Bagatela Do Direito Civil

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CONTRATOS INSIGNIFICANTES: BREVE ESTUDO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E SUA APLICAÇÃO AO DIREITO CIVIL Guilherme Prado Bohac de HARO 1 Valéria Prado Bohac de HARO 2 RESUMO: O presente trabalho visa trazer, de forma sintética e superficial, sementes de reflexão aos pensadores do Direito sobre a possibilidade (ou não) da aplicação do Princípio da Insignificância ou da Bagatela, tão conhecido pelos cientistas penais, à esfera do Direito Civil, mormente à Teoria Geral dos Contratos. Além disso, busca apresentar critérios ou mecanismos de aplicação do referido Princípio ao caso concreto. Palavras-chave: Princípio. Insignificância. Aplicação. Direito Civil. Contratos. Teoria Geral. 1 INTRODUÇÃO O Direito, assim como toda Ciência, é sistêmico. Suas ramificações ou áreas devem ser interpretadas como integrantes de um conjunto coeso e harmônico. Não há institutos totalmente apartados ou isolados dos demais ramos; por mais que se queira ilhar um conceito jurídico afastando-o de qualquer outro, ao menos, tal instituto deverá subserviência à Constituição, ou melhor, aos Princípios Constitucionais. Em resumo, não é possível afirmar a existência de um juízo jurídico totalmente estanque e sem qualquer nível de comunicabilidade com os demais. Quando se trata de um princípio, o grau de interdependência é ainda maior. É muito mais difícil e raro encontrar exemplo de um princípio com posição insular em relação aos institutos que o circundam. 1 Bacharel pela Faculdade de Direito da Instituição Toledo de Ensino de Presidente Prudente. Pós- graduando em Direito Civil e Processo Civil pela Instituição Toledo de Ensino de Presidente Prudente. Bolsista do Programa de Iniciação Científica da Toledo, integrante do Grupo de Estudos “Novas Perspectivas do Conhecimento – Processo Civil Moderno (Processo de Conhecimento e Acesso à Justiça)”, sob a orientação do professor-doutor Gelson Amaro de Souza. Integrante voluntário do Grupo de Estudos para Iniciação Científica “Estado, Sociedade e Desenvolvimento”, sob a orientação do professor-mestre Sérgio Tibiriçá Amaral. Advogado. E-mail: [email protected]. 2 Bacharel pela Faculdade de Direito da Instituição Toledo de Ensino de Presidente Prudente. Advogada militante na comarca de Presidente Prudente – SP.

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  • CONTRATOS INSIGNIFICANTES: BREVE ESTUDO DO PRINCPIO DA INSIGNIFICNCIA E SUA APLICAO AO DIREITO CIVIL

    Guilherme Prado Bohac de HARO1 Valria Prado Bohac de HARO2

    RESUMO: O presente trabalho visa trazer, de forma sinttica e superficial, sementes de reflexo aos pensadores do Direito sobre a possibilidade (ou no) da aplicao do Princpio da Insignificncia ou da Bagatela, to conhecido pelos cientistas penais, esfera do Direito Civil, mormente Teoria Geral dos Contratos. Alm disso, busca apresentar critrios ou mecanismos de aplicao do referido Princpio ao caso concreto.

    Palavras-chave: Princpio. Insignificncia. Aplicao. Direito Civil. Contratos. Teoria Geral.

    1 INTRODUO

    O Direito, assim como toda Cincia, sistmico. Suas ramificaes ou reas devem ser interpretadas como integrantes de um conjunto coeso e harmnico. No h institutos totalmente apartados ou isolados dos demais ramos; por mais que se queira ilhar um conceito jurdico afastando-o de qualquer outro, ao menos, tal instituto dever subservincia Constituio, ou melhor, aos Princpios Constitucionais. Em resumo, no possvel afirmar a existncia de um juzo jurdico totalmente estanque e sem qualquer nvel de comunicabilidade com os demais.

    Quando se trata de um princpio, o grau de interdependncia ainda maior. muito mais difcil e raro encontrar exemplo de um princpio com posio insular em relao aos institutos que o circundam.

