Avaliacao Das Pessoas Com Deficiencia - BPC

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Presidente da Repblica Federativa do Brasil Luiz Incio Lula da Silva Ministro do Desenvolvimento Social e Combate Fome Patrus Ananias Secretria Executiva Mrcia Helena Carvalho Lopes Secretria Executiva Adjunta Arlete Sampaio Secretria Nacional de Assistncia Social Ana Lgia Gomes Secretria de Avaliao e Gesto da Informao Laura da Veiga Secretria Nacional de Renda de Cidadania Rosani Cunha Secretrio Nacional de Segurana Alimentar e Nutricional Onaur Ruano Secretria de Articulao Institucional e Parcerias Heliana Ktia Tavares CamposAna Ligia Gomes SNAS/MDS Adriane Tomazelli Dias SNAS/MDS Ana Maria Bereohff Consultora Ana Maria Lima Barbosa SNAS/MDS Anderson Mota Moraes SNAS/MDS Camila Potyara Pereira SNAS/MDS Deusina Lopes da Cruz SNAS/MDS Ermelinda Cristina de Paula CGBENIN/INSS Germana Coutinho Cavalcanti INSS/Joo Pessoa/PB Ivania Tiburcio Cavalcanti INSS/Recife/PE Maria ngela M. Barreto Guimares Consultora Maria de Ftima Souza SNAS/MDS Maria Jos de Freitas SNAS/MDS Marinete Cordeiro Moreira INSS/Campos/RJ Miguel Abud Marcelino INSS/Petrpolis/RJ e Faculdade de Medicina de Petrpolis Neide Lazzaro INSS/Rio de Janeiro/RJ Paulo Kelbert INSS/Pelotas/RS Raimundo Nonato Lopes de Souza CGBENIN/INSS Tnia Mariza Martins Silva INSS/Salvador/BA Especialistas convidadas: Maria Luiza Amaral Rizotti SMAS/Londrina/PR Linamara Rizzo Batistella USP/SP

Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome Esta uma publicao tcnica da Secretaria Nacional de Assistncia Social e da Secretaria de Avaliao e Gesto da Informao.

Brasil. Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome. Avaliao das pessoas com deficincia para acesso ao Benefcio de Prestao Continuada da assistncia social: um novo instrumento baseado na Classificao Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Sade. / Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome; Ministrio da Previdncia Social .__ Braslia, DF: Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome; Ministrio da Previdncia Social, 2007. 188 p. ; 28 cm. ISBN: 978-85-60700-04-2 1. Pessoa com deficincia. Brasil. 2. Assistncia social. Brasil. 3. Previdncia social. Brasil. I. Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome. II. Ministrio da Previdncia Social. CDU 330.908

EXPEDIENTE Coordenao Editorial: Monica Rodrigues SAGI Edio e reviso: Lourdes Marinho SAGI Projeto grfico e diagramao: Ronald Neri Impresso: Prol Tiragem: 3.000 exemplares Novembro de 2007

Dedicamos este trabalho s pessoas com deficincia e a todos os brasileiros excludos da riqueza nacional.

APRESENTAO

O Governo Federal, em uma iniciativa indita na histria recente das polticas sociais brasileiras, instituiu por meio da Portaria n 001, de 15 de junho de 2005, Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), formado por tcnicos do Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome (MDS) e do Ministrio da Previdncia Social (MPS), para desenvolver estudos e pesquisas sobre Classificao de Deficincia e Avaliao de Incapacidades. O trabalho faz parte das aes que visam proposio de parmetros, procedimentos e instrumentos de avaliao das pessoas com deficincia para acesso ao Benefcio de Prestao Continuada da Assistncia Social (BPC). O BPC em vigor - desde 1 de janeiro de 1996 - refere-se proviso no contributiva da Assistncia Social, assegurada pela Constituio Federal de 1988, no campo da Seguridade Social (Arts. 203 e 204). Foi regulamentado pela Lei no 8.742, de 7 de dezembro de 1993 - Lei Orgnica da Assistncia Social (LOAS). O benefcio garante um salrio mnimo s pessoas com deficincia e ao idoso com 65 anos ou mais que comprovem no possuir meios de prover a prpria manuteno e nem t-la provida por sua famlia. um benefcio individual, no vitalcio e intransfervel. A LOAS preceitua como pessoa com deficincia aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho. O modelo vigente de avaliao da deficincia e da incapacidade para fins do BPC mostra-se inadequado e com insuficiente grau de uniformizao, sendo sua alterao h muito reconhecida como necessidade, inclusive tornou-se objeto de reiteradas reivindicaes da sociedade civil, culminadas em deliberaes das Conferncias Nacionais da Assistncia Social. Para atender essas reivindicaes e contribuir com a construo de uma sociedade justa e democrtica, este relatrio intitulado Avaliao de Pessoas com Deficincia para acesso ao Benefcio de Prestao Continuada da Assistncia Social um novo instumento baseado na Classificao Internacional de Funcionalidades, Incapacidade e Sade (CIF), apresenta proposta para um novo modelo de avaliao da pessoa com deficincia a ser utilizado na concesso, manuteno e reviso do BPC, baseado em uma avaliao mdica e social.

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Esse novo modelo incorpora uma abordagem multidimensional da funcionalidade, da incapacidade e sade. Considera, alm das deficincias nas funes e estruturas do corpo, os fatores contextuais (ambientais e pessoais), a participao e acessibilidade da pessoa com deficincia na sociedade, em consonncia com a tendncia mundial de atentar para os fatores biopsicossociais. A sade compreendida sob uma perspectiva biolgica, individual e social. Neste sentido, o trabalho intersetorial que o presente relatrio reflete compe as diretrizes estratgicas do Governo Federal, sendo essencial para a preveno das situaes que geram a deficincia e para o xito da proteo social, alm de reforar a perspectiva da Seguridade Social e aperfeioar as polticas pblicas no pas. Traduz o reconhecimento que os fatores contextuais so essenciais para qualificar a concesso do benefcio, bem como subsidia os gestores municipais, estaduais e federal na preveno das situaes que geram a deficincia e incapacidade, possibilitando a garantia da proteo social. Ao tornar pblico este documento, o MDS e o MPS acreditam que as contribuies produzidas nesta experincia de formulao e implementao do novo modelo de avaliao da deficincia e do grau de incapacidade apoiaro, de fato, a realizao de um atendimento digno e a concesso qualificada do Benefcio de Prestao Continuada da Assistncia Social (BPC), s pessoas com deficincia, reafirmando um compromisso do Governo Federal com este segmento vulnervel da populao brasileira.

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Agradecimentos: Aos profissionais cujo conhecimento contribuiu para a construo de um novo instrumento de avaliao das pessoas com deficincia Aldaza Sposati - PUC/SP Denize Xerez - UFRJ/RJ Elyria Bonetti Yoshida Credidio Helosa B. Ventura Di Nubila - USP/SP Izabel Loureiro Maior - CORDE/SEDH Rosita Edler de Carvalho Walter Camargos Junior

Aos profissionais que trabalharam na aplicao do teste do Instrumento de Avaliao Mdico-Pericial e Social da Incapacidade para a Vida Independente e para o Trabalho Ademar M. Lorga INSS/So Jos do Rio Preto/SP Adivani da Conceio Toledo INSS/Duque de Caxias/RJ Ana Maria Garcia Loureno INSS/So Jos do Rio Preto/SP Ana Paula Conrado INSS/Duque de Caxias/RJ Andr Luis Ferreira Brito INSS/Goinia/GO Areolino Lustosa Filho INSS/Goinia/GO Daniela Alves Gastal INSS/Pelotas/RS David Greco Varela INSS/Salvador//BA Edgar Fiss INSS/Pelotas/RS Edith Brockeetayer INSS/Goinia/GO Eliane Sans Moraes STASC/Petrpolis/RJ Eloisa Pujol INSS/Petrpolis/RJ Elwina Tereza Lima da Silva INSS/Belm/PA Helaine M. Lopes V Piorotti . INSS/Nova Iguau/RJ Irene Rodrigues INSS/Pelotas/RS Ivanete Martins Alves INSS/Belm/PA Jos Erlindo Pires INSS/Londrina/PR Jos Joacir de Albuquerque INSS/Duque de Caxias/RJ

