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São Luís – MA, 25 a 28 de agosto 2009 ASSISTÊNCIA SOCIAL: significados em (des)construção no Brasil contemporâneo. Leila Maria Passos de Sousa Bezerra Universidade Estadual do Ceará (UECE) Yanaeê Kelly Pessoa Ferreira de Melo Universidade Estadual do Ceará (UECE) Moíza Siberia Silva de Medeiros Universidade Estadual do Ceará (UECE) Paula Raquel da Silva Jales Universidade Estadual do Ceará (UECE) RESUMO Nas discussões brasileiras contemporâneas acerca da assistência social, verifica-se que, comumente, há uma identificação entre assistência social e política pública, como se esta fosse a única forma assumida por aquela. No entanto, há que se ressaltar, que a assistência social, em sua historicidade, apresentou-se sob diversas modalidades, a saber: caridade cristã, filantropia, benemerência, até configurar-se como política pública assumida pelo Estado. Neste sentido, a proposta de mesa temática que ora se apresenta, visa suscitar uma reflexão epistemológica sobre as noções de assistência e assistência social, a fim de apreender suas diferenciações e compreender alguns aspectos que estão a orientar ideologicamente a execução da assistência social como política pública no Brasil contemporâneo. Para tanto, realizou-se pesquisas documental e bibliográfica, centrada em autores que discutem a temática. Foram eles: Behring e Boschetti (2006); Castel (2001), Pereira (2008), Silva (2004) e Sposati (1998). O estudo empreendido possibilitou compreender a assistência como ações individualizadas ou grupais, de caráter esporádico, imediatista e focalizado. Já a assistência social se configura como um conjunto específico de práticas mediadas por instituições sociais, tanto da sociedade civil como do Estado, com o objetivo de atender as necessidades dos segmentos da população que não tem como prover a sua subsistência. Em relação à prática da assistência social como política pública, apreende-se a existência de duas perspectivas ideológicas a orientá-la, em seus distintos momentos históricos, quais sejam: a tuteladora – marcada pelo assistencialismo – e a emancipatória – apresentada como uma perspectiva que, diferente da anterior, reconhece os indivíduos como sujeitos de direitos. Diante disto, a título de conclusões, cabe registrar que tais perspectivas estão em disputa quando se pensa a execução da política de assistência social. No discurso oficial em torno desta política prevalece a perspectiva emancipatória, todavia, pertine questionar se, de fato esta perspectiva tem orientado o conjunto de ações que constituem a política de assistência social no Brasil do século XXI.

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ASSISTÊNCIA SOCIAL: significados em (des)construção no Brasil contemporâneo.

Leila Maria Passos de Sousa Bezerra Universidade Estadual do Ceará (UECE)

Yanaeê Kelly Pessoa Ferreira de Melo Universidade Estadual do Ceará (UECE)

Moíza Siberia Silva de Medeiros

Universidade Estadual do Ceará (UECE)

Paula Raquel da Silva Jales Universidade Estadual do Ceará (UECE)

RESUMO

Nas discussões brasileiras contemporâneas acerca da assistência social, verifica-se que, comumente, há uma identificação entre assistência social e política pública, como se esta fosse a única forma assumida por aquela. No entanto, há que se ressaltar, que a assistência social, em sua historicidade, apresentou-se sob diversas modalidades, a saber: caridade cristã, filantropia, benemerência, até configurar-se como política pública assumida pelo Estado. Neste sentido, a proposta de mesa temática que ora se apresenta, visa suscitar uma reflexão epistemológica sobre as noções de assistência e assistência social, a fim de apreender suas diferenciações e compreender alguns aspectos que estão a orientar ideologicamente a execução da assistência social como política pública no Brasil contemporâneo. Para tanto, realizou-se pesquisas documental e bibliográfica, centrada em autores que discutem a temática. Foram eles: Behring e Boschetti (2006); Castel (2001), Pereira (2008), Silva (2004) e Sposati (1998). O estudo empreendido possibilitou compreender a assistência como ações individualizadas ou grupais, de caráter esporádico, imediatista e focalizado. Já a assistência social se configura como um conjunto específico de práticas mediadas por instituições sociais, tanto da sociedade civil como do Estado, com o objetivo de atender as necessidades dos segmentos da população que não tem como prover a sua subsistência. Em relação à prática da assistência social como política pública, apreende-se a existência de duas perspectivas ideológicas a orientá-la, em seus distintos momentos históricos, quais sejam: a tuteladora – marcada pelo assistencialismo – e a emancipatória – apresentada como uma perspectiva que, diferente da anterior, reconhece os indivíduos como sujeitos de direitos. Diante disto, a título de conclusões, cabe registrar que tais perspectivas estão em disputa quando se pensa a execução da política de assistência social. No discurso oficial em torno desta política prevalece a perspectiva emancipatória, todavia, pertine questionar se, de fato esta perspectiva tem orientado o conjunto de ações que constituem a política de assistência social no Brasil do século XXI.