    1 Bacharel pela Faculdade de Direito da Instituio Toledo de Ensino de Presidente Prudente. Ps-graduando em Direito Civil e Processo Civil pela Instituio Toledo de Ensino de Presidente Prudente. Bolsista do Programa de Iniciao Cientfica da Toledo, integrante do Grupo de Estudos Novas Perspectivas do Conhecimento Processo Civil Moderno (Processo de Conhecimento e Acesso Justia), sob a orientao do professor-doutor Gelson Amaro de Souza. Integrante voluntrio do Grupo de Estudos para Iniciao Cientfica Estado, Sociedade e Desenvolvimento, sob a orientao do professor-mestre Srgio Tibiri Amaral. Advogado. E-mail: [email protected]. 2 Bacharel pela Faculdade de Direito da Instituio Toledo de Ensino de Presidente Prudente.

    Advogada militante na comarca de Presidente Prudente SP.

  • Isso porque o princpio, como o prprio nome sugere, , essencialmente, uma norma de relao. Por ser mais genrico e abstrato que as demais normas jurdicas (regras), natural que um princpio permeie um nmero mais ou menos elevado de regras de direito, mostrando-se espontaneamente sistmico.

    H princpios que so aplicados a todos os ramos do Direito. Existem tambm os princpios destinados a apenas uma esfera jurdica e, ainda, h aqueles em que so empregados somente a determinada ramificao da Cincia Jurdica ou a instituto especfico.

    Mesmo dentro da Teoria dos Princpios, fcil identificar que existem princpios que so mais abstratos e genricos que os demais, como a Dignidade da Pessoa Humana, o mais elevado princpio da Hermenutica Constitucional, verdadeiro valor supremo de todo Sistema Jurdico. Do mesmo modo, h outros que possuem aplicao mais restrita, aproximando-se do status de regra, como o princpio da soberania dos veredictos, aplicvel ao Tribunal do Jri.

    O Princpio da Insignificncia pode se enquadrar em uma ou outra classificao de abstrao dependendo do modo pelo qual ele observado. Com relao Cincia Penal, ele possui aplicao irrestrita, funcionando como verdadeiro valor basilar do sistema jurdico penal moderno. No entanto, quando se olha de fora, ou melhor, quando se quer verificar at que ponto o Princpio da Insignificncia se espalha pelas outras esferas do Direito, parece haver uma diminuio de importncia, pois no possvel enquadr-lo como um Princpio Geral do Direito (no possui abstrao e irradiao sistmica para tanto).

    Mas no por isso que o Princpio em estudo perde sua importncia. Na verdade, um dos princpios que possui maior relevncia prtica, pois, em conformidade com o que se buscar demonstrar, admitir ou no a sua aplicao em determinados casos pode revolucionar a vida social e todo o aparelho jurisdicional estatal.

    Exarado esse breve raciocnio introdutrio, ser buscado nos captulos seguintes analisar a viabilidade prtica ou no da destinao do referido princpio em sede contratual, em especial no mbito da execuo por meio do aparato

  • judicirio. Em sntese, intenta-se responder se possvel ou no a aplicao do Princpio da Bagatela ao Direito Civil e at que ponto a execuo judicial pode ser obstada em razo do efetivo emprego prtico deste.

    Por ser tema que ainda est no incio de sua germinao, ser evitado tomar posies absolutas com relao aplicao ou no do Princpio da Insignificncia Teoria dos Contratos. So temas das linhas a seguir.

    2 O SIGNIFICADO DE INSIGNIFICNCIA

    De acordo com o Dicionrio na Lngua Portuguesa3, insignificncia, que dizer: 1. Qualidade de insignificante. 2. V. ninharia; e insignificante: Que no tem valor; reles.

    O conceito coloquial de algo insignificante , realmente, aquilo que tem pouco valor ou pouca relevncia. Essa acepo popular a mesma empregada no Direito. Entretanto, simplesmente para fins de estudo do tema, a insignificncia aqui ser qualificada de jurdica.

