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São Paulo, de 10 a 16 de julho de 2008 www.brasildefato.com.br Ano 6 • Número 280 Uma visão popular do Brasil e do mundo Circulação Nacional R$ 2,00 Resgate de reféns reforça a política militarista de Uribe Na Colômbia, embora seja cedo para afirmações a respeito de quais serão as conseqüências da libertação de Ingrid Betancourt e de outros 14 prisioneiros, já há duas certezas. Primeira: o resgate não acaba com o conflito armado dentro do país ou com as Farc. Conflito este no qual Estado e forças paramilitares de extrema- direita jogam um papel preponderante. Segunda: o presidente Álvaro Uribe sai fortalecido eleitoralmente e praticamente garante o continuísmo de seu grupo político, seja através de um terceiro mandato, seja por meio da indicação de um candidato governista. Págs. 2, 10 e 11 Diante dos altos preços das tarifas de energia, o deputado federal Eduardo da Fonte (PP-PE) reuniu 293 assinaturas na Câ- mara para instaurar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), com vistas a esclarecer o porquê dos valores abusivos. O núme- ro é suficiente para imple- mentar a comissão, sendo que a CPI é a sexta na fila da Mesa Diretora. Um dos objetivos é investigar a atuação da Agência Nacional de Energia Elétri- ca na autorização dos rea- justes e reposicionamentos tarifários. Pág. 4 Conta de luz cara origina pedido de CPI na Câmara A política de segurança da economia estadu- nidense tenta oprimir, mais uma vez, os povos do Sul. “Guerra contra o terror” dos EUA na África e “derramamento” do Plano Colômbia por toda a América Latina marcam a geopolítica do Império. Pág. 9 EUA apostam na “economia da guerra” A notícia de que o Minis- tério Público do Rio Grande do Sul solicitou a dissolução do Movimento dos Traba- lhadores Sem Terra (MST) alertou as organizações de esquerda sobre a necessi- dade de organizar o apoio ao movimento e o repúdio à ofensiva lançada pela ins- tituição. Em um ato na Fa- culdade de Direito da USP, debatedores consideraram que a decisão do MP foi inspirada por um viés de classe. Pág. 3 Ato repudia decisão do MP gaúcho FICA 2008 Em sua 10ª edição, o festival goiano continua a debater cinema e a temática ambientalista em todo o mundo. Pág. 12 Daniel Dantas e quadrilha são presos O banqueiro Daniel Dantas, dono do grupo Opportunity, foi preso por formação de quadrilha e crimes financeiros interna- cionais. Além dele, outras 23 pessoas foram detidas pela operação Satiagraha da Polícia Federal, entre elas o ex-prefeito paulista- no Celso Pitta, o investidor Naji Nahas e a cúpula do Banco Opportunity. A ope- ração da PF teve início há quatro anos e desvendou o funcionamento de duas quadrilhas que agiam en- tre si, uma comandada por Dantas, outra por Nahas. Dantas foi um dos principais articuladores da privatização da telefo- nia, da qual se beneficiou diretamente. Pág. 5 Baseada na preserva- ção ambiental e na pro- dução agroecológica, a Comuna da Terra Dom Tomás Balduíno, em Franco da Rocha (SP), funcionará como um espaço de construção da sociabilidade dos ex- sem-teto e sem-terra, hoje assentados em um terreno de 619 hectares que pertencia a uma fazenda improdutiva da União. Apresenta- ções musicais de Perei- ra da Viola e Pedro Mu- nhoz marcaram, no dia 5, a inauguração das 61 casas. Pág. 6 MST inaugura novo modelo de assentamento Criado em 1978, durante manifestações contra as práticas racistas da dita- dura militar, o Movimento Negro Unificado (MNU) completa 30 anos de histó- ria, ciente da persistência do racismo. A permanência da discriminação nessas três décadas pode ser ob- servada na crônica do mi- litante do MNU, Hamilton B. Walê, que relata o assas- sinato de um jovem negro, promovido pela Polícia Mili- tar da Bahia. Em artigo, Re- ginaldo Bispo, coordenador do MNU, traça um panora- ma das lutas da organização nesses anos. Pág. 8 Movimento Negro Unifi cado completa 30 anos de luta Divulgação U.S. Air Force/Louis A. Arana-Barradas Fernando Donasci/ Folha Imagem O empresário Naji Nahas, preso no dia 8 de julho, é conduzido por agentes da Polícia Federal ao Instituto Médico Legal (IML) para fazer exame de corpo delito Antônio Cruz/ABr Espetáculo midiático: para a imprensa corporativa, Uribe é responsável pelo resgate de Ingrid Betancourt Fábio Nassif Ato de solidariedade ao MST realizado em São Paulo, dia 4 de julho

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paramilitares de extrema- direita jogam um papel preponderante. Segunda: o presidente Álvaro Uribe sai fortalecido eleitoralmente e praticamente garante o continuísmo de seu grupo político, seja através de um terceiro mandato, seja por meio da indicação de um candidato governista. Págs. 2, 10 e 11 Uma visão popular do Brasil e do mundo São Paulo, de 10 a 16 de julho de 2008 www.brasildefato.com.brAno6•Número280 Divulgação U.S. Air Force/Louis A. Arana-Barradas Antônio Cruz/ABr

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São Paulo, de 10 a 16 de julho de 2008 www.brasildefato.com.brAno 6 • Número 280

Uma visão popular do Brasil e do mundoCirculação Nacional R$ 2,00

Resgate de refénsreforça a políticamilitarista de UribeNa Colômbia, embora seja cedo para afirmações a respeito de quais serão as conseqüências da libertação de Ingrid Betancourt e de outros 14 prisioneiros, já há duas certezas. Primeira: o resgate não acaba com o conflito armado dentro do país ou com as Farc. Conflito este no qual Estado e forças

paramilitares de extrema-direita jogam um papel preponderante. Segunda: o presidente Álvaro Uribe sai fortalecido eleitoralmente e praticamente garante o continuísmo de seu grupo político, seja através de um terceiro mandato, seja por meio da indicação de um candidato governista. Págs. 2, 10 e 11

Diante dos altos preços das tarifas de energia, o deputado federal Eduardo da Fonte (PP-PE) reuniu 293 assinaturas na Câ-mara para instaurar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), com vistas a esclarecer o porquê dos valores abusivos. O núme-ro é suficiente para imple-mentar a comissão, sendo que a CPI é a sexta na fila da Mesa Diretora. Um dos objetivos é investigar a atuação da Agência Nacional de Energia Elétri-ca na autorização dos rea-justes e reposicionamentos tarifários. Pág. 4

Conta de luz cara origina pedido de CPI na Câmara

A política de segurança da economia estadu-nidense tenta oprimir, mais uma vez, os povos do Sul. “Guerra contra o terror” dos EUA na África e “derramamento” do Plano Colômbia por toda a América Latina marcam a geopolítica do Império. Pág. 9

EUA apostamna “economiada guerra”

A notícia de que o Minis-tério Público do Rio Grande do Sul solicitou a dissoluçãodo Movimento dos Traba-lhadores Sem Terra (MST) alertou as organizações de esquerda sobre a necessi-dade de organizar o apoio ao movimento e o repúdio à ofensiva lançada pela ins-tituição. Em um ato na Fa-culdade de Direito da USP, debatedores consideraram que a decisão do MP foi inspirada por um viés de classe. Pág. 3

Ato repudiadecisão doMP gaúcho

FICA 2008

Em sua 10ª edição, o festival goiano continua a debater cinema e a temática ambientalista em todo o mundo. Pág. 12

Daniel Dantas e quadrilha são presosO banqueiro Daniel

Dantas, dono do grupo Opportunity, foi preso por formação de quadrilha e crimes financeiros interna-cionais. Além dele, outras 23 pessoas foram detidas pela operação Satiagraha

da Polícia Federal, entre elas o ex-prefeito paulista-no Celso Pitta, o investidor Naji Nahas e a cúpula do Banco Opportunity. A ope-ração da PF teve início há quatro anos e desvendou o funcionamento de duas

quadrilhas que agiam en-tre si, uma comandada por Dantas, outra por Nahas. Dantas foi um dos principais articuladores da privatização da telefo-nia, da qual se beneficiou diretamente. Pág. 5

Baseada na preserva-ção ambiental e na pro-dução agroecológica, a Comuna da Terra Dom Tomás Balduíno, em Franco da Rocha (SP), funcionará como um espaço de construção da sociabilidade dos ex-sem-teto e sem-terra, hoje assentados em um terreno de 619 hectares que pertencia a uma fazenda improdutiva da União. Apresenta-ções musicais de Perei-ra da Viola e Pedro Mu-nhoz marcaram, no dia 5, a inauguração das 61 casas. Pág. 6

MST inauguranovo modelo de assentamento

Criado em 1978, durante manifestações contra as práticas racistas da dita-dura militar, o Movimento Negro Unificado (MNU) completa 30 anos de histó-ria, ciente da persistência do racismo. A permanência da discriminação nessas três décadas pode ser ob-servada na crônica do mi-litante do MNU, Hamilton B. Walê, que relata o assas-sinato de um jovem negro, promovido pela Polícia Mili-tar da Bahia. Em artigo, Re-ginaldo Bispo, coordenador do MNU, traça um panora-ma das lutas da organização nesses anos. Pág. 8

MovimentoNegro Unifi cadocompleta 30 anos de luta

Divulgação U.S. Air Force/Louis A. Arana-Barradas

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O empresário Naji Nahas, preso no dia 8 de julho, é conduzido por agentes da Polícia Federal ao Instituto Médico Legal (IML) para fazer exame de corpo delito

Antônio Cruz/ABr

Espetáculo midiático: para a imprensa corporativa, Uribe é responsável pelo resgate de Ingrid Betancourt

Fábio Nassif

Ato de solidariedade ao MST realizado em São Paulo, dia 4 de julho

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EM JULHO, as escolas param. No Centro-oeste, é temporada de acampamentos no Araguaia, como na Europa começam as férias de verão. Quem pode, aproveita para viajar ou sim-plesmente fi ca em casa curtindo coisas que no período de trabalho não pode fazer. As crianças adoram quando as férias chegam, embora, no fi nal do mês, às vezes, estão ansiosas pa-ra voltar às aulas.

Cada pessoa tem sua medida de trabalho e de descanso. Há pessoas que se refazem plantando uma horta, outras recreiam fazendo comida, outras se renovam dirigindo um carro. Tam-bém há quem prefi ra simplesmente viver alguns dias sem obrigações de horário, embora a sociedade capitalista ainda nos faça sentir mal e como em pecado grave quando não esta-mos produzindo.

É certo que, como diz a regra beneditina, “o não fazer nada é nocivo para a alma”. Além de negativa, a ociosidade acaba ge-rando neuroses, violências e outros vícios. Ninguém deve ne-gar o valor do trabalho. Existe, hoje, a fi losofi a do “Nadismo”, que propõe o simples não fazer nada. De fato, as tradições anti-gas valorizavam muito o que chamavam de quietude espiritual, mas São Bento a equilibra com o seu “ora e trabalha”. É claro que isso não pode ser confundido com a ânsia da produção a qualquer custo, a idolatria do mercado, considerado como regulador maior das relações sociais, e a exigência da competi-tividade como regra primeira da convivência humana.

O Ocidente precisou de fi lósofos contemporâneos como Domenico de Masi para valorizar o “ócio criativo”, que faz do tempo livre a alavanca da criatividade para um amanhã mais humano e feliz. Em geral, a sociedade atual só dá valor ao tra-balho. Em função do trabalho, incentiva o estudo, mas não pla-neja nem organiza o lazer. Na escola, as pessoas se preparam para saber o que fazer com 1/7 do seu tempo útil. Mas todo o resto do tempo fi ca sem planejamento. O ócio criativo não pro-põe ausência de ocupação, mas deseja relacionar melhor traba-lho, estudo e lazer. Ajuda as pessoas a planejar melhor o tempo livre e aprofundar o sentido e o valor do lazer.

Sem falar em “ócio criativo”, há séculos, as culturas negras e indígenas conhecem e cultivam a capacidade de integrar trabalho e lazer, estudo da vida e gratuidade. Nestes dias, em Goiânia, Sergio Alberto Dias, o vereador Serjão, está lançando o seu livro O Canto do Quilombo: Músicas, Poemas e Ora-ções do Povo Negro. Ali se encontram registrados os cânticos e poemas que, mesmo sob o chicote do algoz, nos campos da escravidão, os ancestrais negros cantavam e recitavam, unindo a lágrima da dor com a resistência do sorrir e do cantar. Do mesmo modo, muitas culturas indígenas têm cânticos e rituais para se ir à roça, para partir à caça e para se acordar de madru-gada. Toda a vida tece, em uma só costura, os momentos pro-dutivos e a gratuidade da expressão poética. A uma sociedade ocidental que insiste em considerar o tempo como dinheiro, as culturas tradicionais teimam em testemunhar que tempo é graça e espaço de convivência. Mesmo os grupos tradicionais, obrigados a se contaminar pela ambição do lucro ou pelo en-cantamento da cultura comercial, no fundo, não conseguem perder o gingado, e basta alguém ir ao Nordeste, por ocasião das festas juninas, para constatar isso.

Em todas as regiões do Brasil, as tradições populares contêm muito da criatividade proposta pela teoria do ócio positivo. Em meio à pobreza e a todas as difi culdades, esta criatividade tem se tornado capaz de fecundar as atividades cotidianas de amor e alegria. Mesmo em nossa sociedade, alguns dos trabalhos sociais mais importantes e signifi cativos para a educação da ju-ventude e a promoção humana de comunidades carentes con-sistem em laboratórios de artes plásticas, grupos de música, escolas populares de dança e muitas outras formas de arte que dão sentido novo à vida das pessoas, o que, às vezes, a escola formal não consegue proporcionar.

É claro que quem, hoje, consegue sobreviver com o salário mínimo ou criar fi lhos a partir da economia informal, não precisa de nenhum fi lósofo europeu que lhe venha dar aulas de criatividade. A maioria da população brasileira bem merece o título de “sociedade da criatividade”, que Alvin Tofl er julga ser uma possibilidade para o futuro. O importante é que esta criatividade seja assumida como fonte de sabedoria para a or-ganização da sociedade.

Marcelo Barros é monge beneditino e autor de 30 livros, dos quais o mais recente é Dom Helder, profeta para os nossos dias,

Goiás, Ed. Rede da Paz, 2006.

O ócio criativo das férias

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Jorge Pereira Filho, Marcelo Netto Rodrigues, Luís Brasilino • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Eduardo Sales de Lima, Igor Ojeda, Mayrá Lima, Pedro Carrano, Renato Godoy de Toledo, Tatiana Merlino • Fotógrafos: Carlos Ruggi, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper,

João Zinclar, Joka Madruga, Leonardo Melgarejo, Maurício Scerni • Ilustradores: Aldo Gama, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editor de Arte: Rodrigo Itoo • Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Maria Elaine Andreoti • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Francisco Szermeta • Endereço: Al. Eduardo Prado, 676 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 3666-0753 – São Paulo/SP – [email protected] • Gráfi ca: FolhaGráfi ca • Conselho Editorial: Alipio Freire, Altamiro Borges, Antonio David, César Sanson, Frederico Santana Rick, Hamilton Octavio de Souza, João Pedro Baresi, Kenarik Boujikian Felippe, Leandro Spezia, Luiz Antonio Magalhães, Luiz Bassegio, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Milton Viário, Nalu Faria, Neuri Rosseto, Pedro Ivo Batista, Ricardo Gebrim, Temístocles Marcelos, Valério Arcary, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131- 0800 ou [email protected] Para anunciar: (11) 2131-0800

EM AGOSTO de 1972, o músico e ator estadunidense Oscar Levant, entrevistado sobre a atriz Doris Day, perguntado há quanto tempo ele a conhecia, respondeu:

“Eu conheci Doris Day antes dela ser virgem”.

Esta frase de Levant é a melhor expressão a ser utilizada com rela-ção a uma plêiade de líderes inter-nacionais, sobretudo do nosso Con-tinente, frente ao episódio da liber-tação da senhora Ingrid Betancourt, três estadunidenses agentes da CIA, e onze militares colombianos.

Vários desses líderes, durante anos, execraram o governo Uribe. Além disto, até uns quize dias atrás, muitos exaltavam a fi gura de diri-gentes das Forças Armadas Revolu-cionárias da Colômbia (Farc), não poupando elogios fúnebres ao seu histórico dirigente Manuel Marulan-da. De repente, “como por encanto”, sem questionar qualquer aspecto do superespetáculo montado pelo consórcio Bogotá-Washington e am-pliado pela grande mídia comercial internacional, esses mesmos líderes não só engoliram a versão ofi cial, como introjetaram, sem qualquer crítica, o discurso dos super-heróis. Tornaram-se virgens. De repente, não mais que de repente – como diria o poeta – parecem ter sido sub-metidos a uma himenoplastia.

A metamorfose é assustadora, e não faltam condenações dos “se-qüestros”, das tomadas de “reféns”, e críticas pela prisão de “civis”, em discursos de um humanitarismo balofo (quando não cínico), numa repentina crise de bom-mocismo, que apenas contribui para o isola-mento das Farc, aumentando sua exposição a ataques cada vez mais violentos e a massacres.

“Seqüestros”, “reféns” e “civis”Ao invés de propostas objetivas

que facilitem uma saída negociada para a guerrilha das Farc (se é que esta pretende tal saída) e que, por-tanto, esclareça a opinião pública sobre o que se passa naquele país, muitos dos recém-convertidos pro-põem a deposição de armas, como se a forma de luta e estratégia dos combatentes não tivesse uma his-tória de quase 60 anos, ou que essa escolha houvesse sido feita por mero capricho de meia dúzia de alucina-dos e que, por outro capricho, possa ser abandonada sem mais.

Ao mesmo tempo, passam a des-conhecer (ou a não levar em conta) que estão tratando com forças beli-gerantes, e a se referir (no mais puro

jargão do Departamento de Estado dos EUA) a “reféns”, “seqüestros” e “civis” inocentes.

Ora, o que existe na Colômbia é uma guerra. As pessoas em poder das Farc são prisioneiros de guerra, capturados, tanto quanto aqueles militantes que apodrecem nas pri-sões do regime de Bogotá. Portanto, não há reféns, nem seqüestros, e as condições que se imponham às Farc com relação a esses presos, só tem sentido real, construtivo e de fato humanitário se forem cobradas com a mesma ênfase e com os mesmos critérios do Governo, com relação a seus prisioneiros. Por outro lado, como em qualquer guerra, é absolu-tamente legítimo que as partes em litígio procedam trocas de prisionei-ros – este seria um bom caminho a ser perseguido pelos dirigentes políticos do Continente, mesmo sabendo (e por isso mesmo) que o governo de Bogotá se recusaria, uma vez que não reconhece as Farc en-quanto força beligerante.

Por sua vez, quando condenam publicamente as Farc pela prisão de civis (inocentes), as vozes dos recém-convertidos soam como um solo em falsete de uma ópera bufa:

mesmo um portador de defi ciência mental, observando o lote de prisio-neiros libertados no último dia 2, percebe que, na rubrica civil, cabe apenas a senhora Betancourt. Por mais que se disfarcem de caçadores de borboletas, três agentes da CIA são três agentes da CIA, e onze mi-litares colombianos são onze milita-res colombianos.

