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EDUCAÇÃO EM DEBATE José Rômu!o Soares- Atualidade dos fundamentos da escola nova na educação brasileira Resumo Este artigo aborda a atualidade dos fundamentos das Escola Nova na teoria educacional. Reflete acerca do surgimento desta teoria da educação e das condições sócio-educacionais que facilitaram sua aceitação no Brasil. Demonstra sua capacidade de permanência ao atravessar deforma transversal as teorias da educação que pretenderam superá-Ia. A força do ideário escolanovista é enfatizada, não só na filosofia da educação, como também na política educacional e na prática dos professores, em sua maioria, sempre simpáticos ao ideário renovador. Palavavras - chave: teoria da educação, Escola Nova, condições sócio-educacionais Abstract Contemporary foundations of the new school in Brazilian education The present article deals with the relevance of the principies of the New School to the contemporary discussion on educational theory. It explores the emergence of this theory and the social and educational conditions which favored its adoption in Brazil, and it also shows how it has managed to outlive a number of educational theories intended to replace it. The article underscores the impact of the ideas of the New School upon educational philosophy and educational policies as well as their powerful appeal to the great majority of teaching professionals in Brazil. Keywords: Educational theory, new school, social and educational conditions. r'::'::~3k:o~:="'üid aJ do Ceará - UECE e doutorando no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade ulosoaresjr giyahoo.com.br

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EDUCAÇÃOEM DEBATE

José Rômu!o Soares-

Atualidade dos fundamentos daescola nova na educaçãobrasileira

Resumo

Este artigo aborda a atualidade dos fundamentos das Escola Nova na teoria educacional. Reflete acerca dosurgimento desta teoria da educação e das condições sócio-educacionais que facilitaram sua aceitação no Brasil.Demonstra sua capacidade de permanência ao atravessar de forma transversal as teorias da educação que pretenderamsuperá-Ia. A força do ideário escolanovista é enfatizada, não só na filosofia da educação, como também na políticaeducacional e na prática dos professores, em sua maioria, sempre simpáticos ao ideário renovador.

Palavavras - chave: teoria da educação, Escola Nova, condições sócio-educacionais

Abstract

Contemporary foundations of the new school in Brazilian education

The present article deals with the relevance of the principies of the New School to the contemporarydiscussion on educational theory. It explores the emergence of this theory and the social and educational conditionswhich favored its adoption in Brazil, and it also shows how it has managed to outlive a number of educationaltheories intended to replace it. The article underscores the impact of the ideas of the New School upon educationalphilosophy and educational policies as well as their powerful appeal to the great majority of teaching professionalsin Brazil.

Keywords: Educational theory, new school, social and educational conditions.

r'::'::~3k:o~:="'üid aJdo Ceará - UECE e doutorando no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidadeulosoaresjr giyahoo.com.br

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odução

o movimento escolanovista surgiu nas úl--- écadas do século XIX, na Europa, por meio~. eriências isoladas e de um confronto crí-

_ com a escola tradicional. Suas bases teóricas- iaram-se, mormente, na combinação de fun-

entos da Biologia e da Psicologia, ciênciassideradas essenciais para o conhecimento das

~2 idades humanas. Nas palavras de Lourenço0(1978, p.18 - grifo nosso): a afirmação ini-

- toma especialmente a feição de uma revisãoirica dos meios ou recursos tradicionais do en-

- o, admitindo-se como função geral do processo_":':...cativoo desenvolvimento individual de capa-

ades e aptidões.Esta fase, segundo o autor, predominou até

fim da Primeira Guerra Mundial, ou pouco mais- de, quando seus teóricos, diante de grandes

danças políticas, sociais e econômicas, espe-_ almente com o fenômeno da industrialização,erceberam a necessidade de fundamentar suas

_ropostas nos Estudos Sociais, tendo recorridoao funcionalismo e ao positivismo para respal-dar uma concepção de sociedade harmônica,corno pretendiam defender.

