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São Paulo De 6 a 12 de abril de 2006 Carajás, dez anos de impunidade E mais: SOBERANIA – Na Conferência sobre Diversidade Biológica, realizada em Curitiba (PR), os movimentos sociais impediram a ampliação do controle das transnacionais sobre a cadeia alimentar. Pág. 13 LATIFÚNDIO – Após ação do dia 8 de março, no Rio Grande do Sul, Aracruz conta com o apoio da mídia para criminali- zar a Via Campesina. Pág. 14 R$ 2,00 Ano 4 Número 162 Dos 144 incriminados na ação policial que matou 19 sem-terra, os dois únicos condenados estão em liberdade N o Assentamento 17 de Abril, batizado em ho- menagem aos trabalha- dores rurais assassinados pela Polícia Militar do Pará nesse mesmo dia em 1996, sobrevi- ventes do massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará, constituí- ram uma agrovila que garante a própria subsistência e ainda gera recursos para o município. Todas as crianças freqüentam a escola do assentamento. Entre muitas dificuldades, falta sa- neamento básico. “Eles estão lá, comendo do bom e do me- lhor. E a gente aqui, passando o que passa”, lamenta Helena Rabelo, cujo marido morreu no massacre. Helena se refere aos mandantes e aos executo- res da matança, impunes até hoje. “Carajás nos faz passar vergonha no mundo”, define o teólogo Leonardo Boff. Mas- sacres como esse são resultado da expansão do agronegócio, apontado pela Pastoral da Ter- ra como a principal causa da violência no campo. Cerca de 41 trabalhadores morrem em conflitos agrários, por ano. Caderno especial Coca-Cola: contravenção e impunidade Já se passaram seis meses da realização do laudo da Polícia Federal que comprovou o uso de folha de coca na fabricação do refrigerante Coca-Cola e nada se fez a respeito. Pela lei de en- torpecentes brasileira, o registro de comercialização do produto deveria ser cancelado imedia- tamente. O deputado federal Renato Cozzolino (PDT-RJ) afirma que fará uma indicação legislativa às autoridades com- petentes. Se não forem tomadas providências, ele moverá ação judicial. Pág. 6 DIREITOS – Na França, cerca de 3 milhões de pessoas participam, pela quinta vez, de mobilização contra o desmantelamento da legislação trabalhista Pág. 11 ABRIL INDÍGENA - No Acampamento Terra Livre, em Brasília, indígenas de diversos povos pressionam governo federal para garantir direitos constitucionais Pág. 7 Bienal de Havana sai das galerias e ganha as ruas Pág. 16 Na Venezuela, novas metas de reforma agrária Pág. 10 Governo ignora participação de jovens em ações Pág. 8 Truculência e autoritarismo em Minas Gerais Violência, arbitrariedades e desrespeito aos direitos cons- titucionais. Esses têm sido os instrumentos de pressão do go- vernador mineiro, Aécio Neves (PSDB), e do prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel (PT), para forçar os movimen- tos sociais a atenuar suas crí- ticas ao Banco Interamericano Alckmin desativa Febem de olho nas eleições Antes de entregar 41 novas unidades prometidas no ano passado, o governo de São Pau- lo começou a desativação do Complexo Tatuapé da Febem. A medida, tomada próximo à saída de Geraldo Alckmin para dispu- tar a Presidência da República, preocupa entidades, que temem a transferência dos jovens para o sistema prisional. Pág. 5 OMC, EUA e União Européia seduzem Brasil Na reta final das negociações que podem levar à concretização da Rodada Doha, o governo bra- sileiro se encontrou, no Rio de Janeiro, com o diretor-geral da Organização Mundial do Comér- cio (OMC) e com representantes dos EUA e da União Européia. As conversas focaram o acesso aos bens industriais, tendo a abertura do mercado agrícola internacional como troca. Pág. 9 de Desenvolvimento (BID), que organiza encontro na cidade. Não deu certo. As organizações populares reuniram mais de duas mil pessoas, realizaram passeatas, debateram e defini- ram as prioridades para a cons- trução de um projeto popular para o Brasil. Págs. 2 e 3 Oliver Weiken/EFE/AE Flávio Cannalonga Marcio Baraldi

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Dos 144 incriminados na ação policial que matou 19 sem-terra, os dois únicos condenados estão em liberdade SOBERANIA – Na Conferência sobre Diversidade Biológica, realizada em Curitiba (PR), os movimentos sociais impediram a ampliação do controle das transnacionais sobre a cadeia alimentar. Pág. 13 passeatas, debateram e defini- ram as prioridades para a cons- trução de um projeto popular para o Brasil. Págs. 2 e 3 E mais: R$ 2,00 Ano 4 • Número 162 Pág. 16 Pág. 10 Pág. 8

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São Paulo • De 6 a 12 de abril de 2006

Carajás, dez anos de impunidade

E mais:

SOBERANIA – Na Conferência sobre Diversidade Biológica, realizada em Curitiba (PR), os movimentos sociais impediram a ampliação do controle das transnacionais sobre a cadeia alimentar. Pág. 13

LATIFÚNDIO – Após ação do dia 8 de março, no Rio Grande do Sul, Aracruz conta com o apoio da mídia para criminali-zar a Via Campesina. Pág. 14

R$ 2,00Ano 4 • Número 162

Dos 144 incriminados na ação policial que matou 19 sem-terra, os dois únicos condenados estão em liberdade

N o Assentamento 17 de Abril, batizado em ho-menagem aos trabalha-

dores rurais assassinados pela Polícia Militar do Pará nesse mesmo dia em 1996, sobrevi-ventes do massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará, constituí-ram uma agrovila que garante a própria subsistência e ainda gera recursos para o município. Todas as crianças freqüentam a escola do assentamento. Entre muitas difi culdades, falta sa-neamento básico. “Eles estão lá, comendo do bom e do me-lhor. E a gente aqui, passando o que passa”, lamenta Helena Rabelo, cujo marido morreu no massacre. Helena se refere aos mandantes e aos executo-res da matança, impunes até hoje. “Carajás nos faz passar vergonha no mundo”, defi ne o teólogo Leonardo Boff. Mas-sacres como esse são resultado da expansão do agronegócio, apontado pela Pastoral da Ter-ra como a principal causa da violência no campo. Cerca de 41 trabalhadores morrem em confl itos agrários, por ano.

Caderno especial

Coca-Cola:contravenção e

impunidadeJá se passaram seis meses da

realização do laudo da Polícia Federal que comprovou o uso de folha de coca na fabricação do refrigerante Coca-Cola e nada se fez a respeito. Pela lei de en-torpecentes brasileira, o registro de comercialização do produto deveria ser cancelado imedia-tamente. O deputado federal Renato Cozzolino (PDT-RJ) afi rma que fará uma indicação legislativa às autoridades com-petentes. Se não forem tomadas providências, ele moverá ação judicial.

Pág. 6

DIREITOS – Na França, cerca de 3 milhões de pessoas participam, pela quinta vez, de mobilização contra o desmantelamento da legislação trabalhista Pág. 11

ABRIL INDÍGENA - No Acampamento Terra Livre, em Brasília, indígenas de diversos povos pressionam governo federal para garantir direitos constitucionais Pág. 7

Bienal de Havanasai das galerias e

ganha as ruasPág. 16

Na Venezuela, novas metas dereforma agrária

Pág. 10

Governo ignoraparticipação dejovens em ações

Pág. 8

Truculência e autoritarismo em Minas GeraisViolência, arbitrariedades e

desrespeito aos direitos cons-titucionais. Esses têm sido os instrumentos de pressão do go-vernador mineiro, Aécio Neves

(PSDB), e do prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel (PT), para forçar os movimen-tos sociais a atenuar suas crí-ticas ao Banco Interamericano

Alckmin desativaFebem de olhonas eleições

Antes de entregar 41 novas unidades prometidas no ano passado, o governo de São Pau-lo começou a desativação do Complexo Tatuapé da Febem. A medida, tomada próximo à saída de Geraldo Alckmin para dispu-tar a Presidência da República, preocupa entidades, que temem a transferência dos jovens para o sistema prisional.

Pág. 5

OMC, EUA eUnião Européiaseduzem BrasilNa reta fi nal das negociações

que podem levar à concretização da Rodada Doha, o governo bra-sileiro se encontrou, no Rio de Janeiro, com o diretor-geral da Organização Mundial do Comér-cio (OMC) e com representantes dos EUA e da União Européia. As conversas focaram o acesso aos bens industriais, tendo a abertura do mercado agrícola internacional como troca.

Pág. 9

de Desenvolvimento (BID), que organiza encontro na cidade. Não deu certo. As organizações populares reuniram mais de duas mil pessoas, realizaram

passeatas, debateram e defi ni-ram as prioridades para a cons-trução de um projeto popular para o Brasil.

Págs. 2 e 3

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De 6 a 12 de abril de 20062

NOSSA OPINIÃO

OHIFALA ZÉFALA ZÉ

Brasil de Fato é o resultado das aspirações de milhares de lutadores de movimentos populares, intelectuais de esquerda, sindicatos, jornalistas e artistas que se uniram para formar uma ampla rede nacional e internacional de colaboradores. • Como participar: Você pode colaborar enviando sugestões de reportagens, denúncias, textos opinativos, imagens. Também pode integrar a equipe de divulgação e venda de assinaturas. • Cadastre-se pela internet: www.brasildefato.com.br. • Quanto custa: O jornal Brasil de Fato custa R$ 2,00 cada exemplar avulso. A assinatura anual, que dá direito a 52 exemplares, custa R$ 100,00. Você também pode fazer uma assinatura semestral, com direito a 26 exemplares, por R$ 50,00. • Reportagens: As reportagens publicadas no jornal podem ser reproduzidas em outros veículos - jornais, revistas, e páginas da internet, sem qualquer custo, desde que citada a fonte. • Comitês de apoio: Os comitês de apoio constituem uma parte vital da estrutura de funcionamento do jornal. Eles são formados nos Estados e funcionam como agência de notícias e divulgadores do jornal. São fundamentais para dar visibilidade a um Brasil desconhecido. Sem eles, o jornal fi caria restrito ao chamado eixo Rio-São Paulo, reproduzindo uma nefasta tradição da “grande mídia”. Participe você também do comitê de apoio em seu Estado. Para mais informações entre em contato. • Acesse a nossa página na Internet: www.brasildefato.com.br

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Biodiversidade e novo paradigma

Truculência contra os movimentos sociaisCONSELHO POLÍTICOAchille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frei Sérgio Gör-gen • Horácio Martins • Ivan Cavalcanti Proença • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • Jesus Antunes • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores

CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • Erick Schuning • Frederico Santana Rick • Hamilton Octávio de Souza • José Arbex Jr. • Kenarik Boujikian Felippe • Leandro Spezia • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Marcela Dias Moreira • Maria Luísa Mendonça • Mario Augusto Jakobskind • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim

��� • Editor-chefe: Nilton Viana���• Editores: Isa Gomes, Jorge Pereira Filho, Paulo Pereira Lima���• Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Igor Ojeda, 5555 João Alexandre Peschanski, Luís Brasilino, Marcelo Netto Rodrigues, 5555 Tatiana Merlino���• Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César 55 Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus 5 5555 Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins,

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CARTAS DOS LEITORESCARTAS DOS LEITORES

Leonardo Boff

Três são os inimigos principais da biodiversidade: o modelo de producão e consumo imperante, a monocultura e a espécie humana.

O modelo imperante, é imperioso repeti-lo, é devastador dos recursos naturais e é consumista. A Terra não agüenta mais esta sistemática agres-são e dá sinais claros de estresse. Ela já está se vingando como o tem mos-trado James Lovelock no seu recente e alarmante apelo “A vingança de Gaia”. Haja vista o aquecimento do planeta, as perturbações climáticas e a escassez de água potável.

A monocultura é contrária à lógi-ca da natureza que sempre consorcia todo tipo de formas de vida, permi-tindo que uma espécie ajude a outra a sobreviver e, ao mesmo tempo, se mantenha o equilíbrio dinâmico de todo o processo natural.

O mundo é dominado pela mo-nocultura do arroz, do trigo, da soja, do milho, do eucalipto, dos cítricos, do gado, das galinhas e outros. Cada implantação de uma monocultura signifi ca um verdadeiro assassinato de espécies vivas, de insetos e micro-organismos. Junto com a monocultura vêm os agrotóxicos para garantir e aumentar a produtividade.

O terceiro inimigo é a espécie

humana. Ela é uma entre milhares de outras. Mas seu triunfo foi o de disseminar-se sobre todo o Planeta, como uma verdadeira praga, adap-tando-se a todos os ecossistemas e submetendo a seus interesses todas as demais. Ocupou 83% do planeta mas de forma destruidora. Fez do Jardim do Eden um matadouro co-mo disse o mestre da biodiversidade Edward Wilson. As religiões, os tabus, os preceitos éticos e a ciência foram até hoje insufi cientes para im-pedir e limitar a violência humana contra a natureza. O meteoro rasante hoje se chama ser humano.

“As atividades antrópicas estão mudando fundamentalmente e, em muitos casos, de forma irreversível, a diversidade da vida no planeta Ter-ra. Tudo indica que esse processo vai continuar ou ainda se acelerar no futuro”. É o que constata o “Re-latório da Avaliação Ecossistêmica do Milênio” feito sob os auspícios da Organização das Nações Unidas (ONU) e divulgado em 2005.

Preocupante é que as centenas de medidas sugeridas pela Conven-ção sobre a Diversidade Biológica, seguramente necessárias, são feitas ainda dentro do paradigma antrópi-co de dominação da natureza. Elas não resolvem a questão básica da devastação. É como, se ao limarmos

os dentes do lobo, lhe tiraríamos a ferocidade. Precisamos de outro pa-radigma civilizatório que tenha uma relação não destrutiva com a nature-za, que atenda nossas necessidades, portanto que seja sustentável. Caso contrário não teremos mais futuro.

É neste contexto que se torna importante a Carta da Terra do ano 2000. Ela parte desta possível tragé-dia. Mas confi a que podemos evitá-la. Para isso precisamos de outra ótica que fundará uma nova ética. A ótica é que somos parte do vasto universo em evolução, fi lhos e fi lhas da Terra que é viva e somos um dos membros da grande comunidade de vida. O sentido de interdependência e de parentesco nos torna os cuida-dores naturais de todas as formas de vida. Há que satisfazer nossas neces-sidades, de forma justa e equitativa, com um manejo respeitoso da gene-rosidade da Terra, mas sem devastá-la e sempre procurando repor o que tiramos. Isso exige novos valores, diferentes instituições e modos de vida. Esse é o “modo sustentável de vida” que nos salvará.

Leonardo Boff é teólogo e professor universitário. É autor

de mais de 60 livros nas áreas de Teologia, Espiritualidade, Filosofi a,

Antropologia e Mística

UM EXEMPLO PARA A ESQUERDA

O jornal é uma grande alegria. É uma lufada de ar puro, fresco e revi-gorante. A linha editorial está ótima: crítica, analítica e sem chavões. É um exemplo para toda a esquerda do nosso país, que é possível marchar juntos, mesmo sem ter exatamente as mesmas idéias sobre todos os assun-tos. A existência do Brasil de Fato é a reafi rmação da esperança de que é possível construir um mundo diferente. É possível fazer uma imprensa alter-nativa ao invés de fi car reclamando que a imprensa burguesa mente e não dá espaço para a esquerda...como se isso pudesse ser diferente! Brasil de Fato é a continuação de um século de imprensa alternativa, desde os jornais operários dos anarquistas de cem anos atrás, passando pela imprensa comu-nista e depois pela imprensa alternativa da época da ditadura e fi nalmente con-tinuando e ampliando a disputa de he-gemonia feita pelo movimento sindical combativo das últimas duas décadas do século passado. Se junta a outras belas publicações como Caros Amigos, Re-portagem e outras que fornecem as ar-mas da informação na guerra contra os que querem manter o Brasil campeão da opressão, da exploração e de injus-tiça. Vamos continuar com o Brasil de Fato. Sempre repetimos que o grande defeito do nosso jornal é que ele ainda não é diário. Longa vida aos que lutam e ao corajoso jornal.

Claudia Santiago e Vito GiannottiPor correio eletrônico

SAUDAÇÃO AO BRASIL DE FATOA conquista de três anos de existên-

cia do Brasil de Fato é uma vitória de todas as forças políticas e movimentos sociais comprometidos com as lutas do povo brasileiro por democracia, justiça

social, ambiental e por soberania na-cional. Nestes três anos, o jornal tem cumprido um papel fundamental, não apenas porque tem divulgado os fatos pela ótica dos oprimidos e explorados, mas também porque tem ampliado os horizontes da luta política, cobrindo, de maneira excepcional, áreas tão impor-tantes como a defesa do meio ambiente. Lênin dizia que todo socialista deveria ser um “tribuno do povo”, que denuncia todas as formas de opressão, capaz de dialogar com o conjunto da sociedade. Nada melhor para sintetizarmos o papel cumprido pelo Brasil de Fato, que tem sido, incontestavelmente, uma verda-deira tribuna do povo, uma trincheira de luta nestes dias difíceis e, ao mesmo tempo, cheios de esperança e possibili-dades. Meus parabéns a todas e todos que vêm contribuindo para fazer do Brasil de Fato esse grande instrumento de luta do povo brasileiro.

Temístocles Marcelos NetoPor correio eletrônico

UM JORNAL IMPRESCINDÍVELEstá fazendo um ano que fi z a assi-

natura do Brasil de Fato. É um jornal imprescindível para o leitor que queira se informar sobre o que se passa, não só na nossa sociedade como, também, no mundo. Parabéns.

Heloísa FernandesPor correio eletrônico

PARABÉNS AO BRASIL DE FATOCumprimento toda equipe do Brasil

de Fato pelos três anos de existência. Nesse período vocês fi zeram da infor-mação uma arma para o crescimento: social, cultural e educativo. E o melhor, com um meio de comunicação moder-no e cada vez mais abrangente, tal qual a sua linguagem efi ciente.

Valdeci PaulaPor correio eletrônico

A situação de injustiça social, de ausência de democracia e de barbárie social – sistematica-

mente denunciada pelo Brasil de Fa-to – se expressa em alguns momentos de forma mais autoritária, típica de uma elite preconceituosa e covarde. Se os interesses do imperialismo e do capital são diretamente questionados, a repressão é das mais truculentas.

Desde a preparação do 1º En-contro dos Movimentos Sociais Mineiros em Belo Horizonte, vimos mais um exemplo deste histórico de cerceamento, coibição, repressão e truculência. Os movimentos sociais tiveram a ousadia de realizar seu encontro por Um Projeto Popular e Soberano para o Brasil no mesmo pe-ríodo em que ocorreu a 47ª Reunião do Banco Interamericano de Desen-volvimento (BID), com a presença de secretários da Fazenda, do Plane-jamento, governadores e presidentes do Banco Central de diversos países.

Na preparação do evento do BID, foram gastos mais de R$160 milhões pela prefeitura e pelo governo do Es-tado. Maquiaram a cidade, esconde-ram a pobreza, fecharam o centro da cidade para inviabilizar a circulação, desalojaram famílias e comunidades. Cerca de seis mil policiais federais, militares, civis e o Exército foram mobilizados.

Trabalharam também o imaginário da população. A imprensa deu cober-tura diária em todos os noticiários, ocupando várias páginas dos diários e de boa parte dos telejornais. Divulga-ram os “benefícios” dos investimentos do BID e os preparativos da cidade. Prepararam o terreno para a repressão e para a intimidação, mostrando as

tropas de choque destinadas a coibir qualquer manifestação.

Nem uma palavra foi dita so-bre os reais interesses do BID e tampouco sobre as condicionali-dades embutidas nos empréstimos. Quando essa instituição fi nancia um projeto de um governo, como obras de saneamento, por exemplo, são impostas ao poder público uma série de contrapartidas nada demo-cráticas. Tais como: aumento de impostos, corte nos gastos sociais, altas taxas de juros, privatizações, abertura cambial e comercial, su-bordinação dos países, dependência externa, perda da soberania.

Não se falou que o BID fi nancia, de fato, um modelo de exclusão social e degradação ambiental. Uma nova forma de colonização implementa-da em parceria com outros organis-mos fi nanceiros internacionais, como a Organização Mundial do Comér-cio (OMC), Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional (FMI).

Nada democrática também foi a postura do governador Aécio Neves (PSDB) e do prefeito de Belo Hori-zonte, Fernando Pimentel (PT), que quiseram prejudicar o 1º Encontro dos Movimentos Sociais Minei-ros. Espaços públicos e alvarás de circulação de carros de som foram negados. Infringiram de forma au-toritária o direito constitucional de livre manifestação e liberdade de expressão.

Não foi surpresa para quem acompanha a política em Minas Gerais. O tucano Aécio Neves, que posa de moderno e conciliador, já cassou vários jornalistas, como tem denunciado o sindicato local,

e mantém Minas Gerais sob cen-sura. Na preparação para a reunião do BID, a imprensa foi proibida de noticiar qualquer fato que contra-ponha aos seus interesses. A re-pressão e a censura levaram cinco valorosos companheiros e a duas valorosas companheiras a fazerem jejum em frente ao Palácio do Governador, como alternativa que restou aos movimentos sociais pa-ra garantir direitos inalienáveis. E lá permaneceram até a entrada da Marcha dos Movimentos Sociais, que exigiam redução da tarifa de energia que, em Minas, é a mais cara do mundo.

Na manhã do dia 3, uma marcha de diversos movimentos sociais foi bloqueada e pressionada pela polícia, o que levou marchantes a entrarem na Cemig (empresa de energia elétrica de Minas), onde fo-ram brutalmente agredidos, com 38 pessoas gravemente feridas e mais de dez pessoas presas.

Eles têm medo. Esse é o motivo que leva a classe dominante e seus gerentes executivos a reprimirem tão brutalmente os movimentos so-ciais. Sobretudo porque o encontro das diversas organizações em Minas Gerais tinha como objetivo sinalizar à população a existência de alterna-tivas para a superação da pobreza e da miséria, por meio da construção de um Projeto Popular para o Brasil. Isso fi cou materializado na elabora-ção dos 15 pontos da carta elaborada pelos movimentos (veja página 3). Mas a classe dominante não alcan-çou o seu intento e os movimentos sociais seguem construindo na teo-ria e na prática o Brasil sonhado.

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De 6 a 12 de abril de 2006 3

NACIONALDESIGUALDADE SOCIALDESIGUALDADE SOCIAL

Desenvolvimento para quem?Em Minas Gerais, movimentos sociais protestam contra políticas do BID durante encontro anual da instituição

Cecília Guimarãesde Belo Horizonte (MG)

B elo Horizonte recebeu dos dias 29 de março a 5 de abril a 47ª Assembléia Anual do

Banco Interamericano de Desenvol-vimento (BID). Por toda a cidade, outdoors e placas indicavam: os par-ticipantes do evento do BID estão chegando. Desde o dia 29 de mar-ço, eram esperadas cerca de 13 mil pessoas, entre ministros de Estado e representantes dos 47 países.