Quanto à senhora Betancourt, ainda que civil, tendo sido sena-dora e candidata à presidência do seu país (mesmo que com o pífi o desempenho de 0,46% dos votos válidos), é também um sujeito, um agente político do confl ito em curso. Portanto, não é qualquer “inocente mãe de família, alheia à política, e perversamente seqüestrada por ter-roristas”. Aliás, quando foi captura-da pelas Farc em fevereiro de 2002, a senhora Betancourt sabia muito bem o que fazia no departamento de Caquetá, conhecido território das Farc, tendo sido advertida por seu correligionáro, Néstor León Ramírez – prefeito de San Vicente del Ca-guán (em Caquetá) –, a quem pre-tendia encontrar, que não se dirigis-se à região que, naquele momento, era fustigada pela guerrilha.

de 10 a 16 de julho de 20082

editorial

O tratamento dos prisioneiros Durante mais de ano, uma gran-

de campanha internacional foi desenvolvida, com fotos e cartas da senhora Betancourt, nas quais dizia da precariedade de sua saúde e das condições que enfrentava. A campanha, no entanto, choca-se de frente com o aspecto saudável, bem cuidado e alegre com que a vemos nas fotos do dia da sua libertação: dentadura perfeita, pele sedosa e cabelos sempre cui-dadosamente desalinhados. Seus colegas libertados no mesmo dia também têm aparência absoluta-mente saudável.

Sem dúvida, nos congratulamos com a boa saúde e bom aspecto desses ex-prisioneiros de guerra, que revela o bom tratamento que lhes dispensaram seus captores – o que consideramos uma obri-gação desses últimos. Obrigação que, no entanto, deve estar muito distante do que acontece com os prisioneiros de Bogotá, que deve usar métodos semelhantes aos de Guantânamo e Al Ghraib, em conformidade com as práticas que lhes são ensinadas por seus patro-nos de Washington.

Enfi m, nós conhecíamos esses líderes latino-americanos antes de-les serem virgens. Talvez por isso os estranhemos.

Uma procissão de virgens

NO DIA em que escrevo este artigo (5 de julho), o secretariado do Estado Maior das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) não se pronunciou ainda sobre a operação cujo desfecho foi o “resgate” de Ingrid Betancourt, de três agentes estadunidenses da CIA e de onze militares colombianos.

Milhares de comentários, análises e interpretações foram dedicados ao acontecimento em dezenas de países. A esmagadora maioria glorifi ca a franco-colombiana, enaltece o presidente Ál-varo Uribe, calunia as Farc ou opta por exercícios especulativos, na tentativa de explicar o que se passou.

Uma certeza emerge desde já dessa torrente midiática de desinformação: a versão ofi cial do governo e do Exército colombiano é um novelo de mentiras e contradições.

A primeira inverdade surge como preâmbulo do auto elogio uribista: o “resgate” de Ingrid teria sido uma fa-çanha 100% colombiana, concebida pelos estrategos do presidente , minu-ciosamente elaborada pela inteligência militar e executada pelo Exército. Nas declarações de Álvaro Uribe, dos seus ministros e generais abundam porme-nores folhetinescos. Talvez venham a inspirar um diretor de Hollywood.

O primeiro desmentido indireto, in-cômodo, veio do embaixador de Bush em Bogotá. Ainda desconhecedor do discurso ofi cial, o diplomata revelou que a cooperação dos EUA no plano foi decisiva. Simultaneamente, o Pentágo-no dizia o mesmo por outras palavras, valorizando a assessoria militar, a ajuda tecnológica, o uso dos meios eletrôni-cos, de satélites etc.

A França de Sarkozy também se orgu-lha de ter “colaborado”.

Em Tel Aviv, o diário Haaretz qualifi -cou como muito importante, talvez “de-cisivo”, o envolvimento de elementos do serviço de inteligência israelense na preparação da “operação de resgate”.

Com poucas exceções, Ingrid Be-tancourt foi guindada a heroína da humanidade pelas cadeias de televisão, jornais e rádios, de Washington a Paris, de Londres a Lisboa. Mas não tenho co-nhecimento de que algum desses meios tenha considerado pelo menos insólito que ela tenha defi nido Uribe como um “grande presidente”, merecedor de um terceiro mandato (inconstitucional). Não estranharam também que ela te-nha abraçado, comovida, o general Ma-rio Montoya.

Objetivos ideológicosNestes dias em que chovem ataques e

calúnias sobre as Farc, recordei um tex-to em que Lenine, a propósito do fl uxo e refl uxo dos períodos revolucionários, e do comportamento da maioria dos políticos quando a maré sobe e baixa, lembrava que é nas situações históricas marcadas pela arrogância das forças reacionárias que mais nítida surge a fronteira entre os revolucionários e aqueles que não o são.

Fugiria à verdade se negasse que fui afetado emocionalmente pelos golpes que, desde o início do ano, atingiram as Farc. Fui amigo do comandante Raul

Reyes – assassinado num bombarde-amento pirata que violou a soberania do Equador – e senti profundamente a morte de Manuel Marulanda, o legen-dário comandante-chefe da guerrilha-partido marxista leninista. Identifi quei nele, desde a juventude, um herói da América Latina.

Mas esses golpes, em vez de atenu-arem a minha solidariedade com as Farc, contribuíram para fortalecê-la.

Em Portugal, a desinformação não difere muito do que vai pela Europa. A máscara humanitária não consegue ocultar os objetivos ideológicos. A apo-logia de Ingrid Betancourt (que diziam estar quase moribunda, mas parece estar afi nal de boa saúde) é um verniz que disfarça mal uma intensa campa-nha anticomunista. Enquanto felicitam Uribe pela sua tenacidade como de-fensor inquebrantável da democracia, a mídia lusitana entoa já um réquiem antecipado pelas Farc e entrega-se a exercícios de “futurologia” sobre o seu fi m iminente.

Esse frenesi anti-Farc não tem o po-der de fazer História. Julgo útil subli-nhar que o “resgate” de Ingrid – uso as aspas porque as circunstâncias em que ela foi libertada são ainda nebulosas – não tem qualquer signifi cado militar, não obstante confi gurar uma vitória política de Uribe.

O governo conseguiu infi ltrar gente sua em algumas frentes. Milhões de dólares são oferecidos pelas cabeças dos membros do Secretariado e de outros dirigentes. Foram espiões os responsáveis pela morte do coman-dante Ivan Rios. As Farc não negam as difi culdades resultantes de traições não esperadas.

Mas o panorama da luta não justi-fi ca atitudes de desalento. Em maio e junho, destacamentos da guerrilha que continuam ativos em dezenas de frentes, da selva amazônica ao lito-ral do Pacífi co, da Serra Nevada e do Arauco aos vales das três cordilhei-ras andinas, infl igiram ao Exército e à Polícia Militar duras derrotas. Os próprios comunicados do Exército registram a existência de importantes perdas em combate.

O andamento da História não tarda-rá a desmentir as previsões triunfalis-tas de Uribe e dos seus generais.

Mas não foi sem amargura que regis-trei declarações não esperadas sobre as Farc de personalidades que durante anos, foram solidárias com a sua luta.

Tenho em mente particularmente as de dirigentes progressistas latino-ameri-canos com responsabilidades em nível de Estado.

Choca-me que venham somar as suas vozes às do coro de epígonos de Uribe. Esses homens, que admiro e respeito, não ignoram que Uribe – cujo nome fi gura nos fi cheiros de narcotrafi cantes da Drug Enforcement Agency e da CIA – foi, quando governador do Departa-mento de Antioquia, um dos ideólogos e fi nanciadores dos grupos de paramili-tares. Uribe é responsável pela chacina de dezenas de milhares de camponeses e pelos bombardeamentos com glisofa-to que envenenaram rios da Amazônia, difundiram o cancro e outras doenças entre as populações do Putumayo e do Caquetá e tornaram improdutivos milhares de hectares de terras férteis. É esse criminoso que presidentes da União Européia felicitam agora como exemplo do combatente democrata an-titerrorista.

É também chocante ver, em fotos di-fundidas pelo mundo, Ingrid a abraçar comovida o general Mário Montoya, comandante-chefe do Exército da Co-lômbia. Ela foi candidata à presidência da República e senadora. Não ignora que o general que tanto admira foi o criador de uma unidade terrorista clandestina da Aliança Anticomunis-ta Americana (AAA), promotora de matanças maciças de militantes de esquerda colombianos e de campone-ses do Chocó. Foi também sob o seu comando que se realizou o famoso massacre da Comuna 13 de Medellin, recordado por Uribe quando o elogiou pela libertação de Ingrid.

Responsável pela tragédiaDentro de poucos anos, Álvaro Uribe

somente será recordado como o pre-sidente responsável pelo agravamen-to da tragédia colombiana. Foi e é o mais fi el aliado de George W. Bush na América Latina. Invocando a neces-sidade de levar adiante uma política de segurança nacional, executou uma política de terrorismo de Estado sem precedentes desde o Bogotazo de 1948. Arruinou o país, transformando-o nu-ma semi-colônia dos EUA e inaugurou um estilo de governo de contornos fas-cistas. (Leia a íntegra deste artigo em: www.brasildefato.com.br).

Miguel Urbano Rodrigues é jornalista e escritor português

debate Miguel Urbano Rodrigues

Reafi rmação de solidariedade com as Farccrônica Marcelo Barros

Gama

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de 10 a 16 de julho de 2008 3

R$ 1 milhão é a multa que o Ibama deu à Syngenta

Quanto

brasil

Renato Godoy de Toledoda Redação

A DIVULGAÇÃO da ata da reunião do Conselho Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul, além de per-plexidade, trouxe às organi-zações de esquerda e progres-sistas a necessidade de mani-festar seu repúdio à atitude e solidariedade ao Movimen-to dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Além do próprio movimento, as orga-nizações realizam um cha-mado para uma unidade em torno da defesa de garantias constitucionais ameaçadas pelo posicionamento do MP gaúcho, como o direito de as-sociação e a liberdade de ir e vir. A ata da reunião, ocorrida em dezembro de 2007, apro-vou por unanimidade a proi-bição de marchas, de acampa-mentos e, por fi m, pede a dis-solução do MST.

Como parte desse esfor-ço de unidade, no dia 4, em São Paulo (SP), um ato orga-nizado pelo blog Outra Polí-tica, na Faculdade de Direito da Universidade de São Pau-lo, no Largo de São Francisco, reuniu cerca de 100 pessoas na Sala dos Estudantes.

A mesa foi composta por Plínio Arruda Sampaio, pre-sidente da Associação Brasi-leira de Reforma Agrária, Mi-chael Löwy, sociólogo franco-brasileiro, e por Gilmar Mau-ro, da coordenação nacional do MST.

Papel do MPPlínio, ex-promotor, ressal-

tou que o advento do Minis-tério Público foi um avanço dentro da ordem republicana burguesa. Como constituinte, ele foi relator do capítulo da Constituição de 1988 que tra-ta do funcionamento da ins-tituição. Fazer com que o MP deixasse de ser um braço jurí-

Mayrá Limade Brasília (DF)

A Comissão de Agricultu-ra e Pecuária da Câmara dos Deputados, amplo fórum da bancada ruralista, aprovou, no dia 2, um documento que criminaliza lideranças do Mo-vimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da Via Campesina do Paraná. De-núncias ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Re-cursos Naturais Renováveis (Ibama) também foram pro-feridas pela Comissão, além de questionamentos aos pro-cedimentos de reintegração de posse.

Trata-se da Proposta de Fiscalização e Controle (PFC) n° 125, de autoria do deputa-do Abelardo Lupion (DEM/PR), que questiona a atua-ção da administração públi-ca relacionada às ações da Via Campesina e do MST no campo de experimentação de transgênicos da transnacio-nal Syngenta Seeds, tal como ao embargo de 12 hectares de soja Roundup Ready (RR) da empresa. As conclusões do relatório, sob a responsabi-lidade do deputado federal Eduardo Sciarra (DEM/PR), não só desconsidera a mor-te do militante Valmir Mota (o Keno), ocorrida em 2007, após um ataque de milícias armadas contra os trabalha-dores no acampamento da empresa, como sugere que os movimentos sejam com-

Em ato de solidariedade, personalidadescriticam postura de classe do MP gaúchoCRIMINALIZAÇÃO Atitude de promotores contra MST foi considerada insensata e inconstitucional, em debate em São Paulo

dico do Executivo foi uma das principais conquistas do tex-to, segundo ele.

No entanto, a instituição é composta por membros das classes mais abastadas. “Boa parte dos promotores defen-de os interesses dessas clas-ses, outros, como eu, são ‘trai-dores’ da classe”, afi rmou. Mesmo quando o Ministé-rio Público age conforme sua classe, Plínio ressaltou que este o faz com competência, ciente de como interpretar a lei de maneira mais favorá-vel aos seus interesses. Mas tal competência não esteve presente na decisão do Con-selho Superior do MP gaúcho, segundo o jurista. “A medida acumula uma série de medi-das inconstitucionais, como a restrição do direito de ir e vir. Como eles não sabiam que is-so é inconstitucional?”, ques-tionou Plínio, que conside-ra a idéia de dissolver o MST uma insensatez da burguesia, já que o movimento civiliza o confl ito no campo.

Foi consensual, nas expla-nações dos componentes da mesa, a tese de que a ação do MP foi mais um “balão de en-saio” do que uma atitude de-fi nitiva. “Com a medida, eles visam apalpar o Lula. Que-rem saber se o governo acei-ta a idéia de tornar a demo-cracia mais restrita”, opi-nou Plínio. Se a idéia do MP gaúcho era testar o governo, o ministro da Justiça, Tarso Genro, parece já ter respon-dido à instituição. Para ele, a medida é inconstitucional e “tenta recuperar de forma ex-temporânea, fora da Consti-tuição de 1988, um conjunto de princípios que estão mais vinculados ao conceito de se-gurança nacional da época do regime militar do que à segu-rança do Estado democrático de direito”.

O deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP), presente no

plenário, afi rmou que a deci-são revela um “reacionaris-mo presente na sociedade, em alguns políticos, articulistas e editoriais de jornais. Se al-guém cometeu um crime, foi o MP, que com essa decisão re-vela que tem um pé no latifún-dio e no atraso”.

Freire e FlorestanNita Freire, viúva do edu-

cador Paulo Freire, esteve presente no ato e fez o uso da palavra, já que a presen-

ça do método de seu mari-do em escolas do MST foi citada como uma das pro-va da orientação “crimino-sa” do movimento. “Fiquei perplexa ao ver o nome de Paulo e de Florestan Fer-nandes citados como crimi-nosos. Ambos eram homens puros. Isso foi uma condena-ção àqueles que querem um mundo mais bonito”, disse, sob aplausos.

Gilmar Mauro conside-ra que a atitude do MP gaú-

cho remete ao que Florestan chamava de pensamento au-tocrático-burguês, que mis-tura a herança escravagista com a defesa da propriedade privada. “Esse pensamento não admite que o trabalha-dor faça outra coisa a não ser trabalhar”, colocou. Como exemplo da presença dessa ideologia no Judiciário, Gil-mar citou o embargo da Jus-tiça de Goiás a uma parceria entre a universidade fede-ral daquele Estado e o MST,

a prisão de um advogado daCPT no Pará, por ter parti-cipado de uma ocupação, eo enquadramento de mem-bros do MST na lei de segu-rança nacional, no Rio Gran-de do Sul.

Em sua exposição, Gilmarrebateu um lugar comumutilizado por opositores doMST, que afi rmam que o mo-vimento deixou de ser umaorganização “de resultados”– a conquista da terra – paratornar-se “ideológica”. “Nãopodemos ser um movimentode resultados, porque não háresultados dentro do Estadoburguês. Não é possível fa-zer a luta pela reforma agrá-ria sem realizar uma luta an-ti-sistêmica. Por isso, a lutacontra o agronegócio se po-litiza. Quando combatemos oagronegócio, estamos lutan-do contra o mercado fi nan-ceiro, que é representado porele no campo, e contra a lógi-ca do capital”, afi rmou.

Sobre as acusações do Mi-nistério Público gaúcho e desetores conservadores de queo MST é contra o Estado de-mocrático de direito, Gilmarafi rmou que eles não deixamde ter razão. “Sim, nós que-remos acabar com esse Es-tado, que é democrático e dedireito para alguns. Esse Es-tado deixa milhões de pesso-as sem saúde e educação”,denunciou.

A afi rmação de Gilmar en-controu respaldo numa his-tória que Nita Freire trouxe à plenária. Após a entrega de di-plomas para uma turma de al-fabetizados pelo método Pau-lo Freire, em 1963, durante o governo João Goulart, o en-tão chefe do Estado-maior do Exército, Humberto Castello Branco, dirigiu-se ao educa-dor: “Antes eu achava que vo-cê era subversivo, agora eu te-nho certeza disso”. Freire con-cordou: “Sim, sou subversivo dessa ordem injusta”.

parados a grupos terroristas internacionais.

DesdobramentosA PFC teve caráter termi-

nativo na própria Comissão de Agricultura. Ou seja, to-das as sugestões contidas no documento deverão ser enca-minhadas aos órgãos deter-minados pelo relator. Dessa forma, a Câmara deverá pe-dir ao Ministério Público Fe-deral uma denúncia formal pelo que Sciarra considera “omissão dos agentes do Iba-ma às degradações ambientais da área de amortecimento por militantes da Via Campesina e MST em terras de proprieda-de da Syngenta”.

Além disso, o PFC solici-ta ao Tribunal de Contas da União uma auditoria para in-vestigar a aplicação dos recur-sos recebidos pela Fundação da Universidade Federal do Paraná (Funpar) e pelo Insti-tuto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), para averiguar se “houve des-vios de recursos para fi nan-ciar invasões de proprieda-des rurais”. Os documen-tos também deverão, segun-do Sciarra, ser encaminha-dos à CPI das ONGs no Sena-do Federal.

A Comissão de Agricultura ainda pretende acionar órgãos da Organização das Nações Unidas (ONU) para que seja encaminhada denúncias con-tra a Via Campesina ao Comitê Permanente de Luta Contra o Terrorismo, vinculado ao Con-

selho de Segurança e aos go-vernos da Bélgica, Indonésia e Suíça, países onde a Via Cam-pesina tem representação.

AçõesAs ações de Sciarra contra

o Ibama se referem à multa de R$ 1 milhão dada pelo ór-gão à Syngenta em março de

2006, devido ao plantio de so-ja e milho geneticamente mo-difi cados na área de amorteci-mento do Parque Nacional do Iguaçu, o que é proibido por lei. Mesmo assim, Sciarra de-nuncia os agentes Fernan-do Spigolotti e Marino Elígio Gonçalves.

Até mesmo a ex-ministra do Meio Ambiente, senado-ra Marina Silva (PT/AC), de-verá ser interpelada pelo Mi-nistério Público Federal pa-ra explicar a resposta “fora de prazo” ao requerimento de in-formações enviado por Sciar-ra, pedindo explicações sobre “o entendimento da procura-doria especializada do Ibama acerca da alegação de que o plantio experimental de Orga-nismos Geneticamente Modi-fi cados realizado pela Syngen-ta estaria localizado na zona de amortecimento do Parque Nacional do Iguaçu”.