Segundo Ghiraldelli] r. (1994), os ideais daEscola Nova tomaram força no Brasil, na décadae 1920, período em que dominava uma Pedago-

gia Tradicional, que tinha como opositora a Peda-gogia Libertária, proposta de setores popularese 'ou anarco-sindicalistas. Nesta época, marcada. or conflitos e pela busca de modernização,

uando ocorreram movimentos como a Semanae Arte Moderna e o Tenentismo, os liberais

e colanovistas encontraram clima propício paradesenvolver seus ideais, que combinavam comas do setor ascendente da burguesia nacional: mo-emo, urbano e industrial. Pairava na sociedadem questionamento quanto à estrutura conser-

vadora e atrasada, de uma economia agrária,entrada no campo e sob o domínio das oligar-

quias. Neste contexto, o terreno da modernizaçãoera fértil às propostas do novo movimento deescolarização, que ganhava adeptos entre os se-ores burgueses, como: a burguesia industrial,

camadas médias da população e intelectuais pro-

gressistas. No entendimento de Ghiraldelli ]r.,estes últimos, mais identificados com a EscolaLibertária, viram-se forçados pela pressão polí-tica a aderirem ao escolanovismo, já que os cons-tantes ataques à liberdade de organização sociale política e as repressões acabaram por desman-telar o movimento de vanguarda com que se iden-tificavam. Este fato só viria ampliar e fortalecer anova proposta.

Ainda segundo Ghiraldelli]r., outro pontofavorável ao escolanovismo, foi a inexistência nopaís, de um plano nacional de educação que sis-tematizasse e divulgasse a Pedagogia Tradicional,defendida principalmente pela Igreja Católica.Este foi o ambiente ideal para a Escola Nova cons-truir sua hegernonia, tomando a frente do movi-mento denominado Otimismo Pedagógico" , quefoi inclusive respaldado em várias reformas edu-cacionais realizadas sob a direção de respeitadosteóricos desta linha, como Sampaio Dória (1920),em São Paulo; Lourenço Filho (1923), no Ceará;Anísio Teixeira (1924), na Bahia; e Fernando deAzevedo (1928), no Distrito Federal, à época, Riode]aneiro.

Para este autor, o grande empreendimentopropiciado pelo escolanovismo foi a realização dascitadas reformas estaduais, e seu maior mérito,o fato dessa proposta ter se apresentado comoum pensamento educacional completo, já que"...compreendia uma política educacional, umateoria da educação e uma organização escolar emetodologia próprias." (Idem p.26)

As reformas educacionais ocorridas nasdécadas de 1920 e 1930 não podem ser compre-endidas fora do contexto que as produziu, comonos lembra Fernando de Azevedo (1953 pp.666-667), em relação à reforma de 1928, no DistritoFederal. Para o autor, estas devem ser entendidasdentro de um período histórico marcado porimportantes fenômenos como, por exemplo, osurto do industrialismo e a agitação de idéias,que provocaram novos impactos na vida políti-co-econômico-cultural da sociedade brasileira.

Tal clima de mudança exigia, segundo Lou-renço Filho (1978), transformações na educação,pois esta precisava acompanhar o desenvolvi-mento advindo da nova realidade econômica e

- Movimento que, na década de 1920, em confronto com o entusiasmo pela educação (dos anos 1910 a meados dos anos 20). denatureza mais política e quantitativa, centrou as discussões sobre a problemática educacional a partir de questões internas daescola, dando ênfase ao método e à qualidade. Pretendia colaborar com ... "a reconstrução social, pela reconstrução educacional"CURY, 1978, p.19).Para SAVlANI (1983, p.35.), este deslocamento do debate levado a cabo pelo escolanovismo, aliado ao

uabalhismo, cumpriu a função de desmobilizar as forças populares e fortalecer a classe dominante.

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social do país. Os propagadores dos métodos re-novados foram fiéis defensores da modernizaçãode base urbana e industrial, e suas propostas fo-mentaram intensos debates e enfrentamentos comos católicos, como descreve Cury (1984). Os libe-rais renovadores conseguiram diversas vitórias, nãosó na realização de reformas estaduais, sob seucontrole, mas inclusive nas reformas educacionaisbrasileiras do período revolucionário de 1930. Esseperíodo caracteriza-se por maior participação dosetor moderno (industrial) da burguesia nacionalna composição do poder e pela conseqüente ne-cessidade de divulgação de idéias liberais.