Nas imagens publicitárias, mu-lheres, idosos e crianças seguram um tapete vermelho, com frases co-mo: “BID. Receber bem para rece-ber sempre” ou “Minas. De portas abertas para o desenvolvimento.” E ainda: “BID 2006. Em Belo Horizonte, todo desenvolvimento é bem-vindo.” Mas que desenvolvi-mento é este para o qual o povo não foi chamado?

FOME DE RESPEITO!Paralelamente, diversas organi-

zações sociais fi zeram um evento em contraponto: o Encontro dos Movimentos Sociais contra as Ins-tituições Financeiras Multilaterais, organizado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), Conlutas, o Movimento dos Atingidos por Bar-ragens (MAB), o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), a Cáritas, a Articulação de Fóruns, o Comitê Mineiro do Fórum Social Mundial, além de representação da CNBB e de diversas entidades. A bandeira: Fora BID!

Na véspera do início do encon-tro dos movimentos sociais, a Pre-feitura de Belo Horizonte e outras instituições negaram os espaços centrais sempre cedidos às orga-nizações sociais mineiras, como o complexo da Praça da Estação, por onde passariam as autoridades do BID. A alegação do Poder Pú-blico era de que, como anfi triões do evento ofi cial, não poderiam se

Os participantes do Encontro dos Movimentos Sociais Mineiros ocuparam pacifi camente o prédio da Cemig na manhã do dia 3. Mes-mo assim, a Polícia Militar (PM) os atacou e quis expulsá-los à força, agredindo-os com bombas de gás lacrimogênio, tiros que furaram pneus de automóveis e quebraram o carro de som dos manifestantes.

O que não apareceu nos telejor-nais foi justamente a covarde ação da PM que antecedeu às imagens em que, durante o confronto, os ma-nifestantes, assustados, quebraram os vidros na recepção da Cemig. Eles fugiam de tiros de balas de chumbo disparados pelos policiais. Ao perceber a truculência sofrida por alguns de seus companheiros, os militantes se revoltaram contra tamanha arbitrariedade e desconta-ram sua indignação sobre a estrutu-ra física do local.

Seis pessoas foram presas. Também houve dezenas de feridos, atendidos no local e enviados para os hospitais da cidade. Depois, em uma cela, os presos foram coloca-dos nus e de pé, algemados, um por um de frente para os policiais feridos no confronto para que estes se vingassem. Mais tarde, depois de liberados, os manifestantes foram ao Instituto Médico Legal (IMG),

O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) empresta dinheiro aos países americanos, mas em troca obriga os governos a reali-zarem mudanças na economia e na distribuição dos recursos públicos. Esse mecanismo é conhecido como condicionalidades. Assim, o dinhei-ro que deveria ser gasto com saúde e educação do povo é enviado para fora do Brasil para pagar as dívidas feitas com o banco. Os emprésti-mos são concedidos se o país se comprometer a vender as empresas públicas e a gerarem atrativos para as empresas estrangeiras explora-rem as riquezas naturais. Um dos temas discutidos na Assembléia do

envolver com o encontro paralelo e suas manifestações.

RESISTÊNCIAEm protesto contra tal ato, consi-

derado como arbitrário por cercear a liberdade de expressão e de ir e vir – direitos constitucionais do ci-dadão brasileiro –, os movimentos realizaram um ato ecumênico que deu início a uma vigília e a greve

de fome de oito pessoas. Fome de direitos, de respeito, de justiça!

Com a mediação de parlamen-tares de esquerda, centenas de ma-nifestantes então foram acampar na Praça da Assembléia Legislativa. A marcha do Movimento dos Atingi-dos por Barragens (MAB) chegou da cidade de Ponte Nova, no inte-rior de Minas, depois de caminhar quilômetros sob sol e chuva, su-

perando os perigos da estrada e a obstrução das autoridades.

Depois de inúmeras atividades e discussões, os participantes do encontro se organizaram para descer em marcha até a porta do Palácio das Artes, sede da abertura do encontro ofi cial, no dia 3. O ob-jetivo era entregar uma carta com 15 propostas para a construção de um projeto popular brasileiro

– elaborada pelas organizações sociais – aos representantes do BID (veja as principais propostas no quadro). Mas, após andarem apenas dois quarteirões, foram encurralados pela polícia na porta da empresa de energia de Minas, a Cemig. Veio então a repressão, como já conhecida em outros tempos da história brasileira. Pes-soas se machucaram, outras foram detidas. Na região mais central, próxima ao evento ofi cial, mais truculência contra os manifestan-tes. (Leia texto abaixo).

CIDADE VIGIADANo entorno do evento ofi cial, a

polícia aparecia fortemente armada até nas janelas dos edifícios. O Ba-talhão de Choque, preparado para um grande enfrentamento, isolava a cidade com cordões e cassetetes. O povo belo-horizontino, mais uma vez, foi impedido de ir e vir em sua própria cidade, mantida com recur-sos oriundos de impostos pagos pe-lo próprio povo. Entre uns e outros, que desviavam seus caminhos para os estrangeiros passarem, ouvia-se: “que palhaçada!”, “para os ricos tudo, para os pobres nada”, “nunca vi tanto policial assim”, “que para-nóia!”, ... entre outras expressões de desconforto e indignação.

Os gerentes dos estabeleci-mentos comerciais, instruídos por sabe lá quem, semicerravam suas portas, com medo de confusão. Em um destes locais, uma vende-dora dizia: “Para que ser contra este tal de BID se ele traz o de-senvolvimento para o país?” Ela não sabia, porém, como a grande maioria do povo, que, ao contrário do que as propagandas diziam, o BID promove um desenvolvimen-to voltado para os banqueiros, para os investidores, para as empresas transnacionais, em síntese, para atender às exigências do capital internacional. (Colaboraram Hei-tor Reis e Wellington Morais)

Na Guatemala, país da América Central, o Banco Inte-ramericano de Desenvolvimento (BID) fi nanciou a constru-ção de uma represa chamada Chixoy, na década de 1980. Milhares de trabalhadores rurais foram obrigados a aban-donar as suas terras. Mesmo sabendo das conseqüências negativas para o meio ambiente, as obras começaram. Um grupo de trabalhadores rurais tentou impedir a construção da represa e foi massacrado pelo Exército. Foram mortas 4 mil e 400 pessoas. Os assassinos nunca foram julgados.

Duas lembranças da atuação do bancoNa Bolívia, o BID obrigou o governo a vender o ser-

viço de distribuição de água do Estado de Cochabamba para a transnacional estadunidense Bechtel. Assim que compraram o direito de exploração da água, o preço do fornecimento subiu 300%. Muitas famílias fi caram sem água e saíram às ruas para protestar. Com muita luta, o povo conseguiu expulsar a empresa do país, mas nesses protestos foram feridas milhares de pessoas e um jovem de 17 anos foi morto. (CG)

Países Porcentagem de ações no BID

Estados Unidos 30%

Japão 5%

Canadá 4%

Países desenvolvidos não-americanos 11%

Países latino-americanos (pobres) 50%

A DIVISÃO DE PODER

para fazer exame de corpo delito. Durante quase todo o tempo, he-licópteros deram vôos rasantes sobre os manifestantes que estavam cercados por um grande efetivo po-licial, armados de escopeta e outros armamentos pesados.

Já na Praça da Assembléia Le-gislativa, onde os militantes dos movimentos sociais montaram um acampamento, um helicóptero da polícia dava vôos rasantes no dia 4, levantando a areia destinada à área de lazer das crianças. O barulho ensurdecedor deixava clara a in-tenção de intimidar os acampados, bem como as 13 viaturas, os quatro ônibus da tropa da choque e várias motos presentes no local.

No dia 4, a Ordem dos Advo-gados do Brasil de Minas Gerais (OAB/MG) aprovou uma moção de repúdio alegando que “para que uma centena de funcionários de um ban-co internacional se reúna, violam-se direitos fundamentais da coletivi-dade, para que os funcionários do banco possam usufruir de privaci-dade”. A OAB afi rma que “nem nos piores dias de ditadura assistimos a um aparato policial semelhante” e propõe um “voto de censura” às autoridades federais, estaduais e municipais que patrocinaram “tal descalabro”. (HR e WM)

Truculência e abuso de autoridade

1. Reformar o sistema político, ampliando mecanismos permanentes de participação direta da população nas decisões políticas;2. Resgatar e construir os valores socialistas e humanistas orientadores dos ideais democráticos e republicanos; 3. Mudança do modelo econômico, com valorização do desenvolvimento local sustentável, dos grupos e comunidades, fundamentado em uma nova lógica econômica baseada na solidariedade;4. Realizar auditoria da dívida pública interna e externa e suspender seu pagamento; 5. Democratizar a comunicação, quebrando o monopólio de oito famílias no Brasil;6. Acabar com o trabalho escravo, especialmente no latifúndio e no agronegócio; 7. Mudança no sistema tributário, com a taxação das grandes empresas, latifúndios e das grandes fortunas. Imposto de renda que garanta distribuição de renda; 8. Penalizar imediatamente as empresas refl orestadoras responsáveis por crimes ambientais;9. Promover a identifi cação, reconhecimento e demarcação de territórios de dezenas de comunidades quilombolas e indígenas, arrecadando as terras devolutas;10. Promover ações imediatas de políticas afi rmativas, no campo e na cidade, que garantam os direitos humanos fundamentais como o acesso à água, energia, alimentação, educação diferenciada, infraestrutura social e produtiva.11. Realizar uma reforma agrária ampla e massiva, como forma de geração de trabalho, de promoção de uma agri-cultura de base agroecológica;12. Investir maciçamente na educação, como eixo central de construção do país, como contraponto às políticas neoli-berais que vem sendo implementadas, com a erradicação do analfabetismo;13. Construir o desenvolvimento sob bases agroecológicas, da soberania alimentar e da sustentabilidade; 14. Respeitar e valorizar a organização dos trabalhadores e das trabalhadoras; 15. Interromper imediatamente o projeto de transposição do São Francisco, com abertura de amplo debate com a sociedade iniciando sua revitalização.

Carta dos Movimentos SociaisResumo das 15 propostas para a construção de um Projeto Popular para o Brasil

O que é o BID?BID, realizada em Belo Horizonte, é: “Novos Mercados, Novas Possi-bilidades”.

Teoricamente, o BID é formado por 46 países, mas, na prática, são os mais ricos que mandam. (Veja, no quadro ao abaixo, a porcentagem de participação de cada país na insti-tuição). O principal interesse para os países ricos integrarem o BID é, de um lado, lucrar com o empréstimo de milhões para países latino-ame-ricanos e, por outro, infl uenciar nas políticas internas dessas nações.

Lista dos 46 países que fazem parte do BID:Países da América Latina e Ca-

ribe (26): Argentina, Bahamas, Barbados, Belize, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Guiana, Haiti, Honduras, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Para-guai, Peru, República Dominicana, Suriname, Trindade Tobago, Uru-guai e Venezuela.Países da América do Norte (2): Estados Unidos e Canadá.Países da Europa (16): Alema-nha, Áustria, Bélgica, Croácia, Dinamarca, Eslovênia, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Itália, Noruega, Portugal, Reino Unido (Inglaterra), Suécia e Suíça. Países da Ásia (2): Japão e Israel.

Em evento paralelo, movimentos sociais discutiram saídas às políticas neoliberais implementadas pelo BID

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De 6 a 12 de abril de 20064

NACIONALEspelho da mídia COMUNICAÇÃOCOMUNICAÇÃO

Cid Benjamin

Tarso e a conspiração Tarso Genro, o novo articulador político de Lula, endossa a tese de conspiração da mídia a serviço da direita, contra o governo. É verdade que a grande imprensa é conservadora, mas é verdade tam-bém que Lula não tem incomodado a direita. A paranóia não ajudará petistas sinceros na identifi cação dos erros do partido. As quedas de Dirceu, Genoíno, Gushiken, Silvinho, Palocci e outros não se deveram a qualquer conspiração, mas a outras razões – muitas delas previstas no Código Penal.

Dirceu e a conspiraçãoO ex-deputado José Dirceu repetiu para o jornal argentino Página 12 a história de que a crise no Brasil é fruto de uma conspiração da di-reita contra o governo Lula. E diz que Garotinho, na disputa interna do PMDB, gastou 30 milhões de dólares. De fato, Garotinho gastou bastante dinheiro. Mas como Dirceu chegou àquela cifra? Chute? Infor-mação da Abin? Essa era uma per-gunta que deveria ter sido feita.

Cobertura isentaÉ imprudente fazer qualquer previ-são (basta lembrar a edição do úl-timo debate entre Lula e Collor pelo Jornal Nacional, em 1989). Mas, até agora, a cobertura dos grandes meios de comunicação a respeito das eleições tem sido relativamente isenta. Certamente contribui para is-so o grande capital considerar que, se a polarização se der entre os dois favoritos, estará com seus interesses defendidos, seja qual for o vencedor.

Cobertura preconceituosaA grande imprensa brasileira con-tinua destilando preconceito em relação aos movimentos sociais. Ela age como se a única forma legítima de participação política, para a defesa dos direitos de cidadania e infl uenciar os rumos do país, fosse por meio do voto. Cada vez que o povo pobre vai para a rua ou luta por direitos, a mídia trata o caso como baderna.

Época vai se desculpar?Os responsáveis pela quebra do sigilo bancário e pela divulgação do extrato do caseiro Francenildo responderão na Justiça. Mas pouco se falou do papel da revista Época como cúmplice da ilegalidade. Na semana passada, ela publicou o extrato de Francenildo expondo sua intimidade e dando margem a que se tornasse público que seu pai não o reconheceu como fi lho. Era natural que a edição desta semana trouxes-se uma explicação aos leitores e um pedido de desculpas a Francenildo. Mas a revista preferiu o silêncio.

IstoÉ ou Isto Já EraO editor de política da sucursal de Brasília da IstoÉ, Luís Cláudio Cunha, enviou mensagem eletrônica ao novo diretor-editorial, Carlos José Marques, com críticas pesadas. Entre outras coisas, Cunha acusa Marques de proibir “pretos e pobres na IstoÉ”. Reclama também que em sua matéria sobre o caseiro Francenildo foi expurgada qualquer menção a Palocci. A íntegra do texto está em www.observatoriodaimprensa.com.br.

Isso é jornalismoDepois de a Nossa Caixa repassar recursos para veículos que apóiam Geraldo Alckmin, aparece outro caso, também relatado pela Folha de S. Paulo. A revista Ch’an Tao, da Associação de Medicina Tradicional Chinesa no Brasil, recebeu R$ 60 mil de patrocínio da Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Pau-lista. Na capa, Alckmin. Lá dentro, páginas e páginas sobre Alckmin – o homem que promete trazer de volta a ética para a política.

Pesquisa no alémO blog do Marona descobriu esta do Globo On Line. No dia 3, havia uma reportagem com o seguinte títu-lo: “São Paulo: hóspede é morto em fl at nos jardins”. Em seguida, vinha a pergunta do jornal, estimulando a participação dos leitores: “Já acon-teceu com você? Conte”.

Blog do Cid Benjamin: http://blogdocidbenjamin.zip.net/

Brasil de Fato completa três anosAto político-cultural ressalta a importância de fortalecer a imprensa independente

Dafne Meloda Redação

“Para nós construirmos ver-dadeiramente uma de-mocracia, precisamos ter

a imprensa democratizada. Precisa-mos de outras versões dos fatos. O Brasil de Fato evoca essa urgên-cia”. As palavras do bispo de Jales, dom Demétrio Valentini, resumem os motivos da criação do jornal que dá voz aos movimentos populares, “movimentos que buscam trans-formações profundas na sociedade, mas que são constantemente crimi-nalizados ou têm suas lutas omitidas na chamada grande imprensa”. A declaração de dom Demétrio foi feita durante o ato político-cultural que reuniu cerca de 500 pessoas pa-ra comemorar os três anos do jornal Brasil de Fato, dia 31 de março, na cidade de São Paulo.

Em nome da direção do Mo-vimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o coordenador nacional João Paulo Rodrigues disse ter “muito orgulho” de fazer parte de um projeto como o do Brasil de Fato: “Nós do MST e da Via Campesina temos clareza de que o jornal é um instrumento dos trabalhadores do campo e da cidade”. Rodrigues ressaltou que, assim como a terra, os meios de comunicação também têm sua fun-ção social, embora ela raramente seja cumprida com seriedade. “O Brasil de Fato cumpre essa fun-ção quando consegue ser um ins-trumento político pedagógico que contribui com a formação político-ideológica dos militantes sociais”, avaliou.

O jornal Brasil de Fato foi lançado durante o 3° Fórum So-cial Mundial, em janeiro de 2003. Na reportagem de capa da edição número zero, uma entrevista com o economista Celso Furtado – “É Preciso Coragem para Mudar o Brasil” – abordava o momento de esperanças e dúvidas no início do

Igor Ojeda da Redação

“Eu, José Serra, comprometo-me, se eleito prefeito do município de São Paulo no pleito de outubro de 2004, a cumprir os quatro anos de mandato na íntegra, sem renun-ciar à prefeitura para me candidatar a nenhum outro cargo eletivo”. A promessa foi feita, por escrito, em 14 de setembro do mesmo ano, du-rante sabatina realizada pelo jornal Folha de S.Paulo. Posteriormente, o tucano assinou um registro no cartório de mesmo teor.

Mas, apenas um ano e três meses depois de tomar posse, no dia 31 de março, o signatário de tal documento de compromisso renunciou, deixan-do a prefeitura a cargo do PFL do vice-prefeito Gilberto Kassab para se candidatar ao governo do Estado de São Paulo. “Ele abandonou a cidade, descumprindo a palavra e deixando

Tatiana Merlino da Redação

“A estratégia de manipulação utilizada pela grande mídia é a des-contextualização da notícia, que é apresentada de maneira fragmenta-da”. Assim o jornalista José Arbex iniciou sua fala durante o Observa-tório da Conjuntura, série de deba-tes sobre a conjuntura nacional e in-ternacional promovidos pelo jornal Brasil de Fato. O tema do encontro que aconteceu no dia 24 de março, em São Paulo, foi “A mídia e os três anos da invasão imperialista do Iraque”. Entre os palestrantes, além do jornalista, o historiador Valério Arcary e a feminista Nalu Faria, da Marcha Mundial das Mulheres.

Para Arbex, os Estados Unidos utilizaram o atentado às torres gêmeas em 2001 como pretexto para invadir o Iraque. “Isso não tem nada a ver com terrorismo”. No en-tanto, segundo o jornalista, a mídia não discute questões como essa e, por isso, “iniciativas como a do ob-servatório são tão importantes”.

A militante feminista Nalu Faria discutiu o impacto da guerra sobre a vida das mulheres e afi rmou que o estupro é usado como arma durante as guerras, quando as mulheres são utilizadas como prêmio aos ven-cedores. Já o historiador Valério Arcary lembrou do alto número de deserções entre os soldados do Exército de ocupação estaduniden-ses, que mesmo infringindo o códi-go militar, fogem para o Canadá.

Mídia e guerra no Iraque em debate

CONJUNTURACONJUNTURA

o município numa situação delicada, com crise no transporte, problemas na saúde que não conseguiu resol-ver”, diz o vereador Paulo Fiorilo, presidente do PT municipal.

Para ele, o outro problema advin-do da renúncia de José Serra é o fato da administração da maior cidade do Brasil cair nas mãos de Kassab, po-lítico quase desconhecido, que não foi eleito e que passou pela gestão de Celso Pitta – ex-pupilo de Pau-lo Maluf e prefeito da cidade entre 1997 e 2000. “Nossa avaliação é que, infelizmente, o Serra e o PSDB traíram a cidade”, afi rma.

Integrante da tropa de choque de Maluf na Câmara Municipal quando este ocupou a prefeitura (entre 1993 e 1996), Kassab – afi lhado político do senador Jorge Bornhausen (PFL-SC) – já enfrentou diversas acusações, entre elas a de enriquecimento ilíci-to, baseada no crescimento de 316% de seu patrimônio entre 1994 e 1998,

período em que foi deputado estadual e secretário de Planejamento de Pit-ta. Além disso, Fiorilo lembra que o único projeto que o novo prefeito aprovou como deputado foi o de um conselho de telecomunicações que não existe mais. “Então é uma fi gu-ra, do ponto de vista administrativo, com pouca ou nenhuma experiência, exceto essa do governo Pitta”.

Agora, o PFL, além de assumir a Prefeitura de São Paulo, comanda também – com Cláudio Lembo – o Estado paulista, depois da renúncia do ex-governador Geraldo Alckmin para se candidatar à Presidência da República.

DÍVIDASegundo Fiorilo, enquanto este-

ve no cargo, José Serra utilizou-se de um discurso “extremamente neoliberal”, ao dizer, entre outras coisas, que não havia recursos e que teria que renegociar a dívida. “No fi nal de 2005, a prefeitura teve um superávit de mais de R$ 440 milhões, mas ele não investiu na cidade o que deveria investir”. Para o vereador petista, o ex-prefeito usou São Paulo como trampolim eleitoral. “A intenção sempre foi essa. Desde o início, nunca gostou de administrar a cidade”.

Forilo entrará com representa-ção no Ministério Público Eleitoral questionando a realização, por par-te de Serra, de ato partidário para declarar sua renúncia em imóvel pertencente à administração indire-ta da prefeitura municipal (Anhem-bi). A ação teria infringido o artigo 73 da Lei 9.504/97.

TUCANATOTUCANATO

Serra: esqueçam o que assinei

mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Três anos depois, não faltaram comentários sobre o fraco desempenho do governo no desen-volvimento social.

31 DE MARÇO Também foi lembrado o golpe

militar, em 1964. “Há exatos 42 anos, o povo brasileiro era traído”, disse Alípio Freire, jornalista e in-tegrante do Conselho Editorial do Brasil de Fato que criticou a gestão petista e ressaltou a necessidade da organização popular. “Quarenta e dois anos depois, o povo é traído novamente. Um governo que disse que viria para fazer mudanças, fez mudanças na Previdência, quer fa-zer mudanças trabalhistas. O povo perdeu direitos durante esses anos, e continuará perdendo se não se orga-nizar e reagir”, declarou.

O especialista em reforma agrária Plinio Arruda Sampaio engrossou as críticas ao governo: “Assim como no golpe, vemos o povo vivendo com difi culdades, sem entender o que está acontecendo. Mas nós não desistimos. Vamos começar de no-vo. Essa luta não é de hoje. O Brasil

de Fato é uma história muito antiga, não tem só três anos”.

