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1 ASSOCIATIVISMO E DESENVOLVIMENTO RURAL EM GOIÁS: UMA ANÁLISE DAS ESTRATÉGIAS DE ORGANIZAÇÃO DO AGRONEGÓCIO E DA PRODUÇÃO FAMILIAR Adriano Rodrigues de Oliveira Grupo de Estudos, Dinâmica Regional e Agropecuária - GEDRA/ UNESP Núcleo de Estudos sobre Território, Ambiente e Paisagem - NETAP/UFFS Universidade Federal de Goiás-UFG [email protected] Resumo O trabalho analisa a questão da organização coletiva no espaço rural, abarcando as associações e cooperativas agrícolas no estado de Goiás. A ideia é contrapor as estratégias de produção econômica e reprodução social do agronegócio e da produção familiar e as suas relações com a elaboração de políticas públicas para o desenvolvimento rural. Palavras-chave: associativismo. Cooperativismo. Políticas públicas. Desenvolvimento rural. Introdução O presente trabalho está fundamentado na compreensão do processo de formação e consolidação do associativismo rural no estado de Goiás, a partir das estratégias de produção econômica e reprodução social da produção familiar e da agricultura empresarial (agronegócio) que historicamente têm potencializado as suas atividades no espaço rural por meio do funcionamento de associações e cooperativas agrícolas. O texto está estruturado em duas partes, além das considerações finais. Na primeira parte, apresentamos alguns aspectos da constituição e do formato do associativismo rural no Brasil, com destaque ao protagonismo que determinados grupos sociais exercem na correlação de poder com o Estado, para a elaboração de políticas públicas que visam atender demandas específicas da classe que representam. Na segunda parte, destacamos a influências da ação estatal para a constituição do associativismo rural no estado de Goiás, com ênfase a criação de cooperativas agrícolas para favorecer a expansão da agricultura moderna no Cerrado e a formação de Complexos Agroindustriais com vistas à exportação de commodities. Abordamos ainda, a influência das cooperativas na estruturação do espaço rural nas microrregiões do Sudoeste de Goiás e Ceres.

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ASSOCIATIVISMO E DESENVOLVIMENTO RURAL EM GOIÁS: UMA ANÁLISE DAS ESTRATÉGIAS DE ORGANIZAÇÃO DO AGRONEGÓCIO E

DA PRODUÇÃO FAMILIAR

Adriano Rodrigues de Oliveira Grupo de Estudos, Dinâmica Regional e Agropecuária - GEDRA/ UNESP

Núcleo de Estudos sobre Território, Ambiente e Paisagem - NETAP/UFFS Universidade Federal de Goiás-UFG

[email protected]

Resumo

O trabalho analisa a questão da organização coletiva no espaço rural, abarcando as associações e cooperativas agrícolas no estado de Goiás. A ideia é contrapor as estratégias de produção econômica e reprodução social do agronegócio e da produção familiar e as suas relações com a elaboração de políticas públicas para o desenvolvimento rural.

Palavras-chave: associativismo. Cooperativismo. Políticas públicas. Desenvolvimento rural.

Introdução

O presente trabalho está fundamentado na compreensão do processo de formação e

consolidação do associativismo rural no estado de Goiás, a partir das estratégias de

produção econômica e reprodução social da produção familiar e da agricultura

empresarial (agronegócio) que historicamente têm potencializado as suas atividades no

espaço rural por meio do funcionamento de associações e cooperativas agrícolas.

O texto está estruturado em duas partes, além das considerações finais. Na primeira

parte, apresentamos alguns aspectos da constituição e do formato do associativismo

rural no Brasil, com destaque ao protagonismo que determinados grupos sociais

exercem na correlação de poder com o Estado, para a elaboração de políticas públicas

que visam atender demandas específicas da classe que representam. Na segunda parte,

destacamos a influências da ação estatal para a constituição do associativismo rural no

estado de Goiás, com ênfase a criação de cooperativas agrícolas para favorecer a

expansão da agricultura moderna no Cerrado e a formação de Complexos

Agroindustriais com vistas à exportação de commodities. Abordamos ainda, a influência

das cooperativas na estruturação do espaço rural nas microrregiões do Sudoeste de

Goiás e Ceres.