Romanelli (1996, p. 151) fala de certa aco-modação na disputa do texto constitucional de1934, enfatizando as vitórias do escolanovismo:"O Capítulo II - Da Educação e da Cultura -representa, em sua quase totalidade, uma vitóriado movimento renovador, salvo o artigo 153, queinstituiu o ensino religioso facultativo."

Foram ganhos políticos da Escola Nova,neste texto constitucional, a educação como di-reito de todos e dever dos poderes públicos junta-mente com a família; a possível fixação de um pla-no nacional de educação; a gratuidade do ensino;a descentralização administrativa, dentre outros.

Esta foi, na verdade, uma época de pres-tígio para o escolanovismo. Segundo Moreira(1995, p.96 - 97):

Os pioneiros tiveram também participação emimportantes eventos educaciona1s do período,como a Reforma Francisco Campos, a criaçãoda Universidade de São Paulo (sob a influên-cia de Fernando de Azevedo) e a criação daUniversidade do Distrito Federal (organizadapor Anísio Teixeira) além de contribuírem, em1934, para a definição dos preceitos constitu-cionais sobre educação.

A inclusão de aspectos do ideário escola-novista na referida constituição deve também serentendida como resultado do amplo espaço quea nova proposta havia conquistado junto aos edu-cadores, na década anterior, na qual a influênciado referencial teórico norte-americano, especial-mente de autores da linha pragmatista, como johnDeweye William Kilpatrick, havia sido marcante.

Com o golpe de Estado de 1937, houve umretrocesso quanto à ênfase antes dada ao papeldo Estado em relação à educação ou seja, a novacarta constitucional deu maior margem à partici-pação da iniciativa privada, embora mantivesse

a obri a o .e e e a gratuidade, interesses dosescolano -ístas..' e mo assim, dois fatos compro-vam a permanência de sua força. O primeiro é oartigo 133, tratando do ensino religioso: "poderáser contemplado como matéria de curso ordiná-rio das escolas ... não poderá, porém, constituirobjeto de obrigação dos mestres ou professores,nem freqüência compulsória por parte dos alu-nos" (ROMANELLI, 1996, p.152).

O segundo é a preocupação com o ensinoprofissional e com o mundo do trabalho, o quelevou Fernando de Azevedo (1953, p. 694) a es-crever: "Sob esse aspecto, a Constituição de 1937,rompendo com as tradições intelectuais e acadê-micas do país, e erigindo à categoria de primeirodever do Estado o ensino técnico e profissional,pode-se considerar a mais democrática e revo-lucionária das leis que se promulgaram emmatéria de educação".

Como vemos, a proposta renovadora vaiconstruindo sua hegemonia na legislação, facili-tada pelo fato de ter, mesmo após a revolução de1930, o controle de parte importante do setoreducacional estatal. Lemme (apud BUFFA eNOSELA, 1991), informa que a IV ConferênciaNacional de Educação, realizada no Rio de Ja-neiro, em 1931, sob a presidência de Vargas e deFrancisco Campos, teve claro sentido de inte-gração dos pioneiros no projeto político-pedagó-gico da revolução de 1930. Somente com a im-plantação da ditadura do Estado Novo, estaintervenção viria a diminuir, já que o ambientepolítico do Estado de exceção destoava totalmentedos ideais defendidos por alguns de seus teóri-cos, como Anísio Teixeira, um democrata con-victo, que viria, inclusive, a tornar-se um incô-modo ao regime.

Nem todos os escolanovistas, porém, pa-recem ter sentido ou causado mal estar no perío-do ditatorial getulista, como é o caso de LourençoFilho, que permaneceu a serviço do sistema,como, por exemplo, na direção do INEP (Insti-tuto Nacional de Estudos Pedagógicos), criadoem 1938, para funcionar como órgão centra-lizador das questões relativas às atividades do Mi-nistério da Educação e Saúde e responsável pelapublicação, a partir de 1944, da Revista Brasi-leira deEstudos Pedagógicos. Já Fernando de Aze-vedo, adotou postura conciliadora, como ficaclaro na citação acima.