GRANDE IMPRENSADurante o ato, a grande imprensa

foi alvo das críticas de José Arbex Jr., jornalista e integrante do Con-selho Editorial do jornal. Ele citou a repercussão, na mídia comercial, da ação da Via Campesina no Rio Gran-de do Sul, em uma área da trans-nacional Aracruz Celulose: “Todo mundo aqui viu na televisão, ouviu no rádio e leu nos jornais como o MST é bárbaro, como o MST é fací-nora, como o MST destrói pesquisas tecnológicas. O que ninguém viu é que uma única árvore de eucalipto consome 30 litros de água por dia”. Arbex lembrou que as áreas de plan-tações de eucalipto fi cam em cima do Aqüífero Guarani, maior reserva de água subterrânea do mundo, e que nenhum estudo foi feito para deter-minar as conseqüências ambientais da ação da Aracruz. “Isso ninguém ouviu, ninguém viu, ninguém leu. Por quê? Porque a mídia é mentiro-sa, escrava do capital, porque a mídia está do lado deles”, completou.

O jornalista também falou da

ação da Polícia Federal no Espírito Santo, que destruiu duas aldeias indígenas e deixou nove indígenas feridos, no município de Aracruz, após o a Justiça ter concedido uma liminar de reintegração de posse à transnacional. “Para isso fazemos o jornal Brasil de Fato, pois nesse pa-ís não há justiça, não há democracia. O que há é escravidão, o que existe é preconceito contra os pobres, o que existe é um projeto em curso para aniquilar o maior movimento da América Latina, se não do mundo, o MST”, defendeu Arbex.

Durante o ato, apresentaram-se Chico César e os violeiros Ivan Vil-lela, Victor Batista e Pedro Munhoz. Como parte das comemorações, foi lançado, pela editora Expressão Popular, o livro É Preciso Coragem para Mudar o Brasil, uma compi-lação das melhores entrevistas pu-blicadas no jornal – Celso Furtado, Marilena Chauí, Oscar Niemeyer, Apolônio de Carvalho, Francisco de Oliveira, dom Pedro Casaldáliga, Hugo Chávez e Noam Chomsky, en-tre outros. O livro custa R$ 13. Para adquirir: (11) 3105-9500 ou no site www.expressaopopular.com.br.

Em ato político-cultural realizado em São Paulo, violeiros prestam homenagem ao Brasil de Fato: três anos de teimosia coletiva

Manifestante protesta contra política de desmonte de Serra, considerado “traidor”

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NACIONALDIREITOS HUMANOS DIREITOS HUMANOS

Na Febem, a crise continuaÀs vésperas da eleição, Alckmin inicia a desativação do Complexo Tatuapé, mesmo sem inaugurar unidades prometidas

Eduardo Salesde São Paulo (SP)

As greves e paralisações ocor-

ridas no setor de educação, nos últimos meses, indicam as precárias condições do ensino público brasi-leiro tanto nas esferas municipais, quanto estaduais. No Rio Grande do Sul, a greve de professores e de fun-cionários, decretada dia 2 de março, teve adesão de 80% da categoria, segundo os organizadores. Os traba-lhadores reivindicam reposição sala-rial de 28%, mais reajuste de 8,69%. O último reajuste foi de 10%, em 2004. Os servidores também que-rem o cumprimento da legislação e o pagamento do 13º em dia. O governador licenciado Germano Rigotto alega que só em maio terá como apresentar uma proposta.

No Rio de Janeiro, em assem-bléia realizada dia 28 de março, os professores da rede estadual deci-diram manter a greve iniciada dia 16 de março. Segundo o Sindicato Estadual dos Profi ssionais de Edu-cação (Sepe), os educadores estão há mais de dez anos sem aumento salarial e tentam negociar um piso emergencial de 34%, porém as perdas somam 64%. Na cidade de Natal, no Rio Grande do Norte, a greve de 30 dias foi suspensa em 17 de março. Segundo o Sindicato dos Trabalhadores em Educação Públi-ca (Sinte-RN), os valores percentu-ais nominativos a serem aplicados aos salários dos professores a partir de abril ainda serão informados.

Em São Paulo, os professores da rede estadual de ensino se reuniram em assembléia, dia 24 de março. Para o presidente do Sindicato dos

Tatiana Merlinoda Redação

D epois de anos de promessas não cumpridas, dia 29 de março foi iniciada a desa-

tivação do Complexo Tatuapé da Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem), às vésperas do pe-ríodo eleitoral e próximo à saída do governador Geraldo Alckmin para disputar a Presidência da República. A desativação do complexo apelida-do de “Carandiru” poderia até ser comemorada, caso não tivesse sido feita antes da inauguração de unida-des para onde possam ser transferi-dos os jovens, conforme promessa de Alckmin no ano passado.

Em momentos de crise da insti-tuição, o governo estadual prometeu várias vezes desativar a Febem do Tatuapé – foi assim em 1992, em 1998, em 1999, em 2000 e em 2005, quando em meio a uma das maiores crises da história da instituição, Al-ckmin garantiu a inauguração de 41 unidades até o fi nal do ano, e a des-truição da Febem Tatuapé, conforme as unidades fossem implantadas.

“Vejo essa desativação com muita preocupação. Primeiro, por-que até agora foram construídas poucas das 41 unidades. Além dis-so, elas reproduzem o mesmo mo-delo do complexo do Tatuapé, que não respeita os parâmetros estabe-lecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Como eles querem esvaziar as unidades, não observam questões que devem ser levadas em conta, como colocar juntos jovens com a mesma com-pleição física”, afi rma a advogada Valdênia Paulino de Souza, do Centro de Direitos Humanos de Sapopemba. “Em segundo lugar, acredito que essa é uma resposta eleitoreira à opinião pública”, diz Valdênia, referindo-se ao potencial eleitorado de Alckmin, que duran-te sua administração teve a Febem

como seu “calcanhar-de-aquiles”. “Há muito tempo estão dizendo que vão desativar a unidade, mas resolvem fazê-lo às vésperas da eleição”, ironiza Valdênia.

PARA A CADEIA?Uma das maiores preocupações

das entidades de direitos humanos é que por falta de lugar para trans-ferir os jovens eles sejam jogados no sistema prisional, “o que seria a efetivação da redução da maio-ridade penal”, alerta Valdênia. A preocupação procede. Em 1999, quando foi desativado o Complexo da Imigrantes da Febem, o então governador Mário Covas transfe-riu os internos para as cadeias de Pinheiros e de Santo André. No ano passado, internos do Complexo de Franco da Rocha também foram transferidos para a Penitenciária de Tupi Paulista e para um presídio de segurança em Taubaté.

Dia 29 de março o governo

começou a demolição de uma das 18 unidades do Complexo Tatuapé, que abriga 1.200 internos. Até o fi m do ano, está prevista a desativação de mais seis unidades, de acordo com a assessoria da Fundação. Em contrapartida, a Febem inaugurou duas unidades em Campinas, no interior de São Paulo. Segundo a assessoria da entidade, há 17 unida-des em construção. Negando a pos-sibilidade de envio de jovens para o sistema prisional, a Febem garante que a medida deve colaborar para que a Fundação se adeque às exi-gências do ECA e do Conselho Na-cional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).

DEMOLIÇÃO DO COMPLEXODe acordo com entidades de de-

fesa dos direitos humanos, a simples demolição do complexo não resolve os problemas dos jovens em confl ito com a lei. “Esse sistema é violento, tem a estrutura de presídios, é falido.

A única alternativa é sua extinção”, avalia Eloísa Machado, advogada da Conectas Direitos Humanos. Ela de-fende a aplicação do ECA, que prevê a implantação de pequenas unidades de ressocialização, medidas de re-gime meio aberto, controle externo da instituição por uma ouvidoria e uma corregedoria independentes. Os defensores de direitos humanos ainda alertam para a importância de responsabilizar os funcionários que se envolvem com casos de torturas e maus-tratos. “Há funcionários que são conhecidos por cometer atos violentos, mas continuam trabalhan-do na instituição, impunemente”, critica Eloísa Machado. “Também é muito importante que o jovem cum-pra a medida de internação o mais próximo possível de sua família, condição fundamental para a vida afetiva dos internos. Além disso, as famílias geralmente não têm recur-sos para visitar os fi lhos em outras cidades”, completa.

Dia 27 de março, a 1ª Vara da Fazenda Pública condenou a Febem de São Paulo a pagar indenização por danos materiais e morais a Maria José Garbeloto e Ivo Garbeloto, pais do jovem Ronaldo Garbeloto, morto em 14 de setembro de 2003, na unidade de internação UI-31, do Comple-xo Franco da Rocha. A ação, proposta em novembro de 2003 pelos advogados da organiza-ção não-governamental Conectas Direitos Humanos, requeria con-denação do Estado e indenização da família.

De acordo com a advogada do caso, Eloísa Machado, a sen-tença assume grande importância na responsabilização do Estado pela violência. O Estado é conde-nado pelas omissões e pela falta de garantia da integridade e da vida de Ronaldo, sendo estipula-da uma indenização de 30 salá-rios mínimos por danos morais e 20 salários mínimos pelos danos materiais.

Para Eloísa, a condenação é positiva porque reconhece a res-ponsabilidade do Estado num ca-so de violação da dignidade dos jovens. Entretanto, ela questiona o valor estipulado na sentença: “Esse valor, ridículo, representa uma carta branca para o Estado continuar com as violações. Se pensarmos que um jovem interno custa R$ 60 mil pelo período de três anos de internação, pagar R$ 9 mil de indenização é uma eco-nomia e tanto para o Estado”.

Em novembro do ano passado, a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) de-terminou que o governo tomasse medidas imediatas para garantir a proteção dos internos do Tatuapé, mas nenhuma delas foi cumprida pelo governo do Estado. (TM)

Indenização por morte

Professores do Ensino Ofi cial do Es-tado de São Paulo (Apeoesp), Carlos Ramiro de Castro, a reivindicação é uma política salarial que assegure salários dignos aos professores, evitando a necessidade de dupla e até tripla jornada de trabalho. “O investimento tem sido muito pou-co, apenas 3,5% do PIB”, declara. Segundo Castro, não existe política salarial e os bônus e as gratifi cações não asseguram o direito dos apo-sentados. Além disso, nunca houve

participação popular nos governos Mário Covas e Geraldo Alckmin: “É característico do governo do PSDB, os projetos sempre vêm de cima. O governador nunca me recebeu”, denuncia.

ENSINO MUNICIPALEm greve desde o dia 28 de

março, os trabalhadores do ensino municipal de São Paulo pedem au-mento do piso salarial para R$ 960 e melhores condições de trabalho. Se-

EDUCAÇÃOEDUCAÇÃO

Greves e paralisações refl etem crise

gundo o Sindicato dos Profi ssionais em Educação no Ensino Municipal de São Paulo (Sinpeem), o salário inicial dos professores é de R$ 509 para 20 horas semanais. André Burso, educador da EMEF Álvaro Braga, diz que as escolas não têm equipamento, nem segurança.

Os professores contam que já estão há dez anos sem aumento. Mas além do aumento salarial, a categoria também reivindica maior diálogo com o governo municipal

e a redução do número de alunos por sala de aula. De acordo com o Sinpeem, em reunião entre os seus representantes e as Secretarias Mu-nicipais de Educação e de Gestão, foi garantido apenas o pagamento da primeira parcela da Gratifi cação por Desenvolvimento Educacional (GDE), no mês de julho, equivalente a R$ 350. Os professores reclamam ainda que as EMEIs não receberam alguns materiais, sendo que as aulas começaram em fevereiro.

Defensores de direitos humanos temem que governo tucano transfi ra para o sistema prisional os internos do Complexo Tatuapé

Crise na educação: baixos salários, falta de materiais, alto número de alunos na sala de aula, falta de segurança e ausência de diálogo defl agram greves em todo o país

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De 6 a 12 de abril de 20066

NACIONAL

TRANSNACIONAISTRANSNACIONAIS

A lei não vale para a Coca-ColaHá seis meses, laudo constatou substância ilegal, mas nenhuma providência foi tomada

Fatos em focoFatos em focoFatos em focoFatos em focoHamilton Octavio de Souza

Proteção aliadaAlguns veículos da imprensa em-presarial denunciaram os esque-mas criados no governo Geraldo Alckmin para favorecer publica-ções aliadas dos tucanos, mas a turma do abafa na mídia, no meio empresarial e na Assembléia Legis-lativa de São Paulo, é bem mais forte e poderosa. Todo mundo sabe que as verbas de publicidade são usadas para dar força aos amigos; só o governo Lula distribuiu recur-sos públicos para os inimigos. E recebeu o troco com pauladas.

Barbárie totalOs militares dos Estados Unidos abriram os portões de sua Base de Guantánamo, em Cuba, para a visita da imprensa, mas não per-mitiu entrevistas com prisioneiros e “interrogadores” de prisioneiros. Lá estão presos cerca de 440 afegãos e árabes, a maioria desde 2001, que são mantidos isolados e sem direito a visitas, a advogados e a acusação formal por eventuais crimes. O go-verno Bush pratica a maior violação dos direitos humanos sob a omissão da ONU e do mundo.

Tempos fi nanceirosO modelo econômico adotado pelos governos neoliberais, desde Collor, FHC e Lula, mudou completamente o perfi l das maiores empresas bra-sileiras. Na década de 1980, vários grupos industriais ocupavam as primeiras colocações; agora, entre as seis maiores empresas nacionais, tirando a Petrobras e a Vale do Rio Doce, quatro são bancos. Como se sabe, os bancos nada produzem, nada transformam, apenas cobram juros e especulam com o dinheiro dos outros e os títulos públicos.

Salário mínimoEntrou em vigor, no dia 1º, o novo valor do salário mínimo, que é de R$ 350. Nos quatro reajustes fei-tos durante o governo Lula (2003, 2004, 2005 e 2006), o salário míni-mo teve um aumento real de 23,6%, descontado a infl ação do período. Ou seja, o presidente Lula, ex-ope-rário e ex-sindicalista, não cumpriu a promessa de dobrar o valor do sa-lário mínimo durante o seu governo. Milhões de trabalhadores dependem desse piso salarial.

Coronelismo vivoReconhecido pela ONU por sua atuação na defesa dos direitos hu-manos, no Maranhão, especialmen-te pela campanha pública de emis-são de certidão de nascimento para a população, o juiz de direito Jorge Silva Moreno vem sendo sistematica-mente perseguido pelo poderoso clã dos Sarney (veja reportagem ao la-do). Vale lembrar que o velho coro-nel José Sarney, senador pelo PMDB do Amapá, é um querido aliado do presidente Lula. Esse é o Brasil do pragmatismo político.

Picaretagem econômicaO Brasil também é o paraíso dos picaretas econômicos: todos os ex-ministros da Fazenda e ex-presiden-tes do Banco Central são agora con-sultores fi nanceiros privados, traba-lham para seus clientes na ciranda da especulação, fornecem dicas de como enganar o governo ou levar vantagem perante do poder público, e ainda dão palpites altamente sus-peitos na mídia empresarial sobre os fatos econômicos da atualidade. Tudo muito ético e adequado ao mundo neoliberal.

Estratégica equivocadaÉ bem provável que se o governo e o PT não tivessem impedido o caseiro Francenildo de depor na CPI, e o ex-ministro da Fazenda não tivesse ar-ticulado a quebra do sigilo bancário e a perseguição da Polícia Federal em cima do caseiro, nada teria in-criminado Antonio Palocci Filho por freqüentar uma casa no Lago Sul de Brasília. No máximo fi caria sob sus-peita. Ele caiu porque quis ser esper-to demais, abusou dos poderes que tinha e agiu criminosamente. Perdeu o cargo e fi cou sujo na praça.

Igor Ojedada Redação

S eis meses se passaram e pra-ticamente nada aconteceu. Tanto o problema quanto

sua respectiva solução são simples (ou, pelo menos, deveriam ser): a Coca-Cola do Brasil desrespeita, na fabricação de sua principal bebida, a lei de entorpecentes em vigor no país. Segundo laudo de 22 de setembro de 2005 do Instituto Nacional de Criminalística (INC) do Departamento da Polícia Fe-deral, a companhia usa folhas de coca como matéria-prima na fabri-cação do extrato vegetal (também chamado de mercadoria nº 05) utilizado como componente do seu refrigerante de cola, a popular Co-ca-Cola. A medida lógica – e legal – a se tomar seria a suspensão ime-diata de sua comercialização. Mas não foi o que ocorreu.

O órgão que teria o poder de cassar o registro do refrigerante da Coca-Cola é o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abaste-cimento (Mapa), comandado por Roberto Rodrigues. Mas Ricardo Cavalcante, da Coordenação-Ge-ral de Vinhos e Bebidas (ligado ao Mapa), diz que até agora não recebeu comunicado ofi cial sobre o assunto. “Se este laudo existe de fato, poderiam notifi car a gente, para imediatamente cancelarmos todas as concessões de registro do produto. Mas não recebi nada formalmente”.

AÇÃO JUDICIALApós a sua realização, o laudo

foi enviado ao deputado federal Re-nato Cozzolino (PDT-RJ), da Co-missão de Fiscalização e Controle da Câmara dos Deputados, autor do requerimento que solicitava a análise química do extrato vegetal. “Vou de novo fazer uma indicação legislativa aos ministros da Justiça,

Ed Wilson Araújode São Luís (MA)

Por decisão unânime, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determi-nou a recondução do juiz Jorge Moreno à Comarca do município de Santa Quitéria (MA) a 350 km da capital São Luís. A decisão é defi ni-tiva, não pode haver recurso.

O Conselho julgou inconsti-tucional o afastamento procedido pelo Tribunal de Justiça do Ma-ranhão, uma vez que a decisão do Pleno do TJ-MA foi realizada sem quorum legal. Seriam necessários 11 votos, mas a decisão foi toma-da com base no voto de apenas 7 desembargadores.

Na interpretação do juiz Jorge Moreno, os procedimentos do tri-bunal foram inconstitucionais. “O TJ deu celeridade ao processo e foram ouvidas testemunhas sem a presença do meu advogado. Algu-mas testemunhas tinham manifesta-do interesse em processos anterio-res, nos quais eu tinha dado decisão contrária. Além disso, o TJ resolveu me afastar negando ainda o direito de defesa. Eu não fui intimado, notifi cado para audiência, nem meu advogado. Mais do que isso, o Tribunal violou a Constituição, rasgou a Constituição”, protesta o magistrado.

A página na internet do CNJ informa que “o relator do processo, o conselheiro Eduardo Lorenzoni, concluiu que o afastamento do juiz não obedeceu ao artigo 93, X, da Constituição Federal, que estabele-ce que as decisões administrativas dos tribunais devem acontecer em sessão pública, sendo as disciplina-

res tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros”.

O fato foi muito comemorado por dezenas de entidades associa-tivas de classe do Maranhão, que realizaram mobilização popular pela recondução do juiz. Os movimentos populares creditam o afastamento à ingerência política no Judiciário local por parte de grupo de políticos ligados ao senador José Sarney.

“Todo esse processo mostrou que o TJ tem por objetivo me per-seguir, até mesmo porque o tribunal sabe a postura que eu exerço na ma-gistratura, um juiz independente, comprometido socialmente. Eu não me dobro a essas oligarquias locais e paroquianas e mantenho uma postura de vínculo com a comuni-dade”, reitera Moreno.

O juiz foi afastado em sessão plenária administrativa do Poder Judiciário maranhense no dia 11 de janeiro, por meio de uma represen-

tação feita pelo deputado estadual Max Barros (PFL-MA), ligado à senadora Roseana Sarney, também do PFL-MA.

MOBILIZAÇÃO POPULARA manipulação do Judiciário ma-

ranhense pelo grupo político já pro-vocou até manifestação popular, em janeiro, reunindo centenas de pesso-as em frente ao TJ, provenientes de mais de uma dezena de municípios do interior do Estado, e entidades da sociedade civil. Na ocasião lança-ram a campanha Por um Judiciário Independente. O movimento teve como estopim o afastamento do juiz Jorge Moreno e visou, segundo seus organizadores, sensibilizar a opinião pública frente a possíveis desvios éticos de membros do TJ.

O prefeito de Santa Quitéria, Os-mar de Jesus da Costa Leal (PFL), eleito em 2004, também é contra o juiz. A Gráfi ca Escolar (o jornal O

Estado do Maranhão), de proprie-dade da família Sarney, foi uma das empresas que mais contribuiu para a campanha nas eleições de 2002, como consta na página na internet do Tribunal Superior Eleitoral.

Em sua representação, o deputa-do Max Barros acusa o juiz Moreno de proselitismo político durante a solenidade de inauguração de obras do Programa Luz para Todos em povoados do município de Santa Quitéria. O juiz Moreno afi rmou que o Tribunal de Justiça do Mara-nhão não é independente e que no caso dele como em outros ocorridos no Estado serve a interesses políti-cos da família Sarney.

Por unanimidade, os desembar-gadores do TJ acataram o pedido de instauração de processo adminis-trativo-disciplinar contra o magis-trado, afastando o juiz da comarca sem antes ser concluído o processo administrativo.

Moreno foi o responsável por erradicar o subregistro no município. Uma ação inédita no Brasil, pela qual inclusive ganhou reconhecimento nacional com um prêmio concedido pela Secretaria de Presidência da República em 23 de junho de 2005. É também grande defensor da fi scalização das obras do programa Luz para Todos nos povoados mais pobres e da con-quista da cidadania na região.

Reconduzido às suas funções, o juiz avalia que o processo foi posi-tivo e anima-se com a possibilidade de da ampliação de uma agenda de direitos humanos no Judiciário. “É possível fazer com que a comuni-dade comece a ser educada para a cidadania”, comemora Moreno.

DIREITOSDIREITOS

Justiça favorece juiz perseguido por Sarney

da Agricultura e da Saúde para que tomem as providências necessárias. Vou aguardar alguns dias, e caso nada aconteça, promoverei uma ação judicial. Não vejo outra ma-neira”, diz o parlamentar.

Cozzolino revela ter sofrido pressões de todos os lados – até de dentro da comissão – para que desistisse do requerimento. O depu-tado conta que, antes da realização do exame, havia comunicado a transgressão da lei por parte da Co-ca-Cola ao Ministério da Agricultu-ra, inclusive ao ministro Rodrigues. “Fiz até alguns pronunciamentos no Congresso, na Voz do Brasil, pe-dindo para os ministros da Justiça e da Agricultura tomarem as devidas providências”. Nada foi feito.

O deputado acrescenta que, além de desrespeitar a lei de en-torpecentes, a transnacional trans-gride também o Código de Defesa do Consumidor, cujo artigo 31 a obriga a informar a composição dos produtos que oferece.

Octavio Brandão Caldas Netto, um dos peritos do INC que realiza-ram a análise química, crê na possi-bilidade de os órgãos competentes estarem aguardando uma maior defi nição do assunto. “De qualquer forma, em algum momento, vão ter que tomar uma providência, porque não pode um extrato vegetal entrar no país sem saber exatamente do que se trata. Isso não existe”, afi rma.

TRANSGRESSÃO DA LEISegundo a Lei de Fiscalização

de Entorpecentes em vigor no país, o Decreto-Lei 891, de 25 de novembro de 1938, o uso da folha de coca e de suas preparações é terminantemente proibido, mesmo que não acusem alcalóides entor-pecentes – substância encontrada originalmente na planta.