    Em poucas palavras, aplicar o Princpio da Insignificncia ou Bagatela em sede do Direito Contratual (e sua consequente execuo em juzo) buscar encontrar no mundo dos fenmenos jurdicos, o que e o que no juridicamente relevante, no sentido de fazer valer a pena movimentar a mquina judiciria para que seja apreciado o mrito de determinada demanda. Em sntese, saber at que ponto o Poder Judicirio tem o dever de apreciar tudo que chega at ele, e at que limite ele poder rejeitar a apreciao de um processo em razo da falta de significncia jurdica deste.

    3 FERREIRA, Aurlio Buarque de Hollanda. Miniaurlio: o minidicionrio da lngua portuguesa. 6. Ed.

    Ver. Amp. Curitiba: Posigraf, 2004, p. 403 (os dois verbetes).

  • A seara jurdica na qual o Princpio da Insignificncia teve sua devida sistematizao foi a do Direito Penal4. Os exemplos de aplicao de tal princpio em sede de julgamentos no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justia5 demonstram casos variados onde sua aplicao vivel, no entanto, todos esses julgados radicam no mesmo mbito, a atipicidade (material) do delito (ou seja, matria estritamente penal)6.

    Foi exatamente no Supremo Tribunal Federal, em sede o julgamento do HC 84.412, onde se estabeleceu os parmetros ou critrios jurdicos de aplicao do Princpio Bagatelar.

    3 NATUREZA JURDICA DA INSIGNIFICNCIA JURDICA

    A primeira impresso que surge, ao analisar na esfera do Direito Civil a Insignificncia Jurdica, a de que ela torna a causa de pedir juridicamente impossvel7.

    No entanto, por meio de uma anlise mais acurada e refletida, o instituto em estudo parece mais se aproximar da construo jurdica conhecida

    4 Ver, para aprofundar o tema, a obra de Claus Roxin, Poltica Criminal e Sistema Jurdico-penal (Rio

    de Janeiro: Renovar, 2000). A atual concepo e sistematizao que se tem do Princpio da Insignificncia se deve, principalmente, a Roxin, nesta obra de valor mpar. 5 So exemplos: (HC 107.572-SP, STJ, Sexta Turma. Rel. Min. Celso Limongi Desembargador

    convocado do TJ-SP, julgado em 14/04/2009); 6 Luiz Flvio Gomes, expoente da Cincia Penal, um dos maiores contribuintes para um Direito Penal

    mais raciocinado e humano, possui diversos trabalhos sobre o tema, com grande partes deles publicados online, em seu prprio portal jurdico, entre eles se destacam os seguintes: GOMES, Luiz Flvio; RUDGE, Elisa M. Princpio da Insignificncia de carteira de trabalho. Disponvel em HTTP://www.lfg.com.br. 08 de maio de 2009. GOMES, Luiz Flvio; DONATI, Patrcia. A questo da insignificncia nos crimes tributrios e descaminho. Disponvel em HTTP://www.lfg.com.br. 16 de abril de 2009. Alm disso, possui obra especfica sobre o tema. GOMES, Luiz Flvio. Princpio da Ofensividade no direito penal. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. 7 Sendo assim, integrante do conceito de uma das condies das aes (possibilidade jurdica). Na

    seo 4 do presente artigo, principalmente quando se explana sobre o critrio da Tarifao, onde a lei dever estabelecer o quantum daquilo que ser considerado insignificante, o conceito de possibilidade jurdica parece ser ainda mais adequado.

  • como interesse de agir8. Fica claro que, na maioria das vezes, no h utilidade (que decorrente do prprio interesse de agir) em promover uma demanda de pequena monta. Isso porque as despesas processuais, os aborrecimentos jurdicos e a falta de certeza firme e concreta do resultado favorvel, muitas vezes, faz transparecer prejuzo real em se ajuizar um demanda insignificante.

    4 MECANISMOS OU CRITRIOS PARA APLICAO DO PRINCPIO

    Para a aprofundar um pouco mais sobre o tema, nas sees a seguir sero apresentados alguns critrios que podero informar o intrprete quando da aplicao do Princpio da Bagatela ao caso concreto.