Desta forma, a Escola Nova foi sendo assi-milada pelos educadores e, aos poucos, absor-

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'da como a teoria da educação mais conse-•üente para a realidade brasileira, Sua propostaolítico-pedagógica se consolidou, não sem con-

Ditos com a corrente católica, a partir de meadosa década de 1940, refletindo-se na cabeça dosrofessores, como na carta constitucional de946, Esta se dá num clima de retorno à norma-

lidade democrática e com características liberaise dernocratizantes, o que fortalece a Escola Nova:

A Constituição de 1946 é, pois, um docu-mento de inspiração ideológica liberal de-mocrática. O seu liberalismo, todavia, difereda filosofia liberal inspirada na políticaeconômica européia dos séculos XVIII eXIX, aquela do Laissez-Faire e Laissez-Passer, tão cara aos propugnadores da totalliberdade de empresas e, particularmente,da livre iniciativa em matéria de educação(ROMANELLI, 1996, p.l?l).

Nota-se, então, que o caráter humanistamodernizador do movimento renovador aí seafirma, com a garantia da educação como direitode todos e baseada na solidariedade humana ecom a garantia de direitos individuais, como aliberdade de expressão.

Entre 1948 e 1962, os setores católico eliberal continuaram o embate, tendo este últimoa adesão de camadas cada vez mais amplas dasociedade, como intelectuais, sindicalistas e es-tudantes, além de outros segmentos que comba-tiam posturas conservadoras, como os cristãosligados à ala progressista da Igreja católica. Che-garam mesmo a lançar um manifesto! (~o Povo eao Governo", no qual nomes influentes como Ce-cília Meireles, Florestan Fernandes e FernandoHenrique Cardoso endossavam as propostastransformadoras na educação, ao mesmo tempoem que lembravam os deveres do Estado quantoa este setor. Neste período, os educadores do paísdebateram exaustivamente o Projeto de Lei 4.024,que, após diversos reveses, tornou-se a primeiraLei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

Um dos reveses a favor dos católicos eprivatistas foi a garantia de igualdade de trata-mento às escolas públicas e particulares, em re-lação às verbas públicas. Já os escolanovistas con-seguiram certa flexibilidade no currículo, o que

satisfazia seus interesses de regionalização, de tra-balhar assuntos ligados à vida da comunidade .

Entre os assinantes do manifesto de 1959,houve reação diferenciada quanto ao texto da Lei.Enquanto Anísio Teixeira, um escolanovista, viaa LDB como uma "meia-vitória, mas vitória",Florestan Fernandes, um socialista, a consideravauma derrota dos setores avançados. O cerro éque, no duro jogo político-ideológico dos 13(treze) anos de luta pela aprovação da LDB, oescolanovismo continuava a ser a referência paraamplos setores do magistério. Para ilustrar estefato, vejamos o depoimento de Magda Soaressobre o contexto educacional dos primeiros anosda década de 1950:

A proposta da Escola Nova - ideológica queera, como toda e qualquer proposta pedagó-gica - apresentava-se a mim, e a quase to-dos os educadores, àquela época, como umconjunto lógico e coerente de idéias e valo-res, capaz não só de explicar a prática peda-gógica como também, e sobretudo, de regulá-Ia, fornecendo regras e normas para que elase desenvolvesse de forma 'científica' e 'jus-ta'. A teoria sociológica de Durkheim e a psi-cologia experimental é que davam 'cienti-ficidade' à proposta; ora, sendo ela 'cien-tífica', só poderia ser 'justa'. De um lado, ateoria sociológica de Durkheim fundamen-tava a concepção da educação como sociali-zação do indivíduo, de outro lado, a psicolo-gia experimental conferia racional idade eobjetividade à prática pedagógica (SOARESapud VEIGA, 1992, p.55).