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Jos Vicente Neto INSS/Belm/PA Jlio Csar Lopes Campos INSS/Petrpolis/RJ Lda Maria S. de Oliveira INSS/Salvador/BA Lenita Mizue Kitsu INSS/Londrina/PR Letcia Vita e Cintra INSS/Nilpolis/RJ Lilian Cristina de Lima D. e Luza INSS/Goinia/GO Lois Tadeu de Almeida Teixeira INSS/Nilpolis/RJ Lucas Manoel Vasques INSS/So Jos do Rio Preto/SP Maria da Conceio do Prado Nogueira INSS/Londrina/PR Maria da Penha Lrio Almeida INSS/Salvador/BA Maria Lcia de Brito INSS/Goinia/GO

Maria Zlia S. de Almeida INSS/Salvador/BA Rosalia Pedrina da Silva Pinheiro INSS/Belm/PA Rosane de Oliveira R. Farias INSS/Duque de Caxias/RJ Rozinia da Graa Alves Vasques INSS/So Jos do Rio Preto/SP Solange M. Lobo INSS/Duque de Caxias/RJ Snia M. de Almeida Bitencourt INSS/Salvador/BA Tnia Moreira Nbrega Campos INSS/Goinia/GO Tnia Saldanha de Lucena INSS/Salvador/BA Valquiria de O. Borges Andrade INSS/Goinia/GO Yassuyuki Kawal INSS/Londrina/PR

Aos tcnicos da Secretaria de Avaliao e Gesto da Informao SAGI/MDS Guilherme Coelho Rabelo, Mariana Ferreira Peixoto dos Santos e Mrcio Andrade Monteiro que trabalharam na anlise estatstica dos resultados de aplicao do instrumento na fase de teste. Lourdes Marinho, Ludmila Schmaltz, Marcelo Rocha, Monica Rodrigues e Renata Bressanelli que trabalharam na edio da presente publicao.

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equipe do Departamento de Benefcios Assistenciais/SNAS/MDS que contribuiu na reviso do relatrio: Maria Lcia Lopes da Silva, Josefa Nunes Pinheiro e Marcos Marcelo Brito de Mesquita e Glair Nogueira Moraes, incansvel em nos auxiliar nas demandas administrativas. Em, especial, Diretoria de Benefcios do INSS, nas pessoas do Sr. Benedito Brunca, Dra. Teresa Cristina dos Santos Maltez e Dra. Maria Virginia de Medeiros Eloy de Sousa, pelo apoio integral ao trabalho

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SUMRIORESUMO ...................................................................................................................................... 17

Lista de Siglas e Abreviaturas .................................................................................................................19INTRODUO ............................................................................................................................... 21 CAPTULO I ASPECTOS CONCEITUAIS .............................................................................................................. 27

1 - O Benefcio de Prestao Continuada na Poltica Nacional de Assistncia Social .......................... 27 2 - Fundamentao Legal ..................................................................................................................... 29 3 - Evoluo Conceitual sobre Deficincia, Incapacidade e Consideraes sobre Terminologia ............ 30 4 - Os Conceitos de Deficincia e de Incapacidade para o BPC ........................................................... 32 5 - Evoluo Conceitual e a Classificao Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Sade ...... 35 5.1. Seqncia de Conceitos Incorporados pela CIF ............................................................................ 36 5.2 - Deficincias e Incapacidades segundo a CIF ................................................................................ 36 6 - Dados Estatsticos e Aspectos Epidemiolgicos sobre Deficincias no Brasil .................................. 38CAPTULO II ELABORAO DA PROPOSTA DO NOVO MODELO DE AVALIAO ............................................... 45 1 - Mtodo de Atuao do Grupo de Trabalho Interministerial ..................................................................... 45 2 - A CIF como Referncia para o Novo Instrumento de Avaliao das Pessoas com Deficincia ..................... 45 3 - A construo do Instrumento para Avaliao Mdico Pericial e Social da Incapacidade para a Vida Independente e para o Trabalho - Fundamentao e Descrio ..................................................................................................... 48 4 - Modelo do Instrumento - Proposta Inicial ............................................................................................. 52 CAPTULO III MTODO PROPOSTO PARA APLICAO DA PROPOSTA DO NOVO MODELO DE AVALIAO ........ 57 1 - Mtodo Proposto para Aplicao do Teste do Instrumento de Avaliao Mdico-Pericial e Social da Incapacidade para a Vida Independente e para o Trabalho ............................................................................................... 57 2 - Desenvolvimento do Teste .................................................................................................................. 58 3 - Viso Geral do Banco de Dados ........................................................................................................... 60 4 - Apurao dos Dados da Amostra ......................................................................................................... 62 5 - Anlise Estatstica .................................................................................................................................. 64

SUMRIOCAPTULO IV QUESTES PARA REFLEXO E VERSO REVISADA DO INSTRUMENTO ........................................ 65 1 Modelo do Instrumento - Verso Revista ................................................................................................... 67 2 Instrumentos (adulto e criana) ........................................................................................................... 69 CAPTULO V CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................................. 81

Referncias Bibliogrficas .................................................................................................................... 83

ANEXOSANEXO 1 - ROTEIRO PARA UTILIZAO DOS INSTRUMENTOS ADULTO E CRIANA VERSO REVISADA .................................................................................................................................... 87 ANEXO 2 - MANUAL PARA USO DO INSTRUMENTO DE AVALIAO ....................................... 97 ANEXO 3 - FORMULRIO DE AVALIAO DO TESTE DO INSTRUMENTO PROPOSTO ............... 127 ANEXO 4 - RESULTADOS OBTIDOS NA ANLISE DO BANCO DE DADOS DA AMOSTRA ........... 129 ANEXO 5 - RELATRIO ESTATSTICO ANLISE INSTRUMENTO BPC ............................................... 145 ANEXO 6 - MODELOS ESTATSTICOS USADOS NO RELATRIO ................................................. 193

RESUMO

O objetivo deste relatrio apresentar os resultados obtidos pelo Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), constitudo pela Portaria no 001, de 15 de junho de 2005, do Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome (MDS), da Secretaria Nacional de Assistncia Social (SNAS), do Departamento de Benefcios Assistenciais (DBA) e do Ministrio da Previdncia Social (MPS) e Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O GTI, composto por tcnicos do MDS e do INSS, mdicos, assistentes sociais e especialistas nas reas de polticas pblicas e ateno s pessoas com deficincia teve por finalidade ... desenvolver estudos e pesquisas sobre classificao de deficincias e avaliao de incapacidades com vistas proposio de parmetros, procedimentos e instrumentos de avaliao das pessoas com deficincia para acesso ao Benefcio de Prestao Continuada da Assistncia Social (BPC) - Portaria MDS/MPS n001/05. O mtodo empregado pelo GTI contou com variadas estratgias de trabalho. Buscou-se estudar os procedimentos existentes em outros pases; participar de cursos; realizar estudos e pesquisas bibliogrficas; efetuar contatos com categorias profissionais envolvidas no tema; convidar especialistas para aprofundar e elucidar estudos correlacionados pessoa com deficincia e poltica de concesso de benefcios, tanto no mbito nacional como internacional, visando a atualizao do tema. Manteve-se contato com rgos pblicos promotores de direitos das pessoas com deficincia como a Coordenadoria Nacional para Integrao da Pessoa Portadora de Deficincia (CORDE), da Secretaria Especial de Direitos Humanos e a Comisso de Reabilitao da Secretaria Estadual de Sade do Estado do Rio de Janeiro, entre outros. A opo pela integrao dos modelos mdico e social, em contraponto ao modelo mdico at ento vigente para a concesso deste benefcio da assistncia social, deve-se a uma viso mais ampla do estado de sade do indivduo, visando obter uma sntese na qual diferentes dimenses de sade so consideradas. Neste modelo, a incapacidade no apenas um atributo da pessoa, mas uma conseqncia de um conjunto complexo de situaes de natureza biolgica, individual, econmica e social.

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A citao constante da Classificao Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Sade (CIF), da Organizao Mundial de Sade (OMS), e sua adoo por diversos organismos nacionais e internacionais, levou o GTI a conhec-la melhor, trazendo a certeza da adequao de seu emprego para a consecuo do objetivo, pois a CIF permite a estruturao de complexos sistemas de avaliao. Entre os itens constituintes da CIF foram selecionados aqueles mais especficos sobre a existncia de deficincias da funo ou da estrutura do corpo, da limitao da execuo de atividades e das restries da participao social. Ao realizar esta seleo, consideramos o impacto dos aspectos ambientais e sociais na definio dos nveis de incapacidades para a vida independente e para o trabalho, na perspectiva de atender a legislao brasileira normatizadora do BPC. Com estas premissas foi elaborado um formulrio de avaliao dos requerentes ao benefcio. Efetuou-se, em nvel nacional, um teste em uma amostra populacional para verificao da pertinncia do instrumento proposto. As concluses desta aplicao so apresentadas e determinaram a retificao de alguns itens do instrumento. Verificou-se durante a aplicao do instrumento a necessidade de adequ-lo s crianas e adolescentes com at os 16 anos incompletos, devido s peculiaridades que constituem os requerentes desta faixa etria: a incapacidade para o trabalho presumida e a incapacidade para a vida independente varia em funo da idade. O novo instrumento apresenta duas modalidades para pessoa com deficincia menor de 16 anos e pessoa com deficincia com 16 anos ou mais- que fazem parte do corpo deste trabalho. Anexos foram incorporados com o objetivo de propiciar aprofundamentos em alguns aspectos.

