Barth, Fredrik. Tématicas permanentes e emergentes na análise da etinicidade

download Barth, Fredrik. Tématicas permanentes e emergentes na análise da etinicidade

of 21

Transcript of Barth, Fredrik. Tématicas permanentes e emergentes na análise da etinicidade

  • 5/17/2018 Barth, Fredrik. Tmaticas permanentes e emergentes na anlise da etinicidade

    1/21

    AgradecimentosA confermcia "Antropologia da Etnicidade. Uma reuisiio critica" nao ter ia sidopossivel sem 0 apoio f inanceiro dos Minis terios dos Assuntos Internos e daSeguranca Social, Saude Publica e Cultura, da Academia Real Holandesa dasCiencias, do municipio e Universidade de Amsterdao (UvA), da UniversidadeLivre de Amsterdao, da Faculdade de Ciencias Sociais (UvA), da AssociacaoHolandesa para as Ciencias Sociais e Culturais, do British Council, do Departa-mento de Antropologia (UvA), do Inst ituto para a Migracao e Estudos Etnicos( lMES) e do Inst ituto das Univers idades Holandesas para a Coordenacao daInvestigac;ao das Ciencias Sociais (SISWO).Pelo generoso auxilio e assistencia agradecemos aos alunos de Antropologia ea iruimeras outras pessoas do departamento de Antropologia da Universidadede Amsterdao e da Universidade Livre, IMESe SISWO.

    ANTROPOLOGIADA ETNICIDADEPARAALEMDE ETHNIC GROUPSAND BOUNDARIEST iT U LO O R IG IN A L

    THE ANTHROPOLOGY OF ETHNICITYBEYOND "ETNIC GROUPS AND BOUNDARIES"

    ORGAN IZ .A

  • 5/17/2018 Barth, Fredrik. Tmaticas permanentes e emergentes na anlise da etinicidade

    2/21

    INDICE

    Introducao 9Hans Vermeulen e Cora Covers

    Ternaticas permanentes e emergentes na analise da etnicidade ... 19Fredrik Barth

    Etnicidade, nacionalismo e a formacao do EstadoEthnic Croups and Boundaries: passado e futuro 45

    Katherine VerderyFronteiras da consciencia, consciencia das fronteirasQuestoes criticas para a Antropologia 75

    Anthony P . CohenAnatureza primordial das origens na etnicidade migrante 101

    Eugeen Roosens

  • 5/17/2018 Barth, Fredrik. Tmaticas permanentes e emergentes na anlise da etinicidade

    3/21

    INTRODUGAOHANS VERMEULEN e CORA GOVERS

    As quatro cornunicacoes publicadas neste volume foramapresentadas durante a conferencia Antropologia da Etnicidadeque teve lugar em Dezembro de 1993em Amesterdao, tendocomo objectivo principal rever, de forma critica, os desenvolvi-mentos registados neste mesmo campo, desde a publicacao deEthnic groups and boundaries de Barth, em 1969,abrangendo,portanto, urn periodo de quase vinte e cinco anos. Como orga-nizadores da conferencia, preferimos dar toda a liberdade aosparticipantes na abordagem das diferentes ternaticas que con-siderassem mais importantes para 0 desenvolvimento destaarea de investigacao. 0 presente volume, contudo, pode ser lidocomo urn tributo e uma resposta critica a obra de Barth sobreetnicidade, confirmando a sua relevancia de urn modo talvezainda mais convincente.

    Apesar das diversas interpretacoes da introducao de Bartha Ethnic groups and boundaries, nao restam duvidas que osseus principais pressupostos foram claramente formuladose continuam validos, podendo ser apresentados atraves dastres afirmacoes que se seguem: 1) a etnicidade e uma formade organizacao social, 0que implica que 2) "0foco principalda investigacao seja a fronteira etnica que define 0 grupo enao 0 conteudo cultural deste" (1969:15);a caracteristica dis-tintiva dos grupos etnicos e 3) a auto-ascricao, bern como aascricao por parte de terceiros. Osquatro autores parecem con-cordar que estas afirmacoes continuam a ser validas, tendo,inclusive, de acordo com Verdery, adquirido uma nova rele-vancia.

  • 5/17/2018 Barth, Fredrik. Tmaticas permanentes e emergentes na anlise da etinicidade

    4/21

    10 ANTROPOLOGIA DA ETNICIDADE

    Quer 0 artigo de Barth quer 0de Verdery organizam-se emtorno da questao de perceber 0que ainda e util na obra do pri-meiro sobre etnicidade e onde se devem considerar novosrumos. Cohen e Roosens partem tarnbem do trabalho de Barth,mas direccionam a sua atencao para duas ternaticas principaisque consideram negligenciadas por este ultimo. Cohen insereo estudo da etnicidade no ambito do estudo mais geral da cons-ciencia colectiva e individual, enquanto Roosens defende quea metafora da fronteira, usada por Barth, e util no estudo daetnicidade, devendo, no entanto, ser complementada pelametafora da familia.

    Aolongo desta introducao discutiremos algumas das novasperspectivas emergentes no estudo da etnicidade, abordandoprimeiro 0 interesse renovado em torno da relacao entre esta ea cultura e, posteriormente, tres outras conex6es, relacionadoa etnicidade com 0 individuo, 0nacionalismo e 0Estado, berncomo com a questao da responsabilidade social.

    Etnicidade e culturaA etnicidade foi validada enquanto conceito diferenciado

    e aut6nomo nas Ciencias Sociais (vide, por exemplo, Glazer& Moynihan 1975; Chapman et al. 1989) apenas nos anos 60,relacionando-se a recente valorizacao do conceito com desen-volvimentos mais abrangentes, tais como os novos movimen-tos etnicos e as lutas anti-colonialistas, a crescente critica aofuncionalismo estrutural e, em particular, com 0 que Cohenchama 0 desmascarar da ret6rica da assimilacao. Anocao deetnicidade relegou para urn estatuto cada vez mais marginalos conceitos de assimilacao e aculturacao sem, no entanto, ossubstituir totalmente.

    Embora muitos outros investigadores das Ciencias Sociaistenham desempenhado urn papel fundamental nestas mudan-cas (vide, por exemplo, Eriksen 1993),poucas duvidas existemsobre 0 papeJ essencial que a introducao de Barth em Ethnic

    INTRODU

  • 5/17/2018 Barth, Fredrik. Tmaticas permanentes e emergentes na anlise da etinicidade

    5/21

    outros consideram, como principais caracteristicas diferencia-doras, a ideologia que afirma a existencia de uma ascendencia,substancia e/ou hist6ria comuns (vide, por exemplo, Wallers-tein 1991:78,Wolf 1988).0 ensaio de Barth publicado em 1969nao se debruca de forma sistematica sobre este assunto 1, tendoa sua enfase na etnicidade como forma de organizacao socialcaracterizada pela ascricao e auto-ascricao levado alguns inves-tigadores a considerar quase qualquer nocao de identidadesocial- de oposicao entre urn "nos" e urn "eles"- como etnica,relacionando-se a critica de Roosens com a posicao defendidapor Barth relativamente a esta mesma questao, 0 primeiroautor considera 0 conceito de fronteira urn elemento centralna nocao barthiana de etnicidade, defendendo que, por maisuti! que este seja, nao chega ao amago da questao, uma vezque as fronteiras poderao criar identidades, mas nao neces-sariamente identidades etnicas, devendo a metafora da fron-teira ser complementada pela rnetafora da familia, adicionan-do aquela uma dirnensao geneal6gica.

    Arelacao entre etnicidade e cultura pode, na nossa opiniao,ser vista como tripartida: a etnicidade refere-se a conscienciada cultura (etnica). a utilizacao dessa cultura, sendo sirnulta-neamente parte da mesma. Cornecando pela ultima questao,Barth definiu etnicidade como urn elemento da organizacaosocial, mas defende que esta pode igualmente ser encaradacomo urn elemento da cultura. Asfronteiras podem ser vistasem termos interaccionais mas, de forma igualmente convin-cente, como "fronteiras da consciencia", para utilizarmos aexpressao de Cohen. As identidades etnicas sao produto daclassificacao, da ascricao e da auto-ascricao, encontrando-se

    I Tal facto e compreensivel a luz da definicao barthiana de etnici-dade mais como urn aspecto da organizacao social do que uma questao deconsciencia ou cuItura. Pelo menos num texto, 0 autor foi mais especificorelativamente a esta questao: "uma ascricao como categorial e tam bernetnica quando cIassifica uma pessoa em term os da sua identidade maisbasica e geral, pressupostamente determinada pela sua origem e passado."(1969:13).

    relacionadas com idcologias de ascendencia, relacionando-setambern 0estudo da etnicidade com 0da ideologia (Vermeulen1984)eo dos sistemas cognitivos (Chapman etal. 1989).Aetni-cidade faz entao parte da cultura e e tambem metacultural, nosentido em que constitui uma reflexao em torno da "nossa'cultura, bern como da "deles", e, em terceiro lugar, relaciona--se com 0 "uso subjectivo, simb6lico ou emblernatico", porparte de urn "grupo de pessoas [...J, de qualquer aspecto dacultura, de forma a diferenciarem -se de outros grupos" (DeVos1975:16, itdlico nosso).