DesaprovaçãoPara deputados que fazem

oposição aos ruralistas den-tro da Comissão e que tenta-ram inviabilizar a votação des-

se PFC, a bancada ruralista te-ve o objetivo de aprovar o re-latório, sem nenhuma discus-são, para que ele seja usado como instrumento para crimi-nalizar os movimentos sociais do campo. O próprio autor do PFC, deputado Lupion, reque-reu a não-leitura do relatório para que ele fosse aprovado de maneira mais rápida.

De acordo com o deputa-do Adão Pretto (PT/RS), que votou contra o PFC, a institu-cionalização do texto de Sciar-ra é um atentado aos direitos humanos. “Eu estive presen-te no local e há marcas de bala no portão do campo de experi-mentação da Syngenta Seeds. Novamente, eles ignoram to-dos os ataques de milícias ar-madas e até mesmo aprovam esse tipo de ação contra movi-mentos sociais do campo, que estão no seu direito de mani-festação. Eles querem validar a violência no campo e ainda criminalizam as vítimas que hoje estão em risco de mor-te, seja devido a ameaças, se-ja devido às balas que perma-necem alojadas em seus cor-pos”, diz.

O Núcleo Agrário do PT, composto por deputados que discutem a agricultura brasi-leira em nível partidário, en-trou com recurso para que o PFC seja encaminhado pa-ra votação no plenário da Câ-mara. “Não é a primeira vez que a bancada ruralista im-põe, na Comissão de Agricul-tura da Câmara dos Deputa-dos, a aprovação de projetos que tratam da retirada ou re-dução de direitos dos traba-lhadores. São exemplos, os projetos de decretos legislati-vos contrários à demarcação de terras indígenas e de qui-lombolas; que inviabilizam a reforma agrária; que reduzem direitos trabalhistas; que faci-litam a devastação e a depre-

dação dos recursos naturais e do meio ambiente”, observa o Núcleo em nota.

HistóricoA área da Syngenta See-

ds em Santa Tereza do Oeste (PR) foi reocupada na manhã do dia 21 de outubro de 2007 por cerca 150 pessoas da Via Campesina. O campo de expe-rimento da empresa havia si-do ocupado pelos campone-ses em março de 2006, para denunciar o cultivo ilegal de sementes transgênicas de so-ja e milho. A ocupação tornou os crimes da transnacional co-nhecidos em todo o mundo.

Na reocupação, os traba-lhadores rurais soltaram fo-gos de artifício e os seguran-ças, que estavam na fazen-da, abandonaram o local. Porvolta das 13h30, um micro-ônibus parou em frente aoportão de entrada, e uma mi-lícia armada com aproxima-damente 40 pistoleiros for-temente armados desceu ati-rando em direção às pessoasque se encontravam no local.Arrombaram o portão, execu-taram Keno com dois tiros,balearam outros cinco agri-cultores e espancaram Isa-bel do Nascimento de Souza,que hoje ainda corre risco demorte, devido à bala alojadaem seu pulmão.

A Syngenta contratava ser-viços de segurança que atu-avam de forma irregular na região, articulados com a So-ciedade Rural da Região Oes-te (SRO) e o Movimento dos Produtores Rurais (MPR). A NF teve seu registro cassado pela Polícia Federal.

Do Congresso, parte a mais nova tentativa de criminalizaçãoRelatório aprovado pela Comissão de Agricultura da Câmara pretende acionar inclusive o Comitê Permanente de Luta Contra o Terrorismo, da ONU, contra o MST e a Via Campesina

“Não é a primeira vez que a bancada ruralista impõe, na Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, a aprovação de projetos que tratam da retirada ou redução de direitos dos trabalhadores”, observa Núcleo Agrário do PT

Cartuchos de balas disparadas por milícia que assassinou Keno

Fábio Nassif

O presidente da ABRA, Plínio Arruda Sampaio: “série de medidas inconstitucionais”

MST/PR

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de 10 a 16 de julho de 20084

brasil

SÃO PAULO

Parlamentares querem saber por que a energia é tão cara para os brasileiros

Sílvia Alvarezde São Paulo (SP)

OS ALTOS preços da energia elétrica agora ganham desta-que no parlamento. O depu-tado federal Eduardo da Fon-te (PP-PE) protocolou o pedi-do de construção de uma Co-missão Parlamentar de Inqué-rito para investigar o setor elé-trico. A chamada CPI da Conta de Luz conseguiu assinaturas de 293 parlamentares de par-tidos da base governista e de oposição. O número é mais do que o sufi ciente para a instala-ção da comissão, que está em sexto lugar na fi la dos pedidos da Mesa Diretora da Câmara.

Segundo o requerimento protocolado, muitas vezes os consumidores, principalmen-te os de baixa renda, não têm dinheiro para arcar com as ta-rifas elevadas de energia, “o que acarreta a descontinuida-de do serviço em virtude dos cortes, bem como impede o acesso de um maior número de consumidores a esse ser-viço”. O documento também alerta para a alta tarifa indus-trial brasileira, que é a terceira mais cara do mundo.

De acordo com o deputado Eduardo da Fonte, em Per-nambuco, após um reajuste de 12%, a conta de luz passou a comprometer 25% do or-çamento familiar. “E as em-presas tiveram lucro recor-de, desde a privatização, com a venda de energia”, afi rma. A Companhia Energética de Pernambuco (Celpe), vendida ao Grupo Neoenergia, obteve receita líquida de R$ 311,5 mi-lhões em 2007.

AneelUm dos focos da CPI é in-

vestigar a atuação da Agência Nacional de Energia Elétri-ca (Aneel) na autorização dos reajustes e reposicionamentos tarifários. O principal argu-mento usado é de que a tari-fa média de energia elétrica no Brasil é maior do que em na-ções do G8, o grupo dos sete

Eduardo Sales de Limada Redação

O relatório fi nal da Comis-são Parlamentar de Inquéri-to (CPI) sobre a Remunera-ção dos Serviços Médico-Hos-pitalares da Assembléia Legis-lativa de São Paulo (Alesp) foi aprovado no dia 26 de junho. E sem as deliberações funda-mentais. Não foi dado pros-seguimento às investigações sobre o processo de terceiri-zação do setor de saúde pau-lista e, menos ainda, as orga-nizações sociais (OSs), uma bandeira do PSDB, deixarão de existir. Mais: a participa-ção na votação fi nal de um de-putado tucano que nunca fez parte da Comissão provocou a indignação da oposição. Re-sultado da CPI: uma recomen-dação, que será encaminhada ao Tribunal de Contas do Es-tado, para que seja realizada uma auditoria nos contratos de terceirização fi rmados pelo Conjunto Hospitalar de Soro-caba, desde 2005.

Trata-se de mais uma vitó-ria do governador José Serra (PSDB), pelo menos no que se refere às CPIs paulistas. De-nominada “operação abafa” pelo deputado estadual Raul Marcelo (Psol), o que ocor-reu com o fi m da CPI da Saú-de se insere na estratégia tuca-na de não investigar as denún-cias mais importantes que en-volvam seus governos.

A omissão em relação à ca-tástrofe do metrô, ocorrida em

BRASÍLIA Quase 300 deputados federais pedem CPI para investigar o cálculo da tarifa de energia no Brasil

países mais desenvolvidos do mundo, mais a Rússia.

No entanto, após muita pressão, em abril, a Aneel rea-justou as tarifas de energia da Companhia Energética de Mi-nas Gerais S/A (Cemig), Com-panhia Paulista de Força e Luz (CPFL), Centrais Elétricas Matogrossenses S/A (Cemat) e Empresa Energética de Ma-to Grosso do Sul (Enersul), re-duzindo as tarifas dessas dis-tribuidoras. Logo após essas

reduções, foi protocolada uma indicação ao Ministro de Mi-nas e Energia sugerindo que a Aneel realizasse a revisão das tarifas de energia elétrica de todas as concessionárias do país. A solicitação conseguiu assinaturas de 280 deputados, mas obteve resposta negativa da agência reguladora.

ConcentraçãoPara o deputado Adão Pret-

to (PT/RS), que assinou o pe-

dido da CPI da Conta de Luz, “é estranho que várias trans-nacionais e/ou indústrias pa-guem um preço de energia menor que muitas famílias brasileiras. As empresas que têm concessões para fornecer energia não têm como priori-dade o abastecimento das re-sidências. Essa lógica é injusta e precisa ser revista”, defende o deputado.

Em declarações à imprensa, o diretor geral da Aneel, Jer-

son Kelman, disse que os re-ajustes de energia são fi rma-dos por um “sistema de cálcu-los matemáticos” e negou ha-ver especulações na elevação do preço da energia. Já o de-putado Adão Pretto acha que é preciso investigar como são calculadas as tarifas e qual é a margem de lucro das em-presas do setor. “No entan-to, sabemos que, se a CPI for instalada, haverá uma forte pressão do monopólio do se-tor elétrico para que não se abra essa caixa preta”, alerta o parlamentar.

EsclarecimentosSegundo Marco Antonio

Triverveiler, da coordenação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), não há dúvidas de que os preços das

tarifas de energia elétrica são abusivos. “Após as privatiza-ções, o setor energético vem sendo dominado por grandes transnacionais que lucram muito com a venda da merca-doria energia”. Para Triervei-ler, se a CPI da Conta de Luz ajudar a esclarecer os motivos que levam ao aumento das ta-rifas de energia, será muito útil para a sociedade.

Segundo estimativa do de-putado Eduardo da Fonte,a CPI da Conta de Luz devesair ainda neste ano. Já o de-putado Adão Pretto acredi-ta que, por ser um ano elei-toral, há uma “baixa” dasatividades dos parlamenta-res, o que provavelmente vaiadiar a realização da CPI pa-ra 2009. Hoje, existem duasCPIs em andamento na Câ-mara dos Deputados. Somen-te cinco CPIs podem funcio-nar ao mesmo tempo.

CPI da EnersulNo Mato Grosso do Sul, há

um exemplo de uma CPI que trouxe resultados positivos pa-ra os consumidores de energia. Líder durante anos do ranking das distribuidoras com as tari-fas mais caras do país, a Em-presa de Energia Elétrica do Mato Grosso do Sul (Enersul) foi alvo de uma CPI na Assem-bléia Legislativa do Estado, em 2007. Os resultados dos trabalhos da comissão foram a redução nas contas de energia elétrica dos 710 mil consumi-dores da Enersul, a queda da diretoria da empresa e a dimi-nuição “violenta” das ações da concessionária.

Foram membros titulares da CPI da Enersul os deputa-dos Paulo Correa (PR – pre-sidente), Marquinhos Trad (PMDB – Relator), Paulo Du-arte (PT – vice-presidente), entre outros.

janeiro de 2007, às irregulari-dades envolvendo a Compa-nhia de Desenvolvimento Ha-bitacional e Urbano (CDHU) e ao caso do pagamento de pro-pinas da transnacional Als-tom para quadros da adminis-tração tucana são exemplos disso. “A estratégia da base do governo na Assembléia Legis-lativa, sinteticamente, é blin-dar o governador Serra pa-ra 2010, além do Geraldo Al-ckmin, claro”, afi rma Marce-lo. “São 23 deputados estadu-ais que não estão nessa ‘ope-ração’, o resto (71) está todo, é impressionante”, conclui.

ManobraA maior polêmica, no entan-

to, não foi a vitória da base do governo paulista, mas o mo-

do como sucedeu a aprovação do texto. O deputado Samuel Moreira (PSDB), que não fa-zia parte da suplência de ne-nhum dos integrantes da Co-missão, participou da votação do relatório fi nal como substi-tuto eventual. Os substitutos que foram indicados pela ban-cada do partido desde o come-ço da Comissão eram, na ver-dade, Pedro Tobias e José Au-gusto. Se esse ou aquele par-ticipasse da votação, nenhu-ma polêmica regimental teria sido provocada. Mas o fato é que o voto de Moreira foi de-cisivo para a supressão de du-as propostas fundamentais da CPI: retorno da gestão de uni-dades hospitalares das organi-zações sociais para a adminis-tração do governo e início de

uma investigação sobre o pro-cesso de terceirização do setor da saúde em todo o Estado de São Paulo. Caso o substituto eventual, Samuel Moreira, ti-vesse votado pela permanên-cia do sub-relatório elabora-do pela equipe de Raul Marce-lo, o relatório fi nal iria a deba-te no plenário da Alesp.

“Ele chegou na reunião e votou pela supressão do meu sub-relatório, principalmente quanto ao processo de rever-são das organizações sociais, com informações e denúncias que foram colhidas por quase quatro meses”, destaca o de-putado estadual do Psol.

Por esse procedimento, a Procuradoria da Alesp pro-nunciou-se contrariamente à legitimidade do voto dentro

da CPI. O procurador da Ca-sa, José Roberto Caglia, ex-plicou, com exclusividade ao Brasil de Fato, que as ma-nobras realizadas não foram contra o regimento da Casa, mesmo assim ele não credi-ta legitimidade à votação. “Eles as usaram para a inter-pretação que foi a vencedora daquele momento”, afi rma. Caglia pondera, no entanto, que o artigo 18 do regimen-to interno da Alesp atesta que a Comissão pode nome-ar, na ausência dos membros das comissões e na ausência de substitutos, um substitu-to ocasional.

Além do regimento Mas as compreensões sobre

a legitimidade da participação do substituto ocasional coin-cidem até aqui. O artigo18, combinado com o artigo 27 do regimento da Casa, diz que ele deve comparecer median-te a obrigatória convocação do presidente da respectiva Co-missão, “o que não ocorreu”, segundo Caglia. O procura-dor afi rma, ainda, que poderia haver um substituto eventual para dar quorum, mas a CPI já contava com a presença de cinco deputados, de um total de nove membros,“portanto, maioria absoluta”.

“Não podemos nos esquecer de que a CPI não segue só o Regimento Interno, mas tam-bém considera outros diplo-mas legais. O próprio Artigo 34 do Regimento Interno ver-sa que ‘aplicam-se subsidia-

riamente às Comissões de In-quérito, no que couber as nor-mas desse regimento interno, da Legislação Federal e do Có-digo do Processo Penal’”, afi r-ma o procurador da Alesp, ba-seando seu argumento no ra-ciocínio de que “se é subsidia-riamente que se aplica, então eu prefi ro aplicar o Código do Processo Penal”.

Nesse último aspecto, Ca-glia afi rma que não se aplicao Artigo 34 e parágrafo 11 doregimento interno na CPI,e sim o Código de ProcessoPenal, que é o princípio da“identidade física do juiz”.Ele explica que isso signifi caque se é o deputado que faza instrução (colheita de pro-vas), é ele o que deve profe-rir obrigatoriamente o jul-gamento. “Não pode vir umjuiz substituto e julgar, sen-do que o outro colheu a pro-va; porque o olhar do juizque colhe a prova é, de cer-ta maneira, uma proteção aoréu e também uma proteçãoao próprio Estado de Direi-to”, atesta.

Ele pondera que sua ação não é carregada de nenhuma inclinação política, somen-te técnica. “Não estou lá pa-ra assessorar nenhum parti-do. Eu sou um técnico isen-to”, ressalta.

“Ele chegou na reunião e votou pela supressão do meu sub-relatório, principalmente quanto ao processo de reversão das organizações sociais, com informações e denúncias que foram colhidas por quase quatro meses”, lamenta Raul Marcelo

Voto irregular de deputado tucano barra CPI da SaúdeProcuradoria da Assembléia Legislativa contesta participação de tucano que nunca esteve presente na Comissão

71 deputados estariam no grupo de blindagem do go-vernador José Serra

Quanto

“É estranho que várias transnacionais e/ou indústrias paguem um preço de energia menor que muitas famílias brasileiras. As empresas que têm concessões para fornecer energia não têm como prioridade o abastecimento das residências. Essa lógica é injusta e precisa ser revista”, aponta Adão Pretto

3ª energia mais cara do mundo é paga pelos brasileiros

Quanto

Reunião que aprovou o relatório fi nal da CPI da Saúde

ALESP

Funcionário da CPFL troca lâmpada de poste: tarifas reajustadas apenas para alguns Estados

CPFL

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de 10 a 16 de julho de 2008 5

70% dos alimentos produzidos no país são de responsabilidade da agri-cultura familiar

Quanto

AGRICULTURA FAMILIAR

brasil

Tatiana Merlinoda Redação

Com o objetivo de fortalecer a agricultura familiar e alcan-çar uma produção exceden-te de 18 milhões de toneladas de alimentos ao ano, o gover-no federal lançou, no dia 3, o Programa Safra Mais Alimen-tos. Elaborado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), o projeto cria uma li-nha de crédito de até R$ 100 mil por família para benefi ciar um milhão de produtores ru-rais até 2010.

Apesar de movimentos so-ciais e especialistas acredita-rem que a iniciativa é acerta-da, eles defendem que, parale-lamente ao programa, o gover-no deveria investir em refor-ma agrária. “Essa é uma me-dida necessária e emergencial, mas, para aumentar a produ-ção, é necessário ampliar as áreas plantadas. Assim, fazer reforma agrária é de extrema importância”, afi rma o geógra-fo Bernardo Mançano Fernan-des, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Mais créditoDe acordo com MDA, o pla-

no destina R$ 13 bilhões em fi nanciamento no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pro-naf) no período de 2008/2009. No período anterior, o valor foi de R$ 12 bilhões.

da Redação

PERTO DE se livrar de cerca de 200 pendências judiciais, o banqueiro Daniel Dantas, do-no do grupo Opportunity, viu seus planos de escapar da Jus-tiça serem abortados. No dia 8, ele foi preso pela Polícia Fede-ral, durante a operação Satia-graha. A ação da PF começou há quatro anos e desvendou que duas quadrilhas criavam empresas de fachada, utiliza-das para desviar recursos pú-blicos, e criaram um mega-es-quema para lavar dinheiro e cometer crimes fi nanceiros in-ternacionais. A operação tam-bém levou à prisão o ex-prefei-to paulistano, Celso Pitta, e o especulador Naji Nahas, além da alta cúpula do banco Op-portunity, incluindo a irmã do banqueiro, Verônica Dantas.

Dantas, recentemente, ti-nha se benefi ciado judicial-mente com a fusão da Brasil Telecom com a Oi. Para a re-alização do acordo, foi condi-cionado que o banqueiro se li-vraria das ações judiciais que teria que enfrentar na Jus-tiça brasileira e dos Estados Unidos, por conta da disputa acionária realizada entre ele e fundos de pensão. Além de es-capar da Justiça, Dantas arre-cadou 1 bilhão de dólares com a venda de suas ações.

De acordo com a Polícia Fe-deral, as 24 pessoas presas pela operação serão indicia-das por formação de quadri-lha, gestão fraudulenta, eva-são de divisas, lavagem de di-nheiro, sonegação fi scal e es-pionagem. Esse último crime, aliás, foi o ponto de partida da operação, já que em 2004, quando controlava a Bra-sil Telecom, Dantas contra-tou a empresa estadunidense de espionagem Kroll para in-vestigar a Telecom Itália, com quem pretendia travar uma guerra judicial. A empresa

A safra 2008/2009 irá con-tar com R$ 6 bilhões em cré-dito para investimento em culturas como leite, milho, feijão, arroz, mandioca, tri-go, aves, café, frutas, arroz, ce-bola. Além disso, irá ampliar o número de máquinas e im-plementos agrícolas, além de mais serviços de assistência técnica e extensão rural.