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Lista de Siglas e Abreviaturas ABBR Associao Brasileira Beneficente de Reabilitao APS Agncias da Previdncia Social BPC Benefcio de Prestao Continuada da Assistncia Social CIADE Centro Integrado de Ateno Pessoa Portadora de Deficincia CID Classificao Internacional de Doenas CIF Classificao Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Sade Classificao/Cdigos segundo a CIF Smbolos alfabticos de avaliao quanto ao grau de deficincia, de dificuldade e de barreiras. C = Completa G = Grave L = Leve M = Moderada CONADE Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficincia CORDE Coordenadoria Nacional para Integrao da Pessoa Portadora de Deficincia CRESS Conselho Regional de Servio Social CRM Conselho Regional de Medicina DBA Departamento de Benefcios Assistenciais da Secretaria Nacional de Assistncia Social FGV Fundao Getlio Vargas FNAS Fundo Nacional de Assistncia Social GEX Gerncia Executiva do Instituto Nacional de Seguro Social GTI Grupo de Trabalho Interministerial HTO-RJ Hospital de Traumato-Ortopedia do Rio de Janeiro ICIDH International Classification of Impairments, Disabilities, and Handicaps (Classificao Internacional de Danos, Incapacidades e Deficincias Fsicas) IDH ndice de Desenvolvimento Humano INSS Instituto Nacional do Seguro Social IOC Instituto Oswaldo Cruz LOAS Lei Orgnica da Assistncia Social MDS Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome MPS Ministrio da Previdncia Social NB Nmero de Benefcio

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OEA Organizao dos Estados Americanos OIT Organizao Internacional do Trabalho OMS Organizao Mundial de Sade ONU Organizao das Naes Unidas PcD Pessoa com Deficincia PNAS Poltica Nacional de Assistncia Social PPI Pessoa com Percepo de Incapacidade PRISMA Sistema Informatizado de Benefcios do INSS SABI Sistema de Administrao de Benefcios por Incapacidade SAGI Secretaria de Avaliao e Gesto da Informao SEDH Secretaria Especial de Direitos Humanos SEDH/PR Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica SICAMS Sistema de Cadastro de Avaliao Mdico-Social SNAS Secretaria Nacional de Assistncia Social SUAS Sistema nico de Assistncia Social TID Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

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INTRODUO

A Seguridade Social, de acordo com a Constituio Federal, compreende um conjunto integrado de aes de iniciativa dos Poderes Pblicos e da sociedade, destinado a assegurar os direitos relativos sade, previdncia e assistncia social. O componente Assistncia Social deste trip foi regulamentado pela Lei Orgnica da Assistncia Social (LOAS), no 8.742, de 7 de dezembro de 1993, em seu captulo IV, seo I, que preceitua o Benefcio de Prestao Continuada da Assistncia Social (BPC), previsto na Constituio Federal no (art. 203, V). Esse benefcio, de carter assistencial, no contributivo, destinado pessoa com deficincia e ao idoso que comprovem no possuir meios de prover a prpria manuteno e nem t-la provida por sua famlia. O BPC reconhece a pessoa com deficincia como sendo aquela cuja deficincia a incapacita para a vida independente e para o trabalho. Com esse benefcio so atendidos mais de 1 milho e 300 mil pessoas com deficincia, mediante o pagamento de uma renda mensal no valor de um salrio mnimo e registra-se, em mdia, o ingresso anual de 89 mil novos beneficirios, dos quais, 29% esto na faixa etria de 0 a 14 anos (Nota Tcnica do MDS, Secretaria Nacional de Assistncia Social, Departamento de Benefcios Assistenciais, 28 de abril de 2005). Estudos tm demonstrado que a distribuio dos benefcios entre a populao brasileira apresenta um comportamento muito varivel, nas diversas regies brasileiras. As diferenas so muito grandes e se explicam para alm de variaes ocasionais no perfil de deficincias eventualmente existentes na populao. O Censo de 2000 dos brasileiros residentes contabilizou 24.600.256 pessoas, de todas as idades e pertencentes a distintos nveis de renda, que declararam apresentar algum tipo de deficincia. Entre as modalidades foram elencadas pelos recenseados, por ordem de freqncia: deficincia visual; deficincia motora; deficincia auditiva; deficincia mental permanente; associao de deficincias e deficincia fsica. Desconhece-se a magnitude destas deficincias e o quanto elas incapacitam para o trabalho e para a vida independente. Considerando que o nmero total de benefcios ativos destinados s pessoas

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com deficincia, em dezembro de 2004, era 1.127.849 e, hipoteticamente, que o nmero declarado de pessoas com deficincia manteve-se inalterado, estima-se em 4,58% as pessoas com deficincia, recebedoras deste benefcio assistencial. Conhecendo-se a realidade brasileira, na qual faltam aes afirmativas para o acesso a bens e servios como sade, educao, qualificao profissional, mercado de trabalho, cultura, esporte e lazer, a ausncia de polticas especficas de habilitao e reabilitao e de concesso de ajudas tcnicas, tais como rteses e prteses, presume-se haver um nmero considervel de pessoas com deficincia sem acesso ao BPC, mesmo atentando para os critrios legais de restrio quanto renda e incapacidade, da mesma forma que no alcanam tambm outras aes necessrias a uma maior qualidade de vida. Levantamento de dados realizado pela SNAS/MDS, em janeiro de 2005, constatou que do total de benefcios requeridos pelas pessoas com deficincia, apenas 37,16% foram concedidos. No referido levantamento constatou-se que dos 62,84% requerimentos negados, 40,93% tm como fator causal o indeferimento pela percia mdica do INSS, em funo da no caracterizao de existncia de incapacidade do requerente para a vida independente e para o trabalho. Nota-se tambm grande variabilidade nos ndices de concesso deste benefcio no territrio brasileiro. A tabela abaixo ilustra o afirmado com a apresentao de ndices de alguns estados considerando como ndice Brasil o valor 1,00. Tabela 1: ndice de concesso do BPC/PcD, no ano de 2004, em alguns estados brasileiros relacionado populao e ao ndice de Desenvolvimento Humano (IDH), em comparao ao ndice Brasil.Estado Acre Pernambuco Mato Grosso So Paulo Santa Catarina Rio de Janeiro BrasilFonte: MDS/SNAS

% Populao 0,34 4,61 1,50 21,88 3,17 8,41 100,00

IDHM (2000) 0,697 0,705 0,773 0,820 0,822 0,807 0,766

ndice BPC 2,01 1,83 1,54 0,60 3,17 0,42 1,00

A percepo desta ocorrncia motivou para a necessidade de realizar estudos visando propor parmetros, procedimentos e instrumentos de avaliao das pessoas com deficincia para acesso, de forma equnime, ao BPC, uma vez que o Brasil no dispe de metodologia unificada para a classificao de deficincias e avaliao de incapacidades, com vistas ao acesso aos distintos servios, programas e benefcios garantidos pelas polticas pblicas. O Relatrio do Encontro Nacional sobre Gesto do Benefcio Assistencial de Prestao Continuada, realizado em 07 e 08/07/2004, elaborado a partir da avaliao feita pelos participantes do evento, ao abordar as questes presentes na avaliao realizada pela percia mdica do INSS, aponta:

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Divergncia no entendimento de incapacidade para a vida independente e para o trabalho; ... Critrio de avaliao que no tem levado em considerao o parecer tcnico do assistente social (reviso e concesso); O Relatrio ainda aponta para a necessidade de critrios de avaliao mdica mais detalhado em relao a incapacidade para o trabalho e para a vida independente. Desta forma, visando inclusive atender s reivindicaes da sociedade civil que luta pela reviso dos critrios de acesso ao BPC, tanto no que se refere mudana dos valores da renda per capita como nos critrios da avaliao mdico-pericial devendo esta considerar o aspecto social, foi recomendada ... a constituio de um grupo de estudos e pesquisas sobre classificao de deficincias e avaliao de incapacidade com vistas proposio de parmetros e procedimentos unificados de avaliao das pessoas com deficincia para o acesso ao Benefcio Assistencial de Prestao Continuada (BPC). O MDS e o MPS instituram, por meio da Portaria Interministerial no 001, de 15 de junho de 2005, um grupo de trabalho composto por tcnicos do MDS e do INSS, mdicos, assistentes sociais, bem como especialistas nas reas de polticas pblicas e ateno s pessoas com deficincia. O GTI realizou estudos sobre a legislao deste benefcio que, ao longo dos ltimos anos vem norteando as decises da Percia Mdica do INSS, notadamente os artigos especficos da Lei no 8.742, de 07 de dezembro de 1993, e suas alteraes, e a regulamentao contida no Decreto no 1.744, de 05 de dezembro de 1995, que provocou divergncias de entendimento em relao incapacidade para a vida independente e para o trabalho, ao introduzir a exigncia de incapacidade para a vida diria e irreversibilidade da deficincia, no previstos na lei. O grupo estudou tambm outras leis e decretos relacionados ao tema e a prtica operacional de concesso, manuteno, reviso e cessao do referido benefcio implantado em 01/01/1996. Foram realizadas 12 reunies, no perodo de 22 de maro a 30 de novembro de 2005, totalizando aproximadamente 200 horas de trabalho conjunto at a aplicao e avaliao preliminar do teste do instrumento de avaliao construdo. A partir de 2006, seguiuse uma nova fase de trabalho com a consolidao do relatrio e alteraes na proposta do instrumento de avaliao em decorrncia s anlises advindas da experincia de test-lo. Ressalte-se que, considerando o nvel de responsabilidade atribuda ao grupo; a complexidade e abrangncia do tema; a diversificada formao acadmica dos componentes; a experincia profissional de cada um e distintas competncias institucionais, as reunies de trabalho foram respaldadas em procedimentos metodolgicos especficos e sob a coordenao e assessoria de duas consultoras especialistas. As atividades do grupo incluram: Agendamento prvio das reunies para garantir a participao de todos; Relato das experincias individuais e das prticas institucionais; Pesquisa bibliogrfica e da legislao, nacional e internacional; Leitura do material bibliogrfico; Trabalhos individuais e em grupos;

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Contatos com profissionais e categorias profissionais relacionados rea; Participao de especialistas convidados para aprofundar conhecimentos e discusses de temas concernentes s prticas existentes no Brasil e em outros pases; Consulta s instituies com competncias na rea; Participao em eventos relacionados ao tema; Realizao de dinmicas vivenciais e reflexivas, com o objetivo de manter o envolvimento e a motivao do grupo, facilitando a construo do pensamento crtico, objetividade, lgica seqencial e qualidade dos trabalhos. O presente trabalho foi estruturado para apresentar, de forma sinttica, a fundamentao terico-conceitual sob a qual o grupo norteou suas atividades, os consensos, as decises, os novos conhecimentos, a proposio de normas, procedimentos e instrumentos, com a finalidade de avaliar a deficincia e o grau de incapacidade dos requerentes do BPC. Seguiu-se uma distribuio na apresentao deste trabalho com uma preocupao didtica onde, certamente, a riqueza dos debates provocados e dos temas abordados no foi totalmente traduzida no registro. O Captulo I trata dos aspectos conceituais; o Captulo II apresenta a proposta elaborada pelo grupo e sua fundamentao cientfica; o Captulo III mostra a aplicao do instrumento sugerido, os resultados obtidos e as inferncias realizadas; e o captulo final tece consideraes sobre a mudana paradigmtica e a viabilidade de apresentao. As referncias bibliogrficas so explicitadas e alguns anexos foram incorporados visando ampliar as possibilidades de consulta.

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ASPECTOS CONCEITUAIS

1 - O Benefcio de Prestao Continuada na Poltica Nacional de Assistncia Social O Benefcio de Prestao Continuada da Assistncia Social (BPC), representado por uma transferncia monetria mensal no valor de um salrio mnimo, pago s pessoas com deficincia consideradas incapacitadas para a vida independente e para o trabalho e s pessoas idosas a partir de 65 anos de idade, obedecendo ao seguinte critrio: tenha renda familiar mensal per capita inferior a do salrio mnimo, ou seja, encontrem-se impossibilitados de prover sua manuteno ou t-la provida por sua famlia. Este benefcio constitui-se de uma transferncia de renda, de carter no contributivo, intransfervel, no vitalcio e que no pode ser acumulado com outro benefcio no mbito da Seguridade Social exceto com a assistncia mdica. O BPC possui oramento definido e regras prprias, contribuindo para a garantia e ampliao da proteo social, em forma de renda bsica, pois, conforme preconiza os preceitos legais, assistncia social, direito do cidado e dever do Estado, Poltica de Seguridade Social no contributiva, que prov os mnimos sociais, realizada atravs de um conjunto integrado de aes de iniciativa pblica e da sociedade para garantir o atendimento s necessidades bsicas, (LOAS, art.1). A efetivao da assistncia social, enquanto poltica de seguridade social de responsabilidade do Estado, o reconhecimento do direito, da cidadania e da negao da assistncia social como uma ddiva. Apesar deste reconhecimento, ainda percebe-se a permanncia da cultura do favor. Portanto, embora a legislao traduza um momento da afirmao e reconhecimento do direito traz tona a fora ideolgica que submete populao benesse. Assim, a regulamentao da assistncia social em forma de lei e a ao responsvel do poder pblico, afirmam a importncia de existir mecanismos de proteo legal contrapondo-se as aes voluntaristas. Contudo, o reconhecimento jurdico no significa a efetivao dos direitos. A morosidade na regulamentao inicial, critrios restritivos e a desinformao tornaram-se os principais entraves de acesso aos direitos, dificultando a conquista da cidadania. Ressalte-se que o BPC foi regulamentado somente com o Decreto n 1.744, de 5 de dezembro de 1995. Mediante a Orientao Normativa/INSS no 14, de 22 de dezembro de 1995

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disciplinou-se as rotinas operacionais quanto ao requerimento, concesso e manuteno deste benefcio. O BPC passa a ser realidade a partir de 01 de janeiro de 1996, oito anos aps a promulgao da Constituio Federal. Aps 13 anos da publicao da LOAS e decorridos 11 anos da concesso dos primeiros benefcios, alguns desafios se apresentam no sentido de garantir a efetividade deste benefcio, enquanto poltica pblica de proteo social. Entre estes o de assegurar amplo reconhecimento das provises da assistncia social como direito de cidadania e a ainda insuficiente articulao poltica e tcnica das esferas governamentais (Unio, estados e municpios) na operacionalizao do referido benefcio. No entanto, ao longo de uma dcada, essa transferncia de renda foi efetivamente a principal proviso que materializou e afirmou o direito assistncia social, como poltica no contributiva de responsabilidade do Estado, presente em todos os municpios brasileiros, alcanando atualmente cerca de 2,5 milhes de pessoas, das quais 1,3 milho so pessoas com deficincia. Conforme dados oficiais, foram destinados ao BPC nos ltimos trs anos, cerca de 70% dos recursos do Fundo Nacional de Assistncia Social (FNAS). Destaca-se tambm, que nos ltimos 10 anos, o nmero de beneficiados aumentou em um ritmo de 10% ao ano, passando de 346 mil, em 1996, para mais de 2 milhes em 2005, (Portal PNUD/Brasil). Compete ao MDS, por intermdio da SNAS, a implementao, financiamento, coordenao geral, monitoramento e avaliao da prestao desse beneficio, e ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), a sua operacionalizao. Em 2005, com o advento do Sistema nico de Assistncia Social (SUAS), diante do contexto da nova Poltica Nacional de Assistncia Social (PNAS/2004), foi definido um novo modo de gesto para este benefcio. De acordo com a PNAS/2004, o BPC integra o conjunto de aes do SUAS constituindo-se em transferncia de renda da proteo social bsica, dada a sua natureza e nvel de complexidade. A proteo social bsica tem por objetivos prevenir situaes de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisies e o fortalecimento de vnculos familiares e comunitrios (PNAS, 2004, p. 33). Nesta acepo, o BPC encontra sua identidade na proteo bsica, pois visa garantir aos seus beneficirios o direito convivncia familiar e comunitria, bem como, o trabalho social com suas famlias, contribuindo para o atendimento de suas necessidades e para o desenvolvimento de suas capacidades e de sua autonomia (GOMES, 2005, p. 61). Deste modo, ao se tratar da gesto do BPC est em pauta, sobretudo, a ateno aos beneficirios, articulando o processo de gesto a servio do usurio. Mais do que a busca da racionalidade de processos, da agilidade de procedimentos, do aprimoramento das aes de operacionalizao, estabelece-se o compromisso com o beneficirio e suas necessidades. Neste sentido, importante considerar que as necessidades dos beneficirios no se esgotam no direito a renda de sobrevivncia, pois a transferncia de renda cumpre um objetivo, mas no alcana sua completa efetividade se no estiver organicamente