    Aconcepcao de etnicidade aqui apresentada, implica quea etnicidade enquanto elemento da organizacao social, re-quer interaccao regulada e, enquanto elemento da cultura,implica consciencia da diferenca, em relacao a qual algunsautores distinguem niveis "baixos" e "altos".Noprimeiro caso,as diferencas culturais tendem a ser marcadas e as relacoesinteretnicas relativamente estaveis: as pessoas aceitam asdiferencas como adquiridas, sem reflectir muito, nao existin-do uma ideologia etnica marcada e, muito menos, urn movi-mento etnico. 0 oposto da-se quando a interaccao aumenta eas pessoas estao a perder, ou temem vir a perder, a sua singu-laridade cultural, "consciencializando-se", durante este pro-cesso, da sua cultura, podendo cornecar a "repara-la'' e a exigirdireitos culturais. Adiferenca entre estas duas condicoes - ex-tremos conceptuais do que e, de facto, urn continuum - e indi-cada, entre outras, pelas nocoes de "solidariedade existen-cial" versus "solidariedade etnocentrica" (Patterson 1977:43)ede "velha etnicidade" versus "nova etnicidade" ou "simbolica"(Gans 1979),relacionadas com a distincao de Roosens entre"cultura nao reflectida" e "cultura reflectida" (1989) e a deBorneman entre "nacionalidade" e "nacionalismo", referidospor Verdery.

    A distincao entre a nova e a velha etnicidade relaciona-seigualmente com 0problema da historicidade do pr~prio co~-ceito, pois a abordagem de Barth nao restringe a nocao de etru-cidade as condicoes modernas nem a periodos hist6ricos espe-

  • 5/17/2018 Barth, Fredrik. Tmaticas permanentes e emergentes na anlise da etinicidade

    6/21

    cificos 2. Uma outra posicao e tomada pelos investigadores querelacionam a nocao de etnicidade a de Estado-nacao ou a situa-coes de elevada consciencia da diferenca 3. Parece-nos, por-tanto, que a confusao relativamente a esta questao resulta daausencia de uma investlgacao historico-antropo16gica dedi-cada a fen6menos etnicos ou quase etnicos.

    o individuo, 0Estado e a responsabilidade socialNos artigos que se seguem os autores sugerem novas direc-

    coes e ternaticas para futura investigacao, reflectindo desen-volvimentos recentes ou indo para alern dos mesmos. Algunsleitores poderao considerar estes novos interesses 0continuardas mudancas introduzidas por Barth, enquanto outros osverao como uma ruptura com algumas perspectivas deste ul-timo. Ambas as partes poderao, contudo, concordar que naopoderiam existir sem os ja referidos pressupostos centrais daintroducao de Barth. Detenhamo-nos, entao, nalgumas dasquestoes mais recentes.

    Aprimeira questao relaciona-se com 0 facto de Barth afir-mar que a introducao de Ethnic groups and boundaries impli-ca uma visao p6s-moderna de cultura, uma vez que rejeita aideia de que as culturas sao entidades claramente limitadas,separadas e homogeneas, dando atencao as disputas e aos de-sacordos internos, ao entender a cultura nao tanto em termosde "partilha" mas de "organizacao da diversidade" e ao proble-matizar a relacao entre 0colectivo e 0 individual, 0que implica

    2 Cole defende que 0 modelo ecologico de etnicidade de Barth e maisindicado para a analise das forrnacoes imperiaIistas (Cole 1981:134),enquan-to Eriksen critica a "abordagem formalista" de Barth por utilizar uma nocaode etnicidade universal e ahistorica (1991).

    3 Patterson (1977:35-66)toma uma posicao bern diferenciada ao defen-der que a etnicidade, embora nao seja universal, antecede 0Estado-nacao,relacionando-se com a origem do "estado primitivo dominado pela hege-monia de parentesco".

    repensar as nocoes de "sociedade" (por exemplo, Wolf 1988) ede identidade etnica. Se as culturas nao forem entidades cla-ramente delineadas e homogeneas como poderemos esperarque as pessoas partilhem uma ideia dessa mesma cultura ouuma imagem de si mesmos? Esta questao e retomada porCohen ao defender que 0estudo das fronteiras implica 0estu-do da consciencia 0qual, por sua vez,requer que sepreste aten-cao a experiencia e ao individuo, visto que as pessoas diferemna forma como imaginam a comunidade etnica. Como afirmaCohen: "0grupo etnico e urn agregado de eus, cada urn produ-zindo etnicidade para si proprio". De forma relacionada, masalgo diferente, Verdery chama a atencao para a relevancia deuma Antropologia da pessoa, que estudaria a genese hist6ricadas nocoes de "pessoa" e de "identidade",o estudo da inter-relacao entre etnicidade, cultura, nacio-nalismo e Estado constitui outro novo campo de investigacao 4,incluindo varias ternaticas e quest6es tais como a construcaode identidades nacionais, 0papel do Estado na criacao e sus-tento de identidades etnicas subnacionais e os efeitos da globa-lizacao. Nas ultimas decadas, tern-se verificado urn aumentono interesse do papel dos intelectuais na construcao de identi-dades nacionais (por exemplo, Herzfeld 1982; Verdery 1991) eembora as identidades etnicas sejam tambern construidas, nosentido de serem "feitas" e nao "naturalmente geradas", asidentidades nacionais sao muitas vezes construidas num sen-tido mais literal, especialmente durante periodos de intensa

    4 Nao abordaremos as complexidades das inter-relacoes entre os doisconceitos anteriores, sendo suficiente afirmar que, quer naAntropologia querfora do ambito da mesma, existem diferentes formas de relacionar "etnici-dade" e "nacionalismo". Alguns investigadores abordam a primeira comourn conceito mais geral, considerando 0segundo urn caso especial (vide. porexemplo, Eriksen 1993:99-101; Worsley 1984:247), enquanto outros, pelocontrario, cornecam pela nocao de nacao. Assim sendo, para Fox,0estudoda etnicidade parece ser levado a cabo no ambito das "ideologias naciona-listas" (Fox 1990).Devera ficar claro que ao utilizarmos a expressao "Antro-pologia da etnicidade" enveredamos pela primeira linha de pensamento.

  • 5/17/2018 Barth, Fredrik. Tmaticas permanentes e emergentes na anlise da etinicidade

    7/21

    16 ANTROPOLOGIA DA ETNICIDADE

    construcao da nacao, em que muitos intelectuais (politicos,historiadores, focloristas e outros) tendem a estar mais oumenos envolvidos profissionalmente na construcao de mitoshist6ricos e culturais de continuidade e homogeneidade.

    Verdery refere 0 facto de 0 Estado-nacao, ao tentar impor"aquilo que e comum", tornar visiveis as diferencas etnicas,sendo por vezes este 0 resultado de uma politica cujo objec-tivo e a hornogeneizacao cultural, mas que simultaneamentenegligencia, ou nao pode abordar, a divisao cultural do traba-lho. Os Estados modemos ou p6s-modemos parecem estarmais motivados e melhor equipados para dar resposta a estadesigualdade e tambern mais dispostos a tolerar diferencasetnoculturais (Vermeulen & Penninx 1994), podendo a poli-tica govemamental, inclusive, promover - intencionalmenteou nao - diferencas culturais, bern como 0 reforco de frontei-ras etnicas (vide, por exemplo, Roosens 1989).Verdery terminao seu contributo chamando a atencao para a ideologia e pro-mocao activa da "diferenca" nos Estados Unidos, que remetepara distincoes em termos de genero, "raca" e etnicidade,tentando a autora compreender este fen6meno em termos dedesenvolvimentos mais abrangentes, criticando-o embora en-quanta representante de urn novo essencialismo, 0que nos trazao ultimo ponto discutido nos artigos deste volume: a respon-sabilidade do antropologo.

    No inicio desta introducao mencionarnos a ligacao entre acrescente popularidade da nocao de etnicidade e asmudancasnas teorias das Ciencias Sociais,bern como nos desenvolvimen-tos politicos. 0 facto de a nocao de etnicidade ter sido larga-mente adoptada deve-se de muitos antropologos em movimen-tos de luta contra 0 racismo, 0 colonialismo e as politicas deassimilacao, Recentemente, os antropologos parecem estarhesitantes no que diz respeito a tomada de posicoes eo senti-mento prevalecente - tambem expresso por Barth - parece sero de que fomos, inumeras vezes, demasiado rapidos no nossoapoio a movimentos etnicos. Esta nova tomada de conscien-cia foi promovida pelo novo - ou velho? - essencialismo ine-

    INTRODU

  • 5/17/2018 Barth, Fredrik. Tmaticas permanentes e emergentes na anlise da etinicidade

    8/21

    18ANTROPOLOGIA DA ETNICIDADE

    GELLNER,Ernest, 1983, Nations and nationalism. Oxford: Blackwell.GLAZER,Nathan &MOYNIHANDaniel P., 1975, "Introduction", in Nathan

    Glazer &Daniel P .Moynihan (eds. ), Ethnicity. Theoryand experience,1-26. Cambridge: Harvard Univers ity Press .

    HERZFELD,Michael, 1982, Ours once more. Folklore, ideology and themaking of modem Greece.Austin: Univers ity of Texas Press.

    ROOSENS,Eugeen E., 1989, Creating ethnicity. Theprocess of ethnogenesis.Newbury Park: Sage Publications.VERDEHY,Katherine, 1991, National ideology under socialism. Identity andcultural politics in Ceausescu's Romania. Berke ley: University ofCalifornia Press.

    VEHMEULEN,Hans, 1984, "Introduction", in Hans Vermeulen & JeremyF. Boissevain (eds.), Ethnic challenge. The polit ics of ethnicity inEurope, 7-] 3. G6ttingen: Edition Herodot .

