Barbeiros e Cirurgiões

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Barbeiros e cirurgiões: atuação dos práticos ao longo do século XIX  Bleeders and surgeons: medical practitioners in nineteenth century Minas Gerais A pesquisa desenvolvida neste artigo faz parte da tese de doutorado A arte de curar e os seus agentes na província de Minas Gerais no século  XIX, apresentada ao Departamento de Sociologia da Universidade do Estado de São Paulo (USP), em abril de !!" #$%UE$&ED', %* +arbeiros e cirurgies* atua-ão dos pr.ticos ao longo do s/culo 0$01 História, i!ncias, "a#de $ Manguinhos, 2$(3)* 3445!, 6ul5out !!! Este artigo tem como ob6etivo analisar a atua-ão de pr.ticos, especificamente barbeiros e cirurgies, ao longo do s/culo 0$0, em 7inas %erais A partir do momento em que cursos de cirurgia e medicina iniciaram suas atividades no rasil, o confronto com pr.ticos da cura gan8ava maior repercussão, o que não impedia a presen-a de barbeiros e cirurgies, sem forma-ão acad9mica, atuando na .rea da sa:de PA;A2&AS5<=A2E: barbeiro, cirurgião, 8ist>ria da medicina, rasil #$%UE$&ED', %* + Bleeders and surgeons: medical ractitioners in nineteenth century Minas Gerais1 História, i!ncias, "a#de $ Manguinhos, 2$(3)* 3445!, ?ul@5'ct !!! %he article analy&es the 'or( o) ractitioners, especially *leeders and surgeons, in nineteenth+ century Minas Gerais -nce surgical and medical courses had *een esta*lished in Bra&il, con)licts *et'een academically trained medical 'or(ers and )ol( ractitioners intensi)ied Bleeders and surgeons 'ith no academic training nevertheless remained active in the health area ./01-23": *leeder, surgeon, history o) medicine, Bra&il  

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Barbeiros e cirurgiões:atuação dos práticos

ao longo do século XIX 

Bleeders and surgeons:medical practitioners in

nineteenth century MinasGerais 

A pesquisa desenvolvida neste artigo faz parteda tese de doutorado A arte de curar e os seusagentes na província de Minas Gerais no século

 XIX, apresentada ao Departamento deSociologia da Universidade do Estado de SãoPaulo (USP), em abril de !!"

#$%UE$&ED', %* +arbeiros ecirurgies* atua-ão dos pr.ticosao longo do s/culo 0$01 História,

i!ncias, "a#de $ Manguinhos,2$(3)* 3445!, 6ul5out !!!

Este artigo tem como ob6etivoanalisar a atua-ão de pr.ticos,especificamente barbeiros ecirurgies, ao longo do s/culo0$0, em 7inas %erais A partirdo momento em que cursos decirurgia e medicina iniciaramsuas atividades no rasil, oconfronto com pr.ticos da cura

gan8ava maior repercussão, oque não impedia a presen-a debarbeiros e cirurgies, semforma-ão acad9mica, atuando na.rea da sa:de

PA;A2&AS5<=A2E: barbeiro,cirurgião, 8ist>ria da medicina,rasil

#$%UE$&ED', %* +Bleedersand surgeons: medicalractitioners in nineteenth

century Minas Gerais1 História,i!ncias, "a#de $ Manguinhos,2$(3)* 3445!, ?ul@5'ct !!!

%he article analy&es the 'or( o)ractitioners, especially *leeders

and surgeons, in nineteenth+century Minas Gerais -ncesurgical and medical courses had

*een esta*lished in Bra&il,con)licts *et'een academicallytrained medical 'or(ers and )ol(ractitioners intensi)ied

Bleeders and surgeons 'ith noacademic training neverthelessremained active in the healtharea

./01-23": *leeder, surgeon,history o) medicine, Bra&il 

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etnia %on-alves #igueiredo

Prof do Departamento de =ist>ria daUniversidade #ederal de 7inas %erais (U#7%)

&ua ?uiz de #ora, 4"BCB"5F elo =orizonte G 7% rasil

e5mail* betaHdedaluslccufmgbr 

As no6entas sanguessugas ficavam eIpostasem vidros, na vitrine da barbearia do sr7oura 's m/dicos pediam5nas e o sr 7ouraenviava Eram colocadas nos doentes, naparte onde deveria ser tirado o sangueAgarravam5se J pele, geralmente do bra-o,

pernas, n.degas, ou costas <8upavam osangue e se intumesciam Kuando fartas dorepasto 8emof.gico, soltavam5se Se fossenecess.rio, pun8am5se outras no mesmolocal, para tirar mais sangue As sanguessugas 6. c8eias eram depositadasem .gua e soltavam o sangueE estavam prontin8as para novas aplica-esUns m/dicos preferiam sanguessugas, outros,ventosas sar6adas(Andrade, !"3, p 3BB)

Aqueles que possam estar imaginando que esta cita-ãodata de s/culos passados enganam5se A refer9ncia / elo=orizonte no inLcio deste s/culo ' sr 7oura foi um barbeirocon8ecido no inLcio do s/culo em elo =orizonte e descritocomo Mmuito simp.tico, de cavan8aque e cartolin8a, quecriava as sanguessugas e as aplicava para sangria Nin8aisso anunciado no 6ornaisM (idem, ibidem) Al/m de seocupar em fazer as barbas e cortar os cabelos de seusclientes, prestava o servi-o de alugar as sanguessugas param/dicos e clientes em geral ' sr 7oura atuava na cidade,

em !, e, provavelmente, era o :nico a desenvolver taisservi-os e atividade comercialSe acompan8armos a eIplica-ão dada para o verbete

 +barbeiro1 nos dicion.rios que circulavam no s/culo 0$0,encontraremos* M=omem que faz as barbas e as raspa,corta, ou apara =. barbeiros de lanceta, ou sangradores'utros dantes consertavam as espadas, limpando5as, ali.salfagemesM (7oraes Silva e #reire, !33)

Oo Grande 3icion4rio 5ortugu!s ou %hesouro da línguaortuguesa do frei Domingos 2ieira, de "4, as atividades

do barbeiro continuavam divididas em tr9s .reas, como nodicion.rio de 7oraes Silva e #reire* o fazer as barbas e

cortar os cabelos o barbeiro de lanceta, sangrador, e obarbeiro de espadas =o6e não temos d:vidas em entender

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o barbeiro como aquele que faz as barbas e corta oscabelos, e o sentido do barbeiro de lanceta e barbeiro deespadas 6. ficou l. pelas calendas gregas 7as, ao que tudoindica, a atividade do barbeiro de lanceta ou sangradorperdurou at/ o inLcio deste s/culo

