preciso descon-fi ar do “óbvio” e desenvolver um forte senso crítico para imaginar o diferente e repensar o mundo e a vida, a fi m de transformá-los. “Liberte sua natureza feita para as alturas. Deixe nascer o sol dentro de você”(Leonardo Boff).

Marcelo Barros é monge beneditino e autor de 24 livros,

entre os quais o romance A Festa do Pastor, da Editora Rede.

ERRATA

José Carlos Assis é coordenador do Movimento Desemprego Zero, e não coordenador do Programa Fome Zero, como publicamos, erradamen-te, na capa e na página 6 da edição passada.

Para assinar o jornal Brasil de Fato, ligue (11) 2131- 0812 /2131- 0808ou mande mensagem eletrônica para: [email protected]

Para anunciar, ligue (11) 2131-0815

CARTAS DOS LEITORESCARTAS DOS LEITORESPROPAGANDA

Incrível como as agências regula-doras e fi scalizadoras de comerciais (Conar) liberam para ser veiculadas propagandas preconceituosas e de mau gosto. A da cervejaria Schin (nova) por exemplo, abusou na baixa qualidade, expondo nossos idosos ao ridículo. Graças aos parlamentares éticos e atentos à exploração e discriminação da mídia é que aquele comercial foi suspenso. Aliás, muitos outros deve-riam ser retirados do ar. A sociedade moderna não pode, de forma alguma, admitir que os veículos de comuni-cação (concessão pública) veiculem comerciais que difamam a dignidade das pessoas.

Célio Borba Curitiba (PR)

RUMOS DO BRASIL DE FATOEstive no lançamento desse jornal

em Porto Alegre, foi muito emocionan-te e trouxe esperanças para todos ali presentes. Parecia que estava nascendo um meio de comunicação que fi zesse uma leitura pela esquerda da conjun-tura e abrangesse todo o pensamento e ação da esquerda brasileira e que con-seguisse se viabilizar fi nanceiramente. Passados quase dois anos, acho que o Brasil de Fato frustrou aquela expec-tativa. O jornal transformou-se clara-mente no porta voz do MST, o que não deixa de ser importante pela relevância do movimento, mas é muito pouco para a sua idéia original. O jornal fugiu de fazer uma cobertura da preparação e do ato contra a reforma universitária. Co-

briu de forma ligeira, quase que por desencargo de consciência. Sabemos das discordâncias do MST em rela-ção a esse tema com outros setores de esquerda. Acho que terminou “conta-minando” a redação. O que não deixa de ser muito preocupante. Nas cinco últimas edições, a manchete principal e tantas outras matérias é sobre o MST e a reforma agrária. Reafi rmo, acho importantíssima a cobertura sobre a questão agrária (sou agrô-nomo e estou me preparando para o doutorado em sociologia rural). Mas o jornal não abarca a totalidade das lutas sociais, principalmente as urba-nas. Termina restringindo-se àqueles militantes que atuam no meio rural. As pessoas já começam a denominar o Brasil de Fato como o jornal do MST. O Fórum Social do Nordeste, em Recife, merecia várias matérias e comentários, mas se restringiu a meia página. Enfi m, o objeto dessa mensa-gem é, modestamente, provocar uma refl exão no Conselho Editorial para que a semente lançada em Porto Ale-gre germine e dê frutos no presente e no futuro.

Joaquim Pinheiro por correio eletrônico

CONSELHO POLÍTICOAchille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Erick Schunig Fernandes • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frederico Santana Rick • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Augusto Jakobskind • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores

CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • José Arbex Jr. • Hamilton Octávio de Souza • Kenarik Boujikian Felippe • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Maria Luísa Mendonça • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim

��� • Editor-chefe: Nilton Viana���• Editores: Anamárcia Vainsencher, Áurea Lopes,5555 Paulo Pereira Lima, Renato Pompeu���• Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, João Alexandre 5555 Peschanski, Jorge Pereira Filho, Luís Brasilino ���• Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César 55 Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus 5 5555 Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins,

Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles���• Ilustradores: Kipper, Márcio Baraldi, Maringoni, Ohi���• Editor de Arte: Fábio Carli���• Pré Impressão: Helena Sant’Ana���• Revisão: Dirce Helena Salles���• Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.46655 Administração: Silvio Sampaio55 Secretaria de redação: Tatiana Merlino 55 Assistente de redação: Dafne Melo e Fernanda Campagnucci55 Programação: Equipe de sistemas55 Assinaturas: Paulo Ylles55 Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 55555555555 Campos Elíseos - CEP 01218-01055555555555 PABX (11) 2131-0800 - São Paulo/SP55555555555 [email protected] Gráfi ca: GZM Editorial e Gráfi ca S.A.55 Distribuição exclusiva para todo o Brasil em bancas de jornais e revistas 55 Fernando Chinaglia 55 Rua Teodoro da Silva, 907 55 Tel.: (21) 3875-7766 55 Rio de Janeiro - RJ

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De 20 a 26 de janeiro de 2005 3

NACIONALVIOLÊNCIAVIOLÊNCIA

Missionários são alvo de perseguiçãoReligiosos ligados à Comissão Pastoral da Terra sofrem ameaças de seguranças armados e policiais militares

Rodrigo Valentede Recife (PE)

M ais um ato de violência praticado por latifundiários de Pernambuco ocorreu,

no dia 7: os padres Tiago Thorlby, ligado à Comissão Pastoral da Terra (CPT), e Tom Hayden, da Socieda-de Missionária de São Patrício, fo-ram perseguidos por seguranças da Usina São José, na região da Zona da Mata. Eles se tornaram alvo por fotografar desmatamentos de área de Mata Atlântica no Engenho San-ta Tereza.

Os padres denunciam que so-freram constrangimentos e que a máquina fotográfi ca com as fotos foi quebrada. Os seguranças da Usina São José são ligados ao Gru-po João Santos, um dos mais pode-rosos do Estado. O grupo também é proprietário do Engenho Prado, um conjunto de usinas falidas disputadas pela CPT para reforma agrária. O local foi palco de diver-sas violências contra trabalhadores acampados.

Segundo a CPT, os padres es-tavam em visita ao acampamento Nova Canaã, vizinho das terras do Engenho Prado. Quando percebe-ram que na área de reserva legal do engenho algumas árvores estavam sendo derrubadas por funcionários do grupo João Santos, resolveram fotografar. Em pouco tempo, segu-ranças se aproximaram e tentaram impedir a ação.

Ao partirem, os padres perce-

FELISBURGOFELISBURGO

Mobilização contra a impunidade

Suzane Durãesde Brasília (DF)

Representantes das cerca de 300 famílias do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) que ocupam a Fazenda Forquilha, em Salvaterra, município da Ilha do Marajó (PA), estão exigindo a de-sapropriação da área em que estão. No dia 14, encaminharam docu-mento a Roberto Kiel, superinten-dente interino do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Belém, pedindo vistoria, futura aquisição ou desapropriação da fazenda.

A ocupação começou em setem-bro de 2004. O imóvel tem aproxi-madamente 15 mil hectares. Para Saul de Oliveira, um dos coorde-nadores estaduais do MPA, trata-se de “latifúndio improdutivo há mais de 40 anos que pertence à Mari-nha”. Segundo Oliveira, a área foi

tomada por um estadunidense que divide seu tempo entre Brasil e Esta-dos Unidos.

“Queremos agilidade do Incra e reivin-

REFORMA AGRÁRIAREFORMA AGRÁRIA

Marajoaras exigem desapropriação

dicamos a inclusão dessas famílias por meio do processo de reforma agrária na Ilha de Marajó”, diz Oliveira. As famílias também soli-citam o cadastramento para acesso a cestas básicas do Programa Fome Zero e lonas para os barracos. Se-gundo a coordenação do MPA, as famílias estão sofrendo ameaças de morte. Mas Oliveira garante que permanecerão no local para forçar o governo a fazer a reforma agrária na Ilha de Marajó.

Atualmente, a produção agrí-cola da ilha é restrita ao cultivo de abacaxi e criação de alguns búfalos. “Numa ilha tão grande, onde se en-contram somente latifúndios, é ina-ceitável ter de importar de Belém todos os produtos da cesta básica. Vamos produzir alimentos neces-sários à mesa dos trabalhadores”, afi rmou o coordenador do MPA.

A situação do povo marajoara é crítica na região, que possui um dos menores Índices de Desenvol-vimento Humano (IDH), segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU): em uma escala de 1 a 10, na qual o IDH do Brasil é de 0,781, o indíce do Pará é de 0,657, chegando a menos nos municípios de Afuá (0,419), Muaná (0,474) e Soure (0,565).

MATO GROSSO DO SULMATO GROSSO DO SUL

Acampados produzem em mutirão

beram que estavam sendo segui-dos. Resolveram, então, parar no acampamento do Engenho Prado, às margens da rodovia. Os se-guranças, ao verem centenas de

pessoas se aproximarem, seguiram pela estrada. Segundo padre Tiago Thorlby, quando deixaram o acam-pamento, os funcionários do Grupo João Santos montaram na rodovia

PE-41 um bloqueio com um trator, um caminhão e uma carregadeira.

AÇÃO ILEGALDepois de atravessar o bloqueio

pelo acostamento, os religiosos, com medo, resolveram parar em um conhecido restaurante da região, na BR-101, em Igarassu. “Os capangas entraram no estabelecimento de ar-mas em punho, exigindo a máquina fotográfi ca”, diz padre Thorlby. A proprietária e uma funcionária do res-taurante confi rmam a entrada armada dos seguranças e relatam que a situa-ção causou pânico entre os clientes.

Não satisfeitos em roubar a máquina fotográfi ca, os seguranças chamaram a Polícia Militar, que deteve os religiosos. Percebendo que não estavam sendo levados para a delegacia, e sim para uma usina do Grupo João Santos, os padres acionaram imediatamente o advogado Dominici Mororó, da

CPT, que alertou os policiais acer-ca da ilegalidade da ação. Após a intimidação, os policiais comuni-caram aos seguranças que iriam para a delegacia. Os funcionários devolveram a máquina quebrada e não acompanharam os policiais e os missionários até a delegacia.

Rosendo Neto, assessor da Usi-na São José, alega que funcionários acionaram os seguranças porque os padres fotografaram uma proprie-dade privada. Ele negou também que os seguranças tivessem entrado de armas em punho no restaurante e alegou que a perseguição aconteceu para mostrar à polícia quem eram os invasores.

Em nota de repúdio, a CPT de-nuncia o histórico envolvimento da polícia na região com o Grupo João Santos, e exige que as autoridades públicas tomem providências no sentido de punir os envolvidos em tais arbitrariedades.

Rosália Silvade Campo Grande (MS)

Na região Centro-Sul de Mato Grosso do Sul, 500 famílias do Acampamento Douradense aguar-dam, desde 2002, uma área defi -nitiva para serem assentadas. Mas não fi caram de braços cruzados e aproveitam a área para produzir, em mutirão, os alimentos que con-somem.

O trabalhador rural Nilson José Ventura da Silva é coordenador de produção do acampamento. Segun-do ele, na área provisória, de 145 hectares, 78 hectares são utilizados para cultivo. Outros 65 hectares são usados para pastagem e 33 são de várzea, onde foram colhidas 750 sacas de arroz. “Plantamos 15 hec-tares de feijão. E o restante foi divi-dido entre os grupos para plantios diversos”, diz Silva, ressaltando que a produção é orgânica, sem uso de agrotóxicos.

Isaias Manoel, que é um dos co-ordenadores de produção da horta, afi rma: “Somos uma equipe de pro-

dução que formamos um coletivo: organizamos e decidimos o que é melhor para produzir”. Também na horta a cultura é orgânica. “Usamos somente esterco de gado, forragem de folhas secas e curtidas, húmus de minhocários, fertilizantes e inse-ticidas também orgânicos”, revela Manoel, para quem o objetivo é

garantir alimentação saudável, sem comprometimento do ambiente. As maiores produções são de alface, almeirão, batata doce, abóbora, pe-pino, quiabo, cebola-de-cheiro, sal-sinha, cenoura e melancia. “Tam-bém fazemos doações em escolas, creches, prefeituras, hospitais e em praça pública”, conta o lavrador.

Ilha de Marajó – Considerada a maior ilha fl uviomarinha do mundo, maior até que os Estados do Rio de Janeiro, Alagoas e Sergipe. O arquipélago tem área superior a 50 mil km² e é formado por 13 municípios.

Bernardo Alencarde Belo Horizonte (MG)

Continua tramitando no Tribunal de Alçada de Minas Gerais o pedido de habeas corpus que garantiria a liberdade a Adriano Chafi k Luedy, mentor do massacre de cinco sem-terra em Felisburgo (MG), em 20 de novembro do ano passado. Para ten-tar evitar a impunidade do fazendei-ro, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra em Minas Gerais lançou abaixo-assinado, endereçado ao juiz Herculano Rodrigues, pedin-do justiça no caso.

A libertação de Chafi k se soma-ria às dos outros três acusados pela chacina. No dia 30 de dezembro de 2004, o Judicário concedeu liberda-de a Milton Francisco de Souza, o

“Miltinho Pé-de-Foice”, Admilson Rodrigues Lima, o “Bila”, e Fran-cisco de Assis Rodrigues, o “Quin-tinha”, conhecidos criminosos da região, que participaram da chacina no acampamento Terra Prome-tida. De acordo com fontes que não querem revelar os nomes por medo de retaliação, os criminosos continuam a ameaçar abertamente os acampados.O Iter-MG (Instituto de Terras de Minas Gerais), enviou ofício às polícias Militar e Civil, alertando para a possibilidade de mais violência contra os sem-terra.

O texto do abaixo-assinado contra o habeas corpus exige que o Judiciário “expresse um posicio-namento claro de não conivência com a impunidade, determinando que o fazendeiro Chafi k continue

preso, respondendo pelo bárbaro crime que planejou e praticou co-vardemente. Esperamos, ainda, que se decrete a prisão preventiva dos jagunços indevidamente libertados, garantindo-se um pouco de paz às famílias sem-terra”.

Para Luciano Fant, um dos coor-denadores da Comissão Pastoral da Terra em Minas Gerais, “não haverá tranqüilidade enquanto assassinos deste porte continuarem em liberda-de”. Fant acredita que o Brasil não deixará de “ser um país das bananas, o país da impunidade enquanto cri-mes hediondos forem tratados dessa forma”. É a mesma opinião de Ma-ria Glória Trogo, estudante de Direi-to da Universidade Federal de Ouro Preto, que defende a mobilização popular como força de pressão.

Velório de sem-terra assassinado em São José da Coroa Grande (PE): Grupo João Santo é responsável pela onda de violência na Zona da Mata

As famílias do Acampamento Douradense produzem alimentos sem agrotóxicos

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De 20 a 26 de janeiro de 20054

NACIONALCOMUNICAÇÃOCOMUNICAÇÃO

Luiz Antonio Magalhães

Sempre alerta 1A posse dos novos prefeitos trou-

xe para as manchetes dos jornais a difícil situação fi nanceira da maioria dos municípios. Nas últimas sema-nas, o que mais se viu foram relatos de situações surreais, como o supos-to suicídio de um alcaide que não foi reeleito e deixou o caixa descoberto para seu sucessor.

Sempre alerta 2É interessante notar que, até 31

de dezembro de 2004, o assunto era ignorado pela imprensa. Mas não se trata de cegueira coletiva. A explica-ção é simples: os jornais apóiam a fa-mosa Lei de Responsabilidade Fiscal, e noticiar o descalabro fi nanceiro de Estados e municípios signifi ca debater a LRF. Os novos prefeitos, engessa-dos, começam a exigir o debate.

Cobertura favorável...O prefeito paulistano José Serra

(PSDB) começou muito mal a sua gestão. Um dia após a posse, viu seu candidato à presidência da Câmara Municipal ser derrotado por um cor-religionário. Mais: a primeira edição do ano do Diário Ofi cial do Município saiu com foto do prefeito, o que é ilegal. Pior: a página da prefeitura na internet publicou um perfi l do novo alcaide, apresentando-o como “o me-lhor ministro da Saúde do mundo”.

...e ilegalAlém de ridículo, ilegal, pois a

página da prefeitura se destina a servir o cidadão, e não a promo-ver os caprichos do prefeito. Tudo isso aconteceu na primeira semana da gestão Serra, enquanto os dois grandes jornais paulistas preferiam destacar outros atos do prefeito, co-mo visitas a piscinões sujos (estranho seria se estivessem limpos nesta épo-ca de chuvas) e vistorias nos túneis construídos por Marta Suplicy. São Paulo ganhou um Cesar Maia tucano e a mídia parece ter gostado.

Mais do mesmo 1O Fórum Social Mundial começa

dia 26. Esta coluna vai analisar a cobertura do evento, mas já adianta como será o enfoque da grande imprensa: o Fórum terá o tratamento de um acontecimento bizarro, uma feira de espécies em extinção. A mídia vai insinuar o uso de drogas dos participantes, especialmente maconha.

Mais do mesmo 2Se o presidente Lula realmente

comparecer e for aplaudido, a mídia verá contradição nos aplausos. Se for vaiado, noticiará as vaias com estridência. Se José Bové compare-cer, será criticado, juntamente com o MST. Se não comparecer, alguém se lembrará da ausência e dirá que os sem-terra estão cada vez mais isola-dos. Sobre os temas em debate, os jornais darão, no máximo, pequenas notas. Voltaremos ao assunto.

Má vontade...Dor de cotovelo não tem limites.

É evidente a má vontade da crônica esportiva com a ida de Wanderley Luxemburgo para o Real Madrid. Os jornais não disfarçam a torcida para o ex-técnico da seleção se dar mal treinando a constelação de craques da equipe espanhola. A Folha de S. Paulo, por exemplo, insiste em mostrar que Luxemburgo não fala espanhol e tem difi culdade em se fazer entender. Em seis meses, o treinador do Real estará falando espanhol melhor do que os repórteres que o criticam, o que não o fará melhor ou pior do que é hoje. Ademais, se o Real estivesse interessado em fl uência lingüística, teria contratado um técnico nativo.

... e preconceitoNa verdade, o comportamento da

crônica esportiva revela algo muito co-mum no Brasil: preconceito de classe. Luxemburgo, como o presidente Lula, tem origem popular, subiu na vida por seus méritos, enfrentou muitos proble-mas na subida, mas permanece no topo pelo valor de seu trabalho. Como Lula, Luxemburgo tem pela frente um grande desafi o: provar que pode dar certo na Europa. E, também como Lula, o treinador valoriza o marketing pessoal. Quem não gosta é a impren-sa. Prefere Parreiras e FHCs, que são brancos e falam línguas estrangeiras.

Espelho da mídia

Em meio à crise, empresas vendem ações e favorecem a formação de grandes fusões

Dafne Meloda Redação

N o dia 4, a Folha de S. Paulo anunciou a fusão com o pro-vedor de internet Universo

Online (UOL), formando a holding Folha-UOL S.A. A ação envolve a venda de 21% das ações para a empresa de telefonia portuguesa Portugal Telecom, que no Brasil, juntamente com a espanhola Te-lefónica, controla a operadora de telefonia celular Vivo.

A fusão é um exemplo do uso que as empresas jornalísticas têm feito da emenda constitucional que permite, desde 2002, a entrada de capital estrangeiro nas empresas brasileiras em até 30%. A estratégia passou a ser recorrente, principalmente com o fracasso do empréstimo que seria dado às empresas de comunicação do país pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e So-cial (BNDES), operação que fi cou conhecida como Pró-Mídia.

Esse não foi o primeiro caso de venda de ações de empresas de co-municação ao capital estrangeiro. O jornal esportivo Lance! vendeu 10% do capital ao grupo espanhol Cases i Associats, em março de 2004. Em julho, o Grupo Abril ven-deu 13,8% de suas ações para um fundo de investimento estaduniden-se, a Capital International Inc.

