Aula 12-As ditaduras militares como reação. O caso do Chile.
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Aula 12 - As ditaduras militares como reação. O caso do Chile.
Objetivo Identificar o processo de ascensão da esquerda no Chile e as intervenções políticas e econômicas da potência capitalista no contexto da Guerra Fria, como elementos centrais para a compreensão do golpe militar.
1. As ditaduras militares: interpretações
Grande parte das interpretações sobre a América Latina considera duas
questões fundamentais que marcam as relações econômicas e políticas como
determinantes para compreender o desenvolvimento histórico dos diversos países.
A primeira delas é a dependência do mercado internacional, que perpetua a
dominação externa mesmo após as independências.
A segunda questão diz respeito a uma tradição autoritária, que remontaria à
tradição jurídica ibérica, passaria pelas guerras civis do século XIX (cujas
consequências seriam os rotineiros golpes de Estado e a militarização das facções
lideradas por caudilhos), e ainda seria reforçada pelos regimes nacionalistas
centralizadores que foram instituídos nos anos de 1930.
Tal tradição é muitas vezes responsabilizada pelas ditaduras em geral e também
pelos regimes militares que se instalaram em diversos países na segunda metade
do século XX. Um outro elemento que aparece no debate sobre a militarização dos
governos na América Latina é a relação entre o subdesenvolvimento e as
intervenções militares. De acordo com essa perspectiva, os conflitos sociais
resultantes da modernização, da urbanização e das novas relações de trabalho
seriam obstáculos ao desenvolvimento. Por isto as elites nacionais entenderiam
que a democracia é incompatível com o processo de
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modernização. Na verdade, essa reflexão tem um caráter acentuado de
justificativa dos regimes autoritários.
O fenômeno das ditaduras militares que tomaram o poder em vários Estados americanos na segunda metade do século XX não pode ser compreendido apenas a partir dessa tradição autoritária.
Assim como os regimes nacionalistas ─ ou populistas ─ devem muito a um
contexto histórico particular, de crise do liberalismo no mundo e de ascensão de
novos paradigmas que acentuam a função reguladora dos Estados, as ditaduras
militares só podem ser compreendidas considerando-se o contexto da Guerra Fria.
Os Exércitos da América Latina, em sua grande maioria, tornaram-se
profissionalizados desde o início do século XX. Embora em alguns casos, como na
Argentina, permanecessem como uma força política autônoma, já não
correspondiam àquela configuração do século XIX, quando ainda não estavam
plenamente subordinados ao governo civil. Passaram a fazer parte da burocracia
do Estado, mas constituíam também a parte da elite considerada, interna e
externamente, capaz de promover a modernização com a manutenção da ordem e,
sobretudo, com a vigilância permanente das organizações subversivas e a
perseguição aos comunistas.
2. Estabilidade política e organização social no Chile
A estabilidade das instituições políticas foi permanente no Chile entre 1932
e o golpe militar de 1973. De acordo com Rouquié, o fato da produção do minério
para exportação estar nas mãos do capital externo propiciou uma dissociação
entre o poder político e o econômico e um fortalecimento do sistema
representativo. Ou seja, o conflito de classe mais agudo acontecia entre
trabalhadores e elemento externos, de sorte que o Estado pode consolidar suas
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instituições porque era reconhecido como instância autônoma e até como
mediador dos conflitos (ROUQUIÉ, 1984, p. 268).
O crescimento dos investimentos externos para a exploração do nitrato, do
cobre e do salitre ampliou muito os impostos pagos pelas empresas estrangeiras,
enriquecendo o Estado. Isto permitiu que os serviços públicos se expandissem e
que uma série de funções especializadas se desenvolvesse solapando o monopólio
do Exército como fração profissionalizada no aparelho estatal. O Exército nada
mais é do que um ramo entre outros da burocracia pública (ROUQUIÉ, 1984, p.
269).
As classes médias, incorporadas ao processo político desde o início do
século XX, não chegaram a suplantar o domínio político das oligarquias. Ao
contrário, contribuíram para a manutenção da legitimidade das instituições na
medida em que se incorporavam ao Estado como parte de sua burocracia. Os
camponeses, por seu turno, permaneceram até a década de 1960 sem
representação política, sem sindicatos ou organizações autônomas e ligados a um
sistema antigo de patronato e dependência pessoal que os manteve sob a tutela
das oligarquias rurais.