Desta forma, podemos ver o quanto a pe-dagogia da Escola Nova foi sendo absorvida porgrande parte do magistério, fato que, segundoVeiga (1992, p.51), deu-se" ... devido à predomi-nância da influência da Pedagogia Nova na legis-lação educacional e nos cursos de formação parao magistério ..." Já GhiraldelliJr. (1994), argumen-ta que, mesmo antes da aprovação da lei 4024/61, o escolanovismo vinha garantindo seu espaçona legislação. Justifica ele sua afirmação exem-plificando o caso da criação, pelo MEC, das clas-ses experimentais, em pleno processo de discus-são da referida lei, onde a exposição de motivos

3 Referimo-nos aqui não ao conhecido manifesto dos pioneiros da Educação Nova. de 1932. mas ao Manifesto de 1959. que. comoo anterior foi redigido por Fernando de Azevedo. O que diferencia o último do anterior é a amplitude do movimento. agora comadesão de novos setores da sociedade.

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elaborada por este Ministério contemplava ide-ais renovadores, como por exemplo, a preocupa-ção com os problemas sociais e com a formaçãoprofissional. Para este autor, a criação das clas-ses experimentais forjou verdadeiros ensaios deescolanovismo, não só na rede pública, como narede particular de ensino.

Ainda na década de 50 o movimento reno-vador demonstra sua enorme influência ocupan-do espaços no campo de sua maior rival, a igrejacatólica, forçando-a a modificar seus métodos.(SAVIANI, 1983). O autor nos fala das "Sema-nas de Estudos Pedagógicos", organizadas pelaAssociação de Educadores Católicos (A.E.C).Estas, através das palestras do Pe. Pierre Faure,divulgaram intensamente o pensamento educa-cional de Maria Montessori e de sua discípulaLubienska, com destaque para as idéias da últi-ma, já que, de acordo com o mesmo, esta manti-nha preocupações religiosas explícitas em suaproposta pedagógica. Esta não foi a primeira en-trada do escolanovismo no campo religioso.Giorgi nos lembra de uma experiência mais re-mota e pouco conhecida:

...as escolas protestantes, principalmente asmetodistas, que, já nas primeiras décadas doséculo, aceitando essencialmente o libera-lismo, ao contrário da igreja católica, não tive-ram problemas ao adotar as idéias e os méto-dos da Escola Nova, especialmente na ver-tente deweyana, combinando-às com elemen-tos próprios do protestantismo: a mitificaçãodo trabalho, a ênfase no êxito pessoal (quealiás se casava extraordinariamente bem como individualismo próprio do liberalismo)(GIORGI, 1989,p.64).

Saviani (1983) demarca o período de 1960a 1968 como de crise da Tendência HumanistaModerna (escolanovismo) e de articulação da Ten-dência Tecnicista na educação. Para o autor, estefato dá-se diante da crítica ao método da escolaprimária e ao psicologismo, considerados respon-sáveis pela má qualidade do ensino e, portanto,da não preparação de mão-de-obra qualificadapara o mercado de trabalho.

a everia ter mais controle sobre osr : e seus esforços, utilizando tam-

í '05 da economia e das ciências ad-ministrativas, além de um enfoque psicoló-gico mais programático, substituindo a psico-logia cognirivista pelo behaviorismo (SALGA-00,1982, p.3).

O teor da Lei 5.692/71 traduziu uma legis-lação mais fechada, elaborada com base em rela-tórios de tecnoburocratas brasileiros e nos inte-resses dos acordos MEC-USAID4. O período deaprovação desta lei foi marcado pela repressãopolítica e pela propaganda ideológica de desenvol-vimentismo e segurança nacional. A educaçãotecnicista, fundamentada na teoria do capitalhumano e no behaviorismo, seria a alavanca dodesenvolvimento do país, já que formaria técni-cos competentes para atuar no processo produ-tivo. Entretanto, o tecnicismo não deixa de serinfluenciado pela Escola Nova, já que, como esta,enfatiza o uso de meios didáticos, como tambémo caráter ativo e prático de suas atividades, em-bora abandone completamente a criatividade e aparticipação democrática .

Para Saviani (1983, p.36), a Escola Novase prolonga no tecnicismo, com as devidas adap-tações, através da corrente que o autor denominade "iioerol-pragmatismo" da qual cita como mem-bro o professor Valnir Chagas, assumido conti-nuador do movimento renovador e defensor daescola única, embora tenha servido à ditaduramilitar instalada no país a partir de 1964.