Outro caso foi a venda do sistema de TV a cabo NET, da Globo, para a Telmex, empresa de telefonia mexicana. Gustavo Gindre, jornalista e coordenador executivo do Instituto de Estudos e Projetos em Comunicação e Cul-tura (Indecs), conta que, apesar da legislação, (no caso específi co das empresas de TV a cabo, é permiti-da a venda de até 49% das ações), houve uma jogada que, na prática, jogou o controle acionário quase

da Redação

Na nova composição do Conse-lho de Comunicação Social, eleita dia 22 de dezembro de 2004, os empresários levam vantagem. Das dez cadeiras destinadas à socieda-de civil, entre titulares e suplentes, seis estão ocupadas por empresá-rios; um deles, Arnaldo Niskier, é

secretário de Cultura da go-vernadora do Rio de Janeiro, Rosinha Ma-teus (PMDB).

Os titulares representantes da sociedade

Murillo Camarotto e Paulo de Araújo

de São Paulo (SP)

Termina dia 22, na PUC de São Paulo, a 18ª edição do Curso de Ve-rão, promovida pelo Centro Ecumê-nico de Serviços à Evangelização e Educação Popular (Cesep). Neste ano, o evento de formação para membros dos movimentos sociais e populares traz o tema “Educar para a justiça, a solidariedade e a paz”. Pela manhã, palestras abor-dam tópicos como reforma agrária e democratização das mídias. À tarde, o grupo de 700 pessoas – incluindo representantes de 10 países da Amé-rica Latina, África e Europa – se di-vide entre as 20 ofi cinas como a de rádio comunitária, teatro, música e jornalismo popular.

Segundo padre José Oscar Beozzo, coordenador do evento, o curso ajuda a repensar a meto-dologia de ação dos movimentos

total nas mãos da empresa mexi-cana. “Uma das preocupações é que casos como este se repitam e, na prática, empresas estrangeiras passem a controlar mais do que a lei permite”, explica.

MAIS CONCENTRAÇÃOA formação da Folha-UOL S. A.

tornou o conglomerado o segundo maior do setor de mídia no Brasil. Segundo Gindre, o episódio é mais um exemplo de que, hoje, a infor-mação é tratada como mercadoria e não como direito público.

Outro dado preocupante da re-

cente negociação, aponta o jorna-lista, é que a espanhola Telefónica - que controla parte do provedor Terra na América Latina - já de-clarou seu interesse na aquisição da Portugal Telecom. “Caso um dia isso ocorra, signifi ca que a Telefónica será acionária dos dois maiores provedores de internet e sí-tios de notícias no Brasil, o UOL e o Terra”, explica o jornalista. “Isso é um golpe na diversidade da infor-mação”, completa.

O cenário de grandes fusões ten-de a se intensifi car no Brasil, onde não há restrições legais sufi cientes

acerca da propriedade cruzada de meios de comunicação (proprieda-de simultânea de TV, rádio, jornal, TV a cabo etc). Os únicos limites, existentes no Decreto-Lei nº 236, de 1967, não são respeitados. “Essa tendência de convergência e for-mação de grandes conglomerados tende a sufocar a sobrevivência de veículos menores, o que empobrece a diversidade”, explica Gindre.

INDEPENDÊNCIA?Na época da aprovação da emen-

da constitucional que possibilitou a entrada de capital estrangeiro, acreditava-se que o limite de 30% era importante para que a empresa acionária não infl uenciasse no con-teúdo editorial. Para Venício Lima, jornalista e professor aposentado de Ciência Política e Comunicação da Universidade de Brasília, não há dúvidas quanto a existência de tal infl uência. “É um pensamento ló-gico do capitalismo. Se eu compro parte de uma empresa, óbvio que alguns dos meus interesses terão de estar, de uma forma ou de outra, representados”, diz.

Lima aponta também para as transformações a longo prazo que as convergências e as ligações fi -nanceiras com diferentes setores da economia, que irão incidir sobre os próprios profi ssionais da imprensa. “Como fi ca a questão ética para o trabalho do jornalista com isso tudo? Infelizmente, o debate ine-xiste”, conclui.

Empresários dominam Conselho

Conselho de Co-municação Social – Órgão com caráter consultivo em ques-tões relativas à área de comunicação. Seus 26 componen-tes são eleitos pelo Congresso, com mandato de dois anos.

Curso de Verão debate educação

populares. Dentre os visitantes latino-americanos, duas represen-tantes cubanas foram enviadas pe-lo Centro Martin Luther King para conhecer melhor a metodologia do Curso de Verão e implantar um projeto semelhante na ilha. Izzet

Sama Hernández e Ailed Esperan-za Villalba Aquino concordam que a interação entre os movimentos sociais é essencial para engrossar a luta contra a desigualdade. “A sensibilização com outras realida-des e formas de luta é vital para a

Wanderson Alves, monitor na ofi cina de rádio comunitária, no Curso de Verão

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civil são o bispo Orani João Tem-pesta, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Luiz Flá-vio Borges D’Urso, da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP). Na suplência está Gabriel Priolli, ex-funcionário da Rede Globo e membro da Associação Brasileira de Televisão Universitária (ABTU).

HEGEMONIA GLOBALDentre as cadeiras preenchidas

pelo empresariado, as Organizações Globo, saem em vantagem, com a participação de quatro titulares e quatro suplentes com ligações dire-tas com o conglomerado de mídia. Um deles é Paulo Machado de Car-valho Neto, vice-presidente da As-

sociação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), que após a saída da Bandeirantes, Rede TV!, SBT e Record, passou a defender os interesses da emissora global.

Gustavo Gindre, jornalista e coordenador executivo do Instituto de Estudos e Projetos em Comu-nicação e Cultura (Indecs), conta que o primeiro grupo formado em 2002 já apresentava o mesmo desequilíbrio e que empresários ocupavam cadeiras designadas para a sociedade civil. “Se já era complicado fazer um debate do CCS antes, imagine agora. Qual é a possibilidade desse conselho fazer algo inovador na comunicação? Nenhuma”, acredita. (DM)

construção de um mundo melhor”, afi rmou Izett.

Ailed disse que a idéia é voltar para Cuba e iniciar, imediatamen-te, a preparação metodológica que irá viabilizar a implantação do curso naquele país. Segundo o padre Beozzo, dois representantes de Moçambique que participaram do Curso de Verão em 2004 já con-seguiram implementar o Tambor, versão moçambicana do curso.

Cerca de 40 movimentos so-ciais têm membros participando do Curso de Verão. Dentre os mais co-nhecidos estão o MST, Movimento Negro, Movimento das Mulheres e dos moradores de rua.

Para a coordenadora estadual de rádios comunitárias do MST, Maria de Lourdes Pereira, a idéia é levar às comunidades os frutos colhidos no curso. “Lá a gente faz um encon-tro, discute e põe na prática”, afi r-mou Lourdes, há 18 anos assentada em Promissão (SP).

Aberta a porta para capital externo

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De 20 a 26 de janeiro de 2005 5

NACIONALRIO SÃO FRANCISCORIO SÃO FRANCISCO

A transposição está por um trizSe a Justiça não barrar a decisão do Conselho de Recursos Hídricos, basta o EIA/Rima para tocar o projeto

Luís Brasilinoda Redação

M ais uma vez, o governo fe-deral conseguiu atropelar uma decisão da sociedade

civil, e está a um passo de aprovar o início das obras de transposição do Rio São Francisco. No dia 17, o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) emitiu parecer assegurando a disponibilidade de água na bacia do velho Chico para ser usada nas bacias hidrográfi cas do Nordeste Setentrional.

Dessa forma, o governo Lula conseguiu reverter decisão do Comitê da Bacia Hidrográfi ca do São Francisco (CBHSF), cuja re-solução, diversamente, limitava a possibilidade de transposição das águas do rio para o uso humano e animal, mediante comprovação da necessidade e de que não há outra forma de suprir a falta da água na região receptora. Levada em conta a decisão do CBHSF, a obra não teria prosseguimento, uma vez que seu objetivo principal é fornecer re-cursos hídricos para serem usados em atividades econômicas.

Flaldemir Sant’Anna de Abreude Juazeiro (BA) e Petrolina (PE)

Dia 6, em Brasília, foi lançada a Frente Nacional em Defesa do Rio São Francisco e Contra a Trans-posição das Águas, com a adesão de 44 entidades dos movimentos sociais. Em entrevista ao Brasil de Fato, o agrônomo Hugo Pe-reira de Jesus Filho, integrante do Comitê em Defesa da Bacia do São Francisco, explica os objetivos e as estratégias do amplo arco de forças sociais que se organizou em defesa do velho Chico.

Brasil de Fato – Como surgiu a Frente?Hugo Pereira de Jesus Filho – Durante as discussões sobre o projeto de transposição, que en-volveu as entidades da sociedade civil. A Frente é formada por en-tidades representadas no Fórum em Defesa do Rio São Francis-co, e outras. Sua organização foi uma resposta ao atropelo das audiências públicas para o licenciamento ambiental do pro-jeto do Ministério da Integração Nacional.

BF – Como ela vai atuar?Jesus Filho – Vamos somar a capacidade de mobilização de todos que não aceitam a im-

Uma frente nacional em defesa do rio

plantação de um projeto que, na prática, não está sendo debatido com a sociedade. As audiências públicas são estaduais e o prazo para mobilizar a população foi reduzido para menos de 15 dias, impedindo que isso fosse feito. O atropelo dos prazos para a reali-zação das audiências fere a legis-lação, que determina um período de 30 dias para convocação das audiências públicas.

BF – O que o governo está fa-zendo?Jesus Filho – Está desrespeitan-do o calendário que ele mesmo defi niu. Dia 11, a Secretaria de Comunicação de Governo e Ges-tão Estratégica da Presidência da República divulgou, em boletim, que as audiências seriam reali-zadas a partir de fevereiro. Com a antecipação, em Salvador, ela

foi marcada para a semana do Carnaval. Queremos que o Iba-ma analise o projeto com base nas determinações do plano da bacia do rio, elaborado e apro-vado pelo Comitê da Bacia Hi-drográfi ca do Rio São Francisco. Como isso não ocorre, devido à pressão do Ministério da Integra-ção, estamos utilizando todos os meios, inclusive jurídicos, para que a transposição não seja deci-dida sem que a população tenha acesso ao debates sobre os seus impactos no rio e nas regiões atingidas pelo projeto.

BF – Para a Frente a transposição é inviável?Jesus Filho – Não se trata de ser contra ou a favor da transposi-ção. A resolução do Comitê da Bacia Hidrográfi ca do Rio São Francisco foi clara: não somos

contra a transposição para uso humano e animal. Não podemos negar água para quem não tem, mas não concordamos com um projeto que não esclarece dúvidas que precisam ser debatidas. Além disso, qualquer projeto de utiliza-ção das águas do São Francisco só deveria ser tocado após a re-vitalização, que levaria pelo me-nos 20 anos para ser concluída. Mas a pressa do Ministério da Integração impõe um calendário que prevê o início das obras em abril. Além disso, a obra é cara, desnecessária, não vai resolver tecnicamente os problemas da seca, e não está defi nido quanto será cobrado pelo metro cúbico da água transposta.

BF – Mas o governo diz que a transposição é “uma questão hu-manitária”, que vai levar água para quem tem sede...Jesus Filho – No projeto defendi-do pelo governo, do total da água que será desviada, 70% vão para irrigação e 26% para o abasteci-mento das cidades, restando ape-nas 4% para consumo humano. A população benefi ciada se limitará a 0,28% dos habitantes da região atingida. Além disso, a água será levada para o Estado do Cea-rá, que tem o maior número de açudes do mundo, enquanto na

O golpe dado pelo governo foi possível em função da composição do CNRH. Dos 57 integrantes do Conselho, 29 participam do Execu-tivo federal, e os demais se dividem entre representantes de governos

estaduais, empresários e consu-midores. Por sua vez, o Comitê é formado majoritariamente por en-tidades da sociedade civil.

Se a decisão do Conselho não for alterada pela Justiça, resta ao

Quem éHugo Pereira de

Jesus Filho é agrôno-mo, secretário de Ad-ministração da Prefei-tura de Juazeiro (BA) e integrante do Comitê em Defesa da Bacia do São Francisco.

governo aprovar o projeto em apenas mais uma instância: o li-cenciamento ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Iba-ma). As licenças dependem de au-diências públicas que começaram

a ser realizadas no dia 15. Restam ainda as de Sousa (PB), no dia 20; Salgueiro (PE), 22; Belo Horizonte (MG), 25; Salvador (BA), 27; Ara-caju (SE), 31; e Maceió (AL), dia 2 de fevereiro.

Bacia do São Francisco existem comunidades que vivem a menos de três quilômetros da margem e não têm água.

BF – Há outras lacunas no proje-to do governo?Jesus Filho – Ele também não defi ne claramente qual volume de água será desviado. No bo-letim publicado pela Secretaria de Comunicação do Governo consta que a vazão será de 26 metros cúbicos por segundo; de-pois, poderá chegar a 63 metros e, nas últimas linhas, está escrito que o volume transposto poderá chegar a 115 metros quando a barragem de Sobradinho estiver vertendo. Isto só será possível se o governo cancelar os 360 metros cúbicos que já estão outorgados pois, segundo o Plano da Bacia do São Francisco, restam apenas 25 metros cúbicos de água por segundo para múltiplos usos.

BF – E quanto aos custos da me-gaobra?Jesus Filho – Também é preci-so avaliar seu custo elevado. Segundo estudos do hidrólogo João Abner, professor da Univer-sidade Federal do Rio Grande do Norte, a água da transposi-ção seria a mais cara do mundo, inviabilizando qualquer projeto econômico. A euforia dos “trans” não considera esta questão, mas nós já conhecemos esta fi losofi a: primeiro, foi a construção da Transamazônica, que só causou prejuízos aos cofres públicos; também houve a Transnordestina, que liga nada a lugar nenhum; e, agora, a “Transposição”, que poderá seguir o mesmo rumo da Transamazônica.

BF – As preocupações da socie-dade civil já foram levadas ao governo?Jesus Filho – Sim, e o governo fi cou de analisá-las e apresentar outro projeto, mas manteve o documento original, sem qual-quer alteração no estudo de impacto ambiental, que só relata as conseqüências sobre a bacia receptora, não sobre a doadora. Esta situação está estimulando confl itos entre os Estados que têm água e os que não têm. Nós con-tinuamos lutando contra a trans-posição e reivindicando, inclusi-ve na Justiça, a apresentação de uma proposta economicamente sustentável, ecologicamente res-ponsável e socialmente justa.

Roberto Malvezzi (Gogó)

Já que a população do Vale do São Francisco foi excluída pelo Ibama das audiências ambientais, como se não tivesse nada a dizer, ou nada sofresse com o que vai sendo feito por aqui, seguem algu-mas tragédias ambientais e sociais enfrentadas pela gente daqui. Quem for às audiências, pode ajudar a co-locar alguns pingos nos iis.

1. Nosso rio não tem mais mata ciliar: 95% foram desmatadas. Pela largura do rio, ele deveria ter pelo menos 500 metros de mata em cada margem.

2. Quase todo esgoto domésti-co, industrial, hospitalar e outros, são jogados diretamente no São Francisco, desde Belo Horizonte até sua foz.

3. O modelo agrícola baseado na irrigação intensiva e na mono-

ANÁLISEANÁLISE

cultura eliminou aproximadamente 1.200 nascentes e pequenos riachos no norte de Minas e cerca de 30 no oeste Baiano.

4. A construção das barragens em cascata – Sobradinho, Itaparica, Paulo Afonso e Xingó – eliminou as espécimes de peixe de piracema de Sobradinho abaixo. A vida da população pescadora mudou e não lhe foi dada qualquer opção para sobreviver.

5. No Baixo São Francisco, entre Alagoas e Sergipe, 71 das 72 lagoas marginais foram eliminadas. As espécimes de água salgada e doce que havia nestas lagoas, seus berçários, hoje não têm mais como se reproduzir. A população que vi-via dessa atividade não tem mais o que fazer da vida.

6. O rio funcionava naturalmen-te como um adubador das ilhas, principalmente quando enchia e deixava o húmus sobre a terra. Com

as barragens, o húmus decanta em Sobradinho e foi eliminada toda atividade agrícola das ilhas.

7. Com a construção das bar-ragens, 72 mil famílias foram re-locadas no médio São Francisco – Remanso, Casa Nova, Sento Sé e Pilão Arcado – e mais 5 mil famí-lias na região de Itaparica.

8. Em 2001-2002, Sobradinho chegou a apenas 6% de sua capaci-dade e na região da Lapa o rio fi cou com uma extensão de 50 metros. Na de Xique-Xique, ele era atra-vessado a pé.

9. As barragens deixaram um caos permanente na vida do povo. Ele não consegue mais arrumar um rumo de vida.

10. A famosa irrigação de Jua-zeiro e Petrolina, não incorporou a população local. Os empresários são do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, em articulação com estrangeiros. A po-

pulação local virou mão-de-obra ba-rata nos perímetros irrigados. As comunidades locais perderam suas terras para as empresas. Portanto, acreditar em reforma agrária nos eixos da transposição é uma in-genuidade inaceitável. Se nunca fi zeram reforma agrária aqui e em nenhum canto do Brasil, por que irão entregar as melhores terras da Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte, juntamente com a água, nas mãos dos pequenos?

11. Os poucos colonos que fo-ram assentados pela Codevasf estão inadimplentes por não poderem pa-gar a água. Isso mesmo: como irão pagar uma água a mil quilômetros se aqui, na beira do rio, não têm dinheiro para pagar a água?

Roberto Malvezzi (Gogó) é integrante da coordenação

nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT)

João

Zin

clar

Organizações populares e movimentos sociais querem discutir com a sociedade a transposição do Rio São Francisco

João

Zin

clar

Uma tragédia anunciada

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De 20 a 26 de janeiro de 20056

NACIONALPOLÍTICA AGRÁRIAPOLÍTICA AGRÁRIA

Fatos em focoFatos em focoFatos em focoFatos em foco Difi culdades à vista no setorSintomas: supersafra nos EUA, queda de preços, custos mais altos, dólar fracoHamilton Octavio de Souza

Dívida externa 1Em moratória desde 2001, a Argen-tina apresentou proposta de paga-mento de parte da dívida externa com desconto de 75%. Os credores chiaram, mas alguns aceitaram de imediato, outros devem prolongar a negociação. O Brasil, ao contrário, paga sua dívida integralmente, com enorme sacrifício do povo. A eco-nomia argentina apresenta melhor desempenho que a brasileira.

Dívida externa 2No dia em que a Argentina anun-ciou sua proposta, a imprensa bra-sileira divulgou com alarde, caiu de pau e tomou partido dos credores. Quando alguns destes manifestaram sua concordância, a imprensa mu-dou de tom, diminuiu o destaque do assunto e tratou de especular sobre a posição de “caloteiro” do país vizinho. É dura a posição de cão de guarda do sistema fi nanceiro...

Discurso invertidoO presidente Lula considerou elitista quem critica o ProUni, que compra vagas para alunos pobres em esco-las privadas em troca de isenção de impostos. Mais uma vez, ele distorce o sentido das críticas ao seu governo: não são contra abrir vaga para pobre, mas transferir dinheiro público para os mercenários da educação e deixar de investir na universidade pública.

Agenda neoliberalO governo federal prepara nova investida para aprovar a autonomia do Banco Central, uma reivindicação do sistema fi nanceiro, do FMI e do Banco Mundial. O argumento para dourar a pílula é dizer que só assim será possível baixar os juros. Se hoje já defende os interesses do grande capital, imagine o que o BC fará quando tiver a sua autonomia institu-cionalizada.

