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Atualidades Ornitológicas On-line Nº 147 - Janeiro/Fevereiro 2009 - www.ao.com.br 58 1 pernilongo-de-costas-brancas, Himantopus melanurus é encontra- Luciano Moreira Lima , José Fernando Pacheco, Vania do no Chile, sudeste do Peru, Bolivia, Paraguai, Argentina, além de Soares Alves, Ana Beatriz Aroeira Soares, Gilberto Soares do centro-oeste, sudeste e sul do Brasil (Sick 1997, Clements 2000). Couto, Salvatore Siciliano, Davi Castro Tavares, Guilherme Embora considerado por Sick (1997) como “não [sendo] raro em Alves Serpa, Bruno Rennó & Eduardo Maciel certos locais, por exemplo Rio Grande do Sul [...] e baixada de Cam- pos (Rio de Janeiro)”, Himantopus melanurus tem sido, no geral, RESUMO. O pernilongo-de-costas-brancas, Himantopus me- tratado como uma espécie incomum no Estado do Rio de Janeiro co- lanurus Vieillot, 1817, no Estado do Rio de Janeiro: revisão dos mo um todo, uma vez que são escassos os registros existentes na li- registros e novas observações. É feita uma compilação dos regis- teratura. Esta situação justificou o tratamento da espécie como tros pretéritos e atuais de Himantopus melanurus Vieillot, 1817 no “provavelmente ameaçada” na Lista da Fauna Ameaçada de Extin- Estado do Rio de Janeiro, onde a espécie era antes tratada como in- ção do Estado do Rio de Janeiro (Alves et al. 2000). comum e “provavelmente ameaçada”. Observações recentes e con- Os primeiros registros da ocorrência do pernilongo-de-costas- tinuadas em novas áreas do território fluminense, além das já co- brancas no Estado do Rio de Janeiro foram realizados pelo célebre nhecidas de sua ocorrência, apontam para uma expansão populaci- naturalista Johann Natterer que, além de observações pessoais, te- onal e geográfica de H. melanurus, indicando que a espécie tenha ve acesso em 1818 a espécimes caçados pelo Príncipe Dom Pedro se tornado residente no RJ. A ausência, porém, de dados objetivos (Pelzeln 1870). Posteriores aos registros de Natterer, existem dis- que comprovem a reprodução de H. melanurus nessas áreas, assim poníveis na literatura apenas outras sete menções da ocorrência da como a frágil situação conservacionista dos seus locais de ocorrên- espécie no Estado (Freitas 1951, Mitchell 1957, Schubart et al. cia, tornam necessários novos estudos para uma efetiva verificação 1965, Aguirre e Aldrighi 1983, Sick 1997, Moura 2005, Soares et do status da espécie no Estado do Rio de Janeiro. al. 2008), havendo entre estas, alusões a sete espécimes coletados. É, sobretudo, digno de nota o fato que, com exceção de uma comu- INTRODUÇÃO nicação recente (Soares et al. 2008, cujas datas dos registros são Os Recurvirostrídeos (pernilongos e alfaiates – Costa et al. 2000) aqui divulgadas), todos os outros são anteriores a década de 1970. formam uma família quase cosmopolita, com espécies distribuídas Dentro deste contexto, o presente trabalho tem como principal pelas regiões tropicais e subtropicais de todo o planeta (Pierce 1996). objetivo divulgar diversos registros inéditos de Himantopus mela- Em termos globais, a família compreende, segundo diferentes arran- nurus efetuados recentemente pelos autores