Oo que se refere Js sanguessugas, o sr 7ouraresponsabilizava5se apenas por atender Js solicita-es dosm/dicos e clientes, criando e alugando as Mbic8asM para finsde sangria &epresentava uma figura intermedi.ria entre obarbeiro de lanceta, que fazia as vezes de cirurgião em/dico, e o barbeiro como con8ecemos 8o6e em dia

Se considerarmos a atualiza-ão do 6ormul4rio e guiar4tico de sa#de(<8ernoviz, !), uma das publica-es

populares sobre medicina no rasil do s/culo 0$0, na sua4a edi-ão, verificamos que 8. descri-ão detal8ada decomo proceder a uma boa sangria utilizando5se desanguessugas ' guia indicava quais os mel8ores lugares do

corpo para Mdeitar as bic8asM*

3

 Msobre o peito na pleuris

,atr.s dos ouvidos nas congestes cerebrais, ao redor dosol8os em algumas oftalmias, e todos as vezes que forindicado o tratamento antifogLstico pouco en/rgicoM

' guia segue relatando que, por volta de "B3, abusou5se muito desse m/todo terap9utico (ou se6a,aproIimadamente no perLodo em que Debret retrata osbarbeiros no &io de ?aneiro), mas que MatualmenteM(podemos supor, pela data da edi-ão, que se referia aosprimeiros anos do s/culo 00) Musa5se das bic8as menosfreqQentemente e em menor quantidade do que secostumava fazer antesM <ontudo, não 8avia d:vidas de quea pr.tica ainda era utilizada<onsiderando que asatualiza-es do guia ocorressem a cada nova edi-ão,B e quefornecia detal8es com rela-ão Js caracterLsticas da Mbic8aM,sua conserva-ão, maneira de aplic.5las e modos deMdesengurgitarM as bic8as do sangue que c8uparam, /possLvel concluir que a pr.tica de utilizar sanguessugascontinuava, no final do s/culo 0$0 e inLcio do 00

' guia circulou pelo rasil no s/culo 0$0 e inLcio do 00, 6unto com outras publica-es do g9nero Estasrepresentavam, muitas vezes, a t.bua de salva-ão defazendeiros, pr.ticos e tamb/m de muitos m/dicos efarmac9uticos Era comum as farm.cias terem, entre seuslivros, guias de medicina popular Um pr.tico da medicina e

cirurgia que circulava por <urvelo e vizin8an-as era sempredescrito com Mo <8ernovizM debaiIo do bra-o (<ruz, !FR, pBB) Diante da d:vida, consultava5se um desses guias Aspublica-es de <8ernoviz encontravam5se entre as maispopularesR Esse fato permite5nos concluir que asinforma-es contidas em seu guia pr.tico eram realmentelidas e, muitas vezes, aplicadas J popula-ão doente

A +arte1 de manipular e aplicar as Mbic8asM não serestringia aos barbeiros, mas durante boa parte do s/culo0$0 estes foram os principais respons.veis pela suaconserva-ão 's m/dicos locais não tin8am assanguessugas, de acordo com Andrade (op cit),

memorialista que nos conta um pouco sobre a medicina noinLcio do s/culo em elo =orizonte, mas utilizavam5nas

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mandando busc.5las com o sr 7oura, conforme a descri-ãodo inLcio do artigo

A utiliza-ão de ventosas tamb/m / consideradacorriqueira em torno do s/culo 0$0, estendendo5se pelos/culo 00 ' mesmo Andrade (!"3, p 3BB), em elo

=orizonte, nos d. notLcias de ventosas sendo aplicadas em!B, ressaltando que a utiliza-ão delas não dependia deindica-ão nem autoriza-ão m/dica Para ele, como paramuitos na nova capital de 7inas %erais, as ventosas eramfamiliares A prefer9ncia recaLa sobre as ventosas sar6adas,e os pr>prios pacientes usavam5nas para alLvio da dor, sema necessidade de indica-ão m/dica ' sar6ador era umaparel8in8o franc9s, com v.rios fios de naval8a, queapareciam e sumiam quando acionado um botão, e nestemovimento os fios cortavam a pele A seguir, aplicava5se aventosa, e o sangue surgia dos cortes abertos pelasnaval8as 7as, na aus9ncia do aparel8in8o franc9s, o

m/todo utilizado era o dos copin8os vendidos em farm.cias,esquentando5os com c8ama de .lcool e aplicando5os sobrea pele, fazendo v.cuo, nos locais doloridos

's barbeiros foram considerados os precursores doscirurgies Detin8am a 8abilidade de intervir com seusinstrumentos no corpo ulcerado, com p:stulas Al/m deaplicarem ventosas e deitarem as c8amadas Mbic8asM Gsanguessugas G ocupavam5se com a est/tica dos cabelos edas barbas, cortando e aparando ' trabal8o desses8omens G não encontramos nen8uma refer9ncia J presen-ade mul8eres nesse ofLcio G era basicamente manual Nalvezo que aproIimasse as tr9s id/ias apresentadas pelosdicion.rios do inLcio do s/culo passado se6a, eIatamente, a8abilidade de desempen8ar trabal8os a partir da utiliza-ãodas naval8as* tanto o barbeiro das barbas e cortes decabelo, como o barbeiro sangrador e o barbeiro de espadasdominavam o mesmo instrumental de trabal8o* asnaval8as, as lminas, todos instrumentos cortantes eafiados

's pontos marcantes das atividades dos barbeirosrelacionavam5se com o trabal8o manual e o vLnculo com acarne e o sangue Ouma sociedade marcada pela presen-ado trabal8o escravo, o prestLgio do barbeiro não eraelevado Soma5se a isto o desprestLgio G datado do perLodomedieval G daqueles que lidavam com o sangue 's

barbeiros estavam, de certo modo, vinculados aoscirurgies* ambos eIerciam atividades vinculadas ao corpo*pernas quebradas, p:stulas, doen-as de pele, aplica-ão desanguessugas Se seguirmos a seqQ9ncia de pranc8as deDebret retratando o &io de ?aneiro nas primeiras d/cadas dos/culo 0$0, encontraremos, no mesmo quadro do cirurgiãonegro, a representa-ão do a-ougue de carne de porco 'teIto que acompan8a cada gravura não estabelece nen8umvLnculo direto entre as duas representa-es, mas o fato deas gravuras aparecerem na mesma pranc8a não nos deiIad:vida de que a rela-ão entre as atividades do cirurgião5barbeiro e do a-ougueiro provin8am do estigma do sangue

De acordo com Debret (!4", p BF), somente ospobres recorriam aos cirurgies negros, que, al/m de aplicar