Na ocasião da elaboração do laudo, algumas substâncias conti-das no extrato vegetal não haviam sido identifi cadas “por meio de técnicas analíticas empregadas”.

Nesse momento, segundo Bran-dão, estão sendo feitos os exames complementares que pretendem detectar tais substâncias. “Esta-mos usando outros métodos que diferem daqueles que utilizamos quando produzimos o laudo”, diz.

O requerimento da análise quími-ca do extrato vegetal da Coca-Cola é um desdobramento da disputa entre a transnacional e a empresa brasi-leira de refrigerantes Dolly. Esta acusa a Coca-Cola de concorrência desleal, abuso do poder econômico e práticas criminosas para tirá-la do mercado. Já a Coca-Cola acusa a Dolly de coordenar uma campanha difamatória contra si.

Sobre o laudo, a transnacional, por meio de comunicado à impren-sa, diz que o documento atesta “que não há nenhuma substância ilegal na fórmula do produto” e que este “já foi exaustivamente testado onde mais interessa: no mercado, por bi-lhões e bilhões de consumidores, ao longo de 120 anos”.

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Órgãos competentes ignoram o fato que a transnacional desrespeita a lei de entorpecentes e o Código de Defesa do Consumidor

Na luta contra as oligarquias, Moreno conta com o apoio dos movimentos sociais

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De 6 a 12 de abril de 2006 7

NACIONAL

Indígenas iniciam jornada de lutasConhecido por comemorar o Dia do Índio, o mês de abril passou a ser uma referência para ações de resistência

MOBILIZAÇÕESMOBILIZAÇÕES

Suzane Durãesde Brasília (DF)

A jornada nacional de luta do Movimento dos Pequenos Agricul-tores (MPA), realizada na última semana de março, denunciou mais uma vez, à sociedade brasileira, a situação dos camponeses no Brasil. Durante quatro dias, cerca de dez mil manifestantes, em 14 Estados, fi zeram ocupações, debates, mar-chas e bloqueios de estradas contra o agronegócio e em defesa da agri-cultura familiar.

Na avaliação da direção do MPA, a jornada foi positiva. “Reali-zamos dezenas de mobilizações que reanimaram nossa base e apontaram os graves problemas causados pelo agronegócio e por transnacionais como Monsanto, Sygenta, Bayer, Nestlé e Aracruz, responsáveis por danos ao ambiente e pela exclusão social no campo”, avalia Altacir Bunde, da direção nacional do MPA. Ele acredita que o governo optou por uma política econômica equivocada e voltou a errar quando priorizou o agronegócio. “A conseqüência foi que a reforma agrária não avançou e ainda levou os camponeses a uma grave crise de endividamento, perda de renda, etc”, acrescenta Bunde.

Cristiano Navarrode Brasília (DF)

P or volta das três horas da ma-drugada do dia 4, quinhentas pessoas desembarcaram na

Esplanada dos Ministérios, em Brasília, e começaram a levantar barracos feitos de bambu, lona preta e palha. Vindos de vinte Estados, os trabalhadores eram lideranças indígenas participantes do 3º Acampamento Terra Livre, considerado a principal mobiliza-ção dentro do calendário de lutas dos povos indígenas, que durou até o dia 6. O Acampamento Terra Livre é, acima de tudo, um instru-mento de pressão sobre o governo federal para garantir os direitos constitucionais dos povos indíge-nas, em especial a proteção de suas terras. “O acampamento mostra nossa força, mostra que a gente está vivo, apesar dos massacres”, afi rma Anastácio Peralta, líder do povo Guarani-Kaiowá.

Para o coordenador do Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas, Francisco Avelino, do povo Apuri-nã, o Acampamento também teve a função de chamar a atenção da sociedade para a realidade das co-munidades indígenas. Segundo ele, falta um diálogo entre as popula-ções indígenas e o poder público, de forma que as demandas sejam res-pondidas permanentemente. “Sem-pre nesta época do ano, o governo costuma tomar providências pontu-ais. Porém, isso não nos desmobi-liza”, acrescenta. Valéria Payé, do povo Tiryó, líder do movimento de mulheres indígenas, enxerga essas ações pontuais como tentativas de cooptação. “O governo quer calar nossa boca fazendo ações exata-mente no mês de abril”, denuncia Payé, referindo-se ao decreto, assi-nado dia 22 de março, que instituiu a Comissão Nacional de Política Indigenista.

ESPAÇO DEMOCRÁTICODevido à quantidade de ma-

nifestações por todo o país, este mês foi batizado de Abril Indígena. Além do Acampamento Terra Li-vre, o calendário de mobilizações abriga uma série de atividades nacionais. Nos dias 1º e 2, houve o Encontro Nacional de Mulheres Indígenas, em Brasília. Para dia

15, está prevista a comemoração de um ano da homologação da terra Raposa Serra do Sol, em Roraima. De 20 a 23, os movimentos indíge-nas vão participar do Fórum Social Brasileiro, em Recife. De 21 a 26 de abril, haverá a Assembléia da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), em Roraima.

Pouco mais de seis meses após a posse do presidente Luiz Inácio

Lula da Silva, cerca de 50 lideran-ças dos povos Kaingang, Guarani e Xokleng bateram à porta do gover-no para cobrar os compromissos fi r-mados na campanha. Foi montado um acampamento na Esplanada dos Ministérios, em frente ao Ministé-rio da Justiça, entre os dias 26 de junho e 3 de julho. O objetivo do protesto foi o de conseguir uma au-diência com o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, para tratar

da imediata regularização de suas terras. As lideranças também pedi-ram um posicionamento claro do governo sobre os rumos da política indigenista do país. Além dos po-vos do Sul, reforçaram o acampa-mento mais 15 lideranças indígenas do povo Krahô-Kanela, que ainda hoje reivindicam a demarcação de suas terras.

Essa ação apareceu como um importante espaço de formação e

referencial para a luta indígena. Tanto que, no ano seguinte, no mesmo local, 200 lideranças de 33 povos indígenas de todas as regiões do país repetiram o feito, acampan-do entre os dias 14 e 22 de abril. Esta seria a primeira mobilização nacional no governo Lula. Como bandeira, as lideranças escolheram a solidariedade à luta dos povos de Roraima pela homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol. O nome com o qual foi batizado o acampamento faz referência à Assembléia do Conselho Indígena de Roraima, que, mesmo sem o de-creto de homologação, proclamou Raposa Serra do Sol como “Terra Livre”.

Assim, todos os povos que parti-ciparam do acampamento elegeram a liberdade em seus territórios – ou seja, a regularização e desintrusão de suas terras – como prioridade daquela mobilização.

Para ser ouvidas em suas rei-vindicações, as duzentas lideranças promoveram uma ocupação do ple-nário do Congresso Nacional que durou nove dias. A ousada ação re-sultou na primeira audiência do mo-vimento indígena com o presidente Lula e uma das conquistas mais im-portantes para o movimento indíge-na: a promulgação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que consiste em um importante marco normativo nas relações entre os Estados nacionais e os povos indígenas. A convenção tem como objetivo o fi m do inte-gracionismo dos povos indígenas e sua substituição pelo respeito ao pluralismo étnico-cultural. A partir dessa mobilização foi rearticulado o Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas, que congrega as princi-pais organizações indígenas e seus apoiadores.

No ano de 2005, em sua segun-da edição, o Acampamento Terra Livre contou com mais de 800 lideranças de 89 povos. No centro da “aldeia” foi instalada uma tenda grande e colorida, onde foram reali-zadas seções plenárias para debater os processos de regularização de terras indígenas, os projetos de lei e as propostas de emenda à Cons-tituição que ameaçam os direitos indígenas no Congresso Nacional e a criação do Conselho Nacional de Política Indigenista.

Pequenos agricultores protestam em todo o paísCONTRA O AGRONEGÓCIOCONTRA O AGRONEGÓCIO

O primeiro dia da jornada, 27 de março, foi marcado pelo pro-testo de mais de mil agricultores em frente ao Centro de Pesquisa da Monsanto, localizado em San-ta Helena de Goiás (a 219 km de Goiânia). Os trabalhadores rurais exibiram faixas de protesto, ban-deiras, queimaram soja transgêni-ca e amontoaram centenas de em-balagens de agrotóxicos – usados por grandes produtores – em frente à empresa. “A Monsanto tem sido uma das principais responsáveis

pela destruição do cerrado, pela contaminação da água e dos recur-sos naturais”, diz Bunde.

No dia 29 de março, o MPA bloqueou estradas no Espírito Santo. Foi realizado um ato contra as transnacionais, principalmente a Aracruz Celulose, que expulsa povos indígenas, quilombolas e camponeses de suas próprias terra. Houve confronto com a polícia, mas ninguém fi cou ferido. Mais de dois mil camponeses marcham pelas ruas de Porto Alegre, no

Rio Grande do Sul. A caminhada começou com duas frentes: uma saiu de Santa Cruz, na região central, e outra de Lajeado, a 114 quilômetros da capital. Em Santa Cruz do Sul, os produtores rurais concentraram-se no Parque da Oktoberfest e seguiram para a sede da Afubra.

No último dia de protestos, 30 de março, agricultores de Ron-dônia terminaram uma marcha que percorreu 40 quilômetros no Estado. Também houve atos

de protestos. Em Petrolina (PE), participaram das ações mais de três mil pessoas de oito Estados do Nordeste. Os agricultores ocu-param a sede do INSS com uma extensa pauta de reivindicações. Uma delas era a manutenção da qualidade de segurado especial, estabelecida pela Lei 8.213/91, que garante a aposentadoria por idade durante 15 anos, a contar da publicação da referida lei. O prazo para o fi m dessa qualidade especial se encerra este ano.

Em Brasília, indígenas cobram do presidente Lula os compromissos assumidos em campanha

Em Porto Alegre e Goiânia, como em outros 12 Estados, pequenos agricultores marcham contra o agronegócio e em defesa da agricultura familiar

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Marília – O Plano Nacional está defasado em relação ao plano local. Ele está criando espaços de abertura sem bases locais muito fortes. Quem tem acesso aos pla-nos nacionais diz que são mais organizados, e isto é fato. Porém, esta presença nacional depende da base. Se o gigante tem pés de barro, não tem sustentabilidade.

BF – O que pensa sobre a repre-sentação dos jovens em conse-lhos da juventude?Marília – Em um conselho da juventude tem que estar presente todos os que lidam, de alguma forma, com a temática do jovem na sociedade. Eu não acho que todo conselho tem que ter jovens, senão vamos centralizar e dizer que conselhos que discutem Aids têm que ter somente portadores do vírus HIV. Iremos naturalizar a condição dizendo que só pode participar de um conselho quem está dentro dele. O médico que cuida do HIV tem que estar no conselho, além dos assistentes sociais e movimentos dos porta-dores. A dinâmica é mais com-plexa. Há um equívoco de achar que para falar de jovem tem que ser jovem. O jovem pode falar de várias coisas, até da terceira ida-de. A sociedade não pode dizer quem tem o direito da fala. O conselho tem que ser plural para representar todos aqueles que, de alguma forma, lidam com o jovem. O problema é como esta presença juvenil pode ser plural.

BF – A senhora fez uma pes-quisa em 75 cidades brasileiras sobre políticas públicas para juventude. Quais as iniciativas efi cientes?Marília – Fiz a pesquisa para ten-tar entender que tipo de concep-ção as prefeituras tinham quando colocavam as ações nas ruas. O que posso dizer é que não é um quadro animador. Nestas cidades, parte majoritária das ações ainda está na esfera de até 17 anos, tem um discurso de vulnerabilidade e controle. Um terço destas 75 pre-feituras tinha coordenadorias de juventude, o que poderia signifi car um alento no sentido de espaços, mas elas não são homogêneas. É importante pensar que, em ma-téria de políticas públicas, não temos uma curva ascendente no sentido de que começa do nada e a cada momento vai melhorando. Há dois exemplos: a cidade de

de maioridade é estendida, pelas condições de vida, e de desenvol-vimento social e ideológico.No Brasil, se quer incorporar a idade de até 29 anos; o que não signifi ca que concretamente, a ju-ventude começa aos 16 e termina aos 29 anos. Como questão de pesquisa, do campo acadêmico, eu jamais poderia excluir quem tem 13 anos. Mas quando vamos fazer uma pesquisa, a visão não é a mesma que a do ECA que com 17 anos e onze meses exclui a pessoa do programa porque não é mais jovem. BF – A sociedade cria estereóti-pos em torno dos jovens?Marília – Existe uma série de estudos sobre isso. Há uma cole-ção feita por autores italianos em que eles demonstram que cada sociedade, em um momento his-tórico, tratou seus jovens de uma determinada forma: a juventude na época da Revolução Francesa, na Idade Média, juventude grega, etc. A sociedade sempre busca um traço comum, pois os jovens são um sinal de medo e uma aposta no futuro. Eles são ambíguos e isso fortalece esse estereótipo.

BF – Pode-se afi rmar que cada período criou um tipo de jovem?Marília – O problema é que cada época cria uma certa imagem do jovem. Por exemplo, em 1968 era uma minoria que de fato estava engajada na luta social. Mais tarde, (nos ano 80, no Brasil), se criou um grande mito em torno das “Diretas”, e não se fez uma pesquisa em cima da questão, para se defi nir, por exemplo, onde estavam os outros jovens daquela época. Dá a impressão de que todos os jovens daquele período estavam envolvidos com a questão da mobilização. Provavelmente, esses outros jovens estavam namo-rando, casando, tendo fi lhos. Exis-te realmente esse mito de que a juventude tinha essa inquietação. Mas não podemos defi nir uma característica sólida sobre deter-minada época e juventude.

BF – Levando em consideração a revolução que acontece na Fran-ça e traçando um paralelo com o Brasil, como vê a questão do passe livre?Marília – Eu não falaria em revo-lução na França. Eu falaria em um grande movimento. O passe livre é um movimento muito interes-

De 6 a 12 de abril de 20068

PLANO NACIONAL DA JUVENTUDEPLANO NACIONAL DA JUVENTUDE

Jovens ausentes nas políticas públicasPara pesquisadora, os governos erram ao ignorar a juventude na concepção de projetos e programas

NACIONAL

Alder Augusto da Silva, Fábio Mallart,

Marília Almeida e Ubirajara Barbosa da Fonseca

de São Paulo (SP)

O s jovens são sujeitos com necessidades e demandas singulares em relação a ou-

tros segmentos etários. Nos últimos três anos, o debate sobre a neces-sidade de propor políticas públicas para a juventude ganhou espaço e se intensifi cou. Embora tenha pou-co mais de 500 anos de história e ainda considerado um país jovem, o Brasil só começou a ter políticas públicas mais consistentes para a juventude a partir de 1997. Além da interrupção dos projetos a cada novo governo, as ações são muito recentes. É o que pensa a professora e pesquisadora Marília Sposito, da Faculdade de Educação da Uni-versidade de São Paulo (FE/USP). Ela coordena a pesquisa Juventude, Escolarização e Poder Local que envolve 74 municípios de regiões metropolitanas de nove Estados: Espírito Santo, Goiás, Minas Ge-rais, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo.

De acordo com o estudo – em fa-se de conclusão –, apenas 23 dos 75 municípios pesquisados têm coor-denadorias de juventude. Em entre-vista ao Brasil de Fato, Marília diz que, de forma geral, predomina no Brasil o distanciamento dos jovens das decisões adotadas pelo poder lo-cal com relação às políticas que lhes dizem respeito. O estudo aponta que aproximadamente 60% deles não discutem os projetos. Para a coor-denadora da pesquisa, os governos locais erram ao ignorar a juventude na concepção dessas políticas. Do total de 796 projetos existentes nos municípios, 502 deles foram exe-cutados sem qualquer consulta ao público-alvo.

O tema está na ordem do dia por conta do Plano Nacional da Juventu-de (Projeto de Lei n° 4530/04), que deve traçar diretrizes para a formu-lação políticas públicas dirigidas à população jovem nos próximos dez anos. Dias 30 e 31 de março, na Câmara dos Deputados, em Brasília, um seminário nacional discutiu as contribuições ao texto do projeto, feitas pelos jovens que participaram de 26 seminários estaduais entre no-vembro de 2005 e março de 2006.

Brasil de Fato – O que é a juventude?Marília Sposito – A idéia de juven-tude foi inventada pela sociedade moderna. Os jovens são sujeitos concretos, que estão próximos ou não desse conceito. Por que é importante dizer isso? Não é que outras sociedades não tenham tido jovens, mas esse momento do ciclo de vida foi tratado de forma diferente. Por exemplo, esse é um período em que se adquire habili-dade e competência na escola, no mundo do trabalho. Há cem anos, no Brasil, meninas de treze anos de idade estavam prontas para se casar e ter fi lhos. Não se utiliza-va essa idéia de juventude para essas jovens. A juventude é uma concepção histórica, e os jovens vivem essa diferença pela classe social, pela etnia.

BF – Como é determinada a questão da maioridade?Marília – Os estudos demográ-fi cos são complicados, pois po-dem criar balizas. A legislação brasileira vai de quinze até vinte e quatro anos, mas a Saúde, por exemplo, considera adolescência até vinte anos. Para o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) vai até 17 anos, 364 dias. A maioridade jurídica que um país estabelece também é variada. Al-gumas estatísticas européias, por exemplo, demonstram que a faixa

O poder público tem que

democratizar a cidade e criar possibilidades

para que o jovem se aproprie do espaço urbano

Não devemos tutelar o jovem, e sim, chamá-lo para discutir

políticas públicas, para ver o que

pensa sobre determinada ação

Quem é

sante porque nasce em algumas capitais e não é muito ligado ao movimento estudantil. Ele nasce como uma manifestação de jovens ligados ao ensino médio. É claro que há uma disputa entre lideran-ças. O movimento estudantil olha para essa manifestação e também se envolve, mas ela congrega um número enorme de diversidades juvenis e isso é importante.

BF – As políticas públicas volta-das para o jovem são formas de controle social? Marília – É muito difícil fazer afi r-mações tão fortes para questões complexas. Em primeiro lugar, não há políticas públicas para juventu-de. Há ações, programas, uma certa intencionalidade de se criar essas políticas. Porém, muitas pes-soas não sabem o que é isso. No entanto, acho que é possível pen-sar em que linha social é criada uma ação dedicada ao jovem. Do ponto de vista do governo federal, é óbvio que as ações são realiza-das para o jovem pobre, morador de periferias urbanas, ou seja, não é qualquer jovem e elas aparecem em uma conjuntura específi ca. Aí você tem dois marcos importan-tes. Em 1995, a visibilidade das rebeliões nas Febem. E em 1997, o assassinato do índio Pataxó Gal-dino. Então, se criou a associação juventude e violência. As próprias pesquisas da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) falavam dos jovens, das galeras, do índice de homicídios. Acho que esses programas nasceram com a idéia de controle. Conter o jovem em um determinado espaço, todos os dias, todas as manhãs, todas as tardes.

BF – O Plano Nacional da Juven-tude foi criticado, pois não há participação dos jovens. O que pensa sobre isso? Marília – Se pensarmos em rela-ção há dez anos, de 1995 a 2005, temos um avanço. Alguns atores começaram a discutir o tema ju-ventude. A Unesco, por exemplo, debateu o tema Juventude, vio-lência e cidadania e foi uma das primeiras entidades a defender as políticas públicas para a juventu-de. Acho que a Câmara também percebeu que tinha algo a fazer. Mas ainda há muitos caminhos do ponto de vista da capacidade de mobilização. O grande problema é que os jovens não têm organi-zações próprias para reivindicar sua presença. Acho que há um avanço, mas muitas limitações. Não tenho expectativas quanto às mobilizações em nível federal. O garoto que mora em Embu das Artes objetiva virar ator em Embu, não em Brasília.

BF – Há uma centralização no Plano Nacional. A senhora per-cebeu uma abertura para os municípios?

Santo André (SP) e Cabo de Santo Agostinho (PE) foram as primeiras a pensar em uma coordenadoria de juventude. Hoje, Cabo de San-to Agostinho piorou. Se fosse re-fazer a pesquisa agora, diria que destas 75 cidades, 40 aumenta-ram o número de coordenadorias. Houve um momento em que as prefeituras perceberam que as co-ordenadorias podiam ser vitrines da administração, que poderiam captar mais recursos e uma série de coisas do jogo político. Santo André criou uma série de equipamentos para a juventude que era quase um laboratório de novidades e experimentação. Hoje, tem absoluta ausência de identidade. Mudaram todos os gestores dentro do mesmo partido político. Conclusão: o centro hoje não constitui mais uma referência nacional de uma experiência de nove anos de políticas de juventu-de. Em Cabo de Santo Agostinho acontece a mesma coisa. O pri-meiro gestor tinha clareza, mas o rumo da ação política depende da correlação de forças, da legi-timidade do gestor e sua visão como uma pessoa capacitada. É tudo muito precário em termos destas políticas.

BF – Qual a sua sugestão para a sociedade civil e os movimentos jovens? Marília – O poder público tem que democratizar a cidade e criar possibilidades para que o jovem se aproprie do espaço urbano com várias ações culturais e de la-zer, mas também pensar o papel da prefeitura no desenvolvimento local. A demanda do jovem é o emprego. Deve-se investir nestas demandas básicas dos jovens de uma maneira democrática. Não devemos tutelar o jovem, e sim, chamá-lo para discutir po-líticas públicas, para ver o que pensa sobre determinada ação. Do ponto de vista da sociedade civil, organizações não-governa-mentais e movimentos religiosos, o importante é a união na di-versidade de orientações. Temos que criar espaços onde os jovens possam conviver e criar ações a partir da pluralidade.

Alder Augusto da Silva, Fábio Mallart, Marília Almeida e

Ubirajara Barbosa da Fonseca integram o Conselho Editorial

Jovem da Revista Viração, projeto social impresso criado há três

anos pela Associação de Apoio a Meninas e Meninos da Região Sé, de São Paulo. Viração possui

conselhos em 15 capitais, formados por jovens e adolescentes que

ajudam a produzir a revista impressa mensal e a revista digital

semanal. Mais informações na página da revista na internet:

www.revistaviracao.com.br ou pelo telefone: (11) 3237-4091

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Estudo sobre jovens revela que apenas 23 dos 75 municípios pesquisados têm coordenadorias de juventude

Marília Pontes Sposito é professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE/USP), especia-lizou-se em jovens e integra a diretoria da organização não-governamental Ação Educativa.

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Ano 4 • número 162 • De 6 a 12 de abril de 2006 – 9

SEGUNDO CADERNOLIVRE-COMÉRCIOLIVRE-COMÉRCIO

Brasil, Europa e EUA: aliados na OMCMarcelo Netto Rodrigues

da Redação

N uma disputa que envolve ao todo 148 países, o go-verno brasileiro fi nalmente

parece ter deixado claro ao mundo que prefere se apresentar sozinho – mesmo que de maneira “infor-mal” – como parceiro dos EUA e da União Européia nas negociações que tentam concretizar a Rodada Doha, da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Preocupados com a data-limite de 30 de abril – quando os mem-bros da OMC vão apresentar suas propostas defi nitivas de reduções de tarifas e subsídios –, os seus res-pectivos representantes comerciais se encontraram “correndo por fora”, nos dias 1º e 2 de abril, na cidade do Rio de Janeiro, com Pascal Lamy, diretor-geral da Organização.