Dinheiro públicoO lobby governamental e midiáti-co em defesa do agronegócio, que considera a via da empresa privada capitalista como única opção para a agricultura, não consegue mais es-conder que alguma coisa deu errado com o modelo. Se não fosse assim, o ministro do agronegócio não estaria atrás de R$ 2 bilhões para socorrer seus amigos latifundiários. Com certe-za, temos novo golpe na praça.

Ação devastadoraO ditador Sadam Hussein gover-nou o Iraque de forma autoritária, perseguiu adversários religiosos e políticos, aumentou as desigualdades sociais e promoveu confrontos ar-mados com os países vizinhos. Mas ele e seu governo foram “fi chinhas” perto da destruição e dos massacres promovidos pelas tropas dos Estados Unidos que ocuparam o Iraque. O mundo deve uma boa reparação ao povo iraquiano.

Privatização 1As ferrovias privatizadas no governo FHC, inclusive com papéis podres e empréstimos com juros subsidiados pelo BNDES, estão agora todas su-cateadas e em fase terminal. Se o país quiser assegurar esse meio de transporte para o futuro, terá de inje-tar dinheiro público no setor. A velha história se repete.

Privatização 2O transporte de cabotagem, tam-bém privatizado no governo FHC, está restrito atualmente a apenas 35 navios, dos quais 30 fazem o trans-porte de minério e cinco de grãos e demais produtos. Num país que tem mais de 8 mil quilômetros de costas, é mesmo uma situação ridícula.

Ameaça feudalA Comissão Pastoral da Terra denun-ciou ao governo de Pernambuco, que os padres Tiago Thorlby e Tom Hayden foram perseguidos e tiveram uma má-quina fotográfi ca roubada, no início de janeiro, por seguranças do Enge-nho do Prado, do grupo João Santos, depois de terem fotografado a destrui-ção de uma reserva natural na divisa da usina. A CPT teme que os religiosos sejam vítimas de vingança.

AGRICULTURA BIOLÓGICAAGRICULTURA BIOLÓGICA

Sem fertilizantes, as plantações fl orescem

Colheita de soja no Mato Grosso: supersafra dos EUA faz preço despencar

Agricultura sem degradação do solo, nem fertilizantes ou pesticidas sintéticos

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Maurício Hashizumede Brasília (DF)

S inais não faltam para apontar que a fase de cifras excepcio-nais do agronegócio está fi -

cando para trás. O anúncio da super-safra dos Estados Unidos derrubou os preços internacionais de produtos primários agrícolas para a safra 2004/2005 (em relação à média de 2003/2004, o do algodão caiu 40%, o da soja despencou 35%, e o milho perdeu 20% do seu valor.

Some-se a isso o aumento do cus-to de produção em função da alta dos preços dos insumos agrícolas (pelo menos em parte, devido ao aumento dos preços do petróleo), e a desvalo-rização do dólar perante o real. Esse conjunto de fatores levou o setor, a despeito da previsão de fartas colhei-tas, a adotar uma postura cautelosa.

Neste cenário de menos euforia, surgem alguns sintomas signifi -cativos de que a política agrária ainda não encontrou um equilíbrio sustentável e de longo prazo. As-sim, por exemplo, recentemente, o vice-presidente de agronegócio do Banco do Brasil (BB), Ricardo Conceição, anunciou que haverá sobra de cerca de R$ 800 milhões nos recursos do banco destinados ao crédito para investimentos para a safra 2004/2005. O BB também adiou por mais um mês, pela segun-da vez, o prazo para que produtores de algodão e de trigo possam quitar empréstimos de R$ 250 milhões contraídos para a safra passada.

EMPRÉSTIMOSQuanto aos pesos pesados do

agronegócio, comemoram o lan-çamento de um novo título para captação de recursos no exterior – o agrinote (nota comercial do agrone-gócio), que deve passar a ser emiti-do até o fi nal do primeiro semestre. O papel poderá ser emitido pelo próprio produtor (pessoa jurídica), sem intermediários.

A expectativa é de que o agrinote

atenda à demanda por empréstimos de grande escala, atraindo recursos de até R$ 20 bilhões. Poderão ser da-dos em garantia a própria produção agrícola, o nome da empresa, contra-tos de exportação ou recebíveis.

Mas os grandes produtores também estão reclamando do que consideram magros recursos para a outra ponta da cadeia agrícola: a comercialização. A proposta orça-mentária de 2005 reserva R$ 527 milhões para a comercialização da safra 2004/2005, valor 94% superior aos R$ 272 milhões do ano passado. Esse aumento, porém, não impediu a grita dos barões do agronegócio, que pedem mais R$ 2 bilhões para a comercialização da safra.

RECURSOSO Ministério da Agricultura,

Pecuária e Abastecimento (Mapa) conta com outras fontes para in-crementar o apoio estatal ao escoa-mento da safra 2004/2005. Como a obrigatoriedade de todos os bancos destinarem 25% do valor dos depó-sitos à vista ao crédito rural.

Com isso, o ministério espera um aumento de R$ 2 bilhões, o que ele-vará para R$ 38 bilhões os recursos destinados pelo sistema bancário pa-

ra custeio e comercialização da safra. Esses valores, somados aos R$ 10,7 bilhões reservados a investimentos, elevam a carteira agrícola no sistema fi nanceiro para R$ 48,7 bilhões.

Na avaliação de Guilherme Del-gado, pesquisador do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), as eventuais difi culdades de obtenção de recursos para comercia-lização são resultado do signifi cativo investimento feito tanto no Plano Safra para o agronegócio (R$ 39,5 bilhões), como no Plano Safra para a agricultura familiar (R$ 7 bilhões), no Programa Nacional de Fortalecimen-to da Agricultura Familiar (Pronaf).

DIFICULDADES“O crédito e a comercialização

são pernas de um mesmo sistema. Se uma perna fi ca muito frágil, o conjunto perde equilíbrio. Se o mercado está ruim e há riscos para o grande produtor, imagine a situação dos pequenos agriculto-res”, sublinha o pesquisador, um dos colaboradores na elaboração da proposta de Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), coorde-nada pelo professor Plínio Arruda Sampaio e apresentada ao governo federal no fi nal de 2003.

De acordo com Delgado, o Mi-nistério da Agricultura chegou a fi rmar um acordo de que se os R$ 2 bilhões pleiteados para comer-cialização da safra permanecessem no Orçamento, cerca de R$ 500 milhões poderiam ser separados para a compra de produtos direta-mente da agricultura familiar. “Se restaram apenas R$ 527 milhões, essa quantia deve fi car toda para o agronegócio”, antecipa.

PAPÉISOutra medida tomada pelo gover-

no para tentar captar mais recursos para o setor foi a recente criação de cinco novos títulos agropecuários – Certifi cado de Depósito Agropecu-ário (CDA), Warrant Agropecuário (WA), Certifi cados de Direitos Cre-ditórios do Agronegócio (CDCA), Letras de Crédito do Agronegócio (LCA) e os Certifi cados Recebíveis do Agronegócio (CRA). Com esses papéis, a expectativa é atrair para o negócio agrícola mais cerca de 5% dos R$ 500 bilhões que circulam no mercado fi nanceiro.

“Esses novos títulos autorizados pelo governo ainda são apenas pa-pel”, observa Delgado. Ele comple-ta: “Esse tipo de instrumento leva tempo para se estruturar no merca-do. O desequilíbrio não será resol-vido no curto prazo. E com a taxa de juros nas alturas, esse processo fi ca ainda mais complicado”.

A afi rmação categórica de que o agronegócio já “anda com as suas próprias pernas” e caminha cada vez mais para uma posição de auto-sufi ciência em relação ao Estado não se sustenta na realidade, no entendimento do pesquisador do Ipea. “Na hora em que o mer-cado vira as costas para os grandes produtores do agronegócio, eles vêm logo bater na porta do gover-no. É evidente que alguma coisa está errada nessa política agrícola mais ampla”, conclui Guilherme Delgado. (Agência Carta Maior, www.agenciacartamaior.uol.com.br)

Francesca Colombode Milão (Itália)

Maçãs mais suculentas, alface mais verde e leite mais puro; mel sem açúcar e vinho que não em-briaga nem causa acidez; cenouras que se mantêm frescas por mais de duas semanas. Estes são alguns dos produtos da agricultura biodinâmi-ca, que crescem sem degradação do solo, nem fertilizantes ou pesticidas sintéticos, procurando se adequar aos ciclos da natureza.

Na Itália, existem cerca de 400 empresas dedicadas à agricultura biológica, em 5 mil hectares e com faturamento anual de aproxima-damente 27 milhões de dólares, receita modesta quando comparada à da agricultura convencional. Sua produção representa apenas 5% do total italiano, entre outros motivos, por ter custos mais altos.

Os produtores que se dedicam à agricultura limpa utilizam húmus para fertilizar a terra e técnicas tradicionais. “Trabalha-se em ciclo fechado, porque as plantas são orga-nismos auto-sufi cientes e sadios. Isto ajuda a recuperar a fertilidade do so-lo e a entender a estrutura do húmus. O agricultor biodinâmico vive em harmonia com a natureza”, explica Marcelo Lo Sterzo, agrônomo e con-sultor de agricultura biológica.

A agricultura biodinâmica, que começou a se desenvolver na Ale-manha, em 1924, se baseia na an-troposofi a, fi losofi a holística do aus-tríaco Rudolf Steiner (1861-1925). Na sua concepção, ele considera a infl uência do cosmos em plantas e

animais, e orienta o ser humano em sua relação com a natureza.

Entre os métodos típicos estão a rotação no uso de solos e o ordena-mento de semeadura e cultivos de acordo com os calendários lunar e planetário. Neste tipo de agricul-tura, “prepara-se fertilizantes com substâncias naturais, que são mais nutritivas para as plantas e favore-cem tanto a absorção pelas raízes quanto a fotossíntese”, diz Mario Bavio, representante da Associação Biodinâmica para a região da Lom-bardia, norte da Itália.

Os agricultores biodinâmicos afi rmam que se respeitam o solo, a qualidade das sementes e certos ciclos de cultivo, o cosmos infl ui positivamente em sua atividade.

“Nossa atividade, que iniciamos há 15 anos, corresponde à nossa fi lo-sofi a de vida”, afi rma Marco Rossi, dono da Verdeallogio, pequena em-presa de apicultura biodinâmica em seis hectares de Giove, no centro da Itália, que produz mel e cosméticos a partir dele.

Os defensores da agricultura biodinâmica asseguram que é a expressão mais avançada de um modelo de desenvolvimento am-bientalmente sustentável e que su-pera a agricultura orgânica, também chamada biológica ou ecológica. A quase totalidade (95%) dos produ-tos biodinâmicos é vendida fresca, e o restante são cosméticos, fi bra de algodão e cânhamo.

A agricultura biodinâmica pas-

sa por três controles de qualidade, feitos pela Associação Demeter, organização ecológica que reúne três mil produtores de 40 países; a associação biotecnológica suíça Swissbio, e a União Européia no contexto de sua norma 2092/91, sobre agricultura biológica.

Francesca Colombo é colaboradora do Terramérica.

Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos

Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma)

e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter

Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde www.envolverde.com.br

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De 20 a 26 de janeiro de 2005 7

NACIONALPARCERIAS PÚBLICO-PRIVADASPARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS

O contribuinte vai pagar a contaLei que autoriza parcerias entre governo e empresas privadas vai transformar recursos públicos em lucros privados

A lei das parcerias representa garantia de lucros para as empresas

Fol

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agemLauro Veiga Filho

de Goiânia (GO)

S e fosse apenas para fazer parcerias com empresas privadas e levantar recursos

para investir em estradas, armazéns, portos e ferrovias – leis e dinheiro não faltam, no país. Mas a intenção parece ser outra, afi rmam Ceci Viei-ra Juruá, economista e consultora do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Rio de Ja-neiro (Uerj), e Octaciano Nogueira Filho, professor de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB).

A Lei 11.079, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 30 de dezembro de 2004 e pu-blicada no Diário Ofi cial da União no dia seguinte, fi xou as normas que passaram a regular, desde então, a licitação e contratação de parcerias entre o setor público e a iniciativa privada para a realização de inves-timentos em obras e a prestação de serviços de caráter público.

“Não sou contra parcerias, instru-mento do qual o país já se utilizou no passado, com sucesso, em algumas áreas. Sou contra esta lei, que autoriza a transformação de recursos públicos em lucros privados”, aponta Ceci.

Com um agravante: não há nada que assegure que os lucros acumulados pelos grupos privados favorecidos pelos contratos de parceria com o setor público sejam reinvestidos no país.

Num cenário de encolhimento do mercado interno, como resultado da política de arrocho dos salários, aqueles lucros tendem a ser remeti-dos para o exterior, porque não há mecanismos de controle de capitais e, muito menos, uma lei que regule a remessa de lucros, acrescenta a economista e consultora da Uerj.

MERCADO VIRTUAL“O governo petista tem se espe-

cializado em criar sarna para se co-çar”, afi rma Nogueira Filho, ao se referir à “dupla garantia” de lucro criada pela nova lei das parcerias. Os futuros “parceiros” do governo entrarão no negócio com dinheiro público, vale dizer, de toda a socie-dade, e ainda poderão sacar contra o Tesouro Nacional caso o governo atrase os pagamentos acertados, utilizando, para isso, mais uma vez, recursos de impostos e das estatais.

A maior parcela dos riscos de um investimento desse tipo será transferida para o Estado, que vai bancar os lucros da iniciativa priva-da, criando o que a economista Ceci qualifi ca como “mercado virtual”, irrigado com dinheiro público.

A classifi cação, no caso, se refere ao fato de que o mercado a ser aberto pelas parcerias público-privadas deverá manter relações apenas indiretas com o lado real da economia. Entre 1997 e 2003, o consumo total da população brasileira, calcula Ceci, encolheu o equivalente a mais de 230 bilhões de dólares (quase metade de todas as riquezas que o Brasil produz em um ano), baixando de 533 bilhões de dólares para menos de 300 bi-lhões de dólares.

Esse enxugamento, produzido pelo arrocho dos salários e pelo achatamento das aposentadorias e pensões, reduziu drasticamente as chances de crescimento sustentado da economia, encurtando as possi-bilidades de lucros das empresas.

Na visão de Ceci, portanto, a edição da lei corresponde a uma tentativa do grande empresariado e investidores de preservar seus ga-nhos, alimentando-os com o dinhei-ro do assalariado/contribuinte, num cenário de redução do consumo.

GARANTIASA lei das parcerias estabelece,

de um lado, que instituições ofi -ciais como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e

A Comissão de Constituição e Justiça do Senado, na análise da economista Ceci Vieira Juruá, desenvolveu um trabalho impor-tante para limitar abusos e evitar um avanço ainda maior sobre os cofres do setor público, e sobre a autonomia político-administrativa do Estado, amenizando o caráter antidemocrático da lei das parcerias público-privadas (PPPs).

O projeto original colocava as PPPs acima das demais leis brasi-leiras, observa Ceci, “substituindo o ordenamento jurídico constitu-cional por um ordenamento mera-mente contratual, que permitia que o contrato entre o Estado e a inicia-tiva privada funcionasse como lei”.

Social (BNDES) poderão fi nan-ciar, com recursos do trabalhador/contribuinte, no mínimo 70% do investimento a ser realizado por empresas privadas (que entrariam no negócio com apenas 30% do dinheiro, portanto).

Em áreas de baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), a fatia do BNDES poderá atingir 80% do investimento total. Quando hou-ver participação de fundos de previ-dência fechada, os chamados fundos de pensão (formados, na maioria dos casos, por servidores públicos), os bancos ofi ciais poderão fi nanciar até 80% para todo o país e 90% nos projetos previstos para as áreas mais pobres das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Detalhe: os recursos que o BNDES empresta a grupos privados, co-brando juros baixos e concedendo prazos longos, saem do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), criado, entre outros objetivos, para fi nanciar o seguro desemprego.

“Vão espetar mais essa conta no BNDES. E, o que é pior, com a própria obra servindo como garan-tia”, dispara Nogueira Filho. Numa outra ponta, foi criado o Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas (FGP), a ser formado por bens móveis e imóveis do Estado, incluindo ações de empresas estatais (até um limite que não comprometa o controle do Estado sobre aquelas companhias), receitas vinculadas, fundos especiais e até mesmo “ener-

gias com valor econômico” – o que inclui o faturamento das empresas estatais geradoras e/ou distribuido-ras de energia elétrica, receitas gera-das pelas centrais nucleares e outras, mostra a economista.

MAIS IMPOSTOS?Entre outros aspectos criticados

por Ceci e Nogueira Filho, a lei abriria a possibilidade de criação de taxas ou impostos vinculados às parcerias, com o objetivo expresso de destinar receitas para o fundo ga-rantidor. Na versão original encami-nhada ao Congresso pelo governo, esse fundo teria recursos ilimitados à sua disposição.

Mas a Comissão de Constitui-ção e Justiça do Senado, graças ao

trabalho de senadores como Pedro Simon (PMDB-RS), faz questão de destacar Ceci, impôs um limite de R$ 6 bilhões. O dinheiro e ativos (ações, títulos públicos, imóveis e outros bens) do fundo fi carão imo-bilizados e servirão como garantia aos parceiros privados de que o governo honrará os compromissos assumidos nesse tipo de parceria. E ainda poderão ser apresentados pelas empresas parceiras como ga-rantia aos bancos que vão fi nanciar o negócio.

“Trata-se de um desrespeito ao próprio Congresso, responsável, em última instância, por garantir que o orçamento e os pagamentos devidos pela União sejam honra-dos”, critica ainda Ceci.

Senado estabelece limites contra abusosDestacando o esforço do sena-

dor gaúcho Pedro Simon, mais uma vez, Ceci aponta que a comissão incluiu na versão fi nal da lei das parcerias sua subordinação à le-gislação que regula as licitações e concorrências públicas, as conces-sões e permissões públicas, à lei de improbidade administrativa e à de crimes fi scais e ao Código Penal, preservando a ordem jurídica pres-crita na Constituição.

TCUAlém disso, o Tribunal de Con-

tas da União (TCU) passou a ter poderes para analisar e auditar os relatórios anuais que as empresas resultantes da parceria entre o

Rumo a uma nova crise de endividamento?Outro ponto apontado como

negativo pela consultora da Uerj é a possibilidade de instituições fi nan-ceiras e outros organismos interna-cionais, desde que não controlados pelo poder público, prestar garantias nos empréstimos contratados para fi nanciar as parcerias. “Foi esse tipo de instrumento que levou o Brasil a decretar sua primeira moratória externa, ainda no Império”, lembra Ceci Vieira Juruá.

O professor Octaciano Noguei-ra Filho, da UnB, sustenta opinião semelhante. “O esquema reedita o sistema de garantia de juros exigido pelos ingleses no século 19, para a implantação de estradas de ferro no país. O Brasil levou 50 anos para se livrar disso”, relata.

“A lei só tem obrigações para o Estado, é a reforma do Estado, é a montagem de um Estado liberal, de acordo com os interesses do capital transnacional”, reforça Ceci. Para ela, o Congresso será atropelado, virtualmente, também em uma outra área: a lei permite que o Estado sub-sidie a remuneração dos parceiros privados em até 70%, sem a necessi-

dade de autorização legislativa.Isso, por exemplo, signifi ca que,

no caso de uma empresa de sane-amento básico, até 70% da tarifa poderá ser subsidiada pelo governo. Somente acima daquele percentual é que será exigida a aprovação do Congresso.