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vinculada s demais aes das polticas sociais. O benefcio pode vir a ser uma espcie de armadilha ao manter o beneficirio na situao de excluso, quando no h articulao entre os demais servios, programas e projetos. Portanto, sem a devida articulao o BPC no ganha substancialidade, visibilidade e sequer atende as necessidades mnimas de vida. Para a efetivao do direito, quando se trata do BPC, a lei estabelece no caso da pessoa com deficincia, alm da renda per capita inferior a do salrio mnimo, a exigncia da incapacidade para a vida independente e para o trabalho comprovada mediante avaliao da percia mdica do INSS, tanto na concesso quanto na reviso do BPC. O conceito de famlia para o clculo da renda per capita, tanto para pessoa com deficincia como para a pessoa idosa, no processo de concesso e de reviso do BPC, sofreu alteraes. O primeiro conceito esteve em vigor at 11 de agosto de 1997 e foi definido na LOAS (art. 20, 1): entende-se por famlia a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo teto, cuja economia mantida pela contribuio de seus integrantes. A Medida Provisria no 1.473, de 08 de agosto de 1997, transformada na Lei no 9.720, de 30 de novembro de 1998, modificou o conceito de famlia que passa a ser o conjunto de pessoas que vivem sob o mesmo teto, assim entendido: o cnjuge, o companheiro(a), os pais, os filhos(as), irmos(s) e os equiparados a essa condio, no emancipados, menores de 21 anos ou invlidos. Quanto avaliao mdico-pericial, do incio da concesso do BPC at 11 de agosto de 1997, todas as pessoas com deficincia, inscritas para o benefcio, eram avaliadas por equipe multiprofissional do Sistema nico de Sade (SUS). A Medida Provisria n 1.473/1997, convertida na Lei n 9.720/1998, estabelece que a avaliao mdica de responsabilidade dos servios de percia mdica do INSS.

2 - Fundamentao Legal As informaes sobre legislao, conceitos, termos e concepes nacionais e internacionais sobre deficincia, incapacidade, restrio das atividades e limitao da participao social das pessoas com deficincia, bem como a pertinncia dessas informaes para definir os critrios de avaliao para acesso ao BPC, so apresentadas e discutidas a seguir: Legislao, Normas e Documentos de Referncia: Constituio Federal de 1988; Lei no 7.853/89, que dispe sobre os direitos das pessoas portadoras de deficincia; Lei no 8.742, de 07/12/93, e suas alteraes, que dispe sobre a organizao da Assistncia Social e d outras providncias; Decreto no 1.744, de 05/12/95, que regulamenta o Benefcio de Prestao Continuada da Assistncia Social (BPC); Decreto no 3.298/99, que dispe sobre a Poltica Nacional para a Integrao da Pessoa Portadora de Deficincia e d outras providncias, com as alteraes

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introduzidas pelo Decreto no 5.296/04, que tambm regulamenta as Leis no 10.048/00 e no 10.098/00 sobre acessibilidade; Decreto no 3.956/01, que promulga a Conveno Interamericana para a Eliminao de Todas as Formas de Discriminao contra as Pessoas Portadoras de Deficincia; Normas, convenes e recomendaes internacionais da Organizao das Naes Unidas (ONU), Organizao Internacional do Trabalho OIT e Organizao dos Estados Americanos (OEA), ratificadas pelo Brasil; - Classificao Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Sade (CIF), de 2001, aprovada pela Resoluo WHO 54.21, da Organizao Mundial da Sade (OMS).

3 - Evoluo Conceitual sobre Deficincia, Incapacidade e Consideraes sobre essa Terminologia Houve, nos ltimos anos, uma evoluo no entendimento da concepo de deficincia, das condies sociais e dos direitos sociais concernentes s pessoas com deficincia, bem como das responsabilidades do poder pblico e da sociedade. Nota-se ainda que essa evoluo vem sendo acompanhada por mudanas na terminologia incorporando-se as novas descobertas tcnicas e cientficas e as visveis conquistas sociais, com a universalizao e qualificao da comunicao sobre o tema. O Decreto 3.298/99 define deficincia como sendo perda ou anormalidade de uma estrutura ou funo psicolgica, fisiolgica ou anatmica, que gere incapacidade para o desempenho de atividades, dentro do padro considerado normal para o ser humano. A Conveno no 159 da Organizao Internacional do Trabalho (OIT), que trata da readaptao profissional e emprego de pessoas com deficincia, ratificada pelo Brasil, conceitua pessoa com deficincia, para efeitos desse tratado, toda pessoa cujas perspectivas de conseguir e manter um emprego conveniente e de progredir profissionalmente so sensivelmente reduzidas em virtude de uma deficincia fsica (aqui includa as deficincias sensoriais) ou mental devidamente reconhecida. O Decreto no 3.956/01 aplica uma definio mais ampla de deficincia: restrio fsica, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitria, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividade essencial da vida diria, causada ou agravada pelo ambiente econmico e social. A deficincia, portanto, diz respeito alterao em um rgo ou estrutura do corpo humano, que resulta nas restries citadas limitando a capacidade de exercer atividades da vida diria, causada ou agravada pelo ambiente, envolvendo tambm aspectos sociais e econmicos. A Resoluo n o 48/96, da Organizao das Naes Unidas, que aprova as Normas Uniformes sobre a Igualdade de Oportunidades para Pessoas Portadoras de

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Deficincia, em seu art. 17, considera como deficincia a perda ou limitao de oportunidades de participar da vida comunitria em condies de igualdade com as demais pessoas. Essa definio de deficincia tem como objetivo levar a sociedade a se conscientizar da importncia da adequao do meio fsico e das atividades oferecidas, tais como informao, comunicao e educao, que propiciem s pessoas com deficincia de participar em condies de igualdade com os demais cidados. medida que avanam as conquistas pela incluso social, termos, denominaes e conceituaes mais apropriados ao atual patamar de valorizao dos seres humanos vo sendo incorporados pela sociedade. Para identificar o grupo de pessoas com algum tipo de deficincia j foram utilizadas denominaes diversas como: anormais, indivduos de capacidade limitada, minorados, impedidos ou invlido com suas conseqentes resultantes de discriminao, preconceito e excluso social. As pessoas com deficincia mental, por exemplo, j foram chamadas de oligofrnicas, dbeis, excepcionais, retardadas mentais, com necessidades especiais, e outras. Segundo Sassaki, atualmente h uma tendncia mundial - brasileira tambm - de se usar o termo deficincia intelectual, com o qual concordo por duas razes. A primeira razo tem a ver com o fenmeno propriamente dito. Ou seja, mais apropriado o termo intelectual por referir-se ao funcionamento do intelecto especificamente e no ao funcionamento da mente como um todo. A segunda razo consiste em podermos melhor distinguir entre deficincia mental e doena mental, dois termos que tm gerado confuso h vrios sculos. Vale salientar que ao contrrio da deficincia mental, a doena mental no interfere necessariamente no intelectual da pessoa. Ainda o autor, no campo da sade mental - rea da psiquiatria - est ocorrendo uma mudana terminolgica significativa, que substitui o termo doena mental para transtorno mental. O Governo Federal brasileiro publicou uma lei sobre os direitos das pessoas com transtorno mental, Lei 10.216, de 06/04/2001, na qual foi utilizada exclusivamente a expresso transtorno mental.. Incluem-se nesse grupo as pessoas com Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TID), em decorrncia de sndromes tais como: autismo, Asperger, Rett e outras. Atualmente, as organizaes especializadas conclamaram o pblico a adotar a terminologia, utilizada internacionalmente, pessoa com deficincia, em substituio pessoa portadora de deficincia. O termo portador de necessidades especiais, embora utilizado com freqncia na literatura brasileira para referir-se pessoa com deficincia, no consta da legislao brasileira sobre o tema. mais utilizado pelo sistema educacional, quando quer referir-se a alunos com necessidades educativas especiais. Deficincia nunca ser o oposto de eficincia. O oposto de eficincia ineficincia. A idia da falta de algo no impede o indivduo de estar inserido na sociedade e no mercado de trabalho. Ter uma deficincia no significa ser menos capaz do que qualquer outra pessoa.