    VEHMElJl.EN,Hans & PENNINX Rinus (eds. ), 1994, Het democratiscliongeduld. De emancipatie en integratie van zes doelgroepen van hetminderhedenbeleid. Amesterdao: Het Spinhuis.

    WOLF,Eric R., 1988a, ..Ethnicity and nationhood" journal of Ethnic Stu-dies. Treatises and Documents 21:27 -32.-, ]988h, "Inventing society" American Ethnologist 15:752-761.WALLEnsTEIN,Immanuel, ]991, "The ideological tensions of capital ism.

    Universal ism versus racism and sexism", in I.Wallerstein & E. Balibar(eds.), Race, nation and class. Ambiguous identities, 29-36. Londres:Verso.

    WOHSLEY,Peter, 1984, The three worlds. Culture and world development.Londres : Weidenfels and Nicolson.

    TEMATICAS PERMANENTES E EMERGENTESNA ANALISE DA ETNICIDADE

    FREDRIK BARTHUniversidade de Bergen

    Vinte e cinco anos apos a publicacao de Ethnic groups andboundaries, e com grande prazer que participo num tao grandeencontro de colegas para rever ternaticas actuais no ambito daanalise da etnicidade. Durante todo este tempo, 0 estudo daetnicidade desenvolveu-se, a sua importancia tern sido gra-dualmente reconhecida nas Ciencias Sociais e as quest6es a sirelacionadas desempenham urn papel cada vez maior, e, porvezes, tragico, nas politicas publicas, na violencia e na guerra.Para responder a estas quest6es, simultaneamente analiticas ehumanas, devemos mobilizar 0melhor que a nossa disciplinapode oferecer em termos de saber e percepcao e,para surtirmosefeito nomundo que nos rodeia, necessitamos de pensar clara-mente e de forma inovadora.E, no entanto, dificil regressar de uma forma inovadora aotrabalho que desenvolvemos ha tanto tempo. Aminha estrate-gia pessoal de investigacao, pelo contrario, tern side a procurade novos territorios: novos lugares e novos assuntos, paraobservar 0mundo atraves de urn olhar renovado e inocente, 0que nem sempre e facil de fazer quando regressamos a territo-rios familiares.

    As repercussoes de Ethnic Groups...Corneco por reafirmar as quest6es do meu estudo anterior

    que mais facilmente passaram a prova do tempo, a abordagemapoiada principalmente na teo ria de grupo corporativo, da

  • 5/17/2018 Barth, Fredrik. Tmaticas permanentes e emergentes na anlise da etinicidade

    9/21

    20 ANTROPOLOGIA DA ETNICIDADE

    Antropologia Social britanica, e na obra de Goffman sobre adefinicao da situacao na interaccao. Aestrategia ernpirica queeu e os meus colegas escolhemos consistiu em conferir umaespecial atencao etnografica as pessoas que mudam a suaidentidade etnica: urn procedimento de descoberta que terncomo objectivo desvendar os processos envolvidos na repro-ducao de grupos etnicos. Estas sao as etapas metodol6gicasque permanecem, ainda hoje, uteis:

    - Optamos por abordar a identidade etnica como uma ca-racteristica da organizacao social mais do que como umanebulosa expressao de cultura; sen do esta manifesta-mente uma questao de grupos sociais, declaramo-la tam-bern uma questao da organizacao social da diferenca entreculturas, conforme veicula 0subtitulo do livro.

    - 0 que nos leva a par em evidencia a fronteira e osproces-sos de recrutamento, e nao a materia cultural que a fron-teira comporta. Aatencao conferida a estes processos damanutencao da fronteira rapidamente demonstrou queos grupos etnicos e as suas caracteristicas sao produzi-dos em circunstancias particulares, tanto interaccionaiscomo hist6ricas, econ6micas e politicas, sendo, portanto,altamente situacionais e nao primordiais.

    - Para alern disso, enquanto questao de identidade, apertenca a grupos etnicos deve depender da ascricao eauto-ascricao: no entanto, a etnicidade s6 sera motor dadiferenca organizacional se os individuos a aceitaremforem constrangidos por ela, agirem em relacao a mesmae a experienciarem.

    - Asdiferencas culturais de significacao fundamental paraa etnicidade sao aquelas que as pessoas utilizam paramarcar a distincao, a fronteira, e nao as ideias do analistasobre 0que e mais aborigene ou caracteristico na culturadestas. Exagerei esta mesma questao ao afirmar que a es-colha dos diacriticos por parte das pessoas parecia arbi-traria, mas tarnbem explorei 0modo como os padroes

    TEMAncAs PERMANENTES E EMERGENTES NA ANALISE DA ETNIClDADE 21

    culturais utilizados para avaliar e julgar outros membrosdo mesmo grupo etnico produzem efeitos de construcaode fronteiras, implicando que essas pessoas "jogam 0mesmo jogo" (Barth 1969:15, 17 e seg.; 117-134), umaquestao que tern sido frequentemente negligenciada.

    - Finalmente, enfatizei 0 papel empresarial nas politicasetnicas e a forma como a mobilizacao de grupos etnicosna accao colectiva e levada a cabo por Iideres que prosse-guem urn empreendimento politico, nao sendo, portanto,uma expressao directa da ideologia cultural do grupo ouda vontade popular.

    Esta perspectiva vai contra muita da ret6rica etnica e,ao serjulgada pelas ideias sobre a cultura que entao prevaleciam,pareciacontra-intuitiva e paradoxal, contendo, talvez, uma das primei-ras aplicacoes antropol6gicas de uma visao mais p6s-modernade cultura. Embora nao dispusessernos da opaca terminologiado p6s-modernismo actual, defendemos 0 que hoje seria, cer-tamente, reconhecida como uma visao construtivista, aconte-cendo 0mesmo com a nossa ideia de hist6ria: libertamo-nos daideia de hist6ria apenas ~omo uma fonte objectiva e causa daetnicidade, vendo-a como uma ret6rica sincr6nica - uma lutapara seapropriar do passado, como sepoderia dizer actualmente.

    Esta ternatica leva-nos aomeu primeiro ponto: deveriarnoscontinuar a fazer uso de cada desenvolvimento na analise e nadesconstrucao da "cultura",pois repensar a cultura fornece- nosuma base util, ou melhor, necessaria, para repensar a etnici-dade. Se a etnicidade e a organizacao social da diferenca cul-tural, necessitamos de ir mais alem das concepcoes habituaisdaquilo a que chamamos "cultura", 0 que n6s agrupamos sobo conceito de cultura sem duvida que apresenta propriedadesempiricas que serao relevantes para uma compreensao da etni-cidade; no entanto, as propriedades que nos, investigadores,falsamente imputamos a cultura produzirao quer uma ausen-cia de percepcao nas nossas observacoes quer alguma confusaonas nossas analises,

  • 5/17/2018 Barth, Fredrik. Tmaticas permanentes e emergentes na anlise da etinicidade

    10/21

    22 ANTROPOLOGIA DA ETNICIDADE

    Se,como muitos afirmam, everdade que Ethnic groups andboundaries revolucionou 0debate deste tema, entao podemostarnbem observar alguma regressao no pensamento contern-poraneo, As ideias basicas nao sao facets de identificar e usar,e as pessoas e os movimentos que tentamos compreender tor-nam -nos a tarefa mais dificil devido as suas proprias reificacoesdestas vastas categorias sociais constituidas como grupos etni-cos: imaginando-os, atribuindo-lhe propriedades, homogenei-zando-os e essencializando-os. Estas reificacoos tern conse-quencias mas nao tern como consequencia a mera criacao dacomunidade e das propriedades imaginadas, pelo simples actode imaginar. Vejo igualmente a analise da etnicidade mitigadaquando inserida na retorica do "nos e do outro". Enquanto aalteridade radical cultural tern urn papel importante em grandeparte do pensamento ocidental (Keesing 1994),as relacoes etni-cas e a construcao de fronteiras na maioria das sociedades plu-rais nao incidem sobre estrangeiros, mas sim sobre "outros"adjacentes e familiares. Envolvem co-residentes em sistemassociais abrangentes, remetendo mais frequentemente paraquestoes como: de que forma "nos" nos diferenciamos "deles",em vez de para uma visao unilateral e hegernonica do "outre",

    Uma perspectiva conternporaneaTentemos agora repensar a etnicidade a partir dos funda-

    mentos apresentados em 1969,mas com uma visao marcada-mentecontemporanea de "cultura'' (vide, por exemplo, Borof-sky 1994). Estamos actualmente cientes de que a variacaoglobal e empirica na cultura e continua, nao sedividindo clara-mente em todos separaveis e integrados. Emqualquer popula-c;aoque decidamos observar, descobriremos que esta se encon-tra num fluxo, sendo contraditoria e incoerente, e que seencontra distribuida de forma diferente por varias pessoasposicionadas de diversas formas. Taiscaracteristicas advem domodo como a propria cultura e reproduzida, e,embora dapren-

    TEMATICAS PERMANENTES E EMERGENTES NA ANALISE DA ETNICIDADE 23

    damos em larga escala de terceiros como base para a nossainterpretacao e accao no mundo, esta acumula-se em cadaurn de nos como 0 precipitado da nossa propria experiencia.omesmo e certamente verdade a respeito do nosso sentimentode identidade: embora nao 0inventemos, so0podemos desen-volver ao agir no mundo e interagir com os outros. Logo, paraconhecer uma identidade etnica particular, 0antropologo devetomar em conta as experiencias atraves das quais esta e for-mada, pois nao e suficiente, como se pensou em relacao a urnconceito mais simples de cultura, elaborar urn inventario ho-mogeneizador das suas manifestacoes,