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ventosas, indicavam rem/dios e vendiam talismãs* Mpois aspessoas mais abastadas mandam tratar seus negros pelocirurgião da casaM Oeste relato observamos sinais dedistin-ão entre o status do barbeiro e o do cirurgião 'primeiro, barbeiro que fazia as vezes de cirurgião, estava

muito mais pr>Iimo da popula-ão escrava, enquanto osegundo, o cirurgião sem a complementa-ão barbeiro,referia5se a um trabal8o mais sofisticado, destinado aos8omens livres e com recursos

' s/culo 0$0 / marcado por um movimento que podemosdenominar de civilizat>rio Surgiram regras de comoproceder, não apenas no que se referia ao dia5a5dia dacorte, mas ao con6unto de posturas, perpassando diversosaspectos da vida social, entre estes, a defini-ão mais precisasobre as profisses A distin-ão entre o barbeiro e ocirurgião processou5se ao longo do s/culo 0$0, marcadapela forma-ão acad9mica do cirurgião, em contraponto com

a informalidade das atividades do barbeiro Ao preparar5seformalmente para eIercer a atividade de cirurgia, o trabal8omanual eleva5se pela presen-a de uma forma-ão intelectual,distanciando5se da pr.tica do barbeiro Oeste movimento,as atividades do cirurgião acad9mico enquadram5se no roldas profisses liberais, enquanto os barbeiros permanecem

 6unto Js atividades manuais mecnicas, conformeclassifica-ão presente nas listas nominativas de "4(Paiva et al, !!)

Oa elabora-ão de uma escala social das profisses,podemos localizar os m/dicos encabe-ando a lista e, Jdistncia, por eIercerem atividades consideradas de outranatureza, seguiam os cirurgies, e, por :ltimo, os barbeirosPara os cirurgies, a aproIima-ão com os barbeiros eralastim.vel, alme6avam aproIimar5se dos m/dicos Para osbarbeiros, a aproIima-ão dos cirurgies era sinal deprestLgio e eleva-ão social (;ebrun, !"R) Esta 8ierarquiapode ser localizada no s/culo 02$$, em - doenteimagin4rio de 7olire (F4B), no momento solene deargQi-ão do candidato a m/dico* o primeiro a adentrar orecinto / o enfermeiro, seguido pelo botic.rio que, por suavez, / seguido pelo cirurgião e, finalmente, o m/dico Oesteponto interessa5nos ressaltar as posi-es diferenciadas queocupavam o cirurgião e o m/dico no s/culo 02$$, na #ran-a,e por quais mudan-as passaram no decorrer do s/culo

02$$$Oos estatutos franceses, o ofLcio de cirurgia era

classificado no mesmo patamar que o dos barbeiros Asmudan-as ocorreram ao longo do s/culo 02$$$, quando oscirurgies se desvincularam dos barbeiros, para desagradodos m/dicos, que não viam com bons ol8os o ingresso deuma categoria profissional considerada de menorimportncia, qualifica-ão e valor, 6unto ao seu grupo'bviamente 8avia uma preocupa-ão com o mercado, porparte dos m/dicos, mas, principalmente, com rela-ão Jposi-ão social que se dese6ava preservar e que / amea-adacom a entrada de profissionais, antes localizados nas artes

mecnicas, para o grupo das artes liberaisT interessante acompan8ar a declara-ão real francesa de

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4B estabelecendo os novos Mestatutos e regulamentosgerais para os cirurgies das provLncias do reinoM (;ebrun,idem, pp BB5)*

ordenamos que aos mestres na arte e

ci9ncia cir:rgica das cidades e lugares ondeeIercem eIclusivamente a cirurgia, sem amisturarem com nen8uma outra profissãomecnica, e sem fazerem qualquer com/rcio etr.fico, eles ou as suas mul8eres, se6arecon8ecido o eIercLcio de uma arte liberal ecientLfica, gozando nesta qualidade das8onras, distin-es e privil/gios de que gozamos que eIercem as artes liberais

' documento franc9s, do s/culo 02$$$, deiIa claro aeIist9ncia das duas artes profissionais, com posi-es

8ier.rquicas diferenciadas, entre as mecnicas e as liberais's cirurgies, elevados Js artes liberais, t9m muito o quecomemorar, apesar dos preconceitos contra os quais terãode lutar Afinal, a mudan-a significava ascensão social,gozar das 8onras, distin-es e privil/gios caracterLsticos dasartes liberais, ao passo que o mundo das artes mecnicasera apresentado como socialmente desprestigiado econsiderado como atividade pouco 8onrosa

De certa forma, a 8ierarquia apresentada por 7olireem - doente imagin4riomanteve5se nas 7inas %erais dos/culo passado Ao longo do s/culo 0$0, constatamosmovimentos em dire-ão a uma defini-ão mais precisa das

profisses relacionadas ao cuidado do corpo doente Aspessoas que passaram por uma forma-ão acad9micadeveriam ocupar5se, preferencialmente, de cuidar do corpoOa impossibilidade de difundir este padrão por todas asregies, 8avia uma s/rie de intermedia-es viabilizando aatua-ão daqueles que intervin8am no corpo doente Oo quese refere Js profisses, / bastante clara a delimita-ão dasatividades do barbeiro, visando restringi5la, cada vez mais,aos cuidados est/ticos com cabelos e barbas

7esmo assim, com rela-ão ao barbeiro e ao cirurgião,percebemos que não 8avia, na pr.tica, uma delimita-ãobem estabelecida indicando onde come-ava o trabal8o deum e o do outro =. relatos em que o cirurgião atuava comom/dico, diagnosticando e receitando, e 8. outros em que obarbeiro atuava como m/dico e como cirurgião,transparecendo uma delimita-ão muito pouco precisa entreas atividades de cada um Saint5=ilaire (!4, p 3!),relata5nos o trabal8o de um cirurgião, que teve aoportunidade de observar quando atendia ao c8amado deum 8omem que sofria de Mnão sei que doen-a de peleM* M'8onrado cirurgião disse5l8e que l8e ia dar um rem/dio Oodia seguinte estaria são <om semel8ante droga esfregou aspartes enfermas a que benzeu depois, mandando o pacientedeitar5se, e assegurou5se o 9Iito de sua medica-ãoM

Saint5=ilaire estran8ou a a-ão do cirurgião A

desconfian-a aumentava J medida que ele divulgava seustLtulos a Saint5=ilaire, e este questionava5se sobre a