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O GTI, em consonncia com o movimento da sociedade civil organizada no assunto e com base no Parecer do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficincia (CONADE), no 55/2005/CONADE/SEDH/PR, adota a terminologia pessoa com deficincia em seus documentos tcnicos sempre que faz e fizer referncia pessoa portadora de deficincia. O GTI ainda recomenda constar no novo decreto de regulamentao do BPC uma redao legitimadora desta mudana terminolgica. Outro conceito que merece destaque o conceito de incapacidade. O Decreto no 3.298, no artigo 3o inciso III, considera a incapacidade como uma reduo efetiva e acentuada da capacidade de integrao social, com necessidade de equipamentos e adaptaes, meios ou recursos especiais para que a pessoa com deficincia possa receber ou transmitir informaes necessrias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de funo ou atividade a ser exercida. Os membros do GTI defendem a adoo de conceitos de deficincia, que reflitam a evoluo histrica e as diferentes dimenses presentes (biolgica, econmica e social) entendendo assim que as pessoas com transtornos mentais, doenas crnicas, alm daquelas com deficincias especificadas em leis e decretos na legislao vigente, podero fazer jus ao BPC, a partir do momento que o foco de anlise preponderante para acesso ao benefcio passe a ser a comprovao da incapacidade para o trabalho e para a vida independente. Com esta diretriz que o grupo construiu a nova proposta de instrumento de avaliao social e mdica para acessar o benefcio, apresentada no decorrer do presente trabalho.

4 - Os Conceitos de Deficincia e de Incapacidade para o BPC A Lei no 8.742/1993, ao regulamentar a Constituio Federal, estabelece, em seu (art. 20, 2), que a pessoa com deficincia que atenda aos critrios para acesso ao Benefcio de Prestao Continuada da Assistncia Social (BPC), aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho. O Decreto no 1.744/1995, que regulamenta o BPC, definiu como pessoa com deficincia aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho em razo de anomalias ou leses irreversveis, de natureza hereditria, congnita ou adquirida que impeam o desempenho das atividades da vida diria e do trabalho. Observa-se uma restrio do conceito, no decreto, ao colocar a irreversibilidade da leso ou anomalia e ao definir como sinnimo de incapacidade de vida independente o no desempenho das atividades de vida diria. Ressalta-se ainda, que atos normativos internos do INSS, substituram a expresso vida diria para vida autnoma. A definio de incapacidade para o trabalho no uma tarefa simples. H uma prevalncia, pela percia mdica do INSS, por exemplo, ao realizar esta anlise visando

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o acesso aos benefcios previdencirios (auxlio doena e aposentadoria por invalidez), de privilegiar o diagnstico da doena apenas, dentro do enfoque individual, sem considerar o meio, a prpria relao com a atividade ocupacional enquanto atividade inserida na diviso social e tcnica do trabalho, determinada historicamente. Ao realizar avaliao de incapacidade para o trabalho da pessoa com deficincia, alm dos obstculos acima descritos, muitas vezes outros conflitos tambm so externados. Vejamos: a assistncia social, enquanto direito social conquistado historicamente pela sociedade brasileira nas ltimas dcadas, traz na sua construo, a tenso com a poltica previdenciria, no que diz respeito ao acesso ou no ao trabalho. Esforos tm sido realizados visando superar esta tenso. Assistncia no incompatvel com o trabalho. Muitas aes voltadas para a pessoa com deficincia sejam por meio de atos legais ou de programas governamentais e da sociedade, voltam-se para incentivar a insero no trabalho de parcelas considerveis destas pessoas, respeitando as diferenas e limitaes, no s visando a gerao de renda, mas principalmente buscando maior integrao e qualidade de vida para este segmento populacional. O acesso ao benefcio, no deveria ser um empecilho ao trabalho e sim um incentivo, um meio de favorecer, por exemplo, uma maior capacitao. Em relao ao conceito de vida independente, o Decreto no 1.744/1995 reducionista quando utiliza este termo como a impossibilidade de desempenhar as atividades da vida diria. Estas deveriam compreender, entre outras: a comunicao; atividades fsicas; funes sensoriais; funes manuais; capacidade de usar meios de transporte; funo sexual; sono e atividades sociais e de lazer. Todavia o INSS, ao operacionalizar a avaliao do beneficirio, considera a incapacidade de vida independente apenas quando o usurio incapaz de desempenhar as atividades relacionadas ao autocuidado, focalizando apenas a capacidade em vestir-se, comer, fazer a higiene pessoal e evitar riscos. Nesta lgica, consideram-se as atividades dirias voltadas muitas vezes, para apenas atender s necessidades de um mnimo biolgico de sobrevida. Exemplo: avalia-se a capacidade da pessoa com deficincia em alimentar-se sozinha, mas no se avalia a capacidade dessa mesma pessoa de preparar sua prpria alimentao. A definio de atividades de vida diria deve referir-se ao desenvolvimento de atividades que garantam um patamar digno de qualidade de vida. Vida diria no deve ser sinnimo de sobrevida. As atividades analisadas no podem restringir-se as atividades necessrias a garantir apenas a sobrevivncia. Assim, sabe-se que uma das limitaes da concesso do BPC s pessoas com deficincia refere-se conceituao de deficincia adotada e carncia de maior clareza e uniformidade, por ocasio da avaliao mdico pericial. O INSS buscou, em alguns momentos, estabelecer parmetros de anlise com a criao do instrumento denominado Avaliemos, acrstico gerado pelos tpicos considerados durante o exame. A ausncia ou presena de alteraes, em diferentes graus, conferiria pontos e o somatrio obtido definiria a concesso, quando resultasse a partir de 17 pontos.

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Parmetros de avaliao de pessoa com deficincia requerente do BPC, a partir do formulrio Avaliemos.A Aptido para o Trabalho V Viso, Audio e Palavra Sim No Sem alteraes Com alteraes Sem alteraes Com alteraes higiene alimentao vesturio 0 6 0 3 0 2 2 2 0 2 3 4 6 0 3 0 3 0 3 1 4 6 1 4 6

A Atividades da Vida Diria

L Locomoo

Marcha livre e normal Utilizao de rtese Utilizao de prtese de membro inferior Utilizao definitiva de cadeira de rodas Sem nenhuma possibilidade de locomoo Com escolaridade Sem escolaridade Normais Sem controle esfincteriano

I

Instruo

E Excretores M

Manuteno (permanente de cuidados No necessita mdicos, de enfermagem ou terceiros) Necessita Leve Moderada Grave (profunda) Leve (inicial) Moderada Grave (definitiva) Interpretao At 09 pontos de 10 a 16 pontos de 17 a 23 pontos acima de 23 pontos

O Oligofrenia e Deficincia Mental

S Sndrome e Quadros Psiquitricos

No h incapacidade aprecivel H incapacidade moderada H incapacidade severa H incapacidade extrema (profunda)

O Avaliemos foi um instrumento indicado no processo de avaliao da percia mdica e sua utilizao no se deu de maneira uniforme, ficando a critrio do mdico perito. O atual sistema informatizado da percia mdica do INSS, Sistema de Administrao dos Benefcios por Incapacidade (SABI), instalado nas Agncias da Previdncia Social (APS), considera na avaliao da incapacidade da vida independente e para o trabalho, apenas alguns aspectos que enfocam a capacidade de locomoo do beneficirio, o controle de esfncteres e a capacidade de vestir-se, higienizar-se e alimentar-se. Desta forma, o conceito de vida independente adotado alm de privilegiar a anlise no indivduo, no considerando o meio no qual ele est inserido, restringe vida independente ao autocuidado, conforme j relatado. A incapacidade definida em decorrncia das limitaes presentes nas pessoas com deficincia, sem atentar para os fatores sociais que cercam aquele potencial beneficirio.

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importante, ao se caracterizar a incapacidade para a vida independente e para o trabalho, levar em conta no somente a gravidade da doena/deficincia, mas tambm a qualidade de vida da pessoa em seu contexto scio-familiar. Outro questionamento a realizao dessa avaliao para acesso ao BPC quando se refere s crianas e aos adolescentes. O Ministrio Pblico Federal, em 2001, levantou essa problemtica ao determinar que o INSS no avaliasse a incapacidade para o trabalho no caso de crianas e adolescentes que no atingiram a idade laboral, j que esta incapacidade presumida em funo da tenra idade, bastando apenas que seja realizada a verificao da existncia da deficincia. Assim, com o intuito de reduzir o grau de limitao e subjetividade existentes nos moldes atuais de avaliao da pessoa com deficincia, est sendo proposto um novo modelo de avaliao mdica e social baseado na Classificao Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Sade (CIF), conforme ser apresentado no captulo seguinte.