DINHEIRO, HÁDepois de aprovação da lei da

PPP na Câmara, o ex-ministro de Planejamento e atual presidente do BNDES, Guido Mantega, arriscou, no que parece ser mais do que um palpite, que o banco poderá dispor de até R$ 25 bilhões para fi nanciar investimentos no sistema de parce-ria – nada mais, nada menos do que mais de 40% de todo o orçamento da instituição para 2005.

Tamanha liberalidade no tocan-te a subsídios e prodigalidade no que se refere a dinheiro público contrariam o discurso em defesa das parcerias público-privadas, e mostram, isto sim, que não há falta de recursos para investimentos em infra-estrutura (construção, refor-ma e manutenção de rodovias, mo-

setor público e a iniciativa pri-vada terão obrigatoriamente que apresentar.

Até então, o TCU estava fora do processo e o poder de fi scalização fi caria restrito a um grupo de três ministros de Estado. Adicionalmen-te, o Senado limitou os recursos do Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas a R$ 6 bilhões. “Antes, havia um saco sem fundo e sem controle”, ressalta Ceci.

Numa tentativa de preservar o equilíbrio fi scal da União, Estados e municípios, também por decisão do Senado, as despesas de caráter continuado (ou seja, tudo o que não for investimento, como salários e gastos de custeio em geral) não

poderão exceder a 1% das receitas correntes líquidas.

A comissão senatorial tornou indelegáveis serviços e atividades tí-picas e exclusivas do Estado, como a defesa nacional, embaixadas e consu-lados, os serviços de cobrança, arre-cadação e fi scalização de impostos. O Senado manteve, no entanto, a possi-bilidade de que eventuais diferenças entre os parceiros privados e públi-cos possam ser solucionadas por meio de arbitragem – instituto acres-cido à Constituição poe meio de emen-da aprovada no bojo do projeto de reforma do Judiciário. “Mas se estabe-leceu a exigência de que a arbitragem ocorra em território nacional, e em português”, ressalva Ceci. (LVF)

dernização de portos, instalação de novos armazéns e silos para receber as safras, implantação de centrais elétricas e outros projetos). Sobra dinheiro na economia e no BNDES, pelo que diz o ex-ministro.

SUBORDINAÇÃOO fato é que, em função do acor-

do com o Fundo Monetário Interna-cional (FMI), o banco está impedi-do de emprestar seus recursos a em-presas do setor público – caso das companhias de geração de energia e de saneamento básico. Da mesma forma, estão proibidos os subsídios às tarifas de água, energia e outros serviços de caráter público.

Nesse tipo de subsídio, as famílias com maiores índices de consumo de água e energia pagam proporcio-nalmente mais, e permitem que as empresas cobrem tarifas menores das famílias de renda mais baixa. Na mes-ma linha, as regiões mais ricas do país terminavam subsidiando o consumo das regiões menos desenvolvidas, re-distribuindo a renda e o crescimento.

“Esse subsídio era justo tec-nicamente defensável, além de

estimular maior efi ciência e racio-nalização no consumo de água e luz. Sua eliminação segue em linha com uma proposta de liquidação da unidade nacional”, declara Ceci.

JUROS, JUROSA suposta falta de recursos é des-

mentida por um outro dado: um bolo de quase R$ 800 bilhões encontra-se hoje “estacionado” no mercado de títulos públicos, acumulando lucros gerados pela política de juros altos. Daquele total, nada menos do que R$ 145 bilhões “dormem” todos os dias no chamado overnight (apli-cações em títulos públicos por um dia), porque empresas e instituições fi nanceiras não têm onde aplicá-los.

Uma reversão na política de ju-ros liberaria larga parcela daqueles recursos para o lado real da econo-mia, para fi nanciar investimentos em atividades produtivas.

Detalhe fi nal: a lei das parcerias cria uma espécie de reserva de mer-cado para seguradoras privadas, já que somente elas poderão contratar seguros com as empresas partici-pantes do sistema. (LVF)

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De 20 a 26 de janeiro de 20058

NACIONALFÓRUM SOCIAL MUNDIALFÓRUM SOCIAL MUNDIAL

Toda força à informação compartilhadaMais de uma centena de atividades mostram a importância da comunicação, que ganha um espaço temático em 2005

Tatiana Merlinoda Redação

Uma das grandes mudanças da 5ª edição do Fórum Social Mundial é a valorização da

comunicação, que ganhou um es-paço temático em 2005. Além do crescimento no número de ativida-des (foram 102 inscrições), houve aumento da comunicação comparti-lhada e alternativa. Fora isso, haverá reuniões antes e depois do encontro. Na véspera da abertura do Fórum, dia 25, será realizado o Fórum Mun-dial da Comunicação. (Veja box)

De acordo com João Brant, do coletivo Intervozes, será grande o peso da presença internacional, com destaque para o Media Watch Global. Já a Associação Latino-Americana de Educação Radio-fônica (Aler) fez parceria com a Associação Mundial de Rádios Co-munitárias (Amarc) e com a Com-munications Rights in the Informa-tion Society (Cris), para estrutu-rar seminários. O Fórum Nacional pela Democratização da Comuni-cação (FNDC) tem três atividades programadas.

Destaca-se, também, a recém-criada Articulação Nacional pelo Direito à Comunicação (Cris-Bra-sil), que vai promover uma ativida-de para tentar construir uma agenda política para ações da sociedade civil no campo da comunicação. “Uma das questões mais importan-tes desse ano é a articulação interna-cional pelo direito à comunicação, além das experiências alternativas de comunicação”, diz Brant.

A cobertura da mídia indepen-dente também será privilegiada, com quatro espaços de produção: o Fórum de Rádios, o Fórum de TVs, o Laboratório de Conhecimentos Livres e a tradicional Ciranda In-ternacional Independente. Todos eles se norteiam pelo princípio do copyleft: produzir conteúdos e ferramentas que as mídias não comerciais que chegam ao Fórum poderão reproduzir, utilizar, recriar – e, ainda, oferecer a publicações.

COBERTURA CONJUNTAA Ciranda Internacional da In-

formação Independente, que nasceu durante o I FSM, em 2001, reúne jor-nalistas e comunicadores interessa-dos em fazer uma cobertura conjun-ta do evento. Formada por equipes de edição em seis línguas – por-tuguês, espanhol, inglês, francês, italiano e alemão, os profi ssionais escrevem suas reportagens no Cen-tro de Imprensa do Fórum, e podem inseri-las diretamente na página da Ciranda na internet.

Uma iniciativa das rádios comu-nitárias e alternativas e das organi-zações e redes que lutam para demo-cratizar a radiodifusão, o Fórum de Rádios é a primeira tentativa organi-zada dentro do FSM de realizar uma cobertura radiofônica compartilha-da. A partir do dia 25, os conteúdos

gerados pelo Fórum de Rádios serão transmitidos por ar, para a cidade de Porto Alegre (na freqüência de 89,7 FM), e pela internet, para o resto do mundo. Na web, já funciona na pá-

Agendado para dia 25, vés-pera da abertura do FSM, o I Fórum Mundial da Informação e da Comunicação se destina a informar os jornalistas que esti-verem em Porto Alegre sobre o funcionamento e objetivos do Fó-rum Social Mundial, e fazer uma discussão política sobre o tema comunicação. “Queremos reunir todos os que têm interesse em criar uma rede de comunicação em apoio ao FSM”, explica Can-dido Grybowsky, diretor geral do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), uma das organizações proponen-tes do evento.

Segundo ele, todos os jorna-listas que se credenciaram para o

Pelo fi m do pensamento únicoFSM estão convidados para o en-contro. “Não é um espaço apenas para os alternativos. Estamos aber-tos às organizações que acreditam que vale a pena pensar a questão política da comunicação”, afi rma.

Idealizado pela Novib, orga-nização que representa a Oxfam Internacional na Holanda, e que é uma das principais fi nanciado-ras do FSM, o Fórum Mundial da Informação e da Comunicação foi planejado em setembro de 2004, em uma reunião realizada em Ro-ma, na sede da agência de notícias Inter Press Service (IPS).

Um dos pontos que será dis-cutido durante a atividade é a crescente concentração e homo-geneização dos meios de comuni-

cação, o que tem contribuído para consolidar o pensamento único, e o conseqüente sucateamento da mídia pública impressa, de rádio e TV. “Queremos mais meios públi-cos. Hoje, trata-se a comunicação como negócio e nada mais”, avalia o diretor do Ibase.

EVENTO PARALELODe acordo com Grybowsky, o

objetivo é que o Fórum de Comu-nicação continue ocorrendo para-lelamente aos fóruns mundiais, assim como ocorre com os fóruns de parlamentares, juízes e autori-dades locais. Durante o evento, haverá três debates: “A nova or-dem informativa do pensamento único”, “É possível a mudança?”

Mato Grosso do Sul faz prévia regional – Cerca de 500 representantes do movimento popular e sindical de Mato Grosso do Sul realizaram, dia 14, o 1º Fórum Social Sul-Mato-Grossense: “Do Mato Grosso do Sul que temos, ao Mato Grosso do Sul que queremos”. No encontro, organizado pela Coordenação dos Movimentos Sociais do Mato Grosso do Sul,foram debatidos principalmente a questão da terra (sem-terra, agricultura familiar, indígenas, quilombolas e mulheres camponesas), segurança alimentar e nutricional, meio ambiente e uso racional da água, educação popular e questões de gênero

gina www.forumderadios.fm. Aqui, é possível ouvir alguns boletins e, durante o FSM, será possível ouvir ao vivo o Fórum de Rádios.

Está prevista a cobertura em

quatro idiomas: português, inglês, espanhol e francês. De acordo com Maurício de Los Santos, da Radio Mundo Real e do Núcleo Gestor do Fórum de Radios, serão aproxima-damente 18 horas diárias de cober-tura. “Teremos boletins, programas gravados e ao vivo, como a trans-missão de algumas conferências, entrevistas e programas temáticos”, diz. Ele acredita que essa edição do Fórum dará um passo histórico em relação aos meios alternativos. No Fórum de Rádios é esperada a participação das redes Abraço do Brasil, Cris Brasil, Amarc e Aler, internacionais, além de rádios in-dependentes.

LIBERDADEO Laboratório de Conhecimen-

tos Livres, que será realizado no Acampamento da Juventude, pre-tende ser um local para divulgar a alternativa do software livre e da liberdade de conhecimento. Seu objetivo é que os participantes, independentemente da formação, possam utilizar conhecimentos a partir de seus próprios recursos e realidades locais.

Para atingir aquele objetivo, a idéia é transmitir conhecimentos, práticas e ferramentas para quem quiser fazer suas próprias mídias e artes, sem depender de tecnologias proprietárias. “Também queremos denunciar a apropriação do conhe-cimento”, afi rma Rafael Gomes, o Banto, participante do coletivo de software livre do FSM. A iniciativa incluirá ofi cinas sobre articulações da imprensa independente, produ-ção de arte e vídeos digitais sobre plataformas livres.

O projeto do Laboratório é a

construção coletiva de diversos grupos que desenvolvem traba-lhos e pesquisas com a fi nalidade de compartilhar seus resultados e efeitos, explica Banto. Muitas das iniciativas, acrescenta, têm experi-mentado e desenvolvido conheci-mentos sem recursos, fazendo com que a tecnologia funcione por meio da coletividade.

De acordo com Banto, as ofi ci-nas de software livre vão mostrar aos movimentos sociais “a impor-tância de ter um servidor próprio. Além da segurança, reduz os gastos e aumenta a velocidade”, ensina, criticando as entidades que têm suas páginas hospedadas em servi-dores ligados a outros países. “Isso é contraditório e prejudica a auto-nomia das organizações, porque a tecnologia é estratégica para a luta de classes”, diz.

PRODUÇÃO EM VÍDEOOutra iniciativa do grupo de

trabalho de comunicação é o Fórum de TVs, que reunirá produções em vídeo sobre o FSM e irá organizá-las em um programa de TV de uma hora de duração, chamado Pano-rama Fórum. A programação será distribuída via sinal de satélite para todas as TVs universitárias, comu-nitárias e educativas interessadas em transmitir o evento.

Além destes, o GT de Comuni-cação do FSM está em sintonia e cooperação com o projeto Memória Instantânea, desenvolvido dentro do GT de Cultura do FSM. O proje-to, que surgiu no III FSM, possibi-lita que qualquer pessoa registre em vídeo alguma atividade do Fórum, e depois tenha seu trabalho editado e exibido.

A iniciativa permite o acesso a informações sobre o maior número de atividades que estejam ocorren-do. “Aqueles que por alguma razão não puderam participar dos en-contros, podem obter informações sobre eles pelos documentários. Antes, a memória do Fórum fi cava pulverizada”, conta a cineasta Lu-ciana Rodrigues, que idealizou o projeto. A seu ver, além de memó-ria do encontro, a iniciativa possi-bilitará aos que produzirem vídeos, fi nalizar os trabalhos e exibí-los durante o Fórum.

Na sua primeira edição, em 2003, o Memória Instantânea con-tava com três ilhas de edição e seis editores de imagem. Agora, serão oito ilhas. “No primeiro ano, fomos embora com mais de dez horas de documentários feitos. Para 2005, quem sabe, chegamos a 30, 50 ho-ras”, diz Luciana, lembrando que os vídeos são curtos, com 5 a 10 mi-nutos. “Isso garante que as imagens cheguem ao público ainda durante o evento”, conclui.

As ilhas estarão à disposição dos participantes das 8h às 4h da manhã, e entre os locais de exibi-ção, está o Armazém do Cais do Porto.

e “A sociedade da informação, mercado ou cidadania?”. Para os organizadores, o Fórum de Comu-nicação quer passar da discussão à prática. Para isso, no fi nal, além das conclusões, será elaborado um plano de ação.

Uma das mesas de debates abordará a Campanha da Commu-nication Rights in the Information Society (Cris), que defende o direi-to à comunicação. “Ela nasceu de um conjunto de atores da sociedade civil preocupados em enfrentar os grandes grupos de comunicação e interferir nos rumos da Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação, realizada pela ONU”, informa João Brant, do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação

Social, uma das entidades da coordenação da Cris Brasil. A primeira fase da cúpula foi em no-vembro de 2003, em Genebra, e a segunda se realiza no fi nal deste ano, em Tunis, na Tunísia.

No Brasil, a Cris surgiu em agosto de 2003, como uma articu-lação de entidades, redes e movi-mentos que lutam pela efetivação plena do direito à comunicação, e tem na pauta a luta por políticas públicas e pela sensibilização da sociedade brasileira para esse tema. De acordo com Brant, no Brasil, só será possível intervir na comunicação, “se a sociedade civil construir uma agenda pró-pria, que lute pela pluralidade e diversidade na mídia”. (TM)

Participantes do Fórum denunciam violação aos direitos humanos em seus países

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Ano 3 • número 99 • De 20 a 26 de janeiro de 2005 – 9

SEGUNDO CADERNOARGENTINAARGENTINA

Kirchner enfrenta mercado fi nanceiroNo interesse da nação, a proposta do país vizinho é pagar só 25% do que cobram os credores privados

Jorge Pereira Filhoda Redação

Em um lance de coragem, o governo Néstor Kirchner inverteu o jogo com a banca

dos credores internacionais. Dia 14, o presidente argentino fez uma pro-posta para retomar o pagamento da dívida externa, desde que os credo-res aceitassem receber apenas 25% do que estão cobrando ao país.

Ao contrário de outros gover-nos latino-americanos, Kirchner colocou os interesses do Estado nacional na frente dos interesses do mercado fi nanceiro e, com a cartada, deu início a um processo que poderá resultar na maior rees-truturação de uma dívida externa de toda a história, avaliada em 82 bilhões de dólares. Desde a crise do país, no fi nal de 2001, o pagamento dos débitos está em moratória.

O governo argentino deixou pouca margem de manobra para os credores: quem não aceitar as con-dições anunciadas não receberá na-da. O tom do descontentamento dos credores pode ser dado pela reação dos meios de comunicação empre-sariais. Um editorial do diário bri-tânico Financial Times, porta-voz do mercado fi nanceiro, estampou: “País pode dar mais”. O jornal ava-lia que, se o governo Kirchner tiver sucesso na reestruturação da dívida argentina, será um “péssimo exem-plo” para outros países.

Para César Benjamin, intelectual que acompanha o tema e integrante da Consulta Popular, o argumento do Times não está incorreto. “O jogo sempre foi os credores com a faca no pescoço do Terceiro Mundo. Se a Argentina tiver sucesso, é óbvio que o nosso caminho deveria ser se-melhante. Por que o Brasil vai pagar 100% de sua dívida, se a Argentina terá um desconto de 75%?” Atento à reação em cadeia que pode ser de-sencadeada, o Times cobra do Fundo Monetário Internacional (FMI) que intervenha na negociação e anule a validade da proposta argentina.

INCÔMODO VIZINHONo Brasil, os jornais também

fi zeram coro às vozes dos credores. A Folha de S. Paulo logo destacou, em manchete: “Proposta argentina é má-fé, diz credor”. A frase foi do ministro da Economia italiano, Domenico Siniscalco. Cerca de

O destino dos cidadãos dos países da América Latina é muito semelhante: todos os anos, boa par-te do seu trabalho vai rumo ao ex-terior, para o pagamento da dívida externa. Mas se engana quem pensa que, quanto mais o trabalhador su-ar, mais livre vai fi car.

A lógica do sistema fi nancei-ro é outra: quanto mais se paga, mais se deve. Em 1980, de acordo com números do Banco Mundial publicados no jornal mexicano La Jornada, a dívida da América Lati-na somava 157 bilhões de dólares. Desde então, até 2003, os países da região pagaram 99 bilhões de dólares em amortizações e juros. A dívida recuou? Não, pulou para 830 bilhões de dólares.

Um recente relatório da Comis-são Econômica para a América La-tina (Cepal) mostra que, em 2004, a região continuou a enviar mais dó-lares para o exterior do que receber. Os países da região fi zeram uma transferência de recursos da ordem de 77,8 bilhões de dólares – o dobro do que entrou em Investimento Di-reto Estrangeiro (IDE).

ARTICULAÇÃOA situação é explosiva, e os cre-

dores sabem disso. Não foi à toa que, no fi nal de 1980, proibiram os

A vitória do governo argentino na reestruturação de sua dívida privada deixaria muitos vizinhos insatisfeitos. Entre eles, o minis-tro brasileiro da Fazenda, Anto-nio Palocci. O motivo é simples: sendo bem-sucedido, o presidente Néstor Kirchner mostraria a ou-tros países endividados que seguir religiosamente os ditames do mer-cado fi nanceiro não é o melhor ca-minho. Basta comparar o desem-penho das economias argentina e brasileira nos últimos anos.

Em 2003, o país vizinho cres-ceu quase 10%, enquanto a econo-mia encolheu 0,2% no Brasil. No ano passado, a atividade econômi-ca argentina apresentou expansão

15% dos credores argentinos são da Itália, e o governo direitista de Silvio Berlusconi não hesitou em bradar contra Kirchner.

As pressões devem prosseguir, mas o próprio mercado fi nanceiro dá sinais de que o governo argen-tino vai ter sucesso. Um dia após o ministro Roberto Lavagna anunciar a proposta, a Bolsa de Valores de Buenos Aires fechou em alta de 0,23%. Já a agência de classifi cação de risco Fitch melhorou a avaliação dos títulos da dívida platina. Para Benjamin, esse comportamento dú-bio do mercado não é surpresa.

“Existe uma regra em economia: olhe sempre para a frente. Há um momento em que os investidores terão de reconhecer que fi zeram um mau negócio e vão ter de absorver o prejuízo para se livrar disso. O banqueiro é pragmático e vai dizer: é melhor ter 25% do que correr o risco de fi car sem nada”, avalia o intelec-tual, autor do livro A Opção Brasilei-

ra, acrescentando que está otimista quanto ao sucesso da operação.