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Aspectos do associativismo rural no Brasil

A organização da sociedade civil deve ser contextualizada no tempo e no espaço para

que se possa apreender o nível de protagonismo exercido nas transformações estruturais

desencadeadas na relação de poder com o Estado. Os atores sociais envolvidos em

organizações coletivas se transformam em sujeitos políticos capazes de expressar qual

projeto de sociedade estão construindo por meio da influência de suas ações na forma de

atuação estatal.

A demanda pela elaboração de políticas públicas para atender as aspirações da

sociedade ou frações dela, se constitui num exemplo deste protagonismo de

determinadas classes sociais, conforme enfatiza Gohn (2008):

[...] deve-se ter como referência quem são os atores envolvidos, como se transformam em sujeitos políticos, que forças sociopolíticas expressam, qual o projeto de sociedade que estão construindo ou abraçam, qual a cultura política que fundamenta seus discursos e práticas, que redes criam e se articulam, quais suas relações com conjuntos sociopolíticos maiores etc. (GOHN, 2008, p. 9-10).

Em sua acepção ampla o associativismo contempla diversas modalidades de

organização da sociedade civil, tais como: o sindicalismo, o cooperativismo, as

organizações não governamentais, as associações de bairro, os movimentos sociais etc.

Priorizaremos o formato de associativismo rural constituído a partir da territorialização

de organizações coletivas de produtores rurais familiares e empresariais por meio de

associações e cooperativas agrícolas.

O associativismo rural se constitui numa importante estratégia de inserção econômica

dos produtores rurais e numa possibilidade de reprodução social, tendo em vista que a

organização associativa, dentre outros benefícios, potencializa a superação das barreiras

impostas pelos capitais comercial, industrial e financeiro tanto para a compra de

insumos quanto para comercialização de produtos agropecuários.

No âmbito da produção familiar, a organização de associações é um fenômeno que

adquire expressividade a partir dos anos 1980. Neste sentido, esta modalidade de

associativismo rural vem suscitando debates no mundo acadêmico devido à

expressividade adquirida em escala nacional, sobretudo dentre àqueles pesquisadores

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que têm se preocupado com a formulação de políticas públicas voltadas ao universo da

produção familiar do campo, na perspectiva do desenvolvimento rural.

A abertura política, ocorrida na década de 1980, trouxe grandes mudanças na conjuntura

social e política nacional. Atreladas à crise estrutural da economia brasileira, essas

mudanças suscitaram a organização da sociedade civil por meio de grandes

mobilizações populares, como a campanha pelas eleições diretas para a presidência da

república e a intensificação de greves na cidade e no campo, conforme salientam Costa

e Ribeiro (2001) e Pinheiro (2001).

No ambiente acadêmico as interpretações acerca do protagonismo da sociedade civil em

torno dessas transformações são paradoxais. De um lado, existem aqueles que

compreendem este processo de transição como um “pacto de elites, que marcou o fim

do regime autoritário [...]” e que, [...] seria definido como sendo a “transação transada”,

indicando, com isso, a preservação dos interesses dos grupos dominantes mesmo com as

mudanças institucionais e políticas em curso naquele momento. (O’DONNELL;

SCHMITTER, 1988 apud PINHEIRO, 2001, p 340).

Por outro lado, outros autores compreendem esse processo de mobilização popular

como uma retomada de um processo de organização que tinha sido gestado no período

dos governos populistas que precederam a ditadura militar e que permaneceram

engessados durante o regime e ressurgiram com força com a abertura democrática,

trazendo à cena novos atores sociais conforme salientado por Sader (1988).

Na verdade, a análise das transformações desse período não pode ser restrita a enfoques

isolados desses processos. São fenômenos que ocorreram imbricadamente e que

possuem como elemento central a crise estrutural da economia que afetou a sociedade

brasileira como um todo, mas que trouxe resultados drásticos para a classe trabalhadora,

historicamente fragilizada.