    Para conferir alguma substancia as nossas reflexoes, obser-vemos, por rnornentos, uma categoria etnica de paquistanesesque emigraram para a Noruega desde ha cerca de trinta anos(cf. Long 1992) e que chegaram com urn background culturalpartilhado e especifico do Nordeste do Paquistao, acabandopor formar urn grupo etnico claramente delimitado na socie-dade norueguesa.Permitarn-rne elaborar sobre 0 que pode parecer obvio.Comecemos por urn jovem a chegar a Oslo com 0 seu distin-tivo background de experiencia, 0 seu capital de cultura. Res-pondendo ao seu novo ambiente, 0seu conhecimento e as suascapacidades aumentam e os seus valores sao tambern modifi-cados, enquanto adquire uma cornpetencia para lidar quer coma sociedade norueguesa em geral quer com os seus cornpatrio-tas paquistaneses. 0 seu sentimento de identidade e necessa-riamente reconstruido como resposta a estas experiencias: deque forma sera ele diferente dos que 0 rodeiam e que partedessa diferenca e que ele cultiva e, mesmo quando mostra serurn impedimento na sua situacao actual. 0 jovem lutara con-tra os crescentes estereotipos noruegueses em relacao aospaquistaneses, com osquais lida de forma pessoal, sendo con-frontado com inumeras escolhas nas suas relacoes com acomunidade paquistanesa, cada vez maior e dividida por ati-tudes e faccoes, Em suma, 0posicionamento do jovem e 0 seufundo de cultura - de conhecimento, cornpetencias e valores-

  • 5/17/2018 Barth, Fredrik. Tmaticas permanentes e emergentes na anlise da etinicidade

    11/21

    24 ANTROPOLOGIA DA ETNICIDADE

    sao especificos e produto da sua experiencia, encontrando-seem transforrnacao, enquanto a sua identidade etnica, conformemanifestada dentro e fora da fronteira, evolui constantemente.

    A dada altura, 0 jovem traz a sua mulher para a Noruega,uma pessoa com uma experiencia e com uma cornpetenciamuito diferentes da dele, que se vern inserir numa vida muitodiferente da do marido e que, portanto, acumula urn conjuntode experiencias muito diferentes. 0 empenho do migrante paracom a comunidade paquistanesa - formada por terceiros, inte-ressados em criar instituicoes muculmanas ou como refugiode uma sociedade estranha que os violenta - e afectada pelapresenca da mulher, podendo os interesses de ambos na comu-nidade ser em opostos. 0 cenario que 0jovem deseja em rela-c;aoao seu regresso (ou nao) ao Paquistao esta em constantefluxo,e e, sem duvida, diferente do da mulher. Ascriancas que,entretanto, nascem, entram noutros sectores da sociedadenorueguesa atraves das suas experiencias na escola, no bairroe na comunidade minoritaria, acumulando urn fundo de cul-tura muito diferente do de cada urn dos seus pais. A questaoelementar e que cada uma destas unidades familiares, emboraconstitua urn elo essencial de recrutamento etnico, sera tam-bern urn cadinho de diferenca e contencao culturais. Os seusmembros encontram-se profundamente divididos na culturaque cada urn conhece, partes da qual eles partilham com dife-rentes circulos de pessoas, quer no interior quer no exterior dogrupo etnico, Vemos, entao, exemplificadas precisamente ascaracteristicas. como 0fluxo e a continuidade devariacao, enfa-tizadas na descricao conternporanea de cultura.

    Assim sendo, e necessario perguntar qual sera a diferencacultural que a etnicidade organiza, pois quando observamosde perto este fluxo da cultura nas pessoas, elas parecem diver-gir e misturar-se emvezde reproduzirem as distincoes necessa-rias para tornar permanentes identidades contrastantes. Paramodelar processos etnicos necessitamos, entao, de procurarprocessos que suportam discontinuidades relativas neste fluxoe que providenciam uma base para a identidade etnica, acar-

    II I

    TEMAnCAS PERMANENTES E EMERGENTES NA ANALISE DA ETN IC IDADE' 25

    retando, assim, as etapas de 1)observacao da variacao da cul-tura em toda a populacao plural e 2) a identificacao dos pro-cessos que geram e tornam visiveisasgrandes discontinuidadesno seu interior. Asocializacao familiar, sobretudo na modernasociedade ocidental, ja nao pode ser vista como a fonte de todoo conhecimento, cornpetencias e valores, nem podera provi-denciar a unica base de experiencias a partir da qual a identi-dade e formada.

    Simbolos de identidadeUrn dos principais impulsos da etnicidade surge se as pes-

    soas puderem ser agrupadas na criacao da aparencia da dis-continuidade atraves da adopcao, nao do todo inconstante evariavel da cultura, mas de alguns diacriticos contrastantes.Uma comunidade imaginada e promovida ao tornarem-se al-guns desses diacriticos altamente visiveis e simb6licos ou seja,atraves da construcao activa de uma fronteira, trabalho quesera sempre conjunto, levado a cabo por membros de ambosos grupos contrastantes, embora estes provavelmente, dete-nham poderes diferentes no que diz respeito a sua capacidadede impor e transformar os idiomas relevantes. Embora alta-mente contextualizada e contingente, a seleccao destes mes-mos diacriticos processa-se bern menos ao acaso do que eupossa ter indicado em 1969. Numa analise deveras suges-tiva, Tambs-Lyche (n. d.) demonstra como a escala eo estilo devida hornogeneo dentro do grupo sao variaveis significantesque influenciam a forma destes simbolos de identidade. En-quanta os Patidares indianos que 0autor estudou em Inglaterra(Tambs-Lyche 1980) podiam empregar, na sua totalidade, 0prot6tipoglobal (do homem de neg6cios Patidar e do seu papel)como simbolo de identidade, grupos mais alargados e menoshornogeneos tern de utilizar metonimias mais limitadas (porexemplo, a enfase norueguesa no lugar, que advern da expe-riencia de enfrentar uma natureza rude mas apreciada e de criaruma casa num ambiente tao marginal) para evocar uma ima-

  • 5/17/2018 Barth, Fredrik. Tmaticas permanentes e emergentes na anlise da etinicidade

    12/21

    26 ANTROPOLOGIA DA ETNICIDADE

    gem partilhada; enquanto que as unidades maiores poderaoter que apelar a metaforas e emblemas especificos, historica-mente construidos, de patrias-rnae e bandeiras, para simboli-zar a reivindicacao de uma heranca ou identidade partilhadas.

    Arenas de convergenciao segundo grande processo pelo qual urn nivel de discon-

    tinuidade e gerado tern lugar quando membros de urn grupoconvergem em comportamento e estilo devido a urn c6digo ouvalor largamente partilhados e em relacao ao qual tentam exce-der-se. Aoafirmar que nos devemos debrucar sobre a fronteirae nao sobre 0 conteudo cultural, nao desejo julgar antecipa-damente os locais onde processos que afectam as fronteiraspossam ter lugar. Para identificar a manutencao da fronteira dosPatan, remeti para 0papel que urn c6digo de honra deveras exi-gente tern na construcao da identidade Patan (Barth 1969:119esegs.), na prornocao de esforcos convergentes no interior dogrupo e no abandono da identidade ao longo do seu limite.

    Caton (1990)apresenta materiais das terras altas do Iernen,colocando urn semelhante enfase cultural na sua analise dopapel da poesia na construcao de uma identidade masculinacomo membro de uma tribo iemenita. De acordo com 0autor,ser urn homem da tribo nao e apenas nascer com urn certo es-tatuto devido a sua ascendencia, embora tal seja necessario,tal como possuir terra, nem sequer e uma questao de realizarurn c6digo de honra tribal, estando envolvido urn conjunto devalores mais sub tis e multiplos, atraves dos quais uma pessoadeve exceder-se ou arriscar-se a perder a face. Apiedade evalo-rizada, tal como a hospitalidade, a autonomia e0autocontrolo,mas a reputacao tribal depende, sobretudo, da capacidade doindividuo responder a desafios e desempenhar feitos her6icosperante uma audiencia de espectadores perspicazes, se neces-sario com uma arma e mais notavelmente com poesia impro-visada, a qual serve como forma de torneio, fornecendo uma

    .11

    ilIi

    TEMATICAS PERMANENTES E EMERGENTES NA ANALISE DA ETNICIDADE 27

    arena para uma performance social agonfstica de elevada im-portancia e complexidade. Caton continua com uma subtil erica evocacao desta arena, das suas estruturas poeticas e daproducao de versos enquanto acto social e politico, isto e,umaanalise da cultura expressiva e da forma como esta foi adqui-rindo urn lugar central naAntropologia nas decadas desde queEthnic groups ... foiescrito. Asespecificidades da expressao este-tica e da identidade partilhada encontram-se, portanto, postasa descoberto; em contrapartida na analise de Caton, os aspec-tos socialmente diferenciadores de producao de fronteiras, des-tas arenas - de homens da tribo contra as famflias sagradasSada, nao participantes, ambiguamente mais elevadas do queeles na hierarquia, contra criados Khaddam numa posicao hie-rarquicamente inferior, e contra outras tribos menos gloriosasa sua volta - passam a segundo plano. Em relacao aos objec-tivos da nossa analise do modo como as discontinuidades cul-turais sao geradas e os processos etnicos sao fornecidos demateriais para serem trabalhados, este mesmo estudo fornecemateriais excelentes, ao evidenciar a forma como uma comple-xa instituicao local encerra os actores num torneio agonfsticoque faz os participantes convergirem significativamente emaccao e estilo, gerando uma consciencia partilhada dentro dumgrupo, bern como discontinuidade entre eles e os forasteiros.