Mançano lembra que a agri-cultura familiar é responsá-vel pela maioria dos alimentos que chegam à mesa dos brasi-leiros. A produção da agricul-tura representa nada menos que 70% dos alimentos pro-duzidos no país, e é respon-sável, por exemplo, por 89% da mandioca, 67% do feijão, 70% dos frangos, 60% dos su-ínos, 56% do leite, 69% da al-face e 75% da cebola produzi-dos no Brasil.

Mais terrasOu seja, como a produtivi-

dade já é alta, “a ampliação do cultivo poderia até levar ao esgotamento da terra, caso não se amplie a quantidade de áreas agricultáveis”, pondera Mançano. Segundo ele, se is-so não ocorrer, os efeitos da iniciativa governamental se-rão minimizados. Ao que tu-do indica, a concentração de terra do país deve permane-cer como está, já que “o que o governo tem feito é reordena-ção fundiária, e não reforma agrária. Tem-se evitado me-xer na estrutura fundiária do país por conta da correlação de forças”, explica.

Na avaliação do deputado federal Adão Pretto (PT/RS), o projeto é muito positivo, “vai ajudar a equipar os agriculto-res, baixar os juros, mas o que me preocupa é que não basta dar incentivos para quem já tem terra. Ele é bom, mas não é sufi ciente”.

Menos jurosO Plano Safra também irá

reduzir as taxas de juros dos fi nanciamentos de custeio,

que fi carão entre 1,5% e 5,5% ao ano. Antes eram de 3% a 5,5 %. As operações de inves-timento também tiveram que-da nos juros, de 2% a 5,5% ao ano para 1% a 5%.

O programa pretende am-pliar ainda a assistência téc-nica e a extensão rural. Os re-cursos para Assistência Téc-nica e Expansão Rural (Ater) passam de R$ 168 milhões, na safra passada, para R$ 397 milhões. Há ainda a meta de,

em dois anos, ampliar de 20 para 30 mil o número de téc-nicos em extensão rural.

Garantia de vendaOutro suporte para o au-

mento da produção e da pro-dutividade da agricultura fa-miliar é o reforço dos instru-mentos de comercialização. A cobertura do Programa de

Garantia de Preços da Agri-cultura Familiar (PGPAF) foi ampliada de 11 para 15 produ-tos, com a inclusão das cultu-ras de pimenta-do-reino, tri-go, cebola e mamona. Tam-bém foram elevados os pre-ços de trigo, arroz, feijão, mi-lho, mandioca e leite, cultu-ras importantes da cesta bá-sica brasileira.

Para Miltom Fornasie-ri, da coordenação nacio-nal do Movimento dos Tra-balhadores Rurais Sem Ter-ra (MST), o programa ofe-rece uma segurança maior aos pequenos produtores ru-rais, “pois eles terão a garan-

tia de que irão vender a pro-dução num valor justo, coi-sa que não acontecia com osprogramas anteriores”. Noentanto, ele acredita que ainiciativa irá benefi ciar ape-nas uma camada peque-na de agricultores de assen-tamentos de reforma agrá-ria. “Aqueles que já estãoem situações mais estrutu-radas terão um incrementona produção”, avalia. Segun-do o coordenador do MST,grande parte das famílias as-sentadas vai fi car sem acessoao recurso por estarem endi-vidadas com Pronaf e outrosfi nanciamentos.

Preços baixosPara Bernardo Mançano, o

endividamento dos assenta-dos ocorre por motivos polí-ticos, já que o que produzemé comprado a “preços muitobaixos”. No entanto, o pro-blema poderia ser resolvidocom o governo garantindo acompra da produção, sendoas dívidas já existentes nego-ciadas. “Cabe agora ao MSTfazer essa proposta ao gover-no”, sugere.

Outra crítica levantada porFornasieri é que o Progra-ma Safra Mais Alimentos es-tá fortalecendo o modelo deprodução existente no Bra-sil, de “mecanização, uso depacotes e insumos de grãos”.De acordo com ele, a gran-de preocupação do MST emrelação ao programa que foilançado é “ele não apontarpara uma mudança de mo-delo de produção, para umaagricultura mais sustentável,agroecológica, num modelodiferente do que está aí ho-je. É justamente esse modeloque tem ocasionado essa fal-ta de alimentos no mundo eno Brasil”, avalia.

“Vai ajudar a equipar os agricultores, baixar os juros, mas o que me preocupa é que não basta dar incentivos para quem já tem terra. Ele é bom, mas não é sufi ciente”, pondera o deputado federal Adão Pretto

Governo lança programa para ampliar produção de alimentos Plano aumenta em 18 milhões de toneladas, mas mantém estrutura fundiária intacta

O esquema desvendado não é, segundo o jornalista Bob Fernandes, “uma investigação que esbarra em maracutaias do ‘mensalão’. É uma devassa que chega a bem antes. E chegará a bem depois. Algo muito maior, muito mais profundo e poderoso”

Benefi ciário das privatizações, DanielDantas é preso pela Polícia FederalCORRUPÇÃO Banqueiro chefi ava quadrilha que cometia crimes fi nanceiros; Celso Pitta e Naji Nahas também estão detidos

2 bilhões de dó-lares foram movimentados por fundo de Dantas nas Ilhas Cayman

Quanto

também espionou membros do governo federal, prefeitu-ras do PT e altos funcionários do Judiciário.

Duas quadrilhasDantas e Nahas, segundo a

PF, chefi avam duas quadri-lhas que se associavam pa-ra cometer crimes fi nancei-ros internacionais. Nahas, que, em 1989, foi responsá-

vel por quebrar a Bolsa de Va-lores do Rio de Janeiro, é acu-sado de liderar um bando que praticava crimes contra o sis-tema fi nanceiro internacional, com base numa rede de con-tatos que lhe propiciava in-formações privilegiadas. A PF suspeita que Nahas tinha até fontes dentro do Federal Re-serve (Fed), o Banco Central estadunidense. Com essas in-

formações, orientava doleiros – também presos pela opera-ção – para que comprassem ou vendessem a moeda esta-dunidense, de acordo com as medidas do Fed.

Por sua vez, o dono do Opportunity mantém uma offshore no conhecido paraí-so fi scal das Ilhas Cayman, chamado Opportunity Fund. Durante 12 anos, 2 bilhões de dólares foram movimen-tados pelo fundo de Dan-tas. Lá os investidores têm sigilo, apenas o nome de di-retores da offshore são co-nhecidos. São eles, o próprio Dantas, sua irmã, também presa, e Pérsio Arida, ex-pre-sidente do BC e do BNDES na gestão FHC.

As principais informações

que conduziram as investiga-ções da PF estavam contidas num HD apreendido durante as investigações do chamado caso do “mensalão”, em 2005, quando a operação Satiagraha já tinha sido iniciada.

Segundo o jornalista Bob Fernandes, do Terra Maga-zine, que acompanha a traje-tória de Dantas desde o perí-odo das privatizações, alguns “informados e desinformados já excitam-se com a ‘volta do mensalão’”, mas o esquema desvendado não “é uma inves-tigação que esbarra em mara-cutaias do ‘mensalão’. É uma devassa que chega a bem an-tes. E chegará a bem depois. Algo muito maior, muito mais profundo e poderoso do que o mensalão. Que viceja, brota

gloriosamente em meio à pri-vatização do sistema Telebrás, embora pensado antes ainda”, relatou. Ciente de sua prisão iminente, em função de ter fontes do governo que lhe in-formavam o rumo das investi-gações, o banqueiro chegou a oferecer um suborno de 1 mi-lhão de dólares para se livrar da prisão, segundo o Ministé-rio Público Federal.

Segundo apuração dos jor-nalistas Bob Fernandes eSamuel Possebon, tambémdo Terra Magazine, Dantascontrola um conglomeradodas empresas que foram osalvos da investigação da PF.“É um personagem que agenas sombras. Poucos são osdocumentos que contam coma assinatura do banqueiro e,constatou a PF na investiga-ção, de tudo ele fez e faz pa-ra não deixar rastros, mes-mo na miríade de estruturas– ao menos 151 detectadas –ligadas ao enorme polvo”, dizuma passagem da matéria “Oinferno de Dantas”.

HistóricoA relação de Dantas com

políticos se deu por inter-médio do banqueiro MárioHenrique Simonsen, que lheapresentou Antonio CarlosMagalhães. Em 1996, criouo banco Opportunity. Após aprivatização do sistema Tele-bras, Dantas, como sócio mi-noritário da Brasil Telecom,passou a ser o gestor da com-panhia, o que gerou estra-nheza entre outros acionis-tas. O banqueiro também foialvo de investigações sobrefavorecimento no leilão dosistema de telefonia.

Doleiro preso é conduzido pela Polícia Federal durante a operação Satiagraha; também foram presos Celso Pitta, Daniel Dantas e Naji Nahas

A ministra Dilma Rousseff, o vice-presidentre José Alencar e Lula

Roosewelt Pinheiro-ABr

Danilo Verpa/Folha Imagem

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de 10 a 16 de julho de 20086

brasil

Luta necessáriaNos períodos de maior avan-

ço das lutas dos trabalhadores e dos movimentos sociais po-pulares, como no fi nal dos anos de 1970, o Brasil chegou a re-gistrar duas mil greves por ano, na maioria das categorias pro-fi ssionais. Em 2007, segundo o Dieese, foram realizadas 316 greves, sendo 149 em empresas privadas, 161 no setor público e seis envolvendo trabalhadores públicos e privados. A mobili-zação depende muito de lide-ranças combativas.

Anti-trabalhadorSubmetida ao Congresso Nacio-

nal, a Convenção 158 da Organi-zação Internacional do Trabalho, que proíbe a demissão imotivada, foi rejeitada pela Comissão de Re-lações Exteriores da Câmara dos Deputados. O mais estranho é que a bancada governista não compareceu à votação, embora a proposta seja benéfi ca aos trabalhadores. Na ver-dade, o governo poderia ter ratifi -cado a convenção, mas não o fez até agora. Por que será?

Oposição atuanteA aguerrida oposição metalúrgi-

ca de São Paulo, que entrou para a história com as primeiras greves de 1978, em plena ditadura militar, está organizando encontros e materiais para fazer o registro dos 30 anos de lutas da categoria, em vídeo, cader-nos e livros. É o resgate da memória de quem não se acomodou e nem se rendeu – continua na luta por trans-formações sociais.

Controle socialInternautas e defensores da inter-

net como espaço de liberdade, de-mocracia e interação social e cultural estão fazendo campanha contra o projeto do senador Eduardo Azere-do (PSDB/MG), que quer bloquear e reduzir o avanço das redes com conexões abertas. De acordo com os entendidos no assunto, o projeto ameaça a diversidade na rede, es-tabelece a vigilância e criminaliza a criatividade dos internautas.

Brasil ocupadoO Boletim Dataluta, do Núcleo

de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária (Nera), da Unesp de Presidente Prudente, costuma veicular excelente material sobre a luta pela terra no Brasil. Na edi-ção de junho, apresenta a análise e o mapa das ocupações de 1988 a 2007. É só pedir no endereço www.fct.unesp.br/nera para receber o boletim mensalmente.

Banqueiro preso?A prisão do ex-banqueiro Salvatore

Cacciola, em Mônaco, e a sua extra-dição para o Brasil colocam alguns desafi os para as autoridades brasilei-ras. Um deles será a Justiça obrigar o fugitivo a cumprir, aqui, a pena de 13 anos de cadeia. O outro é desven-dar, de uma vez por todas, qual foi o envolvimento da antiga diretoria do Banco Central no golpe dado pelo ex-banqueiro. Será exigir demais?

Salada eleitoralJuízes eleitorais de São Paulo con-

denaram jornais e revistas que pu-blicaram entrevistas com pré-can-didatos a prefeito. Excesso de zelo e censura ao trabalho jornalístico. Por que não agem com igual rigidez para impedir as candidaturas de políticos envolvidos em processos penais, crimes de corrupção e prati-cam abuso econômico para enganar os eleitores?

Preferido midiáticoNo afã de bajular o presidente di-

reitista da Colômbia, Álvaro Uribe, a imprensa empresarial brasileira insiste em destacar – repetidamen-te, no rádio e na TV – que ele seria eleito para um terceiro mandato em 2010, com o apoio de mais de 70% da população. Os veículos desconsi-deram apenas um detalhe: o fato de a Constituição daquele país, assim como a brasileira, proibir uma nova reeleição. Lá, na visão da direita, não é golpe!

Avanço popularEncerrado no dia 5 de julho, em

Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, o 8º Encontro Latino-americano e Ca-ribenho das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) assumiu, entre ou-tros compromissos, o de “reforçar as lutas ligadas aos movimentos sociais, à economia solidária, à ecologia, à nova cidadania e ao compromisso político, não isoladamente, mas em redes”. Participaram representantes de 12 países, inclusive do Brasil.

fatos em focoHamilton Octavio de Souza

ORGANIZAÇÃO

Comuna da Terra celebra a construção de 61 moradias

Eduardo Sales de Limaenviado a Franco da Rocha (SP)

GRACÍOLA BARBOSA iniciou uma peregrinação com sua famí-lia a partir de 2001. Ela queria mo-radia e terra para produzir. Sua lu-ta valeu a pena, pois ela, seu mari-do e mais quatro fi lhos, que roda-vam por acampamentos de traba-lhadores sem-terra no Vale do Pa-raíba e em Campinas (SP), foram escolhidos para integrar a Comu-na da Terra Dom Tomás Balduíno. Hoje são cinco fi lhos. “Esse aqui é fi lho do assentamento”, diz a mu-lher, mostrando uma tímida crian-ça que tenta se esconder atrás de suas pernas.

Outro caminho foi o de Wiliam Alves Santos, de 51 anos, que, de Franco da Rocha (SP), veio parar na Comuna Dom Tomás. “Me jo-garam para fora da minha casa”, conta. Ele não conseguia pagar o aluguel de um cortiço que, segun-do ele, não se diferenciava muito de uma favela. Sua história tomou outra direção quando o Movimen-to dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) iniciou um trabalho de base ao lado do cortiço. Ingres-sou na ocupação da Comuna da Terra Irmã Alberta, em 2001, com sua esposa e mais quatro fi lhos. De-pois de alguns anos, foi transferido para a Comuna Dom Tomás.

No dia 5, 61 casas construídas em processo de mutirão foram inauguradas no assentamento. A celebração teve a participação de todas as famílias, inclusive as de Wiliam e de Gracíola. Dentre as outras acomodações do local, se destaca o Espaço Comunal Patati-va do Assaré, no qual aconteceram apresentações musicais de Pereira da Viola e Pedro Munhos na festa de inauguração.

Ao todo, o projeto recebeu R$ 1 milhão em investimentos que con-taram com a participação do Insti-tuto Nacional de Colonização e Re-forma Agrária (Incra), do MST, da Associação Fraternidade Povo da Rua e da Caixa Econômica Federal.

Outra organizaçãoAs Comunas da Terra são as-

sentamentos próximos a grandes centros urbanos que têm um no-vo padrão de divisão interna, com casas de qualidade para os assen-tados, oportunidade de estudos para todos e benefi ciamento dos produtos no próprio assentamen-to – todos originados a partir da agroecologia.

Gilmar Mauro, integrante da co-ordenação nacional do MST, desta-ca a importância da forma de orga-nização produtiva da comunidade, que terá esse espaço de 619 hecta-res. “Metade do assentamento vai ser de preservação ambiental e me-tade de produção agroecológica, além dos espaços de construção de sociabilidade, onde o lúdico tam-bém terá lugar”, conta. Para ele, a

de Franco da Rocha (SP)

Todas as 61 casas da Comu-na da Terra Dom Tomás Balduí-no impressionam pelo espaço in-terno, com o pé direito que media mais de 2,5 metros. Pelo menos quatro casas visitadas pela repor-tagem tinham projetos arquitetô-nicos diferentes. Algumas clássi-cas, com o telhado em forma de “V”, outras tendo-o em forma de abóboda. “A gente procura provar que a partir de recursos públicos e do reconhecimento de uma dí-vida social, que é histórica do Es-tado brasileiro com o povo traba-lhador, é possível que se faça uma casa que seja de altíssima qualida-de e com todo o processo pensado coletivamente”, afi rma a arquite-

Jorge Américode São Paulo (SP)

Recentemente, a Educação e Ci-dadania de Afro-descendentes e Carentes (Educafro), rede de cur-sinhos pré-vestibulares comunitá-rios, completou 10 anos de atua-ção em São Paulo. Suas atividades têm se concentrado na luta contra o racismo e a concentração de ren-da e na defesa dos direitos huma-nos e por acesso do povo pobre e de negros a universidades. Diante da atual conjuntura política e social, faz-se necessário haver uma pro-funda refl exão sobre novos rumos a serem tomados. Para tanto, os co-ordenadores dos núcleos de cursi-nhos pré-vestibulares e da sede na-cional estarão reunidos nos próxi-mos dias 12 e 13, em Guararema (SP), na Escola Nacional Florestan Fernandes.

Douglas Belchior, que é da Coor-denação Nacional da Educafro, de-fende a participação coletiva nos processos de decisão como uma maneira de fortalecer a militância. “Nosso movimento Educafro, em

especial nestes últimos dois anos, tem se apresentado como mais um espaço de resistência, cuja tarefa principal consiste em agregar o po-vo que tem em comum o sofrimen-to, a pobreza e, acima de tudo, o so-nho de fazer do Brasil patrimônio coletivo dos povos que o construiu. Por isso a importância cada vez maior de nos unirmos internamen-te e buscarmos alianças com outros movimentos de esquerda, como o MST, que se destacam na luta con-tra a injustiça social. Além disso, acreditamos que a questão étnica é mais uma das dimensões da luta de classes no Brasil”, observa.

O advogado Cleyton Borges, especialista em políticas públi-cas e que integra a organização do evento, aponta que algumas das conquistas obtidas pela Edu-cafro têm sido direcionadas pa-ra a valorização da militância in-terna, nos núcleos de pré-vestibu-lar e nas universidades. “A idéia tem sido potencializar os partici-pantes – jovens, negras, negros e pobres – como lideranças comu-nitárias e multiplicadores na sua base, levando para a comunidade

e, principalmente, para as escolas públicas as bandeiras que defen-demos”, afi rma.

A Educafro surgiu com uma pro-posta de articular uma rede de cur-sinhos pré-vestibulares comunitá-rios. O principal objetivo era habili-tar jovens negros e carentes para o ingresso no ensino superior. A pro-posta foi tão bem aceita nas comu-nidades que o projeto se expandiu e hoje está presente em cinco Esta-dos. No decorrer desse processo, a Educafro foi assumindo outras res-ponsabilidades e se fortalecendo como entidade do movimento so-cial. Heber Fagundes, coordenador administrativo, destaca como prin-cipal mudança “a reafi rmação co-mo movimento de luta concreta do povo negro e pobre da periferia”.