Neste período este segmento da sociedade pode expressar abertamente a situação de

penúria a qual foi submetida no decorrer da ditadura militar. Lamounier (1987) apud

Pinheiro (2001) salienta que mais do que conceder o direito a voz ativa, houve uma

“eclosão de demandas”, “[...] à medida que aumentava a capacidade de expressão dos

grupos excluídos, novas demandas eram colocadas no cenário político.” (p. 340).

Se analisássemos as dimensões do processo de exclusão de forma segmentada

poderíamos dizer que no decorrer da ditadura, “a exclusão social era muito maior do

que a exclusão política” (PINHEIRO, 2001, p. 340). Contudo, neste período, o processo

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de exclusão aniquilou a sociedade em suas múltiplas dimensões como a econômica, a

social, a política e a cultural.

No tocante ao espaço rural são diversas as interpretações acerca dos motivos que

levaram ao crescimento da organização dos produtores rurais em associações agrícolas.

Dentre a diversidade de compreensões, Pinheiro (2001) destaca que, via de regra, a

organização de produtores está relacionada a temas como,

a obtenção de crédito agrícola, melhoria das condições de produção e comercialização, problemas que ganharam espaço à medida que se verificava que a luta pelo acesso ou permanência na terra não resolvia definitivamente a situação precária de grande parte dos lavradores no país. (PINHEIRO, 2001, p. 339).

Visando acalmar os ânimos e controlar os rumos da sociedade civil, o Estado passou a

incentivar a participação do produtor rural, estimulando-o a se organizar em associações

que permitissem integrá-lo de forma competitiva ao mercado. Assim, seguindo os

postulados do Banco Mundial – principal financiador do Estado brasileiro - as políticas

públicas de fomento ao produtor rural passaram a ser vinculadas à sua participação em

associações.

Deste modo, as associações de produtores rurais foram adquirindo cada vez mais

relevância no espaço rural brasileiro, tanto pela possibilidade de obtenção de recursos

provenientes das políticas públicas, quando pela necessidade de organizar pautas

reivindicatórias perante as instâncias governamentais.

A organização coletiva no Centro-Oeste brasileiro: a expansão de associações e

cooperativas agrícolas

Na região Centro-Oeste, o associativismo emerge no âmbito do processo de

incorporação capitalista do cerrado à fronteira de expansão da agricultura moderna,

desencadeado a partir de meados da década de 1960 com a criação do SNCR (Sistema

Nacional de Crédito Rural) que visava acelerar a expansão da utilização de máquinas,

sementes e insumos químicos provenientes da indústria por meio da concessão do

crédito rural farto e barato aos grandes e médios produtores rurais dedicados ao cultivo

de produtos agrícolas destinados à exportação.

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No estado de Goiás, a ação estatal foi mais decisiva para a alteração da estrutura

produtiva da agricultura, a partir da década de 1970 com a criação dos programas

especiais de desenvolvimento do Cerrado no âmbito dos Planos Nacionais de

Desenvolvimento. Se destacam o POLOCENTRO e o PRODECER.

O POLOCENTRO (Programa para o Desenvolvimento dos Cerrados), criado em 1975

no âmbito do I PND tinha como objetivo incorporar 3,7 milhões de hectares da região

do cerrado no período entre 1975 e 1979 que deveriam ser ocupados pelas lavouras,

pastagens e reflorestamento (1,8 milhões ha. para lavouras, 1,2 milhões ha. para

pastagens e 700 mil ha. para reflorestamento). Contudo, no período em questão o

programa possibilitou a incorporação de 8,2 milhões de hectares dos quais 70% foram

destinados para formação das pastagens e 23% para as lavouras conforme salientam

Shiki (1995) e Hespanhol (2000).

O PRODECER (Programa de Cooperação Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento dos

Cerrados) foi idealizado a partir de 1974 pelos governos do Brasil e do Japão no âmbito

do II PND e pode ser considerado o principal programa viabilizador da incorporação

produtiva do cerrado pelo capital nacional e estrangeiro por meio do forte subsídio

estatal.