CARTA NA MANGAA queda-de-braço entre o gover-

no argentino e o mercado fi nanceiro tem prazo para terminar. Os credo-res têm até o dia 25 de fevereiro pa-ra dizer que não aceitam a proposta. Quem não se pronunciar, automati-camente terá aceito as condições ofertadas. A reestruturação da dívi-da será consolidada se tiver adesão da maioria dos credores.

Kirchner já largou com vanta-gem. Tem o apoio de boa parte dos credores nativos (que respondem por cerca de 40% do endivida-mento) e a anuência do presidente da associação de bancos do país. Também já arregimentou a adesão das Administradoras dos Fundos de Pensão e Aposentadorias.

Ainda conta a favor do governo argentino o perfi l dos detentores dos títulos da dívida. Cabe aqui

uma recapitulação. Os bancos pri-vados transnacionais adotaram um outro tipo de procedimento em re-lação aos papéis do endividamento dos países do Terceiro Mundo. Até meados de 1990, pouco mais de uma dúzia de instituições deti-nha tais títulos. Como o risco de calote daqueles países começou a fi car muito elevado, os bancos passaram a pulverizar os papéis, distribuindo-os entre pequenos acionistas. Desta forma, diluíram o risco e, hoje, milhares de peque-nos acionistas estão com os títulos nas mãos.

Esse aspecto favorece o governo argentino, uma vez que, difi cilmen-te, esses pequenos investidores te-rão capacidade e tempo para se ar-ticular e formular outra proposta de reestruturação da dívida. Por outro lado, Silvio Berlusconi argumenta que a proposta argentina causaria prejuízo a milhares de italianos, com impacto social negativo.

“Mas o governo italiano não diz nada sobre a responsabilidade de seus bancos, que repassaram os títulos da dívida e, em plena crise argentina, se desfi zeram de suas po-sições, cientes das conseqüências envolvidas. Isso também vale para os bancos alemães. As operações do sistema fi nanceiro mundial só benefi ciam seus próprios interes-ses, a qualquer custo”, responde Beverly Keene, ativista argentina, integrante da campanha Diálogo 2000 / Jubileu Sul, cuja bandeira é a ilegitimidade da dívida externa.

PRESSÃONa outra ponta, o movimento

social argentino está dividido em relação à postura de Kirchner. Uma parte apóia a iniciativa. “Mas nós insistimos que o governo está per-dendo uma oportunidade histórica de encarar o verdadeiro problema da dívida, que é sua ilegitimidade e a relação de dominação e dependên-cia que estabelece”, analisa Beverly.

A ativista argentina entende que a reestruturação não rompe com o círculo de endividamento do país e tampouco responde às necessidades dos povos. “A verdadeira dívida que deve ser reparada é histórica, social e ecológica. Os credores são as crianças desnutridas, os trabalha-dores desempregados, os povos sa-queados do Sul”, registra. Para ela, uma forma legítima de se enfrentar esse problema seria a realização de uma auditoria integral da dívida externa.

países endividados de se associar e negociar conjuntamente suas dívidas. O objetivo da banca era reduzir o poder de barganha dessas nações.

“Na época, os 12 maiores credores formaram um comitê e proibiram os países de fazer o mesmo”, explica Cesar Benjamin, da Consulta Popular. “É uma he-

Latino-americanos e endividadosmorragia silenciosa de recursos, que agora está se aprofundando com a transferência de renda às transnacionais que participaram da privatização de ativos da região, e sobre a qual não há debate”, avalia Eric Toussaint, presidente do Co-mitê para Anulação da Dívida do Terceiro Mundo (Cadtm).

Para o belga Toussaint, o mo-

mento é de defi nição de rumo. “A América Latina está outra vez em um momento histórico, no qual a alternativa teria de ser a unidade continental da região, para ter mercados comuns e mecanismos de proteção para prevenir que mo-vimentos de capital se convertam em uma hemorragia de recursos”, propõe. (JPF)

Sucesso argentino desmoraliza Paloccide 8%, acima da média do cresci-mento econômico da América La-tina (5,5 %), enquanto a brasileira avançou 5,2%.

“A Argentina vem desmentindo os dogmas que justifi cam políticas econômicas como a brasileira”, analisa César Benjamin, intelectual que acompanha o tema e integrante da Consulta Popular. Segundo ele, o senso comum diz que, se um país deixar de pagar a dívida, viverá uma calamidade, com impactos negativos para o produto interno bruto, a infl ação.

“A Argentina vem fazendo uma trajetória inversa, com resultados brilhantes. Enquanto seguiu as orientações do Fundo Monetário

Internacional (FMI), afundou. Quando rompeu, retomou as altas taxas de crescimento em plena mo-ratória”, relata Benjamin.

O Brasil segue ouvindo o canto da sereia do mercado fi nanceiro. Em 2004, pagou R$ 124 bilhões em dívidas – mais de dez vezes o que foi investido em Educação (R$ 11 bilhões) e 670 vezes mais do que foi investido em Habitação (R$ 180 milhões). Mesmo assim, a dívida externa continuou superior a 220 bilhões de dólares.

Moral da história: a Argentina de-cretou moratória e pode reduzir sua dívida em 75%, enquanto o Brasil pa-gou tudo em dia e, mesmo com todo o sacrifício de seu povo, sua dívida

externa recuou menos de 10% em relação aos valores de dezembro de 2003 (235 bilhões de dólares).

Com base nessa realidade, em dezembro de 2004, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) entrou com uma ação no Supre-mo Tribunal Federal (STF) para obrigar o Congresso Nacional a fazer a auditoria da dívida externa. O objetivo é passar um pente fi no em todo o endividamento do país para saber quem são os credores e se essas dívidas estão, realmente, de acordo com a lei. A auditoria da dívida é uma atribuição delegada aos parlamentares pela Constitui-ção de 1988, mas, até hoje, nunca foi cumprida. (JPF)

Argentinos participam de ato contra o pagamento da dívida externa, avaliada em 82 bilhões de dólares

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De 20 a 26 de janeiro de 200510

AMÉRICA LATINAMOBILIZAÇÃO POPULARMOBILIZAÇÃO POPULAR

Nas ruas, bolivianos pressionam governoMais de dez mil pessoas voltam a exigir estatização de petróleo e expulsão de empresa espanhola de energia

da Redação

N o início da semana, dez mil pessoas voltaram a ocupar as ruas de La Paz, Bolívia. A

marcha popular exigia a estatização do petróleo e a expulsão da empre-sa espanhola de energia Electropaz. Os manifestantes também pediam o início do processo judicial contra o ex-presidente Gonzalo Sánchez de Lozada, deposto há 15 meses e acusado de genocídio, por tropas governamentais terem assassinado manifestantes oposicionistas.

A marcha foi convocada pela Central Operária Departamental de El Alto. Ela ocorreu dia 16, dois dias antes de a Câmara de Deputados vol-tar a discutir o aumento dos preços dos derivados de petróleo, decretado pelo presidente Carlos Mesa, dia 30 de dezembro de 2004. Contra o aumento de preços se manifestaram empresários, sindicalistas, políticos e setores sociais, reunidos em juntas vicinais em El Alto, Santa Cruz, La Paz e Cochabamba.

No dia 17, cultivadores de coca bloquearam a movimentada estrada que liga La Paz aos vales agrícolas dos Yungas, ao norte do país. Na semana anterior, após 80 horas de greve geral, as 600 juntas vicinais de El Alto conseguiram o fi m da priva-tização da água, com a expulsão da multinacional francesa Suez do ser-

viço de água da cidade e de La Paz.Mas o uso do petróleo e do gás

está no centro da crise boliviana. Em pronunciamento na TV, o líder opo-sitor Evo Morales defendeu nova le-gislação para o setor e a convocação de uma Assembléia Constituinte. Ele prega a resolução da crise “den-tro dos trâmites democráticos” e o cumprimento da chamada Agenda de Outubro, acertada entre os di-versos setores políticos na época da deposição de Sánchez de Lozada.

CONFLITOS À VISTAOs ânimos devem se exacerbar

ainda mais depois da decisão do governo, de autorizar os militares a usarem munição de guerra em casos extremos de confl ito interno. A resolução contradiz a decisão ini-cial do presidente Mesa, que no dia 9 anunciou que preferia “renunciar” a reprimir as manifestações.

De acordo com Carlos Quenta, governador de La Paz, a atuação dos militares só será autorizada no caso de confl ito interno e só pode ser ini-ciada após uma ordem expressa do presidente Carlos Mesa. Se houver desobediência, os infratores podem ser julgados pela Justiça comum. A autorização, a ser publicada sob a forma de decreto, desagradou ainda mais os movimentos sociais e sindi-cais do país.

“Estão declarando o começo de uma guerra civil. Nós temos que

da Redação

O governo de Hugo Chávez não protege guerrilheiros e quaisquer provas em contrário devem ser apresentadas. A exigência foi feita, dia 17, pelo governo venezuelano. Trata-se da resposta formal à afi r-mação do presidente Alvaro Uribe, da Colômbia, de que o líder rebelde Rodrigo Granda estava em uma lista de criminosos da Interpol.

A crise entre os dois países foi desencadeada pelo seqüestro do guerrilheiro colombiano em territó-rio venezuelano, dia 13 de dezembro de 2004. Segundo Andrés Izarra, mi-nistro de Informação venezuelano, Granda – conhecido como chanceler das Forças Armadas Revolucioná-rias da Colômbia (Farc) – vivia na Venezuela porque não existia ordem internacional de captura.

Segundo o presidente venezue-lano Hugo Chávez, o responsável pela Interpol na Colômbia fez a solicitação formal de prisão contra Granda no dia 7. “Temos a prova”, disse ele, após explicar que o Es-

VENEZUELA VERSUS COLÔMBIAVENEZUELA VERSUS COLÔMBIA

Seqüestro de líder das Farc viola a soberania

critório Nacional de Identifi cação e Estrangeira de seu país (Onidex) pediu, no ano passado, os dados de Granda à Interpol, antes de lhe conceder a nacionalidade. O líder das Farc conseguiu sua na-cionalidade venezuelana em julho de 2004, num lote de milhares de colombianos nacionalizados.Hoje, aumentam as suspeitas de que Granda foi seqüestrado em Caracas por agentes a serviço do governo da Colômbia, antes de ser entregue a guardas colombianos em Cúcuta, na fronteira entre os dois países. O governo colombiano justifi cou a ação incluindo-a na “luta contra o terrorismo” e reconheceu que pagou uma “recompensa” para que lhes entregassem Gandra a partir do território venezuelano.

PRESSÃO DOS EUAO governo da Venezuela conti-

nua esperando os pedidos de descul-pas da Colômbia, por considerar que houve violação da soberania do país, e não uma divergência sobre a po-sição política de uma personagem.

Carlos Fazio

Dois fatos sem ligação aparente poderiam formar um quebra-cabe-ças de alcance estratégico, impul-sionado pelos Estados Unidos, com a intenção de mudar o mapa geopo-lítico da América Latina. O epicen-tro do plano é a Colômbia, país que, a curto prazo, poderia desempenhar na América do Sul o mesmo papel de Israel no Oriente Médio.

Contra as Forças Armadas Re-volucionárias da Colômbia (Farc), liderada por Manuel Marulanda, mais conhecido como Tirofi jo, es-tão dirigidos os principais esforços militares do Plano Colômbia e sua nova face, o Plano Patriota, ambos fi nanciados, assessorados e monito-rados por Washington. O projeto de recomposição regional inclui nações produtoras de petróleo como Vene-zuela, Equador e Colômbia, e a Bo-lívia, com suas imensas riquezas em gás natural. Mas o objetivo fi nal é o Brasil, principalmente a Amazônia.

Neste cenário hemisférico deve ser inserida a extradição, aos Estados Unidos, de Ricaro Ovidio Palmera. Trata-se do colombiano formado em Harvard, que se tornou o comandan-te Simón Trinidad, do estado-maior central das Farc. Ovidio foi preso em Quito, no Equador, em janeiro de 2004, numa operação conjunta da CIA e dos serviços secretos colom-biano e equatoriano. Foi extraditado pelo presidente colombiano Alvaro Uribe para os Estados Unidos, onde foi condenado por narcotráfi co e ter-rorismo. Trata-se da primeira extra-dição de um “narcoterrorista”.

Outro fato paralelo foi o seqües-tro, em Caracas, do chanceler das Farc, Rodrigo Granda, que partici-pou do Congresso Bolivariano dos Povos e foi detido clandestinamen-te por um comando colombiano, dia 13 de dezembro de 2004. No dia se-guinte, as autoridades colombianas anunciaram sua “captura”. Segundo Isaías Rodríguez, procurador-geral da Venezuela, os seqüestradores foram ajudados por “policiais ve-

ANÁLISEANÁLISE

Brasil é alvo de estratégia dos EUA

nezuelanos”, o que lembra os ve-lhos tempos da Operação Condor, comandada pela CIA. Mas agora o objetivo foi criar um confl ito entre a Colômbia e a Venezuela, sob os auspícios de Washington.

Os dois fatos se inserem na nova fase do Plano Colômbia. Nos últimos cinco anos, a Colômbia recebeu mais de 3 bilhões de dólares em ajuda es-tadunidense, para combater as Farc e o Exército de Libertação Nacional (ELN). O governo Bush converteu o Exército colombiano em um dos maiores (280 mil homens) e no mais bem equipado da América Latina, com 80 helicópteros Black Hawk , Huey I e II, aviões de transporte C-13- e DC-3, lanchas com artilharia, radares, visores noturnos e equipa-mento computadorizado, mais 800 mercenários estadunidenses, fora os soldados regulares dos EUA que garantem a infra-estrutura petrolífe-ra da Colômbia, de propriedade da Occidental Petroleum, dos EUA.

A guerrilha das Farc, escapan-do ao cerco do Plano Colômbia, se espalhou pela selva amazônica. No plano do Pentágono para a internacionalização do confl ito, o Equador funciona como retaguarda da Colômbia, tal como o Camboja foi retaguarda do Vietnã do Sul e Honduras nos confl itos de El Salvador e da Nicarágua. Mas fi ca desguarnecido o fl anco Noroeste, na fronteira com a Venezuela. O plano de instalar na Venezuela efetivos colombianos fracassou em 2004 com a prisão de 55 paramili-tares da Colômbia numa fazenda na região da Venezuela de La Mata, de propriedade do líder oposicionista venezuelano Robert Alonso.

Agora, há uma nova provoca-ção, com o seqüestro de Granda, o surgimento do confl ito entre a Venezuela e a Colômbia, com o objetivo potencial de justifi car uma intervenção estadunidense na Ama-zônia, perto do Brasil.

Carlos Fazio é jornalista e colunista do diário La Jornada

Enquanto isso, mantém a determina-ção de suspender todos os negócios comerciais com o país vizinho.

No dia 10, José Vicente Ran-gel, vice-presidente venezuelano, exigiu que o governo colombiano explicasse “por que não pediu for-malmente a extradição de Granda e por que teve que utilizar métodos ilegais, que colocam as relações entre os países em risco”. Enquanto os Estados Unidos davam seu apoio incondicional a Bogotá, e exigia que Caracas declarasse as guerri-lhas colombianas “terroristas”, o presidente Alvaro Uribe pediu um encontro “cara a cara” com o vene-zuelano Hugo Chávez, para alisar e solucionar a crise, no “contexto de uma discussão ampla sobre ter-rorismo” e com a participação de outros governos.

Para Chávez, seria o “cúmulo” que o governo colombiano assuma uma conduta muito parecida com a dos Estados Unidos, que bombar-deia e invade povos sem respeitar a soberania de alguém”. (Com agên-cias internacionais)

instruir os trabalhadores para que se armem para enfrentar esta provoca-ção”, disse Jaime Solares, dirigente da Central Operária Boliviana (COB). “O governo não deveria se atrever a aprovar este decreto”, disse Abel Mamani, sindicalista em El Alto. Mamani advertiu que a autorização da intervenção militar nos confl itos “é uma provocação

para que novamente apareçam movimentos em El Alto”, apesar do custo elevado da greve, que, segun-do setores empresariais, causou um prejuízo de 5 milhões de dólares.

As mobilizações em La Paz foram organizadas por operários fa-bris, que exigem aumentos salariais; panifi cadores, que querem aumentar o preço do pão; e os motoristas, pela

elevação de suas tarifas, após a alta dos combustíveis. A Confederação Única dos Camponeses confi rmou, no dia 17, que iniciará um bloqueio nacional de estradas para exigir que o governo suspenda o decreto de aumento dos combustíveis e o que regulamenta a participação militar nos confl itos sociais. (Com agên-cias internacionais)

Manifestações se intensifi cam pelas ruas de Cochabamba e La Paz: uso do petróleo e do gás está no centro da crise boliviana

Soldados colombianos em formação durante a cerimônia de criação de um novo batalhão antiguerrilha em Tolemaida

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De 20 a 26 de janeiro de 2005 11

INTERNACIONAL

Informe 2005 – Pro-duzido anualmente pela Human Rights Watch. Analisa situa-ções dos direitos humanos em 64 países, monitorando desenvolvimentos de políticas e a pres-são aos governos e instituições inter-nacionais para que os direitos humanos não sejam violados.

IRAQUEIRAQUE

Povo não aceita viver em colônia dos EUAIraquianos se mobilizam para fazer de eleição presidencial, organizada pelo governo estadunidense, um fi asco

João Alexandre Peschanskida Redação

O governo dos Estados Uni-dos pretende “pacifi car” o Iraque. Para o presidente

George W. Bush, o método é sim-ples: aumentar a presença militar e policial em áreas de confl ito e articular a eleição de um governo que lhe seja inteiramente favorável. O pleito presidencial, previsto para ocorrer no dia 30, é considerado es-sencial para Bush, que diz ser esse um meio de desenvolver a demo-cracia no país.

“Na verdade, o governo esta-dunidense quer mudar o status do domínio do Iraque: vai passar de uma ocupação militar, em que toda a administração fi ca a cargo de fun-cionários dos Estados Unidos, para a implementação de uma colônia, com um governo iraquiano, que faz o jogo sujo da repressão e está in-teiramente a serviço dos interesses estadunidenses”, analisa Juan Cole, professor de História Moderna do Oriente Médio na Universidade de Michigan (EUA). Em entrevista ao Brasil de Fato, ele considera a elei-ção fundamental para esse projeto de Bush e acredita que, como for-ma de resistência, mais de 500 mil eleitores em potencial vão boicotar o escrutínio.

Nesse sentido, o governo esta-dunidense não vai medir esforços – e dinheiro – para que o pleito ocorra da melhor forma possível para seus interesses, ou seja, sem resistência. Para isso, o secretário de Estado do Iraque, Wael Abdel Latif, anunciou, no dia 18, uma série de medidas de segurança para o dia da eleição. “Nosso plano é ter presença policial em todos os locais de votação. Deve haver um períme-tro de segurança em torno desses

Stefano Chiarinide Roma (Itália)

“Já pedimos ao povo iraquiano para boicotar a farsa das eleições de 30 de janeiro, e, ao mesmo tempo, para deixar livres para votar os que julgarem isso oportuno, a fi m de repelir a tentativa dos Estados Uni-dos de fomentar o fogo das divisões políticas, étnicas e religiosas. O ob-jetivo dos Estados Unidos não é a livre expressão da vontade popular, mas legitimar a ocupação e levar ao interior da sociedade iraquiana o confronto que hoje existe entre o povo iraquiano e os ocupantes.”