Com ele, estiveram a portas fechadas o ministro Celso Amorim (Relações Exteriores), o repre-sentante comercial dos Estados Unidos, Robert Portman, e o co-missário de comércio da União Européia, Peter Mandelson, – que, estrategicamente, não se esqueciam de recitar em coro, a todo instante, que as reuniões do Rio eram “in-formais”, não poderiam mesmo resolver nada devido à ausência dos outros países.

Longe das regras e dos discur-sos, o fato é que a singularidade da ocasião por si só já alimenta especulações. As várias declarações desanimadoras que surgiram da bo-ca dos participantes após o término do encontro devem ser vistas muito mais como um jogo de cena do que palavras sinceras. Interesses mútuos para tal dissimulação não faltam.

PRESSIONADOS PELO TEMPO

Na opinião de Mabel de Faria Melo, assessora da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), as negociações tiveram como impulso a aproxima-ção de duas datas cruciais em espe-cial – que de certa forma acabaram por unir Brasil, EUA e União Euro-péia. A reunião da OMC que acon-tece em maio, em Genebra – com a presença dos ministros dos 148 países-membros da Organização. E as eleições presidenciais no Brasil.

“Esta reunião ‘informal’ aconte-

Nestor Cozetti do Rio de Janeiro (RJ)

Enquanto no interior do Hotel Copacabana Palace, centro do Rio de Janeiro, ocorria a reu-nião “informal” da Organização Mundial do Comércio (OMC), do lado de fora dezenas de mani-festantes faziam um ato contrário ao que lá dentro se negociava. “Do lado brasileiro, querem fa-cilitar a exportação dos produtos do agronegócio, dando em troca concessões tarifárias para a im-portação de bens industriais”, denunciou João Carlos, um dos manifestantes.

Cinco representantes do ato subiram ao hotel para entregar ao ministro Celso Amorim (Relações Exteriores) um documento intitu-lado “OMC: 10 anos bastam! A ditadura dos acordos comerciais destrói a soberania dos povos”, representando a Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), o Movimento dos Traba-lhadores Rurais Sem Terra (MST), a Frente dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (Fentaf), da

Gerardo Arreolade Havana (Cuba)

Há 15 anos, a União Soviética entrou em agonia . No outro extre-mo do mundo, os cubanos entraram no chamado período especial, uma experiência única que os levou aos porões da escassez e os obrigou a reconstruir a economia e o tecido social, e agora, os coloca perante novas questões.

Com a queda da URSS, o go-verno perdeu seu principal aliado estratégico. Para o cubano comum, desapareceram as latas de carne a bom preço, as caricaturas de Tio Stiopa, as cartilhas russas de mar-xismo, entre outros muitos traços da paisagem cotidiana.

Pior ainda: deixou de fl uir o pe-tróleo que fazia funcionar as termo-elétricas, as indústrias de cimento e qualquer outro maquinário do país. Com um golpe, terminou o comér-cio e fi nanciamento que ajustavam as contas, de tal forma que a ilha terminava recebendo um subsídio.

SACRIFÍCIO MASSIVOEm 1990, Castro empregou pela

primeira vez em público a expres-são “período especial em tempo

de paz”, um conceito tomado da doutrina militar para designar o sacrifício massivo que se aproxi-mava, desconhecido para gerações inteiras.

Em 1991, o Partido Comunista de Cuba (PCC) decidiu que busca-ria conservar o que era possível do sistema social e político cubano. Nos anos seguintes, o país viveu um intenso período de reformas: le-galizou a moeda estrangeira, abriu as portas ao turismo internacional, acelerou a incipiente exploração de petróleo, legalizou o recebimento de remessas familiares e buscou mercados e capitais no ocidente.

Os custos sociais vieram à tona. A desigualdade social cresceu, mo-tivada pela existência de dois mun-dos de mercadorias, uma em pesos cubanos e outro em moeda forte. Jovens foram jogados na prostitui-ção, delinqüência, violência urbana e o vandalismo. Cresceu o mercado negro de bens e serviços.

ALVORECERQuinze anos depois da agonia so-

viética, o governo de Cuba começa a revisar os saldos deste capítulo.

Agora, os pequenos espaços cedidos ao mercado e à microem-

presa estão reduzidos a sua mínima expressão. O Estado se expande no-vamente e reconcentra funções. A economia tem uma nova estrutura, impulsionada pelos serviços (turis-mo, saúde, biotecnologia, informá-tica) e a exportação de níquel.

A produção local de petróleo e a injeção de petróleo venezuela-no a créditos brandos garantem o abastecimento nacional. O gover-no ganhou uma liquidez que lhe permite anunciar um plano de in-

vestimentos em política social e na infra-estrutura devastada pela crise e empreendeu um programa de re-dução do consumo energético.

MERCADO NEGROHá uma rede protetora de ser-

viços gratuitos e bens subsidiados e os salários e pensões em moeda local aumentaram signifi cativa-mente no ano passado, mas persiste a brecha entre esse circuito e o que se baseia em preços de mercado,

ECONOMIAECONOMIA

A recuperação cubana depois do período especialonde são negociadas mercadorias de consumo indispensável.

Essa diferença pode estar na base do mercado negro, onde são despejados os recursos subtraídos massivamente do Estado e que é o foco de uma ofensiva governamen-tal em curso.

Em dezembro passado, o presi-dente do Banco Central, Francisco Soberón, disse ao Parlamento que na desaparecida potência “os erros cometidos levaram ao desagrado popular causado, entre outras ra-zões, pelo mal funcionamento da economia e seu efeito na deteriora-ção do nível de vida de grande parte da população”.

Soberón aludiu a uma recente advertência de Castro, de que os erros próprios podem derrubar em Cuba o sistema político quando morrer o líder cubano. “Na medida em que não consigamos elevar de forma crescente o nível de vida da população e garantir um programa de desenvolvimento sustentável, estaremos correndo o risco de que estas formidáveis personalidades (Fidel Castro e seu irmão, Raul) se convertam no único pilar em que descansa nosso sistema”. (La Jor-nada, www.unam.jornada.mx)

Em reunião com países ricos, governo brasileiro articula para evitar fi asco da agenda da organização

ce num momento em que os EUA e a União Européia se vêem pressio-nados pelo tempo. Eles querem defi -nir de uma vez por todas, em maio, a Rodada Doha, e vêem no Brasil um aliado fundamental. Já em relação à conjuntura brasileira, este encontro tem muito mais a ver com o fato de se tentar fechar um acordo ainda nesta gestão do governo Lula”, diz Mabel, acrescentando que Brasília, inicialmente cotada para receber a reunião, acabou sendo preterida para que Lula não tivesse o cons-trangimento de recebê-los.

Ainda segundo Mabel, seria muito signifi cativo para o petista culminar o seu mandato com este acordo. “O governo barrou a Área de Livre Comércio das Américas (Alca); as negociações entre a União Européia e o Mercosul não conseguiram ir adiante. Sobra então a OMC, que ainda leva a fama por ser um acordo multilateral, o que na teoria acaba passando a impressão de ser muito mais democrático e vantajoso para os países em desen-volvimento”, explica.

NAMAAs organizações que acompa-

nham os passos da OMC dão como certo que, nessa mesa improvisada de negociações, esteve em jogo o acesso a serviços e bens industriais, em troca da abertura do mercado agrícola internacional.

As maiores pressões devem ter girado em torno da redução das tarifas consolidadas de bens indus-triais do Acesso aos Mercados para os Produtos Não-Agrícolas (Nama, da sigla em inglês) – que segundo cálculos da Fase, comprometeriam mais de dois milhões de empregos no Brasil. É o que avalia a econo-mista Sandra Quintela, do Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs) e da Campanha Contra a Alca e OMC – que junto com outros representantes da sociedade entregou um documento da Campa-nha pessoalmente a Celso Amorim (leia reportagem nesta página).

A economista defende que o teor dessas negociações é altamente lesi-vo à soberania nacional. “Fizemos até mesmo uma nota em referência ao golpe de 1964 porque, no fundo, são os mesmos interesses que estão em jogo: a abertura da economia nacional ao grande capital. A troca

do futuro pelo passado, dos bens in-dustriais pela ampliação da venda de açúcar, álcool, pasta de celulose”.

Apesar de Amorim não ter de-clarado em nenhum momento que o Brasil estaria disposto em ceder às pressões das reduções tarifárias, Mabel lembra que num determina-do momento houve uma divisão no governo, em referência à posição do ex-ministro Antonio Palocci (Fazen-da), favorável à abertura comercial.

OMC – Instituição criada em 1995 com o objetivo de estabelecer regras para o comércio internacional. A Orga-nização Mundial do Comércio (OMC), que conta hoje com 148 países-mem-bros, tem como fi nalidade eliminar os “entraves” ao livre-comércio, excluindo qualquer tipo de regulamentação trabalhista, ambiental ou social que possa limitar os negócios do capital privado. Seus acordos benefi ciam, sobretudo, as empresas dos países do Norte, aumentando a brecha entre ricos e pobres. Além disso, a OMC assegura às empresas transnacionais o acesso aos mercados dos países empobrecidos. Rodada Doha – Refere-se à 4ª Con-ferência Ministerial da OMC, realizada em Doha, no Qatar, em novembro de 2001. Oportunidade em que os minis-tros de Estado dos países-membros da OMC acordaram o lançamento de uma nova rodada de negociações multilate-rais. Esta nova rodada já deveria ter si-do concluída em janeiro de 2005, mas não o foi devido à falta de consenso entre os países-membros e à pressão da sociedade civil contra os acordos.

“Negociações atendem apenas ao agronegócio”

Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip) e da Campa-nha contra a Área de Livre Comér-cio das Américas (Alca) e OMC.

BARGANHAO documento defi ne que “o

ponto central neste momento para o fechamento das negociações é a barganha entre acesso a mercados de bens agrícolas e industriais.

Os países que representam os grandes mercados como Estados Unidos e países da União Euro-péia acenam com promessas de acesso a seus mercados agrícolas. Promessas estas que, se concre-tizadas, benefi ciariam alguns poucos grandes exportadores de produtos agrícolas. Em troca, exigem amplos cortes de tarifas de bens industriais que, se con-fi rmadas, signifi carão perdas de empregos e renda, desindustriali-zação e perda da capacidade dos países como o Brasil de defi nirem políticas industriais.

O anúncio das negociações nestes marcos atende exclusiva-mente aos interesses do agronegó-cio exportador”.

Em manifestação no Rio de Janeiro, um protesto contra a ditadura dos acordos comerciais que benefi ciam países ricos

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Governo cubano anuncia plano de investimento social

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De 6 a 12 de abril de 200610

VENEZUELAVENEZUELA

Chávez anuncia meta da reforma agráriaMas, apesar da vontade política do venezuelano, movimentos sociais criticam lentidão dos aparelhos do Estado

Cláudia Jardimde Caracas (Venezuela)

R ecuperar 1,600 milhão de hectares de terras ociosas até o fi m de 2006. Essa foi a

meta anunciada pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez, durante a entrega de 40 mil hectares a 29 cooperativas organizadas pela mis-são social Vuelvan Caras, dia 2, no Estado Apure.

De acordo com o Instituto Na-cional de Terras (INTI), somente no primeiro trimestre deste ano foram recuperados 400 mil hec-tares de terra. Além da retomada dos latifúndios economicamente improdutivos, o governo destinou um total de 5,3 bilhões de bolíva-res (2,5 milhões de dólares) para o Plano Integral de Desenvolvimen-to Rural e Agrícola.

O governo venezuelano aposta no desenvolvimento rural como uma das saídas para diversifi car a economia – cuja dependência da exploração petroleira chega a 80% –, garantir sua própria pro-dução de alimentos – 70% do que os venezuelanos comem vêm de outros países – e, ao mesmo tem-po, garantir trabalho a milhões de camponeses sem-terra. A proposta que engloba esses três aspectos denominada, na Venezuela, como desenvolvimento endógeno.

Para Chávez, esse modelo so-mente será implementado com a erradicação do latifúndio. “Se as terras estão ociosas, tenho o de-ver de intervir, ainda que o dono demonstre que é proprietário”,

Gustavo Barretodo Rio de Janeiro (RJ)

Na abertura da 47ª Reunião do Banco Interamericano de Desen-volvimento (BID), o presidente da Bolívia, Evo Morales, defendeu que os países da América Latina e do Caribe tenham parceiros interessa-dos em investir, e não em saquear os recursos naturais. “Queremos sócios e não patrões”, disse Morales. Se-gundo a Agência Brasil, o boliviano afi rmou que os acordos comerciais precisam benefi ciar os pequenos empresários e agricultores, sem eli-minar os mercados internos.

De acordo com o presidente da Bolívia, o país passa por uma “refun-dação” e está disposto a sair da situa-ção colonial. “Haverá uma revolução democrática e cultural, com base nos povos nacionais. Não somos vingati-vos e rancorosos. Mas fomos vítimas de processos que massacraram o povo”, argumentou. E não fi cou só nas palavras: o presidente já marcou para 12 de julho, a nacionalização de todos os recursos naturais do país. E disse: “Daria minha vida pela nacio-nalização dos recursos naturais”.

RIQUEZAS NACIONAIS Morales ressaltou, em março,

que não pretende confi scar bens das empresas presentes no país, mas dei-xou claro que está em curso na Bo-lívia um processo de nacionalização das riquezas da Nação. A princípio, os investimentos externos sempre são positivos, desde que a maior parte dos dividendos seja revertida em prol das comunidades locais e do bem-estar social do país.

A entrega de parte do patrimô-nio nacional a preços irrisórios cos-tuma aparecer na grande imprensa como “fatores de atração dos inves-tidores”. Nesta semana, não foi di-ferente: a imprensa brasileira tratou a questão como “uma ameaça ao in-vestimento de 1,5 bilhão de dólares da Petrobras”, ignorando os direitos fundamentais do povo boliviano, historicamente desrespeitados.

Freddy Pulecio

Depois de três décadas de resis-tência frente à violenta imposição da privatização na América Latina e Caribe, os trabalhadores do setor da energia da região decidiram constituir a Frente Social Energéti-ca capaz de enfrentar o neolibera-lismo no cenário internacional.

O impacto demolidor das priva-tizações na região exige a constru-ção de um sólido tecido social ca-paz de conter o tripé da estratégia

energética do Consenso de Washington: a especulação, a guerra e a pauperização das condições de vida dos trabalhadores e do povo.

A energia é um direito fun-damental, cujo acesso à popu-

lação deve ser garantido por meio de empresas estatais sob o controle dos trabalhadores e cidadãos. Lu-tamos contra a privatização, pela renacionalização do setor e pela construção de instrumentos de controle social sobre as empresas.

Enquanto bem comum, a ener-gia não pode ser defendida exclu-sivamente pelos trabalhadores do setor. As experiências contra a privatização dos recursos energé-ticos que lograram ser vitoriosas passam necessariamente pelo en-volvimento da população em sua defesa.

E este bem comum pode e deve se converter em motor da nova integração que está surgindo no continente, por meio da distribui-ção de sua renda com a geração de empregos dignos e justiça social, bases fundamentais de um modelo econômico sustentável.

Cabe-nos ser cuidadosos no

AMÉRICA LATINA

afi rmou o presidente venezuelano, no seu programa dominical de rá-dio e televisão, Alô Presidente. O artigo 115 da Carta Magna garante o direito da propriedade privada desde que a mesma cumpra com sua função social.

A LENTIDÃO DA REALIDADENo entanto, o projeto de ga-

rantir e resgatar a dignidade dos camponeses não tem evoluído a passos largos. E frustra a vontade política do presidente e o desejo dos trabalhadores que, a cada domingo, escutam o mandatário nacional exigir que as instituições do Estado priorizarem a retomada do desenvolvimento rural. O cam-po venezuelano foi abandonado em 1925, quando foi descoberta a riqueza do petróleo – o país tem a quarta maior reserva do planeta.

“Sabemos que existe vontade política do presidente, mas a rea-lidade no campo é outra”, comenta Franklin González, da direção nacional do Frente Nacional Cam-ponês Ezequiel Zamora (FNCEZ). A seu ver, a burocracia e a moro-sidade têm sido um dos principais problemas para atacar a concentra-ção de terras no país.

Em julho do ano passado, mais de cinco mil camponeses prove-nientes de várias regiões do país marcharam na capital venezuelana exigindo o cumprimento de pauta de reivindicações: aceleração da aplicação da Lei de Terras, combate aos crimes no campo, eleição por Assembléia Popular dos diretores dos INTIs, garantia de crédito

agrícola, entre outros aspectos. O acordo foi assinado por José Vicen-te Rangel (vice-presidente), pelo Ministério de Agricultura e Terras, INTI, governadores e deputados.

Passaram oito meses e nenhum dos pontos foram implementados.

Recentemente, no dia 26 de março, cerca de 300 camponeses trancaram o quarteirão de acesso à

sede da Vice-Presidência. Após um dia de pressão, conseguiram uma reunião apenas às 20 horas com o vice-presidente José Vicente Ran-gel, que se comprometeu a apresen-tar um plano de trabalho dentro de um mês.

VIOLÊNCIA E POBREZAA situação dos camponeses

não é nada animadora. De acordo com o FNCEZ, 164 trabalhadores rurais foram assassinados desde a promulgação da lei de terras, em 2001, a mando de latifundiários. A maioria das famílias que conquis-tou o direito de uso da terra não tem acesso à crédito agrícola. Os que têm a possibilidade de crédi-to garantido, por meio da missão Vuelvan Caras, não possuem ter-ras para trabalhar. Mas, na maioria dos casos, os camponeses não têm nem uma coisa nem outra.

“Analisamos esses fatores como parte das contradições des-te processo. Nossa tarefa como movimento social é trabalhar cada vez mais na formação dos nossos camponeses para que tenham a capacidade de entender e cana-lizar a luta”, comenta Orlando Zambrano, da direção nacional do FNCEZ, acrescentando que os camponeses seguirão em “mo-bilização permanente”. Ques-tionado sobre o ano eleitoral e um possível desgaste do governo com tais mobilizações, Zambra-no é contundente: “Apontando as falhas desse processo é que podemos garantir a continuidade da revolução”.

que diz respeito aos temas dessa integração, valorizar seus avanços, vazios e desafi os; ter em conta o impacto social dos convênios co-merciais entre Estados, integrando em suas decisões os trabalhadores e o povo – única forma de fazê-los democráticos.

A voz dos cidadãos é dupla-mente obrigatória na elaboração da nova proposta energética para a região. Isto porque os cidadãos são os donos desses recursos e, enquanto consumidores, são quem paga pela especulação energética.

A articulação da participação cidadã e da luta social – na qual nós, trabalhadores da energia esta-mos imersos – será imprescindível para consolidar e fazer avançar no sentido da construção democrática da região e para garantir a paz.

Paz regional e mundial amea-çadas pela estratégia da guerra pelo controle dos recursos energé-ticos do planeta, em benefício das transnacionais do ramo que, gra-ças à especulação, auferem lucros exorbitantes e históricos.

Trocar experiências com outras regiões do mundo, tanto produto-ras quanto consumidoras de ener-gia, é o caminho de globalização da nossa luta contra o modelo energético neoliberal.

O 2º Foro de Trabajadores de la Energía de América Latina y el Caribe (2º Fórum de Trabalhado-res da Energia da América Latina e do Caribe), a ser realizado de 2 a 4 de maio na Cidade do México, será um excelente espaço para que trabalhadores e consumidores de energia em nível regional e mun-dial travem essa discussão. Para isto, convidamos todos.

Exilado na Bélgica, Freddy Pulecio é membro da Comissão Internacional da USO - Unión

Sindical Obrera (União Sindical de Operários Petroleiros da

Colômbia)

ANÁLISEANÁLISE

Construção democrática da integração energética

Em entrevista em janeiro, o pre-sidente da então esvaziada estatal petrolífera boliviana – Yacimien-tos Petrolíferos Fiscales de Bolivia (YPFB) –, Jorge Alvarado, disse que a intenção do governo era es-tabelecer empresas mistas na área de gás. De acordo com a nova lei de hidrocarbonetos, a estatal possui maior poder sobre as diversas etapas de exploração dos recursos. “Com a lei anterior, a YPFB não podia participar de toda a cadeia de hi-drocarbonetos. Não podia explorar, exportar, transportar, comercializar e industrializar gás natural”, lembra.

POSIÇÃO DO ITAMARATYComo maior investidora do se-

tor na Bolívia, a empresa petrolífe-ra brasileira Petrobras acompanha com grande interesse as nego-ciações. Em entrevista à Agência

Consenso de Washington – Em 1989, economistas, funcionários do go-verno dos Estados Unidos e de organis-mos internacionais, como o FMI, defi ni-ram uma agenda de medidas neoliberais para a América Latina. Mais de uma década depois, o saldo na região foi de maior desempre-go e desigualdade social.

BOLÍVIABOLÍVIA

“Não queremos patrões”, diz Morales

Brasil no dia 2, o secretário espe-cial de Assuntos Internacionais da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, disse que o Brasil vai respeitar a decisão do governo boliviano de nacionalizar as reser-vas de gás e petróleo. Segundo ele, o que não está claro para o Brasil são as garantias que a Bolívia dará à Petrobras e a outras empresas que têm investimentos na exploração de gás e petróleo naquele país. A questão foi discutida em encontro que reuniu Garcia, o secretário-ge-ral do Ministério das Relações Ex-teriores, Samuel Pinheiro Guima-rães, o subsecretário para Assuntos da América Latina, José Eduardo Martins Felicio, e o presidente da Bolívia, Evo Morales. (Fazendo Media, www.fazendomedia.com) Leia mais sobre a reunião do BID nas páginas 2 e 3.

Evo Morales discursa na 47ª Reunião Anual do BID, em Belo Horizonte (MG)

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Até o presidente Hugo Chávez exige agilidade da máquina estatal venezuelana

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Muitos imigrantes legais residentes nos Estados Uni-dos e originários da Ásia, América Latina e África têm rechaçado as propostas da lei que estão sendo anali-sadas pelo Senado para frear o êxodo de estrangeiros pelo país. De acordo com uma pesquisa divulgada pela empresa Bendixen e Associates, 67% dos ouvidos estão preocupados com o tom xenófobo do atual debate migra-tório na Câmara dos Representantes e consideram que o sentimento antiimigrante está aumentando nos Estados Unidos. E 55% dos consultados asseguraram que a situa-ção geral preponderantemente antiimigrante atinge suas famílias de forma negativa.

“A pesquisa evidenciou ainda que os estrangeiros residentes legais se opõem de forma contundente às medidas demagogas e reacionárias aprovadas na Câ-mara de Representantes”, explicou o pesquisador Sergio Bendixen. A sondagem também revela que 81% dos in-

terrogados pensam que os ilegais realizam trabalhos que os residentes não querem fazer, e esse trabalho de baixo custo ajuda a economia do país.