Os conflitos sociais no Chile
concentraram-se nos setores da exploração
mineradora das grandes empresas
estrangeiras.
Os conflitos sociais no Chile concentraram-se nos setores da exploração mineradora das grandes empresas estrangeiras Em 1907, houve mais de 2 mil mortos no massacre de Santa Maria do Iquique, durante a greve geral dos trabalhadores da exploração do salitre. Ver <http://www.latinoamericano.jor.br/memoria_viva_iquique.html>. Outras formas de repressão brutal aconteceram nas greves de 1903 em Valparaíso e em 1905 em Santiago. Ainda no ano de 1925, o massacre sangrento de Marusia, também conhecido como massacre de La Coruña, deixou milhares de mortos após a repressão à greve dos mineiros.
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Surgiram de forma explosiva no início do século XX, mas como nas demais
regiões do mundo, aos poucos foram domesticados, à medida em que eram
criados os mecanismos institucionais de negociação, sobretudo quando a
legislação legitimou o direito de greve.
Longe dos centros de poder, nos momentos mais combativos não chegaram
a comprometer ou ameaçar a ordem estabelecida. A partir de 1938, com a vitória
da Frente Popular, o Chile viveu um período de governos desenvolvimentistas e
industrialistas que incorporaram a classe operária ao processo político, o que
contribuiu para que o conflito de classe fosse negociado por meio dos mecanismos
institucionais do Estado. Dessa forma, o operariado chileno desenvolveu uma
perspectiva legalista do conflito de classes e da negociação política.
3. O avanço da esquerda chilena
No final da década de 1950, parecia claro que
os partidos de esquerda ganhavam terreno e
ameaçavam a conservação das estruturas sociais e
econômicas. Em 1958, Salvador Allende perdeu as
eleições por muito pouco para o candidato da direita,
Jorge Alessandri. Diante do crescimento eleitoral da
Unidade Popular, que aglutinava partidos socialistas e
radicais, Eduardo Frei, candidato da democracia cristã,
apresentou um projeto reformista no ano de 1964 e
foi apoiado pelos conservadores. Estes, temendo uma
vitória da esquerda, não apresentaram candidatura,
favorecendo a vitória tranquila de Frei naquelas
eleições.
Salvador Allende
Salvador Allende foi um dos
fundadores do Partido Socialista
Chileno, em 1933, e dele fez parte
até 1946. Em 1937, foi eleito
deputado e, dois anos depois,
nomeado ministro da Saúde,
função que exerceu até 1942. No
ano seguinte, assumiu a direção do
partido. Em 1945, foi eleito
senador, cargo que ocupou durante
25 anos. Perdeu por três vezes as
eleições presidenciais, em 1952,
1958 e 1964, mas conseguiu
eleger-se presidente do Chile em
1970, como candidato de uma
coligação de esquerda, a Unidade
Popular. Assim, entrou para a
história da política mundial como
o primeiro marxista a chegar ao
poder pelas urnas.
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Eduardo Frei tinha como meta modernizar as estruturas produtivas do Chile
para que o país saísse da estagnação econômica e pudesse minimizar o
descontentamento social e o crescimento da esquerda socialista. Ele imaginava
que essa era a forma de obter o apoio permanente dos trabalhadores chilenos
para executar um projeto de longo prazo que ele definia como um caminho não
capitalista de desenvolvimento, de acordo com a doutrina social da Igreja.
Frei procurou integrar à vida política nacional os segmentos até então
marginalizados de forma tutelada por meio da formação de conselhos de bairros e
do estímulo à criação dos sindicatos camponeses. Além disso, editou uma lei de
reforma agrária com o objetivo de criar uma classe de pequenos proprietários em
consonância com o ideal cristão de justiça social. O patronato se inquietou e as
classes pobres do Chile criaram grandes expectativas que não podiam ser
satisfeitas do dia para a noite. O resultado foi o agravamento das tensões sociais e
a ruptura do modelo de estabilidade que fora capaz de conservar inalterado o
status quo das oligarquias nacionais.