    Oaf que a questao dos conteudos culturais versus a fronteira,tal como foi formulada, tenha induzido em erro, embora semintencao, No entanto, trata-se de analisar processos de fron-teira e nao de enumerar a soma dos conteudos, como nas anti-quadas listas de tracos caracteristicos, pois localizar as basesdestes processos de fronteira nao e identificar os limites de urngrupo e observar os seus marcadores e a perda de membros.Como ja demonstramos atraves dos materiais do estudo decaso, em Ethnic groups ..., actividades e instituicoes centrais eculturalmente valorizadas num grupo etnico podem estar for-temente envolvidas na manutencao das suas fronteiras ao colo-carem em andamento processos intern os de convergencia en6s necessitarnos de prestar especial atencao aos factores que

  • 5/17/2018 Barth, Fredrik. Tmaticas permanentes e emergentes na anlise da etinicidade

    13/21

    28 ANTROPOLOGIA DA ETNICIDADE

    pautam "cornpromissos de individuos com 0 tipo de persona-lidade implicita em identidades etnicas especlficas" (Haaland1991:158).

    Adaptacoes divergenteso ambiente e a ecologia sempre providenciaram 0contextoprincipal a partir do qual os antropologos tentaram com-

    preender a diferenciacao cultural, e a geracao de estudos poste-riores a Ethnic groups ... dedicou muita atencao a ligacao quefizemos entre etnicidade, 0 conceito de "nicho" e 0 tema dacompeticao de recursos. Como resposta ao problema queaqui debatemos - de que forma os cortes e as discontinuidadespodem surgir na variacao continua da cuItura - podemos veri-ficar como urn paradigma ecologico fornece urn conjunto derespostas. Traces culturais especificos podem ser uteis comoadaptacoes a ambientes e modos de subsistencia especlficos,daf que grupos com caracterfsticas culturais diferentes possamco-residir e ate divergir cultural mente, uma vez que estas dife-rencas podem ser adaptativas no que diz respeito a exploracaode diferentes recursos na mesma area. De uma forma reciproca,a cornpeticao de recursos entre populacoes com caracterist i-cas cuIturais dist intas podera providenciar urn Impeto espe-cial a sua rnobilizacao na accao colectiva com base na etnici-dade partilhada. Uma das primeiras extens6es do conceito de"nicho" (Barth 1956) para abranger nao so caracterfsticas doambiente natural mas tambern do sector humano do ambiente,isto e, as oportunidades de sustento originadas pela presencade clientela, mercados, etc., provou ser deveras frutifera, Estaperspectiva fornece ainda uma componente necessaria ao es-tudo de situacoes plurais e foi desenvolvida como urn generosofisticado de analises de relacoes etnicas competitivas nassociedades ocidentais, explicando as trajectorias variaveis dadiferenciacao ou assimilacao etnicas em diferentes circunstan-cias historicas (Olzak &Nagel 1986).

    TEMATICAS PERMANENTES E EMERGENTES NAANALISE DA ETNICIDADE 29

    Etnicidade e EstadoActualmente, esta me sma cornpeticao tern lugar de uma

    forma quase universal , em Estados poderosamente organiza-dos, e a presenca dessas estruturas estatais tern consequen-cias importantes. Anossa analise de 1969conferiu uma atencaolimitada aos efeitos da organizacao do Estado, focando, sobre-tudo, a dispersa cornpeticao etnica por recursos e as serne-lhancas e distincoes de estilo de vida por ela geradas. Os estu-dos mais recentes tern optado pelo extremo oposto, como queassumindo que todos os process os etnicos devem ser entendi-dos em ligacao as estruturas do Estado, da variante especificarepresentada pela recente sociedade civil, industrial e demo-cratica. As contribuicoes de ambas as perspectivas necessitamde ser fundidas.

    Em primeiro lugar, e essencial reconhecer que urn Estadomoderno providencia urn vasto campo de bens publicos quepodera distribuir a certas categorias de pessoa~ ou d~ixa-Io a,be~-to a cornpeticao. Estes sao recursos de outro tipo, nao passIv~ISde analise em termos de processos ecologicos normais, mas simsujeitos a regulamentacao e distribuicao imperiosa por parte doEstado. Em segundo lugar, este ultimo lida directamente comgrupos e categorias de pessoas, regulamentando as suas vidas eos seus movimentos. Vemos, cada vez mais, novos grupos a orga-nizarem-se e a exigir aces so e direitos nestes mesmos Estados e,ainda mais recentemente, Estados a agir atraves de procedimen-tos administrat ivos e a seleccionar refugiados de campos dis-tantes ou impondo quotas anuais de aces so, agrupando assimpessoas sem qualquer processo previo de competicao ~u ~u-tua adaptacao. Recursos valorizados sao distribuidos arbItra~la-mente ou negados atraves de accao burocratica, criando, aSSIm,comunidades de destino - que tenderao a emergir como grupossociais, auto-conscientes - a partir de categorias legais ante-riores. Desta forma, os Estados modernos geram, muitas vezes,distincoes categorias no campo da variacao cultural COll~hlUR e,como tal, os tipos de grupos que, de acordo com a teona mal.restrita, sao supostamente contraries a estas estruturas llstatal . .

  • 5/17/2018 Barth, Fredrik. Tmaticas permanentes e emergentes na anlise da etinicidade

    14/21

    30ANTROPOLOGIA DA ETNICIDA[)E

    Necessitamos detornar os nossos estudos em torno da etni-cidade capazes de envolverem estes processos contemporaneos,existindo, contudo, 0perigo de os conceitos e vis6es ja desen-volvidos se perderem neste mesmo processo. Deforma a cons-truir teorias s6lidas emAntropologia necessitamos de nos man-ter tao comparativistas quanto 0 campo de alcance das nossasetnografias permitir e devemos procurar a generalizacao, evi-tando que 0nosso discurso sobre 0seculo xxsubstitua uma ter-minologia capaz de analisar urn campo mais lato de formas eprocessos. Para tal, deveriamos assegurarmo- nos que nao agru-pamos todas as formas de pluralismo cultural sob 0conceito deetnicidade (cf. Barth 1984)e que continuamos a prestar atencaoanalitica as varias formas de etnicidade e pluralismo, sobparametres politicos variaveis, contendo tanto 0 Imperio Oto-mana e0CirculoKulacomo os campos de refugiados que carac-terizam 0 nosso mundo e 0nosso tempo.

    De forma a integrar com sucesso 0nivel de estatizacao nanossa analise, necessitamos de ver 0 Estado como urn actor enao apenas como urn simbolo ou ideia. Para 0fazer temos queutilizar procedimentos analiticos que diferenciem em vez deamontoar Estados de acordo com as suas estruturas e os pa-dr6es de accao que prosseguem. Sugiro que comecemos poranalisar as politicas de cada Estado relacionando-as com ascaracteristicas do regime, isto e, com 0 nucleo produtor dapolitica estatal. Poderernos, entao, apresentar 0 poder repre-sentado pelo Estado como urn terceiro agente que pode sernomeado no processo da construcao de fronteiras entre grupos,em vez de confundirmos 0regime, os seus poderes e interesses,com os conceitos menos claros de Estado e Nacao. Regimesdiferentes requerem condicoes muito diferentes para a suaperpetuacao, bern como agendas igualmente diferentes, e por-tanto, como actores seguirao politicas distintas em relacao acategorias e movimentos etnicos nas populacoes que procuramcontrolar. Agestao da identidade, a formacao da comunidadeetnica, as leis e as politicas publicas, as medidas e os interessesdos regimes, bern como osprocessos globais, fundem-se e for-mam urn complexo campo de politicas e processos culturais.

    I! !

    TEMAncAs PERMANENTES E EMERGENTES NAANALISE DA ETNICIDADE 31

    Tres niveis interpenetraveisPara distinguir as forcas que se relacionam desta forma

    cornplexa, recomendo que estruturemos os processos separa-damente num nivel micro, num medio e num macro, distin-guindo-os apenas para que possamos clarificar as suas inter--relacoes,E necessario urn nivel micro para modelar os processos queproduzam a experiencia e formacao de identidades, debrucan-do-se este sobre aspessoas e interaccoes interpessoais: os aeon-tecimentos e arenas das vidas humanas; a gestao dos eus no com-plexo contexto das relacoes, das exigencias, dos valores e dasideias; as experiencias resultantes da auto-valorizacao e a acei-tacao ou rejeicao de simbolos e relacoes sociais, formadores daconsciencia que a pessoa tern de identidade etnica. Constrangi-mentos e parametres a este nivel derivarao, em grande medida,de outros nlveis, mas reunir-se-ao como urn contexto vivido dasinterpretacoes e actividades de cada pessoa. 0 que resulta destenivel gera as fundacoes e cria as perplexidades que, mais umavez, tern efeitos nos restantes niveis.E necessario urn nivel medio para termos uma ideia dosprocessos que criam colectividades e mobilizam grupos paradiversos prop6sitos atraves de varies meios. Este e0campo doempreendimento, da lideranca e da ret6rica, onde os estere6-tipos sao estabelecidos e as colectividades postas em movi-mento. Cada colectividade tera a sua dinamica particular quesurge dos seus requisitos para a reproducao de grupos, para alideranca e ideologia. Neste nivel, os processos intervern paraforcar e constranger a expressao e actividade das pessoas nonivel micro; sao impostos pacotes negociais ou escolhas bina-rias, e sao formados muitos aspectos das fronteiras e dicoto-mias da etnicidade. Muitas das analises fazem apenas referen-cias ad hoc a este nivel de contextos e constrangimentos, emvez de os modelar sistematicamente, tendendo, portanto, aobscurecer os pressupostos acerca da agencia e da estruturanos quais essas analises e interpretacoes se baseiam.