    No so critrios absolutos nem mesmo os nicos, mas so aqueles que mais se adquam ao princpio em estudo.

    4.1 Critrio da Tarifao

    Segundo o Critrio da Tarifao, o conceito do que juridicamente significante dever estar matematicamente definido em norma especfica. Assim, a depender da regulamentao legal, insignificante pode ser aquilo inferior a um salrio mnimo, a metade de um salrio mnimo, ao valor mnimo de certo benefcio previdencirio, a cem reais etc. As possibilidades so infinitas.

    8 Radicando, tambm, no conceito de uma condio da ao (alis, a principal condio).

  • O ponto positivo de tal mtodo a segurana jurdica por ele preservada. Outrossim, mais fcil e previsvel e aqui reside a segurana saber o que ser ou no considerado bagatela no caso concreto. Tudo o que estiver abaixo daquele valor legal dar permisso aplicao do Princpio da Insignificncia.

    No entanto, o fator negativo demonstra ser mais relevante do que o contedo positivo de tal critrio. Explica-se.

    Todo critrio tarifado costuma desprezar qualquer juzo de valor do caso concreto. Sendo assim, bastaria ao intrprete simplesmente adequar o fato jurdico ao texto de lei (hiptese) que, desta operao lgica, surgir a soluo prtica do caso (consequncia jurdica). No se leva em conta, como se v, o caso particular. Isso no desejvel, pois um salrio mnimo9 pode ser considerado insignificante para certa pessoa, mas, certamente, haver aquele que dar muita relevncia a esse montante. um critrio muito frio.

    Em sntese, ao adotar o critrio da tarifao legal sempre se correr o risco de praticar injustias no caso concreto. Por mais baixo que seja o valor estabelecido, sempre haver algum que dar significncia a ele e, caso essa pessoa tenha sua demanda prejudicada em razo da aplicao do Princpio da Insignificncia, ocorrer, certamente, uma verdadeira injustia.

    4.2 Critrio do Custo da Demanda

    Com base no mecanismo de aplicao baseado no Custo da Demanda, o Princpio da Insignificncia ser acionado sempre em que o valor gasto com o processo for maior que a vantagem patrimonial imediata a ser obtida pela parte no momento da prolao da sentena.

    9 A ttulo de exemplo.

  • Desse modo, por meio de um juzo de prognstico, buscar-se- aferir o custo-benefcio do processo, ou seja, se a demanda compensa.

    O critrio do Custo Processual muito se assemelha ao critrio da Tarifao, alis, poderia at ser considerado uma subcategoria deste. Isso acontece porque h tambm aqui uma tarifao, embora em menor grau, pois o valor do processo que fixa os limites da insignificncia. No entanto e aqui reside o diferencial , este valor no ser esttico (fixo), variando para cada espcie de demanda interposta em juzo.

    Em sede de execuo (cumprimento de sentena), o Cdigo de Processo Civil parece trazer uma norma embrionria daquilo que no futuro pode se tornar o substrato antigo da aplicao do Princpio da Insignificncia em sede civilista. No captulo que se trata da execuo por quantia certa contra devedor solvente, mais especificamente da subseo da penhora e do depsito, o Estatuto Processual possui o seguinte dispositivo, in verbis: No se levar a efeito a penhora quando evidente que o produto da execuo dos bens encontrados ser totalmente absorvido pelo pagamento das custas da execuo (art. 659, 2).

    De acordo com Araken de Assis, tal norma procedimental reconhece o Princpio do Resultado, que visa tutelar o devedor, no se admitindo, assim, a penhora intil (art. 659, 2), assim se entendendo a constrio de bens cujo valor seja insignificante ou se revelam incapazes de satisfazer o crdito10 (sem negrito no original). Dessa forma, j existe em nosso sistema processual civil uma espcie de anlise da viabilidade da demanda (executria), pois ser intil prosseguir com a execuo quando somente se encontrarem bens para custe-la, ou seja, o credor no obter nenhuma utilidade ao final do processo11.