5 - Evoluo Conceitual e a Classificao Funcionalidade, Incapacidade e Sade (CIF)

Internacional

de

A Classificao Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Sade (CIF), aprovada pela Organizao Mundial de Sade (OMS), permite classificar, em nvel mundial, a funcionalidade, a sade e a deficincia do ser humano, estabelecendo outros paradigmas em contraposio a idias tradicionais sobre sade e deficincia. A incluso de novos paradigmas resulta de um esforo de sete anos de trabalho, do qual participaram ativamente 65 pases. Foram empreendidos rigorosos estudos cientficos, de forma que a CIF pode ser aplicada independentemente da cultura, grupo etrio ou sexo, possibilitando o recolhimento de dados confiveis e susceptveis de comparao, relativamente aos critrios de sade dos indivduos e das populaes. A CIF foi aceita como uma das classificaes sociais das Organizaes das Naes Unidas (ONU), e incorpora as Normas Uniformes sobre a Igualdade de Oportunidades para Pessoas com Deficincia. adotada por 191 pases, entre os quais o Brasil, como nova norma internacional para descrever e avaliar a funcionalidade, a incapacidade e a sade, constituindo, portanto, um instrumento apropriado para implementar as normas internacionais relativas aos direitos humanos, assim como as legislaes nacionais. Enquanto os indicadores tradicionais baseiam-se em taxas de mortalidade da populao, a CIF focaliza seu interesse no conceito vida, considerando a forma como as pessoas vivem seus problemas de sade e possveis formas de melhorar suas condies de vida com vista a uma existncia produtiva e enriquecedora. Essa nova classificao tem implicaes sobre a prtica da medicina, sobre legislao e polticas sociais destinadas a efetivar e melhorar a qualidade do acesso aos cuidados de sade, bem como proteo de direitos individuais e coletivos. E considera, ainda, os aspectos sociais da deficincia e prope um mecanismo para identificar o impacto do ambiente social e fsico sobre a funcionalidade da pessoa.

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5.1. Seqncia de Conceitos Incorporados pela CIF A CIF representa a reviso da International Classification of Impairments, Disabilities, and Handicaps (ICIDH), publicada em carter experimental, pela Organizao Mundial de Sade (OMS), em 1980, e da ICIDH2 publicada em 1998. Em 1980 a ICIDH apresentou esta seqncia de conceitos: Enfermidade ou Transtorno Deficincias Incapacidade Minusvalia. Minusvalia refere-se s desvantagens sociais experimentadas pelo indivduo em conseqncia da deficincia ou incapacidade. Nessa seqncia a minusvalia era avaliada de forma unidimensional, causal e no contemplava o entorno onde vivia a pessoa avaliada. Em 1998 a ICIDH-2, revisada e incorporada pela CIF, trouxe novidades na seqncia de conceitos e avanos na concepo: Condio de Sade (transtorno ou enfermidade) Deficincia (funo ou estrutura) Atividade (limitao da atividade) Participao (restrio da participao). Na CIF novas concepes foram utilizadas, a saber: Restrio da participao em substituio minusvalia levando em conta os fatores ambientais e pessoais; Consideradas as dimenses de funcionamento e incapacidade; Empregada terminologia neutra; Atividade definida como rendimento real e no como poder fazer ou poderia fazer; Definies de rea de anlise; Identificao de barreiras e facilitadores; Considera as partes do corpo, ou seja, o sistema de orientao em lugar do rgo; O corpo inclui o crebro e suas funes; Considera as estruturas e funes como olho e viso, ouvido e audio; As deficincias no indicam enfermidade ou mal-estar; As deficincias podem formar parte de uma enfermidade ou causar outra deficincia.

5.2 - Deficincias e Incapacidades segundo a CIF Para a CIF, deficincia uma perda ou anormalidade de uma estrutura do corpo ou funo fisiolgica (incluindo funes mentais. Destaca que a expresso anormalidade utilizada estritamente para se referir a uma variao significativa das normas estatsticas estabelecidas, isto , como desvio da mdia da populao dentro de normas mensurveis e ela deve ser utilizada somente neste sentido.( CIF:2003,p.243). As deficincias podem ser temporrias ou permanentes, progressivas, regressivas ou estveis, intermitentes ou contnuas.

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Em pleno sculo XXI, h ainda mulheres, homens, jovens e crianas que tm vida confinada s paredes da prpria casa ou so segregados em instituies. So pessoas que a sociedade considera incapazes de ter uma vida normal porque, numa viso tecnocrtica, a natureza ou gravidade da sua deficincia assim o determina. Esse conceito baseia-se no modelo mdico da incapacidade, que vigorou, e continua a vigorar em definies usadas na maioria das legislaes dos pases. Sobre isso a CIF assim se pronuncia No modelo mdico, a incapacidade entendida como um problema da pessoa, conseqncia direta de uma doena, de um traumatismo ou de outro problema de sade, que necessita de cuidados mdicos fornecidos sob a forma de tratamento individual por profissionais. Os cuidados em relao incapacidade visa cura, adaptao do indivduo ou alterao do seu comportamento. Os cuidados mdicos so entendidos como sendo a questo principal e, em nvel poltico, a principal resposta consiste em modificar ou reformar as polticas de sade. (CIF: 2003, p.32). J no chamado modelo social, a incapacidade, ao contrrio, passou a ser entendida principalmente como um problema criado pela sociedade e uma questo de incluso completa dos indivduos na sociedade. A incapacidade no um atributo da pessoa, mas uma conseqncia de um conjunto complexo de situaes, das quais um nmero razovel criado pelo meio ambiente social. Assim, a soluo do problema exige que as medidas sejam tomadas em termos de ao social, e da responsabilidade coletiva da sociedade no seu conjunto, introduzir as mudanas ambientais necessrias para permitir s pessoas com deficincia participarem plenamente em todos os aspectos da vida social. A questo , pois, da ordem das atitudes ou ideologias; necessita de uma alterao social, que, ao nvel poltico se traduz em termos de direitos da pessoa humana. Segundo este modelo, a incapacidade uma questo poltica (CIF:2003,p.32). A CIF baseia-se em uma integrao desses dois modelos. Uma abordagem biopsicossocial utilizada para obter a integrao das vrias perspectivas de funcionalidade. Assim, a CIF tenta chegar a uma sntese que oferea uma viso coerente das diferentes dimenses de sade sob uma perspectiva biolgica, individual e social. (2003. p.32, grifo nosso). Imps-se, assim, uma nova abordagem da incapacidade. O mbito da discusso e anlise nessa matria passou do simples equacionar de solues pontuais para se situar no plano mais amplo. Assim a CIF o utiliza o termo incapacidade para denotar um fenmeno multidimensional que resulta da interao entre pessoas e seu ambiente fsico e social. importante destacar que a CIF no , de forma alguma, uma classificao de pessoas. Ela uma classificao das caractersticas de sade das pessoas dentro do contexto das situaes individuais de vida e dos impactos ambientais (2003,p.271). Nesse contexto, a CIF faz referncia a todas as pessoas e considera que : Funcionalidade e incapacidade so fenmenos humanos universais; A sade um direito humano bsico e a sociedade e o Estado tm a obrigao de proporcion-la a todos seus membros com incapacidade.

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Assim, a CIF pode ser aplicada como ferramenta para diversos fins: Estatstica na coleta e registro de dados, por exemplo, em estudos populacionais e pesquisas ou em sistemas de gerenciamento de informaes; Pesquisa - para medir resultados, qualidade de vida ou fatores ambientais; Clnica na avaliao de necessidades, na compatibilidade dos tratamentos com condies especficas, avaliao vocacional, reabilitao e avaliao de resultados; Poltica Social no planejamento dos sistemas de previdncia social, benefcios sociais, projeto e implementao de polticas pblicas; Pedaggica na elaborao de programas educativos, para aumentar a conscientizao e realizar aes sociais. A CIF, pelo seu carter tcnico e cientfico de comprovada eficincia, o documento de referncia do Grupo de Trabalho Interministerial constitudo para propor metodologia de avaliao com a finalidade de identificar deficincia e valorar incapacidade para a concesso do BPC.