“A intensifi cação da participa-ção da Educafro nas lutas do movi-mento social pôde ser percebida no dia 13 de maio, quando centenas de militantes ocuparam o saguão do aeroporto de Congonhas, em São Paulo (SP), em manifestação con-tra os ‘120 Anos da Abolição Incon-clusa’”, lembra Fagundes. Outro momento importante foi o apoio à

Via Campesina na ocupação do es-critório da Votorantim, no Centro de São Paulo. O ato foi duramente reprimido pela Tropa de Choque da Polícia Militar, mas teve repercus-são nacional e denunciou os crimes cometidos pelos grandes capitalis-tas, como Antônio Ermírio de Mo-raes, na produção de energia elétri-ca e combustíveis.

Tradicionalmente, a Educafro sempre priorizou os encontros com as lideranças regionais. Douglas Belchior destaca que o retiro de co-ordenadores deste ano terá três im-portantes eixos: organização inter-na, formação política e debate so-bre a concepção de “movimento”, tendo como meta a continuidade da valorização dos núcleos de base e a construção de uma nova disci-plina militante. Segundo Belchior, pretende-se com isso criar espaços permanentes para estudos e apro-fundamento sobre a realidade bra-sileira. Ainda estão previstas ati-vidades culturais e momentos de confraternização, visto que o espa-ço da escola Florestan Fernandes concentra, simultaneamente, ativi-dades de diversos grupos.

Educafro realiza encontro de núcleos de baseCoordenadores dos núcleos de cursinhos pré-vestibulares estarão reunidos nos dias 12 e 13

ta Beatriz Bezerra Tone, integran-te do coletivo de arquitetos Usi-na, que assessorou as famílias na construção das casas.

As obras começaram há 22 me-ses. O processo de construção foi diferente daqueles em que, de costume, se observam nas gran-des cidades. “As duas formas mais clássicas de provisão habitacional das classes mais pobres que exis-te no país são basicamente duas. Uma, através dos grandes conjun-tos habitacionais, feitos por em-preiteiras, padronizados; são as tais ‘caixinhas de fósforo’. E a ou-tra é a auto-construção na favela, no loteamento irregular”, explica a arquiteta. Ela lembra que, antes da participação de profi ssionais, um grupo de estudantes de arqui-tetura da USP discutiu a constru-

ção das casas. No entanto, para a obtenção do investimento do go-verno federal, era exigida a parti-cipação de arquitetos.

Ela lembra que, quando se fala da gestão de recursos, “as pesso-as logo pensam em mutirão”, mas a economia, de fato, está na nego-ciação feita em bloco. Wiliam Al-ves Santos, assentado na Comu-na, reforça que, além de o mate-rial ser mais barato quando nego-ciado em bloco, os assentados da Dom Tomás, que não conheciam nada de construção civil, foram capacitados ao grau de pedreiros. “Aprendemos muito com eles, in-clusive em relação ao tratamen-to de esgoto”, afi rma. Sobre o re-sultado da construção de sua casa, está satisfeito: “Está pronta, está beleza”. (ESL)

Comuna da Terra funciona como “um contraponto à lógica de orga-nização societária do individualis-mo burguês”.

Segundo o monge Marcelo Bar-ros, também presente na festa de inauguração, uma vitória como es-sa revela que “bastava a sociedade abrir os olhos e constatar que es-sa era uma fazenda improdutiva da União; e que, após a ocupação das famílias, se transformou em um lu-gar bonito, de vida, de comunhão”.

Lúmpen de lutaGilmar Mauro ressalta que a

inauguração foi carregada de um simbolismo muito forte, e que o as-sentamento provoca, até mesmo, uma parte da esquerda. “Se trata-vam de povo de rua e que a esquer-da, geralmente, caracteriza como ‘lumpensinato’”, salienta.

Irmã Alberta, que dá nome a ou-

tra Comuna, próxima à “Dom To-más”, lembra que a socialização das famílias assentadas passará para além da conquista da mora-dia e da terra. “Quando você tra-balha com moradores de rua, per-cebe como a rua desmorona a per-sonalidade da pessoa, desequili-bra, muda o rumo. Para eles che-garem a um rumo, precisa muito tempo. Eles se uniram e, em mu-tirão, construíram. Com pouco di-nheiro, se dividiram em grupo, es-tudaram o que desejavam e cons-truíram; isso é que o belo”, lembra Irmã Alberta.

Gigante com pés de barroDom Tomás Balduíno, presen-

te na celebração, lembra que os ex-sem-teto, hoje assentados, são exemplos de resistência popu-lar: “Viram de perto a violência de uma tropa de choque investindo

contra famílias desarmadas, com crianças, idosos” e emenda que eles “são um exemplo de como en-carar esse gigante, mostrando que ele tem pés de barro, tem brechas por onde pode penetrar a peque-nez do povo”, afi rma o bispo emé-rito de Goiás e um dos fundado-res da Comissão Pastoral da Ter-ra (CPT) e do Conselho Indigenis-ta Missionário (CIMI).

Wiliam já pensa no processo de produção e renda no qual estará inserido. “Coletivamente, esta-mos pensando em trabalhar com cabras para a produção de leite e queijo, uva e mel”. Mas há mui-to que ser trabalhado no assen-tamento. Falta luz na via princi-pal da Comuna. E Gracíola, por exemplo, afi rma que não está completamente satisfeita. Ela re-clama que a laje de sua casa preci-sa ser concluída.

ESQUERDA Assentamento funciona como contraponto à lógica do individualismo

Projeto pensado coletivamenteRespeito à individualidade marca a construção das casas inauguradas

Dom Tomás Balduíno e uma das casas construídas em mutirão: resistência popular

Douglas Mansur/Novo Movimento

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brasil

Governo aceita abrir negociação, e osprofessores encerram greve em SP

SINDICATO

Michelle Amaralda Redação

Funcionários dos Correios fazem greve nacional em pro-testo à política administrativa tomada pela direção da Em-presa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT). A catego-ria reivindica o cumprimento do termo de compromisso que prevê o pagamento do adicio-nal de risco aos carteiros, no percentual de 30% do salá-rio de cada trabalhador, a im-plantação do Plano de Cargos, Carreira e Salários (PCCS) e o pagamento justo da partici-pação nos lucros e resultados (PLR) 2007. Segundo a Fede-ração Nacional dos Trabalha-dores em Empresas de Cor-reios, Telégrafos e Similares (Fentect), a paralisação, que começou no dia 1º, atinge 24 Estados, além do Distrito Fe-deral.

Firmado em 20 de novem-bro de 2007, o termo de com-promisso foi assinado no Mi-nistério das Comunicações, com anuência do ministro da pasta, Hélio Costa, e do presi-dente da República, Luiz Iná-

Michelle Amaralda Redação

DEPOIS DE três semanas, a greve dos professores da re-de pública de São Paulo foi suspensa. No dia 4, foi fei-to um acordo entre o Sindi-cato dos Professores do En-sino Ofi cial do Estado de São Paulo (Apeoesp) e a Secreta-ria de Educação, em audiência de conciliação promovida pe-lo Tribunal Regional do Tra-balho e a Procuradoria Geral do Estado. A interrupção da paralisação foi fi rmada, em termo assinado por ambas as partes, diante do compromis-so do governo estadual de pa-gar os dias parados aos pro-fessores e instituir um calen-dário de reposição de aulas; além de abrir um processo de negociação sobre questão sa-larial, o cumprimento da data-base, a revogação do Decreto nº 53.037 e da Lei nº 1.041 e sobre os demais itens da pau-ta de reivindicações apresen-tada pelos docentes ao Gover-no em janeiro.

A Procuradoria Geral se comprometeu a encaminhar ao governador José Serra (PSDB) a proposta da Apeoesp até o dia 8 e comunicar o sindica-to até o dia 10. Caso esse prazo não seja cumprido, a categoria retomará a greve, conforme informou a presidente do sin-dicato, Maria Izabel Azevedo Noronha. Ela avalia como po-sitiva a intervenção do TRT: “Sem a ação do Tribunal, não chegaríamos a um acordo, já que nem o governo nem a Se-cretaria haviam se manifes-tado até o momento”. A pro-fessora afi rma acreditar que, com o compromisso fi rmado, a negociação seguirá favorável aos professores.

De acordo com Maria Iza-bel, a decisão pela suspensão do estado de greve foi unâni-me. “Quem esteve presente pôde perceber e ouviu o voto de todos os professores”, diz.

Liminar judicialA assembléia-geral da ca-

tegoria, que aconteceria na

cio Lula da Silva, e pelo presi-dente da ECT, Carlos Henri-que Custódio.

A Fentect, em nota, afi rma que nenhum dos itens do ter-mo foi cumprido, e o prazo es-tipulado, 30 de junho, desres-peitado pela empresa. Segun-do a Federação, essa situação “não deixou outra opção à ca-tegoria, se não partir para o enfrentamento com o presi-dente da ECT”.

ArbitráriaO secretário-geral da Fen-

tect, Manoel Cantoara, expli-ca que “lamentavelmente a direção dos Correios impôs, sem nenhuma negociação”, um Plano de Cargos, Carrei-ras e Salários não condizen-te com o reivindicado pela ca-tegoria. E acrescenta que, no termo, há cláusula de previsão de acordo coletivo, garantindo que haveria uma negociação no PCCS. “Só que a direção da empresa impôs goela abai-xo, unilateralmente, de forma autoritária, sem querer discu-tir conosco”, acrescenta.

Cantoara afi rma que a apli-cação do PCCS ocorreu de forma desigual. “Para os ní-

veis superiores, mantiveram o consílio regrado do PCCS 95, já para os níveis inferiores, re-ge o PCCS 2008, no qual re-gram apenas métodos e cri-térios da gestão pública de ferramentas administrativas, com critérios completamen-te nocivos aos interesses dos trabalhadores de todo o Bra-sil”. O PCCS 2008 prevê ban-co de horas, demissão justifi -cada por duas avaliações de

desempenho e implanta a teo-ria de cargo amplo. “É um Pla-no de Cargos, Carreiras e Sa-lários que a diretoria dos Cor-reios está aplicando e não dis-cutiu de forma alguma com os trabalhadores”, protesta.

PromessasEm relação às outras reivin-

dicações da categoria, o secre-tário-geral da Fentect comenta que, no início de abril, os fun-

Funcionários dos Correios param por tempo indeterminadoTrabalhadores dizem que a direção da estatal privilegia funcionários com cargos mais elevados

cionários dos Correios fi zeram uma greve nacional cobran-do o pagamento do adicio-nal de risco aos carteiros, de 30%, e da PLR 2007. Porém a greve foi suspensa no dia 3, após a assinatura de uma pro-posta de impedimento pelo governo federal e pela ECT.

“Suspendemos a greve em abril e, quando foi agora, eles [diretoria da ECT] quiseram aplicar o valor de R$ 260 line-ar para todos os trabalhadores (referente ao adicional de risco aos carteiros), sem nenhuma discussão conosco. E um outro elemento sobre o qual a em-presa nunca nos deu resposta foi o pagamento da PLR – en-quanto uma minoria, nos altos escalões, recebeu R$ 40 mil, a grande maioria recebeu de R$ 200 a R$ 400”, protesta.

ConciliaçãoNo dia 7, o Tribunal Supe-

rior do Trabalho (TST) con-vocou representantes da Fen-tect e da ECT para uma audi-ência de conciliação, presidi-da pelo ministro Rider de Bri-to. O juiz propôs intermediar as negociações durante este mês, contanto que os traba-lhadores suspendessem a pa-ralisação. Para tal, a Fentect pediu que os dias parados fos-sem pagos pela empresa a to-dos os funcionários, bem co-mo a suspensão da implemen-tação do PCCS, com retomada de negociações, pagamento do adicional de risco de 30% e re-visão da PLR.

De acordo com o secretá-rio-geral da entidade, Mano-el Cantoara, não houve acor-do. “Não conseguimos chegar a um acordo com a direção da empresa, porque ela colocou claramente que o que tinha

EDUCAÇÃO Em audiência no Tribunal Regional do Trabalho, Secretaria de Educação concordou em pagar os dias parados

avenida Paulista – no vão li-vre do Museu de Arte de São Paulo(Masp) – também no dia 4 (e que acabou aceitando o acordo com o Governo) te-ve de ser realizada na praça da República, devido a uma limi-nar judicial obtida pela Pro-motoria de Habitação e Urba-nismo. Caso fosse descumpri-da, a decisão previa uma mul-ta de R$ 500 mil ao sindicato. Conforme a liminar, as con-centrações não deveriam ser realizadas em vias públicas, mas em praças, sob orienta-ção da Companhia de Enge-nharia de Tráfego (CET) e da Polícia Militar (PM).

“Tínhamos que realizar a assembléia, acredito que foi correta a decisão da Apeoesp em realizá-la na praça da Re-pública”, avalia a presidente do sindicato. Contudo, Maria Izabel pondera que a proibi-ção da manifestação na Pau-lista foi por causa do trânsito. “A questão da educação é me-nos importante do que o trân-

sito para o Ministério Públi-co”, lamenta.

Os professores, vindos de todo o Estado, que chegavam ao Masp tiveram que se diri-gir, escoltados pela Polícia Mi-litar, até o local da assembléia. Durante o percurso, os docen-tes protestaram contra a deci-são da justiça, principalmen-te pela presença da polícia em um ato pacífi co como o defen-dido pelo professorado, e con-tra o governo do Estado. “Pro-fessor na rua, Serra, a culpa é sua”, diziam.

No documento, o juiz Maury Ângelo Bottesini, da 31ª Va-ra Cível Central, responsável pelo caso, escreve que “as au-toridades administrativas se mostram pouco à vontade pa-ra executar as operações que lhes toca no exercício do Po-der, coibindo, até mesmo com o emprego de força, qualquer quantidade e no limite neces-sário para impedir a desordem e o abuso do Direito de Greve, de Manifestação em público,

ou da insatisfação pura e sim-ples como a má escolha do em-prego e da profi ssão, como se o restante dos cidadãos tives-sem culpa por isso”.

“Lamentável a forma co-mo fomos tratados, pois os professores sempre se mani-festaram de maneira pacífi -ca. Sempre fi zemos passeatas enormes, sem precisarmos de escolta”, declara a presidente da Apeoesp.

Em decorrência da limi-nar judicial, a professora Ma-ria Izabel declara que as con-tas da Apeoesp e de algumas subsedes foram bloqueadas na tarde do dia 04, data da manifestação, até a manhã do dia 7. “O juiz supôs que o sin-dicato faria a passeata e, en-tão, bloqueou as nossas con-tas. Mas o quadro foi reverti-do, e o sindicato entrou com uma ação judicial por danos morais, porque, mesmo que o bloqueio tenha sido por algu-mas horas, houve prejuízo pa-ra a Apeoesp”, comenta. Cerca

de R$ 500 mil, valor estipula-do na multa, fi caram bloquea-dos no Banco Central.

Dentre os docentes presen-tes na assembléia da catego-ria, a professora Marineide de Brito, que leciona psico-logia e história há 23 anos no Estado, conta que participou, nos últimos 20 anos, de todas as mobilizações de professo-res e disse que é favorável à greve. “Minha motivação pa-ra aderir à paralisação foi a visão do coletivo, defender a educação pública que é a úni-ca que pode ser democrática, na qual o aluno e os pais são ouvidos e podem participar das ações na escola”.

A docente defende uma ma-neira diferente de protesto da que está sendo feita, na qual não se fala da entrega do en-sino público a empresas pri-vadas. Na sua opinião, deve-ria se fazer dois dias ou mais de mobilização, com apoio dos pais e alunos, através de um protesto legal, como uma

manifestação benefi cente, ou aula pública, ou mesmo doa-ção de sangue em massa.

Marineide ressalta que a contratação de eventuais pa-ra a substituição dos professo-res que estão em greve é ilegal, e só poderia ocorrer nos ca-sos de abandono de cargo, o que não é o caso. A professora alerta ainda para o problema de que a contratação dos tem-porários traz para os professo-res grevistas e para as próprias escolas: “Se pôs o eventual, o professor não pode repor a au-la e também não recebe”. Se-gundo ela, com o acordo que a Secretaria de Educação fi r-mou com o sindicato, de pagar os dias parados dos professo-res grevistas e montar um es-quema de reposição, no caso das escolas onde se apostou na aula do eventual, o profes-sor não poderá repetir a mes-ma e fi cará o impasse de como efetuar o seu pagamento.

Risco de demissãoJá a professora Sueli Por-

tela, também presente na as-sembléia, defende a continu-ação da greve: “não fi zemos a paralisação somente para conseguir o pagamento dos dias parados”. Sueli explica que trabalha para o Estado há 29 anos e leciona português há 12, porém foi Admitida em Caráter Temporário (ACT) e, com o novo Decreto nº 53.037, poderá ser demitida. A pro-fessora avalia que houve uma pressão do sindicato na as-sembléia para que os profes-sores aceitassem as condições impostas no acordo feito com a Secretaria e retornassem às salas de aula. Ela explica que o movimento era grande, mas foi se desestimulando, princi-palmente pelo modo como se conduziu a greve, e vários pro-fessores o abandonaram.

Nas assembléias anteriores, dos dias 20 e 27 de junho, es-tiveram presentes cerca de60 mil professores; já na úl-tima assembléia, do dia 4 dejunho, cerca de 20 mil pro-fessores se reuniram na praçada República, conforme da-dos do sindicato.

de ser feito, a ECT já fez e não voltará atrás. Não há negocia-ção com a Empresa, e o gover-no não tem dado resposta al-guma para nós”, declara.

IndeterminadoDessa forma, os funcioná-

rios dos Correios permanece-rão em greve por tempo inde-terminado. Cantoara afi rma que “a greve tem se fortaleci-do”, apesar da “empresa, na quinta-feira (dia 3), ter entra-do com um dissídio coletivo de natureza jurídica para san-cionar a abusividade da greve, junto ao TST, que concedeu a liminar, na sexta-feira (4) pa-ra que a Federação e os sindi-catos mantivessem 50% dos funcionários trabalhando. Se nós não cumprirmos, teremos que pagar uma multa de R$ 30 mil”, diz. Segundo ele, os trabalhadores estão cumprin-do a ordem judicial.

O secretário-geral ressalta que a categoria tem ciência de que “a sociedade está sendo bastante prejudicada”. Mas afi rma que “a responsabili-dade é da direção da empre-sa. Por mais que ela justifi -que que nós tivemos reajuste, que temos plano de saúde ou qualquer coisa desse tipo. Na verdade, eles [diretores] que-rem passar para a sociedade que nós somos trabalhado-res privilegiados na estrutu-ra da cadeia produtiva, quan-do são eles que têm remune-rações singulares, com salá-rios acima da média do mer-cado. A direção da ECT tem uma concepção de gestão pú-blica totalmente voltada para a elite. Nós não concordamos com esse tipo de política da empresa, por isso a greve es-tá aí”, fi naliza.

Protesto dos professores estaduais, realizado no dia 4 de julho, na praça da República, em São Paulo

Trabalhadores permanecerão em greve por tempo indeterminado

Ricardo Nogueira/Folha Imagem

Valter Campanato/ABr

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de 10 a 16 de julho de 20088

nacional

Danilo Darade São Paulo (SP)

DOIS ATOS públicos contra o racismo, a discriminação ra-cial e o assassinato de jovens negros por militares.