    Em matria de execuo tributria parece j haver em nosso sistema uma espcie de tarifao pelo custo processual eis que a Lei 11.033/2004, em seu art. 21, fixou o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) como montante relevante para se dar incio ao ajuizamento de execuo fiscal de tributos federais. Em outras palavras, o crdito abaixo deste valor no relevante para fins fiscais e, portanto, no se justifica o incio de uma execuo fiscal. Esse mesmo limite foi reiterado na 10

    ASSIS, Araken de. Cumprimento da sentena. Rio de Janeiro: Forense, 2007. 11

    Faltar-lhe-ia, portanto, interesse de agir.

  • Medida Provisria 449/08 (art. 1, 1). O STF j admitiu esse valor como sendo o limite para aplicao do princpio da insignificncia (HC 92.740. Rel. Min. Carmen Lcia 19.02.08. HC 92.438-PR. Rel. Min. Joaquim Barbosa 18.08.08. HC 95.479-8-PR. Rel. Min. Eros Grau).

    O trao positivo de tal critrio que, com base nele, o Judicirio somente trabalhar quando a demanda for economicamente12 relevante, tomando-se por base estudos e dados estatsticos do custo processual completo de cada espcie de litgio. Assim, por exemplo, determinada ao de conhecimento que vise obter indenizao por danos materiais, s ser juridicamente possvel quando o valor do bem da vida obtido ao final do processo for igual ou maior que seu prprio custo.

    Como deve ter ficado claro, esse um critrio odioso e que funcionaria como verdadeiro super limitador da garantia da Inafastabilidade da Jurisdio13. No se pode vincular o valor da causa com a efetiva prestao jurisdicional. Alis, o Poder Judicirio e as Funes Essenciais Justia no so remunerados pelas partes14. No se trata de perguntar se compensa mover o aparato jurisdicional, mas sim at que ponto haver desrespeito a garantias fundamentais quando o Poder Judicirio no atuar nestes casos.

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    Conforme ficou demonstrado, o que importa a anlise da relevncia jurdica da demanda e no sua viabilidade econmica. 13

    Como se sabe, nem mesmo a garantia da Inafastabilidade Jurisdicional absoluta. Existem vrios limitadores diretos e indiretos como, por exemplo, as regras bsicas de postulao exaradas em leis diversas. Nesse sentido a lio de Alexandre de Moraes, in verbis: O fato de a Constituio Federal reconhecer a todas as pessoas o direito a obter a tutela judicial efetiva por parte dos juzes ou Tribunais no exerccio de seus direitos e interesses legtimos no a desobriga ao cumprimento s condies da ao e dos pressupostos processuais legalmente estabelecidos. Dessa forma, essas previses no encontram nenhuma incompatibilidade com a norma constitucional, uma vez que se trata de requisitos objetivos e genricos, que no limitam o acesso Justia, mas regulamentam-no. Portanto, a necessidade de serem preenchidas as condies da ao e os pressupostos processuais, bem como a observncia dos prazos prescricionais e decadenciais para o exerccio do direito de ao, so previses que, apesar de limitadoras, caracterizam-se pela plausibilidade e constitucionalidade (In: Constituio do Brasil Interpretada e Legislao Constitucional. 5. ed. So Paulo: Atlas, 2005, p. 293). Ainda, na mesma esteira o STF: Os princpios constitucionais que garantem o livre acesso ao Poder Judicirio, o contraditrio e a ampla defesa, no so absolutos e ho de ser exercidos, pelos jurisdicionados, por meio das normas processuais que regem a matria. No se constituindo negativa de prestao jurisdicional e cerceamento de defesa a inadmisso de recursos quando no observados os procedimentos estatudos nas normas instrumentais (STF Pleno Ag. Rg. N 152.676/PR Rel. Min Maurcio Corra). No Direito s existe uma coisa absoluta, a Dignidade da Pessoa Humana (e o direito de no ser torturado, que decorrncia lgica da Dignidade). 14

    A no ser, indiretamente atravs de exaes tributrias, lgico.