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NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE AS RE-SIGNIFICAÇÕES HÍBRIDAS DA ASSISTÊNCIA SOCIAL NO BRASIL CONTEMPORÂNEO: entre a tutela e a

emancipação política?

Leila Maria Passos de Sousa Bezerra1.

RESUMO

O artigo analisa criticamente as re-significações híbridas assumidas pela Assistência Social – privada e pública-estatal – na regulação das expressões-limite da questão social no Brasil nos anos 1990 e 2000. Baseada em pesquisas bibliográfica e documental, apreende os sentidos da assistência social em disputa nos interstícios entre política e cultura na vida brasileira contemporânea marcada pelo entrecruzamento das matrizes hierárquico-autoritária e conservadora; democratizante-participativa; e do ajuste estrutural de cariz neoliberal. Problematiza tendências atuais e complementares de interpretação e enfrentamento da pobreza brasileira ora centradas na (re)criminalização e na punição dos pobres, ora voltadas à assistencialização do pauperismo reclamadas ao Estado e à sociedade civil. Palavras-chave: questão social, pobreza, assistência e cidadania/direitos.

ABSTRACT The article re-examines critically the meanings assumed by the hybrid Welfare - private and public-state - in the regulation of expressions limit the social question in Brazil in 1990 and 2000. Based on research literature and documentation, learns the meanings of social assistance in dispute in the interstices between politics and culture in contemporary Brazilian life marked by the interweaving of matrix-hierarchical and authoritarian conservative, democratic, participatory, and the nature of neoliberal structural adjustment. Additional questions of interpretation and trends facing the Brazilian poverty now focused on (re) criminalization and punishment of the poor, sometimes aimed at assistencialização of pauperism claimed the state and civil society. Keywords: social issue, poverty, and assistance

I – INTRODUÇÃO: Pressupostos crítico-interpretativos da Assistência Social

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Compreender, interpretar e analisar criticamente os sentidos da Assistência

Social no Brasil contemporâneo exige apreendê-la nos interstícios entre a cultura e a

política, constitutiva da "política cultural" (DAGNINO, 2000) na vida brasileira dos anos 1990

e 2000. Assumo essa via analítica da "política cultural" para chamar a atenção aos laços

constitutivos entre cultura e política, gestando um campo peculiar de sentidos,

reconfigurando estas duas noções-chaves que não podem ser compreendidas de "per si".

Desvendar a cultura impõe ter em consideração os conflitos e as relações de poder que

demarcam o contexto da produção e atribuição de significados ao mundo, inscritos nas

práticas sociais e nas instituições. Apreender a política requer o reconhecimento do caráter

cultural ativo das relações de poder, expressiva de significados.

A "política cultural" é, portanto, ativa e relacional. Envolve a ação de atores

sociais que moldam e encarnam distintos significados e práticas culturais, numa dinâmica de

disputas e conflitos. Desenvolvem, pois, uma luta simbólica pelo "poder interpretativo" e pela

condição e posição de ter o poder de atribuir significados na vida social. De fato, a produção

e atribuição dos significados são constitutivos de processos que procuram redefinir o poder

social, no sentido de reforçar a cultura política dominante ou de contestá-la (DAGNINO,

2000). Trata-se do processo de construção da hegemonia2 no campo político-cultural,

abrindo perspectivas de manter a ordem dominante ou de imprimir mudanças no sentido da

contra-hegemonia.

É esta a chave interpretativa construída por analistas da vida brasileira, ao

pensarem o tecido sócio-político contemporâneo, com destaque para: Evelina Dagnino, Vera

Telles, Maria Célia Paoli, Alba Carvalho, Sônia Alvarez, Luciana Tatagiba, A. Escobar,

Boaventura de Sousa Santos, Leonardo Avritzer, dentre outros. Considero que esta via

lança "luzes diretas" para iluminar as formas de interpretação e de regulação das

expressões da questão social3 brasileira, sobretudo, em termos dos significados híbridos

inscritos no campo sócio-assistencial no Brasil contemporâneo. E, nesta direção dos laços

constitutivos entre o simbólico e as relações de poder, as teorizações de John B. Thompson

(1995) sobre cultura fornecem subsídios teórico-analíticos para adentrar nas teias

constitutivas deste campo de estudo. Refiro-me, especificamente, à "concepção estrutural

de cultura" trazida por este autor, na qual os fenômenos culturais são formas simbólicas –

ações, objetos e expressões de vários tipos – apreendidas em contextos estruturados. A

"análise cultural", proposta por Thompson, consiste no estudo das formas simbólicas

inseridas em processos e contextos sócio-históricos específicos dentro dos quais e por meio

dos quais são produzidas, transmitidas e recebidas (THOMPSON, 1995).