Daniela Stefanode Amsterdam (Holanda)

Embora apregoem uma política pró-direitos humanos, os Estados Unidos e a União Européia lideram os casos de abuso aos direitos hu-manos em 2004. A informação é da Human Rights Watch (HRW), orga-nização internacional de direitos hu-manos que, anualmente, divulga um relatório sobre violência no mundo.

Segundo o relatório da HRW, por ignorar os direitos humanos em rea-ção ao atentado de 11 de setembro,

a administra-ção de George W.Bush torna mais fácil para outros gover-nos justifi car os atos de vio-lações. O Egito defende a deci-são de renovar a problemática lei de emergên-

locais, mantendo a certa distância automóveis e eventuais manifes-tantes”, afi rmou o secretário.

RESISTÊNCIA EM ALTAA eleição e as medidas de segu-

rança não vão conter a generalização das manifestações e atos de violên-cia contra soldados estadunidenses e iraquianos que apóiam a ocupação do país. A avaliação é de Cole, para quem a taxa de participação no plei-to deve ser muito baixa, “em parte porque vão ocorrer boicotes em to-do o Iraque, principalmente em re-giões com maioria xiita, e também porque a população está com medo de ataques dos grupos de resistência à ocupação nos locais de votação”.

No noticiário, quase toda semana, são veiculadas ações de iraquianos

que não aceitam a tutela estaduniden-se. No dia 21 de dezembro de 2004, em Mossul, norte do Iraque, um ataque suicida matou 22 pessoas, 14 delas soldados estadunidenses. No

início de janeiro, rebeldes assassi-naram o governador de Bagdá, Ali Radi al Haidri, levando a uma inten-sifi cação de ações militares estadu-nidenses. Não há dados exatos sobre

o número de pessoas mortas pelos iraquianos que resistem à ocupação, mas a estimativa é de 4 mil pessoas. Até o momento, os soldados estadu-nidenses causaram a morte de 15,4 mil a 17,5 mil pessoas, segundo a entidade estadunidense Iraq Body Count (em inglês, Repertório de Mortos no Iraque).

Apesar do recrudescimento da repressão, os iraquianos que resis-tem à ocupação realizaram, durante as duas primeiras semanas do mês, manifestações nas regiões de Sa-marra e Kirkuk, no norte do país. No dia 17, os rebeldes iraquianos seqüestraram o arcebispo católico Basile Georges Casmoussa, em Mossul (libertado dia 18), e reali-zaram ataques em cinco cidades, causando a morte de 20 pessoas.

Líder religioso denuncia a farsa das eleiçõesEstes são os motivos da decisão de mais de 75 movimentos, partidos, grupos políticos e religiosos, de boicotar as eleições de 30 de janei-ro, nas palavras do aiatolá Jawad al Khalisi, secretário-geral do Con-gresso da Fundação Nacional do Iraque, uma espécie de frente única da oposição política à ocupação.

Que garantias os senhores so-licitaram para participar das eleições?Jawad al Khalisi – Simplesmente que fossem eleições livres, trans-parentes, das quais todos pudes-sem participar, sob a supervisão

Quem éO aiatolá Jawad al Khalisi é

secretário-geral do Congresso da Fundação Nacional do Iraque e neto do xeque Mahdi al Khalisi, líder da revolta nacional antibri-tânica de 1920.

de órgãos internacionais, árabes e islâmicos confi áveis; que fossem suspensas as operações militares contra as cidades iraquianas e que as tropas se retirassem para fora das cidades. As eleições que vão

ser realizadas, ao contrário, só vão gerar novos confrontos e di-visões. E os primeiros sinais já são visíveis: as listas apresentadas são quase todas étnicas e religiosas, lideradas por personagens popu-lares entre os ocupantes, mas não entre o povo. E não poderia ser de outro modo. Tudo foi decidido pelos ocupantes e, em particular, pelo ex-vice-rei dos EUA Paul Bremer: a Constituição provisória, a composição do governo transi-tório e a da Assembléia Nacional, as regras eleitorais, até mesmo a composição de uma Comissão Eleitoral onipotente.

Os senhores têm relações com os partidos do governo Allawi?Al Khalisi – Nós nos recusamos a entrar em qualquer organismo nomeado direta ou indiretamente pelos Estados Unidos e a ter rela-ções com o governo pró-estaduni-dense. O primeiro ponto de nosso programa é, de fato, a abolição de toda e qualquer lei, norma ou instituição que não tenha sido vo-tada pelo povo iraquiano.

No Iraque, ocorre uma resistên-cia verdadeira ou trata-se de fenômenos de terrorismo?Al Khalisi – Não há dúvida de que estamos diante de uma re-sistência generalizada, seja ativa ou passiva, contra a ocupação. Ao mesmo tempo, estamos diante da ação de grupos terroristas duvidosos, sustentados pelos EUA e que buscam turvar as águas e desacreditar a resistência.

Se as tropas estrangeiras forem embora, o senhor não vê o peri-go de uma guerra civil?Al Khalisi – A guerra civil, a vio-lência, o terrorismo se multiplica-ram com a chegada das tropas de ocupação e chegarão em grande parte ao fi m com a sua partida. Estamos prontos a assumir nossas responsabilidades.

Quais os planos para os próxi-mos meses?Al Khalisi – O povo iraquiano pe-de a intensifi cação da resistência, em todas as formas, desde a luta armada, totalmente legítima, até a luta política, como a nossa. Então, os Estados Unidos se encontrarão diante de duas possibilidades: irem embora, unilateralmente, ou então iniciar negociações com quem representa realmente o povo ira-quiano. Não há outras hipóteses. (Il Manifesto, www.ilmanifesto.it)

DIREITOS HUMANOSDIREITOS HUMANOS

Países ricos cometem mais abusoscia dizendo que os Estados Unidos podiam ter uma lei antiterror. A Malásia justifi ca prisões sem jul-gamento usando como referência Guantánamo. O governo russo cita os abusos cometidos em Abu Ghraib para cometer abusos na Chechênia. Cuba diz que os Estados Unidos não têm autoridade moral para acusar ninguém.

Os Estados Unidos continuam fazendo mau uso da lei federal sobre testemunhas para prender, indefi nidamente e sem acusações formais, a homens muçulmanos nos Estados Unidos. A lei foi pro-mulgada para que as autoridades pudessem prender temporariamente uma testemunha quando fosse fun-damental para um processo penal e existisse risco de fuga.

RECORDE DE PRISÕESNo que diz respeito a imigra-

ção, os Estados Unidos continuam a adotar novas políticas baseadas em uma conexão entre estrangeiros

e terrorismo. Em junho de 2004, o Departamento de Segurança do Ter-ritório Nacional anunciou um novo vexame: começaria a submeter to-dos os estrangeiros sem documentos que estivessem a menos de 260 qui-lômetros da fronteira com o México e com o Canadá a procedimentos acelerados, para determinar se estão legalmente presentes no país. A no-va política despertou preocupações sobre a formação e a capacidade dos agentes das fronteiras para avaliar a situação legal dos estrangeiros e a viabilidade dos pedidos de asilo.

Apesar da queda constante nas ta-xas de delinqüência, as duras políticas de condenação continuam promoven-do o aumento da população carcerária do país. Os Estados Unidos, que têm menos de 5% da população mundial, abrigam cerca de 23% dos presos do mundo. As disparidades raciais do sistema de Justiça penal continuam sendo pronunciadas e os delitos me-nores de drogas constituem uma parte signifi cativa das prisões.

De acordo com o informe da Human Rights Watch, a imigração é um claro desafi o para os governos europeus, para quem imigrantes e refugiados não têm direitos. As tragédias de 11 de setembro, em Nova York, e 11 de março, em Madri, servem para justifi car as práticas de exclusão. Na opinião da organização, a União Européia perdeu a oportunidade de distinguir suas ações das de outros países, ao empregar estratégias antiterroristas que violam os direitos fundamen-tais, entre elas a tortura e a prisão por tempo indefi nido.

Embora a Organização Inter-nacional para as Migrações, uma entidade intergovernamental inde-pendente, declare que presta assis-tência a governos e imigrantes para o retorno voluntário, as investiga-ções da Human Rights Watch reve-laram que algumas das operações colocaram em perigo imigrantes, ao devolvê-los a lugares onde correm o risco de serem perseguidos.

Iraquiano observa cartazes de vários candidatos em um muro no centro de Bagdá: população é contra plano de colonização

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Soldado romeno no topo de um veículo blindado, em Nasiriyah, sul do Iraque

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de uma Comissão Mista Brasil/Senegal, para tratar do aumento do intercâmbio comercial. O ministro Celso Amorim afi rmou que a visita já indica uma iniciativa brasileira pa-ra mudar o quadro das relações co-merciais. “Estamos corrigindo essa omissão da nossa parte”, afi rmou.

Nesta visita, os acordos bila-terais na área da saúde, educação e cultura e questões multilaterais ocuparam a agenda. (Agência Bra-sil, www.radiobras.gov.br)

Água, com sede na Suécia.“A água não chega aos mais

pobres quando é tratada como mer-cadoria”, diz. No entanto, Coker garante que os preços vão se man-ter em níveis razoáveis.”Um dos princípios básicos do que fazemos é melhorar o serviço com meios que sejam acessíveis. As tarifas são uma questão crucial para conseguir que as pessoas estejam conosco”, acrescenta.

Por outro lado, resta saber co-mo vão conviver os investidores estrangeiros que as autoridades desejam atrair e os milhares de ope-radores locais que oferecem água de poço. Uyi-Evbuomwam diz que isso não a preocupa. “Não creio que as grandes companhias pos-sam aproximar a água das pessoas como fazemos, embora tudo pareça perfeito nos planos do governo. Os operadores de poços desempenham um papel muito importante no fornecimento de água em Lagos, onde o consumo aumenta a cada dia, e o melhor para enfrentar a escassez seria estimular nossa ati-vidade”, afi rma. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)

De 20 a 26 de janeiro de 200512

INTERNACIONALSENEGALSENEGAL

País cobra maior aproximação do BrasilDelegação do governo brasileiro visita cinco países africanos para reforçar relações comerciais e culturais

SENEGALLocalização: oeste da ÁfricaNacionalidade: senegalesaCapital: DacarPopulação: 10 milhõesLínguas: francês (ofi cial) ulof,fulani, serere, diolaRegime político: República com forma mista de governoReligiões: islamismo (92%, cris-tianismo (2%, religiões tradicionais e outras (6%)Moeda: franco CFA

Spensy Pimentelde Dacar (Senegal)

E xistem pontos em comum entre as políticas externas do Brasil e do Senegal, prin-

cipalmente porque ambos, atual-mente, priorizam o fortalecimento das relações Sul-Sul. Mas os fl uxos comerciais entre os dois países ain-da não estão no mesmo compasso. Essa é a avaliação do presidente, senegalês Abdoulaye Wade.

As afi rmações foram feitas no encontro que ele manteve, dia 15, com a comitiva brasileira em visi-ta ao país, formada pelo ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, a ministra da Secretaria Especial para Promoção de Polí-ticas de Igualdade Racial, Matilde Ribeiro, assessores e empresários brasileiros. De 14 a 18 de janeiro, a comitiva visitou outros quatro paí-ses (Cabo Verde, Guiné-Bissau, Ni-géria e República de Camarões), na tentativa de reforçar as relações do Brasil com o continente africano.

Economista especializado em questões relativas ao desenvolvi-mento, Wade é uma das principais lideranças emergentes na África hoje. Foi a partir de um plano ela-borado por ele que surgiu a Nova Parceria para o Desenvolvimento Africano (Nepad).

Ele também se destaca na União Africana e em outras iniciativas para a integração da África Oci-dental. “Antes, a África era dos pe-ritos, agora é dos homens políticos. Nossa integração com o Brasil, a prioridade para a cooperação Sul-Sul, corresponde a uma estratégia

internacional”, afi rmou Wade ao ministro Celso Amorim.

Na visão do presidente senegalês, enquanto as relações Norte-Norte ho-je são plenas e as relações Norte-Sul são moderadamente desenvolvidas, as relações Sul-Sul praticamente inexistem. “Sabemos que há países do Sul sufi cientemente industrializa-dos para fornecer os produtos de que precisamos, mas desconhecemos o que esses países podem nos fornecer e também o que podemos oferecer a eles”, lamentou.

Esta defi nição também serve para o atual comércio entre Brasil e Senegal, segundo Wade. Ele citou exemplo recente em que o seu país

Intelectuais da diáspora

O Brasil deve sediar, até 2006, a segunda Conferência Internacional de Intelectuais da Diáspora. A pri-meira foi realizada em Dacar, por iniciativa do presidente Abdoulaye Wade. A comitiva brasileira que vi-sita o Senegal neste fi m de semana assumiu o compromisso de dar con-tinuidade ao projeto.

Termo comumente utilizado para denominar a dispersão das tribos ju-daicas narrada na Bíblia, “diáspora” é também como vem sendo chamado pelos especialistas o processo que, a partir da expansão do capitalismo europeu no século 16, espalhou pela América e pela Europa os africanos e seus descendentes. A tal ponto chegou a diápora negra que o Brasil é considerado, hoje, o país com a segunda maior população negra do mundo (80 milhões), atrás apenas da Nigéria.

A ministra da Secretaria Especial

para Promoção de Políticas de Igual-dade Racial, Matilde Ribeiro, afi rma que até outubro deve ser realizada uma reunião dos estudiosos brasilei-ros da diáspora, a qual dever servir como preparação para o encontro mundial de 2006. Ela comunicou a intenção brasileira de realizar esse encontro ao próprio presidente Wa-de, na reunião que ele teve com a comitiva brasileira.

O presidente da Fundação Cul-tural Palmares, Ubiratan Castro, que representa o Ministério da Cultura (MinC) na comitiva brasileira, in-formou também a intenção de levar à Ilha de Gouré um “ponto de cultura”, projeto mantido pelo MinC e que equipa e fi nancia grupos culturais já estabelecidos, especialmente em regiões de alto índice de exclusão social. Segundo ele, há grupos de capoeira brasileira em Gouré, que se localiza no litoral do Senegal. (SP)

tentou, sem sucesso, comprar ôni-bus de uma empresa brasileira. “O produto era bom, o preço era bom, mas não conseguimos. Eu me senti como uma noiva deixada no altar com o buquê na mão”, disse.

OMISSÃOO clima informal criado por

Wade fez com que o empresário brasileiro Rubens Dias de Morais, que representa os fabricantes brasi-leiros de máquinas na comitiva, se levantasse imediatamente, causan-do risos ao senegalês: “Aqui chega-ram os noivos, presidente”.

Em uma das reuniões de traba-lho, o chanceler senegalês, Cheikh

Sam Olukoyade Lagos (Nigéria)

Em Agege, subúrbio do centro comercial nigeriano de Lagos, Au-gusta Uyi-Evbuomwam tornou-se uma pessoa indispensável. Desde o amanhecer até o pôr do sol, pes-soas com todo tipo de vasilhame formam longas fi las para comprar água de seu poço.

Ela garante que não se atreve a interromper sua atividade nem um dia, para não deixar desabastecida toda a vizinhança. “Mais do que um negócio, é um serviço. As pes-soas imploram para que lhes venda água”, afi rma. A história se repete por toda parte em Lagos, a maior cidade nigeriana, assolada por se-vera escassez de água potável, que afeta mais da metade de seus 15 milhões de habitantes.

Kehinde Oyida, dona de casa com uma família de sete pessoas, conta que todos os dias percorre a pé longas distâncias em busca de água para beber e cozinhar. O acelerado crescimento da população urbana le-va a um agravamento do problema. Segundo especialistas da Organiza-ção das Nações Unidas, Lagos che-gará a ter 24 milhões de habitantes dentro de dez anos, convertendo-se na terceira cidade mais povoada do mundo. O paradoxo, pelo menos em alguns casos, é que a ampliação do fornecimento de água parece ter agravado o problema.

“Devemos acelerar o desenvol-vimento de infra-estrutura porque, na medida em que a ampliamos, também aumenta a população, e entramos em um círculo vicioso, porque as melhorias no forneci-mento de água atraem população”, explica Olumuyiwa Coker, diretor administrativo da Corporação de Água de Lagos, a agência gover-namental encarregada do abasteci-mento da cidade.

O dinheiro, naturalmente, é parte da questão. As autoridades

NIGÉRIANIGÉRIA

Água pode ser privatizadacalculam que seriam necessários cerca de 2 bilhões de dólares para garantir o fornecimento de água à população da cidade até 2015, mas alegam que esse investimento está fora de seu alcance.

MERCADORIADevido a restrições orçamentá-

rias, as autoridades de Lagos apela-ram ao setor privado para o forne-cimento de água, por meio de uma norma aprovada em novembro, que permite a atuação de empresas privadas locais ou estrangeiras. “É importante buscarmos fontes alternativas para aumentar a oferta do governo. As necessidades de desenvolvimento de infra-estrutura são enormes”, disse Coker.

Porém, os críticos do plano temem que a busca de lucro pelas companhias privadas seja prejudi-cial aos consumidores, especial-mente nas áreas cuja população tem menos recursos.”A relação entre os mais pobres e os investidores pri-vados pode não funcionar”, afi rma Emmanuel Adeyemo, analista da fi lial nigeriana da agência intergo-vernamental Sociedade Mundial da

GUINÉ EQUATORIALGUINÉ EQUATORIAL

Mark Thatcher se livra da prisão

da Redação

Em troca de cooperar com as autoridades sul-africanas, de uma multa de 3 milhões de rands, e de permanecer quatro anos em liberda-de vigiada, sir Mark Thatcher, fi lho da ex-primeira-ministra britânica Margareth Thatcher, livrou-se da prisão no processo em que é acusa-do de ter colaborado numa tentativa de golpe na Guiné Equatorial, para assegurar o controle das riquezas do país, em especial o petróleo, por um grupo internacional ao qual é associado.

Assim, as autoridades sul-afri-canas vão concentrar suas inves-tigações em dois outros acusados, David Tremains e Greg Wales. No fi m do ano passado, o piloto sul-africano Crause Steyl, braço direito do líder do grupo, Simon Mann, já tinha feito um acordo com as auto-ridades para denunciar Mann. Este

está cumprindo pena em Harare, no Zimbábue, por ter tentado contra-bandear armas do país para usá-las no golpe contra o presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Nguema. Mark Thatcher, residente nos Estados Unidos, admitiu ter pago 275 mil libras esterlinas para alugar um helicóptero que seria usado no golpe.

PETRÓLEONa Guiné Equatorial, transna-

cionais estadunidenses obtêm mais de 300 mil barris de óleo cru por dia. Mais de 80 mercenários foram presos em março do ano passado, em Malabo, na Guiné Equatorial, e no aeroporto de Harare. Autorida-des da Guiné Equatorial denuncia-ram que o golpe foi planejado por empresários britânicos, para colo-car no poder Severo Moto, oposi-cionista exilado na Espanha. (Com agências internacionais)

Tidiane Gadio, reafi rmou o apelo pelo reforço das relações comer-ciais entre os dois países. “Quando os setores privados dos dois países chegarem ao nível de intercâmbio é que poderemos falar realmente de cooperação”, afi rmou. Enquan-to isso não acontece, comentou Cheikh, existem apenas “laços de amizade”.

Os chanceleres dos dois países reafi rmaram o interesse de realizar, ainda este ano, reunião em Brasília

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, encontra o presidente senegalês Wade, que defende a cooperação Sul-Sul

A maior cidade nigeriana, Lagos, sofre com a severa escassez de água potável

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quantidade de minérios retira-dos diariamente pela empresa, ressaltando que tampouco há es-tudo de impacto ambiental dos possíveis efeitos dessa liberação.