  • 4.3 Critrio da Clusula Geral

    O presente critrio preceitua que o Princpio da Insignificncia deve ser aplicado ao caso concreto com base em um artifcio normativo hoje em dia muito utilizado denominado clusula geral.

    Ainda nos dias atuais existem juristas que possuem verdadeira ojeriza s clusulas gerais. No admitem deixar ao alvedrio do intrprete o alcance de certa norma jurdica. Isso porque faltaria segurana jurdica por no se saber ao certo qual o nmero de casos a norma abarcaria. A amplitude da norma seria por demais incerta, permitindo, eventualmente, casos de verdadeiro abuso arbitrrio da exegese legal.

    Contudo, esse um pensamento antiquado e fora do contexto hodierno.

    J se foi o tempo em que se buscava, utopicamente, a perfeio legislativa. No passado, j se chegou at mesmo a proibir-se a figura do intrprete, pois o Cdigo no deveria possuir lacunas.

    Com o passar das dcadas, a Cincia Jurdica foi se aprimorando e, a partir da concepo ps-positivista, os princpios passaram a ser vistos como verdadeiras normas, dotadas de efeito vinculante s demais.

    Foi somente depois de se apegar a uma viso que admitia a imperfeio do sistema que se buscou encontrar mecanismos para integr-lo. Ento, os princpios ganharam efetividade e as clusulas abertas comearam a surgir.

    O melhor exemplo de clusula aberta a equidade, dita por muitos como a Justia no caso concreto.

    bem verdade que as clusulas abertas permitem um juzo de valor mais elastecido (e menos parametrado) a ser elaborado pelo intrprete.

  • Aqui reside o receio jurdico daqueles que propugnam pela menor incidncia possvel e, se praticvel, a extino das clusulas abertas.

    Entretanto, aps a devida maturao da Cincia Jurdica, na qual se passou a reconhecer a fora normativa plena da Constituio (Hesse), esse termor no tem mais razo de ser.

    Atualmente, os Princpios Constitucionais e os Direitos e Garantias Fundamentais elencados na Constituio tem reconhecida eficcia plena, sendo verdadeiros limitadores e vetores de interpretao de qualquer fenmeno jurdico produzido.

    Sendo assim, por mais aberta que seja uma clusula ou, por mais amplo que possa ser um juzo, sempre haver preceitos15 basilares que, uma vez desrespeitados, daro margem devida correo (invalidao ou convalidao) jurisdicional.

    Se uma norma, por exemplo, contiver em seu corpo a seguinte clusula: (...), a critrio do magistrado. Essa seria uma clusula superaberta, e daria margem a um juzo amplssimo de valor. Todavia, a deciso do juiz (intrprete), levando em conta o preceito aberto da norma, em hiptese alguma, poder violar um Direito Fundamental, um Princpio Constitucional (e, porque no, legal) ou o Valor Supremo da Dignidade Humana.

    Em resumo, nada impede de haver um sistema16 permeado de clusulas abertas (como j o atual Cdigo Civil) e, ainda menos, quando se trata de um Princpio, que j abstrato por natureza.

    Dito isso, passar-se- a anlise dos prs e contras da adoo de tal critrio.

    O ponto positivo desse mtodo que com base nele haver a maior aproximao com o caso concreto, podendo o juiz, ao verificar as particularidades do fato jurdico, decidir sobre a aplicao ou no do Princpio da Insignificncia. Com

    15

    Princpios, postulados, valores etc. Aqui no haver apego rgido a esses conceitos. 16

    Ao menos, saliente-se, um sistema de Direito Civil. No mbito do Direito Penal, por exemplo, sabido que a taxatividade postulado bsico do Princpio da Legalidade, impedindo, desse modo, a impreciso legislativa.

  • base na equidade (clusula aberta), por exemplo, o magistrado poder decidir se a demanda vivel ou no. Portanto, o juiz valorar cada caso de modo particular e especfico, ponderando se o pedido formulado em juzo se enquadra em uma hiptese de demanda juridicamente vivel.