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veracidade de toda aquela propaganda A riqueza do relatopermite5nos muitas observa-es A atua-ão do cirurgião / ade um m/dico, indicando a dificuldade em se restringir Jsartes cir:rgicas numa terra com pouquLssimos m/dicos Poroutro lado, sua forma de atuar desafia os con8ecimentos

acad9micos* al/m da droga que espal8a pelas partes docorpo doente, 8. o refor-o da reza Para Saint5=ilaire (idem,p 3!) era muito difLcil acreditar na efici9ncia desseprocedimento* Mnão posso conceber que um 8omem que seintitula cirurgião e, por conseguinte, deve ter sidodiplomado, sancione com o eIemplo as pr.ticassupersticiosasM ' relato do via6ante, que representa omundo civilizado, / esclarecedor &ealmente não / possLveladmitir que um 8omem que se diz cirurgião lance mão depr.ticas supersticiosas no momento da interven-ão Ao quetudo indica, a razão, para Saint5=ilaire, deveria estardissociada da supersti-ão, da cren-a, e o tom do seu relato

indica desconfian-a quanto J forma-ão daquele que seintitulava cirurgião =. o confronto entre dois modos de serelacionar com o mundo Um, representado pelo estrangeiroeuropeu, que coloca o mundo racional em contraposi-ão aomundo da supersti-ão Esta concep-ão busca divulgar ummodelo de civiliza-ão pautado na razão 'utro, que pode serlido nas entrelin8as desse relato, indica uma maneira maistradicional de se relacionar com o mundo, quando não 8.necessidade premente de dissociar razão e f/ ' cirurgiãoatua de forma natural, não 8. conflito na sua pr.tica ao unirrem/dio especLfico com benze-ão

$nvestigando os almanaques mineiros (almanaques docom/rcio, ind:strias e profisses),F / possLvel perceber duascategorias de barbeiros* simplesmente barbeiros e barbeirose cabeleireiros A informa-ão nos diz muito pouco sobrequais eram realmente as fun-es desempen8adas por cadaum deles, mas s> o fato de 8aver a distin-ão / indicativo deque eIistia mais de uma forma de desempen8ar essasatividades Em outras palavras, indicativo da mobilidade eredefini-ão do significado de atuar como barbeiro Estecortava cabelo, fazia barba e aproveitava seus instrumentospara realizar pequenas cirurgias que incluLam sangrar,escarificar, aplicar ventosas e sanguessugas, clisteres eeItrair dentes (<amargo, !4F, p R) Entre os ditadospopulares encontramos Mquem l8e d>i o dente vai J casa do

barbeiroM4 Ao longo do s/culo 0$0, observamostransforma-es significativas na atua-ão dos barbeiros Aatividade desempen8ada por eles passou, cada vez mais, ase restringir a cortar os cabelos e aparar as barbas 'barbeiro foi abandonando aos poucos a multiplicidade dassuas atividades, enquanto as outras, especificamenterelacionadas ao corpo doente, foram se tornandoespecialidade dos botic.rios, m/dicos e pr.ticos<onsolidou5se, assim, a distin-ão entre as figuras dom/dico, do cirurgião e do dentista, ocupando espa-os antesdivididos com os barbeiros

?. nas listas nominativas de "B e "B3, do censo

realizado na provLncia de 7inas %erais, 8. a indica-ãoapenas da ocupa-ão do barbeiro Namb/m pouco se pode

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retirar dessa informa-ão Essas listas foram elaboradas apartir de uma estimativa de 4" mil 8abitantes para aprovLncia de 7inas %erais, sendo que a popula-ão por elasreconstituLda" estava na casa dos quatrocentos mil =aviaainda o problema da valoriza-ão de algumas profisses em

detrimento de outras, sendo que o crit/rio de valoriza-ãovariava de acordo com quem 6ulgava, ou se6a, orecenseador considerava, de acordo com seus crit/rios, avalidade ou não da profissão Oão 8avia um crit/riounificando a atua-ão de todos que trabal8avam nolevantamento das informa-es Ao que tudo indica, umn:mero significativo de escravos não informavam, ou suasinforma-es não foram coletadas eCou consideradas Assimcomo os escravos, uma s/rie de outras ocupa-es eramconsideradas desprezLveis eCou de menor importncia paraserem coletadas (Paiva et al, !!)

Era pequeno o con8ecimento necess.rio para

desempen8ar a atividade de barbeiro, e este limitava5se aocampo pr.tico A valoriza-ão daqueles que lidavam com ocorpo em c8agas era pequena T bastante reveladora, noslevantamentos censit.rios G especialmente de "B3 e "4G a, associa-ão dos dados gerais com as profissesPraticamente todos os barbeiros são 8omens pardos ounegros Alguns, 8omens livres, outros escravos, mas todospardos ou negros, refor-ando a id/ia de desqualifica-ão dotrabal8o dos barbeiros! 

Se alguns autores consideravam os barbeiros comoprecursores dos cirurgies, / importante observar que estesconviveram com os barbeiros A 8ierarquia entre os ofLciosinvestiria de maior importncia os cirurgies 'con8ecimento demandado para se tornar cirurgião era, comcerteza, maior do que o necess.rio para o eIercLcio daatividade de barbeiro sangrador Oo s/culo 0$0,encontramos v.rias refer9ncias na legisla-ão mineira sobrea necessidade de se submeter a eIames para obter licen-acomo cirurgies, o que não acontecia tratando5se dosbarbeiros, quando as licen-as eram concedidas mediante opagamento das taIas <omo forma de acompan8arminimamente estas atividades, a legisla-ão passaria adefinir as regras e condi-es para o eIercLcio da atividadeprofissional* eIig9ncia de diplomas ou eIig9ncia de eIames,vistorias nos estabelecimentos, taIas para licen-as das

atividades e funcionamento comercial, regras, san-es emultas para os que não se dispun8am a obedecer Jlegisla-ão 

Oão encontramos nen8uma forma-ão institucional para odesempen8o das atividades dos barbeiros sangradores eCoubarbeiros de lanceta As t/cnicas eram passadas pelaaproIima-ão com os mais vel8os a troca de con8ecimentosse dava atrav/s da pr.tica e da transmissão oral

' barbeiro ocupava posi-ão pouco privilegiada entre osofLcios, situando5se abaiIo do cirurgião ?oaquim 7anuel de7acedo ("4F), descreveu o quanto era (para ele)desagrad.vel ver um MpretoM sentado num banquin8o no

meio da rua, Mcom a cara entregue Js mãos do outro que oensaboa e barbeia, como se estivesse na sua lo6aM De

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acordo com Debret (!4", p 3!), os barbeiros ambulanteseram relegados ao :ltimo degrau da 8ierarquia dosbarbeiros ' via6ante tamb/m retratou alguns barbeirosambulantes