6 - Dados Estatsticos e Aspectos Epidemiolgicos sobre Deficincias no Brasil Obter dados estatsticos confiveis sobre prevalncia, tipos e distribuio geogrfica das deficincias sempre foi um grande desafio no mundo todo. Quer seja porque a incluso desse tema para contagem nos censos demogrficos teve incio tardiamente, quer seja pela dificuldade em formular questes e contabilizar dados. Ora as questes dizem respeito estrutura do corpo como ausncia ou paralisia dos membros, ora dizem respeito s funes afetadas como, andar, subir escadas, ouvir, enxergar, entre outras. Uma vez que, por exemplo, a ausncia ou paralisia dos membros inferiores leva as dificuldades de caminhar e subir escadas pode haver contagem dupla de pessoas quando contadas as funes comprometidas. Houve tentativas anteriores de quantificar as pessoas com deficincia no Brasil, porm, a mais recente, a do Censo Demogrfico do ano 2000, foi considerada a mais importante porque incorporou uma variedade maior de tipos de deficincias, como seus respectivos graus de incapacidades. Mesmo com avanos, o Censo/IBGE 2000, ao tratar das informaes sobre a presena de deficincias fsica e mental, limitou-se a perguntas relativas capacidade de enxergar, ouvir, caminhar, presena de deficincia mental e presena de deficincias nos residentes no mesmo domiclio. A Fundao Getlio Vargas (FGV) procedeu a uma avaliao dos dados do Censo 2000, e realizou vrios cruzamentos entre a populao total e a populao sem deficincia e, em 2002, publicou o documento intitulado Retratos da Deficincia no Brasil. Aps anlise dos dados, a FGV chegou concluso que o universo de pessoas com deficincia na populao brasileira de 14,5%, distribudos da seguinte forma: deficincia

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mental1 (11,5%); tetraplegia, paraplegia ou hemiplegia (0,44%); falta de um membro ou parte dele (5,32%); alguma dificuldade de enxergar (57,16%); alguma dificuldade de ouvir (19%); alguma dificuldade de caminhar (22,7%); grande dificuldade de enxergar (10,50%); grande dificuldade de ouvir (4,27%); grande dificuldade de caminhar (9,54%); incapaz de ouvir (0,68%); incapaz de caminhar e subir escadas (2,3%) e incapaz de enxergar (0,6%). A soma dos subtotais superior ao total de pessoas com algum tipo de deficincia em razo da ocorrncia de vrias deficincias em uma s pessoa. A FGV considerou, para efeitos de estudos, dois grandes grupos de respostas: Pessoa com Deficincia (PcD) - deficincia mental, tetraplegia ou hemiplegia, falta de um membro ou parte dele, alguma e grande dificuldade de enxergar, ouvir, caminhar; Pessoa com Percepo de Incapacidade (PPI) - incapaz de enxergar, ouvir, caminhar e subir escadas. De acordo como a anlise efetuada, as pessoas com alguma dificuldade permanente de enxergar (57,16%) so a grande maioria, diferentemente dos levantamentos de PNAD 1981 e do Censo 1991, onde a principal categoria era composta por indivduos que apresentavam deficincia mental, 32,7% e 39,5% respectivamente. necessrio considerar que as respostas relativas a alguma e grande dificuldade de enxergar, ouvir, caminhar e subir escadas podem estar associadas a indivduos em faixa etria mais avanada, cuja dificuldade declarada em decorrncia da idade. Da populao com algum tipo de deficincia, 27,7% tem mais de 60 anos e da populao com percepo de incapacidade, 23,72% tem mais de 60 anos. As respostas relativas s limitaes mais severas, ou seja, pessoas com percepo de incapacidade, deixando de lado aquelas com alguma ou grande dificuldade e as deficincias relacionadas no questionrio, corresponde apenas a 2,5% da populao. Relativamente as pessoas com deficincia mental (11,5%), mesmo aquelas com grandes capacidades, apresentam graves dificuldades para trabalhar no mercado competitivo, baixo rendimento em atividades laborais, melhorando o desempenho quando trabalham com superviso em centros especiais de empregos protegidos. A partir das informaes obtidas com o censo possvel inferir, de princpio, que, no mnimo, 2,5% da populao que respondeu ter limitaes mais severas - PPI, somados aos 11,5% com deficincia mental, desde que pertenam s famlias com renda por pessoa inferior a do salrio mnimo, constitui pblico potencial para acesso ao BPC para pessoas com deficincia. No podemos desconsiderar tambm o percentual de 24,31% da populao que respondeu ter grandes dificuldades para enxergar, ouvir e caminhar. Caso seja caracterizada incapacidade para a vida independente e para o trabalho, este segmento ser potencial beneficirio do BPC. Uma estimativa mais acurada desse pblico fica prejudicada devido ao perfil do pblico alvo e dos estudos dos dados realizados. Por exemplo, da populao com algum tipo de deficincia PcD, 27,7% tem mais de 60 anos e na populao com percepo de incapacidade PPI, 23,72% tem mais de 60 anos e a partir de 65 anos as pessoas com renda1

O Censo/IBGE no faz especificaes entre transtornos mentais e deficincias, englobando as pessoas com limitaes mentais.

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familiar inferior a do salrio mnimo podem optar por requerer o benefcio BPC para idosos e no para pessoas com deficincia. As informaes do censo relativas ao nvel de renda apontam que da populao com algum tipo de deficincia PcD, 29,05% tem renda inferior salrio mnimo e da populao com percepo de incapacidade - PPI, 41,62% tem renda inferior salrio mnimo. Essas diferenas de parmetros no permitem estimar o pblico potencial para BPC para pessoas com deficincia. Ainda com relao ao universo de 14,5% de pessoas com algum tipo de deficincia na populao brasileira, embora considerado alto, est prximo ao encontrado na populao de outros pases como a Espanha. Neste pas, segundo o ltimo censo, 15% da populao tem algum tipo de deficincia, dos quais 6% padece de algum tipo de incapacidade. Do total de pessoas com incapacidade, 47% so maiores de 65 anos. A FGV tambm analisou os dados cruzando informaes sobre outros indicadores que ajudam a avaliar a possibilidade de acesso renda das pessoas com deficincia se comparadas populao em geral. Destacamos alguns indicadores: Escolaridade a situao da escolaridade no Brasil crtica, pois 27,6% dos indivduos tm de 4 a 7 anos de estudo e uma entre quatro pessoas (25,03%) no tem instruo. No caso das pessoas com deficincia, esse quadro ainda mais grave, uma vez que 27,61% no possuem escolaridade contra 24,6% entre a populao sem deficincia. Entretanto, quando essa comparao feita entre os indivduos que possuem maior grau de escolaridade, ou seja, aqueles com 12 anos ou mais de estudo, observa-se uma maior proporo entre pessoas com deficincia (1,55%) em relao queles que no apresentam deficincia (1,07%), ou seja, as pessoas com deficincia esto mais presentes nos extremos do espectro educacional. possvel diagnosticar uma elevada demanda reprimida por educao por parte das pessoas com limitaes mais severas, Percepo de Incapacidade (PPI). Observa-se que entre elas o percentual de indivduos sem instruo de 42,5% diferentemente do encontrado para o grupo de pessoas com deficincia (27,6%) e para o grupo de pessoas sem deficincia (24,5%). A escolaridade mdia das pessoas com deficincia de 3,95 anos completos de estudos, isto inferior a mdia da populao brasileira (4,81). As pessoas com deficincia so menos instrudas, deteriorando as chances e as condies de ingresso no mercado de trabalho formal. Posio na ocupao e na desocupao a categoria de posio na ocupao mais expressiva da populao de inativos, entre as pessoas sem deficincia esse nmero chega a 32%, ao passo que na de Pessoas com Deficincia (PcD) cerca de 52%. O estudo aponta que tal ndice pode ser fruto, alm das limitaes geradas por algum tipo de deficincia para a vida produtiva, do desencorajamento de oferta de mo de obra no mercado. A pessoa com deficincia, na expectativa de no obter a vaga desejada, no se habilitaria a buscar o emprego. Em relao ao grupo de Pessoas com Percepo de Incapacidades (PPIs), conforme diviso utilizada no estudo da FGV, j explicitada, o nmero de inativos de 66,7%.

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Outro dado diz respeito aos empregados com vnculo empregatcio formal, cujo nmero mais representativo entre pessoas sem deficincia (14,7%) de que entre as pessoas com deficincia (10,4%). As taxas de deficincia apontam maior incidncia entre os indivduos inativos (21,7%) e os que trabalham para a prpria subsistncia (27,2%). A FGV apresentou um Mapa da Diversidade do Brasil cujo objetivo maior caracterizar o universo de pessoas com deficincia, no qual o conceito obedece aos novos critrios usados pelo Censo, mais abrangentes do que os levantamentos anteriores, englobando alguma e grande dificuldade e deficincias em geral e incapacidade para enxergar, ouvir, caminhar e subir escadas e comparar com a populao em geral. Tabela 2: Mapa da diversidade do BrasilTipo No PcD PcD PPI Total Populao Mulheres Idoso Renda