1º ato: 7 de julho de 1978, nas escadarias do Teatro Mu-nicipal de São Paulo. Milha-res desafi avam a ditadura pa-ra protestar pela morte de Ro-bson Silveira da Luz nas de-pendências do 44° DP, resul-tado de torturas praticadas por militares e pelas péssimas condições carcerárias no Bra-sil. E denunciar a discrimina-ção sofrida por quatro garotos negros do Clube Tietê, proibi-dos de utilizar a piscina. Lá es-tava sendo criado o Movimen-to Negro Unifi cado (MNU).

2º ato: 7 de julho de 2008, nas mesmas escadarias de um país supostamente rede-mocratizado, com 20 anos da “Constituição Cidadã”.

Hamilton Borges Walê

Mais um jovem com sonhos e um belo futuro abatido em Salva-dor. Dessa vez na comunidade de São Cristóvão, conhecida como Planeta dos Macacos não por aca-so, mas pelo seu contingente po-pulacional negro.

Os negros são mortos como in-setos e, a cada fi nal de semana, as estatísticas parecem que nos de-safi am a alguma ação. Parece que são os números que nos cobram. Temos tabulado tantos corpos que já perdemos as contas.

A mãe de Diego de Jesus Sam-paio, de 17 anos, nos recebeu em sua casa. Reuniu as forças que po-dia e nos pediu justiça, para que lutemos, para que outra mãe não chore como ela.

Atravessamos a cidade em meio a uma chuva torrencial, pouco pre-ocupados com a epidemia de den-gue que nos ameaça tanto quanto a violência, saltamos os buracos e os esgotos a céu aberto, tínhamos que cumprir uma missão quase inútil, dada a gravidade dessa outra epi-demia que nos assola, com farda de polícia e distintivo ofi cial. Ofe-recemo-nos para repercutir, de-nunciar, gritar e articular uma re-ação pela cidade.

Diego foi morto covardemen-te, depois de uma sessão de tor-tura. Foi alvejado várias vezes. O corpo foi conduzido por seu algoz até uma guarnição policial. Seus documentos foram destruídos e, sob a alegação de que ele era ban-dido, foi mandado como indigente ao hospital.

Seu algoz foi blindado pela polí-cia. Comerciante já conhecido por suas ações de vigilante e crimes confessos, dos quais foi liberado pela justiça. Mais uma vez um cri-me motivado pelo ódio racial. Die-go era estudante, tem família, era surfi sta e lutou horas no hospital pela sua vida.

Exigimos do governador que dê respostas a mais uma mãe que se

Um repúdio à tortura segui-da do assassinato de três jo-vens negros entregues a trafi -cantes pelo Exército, no Mor-ro da Providência (RJ); a no-vas agressões de skinheads contra rapaz negro em SP; à crescente perseguição, em to-do Brasil, de templos e prati-cantes das religiões de matriz Africana, agredidos por seto-res evangélicos reacionários; à campanha contra as cotas pa-ra negros, articulada por seto-res elitistas e pela grande mí-dia, contrária a qualquer re-paração; enfi m, um repúdio também aos freqüentes ata-ques de grileiros, especulado-res e empresas trans e nacio-nais às conquistas de direitos por quilombolas.

Hoje e aqui, a despeito de saltar aos olhos que muito pouco mudou na vida de ne-gras e negros no Brasil, ao me-nos um motivo para realmen-te comemorar: a persistência radical de 30 anos do MNU.

A persistência do racismo e da luta HISTÓRIA Movimento Negro Unifi cado completa 30 anos e faz balanço do atual estágio da democracia brasileira

debruça sobre o cadáver de seu fi -lho adolescente e refl ita sobre os sete pecados que têm sido cometi-dos pelo seu governo no trato com a segurança pública:

1- A Ira da polícia nos bairros populares de maioria negra. A cri-minalização de populações intei-ras submetidas a constrangimen-tos, atos de violência, desrespeito e morte. Nada sugere uma suspen-são dos atos arbitrários. Os fatos dão prova de que tudo vai piorar.

2- A Soberba dos governantes que não dialogam com a popula-ção e apresentam planos mirabo-lantes para nossa segurança sem nos consultar. Como o Progra-ma Nacional de Segurança Públi-ca com Cidadania, que, para nós, não passa de um Data Show que investe mais recursos em repres-são do que em prevenção e tem ti-do o efeito de calar a boca de mui-ta gente que poderia se pronun-ciar ante essa guerra que ceifa nossas vidas.

3- A Avareza que impede mui-tas ONGs de se pronunciarem pa-ra não perder os vultosos recursos que se oferecem a cada cadáver que tomba de nosso lado da ponte. São os projetos para carentes e os intermináveis debates, seminários e encontros que se promovem em hotéis de luxo, onde se pratica...

4- ... a Gula: conversam muito e vão para os coquetéis com todo lu-xo e pompa, deixando muita gen-te boa empanturrada e satisfeita, sentindo-se importante porque, de tempos em tempos, alguém vai pa-ra a televisão dizer que os negros estão fazendo algum progresso num governo democrático e popu-lar, maquiando cinicamente os da-dos de nossa desgraça cotidiana.

5- Luxúria: “Lúdico, Lúgubre e Luxurioso”. Segundo o jornalis-ta Dr. Fernando Conceição, estes são os três “Ls” que nos etique-tam. Assim somos vistos pela eli-te tacanha e neocolonialista bra-sileira. Como lúdicos, divertidos, que podem elevar as divisas e ar-recadações cantando, dançando

e até celebrando o turismo étnico baiano. Somos todos coletivamen-te “Lúgubres”, monstruosamente perigosos, insanamente bárbaros e nos matamos enquanto nos em-briagamos nas favelas. E somos “Luxuriosos” porque sexualmen-te desregrados, com bundas ofere-cidas às fantasias de europeus ávi-dos por sexo.

6- A Vaidade tem sido a tônica, o motor e a marca da segurança, que em nada mudou nessa nova gestão. Mantém os mesmos qua-dros da polícia, muitos envolvidos com a tortura e a violência, citados em CPIs. Mais fortes em seus car-gos de comando, enviando praças e agentes para fazer o trabalho su-jo, reproduzindo a lógica escravo-crata de nos matar para ter status com o senhor. É um Narciso que se acha belo, mas com a mesma imagem de 16 anos atrás. É o que pensamos e vivemos nas vilas, fa-velas e presídios. Nada mudou.

7- Preguiça é o mal que tem afe-tado muita gente boa que lutou ao nosso lado. Pessoas em quem apostamos nossas esperanças e agora se calam entre os senhores da Corte, assistindo ao extermínio de seu próprio povo; ou mesmo co-vardia, que não é exatamente um pecado capital cunhado no Vatica-no, mas merece pena.

E, por fi m, o Silêncio que nos ronda já faz tempo, e é perigoso para um projeto do ponto de vista dos negros para o Brasil.

A Mãe de Diego pede justiça e nós nos apresentamos com o que temos. A alma de Diego se junta às almas de Edvandro Pereira, Clodo-aldo Souza, Aurina, Djair, Ricardo e tantos outros tombados na guer-ra injusta.

Hoje, 3 de maio de 2008, às 16h, nós o sepultaremos e seu corpo se-rá coberto por lágrimas e esperan-ça. É tudo que nos resta, por ora.

Hamilton B. Walê é militante/poeta do MNU-BA e da campanha “Reaja ou será mort@!”, contra a violência policial dirigida a negros na Bahia.

Os sete pecados capitais na Segurança Pública da Bahia

Movimento Negro Unifi cado: 30 anos de resistência

Arquivo MNU

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Reginaldo Bispo

No rol das muitas comemorações de datas históricas em 2008, desta-cam-se os 200 anos da chegada da fa-mília real no Brasil, em março; os 120 anos da abolição da escravatura, em maio; e um fato histórico contempo-râneo: os 30 anos do MNU, no dia 7.

A chegada da família real marca a fundação do Estado brasileiro e a in-trodução, aqui, dos elementos da cul-tura clássica européia: o luxo, a osten-tação, além do acirramento da explo-ração escravista. O processo da abo-lição não se deveu à boa vontade da família de D. João, dos Pedros I e II, tampouco de Dona Isabel. Ao contrá-rio, a família real foi a responsável por seu atraso, pois, além de proprie-tários, fi nanciavam o comércio escra-vista, fazendo do Brasil o último país a abolir a escravidão.

A lei sexagenária liberou os pro-prietários de arcarem com os custos de assistência ao negro que conse-guisse sobreviver a seus maus tratos e a sua fúria animalesca. Um negro que sobrevivesse à violência desse trata-mento, após os 60, era incapaz de so-breviver por meios próprios. Era li-bertado, pois, para morrer à míngua, liberando o patrão do ônus.

A lei do ventre-livre, de 1871, outra farsa, ou colocava sob a tutela do Es-tado a criança nascida livre, ou deixa-va-a sob o mando do escravista, pro-prietário da mãe, que a explorava até os 18 anos. A “Abolição”, de 13 de maio de 1888, foi resultado de pres-sões internacionais – principalmente da Inglaterra, para escoar o exceden-te da sua produção industrial – e das várias revoltas populares e negras no território brasileiro, as quais, após a guerra do Paraguai e a vitória dos ne-gros contra os escravocratas france-ses no Haiti, tornaram-se um pesade-lo para as elites escravistas.

Nestes 120 anos, pouco mudou nas relações sócio-econômico-culturais no Brasil. Os grilhões foram substi-tuídos por um instrumento ideológico muito mais efi ciente: o racismo! Atra-vés de mecanismos econômicos, cul-turais, institucionais e legais, impõem os espaços que são permitidos aos ne-gros, preservando os melhores para os brancos. Os castigos corporais foram substituídos por perseguição, prisões e a eliminação física de jovens negros por órgãos de segurança dos governos e da polícia em todo o país.

O racismo segregou os espaços de moradia, educação e consumo, através da monopolização dos me-lhores trabalhos e salários pelos eu-ro-descendentes.

Na sociedade e política, o prestígio e os privilégios advêm da capacidade individual ou coletiva de possuir al-gum poder econômico, ou ter padri-nhos, o que não foi permitido aos ne-gros nesses 120 anos.

O MNU surgiu em 7 de julho de 1978, com ato público em frente ao Teatro Municipal de São Paulo, pro-testando contra manifestações de ra-cismo: o assassinato de Robson Sil-veira da Luz, por policiais, dentro do DP de Guaianazes, e a segregação de atletas negros do Clube de Regatas Tietê, também paulista, por diretores que os impediam de entrar na pisci-na do clube.

O 7 de julho foi um marco e dia de glória para os negros de São Paulo e do Brasil. Em plena ditadura, milha-res de negros desafi am a repressão e vão para a praça gritar em uníssono o que estava engasgado na garganta de todo um povo, desde a ilegalida-de da Frente Negra, em 1937, pelo Es-tado Novo; e do golpe militar que ca-lou o Teatro Experimental do Negro, de Abdias do Nascimento, em 1964: “Não toleraremos mais o racismo e os racistas! De agora em diante, os racis-tas não dormirão mais em paz! Esta-remos organizados e vigilantes na lu-ta contra o racismo!” E assim tem si-do nesses 30 anos. Novas organiza-ções surgiram, avanços e conquistas ocorreram, mas praticamente todos beberam e se inspiraram nos Progra-mas de Ação do MNU e nas lutas tra-vadas por nós.

O MNU esteve em manifestações contra o regime de apartheid da Áfri-ca do Sul, pela derrubada da ditadu-ra e eleições livres no Brasil, no Fo-ra Collor, na Construção da CUT e na Constituinte – emplacando o reco-nhecimento das terras quilombolas, inclusão da história do negro nos cur-rículos escolares e o racismo como cri-me inafi ançável.

O MNU foi tema de artigos, teses e livros. E, perseguido por governos di-tos “democráticos”, com detenções (é o caso de Neninho do Obaluaiê que, por sua militância, mofou 14 anos em penitenciária paulista); com de-missões de militantes sindicais (como Milton Barbosa, do Metrô-SP, e Regi-naldo Bispo, da Unicamp) por gover-nos do PSDB/PMDB. Colecionamos nossos mártires: lutadores foram per-seguidos, presos ou mortos pela polí-cia e grupos de extermínio.

Militantes do MNU, em Salvador, vêm recebendo ameaças de mor-te devido à campanha “Reaja ou será mort@!”, articulada pelo movimento junto a outras entidades negras. A re-cente acusação, por parte de um alto funcionário da Secretaria de Seguran-ça, de que o MNU “seria uma organi-zação criminosa” pela campanha que faz contra a matança de jovens negros e por melhores condições aos encar-cerados nas prisões públicas da Bahia – que mais lembram navios negreiros (pela maioria de negros e pelas con-dições desumanas) –, nos dão uma idéia de como os carlistas ainda co-mandam o governo baiano. Será res-ponsabilidade do governo petista de Jaques Wagner se algo vier a ocorrer com aqueles irmãos e irmãs.

Este ano é especial: muitas ma-nifestações serão realizadas em to-do o país. Ao reavivarmos essa his-tória, renovamos nosso compromis-so e disposição para seguir lutando, de forma independente, contra o ra-cismo, em defesa de um Brasil me-lhor, onde negros e negras exerçam seus direitos inalienáveis de liberda-de e cidadania, conscientes e organi-zados, construindo o Congresso Na-cional de Negras e Negros do Bra-sil (Conneb) e o Projeto Político do Povo Negro para o Brasil, inclusi-vo e justo, onde os 50% da popula-ção, nós e nossas futuras gerações, ocupemos os espaços que nos perten-cem de direito. Longa vida ao MNU!

Reginaldo Bispo é coordenador estadual do MNU-SP.

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internacional

ternacionais no México com escritóriosde recrutamento na Universidade Nacio-nal, onde se fez investigações sobre mili-tarização, entre outras coisas. Tudo issofoi “armado” na Universidade Autônomado México (Unam); e rapidamente.

Do meu ponto de vista, isso também es-tava planejado. É como uma espécie dederramamento do Plano Colômbia nãosó ao norte, que, nesse caso, é o México.Mesmo ao sul, com o Paraguai, [os Esta-dos Unidos] querem, com o Plano Colôm-bia, chegar à Tríplice Fronteira (Argenti-na, Brasil e Paraguai) e igualar as organi-zações camponesas paraguaias mais críti-cas e combativas às guerrilhas das Farc.

Se Barack Obama vencer as eleições presidenciais, a essência militarista do governo será a mesma?

Os Estados Unidos saem agora para umprocesso eleitoral em que há a probabili-dade de que se mude da equipe republi-cana para a democrata. Essa não é umamudança muito grande em termos de po-lítica de Estado, mas é sim uma mudançaenfi m, de grupos no poder; e de possibi-lidades de manter esse mesmo matiz tãobelicista da política estadunidense. Por-que mais ou menos assim tem sido a his-tória dos Estados Unidos. A forma maisbruta, mais agressiva sempre se lhes atri-bui ou as elegem aos republicanos. Real-mente, esse grupo é extremo, o que nãoquer dizer que os democratas não a em-balem [a forma bruta]. Mas é uma ma-neira um pouco distinta, um pouco me-nos bruta, menos evidente.

tenta esses organismos internacionais. Há uma concorrência, mas sobretudo uma cumplicidade muito grande em ter-mos de política. O inimigo do capital não é o outro capital; o inimigo do capital é o rebelde, é aquele que tem de ser domina-do e resiste a ser dominado. Esse acordo de nações poderosas, seus projetos, são impostos como se fossem de toda a hu-manidade, indiscutivelmente; quando es-ta nem sequer é consultada.

Por que, nos últimos anos, os Estados Unidos aceleraram o processo de militarização ao redor do mundo, com enfoque atual mais forte, sobretudo, na América Latina?

Não sobretudo. A América é sua ilha, sua fortaleza. Os Estados Unidos cui-dam dela mais do que qualquer outra coi-sa. O que nos têm surpreendido muito é que aqui há relações econômicas e polí-ticas de outro tipo, que estariam deten-do essas regras de domínio no continen-te e, entretanto, é um continente que está sendo militarizado desde mais ou menos 1999, quando começou esse novo cres-cente de instalação de bases militares. Porém, os Estados Unidos estão muito interessados em ingressar na África, por-que é um território menos penetrado re-lativamente, onde China e Índia também estão querendo entrar. Há aí um tabulei-ro um pouco distinto. Os Estados Uni-dos aceleraram e disseram não. “Se es-ses outros países estão se metendo, fala-mos com o Comando Africano dos Esta-dos Unidos (Africom)”, que será dedica-do a supervisionar a África.

Apesar de já haver passado três meses do início da crise diplomática entre Equador, Colômbia e Venezuela, gostaria que você elucidasse o papel do governo estadunidense nesse fato que poderia ter resultado em um confronto bélico regional sem precedentes entre esses países.

Eu coincido com [o presidente vene-zuelano Hugo] Chávez numa aprecia-ção que afere que os Estados Unidos es-tavam querendo instalar uma plataforma tipo Israel, de segundo nível, para criar um sub-centro estratégico no continen-te. Creio que foi isso.

Há muitos dados técnicos que indicam que foi um ataque (às Farc, em território equatoriano) planejado e que não pôde ter sido realizado pelos colombianos que, na observação prévia, anteviram que [a operação] havia sido realizada, pelo me-nos com cooperação da Base de Manta. Imediatamente depois que ocorreram os ataques, algumas pessoas disseram que as Farc tinham escritórios e relações in-

Aos Estados Unidos, não basta controlar a economia, é necessário intimidar

Eduardo Sales de Limaenviado a Guararema (SP)

A ECONOMIA estadunidense vem so-frendo, nos últimos anos, crises em al-guns de seus setores. Como conseqüên-cia, as fi nanças capitalistas globais tam-bém. Dos alimentos, energética, imobiliá-ria: todas essas crises adquiriram contor-nos mundiais e tiveram, em grande parte, infl uência de agentes econômicos dos Es-tados Unidos, como suas transnacionais e especuladores.

Entretanto, esses não são sinais de que o Império esteja em declínio. A socióloga Ana Esther Ceceña, da Universidade Au-tônoma do México (Unam), explica que é preciso distinguir a atual fase do capitalis-mo da infl uência estadunidense no mun-do globalizado. Além do que, tais crises fa-zem parte do caminho rumo ao “progres-so”, dentro do atual sistema econômico.

Para garantir sua soberania econômi-ca e política, o Pentágono, cérebro militar do governo estadunidense, usa cada vez mais a estratégia da “guerra contra o ter-ror”, tentando colocar no mesmo balaio movimentos sociais e terroristas. Dentro do xadrez geopolítico mundial, Ceceña afi rma que a crescente militarização pe-los quatro cantos do mundo enfocará, so-bretudo, a África e a América Latina. Nes-sa última região, segundo ela, o Plano Co-

lômbia está sendo derramado do México ao Paraguai. “Querem, com o Plano Co-lômbia, chegar à Tríplice Fronteira (Ar-gentina, Brasil e Paraguai) e igualar as or-ganizações camponesas paraguaias mais críticas e combativas às guerrilhas das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia)”, enfatiza a socióloga.