Outra ques-tão é que, para baratear os cus-tos de implanta-ção da fábrica, a transnacional aproveitou as an-tigas instalações da Perrier, mas ampliou toda a infra-estrutura. Mais uma vez, as obras foram realizadas sem autorização ini-cial dos órgãos responsáveis e

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AMBIENTEÁGUA MINERALÁGUA MINERAL

A Nestlé passa por cima da leiOmissão e cumplicidade do governo permitem à transnacional continuar a agir irregularmente em São Lourenço (MG)

Dafne Meloda Redação

D esde o início de suas ativida-des no Parque das Águas, no município de São Lourenço,

em Minas Gerais, a transnacional Nestlé vem colecionando uma longa lista de irregularidades. A denúncia é do Movimento dos Amigos do Cir-cuito das Águas Mineiro (Macam). Entre as infrações estão a exploração sem autorização do Poço Primavera, a desmineralização da água – ativi-dade proibida por lei no Brasil – e a construção da fábrica também sem a necessária autorização e sem estudo de impacto ambiental.

“O Parque das Águas abriga a maior diversidade de águas minerais do planeta”, explica Francisco Villela, ativista do Movimento. “Essas águas sempre tiveram uso medicinal e a sua descaracterização química compro-mete esse potencial”, completa.

No Brasil, a água mineral é considerada minério, e seu direito de exploração deve ser concedido pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), subor-dinado ao Ministério de Minas e Energia, também o órgão responsá-vel pela fi scalização e regulamen-tação da produção.

Paulino Soares de Souza, pro-fessor aposentado de Direito Civil da Universidade Federal Fluminen-se e advogado do Macam, conta que mesmo que a empresa possua a concessão para explorar determina-da fonte – como é o caso da Nestlé – o DNPM deve autorizar a perfu-ração e a lavra de cada poço.

Tal fato, entretanto, nunca ocorreu, o que não impediu que a transnacional iniciasse atividades na região desde setembro de 1996, ano em que realizou a primeira per-furação no Poço Primavera, com o objetivo de analisar a água.

MANOBRASSegundo documenta o promotor

Pedro Paulo Aina, em Ação Civil Pública, movida em 2001, contra a Nestlé, o resultado da análise revelou uma água com alto teor de ferro, o que impedia seu engarrafa-mento e comercialização imediata.

Em seguida, a empresa pediu ao DNPM autorização para desmi-neralizar a água, prática proibida pelo Código das Águas Minerais. Mesmo após ter seu pedido negado em mais de uma ocasião, a Nestlé iniciou o processo de retirada dos minerais presentes na água e pas-sou a comercializá-la como água comum adicionada de sais.

Tornando o produto fi nal “não mineral”, a Nestlé conseguiu o di-reito de comercializá-lo por meio de uma autorização da Agência de

Ao se tornar concessionária do Parque das Águas, em 1992, a partir da aquisição mundial da Per-rier Vitell (antiga concessionária durante décadas), a Nestlé passou a ser proprietária de parte da maior variedade de fontes de águas mine-rais do mundo.

Após a primeira perfuração do Poço Primavera, em 1996, a em-presa demorou cerca de um ano para iniciar atividades. O ativista do Movimento dos Amigos do Cir-cuito das Águas Mineiro (Macam), Francisco Villela, conta que duran-te todo aquele período, a água fi cou jorrando do Poço, sem qualquer aproveitamento. Ou seja, milhões de litros de água mineral foram desperdiçados.

MAIS VIOLAÇÕESOs minérios, entretanto, não inte-

ressam à transnacional, que os retira no processo de fabricação. Villela explica que a empresa não presta contas sobre o destino da enorme

das. A Nestlé é, inclusive, parceira do governo federal, no Programa Fome Zero”, complementa Souza.

Em 2003, após a posse de Luiz Inácio Lula da Silva, o DNPM rea-lizou uma auditoria interna, conduzi-da pela procuradora federal Mônica Almeida Horta. No parecer, a pro-curadora, além de reforçar o caráter ilegal da ação da Nestlé em São Lourenço, considerou que o docu-

mento produzido anteriormente pela procuradoria do órgão foi feito “de forma desastrosa” e que os proces-sos não haviam tramitado “de forma regular”.

Ao fi nal da auditoria, a procu-radora pediu a instauração de pro-cessos administrativos disciplinares para apurar as responsabilidades dos servidores que elaboraram os docu-mentos que possibilitaram a explo-

ração ilegal de água mineral pela Nestlé, além de solicitar a imediata interdição do Poço Primavera.

A reportagem do Brasil de Fato conversou com Mônica Almeida Horta, que informou que a Advo-cacia Geral da União (AGU) proíbe procuradores de conceder entrevis-tas. Já a diretoria do DNPM foi con-tatada por meio de sua assessoria de imprensa, mas não se manifestou.

Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão do Ministério da Saúde que fi scaliza a comercialização de alimentos.

Em 1999, a transnacional foi benefi ciada por mais uma manobra, desta vez dentro do próprio DNPM. Parecer produzido pelo procurador do órgão na época contrariou todas as análises e registros realizados so-bre as propriedades da água do Po-ço Primavera, considerou que não era mineral e, portanto, não caberia ao DNPM autorizar a exploração.

AÇÃO CIVILTodo o cerco armado pela trans-

nacional suíça para continuar a produzir a água, que leva o selo de Pure Life, não foi sufi ciente para si-lenciar a sociedade civil. Em Ação Civil Pública movida em 2001, o promotor Pedro Paulo Aina pediu o fi m da exploração e o tamponamen-to do Poço Primavera.

Exigiu, ainda, o pagamento de uma indenização no valor correspon-dente ao lucro obtido com a comer-cialização da água pela Nestlé desde o início de sua produção até a efeti-va cessação da extração da água, por entender que, se a conduta da Nestlé é ilegal, o lucro obtido também o é.

A ação movida por Aina obteve ganho de causa em primeira instân-cia, no município de São Lourenço, mas a empresa suíça recorreu e saiu vitoriosa, dois dias depois. O promotor entrou com um agravo e, mais de um ano depois, o caso voltou a São Lourenço. Vitorioso mais uma vez, foi a vez de um juiz, em Brasília, interferir em nome da Nestlé, concedendo-lhe o direito de manter suas atividades na cidade até outubro de 2004.

Desde que esse prazo expirou, o DNPM ainda não tomou qualquer atitude, conta Paulino Soares de Souza. A empresa segue exploran-do e comercializando ilegalmente a água da fonte.

IMPROBIDADEPara Francisco Villela, o que tem

permitido os desmandos da Nestlé durante todos esses anos é a atuação “vergonhosa” do DNPM. “Basta dizer que, nesses oito anos, todas as irregularidades apontadas nunca in-terromperam as atividades da Nes-tlé no Primavera. A empresa sempre conseguiu contornar os problemas, com a conivência do DNPM, e de órgãos estaduais e municipais”, afi r-ma o ativista.

“Na época do Fernando Henri-que Cardoso, tudo era feito de forma escancarada. O DNPM chegou até a dizer que a água não era mineral, mostrando uma proteção absurda à Nestlé. Quando o Lula assumiu, houve discurso de mudança, mas as promessas não estão sendo cumpri-

Nas obras civis, o mesmo descaso ao meio ambiente

Campanha mundial de boicote

Além de soterrar legislação ambiental, a Nestlé realizou obras irregulares que apresentam rachaduras

sem estudo de impacto ambiental.A aprovação do projeto pe-

la prefeitura e o órgão estadual competente foi feita somente após o término da construção. Villela conta que, para construir, a Nes-tlé cortou árvores e devastou um trecho do parque, violando lei municipal que proíbe essa prática perto de fontes. “Além disso, des-truiu uma fonte secular, a Oriente, a mais antiga do Parque, de 1892”, acrescenta.

Pelo visto, as obras civis irre-gulares da Nestlé estão produzin-do conseqüências: parte do terreno já começou a ceder, com rachadu-ras nas construções e na própria fonte. Outro fator que contribui para o rebaixamento dos solos e do nível dos mananciais da re-gião é a superexploração feita pela empresa.

Em Ação Civil Pública, o pro-motor Pedro Paulo Aina, docu-menta que, entre 1972 e 1999, a empresa praticamente quintupli-cou a produção de água mineral. Paulino Soares de Souza, advoga-do do Macam, conta que a perfu-ração feita no Poço Primavera pe-la Nestlé foi de aproximadamente 158 metros e que, em outros ca-sos, essa perfuração nunca havia passado de 60 metros.

Além disso o uso de bombas para exploração das fontes contribui para diminuir a mineralidade das águas, além de misturar águas com diferen-tes características minerais. (DM)

Uma das alternativas de re-sistência contra as ilegalidades da Nestlé é não consumir os seus produtos. “O boicote é uma campanha mundial e nós, do Mo-vimento dos Amigos do Circuito das Águas Mineiro, integramos essa corrente”, explica o ativista Francisco Villela.

Mundialmente, um dos princi-pais motivos do boicote é o com-portamento condenável da Nestlé com relação à alimentação de be-bês. “A promoção do leite em pó no lugar do leite materno é feita há décadas”, conta Villela. Tal campa-nha, acrescenta, já foi alvo de diver-sas condenações da Organização Mundial da Saúde (OMS), pelo fa-to de violar o acordo mundial para comercialização de alimentos.

Mais informações sobre o as-sunto podem ser encontradas no en-dereço www.babymilkaction.org

PRODUTOS NESTLÉ:• Água mineral São Lourenço, Levís-sima, Petrópolis, Nestlé Pure Life;• Alimentos das marcas Nestlé,

Consumidores organizam campanha contra a Nestlé em diversos países

Garoto, Tostines, Maggi, Bacci-Pe-rugina, Frescarini, Sócoco, Arcor; sorvetes das marcas Mövenpick e Haagen-Dasz, Forno de Minas;• Cosméticos L’Oreal;

• Produtos dos laboratórios Alcon, Darrow, Galderma, Roche;• Givaudan S/A – (fabricante de essências químicas e aromatizan-tes artifi ciais) (DM)

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Ação predatória da transnacional suíça põe em risco o Parque das Águas de São Lourenço, em Minas Gerais

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De 20 a 26 de janeiro de 200514

DEBATEMUDANÇAS CLIMÁTICASMUDANÇAS CLIMÁTICAS

Efeito estufa: é hora do trabalhadorTemístocles Marcelos Neto

A última Conferência das Partes (CoP) da Convenção-Quadro sobre Mudanças Cli-

máticas deve deixar preocupados os trabalhadores e trabalhadoras. Mais uma vez, foram reforçados os mecanismos comerciais para atingir as metas de redução das emissões de gases do efeito estufa, tal como o Mecanismo de Desen-volvimento Limpo (MDL), e não se discutiu a tão necessária mudança dos insustentáveis padrões atuais de produção e consumo.

É hora de os(as) trabalhado-res(as) e das entidades organizadas do sindicalismo, do movimento de mulheres, dos sem-terra e de outros movimentos sociais, entrarem em campo para uma partida decisiva: acompanhar e opinar sobre as ne-gociações internacionais em torno de medidas para promover a redu-ção das emissões de gases do efeito estufa, pois os rumos que vêm seguindo essas negociações pelos governos não são promissores para a vida do planeta. Isto se observou durante a décima reunião da Con-ferência das Partes (CoP 10), de 6 a 17 de dezembro passado, na bela cidade de Buenos Aires.

Para os trabalhadores dos países em desenvolvimento, provavel-mente nem haverá tempo para um bom “aquecimento” antes da par-tida. Isto porque o jogo já foi ini-ciado. A estes países, com a entrada em vigor do tão falado e pouco debatido Protocolo de Quioto, será oferecida, pelos governos de países industrializados e empresários, toda sorte de “comércio de carbo-no”. Neste momento da partida, em Buenos Aires, se apresentaram, novamente, liderados pelo governo e empresas norte-americanos, os mesmos interesses econômicos que jogaram pesado para bloquear todo e qualquer esforço em dar início às negociações internacionais, no âmbito das Nações Unidas, para a construção de um instrumento que tratasse das mudanças climáticas em nosso planeta.

OS RISCOS DO MDL

Assim, os projetos de Mecanis-mos de Desenvolvimento Limpo – MDL – que serão propostos de forma acelerada, pelos países ricos e suas multinacionais, aos países da África, Ásia e América Latina, a partir deste ano, com a vigência do Protocolo de Quioto, devem ser objeto de atenção e controle pro-fundos pelos trabalhadores e suas entidades. Do contrário, os MLD não promoverão nem desenvolvi-mento limpo, nem desenvolvimento sustentável, mas sim a riqueza e o marketing de alguns. E, certamente, aprofundarão a pobreza de outros.

O MDL é um dos componentes do atual regime internacional de cli-

ma que, por sua vez, foi fruto de longas reuniões iniciadas desde 1990 quando a ONU criou o comitê inter-governamental de negociação para a Con-venção-Quadro sobre Mudança de Clima. Re-presentações de mais de 150 paí-ses se envolve-ram nesta tarefa. Concluída em maio de 1992, a Convenção teve de aguar-dar todo tipo de burocracia de governos e par-lamentos nacio-nais para, en-fi m, entrar em vigor em maio de 1994. Por curiosidade o

Congresso brasileiro fez a ratifi ca-ção apenas em fevereiro de 1994.

A Convenção de Mudança de Clima estabeleceu, entre outras coi-sas, que os países desenvolvidos, de-veriam reduzir até o ano 2000 suas emissões de gases do efeito estufa aos níveis das emissões de 1990. Aos países em desenvolvimento não foram estabelecidas obrigações de promover redução das emissões dos gases do efeito estufa. Estes países podem continuar a aumentar suas emissões, mas devem fazê-lo em ritmo menor para contribuir, assim, para o cumprimento dos objetivos da Convenção. Todos os países, em desenvolvimento e in-dustrializados, têm compromissos comuns, inclusive de divulgarem o inventário das fontes de emissões e sumidouros destes gases, bem como divulgarem medidas tomadas ou a serem tomadas em suas políti-cas setoriais que busquem interagir com o esforço internacional de estabilizar a emissão destes gases. Chamou a atenção durante a CoP-10 a divulgação da comunicação nacional brasileira – o inventário de emissões – com altos índices de desmatamento na Amazônia, responsável pela maior parte das emissões brasileiras.

O CAMINHO ÁRDUO DA ENTRADA EM VIGOR DO PROTOCOLO DE QUIOTO

Em dezembro de 1997 foi rea-lizada a CoP-3, em Quioto, Japão. Nesta terceira reunião, assim como na anterior, foi constatado o óbvio: os nossos primos yankees e os nos-sos “bons” colonizadores europeus não haviam adotado medidas que possibilitassem o cumprimento das obrigações previstas na Conven-ção. Qual foi a saída? O Protocolo de Quioto.

No Protocolo de Quioto foram adotados novos prazos e metas de redução de emissões de gases do efeito estufa para os países industrializados. Agora, deveriam reduzir, em média, cinco por cento em relação aos níveis de 1990 das emissões de gases do efeito estufa, meta a ser alcançada no período de 2008 a 2012. Eu destacaria aqui, também, outra novidade do Proto-colo de Quioto: introduziu elemen-tos de “fl exibilização” no regime internacional de clima: as emissões

não são absolutas e nem precisam ser nos territórios dos respectivos países. A meta pode contar com emissões obtidas em outros países, e tais “ganhos” serem contabiliza-dos segundo critérios e instrumen-tos do Protocolo. Entre eles, um elemento de mercado denominado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo’ – MDL. O MDL não é, nada mais nada menos, que a possi-bilidade de comercialização, entre países e empresas, das obrigações de redução das emissões de gases do efeito estufa, através dos chama-dos créditos de carbono.

O DESCUMPRIMENTO DE METAS DEVE SER DENUNCIADO

É bom ressaltar na “súmula do jogo” que: 1) a introdução deste me-canismo de mercado, o MDL, em detrimento de um Fundo de Desen-volvimento Limpo, foi uma exigên-cia dos EUA. Ao trocar o “Fundo” por “mecanismo”, troca-se também a perspectiva de regulação e con-trole pela imprevisibilidade e pela perversão do capital e do sacros-santo mercado; e, 2) os governos dos países em desenvolvimento e suas mídias não fi zeram repercutir sufi cientemente o fl agrante des-cumprimento dos países industria-lizados em relação à Convenção de Mudança Climática. Seria o caso de se comparar com o que aconteceria caso os países em desenvolvimento assim procedessem em relação aos prazos para pagamento de suas dí-vidas junto ao FMI. A reação seria diferente, inclusive da mídia de nossos países.

Retornando ao Protocolo, vale dizer que ele não estabeleceu com-promissos adicionais para os países em desenvolvimento, apenas reafi r-mou os compromissos da Conven-ção-Quadro de Mudança de Clima, que continua em vigor. Observe-se então que os EUA, mesmo não

ratifi cando o Protocolo de Quioto, ainda devem ser cobrados por seu compromisso em relação à Con-venção. Mas sobre isso há silêncio da mídia e dos demais países. O Protocolo também estabeleceu que, para sua entrada em vigor, deveria ser ratifi cado por países que, jun-tos, fossem responsáveis por 55% das emissões de CO² no planeta. Finalmente, em 2004, com a ratifi -cação pela Rússia, foi atingido este percentual.

Antes que esta partida chegue aos 44 minutos do segundo tem-po, reitero aqui a questão inicial: é hora dos trabalhadores entrarem no jogo, nas arquibancadas e nas quatro linhas do campo. É bom logo ir falando aos burocratas das tesourarias de suas entidades que é preciso pagar ingresso, mesmo que seja a preços simbólicos, como foi na última partida do glorioso Atlé-tico Mineiro com o São Caetano no campeonato brasileiro. Quem assis-tiu àquela partida sabe que, sem a torcida, o time mineiro seria rebai-xado para a segunda divisão. Com a torcida, ganharia de qualquer time naquele domingo.

A conferência de Buenos Aires, a julgar pela cobertura da mídia brasileira, foi considerada uma par-tida de segunda ou terceira divisão. Para a próxima CoP, que acontecerá no Canadá no fi m deste ano, serão precisos muitos jornalistas do perfi l do nosso excelente Washington No-vaes. Será preciso trazer a cobertu-ra dos cadernos de meio ambiente ou ciência e tecnologia para os cadernos de política e economia. Já a nossa imprensa popular deve se preparar mais, desde já.

A VIDA DO PLANETA ESTÁ EM JOGO

Em relação à composição da delegação dos governos nacionais, inclusive o Brasil, vai uma suges-

tão: enviem, ao menos para o pai-nel científi co (um dos momentos da CoP), não apenas os ministros de Ciência e Tecnologia, mas também os ministros da área econômica e os presidentes de bancos federais. Não enviem apenas os ministros de Meio Ambiente mas também os ministros da Casa Civil. Tal-vez, assim, os governos consigam entender o que está em jogo nesta partida: não são as retóricas, mas são os inconfessáveis interesses particularistas dos capitalistas ren-tistas ou industriais. Talvez assim empurrados pelas imensas arqui-bancadas, os governos saberão que o que é necessário é a imediata mudança dos atuais padrões insus-tentáveis e desiguais de produção e de consumo. O que está em jogo é a vida no planeta, as vidas dos seus fi lhos, netas e bisnetas.

Contudo, eu gostaria de termi-nar falando de esperança. De que a sabedoria dos nossos indígenas la-tino-americanos nos ajude a manter e fortalecer a luta em defesa de um mundo melhor. Assim se expres-saram os editores do livro Toma mi corazón y rompe el silencio (Tituaña, Ecuador, 2003), sobre o autor, líder do Movimento Indíge-na Pachakutik do Equador: “Auki Tituaña suenã y recuerda, agrade-ce y exige, sufre y celebra, ora y blasfema, ama y convoca... Es una voz nueva y antigua a la vez: una renovación y una continuación de la milenaria voz indígena latinoa-mericana, que busca transmitirnos, desde su convicción humanista y de paz, la más grande y humilde de todas las obligaciones humanas: la esperanza.”