Conforme Inocêncio (2010, p. 290)) o programa cumpriu três papeis fundamentais:

Primeiro, teve como objetivo o desenvolvimento da fronteira agrícola na região do Cerrado, abrangendo extensas áreas. Segundo, buscou aumentar a oferta internacional de alimentos, através da exportação de produtos agrícolas, com repercussão em nível mundial. E terceiro, teve longa duração, tendo desenvolvido estratégias próprias de incorporação do campo brasileiro ao circuito produtivo capitalista mundial. [Grifo nosso].

O PRODECER impulsionou a expansão da soja no cerrado em

aproximadamente 345 mil hectares a partir do estímulo de produtores médios,

organizados em cooperativas para ampliar a capacidade de obtenção de recursos e

assimilação de tecnologias modernas, sendo desencadeado em três etapas: “[...] 1980

em terras do Estado de Minas Gerais; em 1987, expande-se para Goiás, Mato Grosso,

Bahia e Mato Grosso do Sul, além de incorporar novas áreas de Minas Gerais, em 1995

é implantado no Estado de Tocantins e Maranhão”. (INOCÊNCIO, p. 29).

A análise destes programas demonstra claramente os interesses aos quais esteve

submetida à intervenção estatal: criar as condições materiais para a implantação e

consolidação do capital privado na região Centro-Oeste, seja por meio dos atores sociais

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responsáveis diretamente pela produção – na figura dos grandes produtores de grãos -;

seja por meio da indústria produtora de máquinas e insumos para a agricultura; seja por

meio da agroindústria processadora, o que pode ser visualizado na formação dos

Complexos Agroindustriais na região.

No que concerne ao papel destes programas governamentais, INOCÊNCIO; CALAÇA

(2010) salientam que, [...] o POLOCENTRO e o PRODECER são os que assumem maior importância como elemento capaz de sustentar a tese de que o Estado é o principal ordenador territorial e foi o mais importante elemento da incorporação do Cerrado ao circuito produtivo capitalista nacional e internacional. (p. 285).

Deste modo, aliaram-se os estímulos federais previstos pelo SNCR e os programas

especiais de incorporação do Cerrado para transformar cooperativas em agroindústrias

processadoras. No Sudoeste de Goiás, por exemplo, a fundação da COMIGO

(Cooperativa Agroindustrial dos Produtores Rurais do Sudoeste Goiano) coincide com o

ano de implantação de um dos polos de desenvolvimento do POLOCENTRO no

município de Rio Verde-GO.

Para este trabalho, selecionamos as Microrregiões de Ceres e Sudoeste de Goiás. A

Microrregião de Ceres se originou por meio do Projeto das Colônias Agrícolas

Nacionais inseridas na “Marcha para o Oeste” do governo Vargas a partir de 1938.

A Colônia Agrícola de Goiás teve como objeto central a atração de agricultores de

outras regiões para o desenvolvimento da agricultura moderna. Conforme os dados do

IBGE (2012), a Microrregião de Ceres é formada por 22 municípios e possui sua

estrutura produtiva agrícola dinamizada pelo setor sucroalcooleiro em virtude da

atuação de seis usinas de produção de açúcar e etanol. Uma das usinas, a Cooper Rubi,

instalada no município de Rubiataba, foi constituída a partir do cooperativismo agrícola.

(FERREIRA, 2010).

A Microrregião do Sudoeste de Goiás é composta 18 municípios tendo Rio Verde como

sede e se constitui como a mais dinâmica do agronegócio no estado. Destaca-se a

relevância do associativismo rural, tendo em vista que a COMIGO foi a primeira

agroindústria a processar a soja na região Centro-Oeste em 1983. (GONÇALES, 2003).

Com o dinamismo da COMIGO em Rio Verde e região foram criadas as condições para

a instalação do Complexo de Carnes, com a instalação da Perdigão Agroindustrial

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inicialmente em Rio Verde, e posteriormente se estendendo para os municípios de Jataí

e Mineiros.