Nessas circunstâncias, contra uma burguesia dividida, Salvador Allende
ganhou as eleições em 1970 com apenas pouco mais de um terço dos votos. E foi
com esse apoio restrito que teve que tentar implementar o seu programa de
construir o socialismo no país pelos meios legais. A via chilena para o socialismo
devia estar subordinada à Constituição, porque o Exército também era legalista e
Allende sabia que, com as investidas burguesas e norte-americanas, era preciso
garantir a lealdade da corporação militar.
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4. A Reação e o golpe militar
O governo de Salvador Allende foi boicotado de inúmeras formas. Todos os
tipos de dificuldades foram criados para inviabilizar a sua gestão e para evitar que
o socialismo pudesse ser mais uma vez ser afirmado como alternativa real para a
América Latina. Antes mesmo de assumir a presidência, as tentativas de derrubar
o socialismo já haviam começado. Em 1970, uma conspiração no Exército custou a
vida de seu comandante em chefe, o general Schneider, que defendia o legalismo
constitucional. Entre 1972 e 1973, greves paralisaram os transportes e o comércio,
promovendo desabastecimento e intranquilidade na população. Créditos das
agências internacionais e dos bancos de desenvolvimento foram cortados e a
venda de produtos de grande necessidade para o país foi limitada.
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O governo norte-americano estava por detrás de todas essas iniciativas, apoiando a burguesia nacional nos boicotes e greves, controlando as agências de investimentos e, sobretudo, estimulando o Exército chileno a promover um golpe.
Antes do golpe derradeiro, comandado pelo
general Augusto Pinochet, cinco tentativas foram
empreendidas com o apoio dos especialistas norte-
americanos em “covert actions”.
De acordo com Rouquié (1984, p. 287), o Exército chileno recebeu um
vultoso investimento em programas militares. A partir de 1965, quase a totalidade
dos oficiais chilenos passou a fazer estágios nas escolas norte-americanas.
[...] enquanto os Estados Unidos cortam a ajuda de víveres para o
governo Allende, mantêm e ainda aumentam os créditos militares. A
assistência militar que caíra para 800.000 dólares em 1970, passa a
5,7 milhões de dólares em 1971 e chega a 10,9 milhões em 1972,
constituindo o único crédito americano atribuído ao Chile nesse ano
[...].
A vitória de Allende representou para os Estados Unidos o maior desafio
que já havia sido enfrentado nas Américas, de acordo com a avaliação do
secretário de Estado Henry Kissinger. O presidente Nixon logo decidiu que o
regime de Allende não podia ser aceito, e uma atitude passiva norte-americana
seria vista como sinal de impotência diante de um desenvolvimento adverso na
“covert actions”
As covert actions são ações
clandestinas autorizadas pelo
governo norte-americano sem
aprovação do Congresso e sem que
tenham qualquer registro oficial.
Elas são conhecidas não apenas
pois deixam suas marcas e
produzem consequências, mas
porque os envolvidos são levados a
admitir os fatos em inquéritos
posteriores, ou o fazem por livre
vontade em livros de memórias.
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região reconhecida como parte de sua esfera de influência (MONIZ BANDEIRA,
2006, p. 317).
Para evitar a ascensão da esquerda no Chile, o governo de Kennedy já havia
investido no programa reformista de Eduardo Frei. A idéia era apoiar os partidos
reformistas de classe média para frear a radicalização popular e as revoltas
camponesas e operárias. Somente para a eleição do candidato da democracia-
cristã, a Central Intelligence Agency (CIA) repassou por intermediários U$ 2,6
milhões, o equivalente a metade dos custos da campanha. Em 1970, a decisão do
governo dos Estados Unidos tinha sido a de não apoiar nenhum dos candidatos,
mas de impedir a vitória e a posse de Allende por meio do estrangulamento
financeiro do país e de covert actions.
A tentativa de golpe articulada entre o adido militar na Embaixada
Americana em Santiago e o general Viaux, embora tenha resultado na morte do
comandante em chefe do Exército, o general Schneider, não conseguiu impedir
que Allende assumisse a presidência em 4 de novembro de 1970 (MONIZ
BANDEIRA, 2006, p. 319).
A partir de então, as campanhas levadas a cabo pela CIA foram capazes de
produzir o pânico financeiro e a instabilidade política que provocaram o caos no
Chile. Os investimentos foram congelados e as contas bancárias esvaziadas. O
consumo tornou-se irracional, com a população estocando os produtos de maior
necessidade. As greves organizadas pelos proprietários do setor de transportes
buscaram paralisar o país. Um mercado negro surgiu e determinou que o governo
organizasse a distribuição e o racionamento.