No Senado, um dos congressistas mais conservadores, James Sensenbrenner, afi rmou que cruzar a fronteira de forma ilegal é simplesmente um delito. “Nosso debate deve se concentrar em como fazer cumprir devidamente a lei”, disse. Algumas das idéias apoiadas por esse senador de direita é, por exemplo, levantar uma vala metálica na fronteira com o México, deportar como delinqüentes os que entram ilegalmente no país, e entregar a cidadania estadunidense dependendo dos países de origem.

Outros congressistas conservadores propõem ao presi-dente George W. Bush que alguns estrangeiros possam per-manecer nos Estados Unidos para que cubram empregos cujos salários são mais baixos como guardas, lavadores ou construtores. (Prensa Latina, www.prensa-latina.com)

De 6 a 12 de abril de 2006 11

ESTADOS UNIDOSESTADOS UNIDOS

Migração não é crimeEm protestos que reúnem até 1 milhão de pessoas, manifestantes repudiam projeto de lei que condena imigrantes ilegais

INTERNACIONAL

da Redação

M ilhares de pessoas, na maioria de origem latino-americana, participaram

dia 1° em Nova York de uma mani-festação pelos direitos dos imigran-tes e contra as leis relacionadas ao seu estatuto, que estão sendo dis-cutidas no Congresso dos Estados Unidos. O protesto se soma a mui-tos outros que foram organizados em diversas cidades estadunidenses nas últimas semanas para evitar que o Senado aprove uma reforma migratória que propõe que o clan-destino seja considerado criminoso, já aprovada pela Câmara de Repre-sentantes. A maior mobilização até agora aconteceu, dia 25 de março, em Los Angeles, reunindo 1 milhão de pessoas.

Esta manifestação é “uma ex-pressão de unidade de todas as comunidades mostrando ao país que não vamos fi car atrás nas mo-bilizações, como as que ocorreram em Chicago e Los Angeles”, disse o senador do Estado de Nova York, Rubén Díaz.

O debate entra na fase na qual se torna difícil conciliar posições dentro do Partido Republicano, onde o presidente George W. Bush é favorável à criação de um sistema de vistos de trabalho temporários, algo que a ala ultraconservadora vê como uma anistia encoberta e que também não satisfaz os imigrantes.

Dia 29 de março, o assunto foi tratado no comitê de Assuntos Ju-diciais do Senado estadunidense, que aprovou outro projeto sobre a imigração, que inclui vias para legalizar mais de 10 milhões de imigrantes sem documentos, a não-criminalização dessas pessoas e planos de entrada temporária para cerca de 400 mil trabalhadores es-trangeiros por ano. A porta aberta no Senado dos Estados Unidos em favor dos imigrantes alegrou líderes “latinos”. Mas especialistas alertam que ainda é cedo para cele-brar. “Estamos satisfeitos, embora não devamos diminuir a pressão até que fi nalmente nos considerem cidadãos com direitos”, disse Enri-

da Redação

Dia 4, estudantes, professores e trabalhadores foram às ruas para mais uma jornada nacional de pa-ralisação, a quinta em dois meses. O objetivo é forçar a revogação da lei de fl exibilização de direitos trabalhistas, conhecida como Con-trato do Primeiro Emprego (CPE). No quarto dia nacional, dia 28 de março, o número de manifestantes chegou a 3 milhões, segundo os organizadores.

A onda de mobilizações conse-guiu paralisar e dividir o bloco de direita que sustenta o governo do primeiro-ministro Dominique de Villepin. O líder parlamentar do bloco governista (UMP), Nicolas Sarkozy, um rival declarado de Vil-lepin, passou a disparar contra Vil-lepin e fez aprovar na bancada uma proposta de “diálogo sem tabu”.

Já a frente anti-CPE permanece unida e com o moral elevado, de-pois de ter empreendido as maiores manifestações de rua dos últimos 30 anos na França. Os líderes do movimento se recusam a abrir ne-gociações enquanto a lei estiver em vigor. Dia 31 de março, ela foi pro-mulgada pelo presidente Jacques Chirac com algumas alterações: o período de experiência de um tra-balhador já não será de dois anos e sim de um, e os empregadores terão que justifi car as demissões no âmbi-to desta lei, ao contrário do projeto

Manifestantes marcham contra projeto de lei que criminaliza imigrantes ilegais e prevê muros nas fronteiras com o México

que Morones, coordenador da orga-nização não-governamental Anjos da Fronteira, que trabalha em favor dos imigrantes.

REFORMA MIGRATÓRIAO fato é que o projeto deve

enfrentar um caminho longo e sinuoso, pois além da discussão

em plenário entre senadores, deve conciliar-se com uma proposta de reforma migratória em sentido oposto decidida em dezembro na Câmara de Representantes, que inclui a criminalização dos imi-grantes e a ampliação do muro na fronteira com o México.

Nos protestos que reúnem mi-

lhares de pessoas, os manifestantes reclamam uma reforma migratória humanitária que reconheça sua contribuição à economia do país no qual vivem. Além disso, expressam sua indignação contra o projeto aprovado em dezembro na Câmara de Representantes que criminaliza sua presença. O governo mexicano

de Vicente Fox, que desde 2001 pede ao seu vizinho uma reforma migratória integral, aplaudiu as manifestações e aderiu às reivin-dicações. É que deste país provém a maioria dos 40 milhões de imi-grantes latino-americanos que vive nos Estados Unidos com ou sem documentos.

O especialista em política imi-gratória e mexicana Alan Urrutia advertiu que “resta muito caminho pela frente e é muito possível que o que foi aprovado pelo comitê do Senado se dilua em uma lei menos positiva para os imigrantes”, afi r-mou. “Todos queremos uma lei racional para os imigrantes, mas com a política de Washington e seus interesses isso nem sempre é possível, já vimos isso por anos”, ressaltou.

A última reforma migratória importante nos Estados Unidos que favoreceu com uma anistia os es-trangeiros sem documentos, grande parte deles mexicana, foi assinada em 1986 pelo presidente Ronald Reagan (1981-1989) após cinco anos de discussão no Congresso.

Em 2005, mais de 400 mil imigrantes de origem latino-americana e caribenha entraram ilegalmente nos Estados Unidos, mas um milhão acabaram detidos e deportados. Embora a contribuição dos imigrantes para a economia estadunidense seja considerada signifi cativa, setores legislativos e de governo dos Estados Unidos re-sistem a reconhecer essa situação. Assim que em dezembro a Câmara de Representantes aprovou um pro-jeto para construir novos muros na fronteira com o México, endurecer os controles migratórios com o ar-gumento da segurança e criminali-zar os imigrantes ilegais.

Depois das discussões no Sena-do, o próximo passo para a apro-vação da lei será a convocação do Comitê de Conferência, instância do Congresso americano onde senadores e deputados têm que buscar consenso entre o projeto dos deputados e as emendas propostas pelos senadores. (Com agências internacionais)

Risco de xenofobia

original, que permitia às empresas prescindir de um empregado sem dar maiores explicações. Contu-do, a reforma destes dois pontos, os mais criticados por estudantes, sindicatos, organizações e partidos de esquerda, foi insufi ciente para acalmar os ventos.

No fundo, a tormenta de protes-tos sociais revela algo mais do que uma simples inconformidade com uma proposta do governo. Trata-se de uma luta contra a precarização do trabalho, tendência que esteve em alta no mundo todo durante as últimas décadas.

CRISE NO GOVERNOMesmo diante de manifestações

de grande porte e da pressão sobre o governo ultraconservador, os líderes do movimento insistem em rejeitar qualquer ufanismo. “O CPE não está morto. Pode até ser objeto de contratos de trabalho a partir desta manhã”, advertia, dia 3, Ber-nard Thibault, secretário-geral da Confederação Geral dos Trabalha-dores (CGT), a maior das centrais sindicais francesas. Ela e suas con-gêneres (CFDT, CGC, FO e CFTC), unidas nesta campanha, estão con-vocando suas bases a realizar para-lisações em diversas categorias, do setor público e do privado, “para permitir que os assalariados se en-gajem nesta jornada”.

A cidade de Paris colocou 4.000 policiais, muitos deles à paisana,

nas ruas a fi m de evitar os episódios violentos registrados dia 28 de mar-ço, quando as forças de segurança usaram bombas de gás lacrimo-gêneo e muita truculência contra os manifestantes. Além disso, três centenas de câmeras de segurança da polícia vigiavam as ruas de Paris em busca de sinais de distúrbio. Manifestantes que chegavam para participar do principal protesto marcado para acontecer na cidade disseram ter sido revistados por agentes de segurança nas estações de trem.

Os sindicatos prometeram resis-tir às ofertas de negociação enquan-to o governo não aceitar o fi m do CPE e não der início a novas dis-cussões sobre formas de combater o desemprego entre os jovens france-ses, atualmente em torno de 22%.

Diante da sua terceira grande crise em um ano – depois da rejei-ção, em maio, da Constituição da União Européia (UE) e dos protes-tos de novembro em subúrbios po-bres de cidades francesas –, Chirac insiste que os conservadores preci-sam manter “uma total coerência”. Uma pesquisa feita pelo instituto de pesquisa BVA mostrou que apenas 25% dos entrevistados no dia 1º de abril aprovavam a forma como o governo francês vinha conduzindo a economia, um número cinco pon-tos percentuais menor que o regis-trado um mês antes. (Com agências internacionais)

FRANÇAFRANÇA

Milhões contra a precariedade do trabalho

Milhões de franceses foram às ruas contra o Contrato do Primeiro Emperego

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De 6 a 12 de abril de 200612

SOMÁLIASOMÁLIA

ONU: fome pode levar 900 mil à morteEm meio ao caos político, país sofre com a a seca mais grave nos últimos dez anos; uma crise humanitária sem precedentes

INTERNACIONAL

da Redação

A África vive um novo caso de calamidade, desta vez na So-mália, onde 900 mil pessoas

terão fome extrema nos próximos seis meses se não começar, agora, uma operação de ajuda humanitária de emergência. O sinal de alerta é dos representantes da Organização das Nações Unidas (ONU) que atu-am no país africano.

“Uma crise humanitária sem precedentes paira sobre a Somália”, anunciou o representante do Escri-tório de Assuntos Humanitários da ONU (OCHA) para o país, Philippe Lazzarini. Ele afi rmou que, se não houver uma ação rápida, de 10 a 12 mil somalis podem morrer de fome a cada mês, a partir de julho.

A seca mais grave da última déca-da no Chifre da África desencadeou a grave situação na Somália, um dos países mais afetados na região. O ce-nário é ainda pior devido à crise per-manente que o país vive desde 1992, quando as instituições entraram em colapso e uma guerra civil dividiu o país em regiões controladas por diferentes grupos rebeldes.

CRISE POLÍTICAA ONU calcula que a seca tenha

provocado a morte de 50% do gado no sul e no centro da Somália. O índice poderia chegar em breve a 80%, elevando o de desnutrição, que

da Redação

O ex-presidente da Libéria Charles Taylor – considerado um dos mais temidos senhores da guerra na África – foi levado a uma corte de Serra Leoa dia 3. Se-gundo seus assessores, ele deve se declarar inocente pela acusação de receber diamantes contrabandeados em troca do treinamento e fi nancia-mento de rebeldes durante a guerra civil em Serra Leoa (1991-2002). Ele chegou algemado à Serra Leoa, dia 29 de março, para ser julgado pelo Tribunal Especial da ONU de Freetown, após quase três anos de exílio na Nigéria.

Autoridades temem que a presença de Taylor em Freetown cause distúrbios, tanto em Serra Leoa como na vizinha Libéria, onde seus partidários ameaçaram cometer atos violentos caso ele fosse levado a julgamento. Ale-gando questões de segurança, a corte especial pediu à Holanda que o julgamento seja realizado no Tri-bunal Especial de Haia.

Taylor foi inicialmente proces-sado por 17 acusações de crimes de guerra e crimes contra a huma-nidade por fomentar a guerra civil

da Redação

Mais de 1,3 milhão de doentes de Aids podem ser tratados agora nos países pobres e em desenvolvi-mento. No entanto, este número es-tá longe da meta de três milhões pa-ra o fi m de 2005, de acordo com um informe da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Programa Conjunto das Nações Unidas para o HIV/Aids (Unaids) publicado dia 28 de março.

“A África subsaariana, a mais afetada pela epidemia, é a primeira a se benefi ciar com a extensão do tratamento”, ressalta o relatório publicado pelas duas agências de saúde da ONU, a OMS e a Unaids, que elaboraram um balanço da estratégia “3 milhões até 2005”, lançada no fi nal de 2003.

O número de doentes africanos atendidos foi multiplicado por oito, passando de 100.000 para 810.000 em dois anos. Um em cada seis africanos tem acesso ao tratamento anti-retroviral, vital para sua sobre-vivência. “Nove em cada dez crian-ças à espera do tratamento vivem na África”, admite o informe.

Sem surpresas, o objetivo de atender três milhões de doentes, no fi nal de 2005, dos 6,5 milhões de pessoas que necessitam rapidamen-te de ajuda nos países de pobres e intermediários, não foi alcançado. Os progressos são “menores do que se esperava”, reconhece a OMS que no entanto considera “impressio-nante” o que foi obtido. O número de doentes em tratamento triplicou. A ampliação do acesso aos anti-retrovirais permitiu salvar entre 250.000 a 350.000 vidas em 2005.

Segundo a Unaids, ao menos 22 bilhões de dólares anuais serão necessários até 2008 para fi nanciar programas nacionais completos de prevenção e tratamento para o HIV. Aproximar-se tanto quanto possível do acesso universal ao tratamento até 2010 – meta aprovada no ano passa-do pela Assembléia Geral das Na-ções Unidas – exigirá esforços con-sideráveis, advertem Unaids e OMS. (Com agências internacionais)

já chega a 50%. Lazzarini afi rmou também que foram identifi cados movimentos migratórios envolven-do 300 mil pessoas, que deixaram recentemente suas comunidades em direção a regiões onde acreditam que podem encontrar água e comida.

O diretor da Organização da ONU para a Agricultura e a Ali-

mentação (FAO), Graham Farmer, avisou que, sem ajuda internacio-nal, a situação deve piorar. A pre-visão é de que a seca se mantenha e as chuvas, que deveriam começar em poucas semanas, não cheguem. Farmer disse que é preciso uma resposta humanitária em vários se-tores, particularmente a assistência

alimentar, o abastecimento de água e serviços de saúde.

Lazzarini avalia que a ONU precisa de 346 milhões de dólares para sua operação de emergência na Somália. É mais que o dobro dos 170 milhões de dólares previstos no pedido global de fundos, feito no fi m do ano passado. Ele explicou

que a operação no país é muito cara devido à insegurança, que obriga a utilização de rotas terrestres para o abastecimento. “Não podemos levar os alimentos à Somália por mar, por causa da pirataria. Eles precisam ser transportados em caminhões através do Quênia, o que aumenta conside-ravelmente os custos”, disse.

O enviado do Fundo da ONU para a Infância (Unicef) na Somália, Christian Balslev-Olesen, opinou que, se a situação piorar, “pode ter um efeito negativo direto no processo político atual”. A So-mália viveu a anarquia e a guerra civil desde a derrubada, em 1991, do ditador Mohammed Siad Barre. Há menos de um mês, o Parlamento de transição do país se reuniu pela primeira vez desde o seu retorno do exílio no Quênia.

Para Balslev-Olesen, a tentativa de recuperar um Estado somali “po-de fracassar”. Por isso, pediu aos doadores que se preocupem com a situação do país, “que por anos esteve praticamente riscado do mapa” de interesses da comunidade internacional.

Ele disse ainda que, “se a crise atual for bem administrada, de ma-neira oportuna e adequada, pode ser a oportunidade para reforçar a reconciliação nacional e assentar as bases para a reconstrução e o de-senvolvimento da Somália”. (Com agências internacionais)

SAÚDESAÚDE

Tratamento de Aids

avança pouco

LIBÉRIALIBÉRIA

Ex-ditador é preso e aguarda julgamento

em Serra Leoa por meio do forne-cimento ilegal de armas em troca por diamantes retirados de minas de rebeldes. O caso foi condensado em 11 acusações em março de 2006 para assegurar um julgamento mais focado. A promotoria contra Taylor cita “civis mortos a tiros ou queima-

Abril de 1980: Samuel Doe che-ga ao poder na Libéria com um golpe de Estado e Charles Taylor se une ao novo regime.

1984: Doe acusa Taylor de apropriação indébita de 900 mil dólares, fazendo-o se refu-giar nos Estados Unidos, e par-tindo em seguida para o exílio na Líbia, Burkina Fasso e Costa do Marfi m.

24 de dezembro de 1989: Taylor reaparece no país, no Condado de Nimba, junto à fronteira com a Costa do Marfi m e a Guiné, liderando as Forças Nacionais Patrióticas da Libéria (FPNL) numa fra-cassada tentativa de derrubar o presidente Doe. Começa um

dos em suas próprias casas, enforca-dos, ou assassinados enquanto ten-tavam fugir de ataques contra suas casas.” Algumas vítimas possuíam as iniciais da Frente Unida Revolu-cionária, apoiada por Taylor, mar-cadas em seus corpos. Taylor deu início a uma rebelião na Libéria pa-

ra depor o então presidente Samuel Doe em 1989. A revolta se tornou uma guerra civil que durou 14 anos e matou cerca de 250 mil pessoas. Ele foi eleito presidente da Libéria em 1997, mas partiu para um exílio na Nigéria em 2003, como parte de um acordo de paz.

confl ito que se prolonga por sete anos, deixando mais de 160 mil mortos.

Setembro de 1990: Doe é assassi-nado por guerrilheiros leais a Prince Johnson, líder de uma facção sepa-ratista das FPNL.

20 de agosto de 1995: Sete facções envolvidas na guerra civil assinam um acordo de paz sob a supervisão da Comunidade Econômica de Esta-dos da África Ocidental (Cedeao), mas os confl itos continuam.

Julho de 1997: Taylor se candidata a presidente, e ganha com larga margem, recebendo 75,32% dos votos. Continuam os confl itos com grupos rebeldes, e o maior deles, o Lurd, que controla parte do norte e

noroeste do país, chega inclusive à entrada de Monróvia.

Junho de 2003: O tribunal espe-cial para Serra Leoa, apoiado pela ONU, acusa Taylor de crimes de guerra contra a humanidade e de ter uma “grande responsabilidade” nos dez anos de confl itos. Os rebeldes e os Estados Unidos pedem a renúncia de Taylor.

11 de agosto 2003: Em meio a fortes pressões internacionais, Taylor aban-dona a Libéria, deixando o poder para o vice-presidente do governo, Moses Blah, e parte pra o exílio na Nigéria, país que lhe oferece asilo político e uma luxuosa mansão.

Novembro 2005: Ellen Johnson-Sir-leaf ganha as eleições presidenciais

Trajetória de um ditadorliberianas e se torna a primeira mulher eleita chefe de Estado na África.

Março 2006: A Nigéria anun-cia que Johnson-Sirleaf pediu formalmente ao presidente do país, Olusegun Obasanjo, que cumpra sua promessa de en-tregar Taylor à Libéria se o go-verno eleito democraticamente assim quisesse.

25 de março 2006: Obasanjo aceita o pedido de Johnson-Sirleaf de extraditar Taylor, para que responda pelas acusações de crimes de guerra.

29 de março de 2006: As forças de segurança da Nigéria anun-ciam a captura de Taylor.

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A chamada comunidade internacional faz vista grossa para situação de calamidade na Somália

Agentes das Nações Unidas escoltam o ex-presidente da Libéria, Charles Taylor (centro), que deve ser julgado em Serra Leoa

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De 6 a 12 de abril de 2006 13

Impedir o retrocesso foi uma vitóriaEncontro da ONU termina em um a um. Biodiversidade não é resguardada mas transgênicos continuam proibidos

BIODIVERSIDADEBIODIVERSIDADE

Luís Brasilinoda Redação

O s movimentos sociais con-quistaram uma vitória na 8ª Conferência das Partes

da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP8, na sigla em in-

glês), ao impedir a ampliação do controle das transnacionais sobre a cadeia alimentar. Ao mesmo tempo, a

indústria de biotecnologia conse-guiu barrar qualquer iniciativa de proteção da biodiversidade.

Para a sociedade civil, no entanto, houve dois importantes avanços. Logo na primeira semana da COP8, que foi realizada entre os dias 20 e 31 de março, na região metropolitana de Curitiba (PR), os países mantiveram a moratória contra as sementes estéreis co-

nhecidas como Terminator. No fi nal do encon-tro, foi vetada a liberação do cultivo de ár-

vores geneticamente modifi cadas (AGMs).

Segundo Marciano Toledo da Silva, do Movimento dos Pe-quenos Agricultores (MPA), essa conquista foi importante pois a

Solange Engelmann e Raquel Casiraghi

de Curitiba (PR)

Os países do Sul têm muito a ganhar com a repartição dos bene-fícios da biodiversidade, na opinião do canadense Pat Mooney, do ETC Group. Em entrevista ao Brasil de Fato para avaliar os resultados da COP8, o especialista contou que apenas na indústria farmacêutica os países desenvolvidos arrecadam 100 milhões de dólares anuais com o que tiraram do Sul. Mooney tam-bém alerta: transnacionais querem controlar toda a genética das se-mentes e, assim, levarão ao fi m a pequena agricultura.

Brasil de Fato – Qual sua opinião sobre a repartição e o acesso aos recursos genéticos?Pat Mooney – Há três áreas de dis-cussões nesse tema. A primeira é sobre quem receberia o pagamen-to pelos recursos: camponeses e comunidades indígenas ou gover-nos. A segunda disputa é entre Sul e Norte. Em princípio, os países nortistas estão dispostos a pagar, mas não entram em acordo sobre os procedimentos e as fórmulas desse pagamento. E o terceiro em-bate tem a ver com a estrutura de convênio de Diversidade Biológica no interior das Nações Unidas. Dentro da Convenção de Diversi-dade Biológica (CDB) são promo-vidos acordos bilaterais entre os países e não termos gerais entre as partes. Assim, uma empresa pode negociar diretamente com uma co-munidade indígena ou camponesa e um país pode negociar com ou-tro país. Antes da Convenção, que entrou em vigor em 1994, todo o material que o Norte havia pego do Sul não contava para nada. Agora, os países nortistas querem fazer crer que tudo começou quan-do a CDB entrou em vigor. É como se os elementos de biodiversidade do Sul presentes em museus, jar-dins botânicos e parques do Norte pertencessem somente aos desen-volvidos, como se a biodiversidade não tivesse sido roubada das na-ções sulistas.

BF – Quais os prejuízos decor-rentes dessa postura?

NACIONAL

inclusão das AGMs nas discus-sões da COP8 aconteceu graças a uma manobra questionável das transnacionais de biotecnologia. Representadas pelas delegações de Austrália, Canadá e Nova Ze-lândia, elas incluíram as árvores transgênicas na discussão durante a madrugada, quando não há tradu-ção nas reuniões.