Temístocles Marcelos Neto é coordenador da Comissão

Nacional de Meio Ambiente da CUT e secretário-executivo do

Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio

Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (FBOMS)

www.fboms.org.br

Efeito estufa: Fenô-meno natural cau-sado pela presença de determinados gases na atmosfera terrestre, os chama-dos gases do efeito estufa – GEE. O efeito estufa garante que a temperatura média do planeta esteja próxima aos 15º C. Sem este efeito, o Sol não aqueceria a Terra o sufi ciente para que ela fosse habitável. Além disso, o pla-neta estaria sujeito a variações bruscas de temperatura entre a noite e o dia, como acontece na Lua e também nos deser-tos. A intensifi cação do efeito estufa é a principal causa do aquecimento global do planeta, provo-cado pelo aumento da concentração atmosférica de GEE em razão da grande emissão de gases por determinados setores da economia (como energia e transportes).

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De 20 a 26 de janeiro de 2005 15

[email protected]

LIVRO

ENSAIOS SOBRE O CAPITA-LISMO NO SÉCULO XXDe autoria do economista e profes-sor Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo – grande referência do pensamento econômico brasileiro – a obra reúne alguns de seus escritos entre 1996 e 2003, e está estruturada em quatro partes. O autor começa analisando a história do capitalismo, abordando temas como a reestruturação capita-lista promovida pelo Estado nazista, a visão do mercado sobre direitos sociais e outras infl exões históricas do capitalismo no século 20. Na segunda parte, intitulada “O mal-es-tar da globalização”, o autor refl ete sobre as alterações recentes do modo de produção capitalista e as relações entre democracia e capitalismo, in-vestindo contra o pensamento hege-mônico que tomou conta do debate econômico. Na terceira parte, Bellu-zzo volta a sua atenção para os auto-res críticos do capitalismo, enfocan-do Keynes, Marx, Polanyi, Hobson e Gray. Por fi m, quatro textos leves que mostram a paixão do professor da Unicamp pelo futebol (e pelo Pal-meiras) fecham a coletânea. O livro tem 239 páginas e custa R$ 25.Mais informações: (11) 3872-2861www.editoraunesp.com.br

CEARÁ

VÍDEO: CAMPANHA DA FRATERNIDADE“Artes da Paz” é o título do vídeo que o Instituto Nosso Chão está lançando para contribuir com a refl exão sobre a Campanha da Fraternidade de 2005, cujo tema é “Solidariedade e Paz”. Com a pre-ocupação de privilegiar um público mais jovem, a partir de experiências já existentes, o vídeo pretende des-pertar idéias para que a violência seja combatida com uma cultura de paz. Uma cartilha com propostas concretas para os alunos das escolas públicas e particulares acompanha o vídeo, que custa R$ 30.Mais informações: (85) 3225-0321

PEÇA TEATRAL: “VOCÊ VIU A ROSINHA?”21, às 13h

Após o espetáculo haverá um deba-te sobre a problemática do trabalho infantil, dentro da programação do Festival Vida e Arte. A peça com-põe um projeto de extensão da Uni-versidade Federal do Ceará (UFC), e tem como objetivo formar agentes para atuar na erradicação do traba-lho infantil e no combate à explora-ção do trabalho de adolescentes.Local: Teatro Ângela Borba, Cen-tro de Convenções, Av. Washing-ton Soares, 1141, FortalezaMais informações: (85) 3288-7354 [email protected]

DISTRITO FEDERAL

SEMINÁRIO: ESTADO E CONTROLE DEMOCRÁTICO: PERSPECTIVAS E DESAFIOS PARA A JUVENTUDE11 a 13 de marçoPromovido pela Casa da Juventude Pe. Burnier (Caju) e pelo Centro de Investigação e Ação Social/Institu-to Brasileiro de Desenvolvimento (Cias/Ibrades), o seminário está dividido em três partes: “Reencan-tando a causa”, “Reconhecendo o processo histórico do controle de-mocrático e das políticas públicas no Brasil”, e “Instrumentalizando”. O objetivo do evento é refl etir so-bre a participação da juventude na esfera pública, abordando assuntos como participação popular, controle democrático, políticas públicas e o diálogo entre sociedade civil e Es-tado. O seminário terá 50 vagas, as inscrições são gratuitas e vão até 15 de fevereiro.Local: Avenida L2 norte, quadra 601, módulo B, BrasíliaMais informações: www.casadajuventude.org.br

PARANÁ

I CONGRESSO DA ABGLTAté dia 24Promovido pela Associação Brasilei-ra de Gays, Lésbicas e Transgêneros, o tema do Congresso será “ABGLT 10 anos – avanços e perspectivas”. Dentre as atividades programadas haverá encontros temáticos sobre afro-descendentes, jovens e porta-dores do vírus da Aids. Na ocasião, ocorrerá também o encontro de jo-

vens do Grupo Dignidade e a criação do núcleo cultural do grupo.Local: Hotel Bristol Ambassador, R. Visconde do Rio Branco, 1.338, CuritibaMais informações:(41) 222-3999 [email protected]

RIO GRANDE DO SUL

I ENCONTRO DE JOVENS DA AMÉRICA LATINA25 e 26Com o slogan “Por um Mercosul e América Latina Fortes”, o evento vai discutir em três ou quatro pai-néis a realidade da juventude traba-lhadora dos países do Cone Sul e as perspectivas em relação a temas co-mo mercado de trabalho, educação, desenvolvimento rural e urbano, organização sindical e economia solidária. Cerca de mil jovens do Brasil, Uruguai, Argentina, Chile, Paraguai e outros países da América Latina devem participar do encon-tro, organizado pela Coordenadora de Centrais Sindicais do Cone Sul (CCSCS).Local: Estacionamento da Empre-sa Pública de Transporte Coletivo (EPTC), Porto Alegre.Mais informações: www.ccscs.org

SÃO PAULO

MAGIA DO CIRCO NA PAULISTAAté dia 30São cerca de 40 trabalhos em acrí-

lico sobre tela e aquarelas que le-vam para dentro da galeria de arte a magia, a paixão e até a sensuali-dade de artistas circenses. As obras são penduradas por correntes, o que dá movimento às personagens, como num trapézio de circo.Local: Conjunto Nacional, Av. Paulista, 2083, São Paulo.Mais informações: (11) 3107-0498 [email protected]

EXPOSIÇÃO: SOL, LUA E OUTROS MITOS INDÍGENASAté 1º de fevereiroCom textos de Betty Mindlin, ilustrações de Adão Pinheiro e design gráfi co de Miguel Paladino em uma instalação diferenciada, a exposição conta a origem do Uni-verso segundo os mitos de algumas culturas indígenas. Cada povo tem a sua versão, considerada a verda-deira história do mundo. Para com-pletar a exposição dos painéis com textos e ilustrações, uma grande cobra cenográfi ca, com dez metros de comprimento, foi instalada na entrada da Estação Ciência. Grátis.Local: Estação Ciência, R. Guai-curus, 1394, São PauloMais informações: (11) 3673-7022

CURSO DE GERENCIAMEN-TO DE VOLUNTÁRIOS16 e 17 de fevereiro, das 9h às 18hA capacitação é destinada a pessoas que coordenam programas de traba-lho voluntário em organizações so-ciais, ou empresas que incentivam a prática do voluntariado entre seus

funcionários. O conteúdo é com-posto por temas relacionados à nova prática do voluntariado, regula-mentação e legislação do setor, co-municação do programa e detalhes das etapas que compõem o ciclo de gerenciamento de voluntários.Local: Av. Paulista, 1294, 19º an-dar, São Paulo.Mais informações: (11) [email protected]

EXPOSIÇÃO: “CHICO BUARQUE - O TEMPO E O ARTISTA”Até 13 de marçoApós passar pelo Rio de Janeiro, onde fi cou em cartaz na Biblioteca Nacional por três meses e meio em 2004, a mostra reúne fotografi as, cartas, documentos e manuscritos ambientados com a execução de músicas que infl uenciaram Chico Buarque em determinados perío-dos. Aberta com uma projeção de imagens de Chico caminhando pelo Leblon, a exposição é dividida em módulos que mostram aspectos da vida e da obra do homenageado compositor, cantor e escritor. Estão retratadas a infância e a adolescên-cia; a infl uência do samba de Ismael Silva, Noel Rosa e outros; a oposi-ção ao regime militar; as incursões pela literatura, pelo teatro e pelo cinema; e a paixão pelo futebol. Em paralelo, o Sesc apresenta uma pro-gramação teatral e de música, além de exibir fi lmes baseados em livros de Chico – Estorvo (2000), de Ruy Guerra, e Benjamin (2003), de Mo-nique Gardenberg.Local: Sesc Pinheiros, área de ex-posições, R. Paes Leme, 195, São PauloMais informações: (11) 3095-9400 www.sescsp.org.br

RIO GRANDE DO SUL

ATO POLÍTICO-CULTURAL DO 2º ANIVERSÁRIO DO BRASIL DE FATO28, às 19hEm comemoração aos dois anos do jornal, o ato, que irá ocorrer durante as atividades do Fórum Social Mun-dial, terá como tema “Os desafi os da esquerda social”. Entre os convidados especiais estarão: Aleida Guevara, Daniel Viglieti, Hebe Bonafi ni, Kiva Maidanik, Plínio Arruda Sampaio e Sebastião Salgado (a confi rmar). Local: Auditório Araújo Viana, Parque da Redenção, Porto AlegreMais informações: (11) 2131-0802

Renato Stockler

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De 20 a 26 de janeiro de 2005

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CULTURA

INDIOS URBANOSINDIOS URBANOS

Em defesa da identidade étnicaEm Manaus, povos indígenas começam a resistir para preservar sua cultura milenar e acabar com o preconceito

Thais Brianezide Manaus (AM)

C om pouco mais de 1,4 milhão de habitantes, encravada no meio da Floresta Amazôni-

ca, Manaus é a capital do maior Estado brasileiro. É uma cidade que, segundo a propaganda ofi cial da agência de turismo da prefeitura, ManausTur, apresenta o “maior e mais visível contraste provocado pelo homem na selva” e tem um “perfi l moderno e uma excelente infra-estrutura urbana”.

Na exaltação da urbanidade, no desejo de alcançar o status de metró-pole desenvolvida, a cultura milenar dos povos indígenas é negada como sinal de atraso, de primitivismo. Ou, então, é aceita apenas como repre-sentação folclórica, como atrativo exótico para os turistas estrangeiros que visitam a região.

Os indígenas que moram em Manaus, no entanto, estão se orga-nizando para fortalecer sua identi-dade étnica e marcar seu espaço político e simbólico na cidade. O censo de 2000 informa que o Ama-zonas possui aproximadamente 18 mil indígenas morando nos centros urbanos, mas não apresenta dados municipais sobre essa presença in-dígena nas cidades.

O Conselho Indigenista Missio-nário (Cimi) estima, a partir de um

A Organização de Desenvol-vimento e Sustentabilidade Eco-nômica para os Povos Indígenas (Odespi) surgiu em 2001, a partir da necessidade de se proteger os lagos do Rio Cuieiras e adjacên-cias, localizados na região oeste de Manaus, limítrofe ao município de Novo Airão.

Lá, habitam 700 indígenas das etnias Tariano, Tukano, Baniwa, Tikuna e Mura. O objetivo da or-ganização é desenvolver atividades econômicas, como a pesca artesa-nal e o manejo fl orestal, que gerem renda para as populações locais, sem causar danos irreparáveis ao meio ambiente.

As comunidades de base da Odespi vivem dentro do município de Manaus, porém afastadas do seu centro urbano. O contato com a cidade se dá principalmente pelos jovens, que se mudam para a capi-tal em busca de estudo. “A maioria deles acaba voltando para a aldeia, porque não consegue se manter na cidade, mesmo morando em casa de parentes. Quando voltam, eles tra-zem outros costumes”, conta Celina da Silva Baré, presidente da Odespi.

Para ela, o fato de existirem no

Manaus não são muito grandes: mais da metade tem apenas cinco pessoas. E, em 85% dos casos, apenas um integrante exerce tra-balho remunerado. Em cada cinco chefes de família, quatro estão instalados na capital há mais de cinco anos.

Os grupos étnicos com maior

levantamento realizado em 1996, pe-la Pastoral Indígena, que a população indígena de Manaus seja de 8.500 indivíduos. Já para a Confederação das Organizações Indígenas da Ama-zônia Brasileira (Coiab), esse número varia de 15 mil a 20 mil pessoas.

Elas pertencem a diversas etnias, migrantes de todo o Estado, mas as mais numerosas são os povos do

Alto Rio Negro (Tukano, particu-larmente), além dos Tikuna e Sate-ré-Mawé. Uma das difi culdades em se precisar o número de índios em Manaus reside justamente no fato de que o chamado “desaldeado” muitas vezes não é considerado mais índio nem pelo Estado, nem por ele próprio.

De qualquer forma, é consenso

entre as organizações indígenas e indigenistas que o número de índios na capital amazonense vem crescen-do nos últimos anos. “Manaus, his-toricamente, foi tomada dos índios e, agora, eles estão voltando para cá”, observa Francisco Loebens, coordenador regional do Cimi.

IDENTIDADEPara garantir seu reconhecimen-

to, os índios que moram na cidade enfrentam oposição tanto do poder público, como do próprio movi-mento indígena. “O movimento indígena ainda não se dispôs ver-dadeiramente a abrir uma agenda para a questão do índio urbano”, reconhece Loebens.

Ele acredita, entretanto, que a situação está mudando, principal-

mente pela resistência cultural da-queles que habitam a selva de pe-dra manauara. “Os indígenas cada vez mais se esforçam para manter uma identidade étnica dentro do ur-bano – e é isso que os diferencia”, assegura o coordenador regional do Cimi.

Celina da Silva Baré, presidente da Organização de Desenvolvimen-to e Sustentabilidade Econômica para os Povos Indígenas (Odespi), garante que é possível manter a cultura milenar de seu povo mes-mo longe de sua comunidade de origem. “Minha aldeia é minha casa. Aqui, agora, é meu território. Tenho minha vida, minha cultura”, diz Celina.

Lúcia Sarmento Rezende, da et-nia Tuyuca, coordenadora da Asso-ciação das Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro (Amarn), reforça as afi rmações de Celina. “Eu tento resgatar minha cultura como posso. Como minha comida na minha ca-sa, faço beiju”, conta ela.

DIFICULDADESO preconceito é o anfi trião mais

comum do indígena que sai da al-deia para morar na cidade. Celina lembra, com pesar, de quando veio da Venezuela para Manaus, há 29 anos, falando apenas espanhol. “Olhavam para mim com desdém, diziam que eu era peruana. A dis-criminação, o racismo, dói mais do que uma surra. Porque é uma dor que não sara rápido como um ferimento na pele. É um sofrimento que nos acompanha, que vira me-mória viva”, desabafa.

Lúcia chegou a Manaus aos 19 anos, para trabalhar como empre-gada doméstica, e se casou com um não-índio. O marido só descobriu que ela falava Tukano sete meses depois de estarem morando jun-tos, quando a acompanhou a uma visita à sua comunidade natal, Pari Cachoeira, no município de São Gabriel da Cachoeira, no extremo norte do Estado.

“No início, ele não gostava que eu pronunciasse nada em Tukano na sua frente, porque pensava que estava falando mal dele”, conta.

Na escola, resgate da língua maternaEstado povos sem contato com a cultura ocidental deveria ser moti-vo de orgulho para o amazonense, sinal de etno-desenvolvimento, não motivo de vergonha ou sintoma de atraso. “Onde existe índio, existe vida, existe biodiversidade”, orgu-lha-se Celina.

RESGATENa década de 80 – e, em menor

escala, ainda hoje – as índias eram trazidas da região do Alto Rio Negro para Manaus para trabalhar como empregadas domésticas. No fi m de semana, quando tinham folga, elas começaram a se reunir para falar a língua nativa e fazer artesanato.

Esse movimento começou em 1984 e, três anos depois, deu origem à Associação das Mulhe-res Indígenas do Alto Rio Negro (Amarn). Hoje, a entidade possui 72 associadas que têm no arte-sanato uma complementação da renda familiar. O ganho mensal varia de acordo com a produção vendida, mas gira em torno dos R$ 200.

Depois de fortalecer sua própria identidade, as mulheres da Asso-

Sítios arqueológicos

ciação decidiram se organizar para que seus fi lhos, nascidos na cidade, também conhecessem e preservas-sem a cultura de seus povos. Há quatro anos, todos os sábados, a se-

Por mais que o projeto de mo-dernidade implantado em Manaus tente negar a cultura indígena, sua presença se impõe, fi sicamente, a cada grande obra que se vai realizar na cidade: no momento em que se perfura o solo, surgem os vestígios de cemitérios indígenas.

Segundo dados do Museu Ama-zônico, administrado pela Universi-dade Federal do Amazonas, Manaus tem, hoje, 53 sítios arqueológicos catalogados. A maior parte deles foi identifi cada pelo Projeto Amazônia Central, que se iniciou em 1995 e é coordenado pelo arqueólogo Edu-ardo Gosneves, da Universidade de São Paulo (USP). O projeto tem parceria do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e do Museu Amazônico.

PRESERVAÇÃOOs sítios arqueológicos de Ma-

naus são chamados pelos cientistas de áreas de “cultura do paredão”,

segundo Carlos Augusto da Silva, coordenador do laboratório de ar-queologia do Museu Amazônico. Ele explica que essa classifi cação vem da década de 60, quando o pes-quisador alemão Peter Paul Hilbert, que esteve no Amazonas a serviço do Museu Goeldi, do Pará, identi-fi cou o primeiro sítio arqueológico em Manaus.

Esse sítio fi cava na Colônia Oliveira Machado, bairro da zona sul da capital, na época conhecido como “bairro do Paredão”. As or-ganizações indígenas do Estado, lideradas pela Confederação das Organizações Indígenas da Ama-zônia Brasileira (Coiab) e com ajuda do Ministério Público Fede-ral, lutam para que as riquezas ar-queológicas encontradas nos sítios sejam preservadas e mantidas sob controle dos índios, preferencial-mente no próprio lugar onde foram achadas, por meio da criação de centros históricos e culturais. (TB)

Laços com as comunidades

presença na cidade coincidem com os mais numerosos do Esta-do: Tikuna e alto-rio-negrinos (um quarto da população investigada, cada um). Mas os Sateré-Mawé, de região mais próxima e de con-tato mais antigo, também repre-sentam um quarto da população investigada. (TB)

de da associação se transforma em uma escola de Tukano para crianças e jovens de 2 anos a 15 anos. Atual-mente, há dez alunos aprendendo a língua nativa de suas mães. (TB)

Mais da metade dos chefes de fa-mília indígenas que moram em Ma-naus mantém vínculos com sua co-munidade de origem, que visitam re-gularmente. Foi o que mostrou estudo desenvolvido em 2001 pela Fun-dação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em parceria com a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e com a Confe-deração das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).

Foram aplicados 127 questioná-rios a famílias indígenas, em seis bairros de Manaus. Os entrevis-tadores eram também indígenas, coordenados por uma antropóloga. Frente à difi culdade de conseguir uma amostra representativa, os pesquisadores visitaram as casas de famílias que conheciam, onde rece-beram indicações de outras famílias indígenas no bairro.

MAIORES GRUPOSOs dados da pesquisa infor-

mam que as famílias indígenas em

Povos indígenas cobram política pública para resgatar a cultura e a cidadania

Grupo de estudantes indígenas em Manaus: em busca de estudos na capital

Lucia Rezende (abaixo) desenvolve projetos de resgate da cultura indígena

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