Brasil de Fato – A conjuntura global expõe mais uma etapa necessária ao capitalismo ou está se desvelando o declínio do Império?Ana Esther Ceceña – Primeiro, eu fa-ço uma distinção entre o que é hegemo-nia capitalista e o que é hegemonia es-tadunidense dentro do capitalismo. Es-sa etapa não é um problema de crise, mas do progresso capitalista, porque isso não vai resolver os problemas da população. Muitas pessoas não separam esses dois níveis da realidade e afi rmam que a he-gemonia dos Estados Unidos está em de-clínio. Elas dizem “os Estados Unidos es-tão em decadência porque têm um defi -cit na balança comercial devido à crise do dólar”. O que eu exponho é que, para fa-lar da hegemonia dos Estados Unidos, te-mos que, em primeiro lugar, pensar em defi nir o que são os Estados Unidos.

Pelo menos do ponto de vista territo-rial, eu diria que os Estados Unidos são

formados pelo seu território interno, su-as colônias, os três milhões de quilôme-tros quadrados de bases militares in-ternacionais, assim como todos aqueles territórios ocupados por suas empresas transnacionais por todo o mundo, o que seria impossível de calcular. Se elencar-mos tudo isso, temos um Estados Unidos que não é esse da balança comercial, mas uma potência mundializada. Estou falan-do de um sujeito hegemônico, não um pa-ís; desse conglomerado que se forma en-tre os empresários estadunidenses, o de-partamento de Estado e o próprio gover-no; e tendo muito em conta seu contin-gente militar.

Tudo isso junto é um sujeito hegemô-nico, é o núcleo de poder que há no mun-do. Por aí fazemos um balanço de quem é esse sujeito e que potencialidade tem. Se investigarmos o lugar que ocupam to-das as empresas transnacionais dos Esta-dos Unidos, as observamos nas áreas es-tratégicas, que nem sempre são de pon-ta, mas são estratégicas, como o setor das comunicações.

Mas a dependência e a própria concorrência de investimentos asiáticos não têm crescido em relação às transnacionais estadunidenses?

O capital é um capital muito estendido, tanto dos Estados Unidos como dos ou-tros países. Então, evidentemente que há um tipo de relação cruzada. A hegemonia de capitais territoriais nem sempre cor-respondem ao que ocorria em períodos anteriores. Não há ameaça real para os Estados Unidos nesse terreno.

Hoje, organismos como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial são gerenciados por interesses de capitais estadunidenses?

Atualmente, essa hegemonia se expres-sa de várias maneiras. Uma delas é justa-mente que os Estados Unidos têm logra-do uma espécie de acordo de nações po-derosas, um acordo de poderosos tam-bém. E através disso é que vai se impon-do as políticas. Esse acordo é o que sus-

Os Estados Unidos saem agora para um processo eleitoral em que há a probabilidade de que se mude da equipe republicana para a democrata. Essa não é uma mudança muito grande em termos de política de Estado

GEOPOLÍTICA Segundo socióloga, Plano Colômbia se espalha por toda a América Latina e EUA aceleram militarização na África

Pesquisadora titular do Instituto de Investigações Econômicas da Universidade Autônoma do México (Unam), a mexicana Ana Esther Ceceña tam-bém é membro do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (Clacso). Especialista nos temas militarização e imperialismo, coordena o Obser-vatório Latino-americano de Geopolítica e integra a Campanha pela Desmilitarização das Américas (Cada). A socióloga também organizou os livros La tecnología como instrumento de poder e Producci-ón estratégica y hegemonía mundial.

Quem é

Plano Colômbia – Intervenção dos Esta-dos Unidos na Colômbia, com o pretexto de combater o narcotráfi co no continente.

Africom – O Comando Africano dos Esta-dos Unidos é um novo centro de comando unifi cado do Pentágono na África a ser esta-belecido até o fi nal deste ano em algum país do continente. Sua criação foi justifi cada como defesa humanitária na guerra contra o terror. O objetivo real, no entanto, é o con-trole do petróleo da África e de seus meios de exportação, tendo em vista a crescente participação do capital chinês e indiano na região. O que está por vir é o aumento da repressão dos movimentos sociais da região. Companhias petrolíferas tentam ligar gru-pos de resistência a redes terroristas para legitimar tal base militar. Alguns desses gru-pos, situados a partir do delta do rio Níger, na Nigéria, formam um movimento popular que, entre outras bandeiras, defendem re-distribuição dos lucros das petroleiras da região.

Para entender

Do ponto de vista territorial, eu diria que os Estados Unidos são formados pelo seu território interno, suas colônias, os três milhões de quilômetros quadrados de bases militares internacionais, assim como todos aqueles territórios ocupados por suas empresas transnacionais por todo o mundo, o que seria impossível de calcular

Eu coincido com Chávez numa apreciação que afere que os Estados Unidos estavam querendo instalar uma plataforma tipo Israel, de segundo nível, para criar um sub-centro estratégico no continente

Militar estadu-nidense realiza ma-nobra em vôo sobre o Pacífi co, perto da

costa do Equador

Leon

ardo

Mel

gare

jo

U.S. Air Force/Master Sgt. Efrain Gonzalez

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de 10 a 16 de julho de 200810

91% foi o quanto atin-giu o índice de populari-dade de Álvaro Uribe após o resgate dos prisioneiros das Farc

Quanto

américa latina

Mirian Piñerode Bogotá (Colômbia)

HORAS DEPOIS de ser liber-tada, no dia 2 de julho, a ex-candidata presidencial Ingrid Betancourt, que antes de ser seqüestrada era uma das ri-vais do presidente colombia-no Álvaro Uribe, elogiou a po-lítica de segurança adotada pelo governo, e disse ser fa-vorável à segunda reeleição do mandatário. Na avaliação de analistas colombianos, as de-clarações de Betancourt for-talecem a política militarista de Uribe.

Em Paris, na França, a ex-refém assumiu outro discur-so e disse que Uribe deveria romper com sua linguagem de “ódio” em relação à guerri-lha. “O presidente, e não ape-nas ele, mas a Colômbia co-mo um todo, deveriam mu-dar algumas coisas”, disse à rádio francesa RF1. O gover-no colombiano e seus segui-dores se referem à guerrilha como terroristas.

Confl ito armado“Acho que é chegada a ho-

ra de mudar a linguagem do radicalismo, do extremismo e do ódio, as palavras muito fortes que causam mágoa pro-funda a um ser humano”, afi r-mou Ingrid, acrescentando que são necessários tolerân-cia e respeito. Marcando di-ferença com a posição do go-verno, a ex-candidada à presi-dência da Colômbia ressaltou a necessidade do diálogo pa-ra solucionar o confl ito arma-do no país.

Na opinião de Ivan Cepeda, do Movimento de Vítimas de Crime de Estado (Movice), In-grid poderá desempenhar “um papel importante” no processo de negociação para um acordo de paz no país. “O governo co-lombiano pretende conver-ter essa operação como a úni-ca forma de tratar o problema do confl ito armado; e não é as-sim”, afi rma. “A solução passa por um processo de negocia-ção política, e Ingrid sinaliza neste sentido”, acrescenta.

Acordo humanitárioNa avaliação de Cepeda, a

participação da comunida-de internacional é fundamen-tal para concretizar um acor-do humanitário. O governo colombiano, no entanto, dá sinais de preferir não contar com a mediação internacional. No dia 8, o alto comissário pa-ra Paz da Presidência da Co-lômbia, Luis Carlos Restrepo, afi rmou que o governo abrirá mão de mediadores interna-cionais e buscará um “contato direto” com as Farc. “Há uma decisão já tomada. Depois da libertação de um grande gru-po de seqüestrados, vamos co-locar em marcha esse contato direto”, disse Restrepo a uma rádio local colombiana.

Em um comunicado divulga-do também no dia 8, o novo lí-der da guerrilha Alfonso Cano disse aceitar um contato direto com o governo para negociar um acordo humanitário que prevê a libertação de reféns em troca de guerrilheiros presos.

Apesar de muitos colom-bianos terem festejado a ope-ração militar de resgate dos reféns, o analista político Ri-cardo Avila disse que a maio-ria está convencida de que a saída para o confl ito se al-cançará por meio da negocia-ção. “Os colombianos podem apoiar uma ação contunden-te contra a guerrilha, mas es-tão convencidos de que não há outra saída para o confl ito se não for por meio da negocia-ção”, afi rmou.

Resgate cinematográfi coA operação de resgate que

resultou na libertação de 15 reféns das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), entre eles a ex-candi-data à presidência da Colôm-bia, Ingrid Betancourt, foi descrita pelo ministro colom-biano da Defesa, Juan Manuel

Dafne Meloda Redação

Ainda é cedo para saber qual o impacto da liberta-ção de Ingrid Betancourt e de outros 14 prisioneiros nas Forças Armadas Re-volucionárias da Colômbia (Farc). É certo que, ao con-trário do que têm afi rma-do o presidente Álvaro Uri-be e a imprensa corporati-va, o resgate não contribui em nada para a pacifi cação do país, não altera os pro-blemas sociais e políticos estruturais da Colômbia e tampouco decreta o fi m das Farc. Essa é a opinião de to-dos os especialistas ouvidos pela reportagem.

André Martin, professor do Departamento de Geo-grafi a da Universidade de São Paulo (USP), avalia que, por mais que a libertação de Ingrid possa reforçar o isola-mento político e militar das Farc, a guerrilha está lon-ge de acabar. “Não é sim-ples assim; é um grupo an-tigo, enraizado e o proble-ma da Colômbia transcen-de as Farc: é o problema da falta de democracia. Creio que, para as forças conserva-doras, foi uma vitória tática inegável, mas isso pode até agravar o problema futura-mente”, opina Martin.

Mais confl itos?O geógrafo lembra que as

Farc não são o único gru-po guerrilheiro de esquer-da atuante hoje no país. Há ainda o Exército de Li-bertação Nacional (ELN), de inspiração guevarista, e outros menos conhecidos. Existem também diversas organizações paramilita-res de extrema-direita, co-mo as Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC). As for-ças paramilitares – desta-ca Martin – fazem mais se-qüestros que as Farc. “Há mais prisioneiros por parte dos paramilitares, isso tem que ser dito”, reforça.

Luiz Alberto Moniz Ban-deira, cientista político e professor titular aposentado da Universidade de Brasília, embora acredite que as Farc estão enfraquecidas, tam-bém não vislumbra o fi m dos confl itos, e cita um episódio histórico para mostrar a for-ça de regeneração de gru-pos guerrilheiros. “Há mais

Há 60 anos, no dia 9 de abril de 1948, a Colômbia perdia sua pri-meira oportunidade de ter seu pri-meiro governo progressista. O can-didato do Partido Liberal para as eleições de 1950, Jorge Eliécer Gai-tán, foi assassinado à queima-rou-pa por seus adversários políticos, ou seja, a oligarquia rural que go-vernava o país. Se Gaitán levaria a cabo suas promessas de melhorias das condições de vida do povo co-lombiano, hoje, pouco importa. O fato é que seu assassinato desenca-deou uma série de revoltas popula-res, o chamado “Bogotazo”, quan-do quase toda a cidade foi destruí-da. Gaitán foi morto à 13h e às 18h já haviam 3 mil mortos, entre eles, o executor do assassinato, lincha-do até a morte pela população. Até 1958, o país passou pelo período de “La Violencia”, uma guerra civil que opôs forças populares e elites. Nesse contexto, grupos de esquer-da começaram a se instalar nas re-giões da selva colombiana, junto aos camponeses, e deram início às guerrilhas. As Farc, por exemplo, nasceram em 1964. (DM)

“Álvaro Uribe deve manter política militarista”, afi rmam especialistasCOLÔMBIA Ingrid Betancourt defende necessidade do diálogo para solucionar o confl ito armado no país

de 60 anos, a guerrilha sem-pre recomeça, como aconte-ceu depois que o governo do presidente Guillermo León Valencia [1962-1966], com apoio do Pentágono, des-truiu a chamada Repúbli-ca da Marquetalia, um en-clave rural ao sul de Caldas, na Colômbia, onde os guer-rilheiros liberais e comunis-tas se concentraram, após a dura repressão ocorrida nos anos 1950”, exemplifi ca.

Uribe e EUAPara Elaine Tavares, jor-

nalista e coordenadora exe-cutiva do Instituto de Es-tudos Latino-americanos da Universidade Federal de Santa Catarina, há outro fa-tor que impede uma avalia-ção dos desdobramentos do fato: “a nebulosidade que envolve a própria operação de resgate já difi culta a aná-lise do que representará essa libertação”, diz.

Uma coisa, entretanto, é certa: Uribe, grande aliado dos EUA e representante de seus interesses na América Latina, sai fortalecido. Pes-quisas apontam que, após a libertação de Betancourt, sua popularidade atingiu 91%. Para Martin, esse é um dado preocupante pa-ra as forças progressistas do

continente. “O governo co-lombiano é responsável pe-la transmissão dos interes-ses dos EUA, na região. Es-se episódio mostrou a infl u-ência dos militares estaduni-denses na Colômbia. É tam-bém um triunfo da diploma-cia dos EUA que procura pôr obstáculos à unidade latino-americana, que a tanto custo se busca”, alerta.

Terceiro mandatoUma das primeiras per-

guntas que se seguiram à li-bertação de Ingrid foi: por que agora? A falta de vonta-de política de Uribe em res-gatar a ex-prisioneira nun-ca foi segredo. O seu mari-do, Juan Carlos Lecompte, declarou em diversas oca-siões que Uribe não só não ajudava, como atrapalhava. “Cada vez que a liberdade de minha mulher está pró-xima, acontece algo. Há um ano e meio, quando diziam que já estavam prontos pa-ra libertá-la, puseram uma bomba numa escola militar ao norte de Bogotá e disse-ram que havia sido a guer-rilha, mas depois não se provou nada. Agora, quan-do já estavam liberando al-guns seqüestrados, ocorre a morte de Raúl Reyes em território equatoriano. Is-so é um obstáculo, um pro-blema, que trancou a liber-tação de Ingrid. Sempre que estamos perto, ocorre algo. É recorrente”, declarou em entrevista à revista Época, em abril.

Assim, a libertação de In-grid é vista por analistas co-

mo uma jogada de Uribe pa-ra legitimar-se e conseguir seu terceiro mandato, o que não é permitido pela Consti-tuição. Para ser reeleito no-vamente, o presidente te-rá que mudar as leis do pa-ís. Não seria a primeira vez. Em 2005, a Constituição foi reformada para que Uribe pudesse tentar a reeleição. Na época, houve denúncias de que o governo comprou votos de congressistas para aprovar a medida.

Além disso, o colombia-no teria preferido se adian-tar às movimentações dogoverno francês, e tambémdo presidente da Venezue-la, Hugo Chávez, que vi-nham buscando uma saídanegociada para a libertaçãode Ingrid – e não uma mi-litar. “Ficou claro que haviaum processo em marcha denegociação dos reféns quefurava o bloqueio políticode Uribe, cuja política é nãodeixar negociar, não deixara guerrilha respirar. A con-vicção da vitória militar to-tal contra as Farc é o projetodo Uribe e dos EUA”, com-plementa Martin.

Duas medidasO geógrafo chama a aten-

ção para o fato de que, quan-do Chávez tentou aprovarseu terceiro mandato, foiacusado de ditador por to-da a imprensa corporati-va brasileira, mesmo ten-do submetido essa decisão àpopulação, em um referen-do. Mas. em relação às pre-tensões de Uribe, pouco ounada se critica. Entretanto,para evitar desgastes, acre-dita-se que o presidente ce-derá sua candidatura a JuanManuel Santos, seu minis-tro da Defesa.

Assim, tudo indica que a Colômbia deve seguir com o projeto uribista. “É um projeto político que cami-nha para o monopartidaris-mo, em que não há oponen-tes políticos. O continuísmo desse projeto é o problema, pois não abre uma perspec-tiva democrática”, aponta Martin. Essa falta de demo-cratização política e social da sociedade colombiana é jus-tamente o que levou ao sur-gimento das guerrilhas. “Is-so se arrasta desde 1948 no país, que, desde então, vive sempre sob uma interferên-cia forte de uma potência es-trangeira”, fi naliza.

Bogotazo, o começo de tudo na Colômbia

Santos, como “Um resgate ci-nematográfi co”. A operação militar, que alavancou a po-pularidade do presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, e sua política de combate militar à guerrilha, foi ensaiada como uma peça teatral.

De acordo com a revista Se-mana, semanário de maior circulação na Colômbia, a ação do exército colombiano deve-ria ser idêntica a uma missão humanitária de resgate de re-féns. Para atuar com perfei-ção, os militares assistiram de-zenas de vezes o vídeo trans-mitido pela multi-estatal Tele-sul no momento em que liber-taram a advogada Clara Rojas e a ex-congressista Consue-lo Perdomo, em janeiro desse ano, e o momento da liberta-ção de outros quatro políticos, libertados em fevereiro, depois da gestão do presidente da Ve-nezuela Hugo Chávez.

InterceptaçãoA tarefa dos militares que

participavam da operação era convencer os guerrilheiros de que se tratava de uma opera-ção humanitária coordena-da pelo novo líder da guer-rilha Alfonso Cano, que as-sumiu a chefi a do grupo em março, após a morte de Ma-nuel Marulanda, líder funda-dor das Farc.

De acordo com o semaná-rio colombiano, César, um dos homens de confi ança do se-cretariado da guerrilha, teria sido desarmado depois que os reféns já estavam no helicóp-tero. No entanto, essa versão dos fatos não é a mesma des-crita por Ingrid Betancourt, ao desembarcar na base mi-litar de Catam, na capital co-lombiana Bogotá. Segundo Ingrid, os prisioneiros teriam entrado no helicóptero e logo depois ela teria visto os guer-rilheiros já rendidos, algema-dos, no chão da aeronave.

Métodos utilizadosDe acordo com Ivan Cepe-

da, do Movimento de Vítimas de Crime de Estado (Movice), ainda é cedo para saber com precisão os detalhes da opera-ção, mas acredita que, “quan-do se trata de um exército que tem atuado de maneira pou-co ortodoxa, habituado a agir com pouco respeito às nor-mas internacionais, é impor-tante avaliar com cuidado to-da a operação, não somente as conseqüências, mas também os métodos utilizados”, disse.

O resgate contou com apoio militar e de inteligência dos Estados Unidos. Logo após o fi m da operação, o embaixador estadunidense declarou que a missão havia sido coordena-da com a Casa Branca e havia contado com a ajuda de aviões de espionagem dos EUA para a localização dos reféns.

Resgate de Betancourt não leva ao fi m das FarcConfl itos sociais que se intensifi caram a partir de meados do século 20, e que explicam a gênese da guerrilha, persistem até hoje

Em Bogotá, Ingrid e outros reféns aplaudem Uribe; já na França, ela criticou “ódio” do presidente colombiano

Para especialistas, libertação não pacifi cará o país

Pascual Serrano/Rebelión

Juan Felipe Barriga/SP

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américa latina

Achille Lollo

NO DIA 20 de junho, Álvaro Uribe solicitou ao Congresso a convocação de eleições an-tecipadas para, assim, ofus-car o parecer da Corte Consti-tucional que havia concluído o inquérito sobre as ligações do presidente com os paramilita-res, o uso de milícias para se eleger desde quando era go-vernador, bem como os casos de compra de votos. Em uma situação normal, a Corte po-deria invalidar a reeleição de Uribe, que se deu em 2006. Mas, evidentemente, o suces-

Hugo Chavéz foi o primei-ro líder latino-americano que aceitou propor uma ne-gociação ampla entre as Farc e o governo colombiano, vi-sando a libertação dos re-féns ilustres e garantir, com o presidente Uribe, a liber-tação de 500 dos 7 mil pre-sos políticos. Uma troca que quebrava o princípio políti-co de Uribe de tratar a insur-gência a “ferro e fogo”.