Para Ghiraldelli Jr. (1994, p.200), a Peda-gogia Nova se manteve nas décadas de 1960, 1970e 1980, como uma espécie de Escola Nova Popu-lar", que é como o autor entende a PedagogiaLibertadora de Paulo Freire, bastante divulgadana metodologia das CEBs (Comunidades Ecle-siais de Base) e entre outros grupos ligados àeducação popular. Outra forma de manutençãodo escolanovismo, no período, seria, de acordocom o autor, a Pedagogia de Célestin Freinet que,inclusive, alcançou por algum tempo prestígiodiante do MEC. GhiraldelliJr. (1994, p.129), en-tende que a opção do regime pelo tecnicismo nãoafastou o escolanovismo do cenário educacional.

4 Estes acordos tinham caráter de assistência técnica e de cooperação financeira. Foram firmados entre o Ministério da Educação(MEC) e a Agency for lnternational Development (AIO), americana. Cf. ROMANELLI, 1996, Capo 5.

5 SAVIANI, 1983 e PAIVA, 1990 também defendem essa idéia.

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Ao contrário, "O regime militar instaurado em1964 truncou várias experiências educacionaisque sustentavam a existência de espaços para aPedagogia Nova".

Nessa linha de pensamento, Moreira (1995,pp.13; 61-63) enfatiza o entrelaçamento de idéi-as renovadas e tecnicistas no campo curricularbrasileiro, reconhecido pelo autor como de ori-gem basicamente norte-americana, com destaquepara os nomes de autores da Escola Nova, comoDeweye Kilpatrick.

Como exemplo, Moreira extrai um trechoque, apesar de ser expressão do pensamento deum teórico reconhecido na literatura educacio-nal como intelectual do tecnicismo, apresentaclaras identificações com o referencial teórico dosdois autores escolanovistas acima citados: " ... aeducação é um processo ativo, que envolve osesforços ativos do próprio aluno. Em geral estesó aprende aquelas coisas que faz. Se as situa-ções escolares versam sobre assuntos de inte-resse para o aluno ele participará ativamentedessas situações e aprenderá, assim, a lidar efi-cientemente com essas situações" (TYLER apudMOREIRA, 1995, pp.61-62).

Para deixar ainda mais claro o entrelaça-mento entre as duas teorias, Moreira descreve ométodo de aprendizagem defendido por Tyler, quecoincide com o método de solução de problemasde Dewey: "a) Perceber uma dificuldade ou umaquestão que não pode ser resolvida no momento;b) identificar mais claramente o problema pelaanálise; c) colher fatos relevantes; d) formularhipóteses possíveis, isto é, explicações possíveisou soluções alternativas para o problema; e) tes-tar as hipóteses por meios apropriados; f)tirarconclusões, ou seja, resolver os problemas"(TYLER apud MOREIRA, 1995, pp.62-63).

Ainda para Moreira (1995, pp.69-71), nãosomente Tyler, como também Taba, autora consi-derada como de linha teórica tecnicista, apresen-tam em suas formulações clara influência doprogressivismo de Dewey.

O fracasso do tecnicismo, apesar do apa-rato político-ideológico-repressivo oficial que oustentava, pode ser identificado na falta de re-

cursos humanos e materiais para efetivação destapedagogia, como na rejeição da mesma por parteo magistério, já que, segundo Saviani (1997),

os professores trabalhavam sob condições mate-riais tradicionais e mantinham em suas cabeças

ideário escolanovista.

Para tentar compreender tal fascínio pelaEscola Nova e seu poder de permanência comoideário pedagógico junto aos professores, faz-senecessário esclarecermos sua proposta político-pedagógica, o que faremos a seguir.