  • 5/17/2018 Barth, Fredrik. Tmaticas permanentes e emergentes na anlise da etinicidade

    15/21

    32 ANTROPOLOGIA DA ETNICIDADE

    Finalmente, existe0nivelmacro das politicas estatais: as cria-coes legais de burocracias que distribuem direitos e proibicoesde acordo com criterios formais, mas tambem 0uso arbitrarioda forca e a compulsao que suportam inumeros regimes. Asideo-logias sao articuladas e impostas, tal como as ideias de naciona-lismo que, muitas vezes, transpoem subtilmente algumas dasidentidades que surgem da etnicidade. 0 controlo e a manipula-cao da informacao e do discurso publicos constituem uma parteimportante das actividades de qualquer regime, no entanto, dis-cursos globais, bern como as organizacoes transnacionais (ONG)e internacionais, desempenham urn papel variavel, embora cadavez mais importante neste nivel, articulando-se, por vezes, cominteresses no nivel medio,

    Nivel Micro

    Regressemos a familia paquistanesa de Oslo para nos de-termos numa filha ja nascida na Noruega, de forma a desvendarprocessos da formacao de identidade. Uma parte importanteda sua experiencia sera 0 periodo de escolaridade. Algumasareas escolares tern uma populacao paquistanesa considera-vel, logo a sua interpretacao do ambiente escolar sera influen-ciada pelos grupos dos seus pares paquistaneses. Alguns dospais intervern e proibern as suas filhas de trazerem colegasnoruegueses a casa ou de os visitar; no entanto, a maioria dascriancas paquistanesas na Noruega partilhara as experienciasprofundamente formativas da vida escolar com os seus cole-gas nao paquistaneses. Mais ainda, 0sistema escolar norueguese urn sistema nacional singularmente uniforme com curriculose exames identicos para todos. Dada a quase ausencia de mino-rias tradicionalmente residentes, a experiencia escolar parti-lhada representou, para a maio ria de nos, uma componenteprimordial da identidade norueguesa e este mesmo back-ground, com as competencias e pressupostos que implica, re-presentara. consequentemente, para qualquer noruegues, urn

    TEMATICAS PERMANENTES E EMERGENTES NA ANALISE DA ETNICIDADE 33

    sinal de estatuto enquanto membro interno etnico e, quandofor identificado num "estrangeiro" fisicamente reconhecidoatraves das categorias norueguesas convencionais, repre-sen tara uma anomalia significativa, esbatendo as distincoesetnicas.

    Perrnitam-rne que aborde urn outro aspecto da experien-cia escolar. A Educacao Fisica, disciplina curricular, torna-seuma questao frequentemente dolorosa para os pais de umarapariga paquistanesa os quais, nao tendo qualquer objeccaopara com a exuberancia fisica nas raparigas ainda criancas,quando as suas filhas se aproximam da maturidade sexualcornecarn a preocupar-se com este mesmo cornportamento,tornando-se este, de acordo com os seus padr6es deveras in-decoroso e inapropriado. No entanto, muitas raparigas quecresceram a divertir-se em jogos e provas de atletismo tornam--se relutantes em abandona-los em prol de uma postura pas-siva e pudica; alern disso, a Educacao Fisica rnantern-se comodisciplina obrigatoria ao longo do Ensino Secundario. Aindamais perigosas sao, obviamente, as amizades com 0sexoopostoeo narnoro, quando estes se manifestam como uma realidadehabitual da vida escolar adolescente. Anao ser que sejam evi-tados, estes comportamentos arneacam reduzir significativa-mente 0valor das raparigas no mercado de casamento paquis-tanes, levando, num caso extremo, ao casamento fora do grupoe, consequentemente, ao insucesso da reproducao familiar,etnica e religiosa. Fortes press6es sao, portanto, exercidas nafamilia, levando, nalguns casos, a fuga da filha ou a sua ida, aforca, para 0Paquistao,

    Nestes casos, observamos, portanto, os processos indivi-duais e sociais envolvidos na formacao da identidade. Afron-teira eo conteudo da identidade paquistanesa estao a ser con-testados no interior da familia, tendo nos que reconhecer aspoderosas forcas que sao mobilizadas para silenciar e erradicarexperienclas que gerariam as continuidades negadas pelasfronteiras etnicas, Sao necessaries estudos longitudinais e estu-dos de desenvolvimento destes processos para que os possa-

  • 5/17/2018 Barth, Fredrik. Tmaticas permanentes e emergentes na anlise da etinicidade

    16/21

    34 ANTROPOLOGIA DA ETNICIDADE

    mos conhecer cada vez melhor e descobrir possiveis constran-gimentos em fases da vida na formacao de identidades etnicassob circunstancias organizacionais variaveis.

    Curiosamente, as agencias norueguesas ao nivel medio eestatal tendem a intervir nestes processos de forma a auxiliar acriacao da descontinuidade. Num esforcopara praticar 0respeitopar uma "outra cultura", as organizacoes da defesa dos interes-ses da crianca e os servicos sociais mostram-se renitentes emimpor padr6es e solucoes norueguesas, procurando 0 aconse-lhamento junto de porta-vozes dessas minorias. Noentanto, umavez que estes ultimos sao homens de idade, membros influentesda corrente tradicionalista, tal medida favorece as partes maisfortes nesta luta e enfraquece as partes mais fracas, tais comomenores e esposas que se revoltam. Acoligacao de autoridadesnorueguesas e dos porta-vozes etnicos surge, logicamente, dareificacao e homogeneizacao da "cultura", realizada por cadauma das partes. Como resultado, burocratas progressistas talvezten ham conferido aos patriarcas tradicionalistas muito maispoder sob os membros da familia na Noruega do que estesjamais haviam tido no Paquistao, onde as esposas e os filhos seencontram frequentemente numa posicao em que podem mo-bilizar mais redes de apoio para os seus pontos de vista, emquest6es que sao mais acessiveis e familiares para uma opiniaopublica informada. Assim sendo, com 0 auxilio das agenciaspublicas norueguesas, 0 potencial das novas geracoes paraaproximar realidades com base em areas de experiencia trans-versais e silenciado, eo fluxoreduzido, muito provavelmente emdetrimento da acornodacao multi-etnlca a longo prazo.

    NivelMedioA maio ria dos estudos sobre etnicidade tern, com alguma

    razao, focado 0nivel rnedio, bern como 0processo na hist6riada mobilizacao etnica atraves do qual as pessoas se ordenam asi mesmas por localidade, vizinhanca, nicho e acesso e uso de

    TEMATICAS PERMANENTES E EMERGENTES NA ANALISE DA ETNICIDADE 35

    bens publicos, Contudo, ao estudar estes processos separada-mente das suas bases experimenciais no nivel micro, podemoster enfraquecido a nossa analise, tal como a nossa capacidadepara influenciar politicas populares e publicas no que diz res-peito aos movimentos etnicos, ao nao expor de forma suficien-temente clara as raizes da tragedia e da tolerancia encontra-das na interface. Narmalmente, os antropologos trabalham, deuma forma demasiado "estreita", enquanto (auto-denomina-dos) defensores e apologistas de grupos etnicos nas suas quei-xas, negligenciando as analises mais pr6ximas, quer dos pro-cessos de tomada de decisao colectivos que emergem ao nivelmedio, quer da forma como estes poderao produzir politicas eaccoes em conflito com a vontade popular e os interesses par-tilhados das pessoas nas populacoes afectadas. Creio que osacontecimentos recentes na B6snia fornecem urn caso parareflexao, sendo a seguinte interpretacao baseada nos materiaisrecolhidos e analisados por Tone Bringa numa comunidademista com uma maioria de muculmanos e croatas.Como acontece inurn eras vezes aos antropologos no localdo trabalho de campo, Bringa nao tinha urn mau pressagio.ap6s 0 seu periodo inicial de estudo da comunidade em 1987--88, sendo-nos apresentada a visao familiar de relacoes algoconstrangidas mas basicamente harmoniosas entre membrosmuculmanos e cat6licos da comunidade (Bringa 1991).A me-dida que 0conflito sealargou e a violencia aumentou, a autoracriticou fortemente os pIanos propostos para a separacao, cul-pando os mediadores internacionais pela continua deterio-racao das relacoes e pela sua falta de reconhecimento do poten-cial multi-etnico e da tradicao pluralista na B6snia (Bringa1993).

    Embora os lideres ao nivel estatal tivessem desempenhadoclaramente urn papel central na busca de confrontacao e osperi-tos internacionais possam ter reflectido de uma forma dema-siado convencional sobre a separacao, restam poucas duvidasque uma onda de mobilizacao de bases em confronto tambernsurgiu, nao apenas no lado servio, mas tambern entre croatas e

  • 5/17/2018 Barth, Fredrik. Tmaticas permanentes e emergentes na anlise da etinicidade

    17/21

    36ANTROPOLOGIA DA ETNICIDADE

    muculmanos. Estaremos, portanto, perante urn outro caso emque 0antropologo mantern uma visao tendenciosa e romantic a,sendo incapaz de interpretar previamente os factos que comen-tadores e outros analistas veem, em retrospectiva, de forma taoclara?