T prov.vel que numa cidade como o &io de ?aneiro

8ouvesse barbeiros para os ricos e para os pobres, sendoque, entre estes, 8avia ainda a separa-ão entre 8omenslivres e escravos, mas o mesmo dificilmente ocorreria emcidades do interior de 7inas %erais Encontramosrefer9ncias aos barbeiros das cidades, feitas pelosmemorialistas, e na legisla-ão que busca cobrar impostos elicen-as para o eIercLcio da atividade e manuten-ão docom/rcio (ele deveria pagar licen-a para eIercer o ofLcio emanter aberta a barbearia)3 A partir das informa-esrecebidas pelos memorialistas, podemos perceber que erapequeno o n:mero de barbeiros

A barbearia, com menos glamour  que as farm.cias, seria

tamb/m o local para troca de informa-es sobre oacontecido, sobre a vida al8eia, circula-ão de notLcias dolugar e das redondezas As barbearias eram consideradasMponto de encontro e novidadesM, de acordo com ummemorialista de <aIambu (S. AleIina, !R4, p 4)Kuando comparadas com as farm.cias, as barbeariasdestacavam5se por serem ambientes predominantementemasculinos

=avia tamb/m, circulando pelas cidades de 7inas, osbarbeiros ambulantes Um deles tornou5se con8ecido emDiamantina tamb/m por apresentar caracterLsticasde détra7ué ambães, que c8amava a todos de MmeubeloM, / citado por dois memorialistas da cidade comosu6eito simp.tico, que circulava pelas ruas fazendobrincadeiras e eIercendo seu ofLcio (7orle@, !FF, p 3"Arno, !F, p "!) Oeste eIemplo, o barbeiro eIercia suaatividade de forma ambulante, perambulando pelas ruas eoferecendo seus servi-os

Kuando o barbeiro demonstrava 8abilidades outras al/mdo trato com os cabelos, era motivo de destaque, comoaconteceu com um deles na cidade de Po-os de <aldas,considerado M8ist>ricoM na descri-ão de um memorialistam/dico Um dos pontos em que se destacava #ranciscoPereira era o fato de ser instruLdo, por saber ler e escrever,Mcoisa rara naquele tempoM (7ourão, !R3, p R) não

apenas entre os barbeiros

Os cirurgiões 

<irurgia* parte da medicina que ensina acurar feridas, c8agas, tumores, desloca-es eas opera-es de abrir e cortar membros docorpo 8umano (7oraes Silva e #reire, !33)

Oo rasil colonial, a divisão cl.ssica dava5se entre om/dico (ou fLsico), o cirurgião e o botic.rio <ada qual coma sua fun-ão* aos m/dicos caberia medicar, aos cirurgies,intervir no corpo doente e aos botic.rios, manipular os

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medicamentos Sem d:vida, 8avia posi-es intermedi.riasentre estes profissionais,B como tamb/m a troca em suasfun-es A divisão oficial entre eles tin8a como ob6etivopreservar a popula-ão da a-ão de MinescrupulososM eMaventureirosM, al/m de eIercer controle fiscal (7ac8ado et

alii , !4", p 3") <om a institucionaliza-ão das escolas demedicina, que inicialmente eram escolas de cirurgia, estadivisão permanece, e o tempo de forma-ão de cadaprofissional indica5nos uma certa 8ierarquia e nLveis deforma-ão especLfica ' curso de m/dico durava seis anos, ode farmac9utico e o de cirurgião, tr9s, e o curso de partodemandava de um a dois anos

Se trabal8armos com a id/ia de que uma das formas devalorizar a profissão relaciona5se com o tempo de forma-ão,podem5se tirar algumas concluses =. diferen-a no tempoeIigido para o m/dico e o cirurgião* para o primeiro,inicialmente, era necess.rio o dobro de tempo do segundo

=avia sempre a possibilidade, para o cirurgião, de completarseus estudos, e tamb/m se tornar m/dico, indicando que aforma-ão desse seria mais demorada, demandando maiortempo e estudo =. refer9ncias a v.rios cirurgies quecompletavam seus estudos para se tornar m/dicos, omesmo acontecendo com rela-ão aos farmac9uticos ?. ocontr.rio (de m/dico para farmac9utico ou cirurgião) nãoocorria

Al/m disso, observamos que todo o discurso m/dico doperLodo est. direcionado para distinguir os profissionaisqualificados dos c8amados aventureiros, que,independentemente de apresentarem bons ou mausresultados na sua atividade, eram pessoas que nãomereciam confian-a, na opinião dos m/dicos Oestemomento, retornamos ao movimento civilizat>rio que buscaimpor padres de comportamento, considerados maisavan-ados, ao con6unto da popula-ão ' discurso m/dico /eIemplar neste sentido

'utro aspecto a ser considerado referia5se ao estudo e Jspr.ticas cir:rgicas, não s> no rasil como no mundo Aanestesia, atrav/s da inala-ão de /ter, e posteriormenteclorof>rmio, foi utilizada pela primeira vez no rasil em"4 e "", respectivamenteR Nodas as interven-escir:rgicas, at/ então, e muitas outras, posteriormente,realizavam5se sem anestesia, transformando o ato cir:rgico,

sem d:vida, em ato de barb.rie (N8orald, s d) Nodossofriam com a pr.tica, tanto aqueles que se submetiam aoprocedimento, como aquele que o eIecutava e os que oassessoravam eCou assistiam As qualidades de um bomcirurgião, na /poca da ineIist9ncia da anestesia, incluLam afrieza e, principalmente, a destreza com que realizava seutrabal8o Kuanto mais r.pido o ato, menor o tempo para seouvirem os gritos de dor e as manifesta-es daquele quesofria al/m do suport.vel Nodos aqueles que se dirigiampara o ato cir:rgico sabiam do suplLcio que os aguardava 'campo de atua-ão do cirurgião era limitado pela dorsuport.velCinsuport.vel do paciente

7as não s> aos 8omens do s/culo 00 a descri-ão dascirurgias sem anestesia causam pavor Oo s/culo 02$$,

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circulava na Europa o manual de &ic8ard Viseman, "everallchirurgicall treatises (N8omas, !!, p 33), maispopularmente con8ecido como Mlivro dos m.rtires deVisemanM

's avan-os no emprego dos anest/sicos consolidaram5se

na Europa nas :ltimas d/cadas do s/culo (%ordon, !!R#oucault, !4), abrindo a possibilidade para odesenvolvimento no campo das cirurgias e,conseqQentemente, a 8abilidade dos cirurgies Wsdificuldades para a realiza-ão das cirurgias, mesmo 6. coma presen-a da anestesia, acrescentavam5se os problemasrelacionados com a falta de assepsia, por totaldescon8ecimento da a-ão dos microrganismos As mortesem decorr9ncia de supura-ão das feridas operat>riasencontravam5se na casa dos "X a !X (Santos #il8o,!"4) A assepsia, pela desinfec-ão das mãos dosoperadores e do instrumental, em solu-ão fenicada, /

adotada pelo cirurgião ingl9s ;ister em "F4 Sem assepsiae sem anestesia, o espa-o de desenvolvimento das cirurgiasestava limitado, transformando o cirurgião em umprofissional para os casos eItremos, com pouca margem desucesso e pouca possibilidade de investiga-ão do corpoaberto 7esmo que o ato cir:rgico transcorresse conforme oprevisto, a recupera-ão defrontava5se com as infec-es esupura-es p>s5cir:rgicas, decorrentes da total falta decuidados com o instrumental e 8igieniza-ão do processointervencionista