Os fundamentos da escola nova

Podemos afirmar, com Lourenço Filho(1978), que a Escola Nova nasceu no contextodo processo de industrialização na Europa do fi-nal do século XIX e, na década de 1920, no Bra-sil. Segundo o autor, estes períodos foram mar-cados pela complexidade das relações sociais, pelacrítica de uma visão sociológica de sociedade es-tática e conservadora e pela busca do movimentoe da mudança. Nestes termos, os defensores danova pedagogia assumiram compromisso com oreconhecimento de direitos iguais entre todos,que se dariam basicamente pelo acesso à educa-ção, maneira de oferecer igualdade de oportuni-dades no ponto de partida. As diferenças no pontode chegada eram justificadas pelas capacidades eaptidões dos indivíduos, que através do esforçopessoal deviam tentar garantir seu lugar ao sol.A democracia nesta concepção, portanto, é ba-seada no liberalismo político, além de apoiar-seno liberalismo econômico, contanto que a escolanão seja vista como empresa e que o Estado as-suma suas responsabilidades com a educação.

Os escolanovistas foram também ardoro-sos defensores da liberdade. Criticaram de formaveemente o autoritarismo da escola tradicional,que centralizava suas ações na figura do profes-sor e não permitia ao aluno livre manifestação.Pregavam que os interesses, as necessidades e ossentimentos dos alunos fossem o ponto de par-tida do processo educativo. Segundo Dewey(1978, p.24-25), a escola deveria oferecer umambiente simplificado, purificado e harmônico.Um ambiente de viva experiência participativa,uma verdadeira mini-comunidade democrática,onde os alunos aprenderiam a trabalhar assun-tos de interesse coletivo. A escola, como comu-nidade artificial, prepararia os educandos para oexercício democrático do poder em níveis macro-sociais e para corrigir as disfunções do organismosocial, como pobreza, alcoolismo, banditismo, etc.Em sua vertente pragmatista e instrumentalista,a mais influente em nosso país, devia proporcio-nar o acesso à cultura geral, como também for-mar profissionalmente para o exercício de ativi-

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dades no sistema produtivo em nome do desen-volvimento social. Assim, a escola funcionariacomo alavanca da sociedade.

A didática escolanovista foi marcada pelotrabalho ativo do educando, pela auto-avaliação,pelo método científico, pelos centros de inte-resse. Neste sentido, devia-se abandonar o ca-ráter mnemônico da escola tradicional, paraaproximar-se da realidade dos educandos e dacomunidade. A qualidade prevalecia sobre aquantidade. O professor seria um profundoconhecedor da psicologia evolutiva e da psico-logia da aprendizagem para saber agir comoorientador ou facilitador. Devia buscar formar,segundo Dewey (1978, p.25.), pessoas de espí-rito fraterno, de inteligências claras, tolerantes,harmoniosas e compreensivas. O escolanovismotambém se propôs a formar um indivíduo crí-tico, participativo e adaptável, segundo os inte-resses e necessidades da comunidade.

A educação deve aspirar, sem dúvida, aodesenvolvimento das capacidades do pensamentocrítico independente em cada pessoa existente.Mas tal desenvolvimento não se dá no vazio, forados costumes e tradições culturais, sejam técni-cas, científicas, artísticas ou religiosas, nem épossível também sem que, nos indivíduos, se es-tabeleçam sentimentos de lealdade do indivíduoa grupos e instituições, que tudo conservem(LOURENÇO FILHO, 1978, pp.2S0-2S1).

Parece-nos que a proposta pedagógica daEscola Nova encantou pelas possibilidades queensejaria ao desenvolvimento da subjetividadehumana. Este aspecto, estreitamente relacionadoao discurso político da teoria do esforço e do in-teresse e da igualdade de oportunidades, pare-cia realmente ter o poder de formar um cidadãoativo e digno, numa sociedade livre.

A fundamentação teórica escolanovistabaseava-se em autores de reconhecimento mun-dial, com destaque não só na Educação, como naSociologia, na Filosofia, e na Psicologia.