no Estado do Rio de Ja- jos taxonômicos contemporâneos, os seguintes totais de espécies: 7 neiro, bem como apresentar uma compilação dos registros pretéri- (Conder & Bub 1985, Hayman et al. 1986, Dickinson 2003), 8 (Pe- tos que se encontram dispersos na literatura. Além disso, através terson 2009), 9 (O´Brien 2006), 10 (Clements 2000), 11 (Pierce da análise crítica dos registros de ocorrência da espécie em territó- 1996) ou 13 (Morony et al. 1975, Howard & Moore 1994) que se en- rio fluminense, os autores apresentam observações relacionadas contram agrupadas em três gêneros. Alternativamente, Sibley & com a distribuição, biologia e conservação do pernilongo-de- Monroe (1990) consideraram este grupo apenas como Tribo de uma costas-brancas no Estado do Rio de Janeiro. expandida família Charadriidae. Habitantes de áreas alagadas e bre- MATERIAL E MÉTODOS josas, suas principais características incluem o bico fino e comprido, A compilação dos registros pretéritos foi baseada em exaustiva in- curvado para cima em Recurvirostra spp., e as patas alongadas, uma vestigação da literatura disponível. Os registros e observações iné- adaptação para o deslocamento em terrenos alagados. A maior parte ditos aqui divulgados foram coletados oportunisticamente durante das espécies possui plumagem predominantemente branca e negra, várias excursões ornitológicas realizadas pelos autores em diversas Himantopus spp. e Cladorhynchus leucocephalus possuem as patas áreas do Estado do Rio de Janeiro. Eventuais registros foram docu- avermelhadas ou rosadas (Conder & Bub 1985, Pierce 1996). mentados com câmera fotográficas com zoom ótico superior a 10x. No Brasil, é conhecida a ocorrência de duas espécies de Recurvi- A divisão e denominação das diferentes regiões geográficas do rostridae, ambas integrantes do gênero Himantopus (CBRO 2008) Estado segue a proposta de Pacheco e Parrini (2000). e até recentemente tratadas como formas geográficas de uma única RESULTADOS E DISCUSSÕES espécie (Pierce 1996, Sick 1997). Obras faunísticas, recentes e de No total, a literatura disponível aponta nove registros de Himanto- cunho nacional, de vários dos países sul-americanos (Ridgely & pus melanurus no Estado do Rio de Janeiro (Tabela1). Estes dados in- Greenfield 2001, Mazar-Barnett & Pearman 2001, Clements & dicam a ocorrência da espécie nas regiões Grande Rio e Norte. Os re- Shany 2001, Jaramillo 2003, Sigrist 2006) optaram por conferir a gistros inéditos são apresentados em ordem cronológica na tabela 2 e Himantopus melanurus o status de aloespécie proposto por Mayr & incluem além da região Norte registros para regiões Lagos e Meridio- Short (1970) e Short (1975). O pernilongo-de-costas-negras, Hi- nal do Vale do Rio Paraíba do Sul. Uma seleção de fotos que docu- mantopus mexicanus, ocorre desde o oeste e sul dos Estados Unidos mentam alguns dos novos registros é apresentada nas prancha 1, 2 e 3. até o Equador, Peru e no Brasil nas regiões Norte e Nordeste. Já o 9 771981 887003 9 4 1 0 0 ISSN 1981-8874 O pernilongo-de-costas-brancas, revisão dos registros e novas observações Himantopus melanurus no Estado do Rio de Janeiro: (Charadriiformes: Recurvirostridae),