A cirurgia das amLgdalas de #rancelina, uma copeira earrumadeira de aproIimadamente trinta anos, na cidade deDiamantina, em ""R, / descrita por uma memorialista,Ecl/sia &abello (!!F, pp F35) A infec-ão agravara5se e apobre mul8er, al/m da febre alta, 6. mal conseguia abrir aboca ' m/dico foi c8amado e deu sua opinião* M/ precisoque se fa-a a opera-ão aman8ã mesmo, enquanto seconsegue abrir5l8e a bocaM Oo dia seguinte, a cirurgia foirealizada no meio da sala de 6antar, com todas as 6anelasabertas para garantir a luminosidade A paciente assentou5se numa cadeira de bra-os, aconc8egada em travesseiros, ea cirurgia foi presenciada por alguns moradores da casa Aseguir, acompan8aremos a descri-ão de &abello (idem, pF3) que, ainda 6ovem, foi uma das pessoas quepresenciaram a interven-ão cir:rgica Ela era uma das fil8as

do casal que empregava #rancelina* Mdr ;eite c8egou, tirouo canivete da algibeira, trouIeram5l8e toal8a, sabão e umabacia de lou-a com .gua Ele tirou o palet>, arrega-ou asmangas da camisa, lavou as mãos e o canivete, enIugou5osM

Estes detal8es são reveladores* as mãos do m/dico e osinstrumentos (canivete retirado da algibeira) passaram,minutos antes da interven-ão, por uma solu-ão de .gua esabão Para auIiliar a pobre #rancelina a abrir a boca, odoutor utilizou do cabo de uma col8er e, com este apoio,cortou com o canivete as amLgdalas inflamadas Depois dealguns dias de repouso, #rancelina recuperou5se totalmente

7orreu mais tarde, de tifo Oeste eIemplo, a cirurgia foirealizada por um m/dico, que não teve d:vidas quanto ao

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diagn>stico e a necessidade, urgente, de proceder Jcirurgia Provavelmente ele 6. tin8a con8ecimentos sobre aimportncia de algumas provid9ncias ass/pticas Ygua esabão continuam, ainda 8o6e, sendo usados comodesinfetantesF 

's m/dicos cirurgies, no final do s/culo 0$0, aindatin8am .rea de atua-ão dividida com pessoas sem forma-ãoacad9mica, que se apresentavam como curadores oucurandeiros Entre estes encontramos 7anoel 7artins, vulgo7an/ 7artins, que andava pela região de <urvelo, norte de7inas %erais, sempre acompan8ado do seu canivete &ogerEra com ele, bem afiado, sem anestesia e sem assepsia,que demostrava toda sua destreza e 8abilidade na pr.ticade opera-es* Mpara o canivete de 7an/ 7artins ospanarLcios e outros tumores inflamat>rios eram caf/pequeno, casos insignificantes de sua vida de curadordesabusado E assim sua fama corria sertãoM (&abello, op

cit, p BB)7an/ 7artins e o dr <arlos ;eite tin8am alguns pontosem comum* atuavam na mesma região, ao que tudo indica,na mesma /poca, fins do s/culo 0$0, e utilizavam oscanivetes nas pequenas interven-es 7as 8avia tamb/moutros tantos pontos que os distanciavam 's instrumentosde 7an/ 7artins, especialmente o seu famoso canivete&oger , não passavam por .gua e sabão com a mesmafreqQ9ncia que o instrumental do dr <arlos ;eite Al/mdisso, a forma-ão de 7an/ 7artins se deu de modo informale sua atua-ão caracterizava5se pela itinernciaProvavelmente, o p:blico de 7an/ 7artins distinguia5se dosclientes do dr <arlos ;eite

Oa interven-ão do m/dico nas amLgdalas da #rancelina,não obtivemos informa-es referentes aos 8onor.rioscobrados #rancelina era uma empregada da famLlia &abelloe toda a cena G da c8amada do m/dico, o diagn>stico e ainterven-ão cir:rgica G transcorrem nesse espa-o Oão /possLvel afirmar que o mesmo procedimento seria adotadocaso #rancelina estivesse 6unto aos seus familiares, fora daresid9ncia da famLlia que a empregava Nalvez, nestasitua-ão, quem seria c8amado a atuar fosse 7an/ 7artins

As cirurgias nestas condi-es, quando bem5sucedidas,eram consideradas verdadeiros milagres Um memorialistaconta5nos um desses casos milagrosos* um escravo com a

perna quebrada na altura da coIa tentou encan.5la tr9svezes, sem sucesso, at/ a interven-ão cir:rgica Oestescasos tudo indicava a amputa-ão, mas o cirurgião optou poruma interven-ão mais elaborada* cortou as eItremidades doosso rompido, e o indivLduo recuperou5se As informa-esdo memorialista foram obtidas em uma incursão nacapelin8a de sen8ora Santana em 'uro Preto, em fins dos/culo passado (<abral, !F!, p B)

's vLnculos estabelecidos entre o cirurgião e a sociedade,conseqQentemente, não eram muito tranqQilizadores, poisassociavam5se imediatamente Js dores lancinantes dainterven-ão cir:rgica $sso talvez 6ustifique a posi-ão inferior

do cirurgião em rela-ão ao m/dico, al/m da associa-ão docirurgião com a carne, aberta em c8agas, coberta de

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sangue Oo perLodo medieval, entre as profissesconsideradas desprezLveis encontramos o m/dico e,principalmente, o cirurgião (;e %off, !", p "F)4 Deacordo com ;e %off (op cit), a sociedade sanguin.ria do'cidente medieval oscilava ente o deleite e o 8orror pelo

sangue derramado, não escapando do desprezo o cirurgiãoe at/ o m/dico' cirurgião no rasil / +descendente1 direto do barbeiro

Oovamente, c8amo aten-ão para uma das gravuras deDebret (!4", p 3), em que se l9 na placa da barbearia*Mbarbeiro, cabeleireiro, sangrador, dentista e deitão de biIas(sic )M =. uma desqualifica-ão inerente ao trabal8o servil, ea sua aproIima-ão com atividades consideradas pouconobres se d. facilmente