“A delegação brasileira, por exemplo, nem cogitava debater

esse tema”, revela Toledo da Silva. Mesmo assim, com a pressão dos movimentos, as pesquisas com AG-Ms serão submetidas ao princípio da precaução até o tema voltar a ser discutido, na COP9, prevista para 2008, na Alemanha. Enquanto isso, os governos devem indicar represen-tantes para aprofundar estudos sobre o tema num órgão de assessoramen-to técnico ligado à Organização das Nações Unidas (ONU).

No entanto, na hora de ser pro-positiva, a COP8 esbarrou no pode-rio das transnacionais. “A Confe-rência não conseguiu deixar claros os mecanismos de implementação da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB)”, analisa Maria Rita Reis, da organização não-governamental Terra de Direitos. Nesse aspecto, o principal tema em discussão era a repartição dos bene-fícios advindos da biodiversidade,

isto é, a discussão dos mecanismos para compensar países megadiver-sos (como o Brasil, por exemplo) e comunidades tradicionais pelo uso comercial ou científi co de seus recursos genéticos e de seu conhe-cimento.

A COP8 decidiu por um texto base a ser discutido em duas reu-niões, até a COP9. No entanto, a adoção do texto defi nitivo fi cou pa-ra daqui a quatro anos, na COP10. Maria Rita conta que, ao fi nal do encontro, o sentimento era de frus-tração. Segundo Ângela Cordeiro, do Centro Ecológico – Assessoria e Formação em Agricultura Eco-lógica, a Austrália, o Canadá e a Nova Zelândia, com o respaldo dos Estados Unidos, que não são signi-tários da CDB, sempre conseguiam enfraquecer ou eliminar artigos que fortaleciam a biodiversidade.

“Isso aconteceu porque suas de-legações estavam muito bem prepa-radas – tinham opinião sobre todos os 36 textos discutidos –, ao con-trário daquelas com condições de fazer contraponto. Os porta-vozes do Brasil, por exemplo, eram di-plomatas com dois anos de carreira. Parecia um evento de treino para a gurizada”, protesta Ângela. “A ca-da vez que se vai tirando decisões que não dizem nada, essas esferas vão se esvaziando. Enquanto isso, a coisa fi ca solta e a biodiversidade diminui”, completa.

Mooney – Os países do Norte teriam que pagar quantias enor-mes aos países do Sul. No caso da indústria farmacêutica, por exemplo, calcula-se que 25 % de todos os remédios estão basea-dos em conhecimentos indígenas de países do Sul. Signifi ca que o Norte deve ao Sul 100 milhões de dólares anuais pelos elemen-tos contidos nos medicamentos. Para se ter uma idéia, a ajuda externa enviada aos países em desenvolvimento é de 70 milhões de dólares.

BF – Qual a participação das comunidades indígenas?Mooney – Entre os povos indí-genas não há um acordo sobre como solucionar isso. Algumas comunidades querem negociar diretamente com as empresas. Outras querem negociações cole-tivas. Além disso, existem comu-nidades interessadas em entrar no sistema de propriedade inte-lectual e outras não. As plantas medicinais mais importantes para as indústrias provêm de três paí-ses e oito comunidades indígenas diferentes. Assim, as corporações podem ir ao shopping, visitando as diversas regiões e comprando os produtos onde é mais barato. Nessa perspectiva, a atuação de uma comunidade pode fazer com que se perca toda a mobilização e a resistência das outras sete para negociar com mais justiça, vendendo tudo junto e depois dividindo o dinheiro entre si. Com relação às árvores transgê-nicas, conseguiu-se um pequeno avanço. Cada vez há mais cons-ciência de que se deve lutar por uma moratória. O pólen dessas árvores pode percorrer até dois mil quilômetros, o que aumenta a preocupação com a contamina-ção da mata nativa.

BF – Qual a solução discutida na COP8?Mooney – A idéia é de que os go-vernos do Norte criem um fundo comum no qual seriam deposita-das porcentagens proporcionais à utilização dos recursos de bio-diversidade. Também se fala em pagamento direto: se um país do Norte pega uma planta, a comu-

nidade do Sul recebe o dinheiro. Pensa-se também em construir um fundo coletivo de onde as comuni-dades podem obter dinheiro para projetos de desenvolvimento. Não devemos entender como “eu pago por uma planta, eu pago pelo uso de um recurso”, assim como não deve haver empresas envolvidas nessas negociações, muito me-nos patentes. Esta proposta afeta diretamente a população desses países porque as comunidades te-riam recursos para o seu próprio desenvolvimento. No entanto, a proposta não avançou, permane-cendo os acordos bilaterais, até que se consiga estabelecer acor-dos coletivos, o que pode ocorrer na COP9, na COP10...

BF – Como são esses acordos bilaterais?Mooney – São muito difíceis e não duram muito tempo. Um exemplo é a InBio, organização não-governamental da Costa Rica, que recebeu da indústria farmacêutica Merck 1,8 milhão de dólares pelo uso da biodiversi-dade do país. Sequer foram dois milhões de dólares. E a Costa Rica tem 6% de toda a biodiversidade do mundo. Se tomarmos esse exemplo, toda a biodiversidade do planeta estaria valendo cerca de 20 milhões de dólares.

BF – A propriedade intelectual entra muito forte nessa questão.Mooney – Os governos simples-mente assumem que esta é a realidade do mundo, que deve haver propriedade intelectual. A Organização Mundial do Comér-cio (OMC) está pressionando para que essa discussão esteja inserida

dentro das regras de propriedade intelectual. Existe, na OMC, um de-partamento chamado Aspectos do Comércio relacionados à Proprie-dade Intelectual, que defi ne “leis” a fi m de regular toda a propriedade intelectual do planeta. Querem que essas linhas estejam nas discussões da ONU. No entanto, para nosso bem, países da África e diversos povos indígenas estão contra essas regras da OMC.

BF – A manutenção da moratória sobre a semente Terminator foi uma vitória?Mooney – Sim. Mas a batalha ainda precisa ser travada na COP9, onde lutaremos pela proibição absoluta ao Terminator. Pode-se levar também esse tema à Comissão de Direitos Humanos da ONU, à Unesco (Organização das Nações Unidas para a Edu-cação, a Ciência e a Cultura) e à FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação). Os Estados Unidos já vêm fazendo experimentos em campo de Terminator. Porém, ainda é muito difícil para eles exportar a tecnologia, devido à resistência contra essas sementes. Seria uma crise diplomática, o que faz com que não se atrevam a comercializar essas sementes por alguns anos. O que pode ocorrer é exportarem a países como Ira-que ou Afeganistão. Ou, ainda, para a Índia e outros países do Leste, como ajuda alimentar.

BF – Isso pode mudar na COP9?Mooney – O Terminator é um ne-gócio muito grande para as com-panhias. Assim, sempre buscarão alguém para apoiar a tecnologia. Por isso é preciso que os países tenham a sua própria lei proibin-do o Terminator e uma lei global que impeça a venda e o plantio. Talvez assim as indústrias não tentem pressionar tanto para a sua liberação. Na verdade, o objetivo das empresas é maior do que expandir a tecnologia Terminator. Elas querem encontrar a fórmula para que em cada ciclo agrícola os camponeses paguem royalties. A forma de fazer isso é controlar toda a genética dentro da semen-te. Trata-se de inventar uma se-

No caso da indústria

farmacêutica, calcula-se que

25 % de todos os remédios estão baseados em

conhecimentos indígenas de países do Sul

Transnacionais não desistirão, diz Pat Mooney

mente que não se suicida, como a Terminator, mas que em cada ciclo agrícola exija aplicação de vene-no para ativar suas características genéticas e matar as pragas.

BF – Qual é o lugar do agricultor nessa realidade?Mooney – Os pequenos seriam eliminados. As companhias co-locarão as sementes Terminator muito baratas, bem abaixo do preço. Depois que os agricultores perderem suas sementes próprias, as empresas farão pressão para que instituições públicas de pes-quisa, como a Embrapa, no Bra-sil, desapareçam. As empresas também pressionarão para que os governos não ofereçam servi-ço de apoio técnico, nem crédito para plantio. Assim, poderão su-bir o preço das sementes, expul-sando os camponeses da terra e do mercado. Dirão que não pre-cisam existir centros de pesquisa pública porque elas já fazem todo o trabalho. Isso terminará com a agricultura orgânica e a indepen-dência dos camponeses.

Autor de livros sobre biodi-versidade e biotecnologia, Pat Roy Mooney estuda sementes desde 1977 e, em 1984, co-fundou a organização da socie-dade civil (CSO, na sigla em inglês) que desde 2001 se cha-ma ETC Group. Sem carreira acadêmica, Mooney recebeu em 1985, no parlamento sueco, o The Right Livelihood Award, uma espécie de Prêmio Nobel alternativo. Em 1998, recebeu, do governador geral do Cana-dá, o Pearson Peace Prize.

Quem é

Terminator – Grão transgênico estéril que não se repro-duz, o que obriga o agricultor a comprar novas sementes a cada safra.

COP – Esfera deci-sória da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), acordo internacional criado em 1992 que já conta com 188 países.

Via Campesina liderou as manifestações em Curitiba. Graças a elas, foi mantida a moratória às sementes Terminator

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Paulino Menezes

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De 6 a 12 de abril de 200614

DEBATEDESERTO VERDEDESERTO VERDE

Apoio à Via Campesina, contra a Aracruz Temístocles Marcelos Neto

A grande repercussão da ação das mulheres campo-nesas no dia 8 de março,

suscitou, como era de se esperar, ataques violentos. Não faltou se-quer o apelo ao emocional, com a imagem divulgada pela TV da pesquisadora em prantos, desola-da diante da destruição do fruto de anos de pesquisas dedicadas à Aracruz Celulose. E, mais pre-ocupante, críticas também vieram da esquerda, de setores que sem-pre se posicionaram em defesa das ações e dos objetivos da Via Campesina. Mas neste episódio, estão em jogo questões de impor-tância decisiva.

A sanha com que a grande mídia e os porta-vozes da direita atacaram a ação contra a Aracruz é uma clara tentativa de criminali-zar o movimento, apresentando a ação como obra de vândalos, de representantes do “atraso”, entre outros epítetos menos elogiosos. A indignação das elites é compre-ensível. Todas as vezes em que se atenta contra os seus lucros e os valores sacrossantos da proprie-dade privada, a grita é geral.

Se hoje a Via Campesina é um movimento social que tem respal-do e respeito em escala interna-cional, Assim foi quando o Mo-vimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) iniciou nos anos 1980 as suas primeiras ocupa-ções. A virulência dos ataques ao movimento deixava transparecer o veneno dos sentimentos de classe mais primitivos dos detentores do poder econômico.

Mas esses mesmos defensores da civilidade e dos métodos “de-mocráticos” nunca hesitaram em cometer crimes hediondos, sem-pre falando em nome do “pro-

Frei Gilvander Moreira

N o dia 20 de janeiro, a Aracruz Celulose mobili-zou helicópteros, bombas,

armas, tratores e 120 agentes da Polícia Federal, para destruir du-as aldeias e expulsar 50 pessoas dos povos indígenas Tupiniquim e Guarani de sua terra tradicio-nal, no município de Aracruz, Espírito Santo. Na mídia, não se viu nenhuma mãe Tupiniquim ou Guarani com seus fi lhos choran-do, nenhum ministro do governo condenando a ação, ou mesmo o dono da empresa lamentando a violência.

No dia 8 de março, Dia Inter-nacional da Mulher, mais de mil mulheres da Via Campesina ocu-param um centro de pesquisa da Aracruz Celulose, no Rio Grande do Sul. Destruíram um milhão de mudas de eucalipto e danifi caram pesquisas que fortaleceria a mo-nocultura do eucalipto, pau reto que entorta a vida do povo.

A mídia, latifúndio da comuni-cação, esbravejou contra as mu-lheres condenando-as. Mostrou dezenas de vezes uma pesquisa-dora da Aracruz chorando. Lide-ranças se posicionaram. Vanda-lismo? Violência? Arruaça? Aten-tado à democracia? (Que tipo de democracia?)

A Aracruz Celulose S/A é uma transnacional controlada por quatro acionistas majoritá-rios que detém o direito a voto: Grupo Lorens (28%), Banco Safra (28%), Votorantin (28%) e BNDES (12,5%). Com a monocultura do eucalipto, o Espírito Santo se trans-formou em um “deserto verde” e foi “laboratório” para treinar os 300 mil homens que, com motos-serras, podem desmatar 40% da Floresta Amazônica até 2050, 76% do Mato Grosso e 97% do Maranhão.

Nos últimos três anos, só a Aracruz Celulose, que tem cerca de 250 mil hectares de eucalipto no Brasil, recebeu do governo brasileiro quase R$ 2 bilhões. Em dezembro de 2005, foi aprovado empréstimo de quase R$ 300 mi-lhões pelo BNDES à Aracruz que, entre outros, servirá para moder-nização da sua fábrica de celulose no Rio Grande do Sul. O prazo de carência desses créditos do BNDES é de 21 meses, só a partir daí começam as amortizações do empréstimo, cujos prazos chegam a 84 meses. Tudo isso a juros de 2% ao ano, enquanto as taxas de juros praticadas no Programa Nacional da Agricultura Familiar vão até 8,75% ao ano! O BNDES também emprestou 318 milhões de dólares para a construção da fábrica da Veracel (empresa da Aracruz Celulose e Stora Enso, sueco-fi landesa – são concorren-tes, mas ao mesmo tempo sócias, alguém entende?), na Bahia.

A Aracruz teve lucro líquido de R$ 1,2 bilhão em 2005. Suas más ações vão desde a expro-priação de terras indígenas até a desertifi cação “produtiva” que solapa a natureza para gerar lu-cros para uns poucos. E isso com a participação ativa de instituições do governo como BNDES tendo a polícia federal como guardiã e o judiciário como cúmplice.

Mais de 90% da celulose pro-duzida pela Aracruz é exportada, principalmente para os Estados Unidos, que consomem 9 vezes mais papel que os brasileiros. Já são 5 milhões de hectares de monocultura de eucalipto no Bra-sil, 52,6% em Minas Gerais. O eucalipto, originário da Austrália, é um vampiro das águas. Tem raiz vertical do tamanho da árvore. Chupa as águas superfi ciais e as mais profundas. Com tronco reto, cascas e folhas fi nas, suga

a água com facilidade e não a retém. No cerrado, onde as ár-vores são retorcidas, com cascas e folhas grossas, a água é retida e forma a conhecida “caixa d’água do Brasil. O “deserto verde” da monocultura do eucalipto tem cau-sado um êxodo rural violento, a expulsão familiar do campo, além de incontáveis impactos ambien-tais: a biodiversidade destruída, os solos empobrecidos, rios secos, sem contar a enorme poluição gerada pelas fábricas de celulose que contaminam o ar, as águas e ameaçam a saúde humana.

Há 506 anos “ciclos” históricos de monoculturas mantêm o povo do Brasil em situações análogas à escravidão (pau-brasil, borracha, cana-de-açúcar, ouro, café, miné-rio, soja, eucalipto). Pressionado por ONGs ambientalistas, o Mi-nistério Público instaurou inquérito contra três grandes indústrias de celulose que estão se instalando no Rio Grande do Sul, a Votoran-tin, a Aracruz e a Stora Enso. Isso porque elas estão plantando sem licenciamento ambiental.

“As mulheres camponesas, pela sua ação disseram que o agronegócio de papel e celulose é espinheiro e abrolhos que não garantem uso social e ecológico da terra e da água. A expansão da monocultura da celulose quer inviabilizar a necessidade da re-forma agrária e agrícola no Brasil. Não produz alimento. Ninguém come eucalipto. Não gera em-prego proporcional à quantidade de terra utilizada. Não garante uma relação responsável com o ambiente inteiro. Não distribui riqueza, fazendo do Brasil um ponto subordinado – também na área da pesquisa! – no quadro internacional do capital papeleiro. As necessidades infi ndáveis e in-sustentáveis de consumo de papel e derivados no capitalismo têm co-

mo referência os padrões de uma burguesia mundial que precisa demais do papel porque escreve demais! Embrulha demais! Em-pacota demais! Compra demais! Gasta demais! Faz propaganda demais! Este modelo absurdo de consumo não vai ser imposto ao campesinato mundial”, profetisa a pastora Nancy Cardoso Pereira.

O papel higiênico, as fraldas, os jornais, os livros, o material de propaganda e as embalagens das milhares de mercadorias do Primeiro Mundo dependem da nossa terra, da nossa água e do nosso clima para existir. Expandir a produção de celulose alimenta este padrão insustentável de con-sumo que depende da exploração da natureza de uma região do planeta, o Sul pobre, para man-ter o padrão de vida de outro, o Norte rico. As plantações de eucalipto alimentam as carvoa-rias, onde há trabalho escravo, e saciam a fome das caldeiras das siderúrgicas que exigem minera-ção que detonam com as nascen-tes e lençóis freáticos.

As mulheres camponesas foram compelidas a realizar um gesto extremo pois não estão sendo ou-vidas. Se a reforma agrária fosse feita pra valer e o ambiente esti-vesse sendo preservado, se as car-

tas e os documentos por elas, cui-dadosamente, elaborados e apre-sentados, tivessem sido acolhidos, não existiria Aracruz destruindo como está. Não precisaria das mulheres destruírem um milhão de mudas de eucalipto. Todo o povo brasileiro viveria mais feliz.

Para os capitalistas, a terra, as águas, as sementes, o ar, as matas são recursos que devem ser explorados conforme seus interes-ses econômicos. Para as mulheres camponesas, estes elementos da natureza são dádivas e base da vida, não tem preço e jamais podem ser mercantilizados. Para as mulheres camponesas a terra deve cumprir função social não comercial, deve alimentar a vida, não os lucros. Defendem a agri-cultura familiar que produz 70% dos alimentos da mesa do povo brasileiro; é a que mais emprega no campo; fi xa o homem ao cam-po; desenvolve agricultura ecoló-gica; preserva a biodiversidade; respeita a pluralidade cultural das populações; gera trabalho, renda e dignidade para a população.

As mulheres foram, não às mudas, mas à raiz do problema. O que fascina no gesto simbólico delas é a lição de que não pre-cisamos e não devemos tolerar o desterro produzido em nosso próprio país. É preciso olhar toda a criação como um bem comum e do qual a humanidade é apenas um dos parceiros, não sua pro-prietária. As mulheres nos dão impressionante recado de que a sobrevivência da espécie não pode ocorrer às custas de tantas vidas e tanta destruição.

Deus está nas mulheres em movimento e no Movimento das Mulheres.

Frei Gilvander Luís Moreira é biblista, assessor da CPT/MG,

CEBs, CEBI e SAB

Santa Aracruz? Malditas mulheres?

gresso” e do “desenvolvimento”. Exemplos abundam. Basta olhar-mos para o que ocorreu no dia 20 de janeiro, quando a mesma empresa Aracruz Celulose S/A, com o apoio de helicópteros, bombas, armas e 120 agentes da Polícia Federal do Comando de Operações Táticas (COT), destruiu duas aldeias e expulsou 50 pessoas dos povos Tupiniquim e Guarani, no município de Ara-cruz (ES). Duas aldeias Tupiniquim e Guarani foram completamente destruídas pelos tratores da em-presa. A sociedade praticamente não teve conhecimento desse cri-me bárbaro. Não teve acesso a imagens de desespero dos índios indefesos sendo escorraçados de sua terra.

Criminosos não são os movi-mentos sociais que lutam, tendo contra si o poder econômico, o aparelho de Estado e a grande mídia. Criminosos são aqueles que, em defesa de seus interesses, sempre travestidos com o discurso do desenvolvimento, depredam a natureza, atacam direitos, espoliam trabalhadores e tra-balhadoras, expulsam de suas terras camponeses, quilombolas, povos ribeirinhos e comunidades tradicionais. Ferem a consciência democrática.

No entanto, enquanto empre-sas como a Aracruz, Monsanto, Syngenta, ganham menções honrosas nas páginas da gran-de mídia, os movimentos sociais têm sido retratados como de-linqüentes, bandidos. Há uma campanha para desmoralizar e criminalizar movimentos sociais como a Via Campesina, que não tem hesitado em combater de forma resoluta, sem hesitação, os crimes sociais, ambientais e econômicos dessas corporações.

Infelizmente, algumas vozes dentro do próprio campo da es-querda se levantaram contra a ação das mulheres da Via Campesina. E, embora afi rmem apoiar as mo-tivações daquela ação, centram o fogo na condenação dos métodos utilizados. Questionar métodos e formas de luta, é mais do que jus-to. É necessário para o avanço da nossa luta. Mas ao fazê-lo publi-camente, pela mídia, em um mo-mento em que a direita lança ata-ques violentos à Via Campesina, é um verdadeiro tiro no pé. Não contribui para a luta, apenas joga água no moinho da campanha di-famatória movida pelas elites. Que

se façam as críticas, mas dentro do movimento, de forma dura, mas fraterna, sem condescender com os argumentos que a grande mídia veicula com o intuito de des-moralizar os movimentos sociais.

Questiona-se, inclusive, o que teria a ver a ação contra o labo-ratório da Aracruz e a luta pela reforma agrária. Tem tudo a ver. A luta pela reforma agrária não é só uma luta pela distribuição de terra aos que não a possuem. Não é apenas uma contenda contra latifundiários que mantém suas terras ociosas. É uma luta contra uma estrutura agrária que tem como pilar hegemônico a

grande agroindústria, as gran-des empresas capitalistas com ramifi cações e elos em outros setores, notadamente o capital fi nanceiro.

Os desertos verdes da Ara-cruz ocupam milhares e milhares de hectares de terras, e se espa-lharam às custas da expulsão de milhares de pessoas que ali vi-viam. Às custas da dizimação de centenas de famílias que viviam em quilombos no norte do Esta-do de Espírito Santo. Os desertos verdes cresceram alimentados com o sangue e suor de milhares de trabalhadores, indígenas e quilombolas.

Não podemos vacilar, deixar que falsos argumentos de verniz democrática nos levem a perder de vista o Brasil real, onde pre-dominam os crimes corporativos e a miséria de milhões. Onde co-tidianamente se cometem crimes hediondos, assassinatos, depre-dações, a violência sistemática contra os pobres.

Temos que ser fi rmes. A ação das camponesas no dia 8 de março tem nosso apoio incondi-cional. E que a verdadeira face das corporações venha à tona, para que a sociedade possa sa-ber quem é de fato o criminoso.