No plano político, a obstrução parlamentar e a recusa sistemática dos
projetos do governo tinham por objetivo inviabilizar as iniciativas de Salvador
Allende. Cabe destacar que a Unidade Popular não compôs uma maioria
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parlamentar. O resultado do estrangulamento econômico e político do governo foi
a polarização das forças políticas, com os partidos de esquerda defendendo a luta
armada contra a burguesia nacional e as organizações de direita reivindicando uma
postura intervencionista do Exército. Afirma-se que o governo de Salvador Allende
não é capaz de garantir o bem comum e por isso pode ser considerado ilegítimo
(ROUQUIÉ, 1984, p. 193).
Os generais começaram a entender que o Exército tinha um papel
importante na solução do conflito que assolava o Chile. Em agosto de 1973, o
general Prats renunciou ao comando do Exército, quando passou a ser minoria no
conselho dos generais. O legalismo perdia, dentro da instituição, para as facções
intervencionistas.
O novo comandante do Exército, o general Augusto Pinochet,
colocou em ação, em 11 de setembro de 1973, o golpe que
acabou com o governo de Salvador Allende e instaurou a
ditadura no Chile.
Foi um golpe surpreendentemente violento. Os militares esperavam
por uma resistência que não ocorreu. Prepararam-se para uma intervenção que
fosse assustadora desde o seu início, para desencorajar aqueles que ainda
pudessem pensar em resistir. O terror começou nos meios militares contra os
quadros legalistas.
Essa era a base de sustentação do governo
e, para garantir a vitória do golpe, ela precisava ser
eliminada, permitindo que houvesse total unidade entre
os militares. Três dias de combates selaram a vitória dos
golpistas, com a morte de Salvador Allende e a
perseguição, morte ou encarceramento de todos os
líderes operários e de organizações de esquerda.
A morte de Salvador
Allende
Salvador Allende suicidou-se
em 11 de setembro no Palácio
La Moneda, cercado por
tropas militares.
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Conclusão
Apesar da estabilidade política e institucional de pelo menos quatro
décadas, uma intervenção das Forças Armadas destruiu a ordem legal do Chile e
iniciou um regime militar autoritário particular, com a permanência do ditador
Augusto Pinochet no poder entre 1973 e 1989, quando a ditadura acabou.
Augusto Pinochet
O avanço do socialismo pelas vias legais foi um novo desafio à ordem
liberal no continente que não podia ser tolerado pelo governo norte-americano.
Afinal representava um estímulo a mais para os movimentos de esquerda latino-
americanos. O mecanismo de intervenção contra um governo legitimamente eleito
teve que ser mais sofisticado do que a mera intervenção militar direta. O boicote,
o apoio às greves de setores de infraestrutura, a massiva propaganda e,
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fundamentalmente, o investimento e o treinamento das forças militares
constituíram os novos instrumentos usados para inviabilizar o governo e legitimar o
golpe das Forças Armadas. Embora formalmente nacional, a compreensão do
processo demonstra em que medida o exercício da soberania estava limitado, se
não abolido, naquele período.
Bibliografia
AGGIO, Alberto. Frente Popular, modernização e revolução passiva no Chile.
Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 17, n. 34, 1997.
CHASTEEN, John Charles. América Latina. Uma história de sangue e fogo. Rio de
Janeiro: Campus, 2001.
D’ARAUJO, Maria Celina; CASTRO, Celso (Org.). Democracia e forças armadas no
Cone Sul. Rio de Janeiro: FGV, 2000.
GUAZZELLI, César; WASSERMAN, Cláudia. Ditaduras militares na América Latina.
Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004.
MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. Formação do império americano. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2006.
ROUQUIÉ, Alain. O Estado militar na América Latina. São Paulo: Editora Alfa-
Omega, 1984.
Para saber mais
Leia o artigo “Chile: breves recordações sobre neoliberalismo e ditadura”, de
Virgílio Arraesde, no qual se destaca o aspecto das reformas econômicas
implementadas no governo Pinochet no quadro da extrema repressão política.
Disponível em:
<http://www.correiocidadania.com.br/content/view/1452/>.