Por outro lado, confiar naval8as afiadas aos escravos nãodeiIava de ser algo arriscado 's que se su6eitavam aosseus servi-os não deiIavam de correr certos riscos pelo

simples ato do barbear, em movimentos violentos <orriamboatos em Diamantina, no final do s/culo 0$0, sobre umbarbeiro eIcelente, mas meio amalucado ou détra7ué, seutilizarmos a eIpressão da /poca Entre as suasdesventuras contava5se que saiu fugido de 'uro Preto,antes de se fiIar em Diamantina, por ter pressionado, al/mda medida, a naval8a no pesco-o de um desafeto 'instrumental de trabal8o do barbeiro transformava5serapidamente em arma perigosa, e o ataque sempre colocavaem posi-ão de vantagem o barbeiro, lidando com a cabe-ado clienteCinimigo

Podemos observar tamb/m uma nLtida divisão de tarefasentre o m/dico e o cirurgião, indicando o desprestLgio(atividade menos qualificada) do segundo com rela-ão aoprimeiro

Em terras sem m/dicos nem cirurgies formados, asinterven-es eram realizadas por curiosos ou por aquelesque, por proIimidade de ofLcio, aventuravam5se a cuidar dasa:de al8eia =. notLcias de que os farmac9uticosrealizavam pequenas interven-es cir:rgicas, colocavam osbra-os e pernas quebrados no lugar e at/ realizavamalgumas amputa-es, quando tudo indicava esseprocedimento Dois farmac9uticos de 7ontes <laros, navirada do s/culo, ficaram con8ecidos não apenas pelaefici9ncia em receitar, mas tamb/m pelas pequenas

interven-es cir:rgicas que realizavam* MEus/bio Sarmentoe <ristiano de '1 marcaram /poca em 7ontes <laros quaseningu/m procurava o m/dico sem ter ouvido primeiro aopinião de um destes doisM (Paula, !4!, p F)

De acordo com o dr 7ourão (!R3, p B!R), 8avia em!B quatro m/dicos na cidade de Po-os de <aldas, mascomo um deles faleceu logo no inLcio do s/culo, naquele anoa popula-ão contou com tr9s ou talvez apenas dois m/dicos<omputada a popula-ão da cidade na /poca, concluLmos quea m/dia de paciente por m/dico permanecia muito baiIaEssas informa-es, ao que tudo indica, não diferemsignificativamente de outras cidades Em Pitangui, temos

notLcias de dois m/dicos no final do s/culo 0$0 (PatrLcio,!F, p 4)

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  ' espa-o para eIercer outras atividades, que não a dem/dico e cirurgião formados, continuou aberto at/ fins dos/culo 0$0 Oeste longo camin8o de implementa-ão docon8ecimento m/dico acad9mico 6unto J sociedade, 8.alguns pontos a serem considerados* por um lado, a

eIist9ncia de poucos m/dicos formados, a falta de 8.bito dapopula-ão de recorrer aos seus servi-os, e a cren-a naspr.ticas tradicionais Por outro, 8avia todo um movimentovisando definir, com maior clareza, a atua-ão de cada umdesses profissionais A marca definidora desse movimentoreferia5se J forma-ão acad9mica e valoriza-ão da forma-ãointelectual, institucionalizada para desempen8o destasfun-es, em contrapartida a pr.ticas caseiras, apelos a f/ esupersti-es Oessa tra6et>ria, a defini-ão das atividades dobarbeiro limitadas ao corte de cabelos e barbas obtevesucesso

Notas: 

 Esta edi-ão est. disponLvel na biblioteca da #aculdade de #arm.cia daUniversidade #ederal de 7inas %erais (U#7%) A primeira / de " ;uiz Oapoleão<8ernoviz era m/dico de origem polonesa e atuou durante aproIimadamente Ranos #oi autor de duas obras bastante populares no rasil* o pr>prio guia eo 3iccion4rio de medicina popular e das sciencias accessorias (3 vols)

3 Esta e outras eIpresses, tais como barbeiro, cabeleireiro, sangrador, dentista edeitão de biIas (sic ) aparecem na placa de uma lo6a de barbeiros da gravura deDebret (!4", p 3)

B A edi-ão consultada / de ! (4a), e anunciava no seu pr>logo que Ma aceita-ãoconstante obtida pelo formul.rio m/dico do dr <8ernoviz nos impe o dever demant95lo sempre a par de todos os adiantamentos e descobertas terap9uticas e daci9ncia medicinaM

 ;@curgo Santos #il8o (!!, pp B"53) lista uma s/rie de guias de medicinapopular Al/m do <8ernoviz, podemos citar Medicina doméstica, de Villiamuc8an 3icion4rio médico pr4tico para uso dos 7ue tratam da sa#de p#*lica onden8o h4 pro)essores de medicina, de ?oão ;opes < 7ac8ado e - médico e ocirurgi8o da ro9a, de ;ouis #ran-ois on6ean

R

 Al/m de v.rias refer9ncias Js obras de <8ernoviz na documenta-ão consultada,ao que tudo indica estas publica-es foram um sucesso editorial (%on-alves, !",p 4)

F Uma das fun-es destes almanaques era servir como indicadores profissionaisSão editados por cidade e divididos por temas A partir das profisses, são listadosos nomes dos profissionais com os respectivos endere-os

4 Minas )armac!utica (elo =orizonte, no B, !B, pp 5) 

" As listas que c8egaram at/ os arquivos não estão completas A partir da c8amadapopula-ão reconstituLda, calculou5se a popula-ão estimada Este trabal8o de

reconstitui-ão das listas foi realizado pela equipe de 8ist>ria demogr.fica do <entrode Desenvolvimento e Plane6amento &egional da #aculdade de <i9ncias EconZmicasda Universidade #ederal de 7inas %erais (<edeplarCU#7%), sob a coordena-ão de

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<lotilde Paiva e 7arcelo 7agal8ães %odo@ =., tamb/m, para a provLncia de 7inas%erais o censo realizado em "4

! Santos #il8o (!!, p B) descreve o barbeiro do s/culo 0$0 como MindivLduo debaiIa condi-ão, mulato ou negro, escravo ou livreM

 Para aqueles que eIerciam a profissão de barbeiro, a licen-a era obtida mediantepagamento das taIas estipuladas (ole98o das eis da Assem*léia egislativa5rovincial de Minas Gerais, ano 0002$$$, parte , resolu-ão , 44, 3 de setembrode "4, artigo ) 

 #oi possLvel mapear esta regulamenta-ão atrav/s das ole9;es das eis da Assem*léia egislativa 5rovincial de Minas Gerais e dos c>digos de postura dev.rios municLpios mineiros, nos :ltimos cinqQenta anos do s/culo passado As duass/ries documentais encontram5se disponLveis no Arquivo P:blico mineiro