Nunca é demais lembrarmos os versos do grande poeta dramatur-go Bertold Brecht:

Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem

Temístocles Marcelos Neto é coordenador da Comissão

Nacional de Meio Ambiente da CUT e secretário executivo do

Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais pelo

Desenvolvimento Sustentável

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As mulheres camponesas, pela sua ação disseram que o agronegócio de papel e celulose

é espinheiro e abrolhos que não

garantem uso social e ecológico

da terra e da água

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PERNAMBUCO

De 6 a 12 de abril de 2006 15

[email protected]

Gabriel Perissé

Brasil, de fato. Entrevistas quentes no calor da hora. Fatos e interpretações. Frases antológicas. Celso Furtado: “O Brasil é um país de construção imperfeita”. Do geó-grafo Manuel Correia de Andrade: “Não se faz nada no Brasil sem o apoio da Igreja”. Augusto Boal: “Hoje, é quase impossível ser artista e permanecer no mercado cultural”.

Pouco espaço para ambigüi-dades e paninhos quentes. Afora Marilena Chaui e Leonardo Boff, quase... talvez... meio insatisfeitos com o governo Lula, a maioria dos brasileiros entrevistados expressa sua decepção. Fábio Konder Com-parato denuncia a ausência de um projeto de país. dom Pedro Casal-dáliga reconhece que o governo é fraco. Plinio Arruda Sampaio mos-tra as razões que o levariam, poucos meses depois, a romper com o PT. O advogado Goffredo da Silva Tel-les Jr. afi rma, com todas as letras e sem medo de errar, que estamos numa pseudodemocracia.

LIÇÃO DOS ENTREVISTADOSO livro é um documento im-

portante, inquietante. São vozes de gente que participou intensamente

LIVROS

ARAGUAIA-TOCANTINS: FIOS DE UMA HISTÓRIA CAMPONESAO Bico do Papagaio – norte do Tocantins, sul do Pará e oeste do Maranhão – é imortalizado pela violência cometida contra traba-lhadores rurais, simpatizantes da reforma agrária e defensores do ambiente. Trata-se de território de aguda disputa pela terra e por recursos naturais. O livro, de au-toria de Rogério Almeida, mostra como o movimento camponês tem tido a capacidade de se reinventar, experimentar novas dinâmicas, enfrentar desafi os, etc. É uma homenagem ao dirigente sindical maranhense Manoel Conceição Santos, que milita há mais de 40 anos em defesa da reforma agrária e do ambiente.Mais informações: (98) 3249-9712

MINHA CAMPANHA COM O CHEEscrito por Inti Peredo, o livro está sendo publicado pela primei-ra vez em português. Conta a his-tória dos irmãos Inti e Coco Pe-redo, combatentes bolivianos que lutaram junto com Che Guevara. Coco morreu em combate doze dias antes de Che. Inti sobreviveu e, em julho de 1968, comandou o renascimento do Exército de Libertação Nacional (ELN). Em 9 de setembro de 1969 Inti caiu nas garras da repressão e foi brutalmente assassinado. A obra, editada pela Hamawta, tem 197 páginas e custa R$ 12.Mais informações: (21) 2524-0195,[email protected]

NORDESTE

MAPEAMENTO DE ORGANIZAÇÕES JUVENISQue motivos levam jovens a atuar em grupos? De que forma se or-ganizam coletivamente? Quais os anseios e necessidades de grupos juvenis? Com o intuito de respon-der a essas e outras questões, a organização Redes e Juventude vai desenvolver um mapeamento das organizações juvenis em alguns bairros de Salvador, Natal e Recife

FÓRUM DE ABRIL 20 a 23 Já estão abertas as inscrições para o 2º Fórum Social Brasileiro, chamado Fórum de Abril, que acontecerá no Recife, trazendo novidades em relação aos outros eventos promovidos no processo do Fórum Social Mundial. Será, ao mesmo tempo, um evento brasileiro e mundial temático. Tratará da experiência brasileira vivi-da nos últimos anos sob a ótica dos movimentos sociais e das perspectivas dos participantes na resistência à globalização neoliberal. O Fórum de Abril será dividido em “áreas de diálogo”, mas também serão aceitas inscrições de ativida-des que não se encaixem em nenhuma delas.

Área 1 – Os sujeitos políticos e suas relações: tratará das relações dos movimentos entre si, com organizações não-governamentais, parti-dos e governos. Estão previstos também deba-tes sobre o papel dos intelectuais de esquerda, a democratização da comunicação, educação popular, cultura e identidades e participação política.

Área 2 – Os projetos de desenvolvimento alter-nativo ao neoliberalismo: propostas de novos sistemas econômicos, mudanças na relação com o capital transnacional, de reestruturação produ-tiva e de reforma urbana e reforma agrária.

Área 3 – A resistência antiimperialista e alter-nativas de integração solidária: o papel e a atu-ação dos organismos multilaterais, projetos de integração regional, problemas de toda a Amé-rica Latina e mundiais como a guerra e milita-rização, a dívida externa e interna, as propostas de comércio justo e de controle de capitais.

Área 4 – A democratização do Estado – por uma nova institucionalidade: trará debates so-

e em 17 municípios do interior dos Estados do Ceará, Bahia e Pernam-buco. A área a ser mapeada corres-ponde às regiões onde as organiza-ções que compõem a Rede atuam. Quase todas as entidades executo-ras desenvolvem ações de mobili-zação social. O mapeamento pre-tende, a partir do reconhecimento de diferentes formas de organiza-ção juvenil, provocar a articulação de diversos grupos e coletivos a fi m de conseguir atingir maior infl uência na proposição e no mo-nitoramento das políticas voltadas à juventude. A previsão é de que o mapeamento seja fi nalizado em agosto. O Redes pretende realizar um seminário de apresentação dos

resultados e lançar uma publicação sobre a experiência.Mais informações: www.redesjuventudes.org.br

AMAZONAS

ESTUDO SOBRE TERRAS INDÍGENASEstudo comprova que terras indí-genas conservam a biodiversidade em quase 3,5 milhões de hectares de fl orestas. As terras indígenas funcionariam como barreiras ao desmatamento na Amazônia, im-pedindo a destruição de quase 3,5 milhões de hectares de fl orestas. Segundo o levantamento, 74% têm taxas de desfl orestamento me-

bre questões políticas nacionais como reforma política e combate à corrupção; aprofundamento dos mecanismos de democracia participativa e direta; políticas de ação afi rmativa; políticas de segurança pública e relações entre público e privado. Também serão abordados temas de caráter mais geral, como fundamentalismo e direitos humanos num mundo em transição: da economia de mercado para a socie-dade de mercado.

Entidades, participantes e imprensa podem fazer inscrição até dia 10, pela internet, pela taxa de R$ 50 (com direito a dez participantes). Participantes individuais podem se inscrever até dia 18, por R$ 5.Mais informações: www.fsb.org.br

nores do que as áreas do entorno. As informações constam do Diag-nóstico sobre Terras Indígenas Ameaçadas na Amazônia, reali-zado pela Coordenação das Orga-nizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), por meio do Departamento Etnoambiental. O diagnóstico, realizado em parceria com a organização não-governa-mental Instituto de Conservação Ambiental (TNC), aponta ainda que, enquanto a taxa de desmata-mento nas unidades de conserva-ção federais é de 1,52%, nas terras indígenas é de 1,10%.Mais informações: www.coiab.com.br

DISTRITO FEDERAL

DEBATE - RAÇA E DESENVOLVIMENTO17 de maioA Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais convida para o debate sobre raça e desen-volvimento. Estarão presentes Sueli Carneiro, diretora do Geledés – Instituto da Mulher Negra, e Marcelo Paixão, professor da Uni-versidade Federal do Rio de Janei-ro (UFRJ) e um dos coordenadores do Observatório Afro-Brasileiro. A Rede Brasil vem reconhecendo a importância de inserir a questão racial em suas estratégias e ações. Local: Sala 443 do Inesc, SCS Quadra 8, Ed. Venâncio 2000, BL B-50, BrasíliaMais informações: www.rbrasil.org.br

CAMPANHAO Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal iniciou uma cam-panha de arrecadação de livros para o curso Realidade Brasileira a partir de grandes pensadoras e pensadores brasileiros, parceria entre a Consulta Popular e a Uni-versidade de Brasília. Os livros pedidos para doação são: O Povo Brasileiro: a Formação e o Sen-tido do Brasil, de Darcy Ribeiro; Raízes do Brasil, de Sérgio Buar-que de Holanda; Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre; História Econômica do Brasil, de Caio Prado Júnior; Formação Econômica do Brasil, de Celso Furtado; Por uma outra globali-zação, de Milton Santos; Clássi-cos da Revolução Brasileira, de Florestan Femandes; A Opção Brasileira, de César Benjamin; Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire; A questão agrária hoje, de João Pedro Stedile.Mais informações: (61) 3343-2251,[email protected]

RIO DE JANEIRO

VÍDEOS POPULARESInscrições até 15 de abrilO Núcleo Piratininga de Comunica-ção estendeu até 15 de abril o prazo para recebimento de trabalhos em VHS ou DVS para análise e possí-vel publicação de sinopse em catá-logo que está sendo elaborado pela entidade, com fi nanciamento parcial da Eletrobrás, por meio da Lei Rouanet. O critério de participação é que o trabalho seja produzido por sindicatos, organizações não-gover-namentais ou movimentos sociais, com a ajuda de profi ssionais qualifi -cados. As temáticas que interessam são: lutas populares, manifestações artísticas, recuperação da memória e expressões culturais do povo. Os interessados devem enviar uma cópia do material acompanhada de apresentação, contendo o endereço para contato (endereço postal, tele-fone, correio eletrônico, página na internet). Contato para envio dos trabalhos: Augusto César.Local: R. Alcindo Guanabara, 17, sala 912, Cinelândia, CEP 20031-130, Rio de Janeiro.Mais informações: [email protected]

FESTIVAL DE CINEMA FEMININO2 a 7 de maioEstão abertas as inscrições para o Femina – Festival Internacio-nal de Cinema Feminino, que acontecerá de 2 a 7 de maio, no Centro Cultural Banco do Brasil. O evento reúne o trabalho de di-retoras brasileiras e estrangeiras. Trata-se de uma realização da Rio de Cinema Produções Culturais, a fi m de divulgar fi lmes dirigidos por mulheres e desenvolver uma grande refl exão sobre as questões de gênero, a partir do intercâm-bio entre a produção de diversos países. Exibição de fi lmes, fóruns de debates e palestras são algu-mas das atividades programadas para o evento, que contará com a participação de representantes do cinema nacional e internacional e de instituições que desenvolvem projetos voltados às questões de gênero. Serão realizadas também mostras competitivas de curtas e longas-metragens, com premia-ção para melhor fi lme, direção, entre outros quesitos. Só poderão participar da competição produ-ções de 2005 e 2006. As inscri-ções são gratuitas.Mais informações: confi ra o re-gulamento na página na internet: www.feminafest.com.br

da realidade política brasileira nas últimas décadas. Que depositou ou ainda deposita suas esperanças em Marx, em Jesus Libertador, no po-vo ou em Lula. E que sente, como todos nós sentimos, o peso das len-tidões, da demagogia, a estreiteza dos caminhos.

Não é fácil transformar o Brasil. Fazê-lo à imagem e semelhança de ideais um pouco mais elevados. Os-car Niemeyer desabafa – o mundo é uma merda.

Eu não iria tão longe. O Brasil, de fato – viver no Brasil, brincava Tom Jobim, “é uma merda... mas é bom”. Contudo, para muitos é hor-rível viver no Brasil. Viver (sofrer) os fatos que vivemos no Brasil.

Para não recair na queixa pela queixa, precisamos olhar os fatos e arriscar interpretações. Não basta constatar. Esta é a lição dos entre-vistados. Combatem, defendem, opinam, demonstram, acusam. Li o livro viajando de ônibus entre São Paulo e uma cidade do inte-rior. Metade na ida pela manhã. A outra metade na volta, à tardinha. À noite, sonhei que estava acordando. De fato.

Gabriel Perissé é doutor em Educação pela USP e escritor

ENTREVISTAS ESCOLHIDASENTREVISTAS ESCOLHIDAS

É preciso coragem para mudar o Brasil – Entrevistas do Brasil de FatoJosé Arbex Jr. e Nilton Viana (orgs.), 217 páginas, Editora Expressão Popu-lar, São Paulo, 2006; R$ 13

Brasil, fatos e interpretações

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Em Havana, Bienal une arte e povo

De 6 a 12 de abril de 2006

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CULTURA

ARTES PLÁSTICASARTES PLÁSTICAS

Mostra abriga obras de 230 artistas de 52 países e pode ser vista em sala especial montada em São Paulo

Marcelo Netto Rodriguesda Redação

D esde o dia 27 de março, Ha-vana ostenta o título de capi-tal mundial das artes. Mais

de 230 artistas de 52 países estão em Cuba até o próximo dia 27 para a nona edição da Bienal de Artes Plásticas da capital da ilha. A mostra cujo tema é “Dinâmicas da Cultura Urbana” não está distribuída só por salas de exposições e museus. Para justifi car a sua inspiração, as ruas de diferentes bairros da cidade também acabaram virando galerias.

Esta proposta de fazer com que a arte se aproxime mais do povo é o principal objetivo desta Bienal. De acordo com a sua curadora, Ibis Hernández Abascal, os componentes populares da cultura visual contem-porânea serão enfatizados. Em espe-cial, as práticas artísticas que levam em conta a participação do público.

Com uma clara intenção de inte-ratividade, não é de se estranhar por-tanto o fato que entre os convidados da Bienal esteja o fotógrafo estaduni-dense Spencer Tunick – famoso por fotografar milhares de corpos nus ao redor do mundo em contraste com espaços públicos urbanos. Ou que o pintor cubano Arturo Montoto tenha concebido uma obra – capaz de ser “lida” em braille – que retrata uma cidade para cegos, chamando a aten-ção para espaços urbanos onde há objetos e obstáculos desconhecidos para esse tipo de defi cientes.

A 9ª Bienal de Artes Plásticas de Havana pode produzir sua maior obra em São Paulo: evitar o despejo de 468 famílias sem-teto que há mais de três anos vivem no que é considerado o maior prédio ocupado do Bra-sil. Convidados ofi cialmente em cima da hora, 12 coletivos de arte brasileiros – que não con-seguiram viabilizar sua ida até Havana – resolveram expor as suas intervenções urbanas den-tro da ocupação Prestes Maia, no Centro da capital.

Mas a sexta tentativa de des-pejo das famílias está marcada para 15 de abril, enquanto que a Bienal se estenderá no prédio até o dia 30. Assim, de maneira inesperada – mas intencional –, a sala denominada “Território São Paulo”, com a sua própria existência, acabou por incorpo-rar a proposta de intervenção urbana apregoada pelos artis-tas que estão expondo.

Gentrifi caçãoAs intervenções artísticas

denunciam, entre outros as-suntos, o que pode acontecer com o próprio prédio ocupado. Um processo apelidado pelos artistas de “gentrifi cação”. Nu-ma placa de propaganda de prédios novos, aparece um ca-rimbo de “gentrifi cado” com a explicação: “restauração e/ou melhoria de propriedade urba-na deteriorada realizada pela classe média ou emergente ge-ralmente resultando na remoção de população de baixa renda”.

A produção de um outro coletivo, por sua vez, critica a realidade do país do carnaval e do futebol. Um esqueleto vestido com a camisa da seleção brasi-leira ergue a taça da Copa do Mundo com a palavra fome es-tampada em seu peito. Ao lado, uma Carmem Miranda esqueléti-ca lhe faz companhia. (MNR)

SERVIÇOA visitação é gratuita às sex-

tas, sábados e domingos, das 12 às 22 horas. O endereço do Território São Paulo é Avenida Prestes Maia, 911.

Maria Mellode Brasília (DF)

Não é de hoje que o Estado brasi-leiro confunde política cultural com política de mercado. A prática da “renúncia fi scal” é considerada pe-los governantes a mola propulsora da produção artística do país. Nessa lógica, empresas públicas e privadas podem aplicar em cultura parte do imposto de renda que devem, per-mitindo que fundações e instituições ligadas a bancos e até a canais de televisão se benefi ciem do dinheiro público. Em vez de fomentar pro-duções novas e pouco conhecidas, a medida surte efeito contrário. No teatro, por exemplo, privilegia gru-pos ou artistas que se consagraram na televisão.

Na contramão desse pensamento, nos últimos anos surgiram no país grupos dispostos a pensar a arte para além da mercadoria. Um deles é o Movimento Arte Contra a Barbárie, de São Paulo, expressão organizada de personalidades do teatro paulista que desenvolvem projetos de pesqui-sa da linguagem teatral, de interesse social e cultural. Integrante do Mo-vimento, a ensaísta e pesquisadora Iná Camargo Costa fala da proposta do grupo para fomento à pesquisa e à produção teatral no Brasil.

Brasil de Fato – Recentemente, o Movimento Arte Contra Bar-bárie apresentou ao Congresso Nacional um projeto de lei de fomento ao teatro. Qual a pro-posta do projeto?Iná Camargo Costa – A política cultural do Estado desde o governo Collor, e que continua no governo Lula com variações, é dar dinheiro para o mercado cultural. Então, o Arte Contra a Barbárie, questio-nando essa maneira explícita de o Estado mostrar a sua simpatia, seu vínculo com os interesses do mer-cado em relação à cultura, propôs uma lei de fomento ao teatro na cidade de São Paulo. O que sig-nifi ca fomento ao teatro? Signifi ca defi nir uma política pública, de Es-tado, no âmbito municipal. Forçar o Estado, pelo mecanismo da luta

Além de Tunick e Montoto, parti-cipam com destaque da Bienal: o ita-liano Claudio Parmiggiani, os irmãos franceses Anne e Patrick Poiriers, a britânica Lucy Orta, o arquiteto fran-cês Jean Nouvel, a iraniana-estadu-nidense Shirin Neshat, o projeto de artistas mexicanos e alemães “Agua-Wasser”, o grupo alemão Black Hole Factory, o espanhol Antoni Miralda, o argentino Guillermo Kuitca e o brasileiro Eduardo Srur.

democrática, a assumir a sua res-ponsabilidade na produção e em assegurar o direito da população ao acesso tanto à produção quan-to ao consumo da sua própria cul-tura. A lei especifi ca ainda mais: que serão fomentados projetos comprometidos com a pesquisa da linguagem teatral, projetos que não interessam ao mercado. Por não interessar ao mercado, o resultado do trabalho – mesmo que seja um espetáculo – não tem perspectiva auto-sustentável. Nós sabemos que, no curto prazo, o mercado não se abre para esse tipo de produção.Com base na nossa experiência – que começou a ser viabilizada no primeiro ano da administração Marta Suplicy – e com base em intercâmbio, por visita de grupos de outros Estados e visitas nossas a outros grupos, começamos a dis-cutir no plano nacional a hipótese de formular uma lei equivalente. Ela ainda não entrou em pauta de votação, e esse é o momento que nós estamos fazendo a discussão nacional do projeto, para em se-guida solicitar o encaminhamento para votação e, se aprovado, a sua implantação. A proposta nacional se chama Prêmio ao Teatro Brasileiro e contempla, em primeiro lugar, fomento à pesqui-sa e à produção continuada de grupos teatrais do Brasil inteiro;

em segundo lugar, à circulação de espetáculos que já existam, e em terceiro lugar, à produção de espetáculos. Nós queremos que venham para o nosso campo pequenos produtores que não têm horizontes de sobrevivência no mercado.

BF – Quais são as variações às quais a senhora se refere em relação ao tratamento que os governos vêm dando à cultura nos últimos anos?Iná – O Ministério da Cultura é de-terminado pela política macro, isto é, aquilo que foi combinado com o Fundo Monetário Internacional, o compromisso do (ministro An-tonio) Palocci com o superávit, o pagamento das dívidas e dos juros para os bancos. Obviamente não pode se retirar do circuito determi-nado por ela, e todo movimento diferente disso provoca terremoto na classe artística. Assim como no campo dos juros, que dá dinheiro para quem já tem dinheiro – os bancos com 50% de lucros em 2005, por exemplo –, no Ministé-rio da Cultura o mesmo acontece. Só que por ser uma composição um pouco mais progressista, você tem pequenas intervenções que apontam em outro sentido. E nes-se âmbito é claro que o Antônio Grassi, presidente da Fundação Nacional de Arte (Funarte), é um

ENTREVISTAENTREVISTA

aliado nosso. Ele é capaz de fazer uma crítica aos resultados da lei de incentivo fi scal da cultura. Mas como a atuação dele é determi-nada pela política macro do go-verno, o alcance do que ele pode fazer é muito restrito. Enquanto a política geral for a que o governo Lula vem fazendo, continuam em vigor as leis de incentivo em detri-mento dos interesses de uma real democratização do acesso e da produção de cultura neste país.

BF – Teatro é coisa de burguês?Iná – É sim, mas o burguês brasi-leiro só gosta de teatro estaduni-dense, inglês. Porque a classe do-minante brasileira nem ao menos se assume como burguesa, isso é que é o mais triste. E justamente porque ela não se assume como tal, não tem interesse pelo país dela. O nosso país, para a nossa classe dominante, é só a produção da riqueza, que ela prefere gastar em outros mercados. No Brasil, desde os anos 1960, acontece es-se fenômeno curioso: o real teatro, culturalmente ligado à experiência social brasileira, é um teatro que não interessa para o burguês. O burguês tem nojo de nós.

Intervenção urbana pode segurar despejo Compromisso com a cultura, não com o mercado

Quem é

Ao longo da mostra, fi lmes que apresentam cidades como protagonistas também estão sendo exibidos: Suite Havana, Berlim: Sinfonia de Uma Cidade, Tudo Sobre Minha Mãe, Maniatan e o brasileiro Cidade de Deus. Fora isso, a sétima arte também se vê representada na Bienal na fi gura do diretor espanhol Carlos Saura, que exibe suas fotografi as.

As exibições podem ser vistas

em 17 locais da cidade de Havana e, excepcionalmente, em uma sala na cidade de São Paulo, dentro de um prédio ocupado por sem-teto (veja matéria abaixo). Na capital cubana, estão entre os principais locais de exposição: o Museu Na-cional de Belas Artes, a Fortaleza San Carlos de La Cabaña, o Pavi-lhão Cuba, a galeria da Biblioteca Nacional “José Martí” e a galeria “La Casona”.

Durante a inauguração da mos-tra, o ministro da Cultura de Cuba, Abel Prieto, resumiu a essência que impulsiona historicamente a Bienal de Havana. “Trata-se de um espaço não-comercial, de refl exão e emancipação para os artistas que estão longe dos grandes circuitos da arte mundial”, assinalou Prieto, lem-brando que Cuba também passa por um “boom” das artes associadas às linguagens mais contemporâneas.

Iná Camargo Costa é pro-fessora do Departamento de Teoria Literária da Faculdade de Filosofi a, Letras e Ciências Hu-manas, da Universidade de São Paulo. Entre outras obras, tradu-ziu A Máquina de Somar, peça de Elmer Rice, e colaborou no roteiro do novo fi lme de Sérgio Bianchi (ainda em produção).

Em comunhão com a Bienal de Havana e os sem-teto, artistas brasileiros expõem no “Território São Paulo”, na ocupação Prestes Maia, Centro de São Paulo

Grupo de teatro popular se apresenta na periferia de Porto Alegre (RS)

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