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Atualidades Ornitológicas On-line Nº 147 - Janeiro/Fevereiro 2009 - www.ao.com.br58

1 pernilongo-de-costas-brancas, Himantopus melanurus é encontra-Luciano Moreira Lima , José Fernando Pacheco, Vania do no Chile, sudeste do Peru, Bolivia, Paraguai, Argentina, além de Soares Alves, Ana Beatriz Aroeira Soares, Gilberto Soares do centro-oeste, sudeste e sul do Brasil (Sick 1997, Clements 2000). Couto, Salvatore Siciliano, Davi Castro Tavares, Guilherme

Embora considerado por Sick (1997) como “não [sendo] raro em Alves Serpa, Bruno Rennó & Eduardo Maciel certos locais, por exemplo Rio Grande do Sul [...] e baixada de Cam-pos (Rio de Janeiro)”, Himantopus melanurus tem sido, no geral, RESUMO. O pernilongo-de-costas-brancas, Himantopus me-tratado como uma espécie incomum no Estado do Rio de Janeiro co-lanurus Vieillot, 1817, no Estado do Rio de Janeiro: revisão dos mo um todo, uma vez que são escassos os registros existentes na li-registros e novas observações. É feita uma compilação dos regis-teratura. Esta situação justificou o tratamento da espécie como tros pretéritos e atuais de Himantopus melanurus Vieillot, 1817 no “provavelmente ameaçada” na Lista da Fauna Ameaçada de Extin-Estado do Rio de Janeiro, onde a espécie era antes tratada como in-ção do Estado do Rio de Janeiro (Alves et al. 2000). comum e “provavelmente ameaçada”. Observações recentes e con-

Os primeiros registros da ocorrência do pernilongo-de-costas-tinuadas em novas áreas do território fluminense, além das já co-brancas no Estado do Rio de Janeiro foram realizados pelo célebre nhecidas de sua ocorrência, apontam para uma expansão populaci-naturalista Johann Natterer que, além de observações pessoais, te-onal e geográfica de H. melanurus, indicando que a espécie tenha ve acesso em 1818 a espécimes caçados pelo Príncipe Dom Pedro se tornado residente no RJ. A ausência, porém, de dados objetivos (Pelzeln 1870). Posteriores aos registros de Natterer, existem dis-que comprovem a reprodução de H. melanurus nessas áreas, assim poníveis na literatura apenas outras sete menções da ocorrência da como a frágil situação conservacionista dos seus locais de ocorrên-espécie no Estado (Freitas 1951, Mitchell 1957, Schubart et al. cia, tornam necessários novos estudos para uma efetiva verificação 1965, Aguirre e Aldrighi 1983, Sick 1997, Moura 2005, Soares et do status da espécie no Estado do Rio de Janeiro.al. 2008), havendo entre estas, alusões a sete espécimes coletados. É, sobretudo, digno de nota o fato que, com exceção de uma comu-INTRODUÇÃOnicação recente (Soares et al. 2008, cujas datas dos registros são Os Recurvirostrídeos (pernilongos e alfaiates – Costa et al. 2000) aqui divulgadas), todos os outros são anteriores a década de 1970.formam uma família quase cosmopolita, com espécies distribuídas

Dentro deste contexto, o presente trabalho tem como principal pelas regiões tropicais e subtropicais de todo o planeta (Pierce 1996). objetivo divulgar diversos registros inéditos de Himantopus mela-Em termos globais, a família compreende, segundo diferentes arran-nurus efetuados recentemente pelos autores no Estado do Rio de Ja-jos taxonômicos contemporâneos, os seguintes totais de espécies: 7 neiro, bem como apresentar uma compilação dos registros pretéri-(Conder & Bub 1985, Hayman et al. 1986, Dickinson 2003), 8 (Pe-tos que se encontram dispersos na literatura. Além disso, através terson 2009), 9 (O´Brien 2006), 10 (Clements 2000), 11 (Pierce da análise crítica dos registros de ocorrência da espécie em territó-1996) ou 13 (Morony et al. 1975, Howard & Moore 1994) que se en-rio fluminense, os autores apresentam observações relacionadas contram agrupadas em três gêneros. Alternativamente, Sibley & com a distribuição, biologia e conservação do pernilongo-de-Monroe (1990) consideraram este grupo apenas como Tribo de uma costas-brancas no Estado do Rio de Janeiro.expandida família Charadriidae. Habitantes de áreas alagadas e bre-MATERIAL E MÉTODOSjosas, suas principais características incluem o bico fino e comprido,

A compilação dos registros pretéritos foi baseada em exaustiva in-curvado para cima em Recurvirostra spp., e as patas alongadas, uma vestigação da literatura disponível. Os registros e observações iné-adaptação para o deslocamento em terrenos alagados. A maior parte ditos aqui divulgados foram coletados oportunisticamente durante das espécies possui plumagem predominantemente branca e negra, várias excursões ornitológicas realizadas pelos autores em diversas Himantopus spp. e Cladorhynchus leucocephalus possuem as patas áreas do Estado do Rio de Janeiro. Eventuais registros foram docu-avermelhadas ou rosadas (Conder & Bub 1985, Pierce 1996).mentados com câmera fotográficas com zoom ótico superior a 10x.No Brasil, é conhecida a ocorrência de duas espécies de Recurvi-