Segundo Nosela (1992, p.94), Rousseaupode ser considerado o pai ou avô da Escola Nova.Sua concepção de sociedade, moldada no Con-trato Social e na sociedade democrática, é perfei-tamente coerente com o discurso político domovimento renovador. Sua proposta de educa-ção, clarificada na obra Emílio ou Da educação, tarn-

bém serviu de forre inspiração para o método daEscola ova, já que tratava de uma educação na-tural, praticada no contato direto com o campo.Influenciou muitos escolanovistas, também coma crença na bondade natural da criança, o quereforçou em ambos o viés espontaneísta. São ain-da comuns a Rousseau e à Escola Nova a críticaao inatismo e a valorização da experiência.

Segundo Soares (1996, p.lS0), Durkheimtambém contribuiu para o aporte teórico escola-novista, ao compreender a crise da escola tradi-cional como resultado da crise moral da socie-dade, na qual a consciência coletiva não conseguiaacompanhar as grandes mudanças ocorridas, nemintrojetar as novas normas ou códigos moraisnecessários à coesão social, produzindo, assim,um estado de anemia". Para formular uma mo-ralidade condizente com as novas necessidadesda sociedade, a escola necessitaria ser reorgani-zada, abandonando seu caráter meramente dile-tante e de cultura geral e tornando-se cada vezmais especializada. Sua contribuição se deu, por-tanto, através da preocupação com as novas exi-gências nas formas de organização do trabalho ecom a organização de uma cultura científica. Foi,pois, como escola da ciência e da pesquisa, que omovimento renovador se apresentou à socieda-de, tendo justamente como base as idéias deDurkheim.

Iohn Dewey foi, no entanto, o nome maisexpressivo da Escola Nova. Aquele que deu opasso fundamental para a realização de uma re-volução copernicana na educação, ao propor aunião entre educação e trabalho, através da es-cola ativa.

Defensor de princípios liberais e preocu-pado com a construção econômica e social de seupaís, que, após a Guerra Civil, dava sinal de cres-cimento de sua indústria e comércio, o que dariatambém nova direção ao ensino, Dewey propôsum tipo de escola adequado justamente às ne-cessidades deste desenvolvimento e que conci-liasse os interesses deste com os dos indivíduos,para que estes se sentissem, ao mesmo tempo,partícipes e recompensados do/no processo deconstrução nacional (SOARES, 1996).

O fundamento filosófico de sua escola ativaencontr~-se no pragmatismo, movimento criadopor filósofos norte-americanos, dentre os quais

6 Em Durkheirn, esse termo tem sentido de ausência de leis ou regras que regulem comportamento individual e coletivo.

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Page 8: Atualidade dos fundamentos da escola nova naeducação ... · Escola Nova tomaram força no Brasil, na década e ... na política econômica européia ... renovador aí se afirma,

destacaram-sejames e o próprio Dewey, segundoCunha (1994). Na base deste pensamento filo-sófico, encontramos como princípios: o pensa-mento e a ação devem formar um todo indivisível,o que implica tratar qualquer formulação teóricacomo hipótese ativa que careça de demonstraçãoem situação própria de vida; as constantes trans-formações sociais fazem com que a realidade nãoconstitua um sistema acabado e imutável; a inte-ligência garante ao homem capacidade para alte-rar as condições de sua própria existência. Para ospragmatistas, o terreno em que se dá a transmis-são do conhecimento, particularmente a escola,pode tornar-se um campo fértil de experimenta-ção de teses filosóficas (CUNHA, 1994).

Em decorrência do exposto, o pragmatismobuscou um tipo de educação que unisse ação epensamento, por meio de mediação da atividadedo trabalho: " ... o ensino se tem de fazer pelotrabalho e pela ação, e não somente pelas pala-vras e pela exposição, cq.mo outrora, quando oconhecimento racional erà de natureza especu-lativa e destinado à contemplação do mundo"(TEIXEIRA, 1994, p.45).

O trabalho era visto em sentido libertárioe tinha como características: polivalência, altaqualidade, trabalho coletivo e cooperativo, ênfa-se na solução de problemas em situações reaisou simbólicas, valorização do aspecto afetivo edo equilíbrio emocional, integração entre sensi-bilidade, pensamento e ação, e valorização dosinteresses da comunidade sobre os do indivíduo,dentre outras, o que nos leva a afirmar a atuali-dade da Escola Nova na relação entre trabalho eeducação.

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