Conforme os dados disponibilizados pela Organização das Cooperativas de Goiás

(OCG, 2012) atualmente, no estado de Goiás existem 74 cooperativas agrícolas. Deste

total, 07 (sete) estão localizadas na Microrregião de Ceres e 09 (nove) na Microrregião

do Sudoeste de Goiás, totalizando 16 (dezesseis) cooperativas agrícolas nas regiões

selecionadas como recorte espacial para o levantamento de dados empíricos, o que

equivale a 21,6% do total de cooperativas do estado.

Deste modo, no âmago do avanço da agricultura moderna no estado de Goiás, estamos

investigando o papel do associativismo rural em duas regiões que embora não possuam

contiguidade espacial, tiveram a ação estatal como preponderante para a estruturação do

espaço rural.

Neste sentido, estamos averiguando qual é o nível de envolvimento dos produtores

familiares e empresários rurais no âmbito do associativismo e identificando quais são as

convergências e divergências entre estes, na interlocução com o Estado para a

elaboração de politicas públicas que possam proporcionar um desenvolvimento rural

integral e efetivo.

Considerações finais

A realização da pesquisa que pauta este trabalho está motivada na construção de um

arcabouço teórico-metodológico em torno da questão da elaboração e implementação de

políticas públicas de desenvolvimento rural no Brasil e especificamente no estado de

Goiás.

No Brasil as políticas públicas de desenvolvimento rural historicamente estão

vinculadas ao viés eminentemente produtivista e voltado à produção empresarial rural,

com capacidade de produção em grande escala, e via de regra, voltada ao mercado

exterior.

Na última década o governo federal incorporou a abordagem territorial do

desenvolvimento rural surgida no contexto da União Européia, como uma estratégia de

redefinição das funções econômicas do espaço rural para além do viés produtivista e

setorial. Contudo, mesmo naquela realidade - muito diferente da brasileira – ainda não

foi possível “liberar” o rural de seu caráter setorial.

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Atualmente as políticas de desenvolvimento rural europeias têm associado o territorial

ao setorial na medida em que tem valorizado os saberes e técnicas tradicionais de

produção familiar bem como a implementação de certificações de qualidade atreladas

ao local de origem dos produtos, visando ocupar nichos específicos de mercado numa

sociedade urbana disposta a pagar mais por produtos originários de seus próprios países.

Isto parte da consciência de que a valorização do produto nacional permite a

manutenção da população agrícola no espaço rural com qualidade de vida similar ou

superior a do espaço urbano.

Por isso acreditamos que a superação da fragmentação existente no espaço rural

brasileiro está inegavelmente associada à capacidade de construção de uma identidade

coletiva da produção familiar. Para isso, a prática associativa pode vir a ser esse o

elemento de coesão do grupo.

Cabe aos produtores familiares construir novos formatos de participação que permitam

a sua atuação enquanto um segmento da sociedade civil organizada que tenha a

capacidade de influenciar no conteúdo e no formato das políticas públicas de

desenvolvimento rural.

Por isso, a proposta em investigar o associativismo rural em sua acepção ampla, que

inclui associações e cooperativas agrícolas, abarcando tanto os produtores familiares

quanto os empresariais vinculados ao agronegócio, está fundamentada na identificação

das formas de gestão e funcionamento daquelas iniciativas consolidadas para que estas

práticas sejam aproveitadas também pela produção familiar.

Os movimentos sociais – principalmente o MST – reuniram estratégias extraordinárias

de luta pela terra que têm alcançado avanços inegáveis na questão agrária. Contudo, a

luta na terra, tem se constituído ainda no principal desafio a ser superado, uma vez que

no momento em que a terra é conquistada o movimento perde grande parte da influência

sobre esses “novos” agricultores. Os produtores familiares pela ausência de um processo

de socialização política encontram dificuldades de mobilização e, via de regra, ficam

submetidos aos ditames da classe patronal rural.

Eis o desafio que nos instiga a desenvolver esta pesquisa: criar as condições para que a

agricultura familiar se consolide no estado de Goiás assim como a produção empresarial

que tem conduzido o agronegócio de forma extraordinária com o apoio do aparato

estatal federal e estadual. Acreditamos que o associativismo rural, pautado numa

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participação efetiva dos produtores rurais pode propiciar o fortalecimento da produção

familiar nas microrregiões estudadas e no estado como um todo.

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