A divisão e denominação das diferentes regiões geográficas do rostridae, ambas integrantes do gênero Himantopus (CBRO 2008) Estado segue a proposta de Pacheco e Parrini (2000). e até recentemente tratadas como formas geográficas de uma única RESULTADOS E DISCUSSÕESespécie (Pierce 1996, Sick 1997). Obras faunísticas, recentes e de

No total, a literatura disponível aponta nove registros de Himanto-cunho nacional, de vários dos países sul-americanos (Ridgely & pus melanurus no Estado do Rio de Janeiro (Tabela1). Estes dados in-Greenfield 2001, Mazar-Barnett & Pearman 2001, Clements & dicam a ocorrência da espécie nas regiões Grande Rio e Norte. Os re-Shany 2001, Jaramillo 2003, Sigrist 2006) optaram por conferir a gistros inéditos são apresentados em ordem cronológica na tabela 2 e Himantopus melanurus o status de aloespécie proposto por Mayr & incluem além da região Norte registros para regiões Lagos e Meridio-Short (1970) e Short (1975). O pernilongo-de-costas-negras, Hi-nal do Vale do Rio Paraíba do Sul. Uma seleção de fotos que docu-mantopus mexicanus, ocorre desde o oeste e sul dos Estados Unidos mentam alguns dos novos registros é apresentada nas prancha 1, 2 e 3.até o Equador, Peru e no Brasil nas regiões Norte e Nordeste. Já o

9 771981 887003 94100

ISSN 1981-8874

O pernilongo-de-costas-brancas,

revisão dos registros e novas observações

Himantopus melanurus

no Estado do Rio de Janeiro: (Charadriiformes: Recurvirostridae),

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Tabela 1 – Registros do pernilongo-de-costas-brancas, Himantopus melanurus, para o Estado do Rio de Janeiro existentes na literatura

Tabela 2 – Registros inéditos do pernilongo-de-costas-brancas, Himantopus melanurus, no Estado do Rio de Janeiro

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Legenda: ABS, Ana Beatriz Aroeira Soares; BR, Bruno Rennó; DCT, Davi Castro Tavares; EM, Eduardo Maciel; GAS, Guilherme Alves Serpa; GSC, Gilberto Soares do Couto; GT, Geiser Trivelato; JFP, José Fernando Pacheco; LML, Luciano Moreira Lima; MR, Maycon Rezende; SS, Salvatore Siciliano; VQP, Vítor de Queiroz Piacentini; VSA, Vania Soares Alves

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Prancha 1 – Registros fotográficos de Himantopus melanurus no Norte Fluminense. Em sentido horário começando no canto superior direi-to: jovem, 27/10/2008, Barra do Furado, Quissamã (Davi Tavares); fêmea, 27/02/2009, Lagoa de Iriri, Rio das Ostras (Davi Tavares); jovem, 14/12/2007, João Francisco, Quissamã (Luciano Lima); adulto com plumagem intermediária entre H. melanurus e H. mexicanus, 27/09/2008, Lagoa da Ribeira, Quissamã (Luciano Lima), macho adulto e quatro jovens, 27/10/2008, Barra do Furado, Quissamã (Salvatore Siciliano)

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Prancha 2: Registros fotográficos de Himantopus melanurus na Região dos Lagos. Em sentido horário começando no canto superior dire-ito: adultos em vôo, 18/05/2009, Peró, Cabo Frio (Luciano Lima); sete adultos, 10/03/2009, Peró, Cabo Frio (Luciano Lima); 07/09/2008, Cabo Frio (Guilherme Serpa); macho e fêmea, 18/05/2009, Peró, Cabo Frio (Luciano Lima)