3 Esta eIig9ncia não se referia apenas aos barbeiros Nodas as atividadesprofissionais citadas pelos c>digos de posturas estavam su6eitas a formas variadasde controle e fiscaliza-ão Oão / possLvel, a partir dos c>digos, inferir at/ que pontoestes dispositivos legais eram seguidos ou não

B Entre estas intermedia-es podemos citar as parteiras, os raizeiros, os tira5bic8as, os barbeiros, os ciganos etc

 A argumenta-ão predominante ap>ia5se na aus9ncia de forma-ão de certos +profissionais1, que são identificados com c8arlates

R A utiliza-ão do /ter com sucesso ocorreu nos Estados Unidos em "F e, nomesmo ano, a notLcia se espal8ava pela Europa e pelo mundo (Scliar, !!F, pp

!B5) Sobre o mesmo tema, uma descri-ão mais detal8ada pode ser encontradaem N8orald (s d, p 34)

F Oa d/cada de "", 6. 8aviam sido divulgados no meio acad9mico osprocedimentos de 8igieniza-ão dos instrumentos cir:rgicos e das feridas, de ummodo geral, com mais do que .gua e sabão 's estudos de Semmeleis (""5FR),e posteriormente ;ister ("345!3), indicavam a necessidade de utiliza-ão desolu-es mais eficazes na 8igieniza-ão dos instrumentos ;ister utilizou5se de v.riasdilui-es do .cido carb>lico Al/m disso, introduziu toda uma sistem.tica de8igieniza-ão* troca peri>dica das roupas 8ospitalares, separa-ão dos leitos a umacerta distncia uns dos outros, entre outras medidasDe acordo com o dicion.rio do dr <8ernoviz ("!, p ), encontramos

indica-es para emprego da solu-ão de .cido f9nico na 8igieniza-ão das feridas*verbetes feridas +tratamento geral e complica-ão das feridas1 e .cido f9nico

4 A lista / eItensa e inclui, entre outros, soldados, prostitutas, mercadores,barbeiros, carniceiros, alquimistas, tripeiros etc

REFERÊNI!" BIB#IO$R%FI!" 

Andrade, 7oac@r !"3 +<oisas da medicina no inLcio de elo =orizonte1 2evista do Ar7uivo 5#*lico Mineiro, vol BB n[ IIIiii \ ;in]s ^

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Arno, <iro !F Memória de um estudante 3a ed, elo =orizonte,'l@mpica \ ;in]s ^

<abral, =enrique arbosa da Silva !F! -uro 5reto elo =orizonte, sed \ ;in]s ^

<amargo, 7aria N8ereza ; A !4F Medicina popular  &io de ?aneiro, 7E<, pR \ ;in]s ^

<8ernoviz, ; O "! 3icion4rio de Medicina 5opular  Paris, A &oger e # <8ernoviz,vol \ ;in]s ^

<ruz, %ilberto ;uiz da !FR ivro verde das plantas medicinais e industriais noBrasil  elo =orizonte, s ed \ ;in]s ^

Debret, ?ean aptiste !4" <iagem pitoresca e histórica ao Brasil  São Paulo, Edusp,vol $ \ ;in]s ^

#oucault, 7ic8el +'rigens da medicina social1 e +' nascimento do 8ospital1<onfer9ncias pronunciadas entre outubro e novembro de !4 no $nstituto de7edicina Social da UE&? (mimeo)

%on-alves, %eraldo Vilson !" 5ro)iss8o e educa98o médicas #ortaleza,Universidade #ederal do <ear., <ole-ão Pensamento Universit.rio \ ;in]s ^

%ordon, & !!R +A conquista da dor1 Em A assustadora história da medicina &iode ?aneiro, Ediouro \ ;in]s ^

;e %off, ?acques !" +Profisses lLcitas e profisses ilLcitas no 'cidente medieval1

Em 5ara um novo conceito de Idade Média ;isboa, Estampa \ ;in]s ^

;ebrun, #ran-ois !"R +'s cirurgies5barbeiros1 Em ?acques ;e %off (org), Adoen9a tem história ;isboa, Nerramar \ ;in]s ^

7acedo, ?oaquim 7anuel de "4F =m passeio pela cidade do 2io de >aneiro Apud  Santos #il8o, !!, p B

7ac8ado, &oberto et alii  !4" A dana98o da norma &io de ?aneiro,%raal \ ;in]s ^

7oraes Silva, Antonio e #reire, ;audelino !33 3iccionario de íngua 5ortuguesa&io de ?aneiro, ;it8o5N@pograp8ia #luminense \ ;in]s ^

7orle@, =elena !FF Minha vida de menina !a ed, &io de ?aneiro, ?os/'l@mpio \ ;in]s ^

7ourão, 7.rio !R3 5o9os de aldas: síntese histórica e social  3a ed, elo=orizonte, Saraiva \ ;in]s ^

Paiva, <lotilde e Arnaut, ;uiz D = !! +#ontes para o estudo de 7inas'itocentista* listas nominativas1 Anais do < "emin4rio so*re /conomia Mineiraelo =orizonte, pp "R5F \ ;in]s ^

PatrLcio, ?oaquim !F 6iguras e )atos do meu tempo elo =orizonte, ernardoYlvares \ ;in]s ^

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Paula, =ermes !4! Montes laros* sua história, sua gente, seus costumes elo=orizonte, 7inas %r.fica \ ;in]s ^

&abello, Ecl/sia !FF <orreia 4 em casa era assim elo =orizonte,Siderosiana \ ;in]s ^

S. AleIina !R4 a?am*u de ontem e de ho@e &io de ?aneiro, $rmãosPongetti \ ;in]s ^

Saint5=ilaire, Auguste de !4 "egunda viagem do 2io de >aneiro a Minas Gerais ea "8o 5aulo elo =orizonteCSão PauloC$tatiaiaCEdusp \ ;in]s ^

Santos #il8o, ;@curgo !! História geral da medicina *rasileira São Paulo,=ucitecCEdusp, vol $$ \ ;in]s ^

Santos #il8o, ;@curgo !"4 +7edicina no perLodo imperial1 Em S/rgio uarque de=olanda (org), História geral da civili&a98o *rasileira Fa ed, São Paulo,

=ucitecCEdusp, vol $$$, tomo 3, pp F45"! \ ;in]s ^

Scliar, 7oac@r !!F A pai?8o trans)ormada São Paulo, <ompan8ia das;etras \ ;in]s ^

N8omas, _eit8 !! 2eligi8o e declínio da magia São Paulo, <ompan8ia das;etras \ ;in]s ^

N8orald, ?urgen s d - século dos cirurgi;es São Paulo, =emus \ ;in]s ^

&ecebido para publica-ão em setembro de !!"Aprovado em dezembro de !!"