Por isso, durante os nove meses em que Chávez pro-moveu iniciativas diplomá-ticas em favor do acordo hu-manitário, Uribe mobilizou os efetivos do Exército, po-lícia e serviços secretos pa-ra desencadear uma ofensiva contra as Farc. Bem no mo-mento em que elas abranda-vam suas medidas de segu-rança para viabilizar as ne-gociações e a abertura diplo-mática. Todas as tentativas de Chávez, de obter das Farc a libertação de Ingrid, foram inviabilizadas pelas Forças

Gordon Johndroe, porta-voz do Conselho de Seguran-ça Nacional, no dia 2, logo após o resgate, declarava em Washington: “Apoiamos a operação e proporcionamos apoio específi co. Esse resga-te há muito tempo que esta-va planejado e nós trabalha-mos com os colombianos du-rante cinco anos, desde que os reféns foram capturados. O governo dos EUA soube da operação, e, no processo de planejamento, participa-ram o embaixador William Brownfi eld e o chefe do Co-mando Sul do Exército, almi-rante James Stavridis”.

O New York Times acres-centa que o Pentágono par-ticipou da operação com to-dos os seus meios de “inteli-gência”. É bom lembrar que, desde 2000, o Ministério da Defesa colombiano recebeu dos EUA uma “ajuda fi nan-ceira extraordinária”, no va-lor de 5,4 bilhões de dólares.

Por que Uribe marcou o resgate para dia 2ANÁLISE Na véspera da libertação de Ingrid Betancourt, o presidente colombiano jantou com John McCain no Palácio de Nariño

so “extraordinário” do resga-te de Ingrid Betancourt, dos três mercenários-estaduni-denses e dos 11 ofi ciais colom-bianos modifi caram a conjun-tura política.

Vale a pena lembrar que, no dia que antecedeu o res-gate, o candidato republica-no às eleições estaduniden-ses, John McCain, estava jan-tando com Uribe no Palácio de Nariño. Parece uma casu-alidade, mas não é, visto que o embaixador dos EUA em Bogotá integrava o grupo de planejamento da Operação Xeque. De fato, a presença de McCain em Bogotá, no mo-

mento em que os três merce-nários estadunidenses eram libertados das Farc, foi um balde de oxigênio para Geor-ge W. Bush e a campanha dos republicanos. É evidente que a viagem de McCain à Colôm-bia foi marcada só na segun-da semana de junho, quan-do começava a ser defi nido o contato com o “Comandan-te César”, o que, na realidade, signifi ca que a operação mi-diática em favor de McCain ia se realizar. É inútil dizer que os jornais estaduniden-ses enlouqueceram seus lei-tores apresentando Uribe co-mo um super-homem.

Para os EUA, o resgate de Ingrid Betancourt, nos mol-des de como a CIA o plane-jou, tinha um caráter estraté-gico, uma vez que era funda-mental retirar da cena política Hugo Chávez e Lula, os quais haviam postulado uma pos-sível troca humanitária, des-truindo assim a imagem polí-tica de Uribe. De fato, se Chá-vez e as Farc tivessem conse-guido libertar Ingrid, da mes-ma forma como fi zeram com os outros deputados e Clara Rojas, certamente a imagem política de Uribe entraria em crise, reforçando-se a propos-ta da oposição, de querer uma

abertura com a insurgência, e, assim, concluir os 40 anos de guerra interna.

Considerando que a Colôm-bia já é o terceiro parceiro mi-litar dos EUA e tendo em conta que, somente agora, as trans-nacionais estadunidenses e eu-ropéias estão aproveitando to-do o potencial mineiro colom-biano, era imperativo dar con-tinuação ao modelo institucio-nal encabeçado por Uribe.

Para reverter a decisão da Corte, que veta uma terceira eleição de Uribe, os EUA ti-nham duas opções: promo-ver um golpe de Estado en-cabeçado pelos militares para

manter Uribe no poder ou um evento excepcional que, em termos políticos e emocionais, obrigasse todas as forças polí-ticas a aceitar, em 2010, Uribe como o único candidato à pre-sidência. De fato, Ingrid Be-tancourt saiu de cena bajulan-do Uribe, enquanto a oposição liberal já reconhece que, “pe-lo mérito de ter derrotado as Farc, Uribe tem o direito de se recandidatar”.

Achille Lollo é jornalista italiano e diretor do documentário

América Latina: desenvolvimento ou mercado? disponível em DVD

no www.portalpopular.org.br.

Armadas da Colômbia, que realizou pesados bombar-deios nos locais onde a guer-rilha deveria entregar os pri-sioneiros, enquanto o Exér-cito, com a “Operação Fili-po”, atacava todas as regi-ões sob infl uência do grupo armado.

É nesse clima que as Farc libertaram a deputada Con-suelo de Perdono, Clara Ro-jas (secretária de Ingrid) e o garoto Emmanuel (fi lho de Clara). A seguir, foram sol-tos mais quatro deputados. Uribe não libertou nenhum preso. Aliás, em março, au-torizou a incursão do Exér-cito em território equatoria-no para matar o comandante Raul Reyes no momento em que ele negociava com emis-sários franceses a libertação de Ingrid.

A ação violenta e a compla-cência do Império convence-ram Chávez de que a próxima investida seria na Venezuela, criando um clima de guerra

em toda a região – que é o que os EUA e o Ocidente desejam para intervir na Amazônia.

No dia 28 de abril, os Es-tados Unidos anunciaram a reativação da 4ª Frota. Esta passaria a patrulhar as águas do continente latino-ameri-cano. Foi o sufi ciente para Chávez, no dia 9 de junho, operar uma “mudança” no rumo de sua política exter-na, fazendo duras críticas às Farc, além de pedir que lar-guem as armas e entreguem todos os prisioneiros sem nada pedir em troca.

Após o resgate (ou farsa) de Ingrid, a “Ration de Etat” (Razão de Estado) prevale-ceu novamente e os presi-dentes Chávez, Rafael Cor-rea e Evo Morales foram os primeiros a mandar a Uribe calorosas mensagens. Chá-vez, talvez para conquistar empresários estaduniden-ses, declarou: “estamos ale-gres pela libertação dessas pessoas”. (AL)

Por isso, o francês Eric Micheletti, da revista Rai-ds, sublinhou: “Não há dú-vida de que a CIA e o Mos-sad israelense participaram nessa operação de infi ltra-ção. Os israelenses vende-ram aos colombianos sua competência e muito mate-rial militar”.

De fato, em agosto de 2007, o jornal israelense Maariv revelava que o ex-general Israel Ziv era con-tratado para “assuntos de se-gurança”. A seguir, o diário Haaretz divulgava que Ziv e outro ofi cial israelense, Yossi Kuperwasser, haviam criado a empresa Global CST para dar “suporte técnico ao trei-namento das forças especiais colombianas”.

A própria rádio do Exérci-to israelense informava que “dois conselheiros israelen-ses haviam participado no planejamento da operação militar contra as Farc”. De-

pois, o jornal Yediot Aharo-not confi rmou que se trata-va dos ex-generais Ziv e Ku-perwasser. Por sua parte, o porta-voz do Ministério da Defesa israelense, Shlomo Dror, sublinhou que “em-presas privadas de seguran-ça israelenses funcionam na Colômbia com a autorização do Ministério da Defesa isra-elense”.

Além da Global CST, ope-ra na Colômbia a Spearhead Ltd. que, segundo o pesqui-sador estadunidense Jere-my Bigwood, treinou o Ba-talhão Colômbia e os gru-pos paramilitares (AUC), to-dos especializados na “guer-ra suja”, isto é, matanças dos civis suspeitos de man-ter relações com a guerrilha. Segundo a mesma fonte, no centro de planejamento de operações de contra-insur-gência (DAS), trabalham, há mais de três anos, ofi ciais britânicos da SAS. (AL)

Chávez, Correa, Evo e o medo da 4ª Frota A participação da CIA, Mossad e SAS

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cultura

Rafaela Tascada Cidade de Goiás (GO)

DESDE 1999 é assim. Du-rante uma semana, a Cida-de de Goiás, antiga capital do Estado homônimo e co-nhecida pela prosa e ver-so da poetisa Cora Coralina, passa a ser o local onde ocor-re um importante evento ci-nematográfi co, o Festival In-ternacional de Cinema e Ví-deo Ambiental (Fica).

Uma mostra que faz com que a Cidade de Goiás in-tensifi que sua relação com o mundo e passe a ser agluti-nadora e catalisadora de pro-duções audiovisuais das mais variadas regiões do planeta, ligadas entre si por um tema: o meio ambiente.

Com um júri internacional composto por cineastas, jor-nalistas, ambientalistas e in-telectuais, foram selecionados para a mostra competitiva do festival deste ano 22 fi lmes. A estrutura do evento ainda contemplou atividades cultu-rais, ofi cinas, palestras, deba-tes, além da Mostra ABD Cine Goiás, da Associação Brasilei-ra dos Documentaristas.

Ficção, documentário ou animação. Curtas, médias ou longas. Ganhadores ou não. O fato é: as produções audio-visuais que passam pelo Fi-ca se diferenciam por possi-bilitar outras maneiras de ver, denunciar, documentar e ex-pressar o mundo.

Paisagens submersasCom estéticas diferentes pa-

ra realidades similares, Zona de Diluição Inicial, do francês Antoine Boutet, e Sumidouro, do brasileiro Cris Azzi, foram premiados pelo júri. O terri-tório de investigação em co-mum é o processo de migra-ção e interferência ambiental em virtude do represamento das águas.

Com recursos de um prê-mio da Associação Francesa de Ação Artística (Afaa), Bou-tet passou seis meses na Chi-na com o objetivo de estudar as transformações por ocasião da colossal construção da re-presa de Três Gargantas.

Ancorado na experiência do diretor como artista visu-al, Zona de Diluição Inicial segue um formato documen-tal destituído de depoimen-tos dos agentes sociais. A nar-rativa sensivelmente reporta com visualidades a ascensão do concreto no rio Yang-tse-kiang, a demolição do já exis-tente e a submersão das vilas, cidades e vegetação.

Com grande repercussão em diversos festivais, museus e galerias do mundo, Boutet assim pondera sobre o tom universal de seu fi lme: “A dis-cussão do represamento e su-

da Cidade de Goiás (GO)

Uma pergunta de longa data: é possível transformar a realidade através do cine-ma? A questão foi repassada ao jornalista dinamarquês, Morten Hansen, que esteve no festival como represen-tante de Tom Heinemann, diretor de Uma Barganha Assassina.

O documentário é uma pancada na face da socieda-de de consumo. Ganhador do prêmio da Associação Dinamarquesa de Jornalis-mo Investigativo em 2007, o fi lme revela como grandes empresas de departamento, como a Jysk, Dansk, ICA e Indiska, colocam seus pro-dutos à venda no mercado europeu sob precárias con-

da Cidade de Goiás (GO)

Envolvimento. Essa é pa-lavra que descreve a relação do diretor brasileiro Ângelo Lima com a Associação das Vítimas do Césio 137. Em seu curta-metragem, O Pe-sadelo é Azul, ele apresenta o drama vivenciado em Goi-ânia (GO) a partir do aciden-te com o Césio 137 – um dos maiores acidentes radioati-vos do mundo. O documen-tário de 30 minutos volta à capital goiana 20 anos após

Prêmio Especial do JúriVeludo Vermelho – Diretor: Klaus Reisinger (França)

Melhor Obra – Troféu Cora Coralina Jaglavak, o Príncipe dos Insetos – Diretor: Jerôme Raynaud (França)

Melhor Longa-metragem – Troféu Carmo BernardesDelta, o Jogo Sujo do Petróleo – Diretor: Yorgos Avgeropoulos (Grécia)

Sumidouro – Diretor: Cris Azzi (Brasil-MG)

Melhor Média-metragem – Troféu Jesco Puttkamer Batida na Floresta – Diretor: Adrian Cowell (Reino Unido/Brasil)

Melhor Curta-metragem – Troféu Acary PassosZona de Diluição Inicial – Diretor: Antoine Boutet (França)

Melhor Série Ambiental de TV – Troféu Bernardo Élis Lições Tardias para Avisos Antecipados – Diretor: Jakob Gottschau (Dinamarca)

Melhor Produção Goiana – Troféu José Petrillo Subpapéis – Diretor: Luiz Eduardo Jorge (Brasil-GO)

Melhor Produção Goiana – Troféu João BênnioBenzeduras – Diretor: Adriana Rodrigues (Brasil-GO)

Troféu Júri Popular Luiz Gonzaga SoaresLições Tardias para Avisos Antecipados – Diretor: Jakob Gottschau (Dinamarca)

Troféu Imprensa Batida na Floresta – Diretor: Adrian Cowell (Reino Unido/Brasil)

João Batista de Andrade – cineasta/presidente do júri (Brasil)

André Trigueiro – jornalista (Brasil)

Vladmir Carvalho – cineasta e jornalista (Brasil)

Daniele Gaglianone – cineasta (Itália)

Evaldo Mocarzel – jornalista e cineasta (Brasil/Portugal)

Laerte Guimarães – professor da UFG e pesquisador (Brasil)

Philipe Dubois – professor da Universidade Paris III Sorbonne (França)

FILMES Em sua 10ª edição, o Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental mostra as possibilidades de denúncia e intervenção da produção audiovisual

as conseqüências é algo que pode ser encontrado em ou-tras partes do mundo, não é específi co da China. Assim, é fácil haver conexão com ou-tras partes do mundo, como o Brasil”.

E assim é. Vide o ganhador de melhor fi lme do festival, a produção do diretor mineiro Cris Azzi, Sumidouro. O tra-balho, cujo nome signifi ca lo-cal que some e onde a água es-coa, surgiu a partir do contato com o projeto de livro Paisa-gem Submersa, dos fotógra-fos João Castilho, Pedro Da-vid e Pedro Mota.

Na urgência de registrar aquilo que em breve desapa-receria, o fi lme de Azzi intri-ga por tratar as circunstâncias de uma migração forçada, em seus mais variados matizes. Menos arquitetural do que a estética do fi lme de Boutet, Sumidouro intensifi ca a geo-grafi a humana por se valer de uma narrativa entrecortada por depoimentos e imagens do dia-a-dia dos moradores das pequenas comunidades de Peixe Cru e Porto dos Coris – atingidas pela construção da barragem da Usina Hidrelétri-ca de Irapé, no Vale do Jequi-tinhonha, Minas Gerais.

Trabalho escravo na telaA denúncia de trabalho es-

cravo também esteve presen-te na seleção da mostra com o média metragem A Lenda da Terra Dourada, do diretor suíço Stéphane Brasey. Aliás, segundo fi lme de Brasey no

dições trabalhistas e danos ambientais substanciais em países como a Índia.

“Basicamente, o fi lme mostra os bastidores da glo-balização. O que acontece quando consumidores ri-cos adquirem as mercado-rias produzidas pelas pesso-as pobres de outra parte do mundo”, analisa Morten.

Para a produção do docu-mentário, a equipe de Hei-nemann registrou o traba-lho dos operários de fábri-cas terceirizadas na Índia, os quais, sem qualquer pro-teção, manipulam tanques químicos. A prática cotidia-na dessa situação acarre-ta numa baixíssima expec-tativa de vida sob péssimas condições de saúde.

Após a investigação na Ín-dia, Heinemann se deslocou

do CerradoImagens para além

Brasil; o primeiro foi A Ter-ra Prometida (2000), sobre a ocupação de terras no interior de São Paulo.

Gravado em 2006 e estreado na Suíça em março de 2007, A Lenda da Terra Dourada é um documentário já conhe-cido no circuito europeu. No Brasil, o fi lme foi exibido pela primeira vez durante o Fica.

Para o diretor, embora seja de extrema importância exi-bir o fi lme no país, por con-ta da reação do público, o te-ma é mundial. “Infelizmente a situação degradante de condi-ções de trabalho não é exclu-sividade do Brasil, aliás, acon-tece até na Suíça. Enquanto houver impunidade, haverá a perpetuação dessa situação. É preciso acabar com a impuni-dade”, alerta.

Para a realização do fi lme, Brasey entrevistou campo-neses que seguiram para a Amazônia paraense em bus-ca de trabalho e foram obri-gados a trabalhar sob a batu-ta do endividamento nas la-vouras de grandes proprietá-rios de terra. Um dos proce-dimentos do documentário foi o de acompanhar uma ins-peção de técnicos do Ministé-rio do Trabalho a uma fazen-da da qual decidem remover os trabalhadores.

O fi lme ainda mostra o pro-fundo envolvimento do pa-dre e advogado francês Henri Burin des Roziers, que há 30 anos mora no Brasil e se dedi-ca à Pastoral da Terra e à Teo-logia da Libertação.

Premiação do 10° FICA

Documentário de intervençãoQuando o cinema atua sobre a realidade

até uma dessas companhias européias e apresentou as imagens dos trabalhadores aos responsáveis pela tercei-rização dos produtos. Tudo fi lmado. A intervenção nas empresas fazia parte do ro-teiro do fi lme.

Assim, mais do que se ater apenas ao distancia-mento de denúncia na tela, o fi lme interveio na situação a qual denunciava. A reper-cussão do fi lme foi tamanha no ambiente corporativo que, segundo Morten, “po-de-se dizer que o mundo dos negócios na Dinamar-ca de hoje está dividido en-tre antes e depois do fi lme. Dentro das companhias, já se falam em algum tipo de ética, responsabilidade so-cial e fi scalização dos forne-cedores”. (RT)

Júri Ofi cial o incidente.A narrativa reconstrói fa-

tos com os materiais vincu-lados à época e se abre aos depoimentos das vítimas, relembra o sofrimento dos envolvidos, revela suas his-tórias e denuncia o descaso a que ainda estão relegados.

Para o diretor, é necessário recuperar a dignidade das ví-timas, dar um alento maior. “O preconceito para essas pessoas trabalhar é violento. Há um estigma. É o pesadelo. Assim, esse é um fi lme mui-to mais político do que cine-

ma. É um fi lme que vai virar um livro, é a continuidade de uma história. Há toda uma luta, uma briga. É muito fácil você expor as pessoas no ci-nema. O meu trabalho é mui-to mais de envolvimento”, re-vela o cineasta.

Ganhador de quatro prê-mios, incluindo o de melhorfi lme na VI Mostra ABD Ci-ne Goiás – importante mos-tra paralela dentro do Fica –,o curta-metragem O Pesa-delo é Azul foi um grandedestaque da produção goia-na deste ano. (RT)

Quebra do distanciamento

O Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental é uma realização do Go-verno do Estado de Goiás, por meio da Agência Goiana de Cultura Pedro Ludovi-

Fica em circulação co Teixeira (AGEPEL). Há uma política de incentivo para divulgação dos fi lmes ven-cedores destinada a exibições em circui-tos promovidos por entidades em outras localidades. Maiores informações podem ser encontradas nos sites www.fi ca.art.br e www.agepel.go.gov.br.

Cena de Sumidouro, de Cris Azzi

A Lenda da Terra Dourada, de Stéphane Brasey

Uma Barganha Assassina, de Tom Heinemann

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