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Prancha 3. Registros fotográficos de Himantopus melanurus no Grande Rio e Região Meridional do Vale do Rio Paraíba do Sul. Em sentido horário começando no canto superior direito: macho e fêmea, 08/04/2007, Banhado da Kodak, Resende (Geiser Trivelato); jovem, 24/09/2009, Rio Iguaçu, Duque de Caxias (Gilberto Couto); três machos e uma fêmea, 11/09/2006, Rio Iguaçu, Duque de Caxias (Gilberto Couto); fêmea, 23/10/2006, Rio Iguaçu, Duque de Caxias (Gilberto Couto); adultos em vôo, 16/04/2007, Rio Iguaçu, Duque de Caxias (Gilberto Couto)

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As observações inéditas aqui divulgadas, 36 no total, pratica- Ainda que Sick (1997) tenha considerado – supostamente a par-mente multiplicam por cinco os registros conhecidos de Himanto- tir de sua experiência no início dos anos 1960s – a espécie “não ra-pus melanurus para o Estado do Rio de Janeiro, ampliando subs- ra” na baixada de Campos dos Goytacazes, Himantopus melanurus tancialmente o conhecimento sobre a espécie em território flumi- não era (mais) regular e tampouco numerosa nas regiões alagadas nense. Até o momento, as informações disponíveis na literatura de- do entorno da Lagoa Feia nos anos 1980s e início dos 1990s (JFP monstravam a ocorrência do pernilongo-de-costas-brancas apenas obs. pess., N. Crud info pess., F. M. Carvalho info pess.). Deste mo-em duas regiões do estado do Rio de Janeiro: a Norte, incluindo la- do, as informações recentes, aqui divulgadas, fazem presumir que goas em Campos dos Goytacazes e Quissamã, e a Grande Rio, nas também na região Norte a espécie seja mais evidente agora que há imediações da Baía de Guanabara e Sepetiba. Com a divulgação 20 anos.das nossas observações a espécie também passa a ter sua ocorrên- A Tabela 3 mostra a distribuição mensal dos registros de Himan-cia conhecida nas regiões Meridional do Vale do Rio Paraíba do Sul topus melanurus nas diferentes regiões do Estado do Rio de Janei-e Lagos e em novas áreas da região Norte. ro. Deslocamentos pós-reprodutivos de curta distância são conhe-

Os indivíduos registrados no Banhado da Kodak, em Resende, cidos em populações da espécie no Rio Grande do Sul, onde ela se tratam-se provavelmente de vagantes tendo em vista que mesmo reproduz em áreas pantanosas de água doce durante a primavera e após intensivo trabalho de campo na área a espécie foi registrada se desloca para o litoral durante o período não reprodutivo (Belton em apenas duas ocasiões (Rennó e Lima em prep.). Cabe destacar 1994, Vooren e Brusque 1999). Os dados da tabela 3 não mostram que a cerca de 200 km ao sul, Himantopus melanurus possui uma um padrão de sazonalidade que permita supor que o pernilongo-de-população bem estabelecida nos arrozais da região de Tremembé, costas-brancas apresente padrões semelhantes de deslocamento no Vale do Paraíba Paulista, onde a espécie inclusive se reproduz em Estado do Rio de Janeiro. Não obstante, um acompanhamento mais agosto e outubro (Marco Crozariol com. pess.). É bastante plausí- sistemático das flutuações populacionais da espécie ou a marcação vel supor que os registros da espécie no sul do Estado do Rio de Ja- de indivíduos nas regiões Norte e Lagos poderiam fornecer as in-neiro correspondam a indivíduos vagantes oriundos da população formações necessárias para se entender melhor a dinâmica de sazo-do Vale do Paraíba paulista. nalidade e deslocamento de Himantopus melanurus em território