    Penso que nao, pois havera sempre lugar para diferentes per-spectivas mais discriminantes. Em primeiro lugar, nao existequalquer razao para fixar atitudes como se estas fossem imu-taveis, pois tal como todas as realidades culturais, estas encon-trar-se-ao ern fluxo permanente e, inumeras vezes, serao algovolateis, especial mente em resposta aos choques das hurni-lhacoes provocados pela violencia. Leo Kuper (1977) registouurn padrao recorrente em casos de genocidio perpetrados pelapopulacao, onde uma lenta deterioracao das relacoes pareceatingir urn nivel irreversivel e entao transforrnar-se rapidamentenuma carnificina devastadora. Simplesmente nao sabemoscomo estes processos de aceleracao surgem, mas deviarnos levara cabo investigacoes que 0 revelassem.Mais ainda, quando falamos da tendencia homogeneizadarada mobilizacao etnica, evocamos toda uma populacao, mas refe-rirno-nos apenas a urn certo numero de adultos do sexo mas-culino, sem avancarrnos qualquer inforrnacao sobre as circuns-tancias, as opcoes e os acontecimentos desencadeadores daforma como cada urn deles foi mobilizado. Deveriamos ser muitomais meticulosos ao reconhecer e observar a sua variacao e 0seuposicionamento, pois necessitamos, igualmente, de informacaoe nao de suposicoes sobre a forma como diversas pessoas queaderern a vis6es diferentes, se posicionam, constr6em e avaliamas suas opcoes e ideias. Oaf que Bringa tenha sido informadadurante uma visita, em 1993, do modo como os homens de gru-pos opostos lutavam (algures), enquanto as mulheres, na cornu-nidade, se visitavam atravessando fronteiras etnicas e,inclusive,transmitiam informacao urnas as outras sobre os destinos dosmaridos, irmaos e filhos. Nao devemos perpetuar retratos sim-plistas de tais situacoes funestas, existindo raz6es para acei-tarmos 0 relato de Bringa como prova de uma diversidade de

    TEMATICAS PERMANENTES E EMERGENTES NAANALISE DA ETNICIDADE 37

    posicoes persistente e de urn potencial de coexistencia conti-nuado mesmo durante 0auge do conflito. Talvez a situacao pre-sente resulte devido ao facto de os locais senhores da guerrab6snios poderem levar a cabo os seus pIanos e manipular osconfrontos e a ret6rica para criar cismas e eliminar opcoes, con-duzindo cada vez mais para urn labirinto de conflitos urn publicosem poder e sofredor. Na minha opiniao, est a e outras situacoessemelhantes devem ser analisadas urgentemente, nao a partir deposicoes partidarias ou de principios escolhidos arbitrariamente,mas atraves de urn esforco cuidado para aplicar uma teo ria infor-mada de cultura e accao para descobrir as complexas realida-des da coexistencia etnica, bern como as origens da violencia, OsIideres politicos, os potenciais mediad ores, a populacao afectadaeo publico em geral merecem que levemos a cabo esta tarefa coma maior urgencia e precisao possiveis,

    Nivel MacroAs comunidades imaginadas relevantes relacionadas com a

    etnicidade no nivel macro, para alern dos grupos etnicos em si,sao constituidas pelos Estados ou nacoes, pelas maiores comu-nidades religiosas - especialmente 0 Islao - e pela arena e pelodiscurso globais e internacionais. Os actores principais sao regi-mes e os grupos que confrontam (movimentos etnicos orga-nizados e de libertacao, entre outros), bern como organizacoesinternacionais da mais variada ordem. E essencial que as uni-dades imaginadas e as unidades de accao nao sejam confundi-das numa analise do nivel macro, mas sim levadas em conta namedida em que cada uma afecta 0 contexto da outra. Umagrande parte da accao desenrola-se entre os regimes (e as suasburocracias e exercitos) e as populacoes que estes tentam con-trolar; no entanto, os regimes tambem devem tomar em consi-deracao a arena intemacional, para assegurar a sua posicao, berncomo varias forrnas de Iegitimacao que obtern dentro dos seus

  • 5/17/2018 Barth, Fredrik. Tmaticas permanentes e emergentes na anlise da etinicidade

    18/21

    38 ANTROPOLOGIA DA ETNICIDADE

    proprios estados; dai que 0 contexto das relacoes de qualquergrupo etnico especifico com os regimes no interior do qual exis-tern e complexo e,muitas vezes, conflitual. Osregimes agem deforma variada, recorrendo a perseguicao, a violencia e ao geno-cidioou a accao positiva atraves do alistamento selectivo no exer-cito ou na administracao, na distribuicao de bens publicos, etc.- usando, por vezes, ambas estas formas de accao. Os antro-pologos tern-se mantido mais preparados do que a maioria doscientistas sociais para reconhecer e confrontar estas complexasrealidades e menos surpresos perante a coexistencia de formassupostamente arcaicas de lealdade "tribal" e de cidadania. Noentanto, quando adoptamos a linguagem vaga dos comentado-res politicos e falamos do "ressurgimento" da etnicidade, pode-remos estar a deturpar as nossas analises. Emvez de sugerir umatipologia das circunstancias variaveis de conflito etnico e da suasupressao, abordarei brevemente este suposto ressurgimento,uma vez que tal permite enfatizar a importancia do campo debatalha do controlo da inforrnacao, em vez do campo de accaoefectiva, este ultimo mais obvio.

    Amaior parte da discussao em torno do ressurgimento glo-bal da etnicidade baseia-se nas impressoes geradas pelos massmedia quando relatam activismos e confiitos que anteriormentesilenciavam, tanto no que diz respeito aos lugares como asquestoes em jogo, devendo nos ser mais precisos, a todo 0custo.Nalgumas zonas, ja tinham ocorrido 0mesmo tipo de aconteci-mentos, nao tendo estes sido noticiados ou, sendo transmitidos,foram mal identificados. Nao existem duvidas de que cornecama aparecer novas formas de mobilizacao etnica na ex-Uniao So-vietica, mas sera correcto descreve-las como urn ressurgimento?Tudo indica que sempre houve, de forma saliente, urn nivel dediscriminacao individual na Uniao Sovietica que assegurou umariqueza de experiencia pessoal de identidade etnica. Aquilo aque assistimos pode nao ser a reafirmacao de identidades quehaviam sido esbatidas, mas sim uma maior visibilidade queadvem do aumento da liberdade de expressao apos a queda dosantigos regimes repressivos.

    TEMAnCAS PERMANENTES E EMERGENTES NA ANALISE DA ETNIClDADE. 39

    Noentanto, nao e apenas 0investigador externo que e enga-nado pela manipulacao da informacao publica por parte doregime, os cidadaos do Estado sao tam bern afectados, uma vezque a repressao nao so evita que se demonstre a identidadepropria, como tambern reduz 0conhecimento que temos dosesforcos de terceiros. Aaccao produz, assim, quer inforrnacaoquer consequencias materiais, especialmente na difusao e in-tensidade de adesao identitaria entre terceiros; logo, a eficaciado controlo da informacao e da supressao de formas de asser-c;aoetnica por urn regime, podera criar no individuo uma sen-sacao subjectiva de estar sozinho a braces com urn sentimentode etnicidade nao reconhecido, enfraquecendo a adesao daspessoas. Oaf que quer a proerninencia da etnicidade, quer osactos que esta comporta, quer os simbolos e osmarcadores dediferenciacao pelos quais se afirma, quer ainda a comunidadeimaginada que defende e a estrutura de poder e inforrnacaodo contexto, se interrelacionem e se afectem mutuamente, deformas complexas que sao insuficientemente veiculadas atra-ves do conceito de "ressurgimento".

    No Medio Oriente, tal como entre os muculmanos em todoo mundo, 0 discurso identitario dorninante e cada vez maisdesenvolvido em termos de religiao e nao de etnicidade. Actual-mente a maioria dos habitantes do Medic Oriente enfatiza cadavez mais a proeminencia do Islao, 0 que, na minha opiniao,refiecte uma mudanca nas significacoes relativas das arenasnas quais as pessoas se percepcionam a elas proprias, podendoesta transforrnacao ser c1arificada atraves de urn contraste esta-belecido de forma simples. Na epoca enos territorios dos oto-manos, a populacao vivia no interior de urn imperio, moven-do-se numa arena definida como 0mundo civilizado da "Casado Islao", Na verdade, este mundo era parcial, sendo rodeadopela "Casa da Guerra", mas formava 0centro e englobava tudoo que tinha verdadeiro valor. Embora tambem contivesse ou-tras comunidades religiosas, as diferencas salientes no seu inte-rior podiam ser vistas como culturais, diferenciando pessoas

    i!