    O ponto negativo o j referido receio jurdico da adoo de uma clusula aberta como critrio, levando-se em conta o temor da arbitrariedade e a incerteza concreta da aplicao (que, conforme exposto, no tem mais razo de ser).

  • 5 APLICAO DO PRINCPIO NO DIREITO CIVIL

    A partir daqui discutir-se- a apreciao do ponto nodal do presente artigo: a possibilidade ou no da aplicao do Princpio Bagatelar esfera do Direito Civil.

    importante afirmar desde j: a aplicao do princpio, caso admitida, deve ser excepcional. Ampliar demasiadamente sua incidncia seria violar princpios profundamente arraigados no sistema Processual Constitucional, como a dantes mencionada Inafastabilidade de Jurisdio.

    Em verdade, o principal, e talvez nico, relevante oponente da aplicao do Princpio da Bagatela em sede do Direito Civil o amplo acesso Justia17 garantido constitucionalmente.

    O raciocnio o seguinte: a norma do artigo 5, XXXV, da Constituio Federal reza que a lei no excluir da apreciao do Poder Judicirio leso ou ameaa de direito18; e, por sua vez, o Princpio da Insignificncia prega que, em alguns casos, o ato jurdico ser judicialmente irrelevante.

    Ora, como concili-los se parecem ser logicamente excludentes? No h frmula com preciso matemtica, pois s o caso concreto poder trazer respostas e, mesmo assim, como forma excepcional.

    Somente se fossem criados mecanismos auxiliares de soluo de pequenos litgios, mais especiais que os prprios Juizados Especiais, que se poderia pensar em uma ampliao da incidncia do Princpio. Por exemplo, caso fosse criada uma tutela de pequenssimas causas em sede cartorria, ou se o instituto da arbitragem fosse mais disseminado no pas, a desjudicializao que uma tendncia mundial poderia ser implementada nestes casos. 17

    Inafastabilidade da Jurisdio. 18

    Segundo Pedro Lenza as expresses leso e ameaa a direito garantem o livre acesso ao Judicirio para postular tanto a tutela jurisdicional preventiva como a repressiva. Apesar de ter por destinatrio principal o legislador (que ao elaborar a lei no poder criar mecanismos que impeam ou dificultem o acesso ao Judicirio), tambm se direciona a todos, de modo geral. In Direito Constitucional Esquematizado. 13. ed. So Paulo: Saraiva, 2009, p. 699.

  • 6 CONCLUSO

    Conforme ficou exarado desde o incio do presente trabalho, evitou-se tomar posies absolutas sobre o tema, porquanto se trata de verdadeira semeadura de reflexes ante ao ineditismo temtico, pois ainda no foi desejosamente desenvolvida a anlise da aplicao do Princpio da Insignificncia em seara civilista.

    Mas algumas coisas j so possveis de serem extradas. Em resumo, com a estruturao atual, e ante irrestrita eficcia do Princpio da Inafastabilidade de Jurisdio, realmente no possvel reprimir demandas juridicamente insignificantes. Somente com a criao de institutos desjudicializantes que ser possvel colocar em prtica a aplicao do princpio em estudo.

    A partir da, e somente ento, as informalmente denominadas brigas de vizinhos deixaro de abarrotar o Poder Judicirio, pois, muitas delas, como se sabe, conseguem chegar at a Corte Suprema, desvirtuando sua funo principal de Guardi da Carta Constitucional19. Alias, brocardo latino antigo de mininis non curat praetor, ou seja, dos fatos mnimos no deve cuidar o juiz, ou ainda, nos dizeres de Benjamin Disraeli (1804-1881), ingls, estadista e primeiro-ministro, pequenas coisas s afetam mentes pequenas.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    ASSIS, Araken de. Cumprimento da sentena. Rio de Janeiro: Forense, 2007

    ______. Manual do processo de execuo. 6. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. 19

    Veja, a ttulo de exemplo: GOMES, Luiz Flvio. Insignificncia: preciso ir ao STF para v-la reconhecida. Disponvel em HTTP://www.lfg.com.br. 23 de abril de 2009.

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