A verificação recente e continuada, ao longo de quase dois anos, fluminense. de uma população nos lamaçais do rio Iguaçu, próximo ao Aterro Novelli (1997), citando (Hellmayr e Conover 1948), afirma que Sanitário de Jardim Gramacho, em Duque de Caxias (Tabela 2) Himantopus melanurus se “reproduz na costa do Rio de Janeiro”. equivale a uma redescoberta da espécie na região do Grande Rio ou Não obstante, a inexistência de informações mais detalhadas, bem da Baía de Guanabara. O último registro nesta região remontava ao como de evidências documentais que comprovem tal fato tornam ano de 1953 (Mitchell 1957). Levantamentos da avifauna conduzi- essa afirmação passível de questionamento. Desta forma, tendo em dos em áreas do entorno da Baía de Guanabara, Baía de Sepetiba ou vista a ausência de dados que comprovem a reprodução do perni-Baixada de Jacarepaguá não reportaram qualquer registro da espé- longo-de-costas-brancas no Estado do Rio de Janeiro fica ainda em cie nas décadas de 1960, 1970, 1980 ou 1990 (Sick & Pabst 1968, aberto a conclusão se a espécie é um visitante regular ou possui po-Araújo & Maciel 1979, Ventura 1985, Teixeira & Nacinovic 1992, pulações reprodutivas no Estado. Esta última hipótese é altamente Alves et al. 1997, Mallet et al. 2008, JFP, VSA), provável uma vez que conforme mostra a tabela 3, a espécie pode

As múltiplas observações recentes nos arredores de Cabo Frio e ser encontrada em território fluminense em quase todos os meses Arraial do Cabo (iniciando em 2000, cf. Moura 2005) de vários gru- do ano. Além disso, os registros de indivíduos jovens nos meses de pos, variando entre cinco e 15 indivíduos e mesmo de grandes ban- setembro, outubro e dezembro no Rio Iguaçu, em João Francisco e dos, com até 75 indivíduos, demonstra que a espécie é agora cons- Barra do Furado, respectivamente, tornam ainda mais provável que pícua nessa parte da Região dos Lagos. É digno de nota que, embo- a espécie seja residente no estado.ra escassas, nenhuma das referências disponíveis sobre a avifauna Embora a espécie aparenta estar em franca expansão pelo territó-da Região dos Lagos aponta a ocorrência pretérita da espécie (Wi- rio fluminense e pareça ser tolerante a ambientes relativamente de-ed 1820, Goeldi 1894, Nacinovic 1982, Reis & Gonzaga 2000, Gui- gradados, conforme demonstram as observações no Rio Iguaçu e marães 2001). A espécie também não consta mencionada nos diári- em salinas abandonadas na Região dos Lagos, é preciso analisar os de campo do pesquisador Aristides Pacheco Leão (1914-1993) sua situação conservacionista no Estado do Rio de Janeiro com cau-que observou aves, quase ininterruptamente, nos ambientes litorâ- tela. A especulação imobiliária desenfreada na Região dos Lagos e neos entre Cabo Frio e Macaé, de 1963 a 1980. Tampouco, JFP a en- a expansão da agricultura e pecuária no norte do estado têm levado controu em qualquer das dezenas de excursões empreendidas na re- a drenagem e aterro de diversas áreas alagadas nestas regiões. Para gião de Cabo Frio, ou Região dos Lagos como um todo, sobretudo assegurar a sobrevivência, a longo prazo, do pernilongo-de-costas-entre 1982 e 1995. Em se tratando de uma ave tão chamativa e facil- brancas em território fluminense recomenda-se, sobretudo, inves-mente identificável como o pernilongo-de-costas-brancas, que difi- tigações sistemáticas que visem descobrir sítios reprodutivos da es-cilmente passaria despercebida mesmo para um ornitólogo com pécie e que sejam tomada medidas efetivas para garantir a preser-pouca experiência, a falta de quaisquer registros pretéritos parece vação destes locais, além do monitoramento a longo prazo das po-ser indicativa de uma colonização recente na Região dos Lagos. pulações.

Tabela 3 – Distribuição mensal dos registros do pernilongo-de-costas-brancas, Himantopus melanurus, nas diferentes regiões do Estado do Rio de Janeiro.

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Correspondência para o primeiro autor: da de Jacarepaguá, Município do Rio de Janeiro, Estado do Rio de Janei-ro. Revista Brasileira de Ornitologia 16(3):221-231.

Va-nia S.Alves, Ana Beatriz A. Soares e Gilberto S. do Couto partici-param de projeto Avaliação Ambiental da Baía de Guanabara em parceria com Cenpes/Petrobras.

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