  • 5/17/2018 Barth, Fredrik. Tmaticas permanentes e emergentes na anlise da etinicidade

    19/21

    I I I ,!. I

    40 ANTROPOLOGIA DA ETNICIDADE

    como membros de grupos etnicos, De forma relevante, a etnici-dade tarnbern definia a posicao de uma pessoa em relacao aoEstado otomano.Actualmente, por outro lado, movimentamo-nos com a cons-ciencia do mundo inteiro como uma arena, urn mundo que, paraos islamicos, devera parecer desordenado quando 0Islao ja naoestabelece os parametres civilizacionais. Creio serem particular-mente traicoeiros as importacoes massivas de bens de consumoe estilos estranhos a civilizacao rnuculmana mas que providen-ciam os meios atraves dos quais a identidade e a maneira de serquotidiana sao expressas, 0que nao pode deixar de provocar napopulacao do Medio Oriente uma nova e chocante sensacao deestar na periferia do mundo, imagem confirmada pela visivelimpotencia poli tica e econornica dos Estados muculmanos nacena mundial. Nos mais variados contextos, a experiencia deidentidade saliente, que seria a de pertencer a urn grupo etnicona arena do mundo muculrnano civiIizado, e deslocada para seser muculrnano numa arena mundial dominada por nao mucul-manos e onde os muculrnanos podem ate serem consideradospessoas de segunda categoria. Neste contexto, a identidade dogrupo etnico perde relevancia enquanto 0 Islao sobressai, em-bora de uma forma perturbadora, como urn estigma e umaquestao conflitual.

    Tomamos, pois, consciencia de urn irnaginario dominanteque define contextos e que determina a saliencia da etnicidadeface a outras identidades. Ainda no Medio Oriente, a vida con-ternporanea e tambern dominada por urn outro conjunto de are-nas: os Estados poli ticos. Em Estados como 0 Iraque, a ArabiaSaudita, a Siria ou 0 Irao, vemos poderosos aparelhos orga-nizacionais baseados na util izacao de tecnologias modernasde forca e de cornunicacao controlados por pequenos regimesque detern inumeros recursos, determinam estratificacoes.criam 0seu ambiente de informacao e recrutam pessoal de eli tesem levar em consideracao a etnicidade, a nao ser quando 0proprio regime escolhe favorecer ou pessoas com base na etni-cidade.

    TEMAncAs PEHMANENTES E EMERGENTES NA ANAL ISE DA ETNICIDADE 41

    Estes regimes controlam os seus territorios como os Otorna-nos e outros Estados tradicionais do Medio Oriente nunca pude-ram fazer, ao decidirem, directa ou indirectamente, 0acesso dapopulacao aos bens materiais e ao determinarem os processosda lei, da polit ica cultural , da educacao e da seguranca social .Aniquilam qualquer oposicao colectiva que se possa manifestar,enquanto providenciam a quem 0desejar uma identidade berncomo vantagens e facilidades consideraveis, como cidadaos dasociedade civil.

    Encontramo-nos, de novo, perante fenornenos confusos edeficientemente esclarecidos: a distorcao da inforrnacao publicae os seus possfveis efeitos na auto-colocacao e ascricao: a su-pressao centralizada de todos os processos poli ticos internoscom base nas identidades colectivas, relacionada com 0 favore-cimento selectivo de determinadas formas de ambicao pessoal;a ampliacao, numa sociedade tecnologicamente moderna, doseu raio de accao, de forma a, simultaneamente desclientelizaruma populacao e fornecer aos seus membros servicos de pro-teccao social. Sob tais condicoes, quando 0regime tern sucesso,a identidade etnica apenas se pode manifestar de forma sub til eencoberta, perdendo a sua visibilidade para nos enquanto inves-tigadores. No entanto, a forma como a experiencia da identidadepode ser construida pelos membros de tais sociedades, na pri-vacidade dos seus coracoes e mentes, e urn facto que necessitade ser avaliado com minucia e cuidado, uma vez que, para mui-tos efeitos, os processos etnicos simplesmente desaparecem devista para quem nao tern acesso a espacos de debate mais inti-mos e que implicam urn maior grau de confianca.

    Noutras ocasioes, e 0discurso global que da forma a arena,podendo tal acontecer apenas como ultimo recurso, quandoas vitirnas da violencia colectiva desejarem "que 0mundo possasaber", ou quando este funciona como uma poderosa alavan-ca para exercer pressao, como, por exemplo, quando os povosaborigenes nacionalizam ou globalizam os seus esforcos pararenegociarem a sua posicao, na base de principios de auto-deterrninacao, ou, pelo menos, de participacao, De qualquer

  • 5/17/2018 Barth, Fredrik. Tmaticas permanentes e emergentes na anlise da etinicidade

    20/21

    42 ANTROPOLOGIA DA ETNIClDADE

    forma, em variadas proporcoes, a forca bruta, 0 simbolismoevocativo e 0 apelo moral sao articuladas nestas arenas ondese desenrolam quer os sistemas mais globais, quer as experien-cias de identidade mais intimas.

    ConclusoesAetnicidade, bern como os debates que esta inspira, podem

    mudar constantemente de forma e direccao, Recordo-rne quedurante as discuss6es em torno da escrita de Ethnic groups ...urn participante perspicaz evidenciou de que modo a minhaformulacao do problema tornava a sua solucao logicamenteimpossivel: nao se pode abordar algo que muda de fronteiras econteudos simultaneamente; e tao mau quanta tentar pensarem duas coisas ao mesmo tempo. Recorrendo as concepcoesconternporaneas sobre a cultura, estamos melhor equipadospara ultrapassar uma parte do impasse: a dificuldade de lidarao mesmo tempo com culturas, com fronteiras e grupos sociaiscom fronteiras. Actualmente, se tentarmos, somos mais cap a-zes de conceber a cultura como urn fluxo,num campo de varia-cao continua e distribuida; dai que possamos analisar, de formamais clara, os processos de dicotomizacao social que afectamessa distribuicao e fluxo de forma marginal, forjando identi-dades e destinos humanos. Necessitamos de reconhecer queas diferencas culturais dicotomizadas produzidas desta formasao muito exageradas no discurso etnico, podendo nos relegaros mitos mais nocivos das profundas cIivagens culturais paraa categoria a que pertencem: mitos formativos que sustern umaorganizacao social da diferenca, e nao descricoes da distribui-cao real do conteudo cultural.

    Para reforcar mais ainda a nossa analise, peco-vos que pen-semos e escrevamos sobre estas cornplexasmaterias 0 maissimples e sobriamente que possamos, sem deixar de levar acabo 0estudo necessario desde as experiencias individuais ateaos contextos globais, sendo, portanto, simultaneamente sen-

    I

    I

    TEMATICAS PERMANENTES E EMEIlGENTES NAANALISE DA ETNICIDADE 43

    siveis quer a accao quer a simbolizacao. Sugeri que podere-mos facilitar esta tarefa ao separar, de forma heuristica, tresniveis de analise, 0micro, 0medio e 0macro, e ao descreveralgumas arenas relevantes onde se desenvolvem processos cru-ciais. Desta forma - e doutras que outros identificarao - haveramuito trabalho a fazer e muitos ganhos de cornpreensao arecolher. 0 que motiva a nossa analise podera bern ser umapreocupacao humana com os sofrimentos causados no mundoactual pelas divis6es e perseguicoes etnicas, mas a nossa tarefanao e apenas decIarar a nossa cornpaixao, solidariedade oupreferencias ideologicas atraves de uma linguagem evocativa,mas sim a ardua tarefa de analisar e criar modelos que perrni-tam perceber melhor aquilo que se esta a passar,

    BIBLIOGRAFIABAHTH,F., 1956, "Ecologic relat ions of ethnic groups in Swat, North Pakis -

    tan", American Anthropologist, 58: 1079-1089.--, 1984, "Problems in conceptualizing cultural pluralism", in David

    Maybury-Lewis (ed.), The prospects for plural societies. Washington:1982 Proceedings of The American Ethnological Society .

    BAHTII,F. (ed.), 1969, Ethnic groups and boundaries . Oslo: UniversityPress.

    BOHOFSKY,Robert (ed.), 1994, Assessing cultural anthropology. NovaIorque: McGraw-Hill.

    BHlNGA,Tone, 1991, Gender relation and the person. The negotiation ofMusl im ident ity in rura l Bosnia. Tese de Doutoramento. Universi-dade de Londres, LSE.Texto dactilografado.

    --, 1993, "National categories, national identification and identity for-mat ion in mul tinational Bosnia ." The Anthropology of East EuropeReview 11,1 & 2.

    CATON,Steven c. , 1990, Peaks of Yemen, I Summon. Poetry as culturalpractice in a North Yemeni tribe. Berkeley: University of CaliforniaPress.

    DESI'HES,Leo A. (ed.), 1975, Ethnici ty and resource compet ition in pluralsocieties. Ilaia: Mouton.

  • 5/17/2018 Barth, Fredrik. Tmaticas permanentes e emergentes na anlise da etinicidade

    21/21

    44. ANTROPOLOGIA DA ETNICIDADE

    HAALAND,Gunnar, 1991, "Cultural content and ethnic boundaries",in R.Gronhaug , G.Haaland e G.Henriksen (eds.) , The ecology choiceand symbol. Essays in honour of Fredrik Barth. Bergen: Alma Mater.

    KEESING,Roger H., 1994, "Theories of culture revisited", in R. Borofsky(ed.), Assessing cultural anthropology. Nova Iorque: McGraW-HilI .

    KUPEH,Leo, 1977, The pity of it all.Minneapolis: University of MinesotaPress.LONGLIn WOON (ed.), 1992, Pellesskap til besuoer?: om nyere innuan-dring til Norge. Oslo: Universitetsforlaget.OLZAK,Susan & NAGEL,Jeane (eds.), 1986, Competitive etnic relations.Nova Iorque: Academic Press Inc .TAMBS-LvCHE,Harald, 1980, London Patidars. Case study in the urbanethrticity, Londres: Routledge & Kegan Paul.--, sid, Identity as objective. On the epistemology of ethnicity. Ms.