Assim, direciono meu foco analítico à "política cultural" brasileira dos anos 1990

e 2000, com vistas a recompor os fios deste tecido sócio-político contemporâneo no qual

têm sido enredados os sentidos da Assistência Social em suas versões privada e pública-

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estatal. Em verdade, a política e a cultura na vida brasileira recente articulam-se e (re)-

significam-se na confluência de dois processos estruturais básicos: a democratização e o

ajuste estrutural à nova ordem do capital mundializado que, encarnando projetos político-

culturais distintos – respectivamente o “projeto emancipatório da democratização” versus

o “projeto neo-conservador do ajuste” 4 – geram um contexto contraditório, expresso na

política cultural dos últimos 18 anos. No cenário brasileiro atual, a herança da

democratização dos anos 1980 – em termos de participação da sociedade civil no exercício

da cidadania ativa, no âmbito das lutas por uma ampliação do sistema de seguridade social5

– parece “misturar-se”, numa singular simbiose, à herança do ajuste estrutural,

implementada a partir da década de 1990, sobretudo, em relação à "baixa responsabilidade

social" do Estado e a conclamação à sociedade civil para participar da regulação das

expressões-limite da questão social, em substituição às prerrogativas estatais de garantia de

direitos sociais. Consiste num campo de tensões que impulsionam um deslocamento dos

significados de noções fundamentais à vida pública nas últimas três décadas e mobilizadas,

diferentemente, por ambos os projetos político-culturais, a saber: questão social e pobreza –

redefinindo as suas formas de interpretação e de regulação-controle-administração;

participação e sociedade civil; além da tríade solidariedade-cidadania-voluntariado6.

Nessa linha crítico-interpretativa, compreendo que os significados atribuídos à

Assistência Social – pública-estatal e privada – no Brasil contemporâneo encontram-se em

disputas reais e simbólicas travadas no campo político-cultural marcado pela “confluência

perversa” entre a democratização frágil e inconclusa7 e o ajuste estrutural, sob o solo

histórico da matriz conservadora hieráquico-autoritária (DAGNINO, 2000). As lutas pela

hegemonia entre os projetos político-culturais distintos vinculados a tais matrizes – em

busca da construção do consenso ativo8 - atravessam e materializam-se também no campo

sócio-assistencial. Manifestam-se nas perspectivas da assistência social ditas “tuteladora” –

sob a marca do assistencialismo – e “emancipatória” – na ótica dos direitos da cidadania

social – que se apresentam, supostamente, em confronto neste início do século XXI em

termos das interpretações e intervenções diante desta expressão-limite da questão social: a

pobreza.

De fato, (re)surge uma tendência em reduzir a questão social à sua expressão

máxima do pauperismo encarnada nas noções contemporâneas de “exclusão,

vulnerabilidade e/ou em riscos sociais” que, disseminadas no “senso comum e no senso

comum douto”, são tomadas a priori para traduzir segmentos de classe submetidos aos

processos de pauperização. Assim, deixa intocada a vinculação originária entre a questão

social e o modo de vida capitalista, cujas expressões se agudizam no contexto de ajuste

estrutural marcado, dentre outros aspectos, por contra-reforma do Estado, precarização e/ou

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não-direito ao trabalho e a destituição dos direitos sociais nos marcos da acumulação

flexível e do projeto neoliberal. Por sua vez, tal interpretação reducionista da questão social

à pobreza passa a exigir formas de gerenciamento e controle centrados seja na punição,

seja na assistência social advinda da sociedade civil e/ou do Estado. E que parece reiterar

um confronto histórico entre o direito à assistência social e as iniciativas garantidoras do

direito ao trabalho neste contexto. Fortalece-se, assim, a perspectiva do “Welfare Pluralist

ou Mix” (PEREIRA, 2005), que supõe uma co-responsabilização entre Estado, Sociedade e

Mercado no enfrentamento de expressões-limite da questão social.

Nesse terreno minado da regulação social no Brasil contemporâneo parecem

ganhar relevo duas dinâmicas aparentemente paradoxais no campo sócio-assistencial: de

um lado, a valorização nas ações privadas de assistência social explícita no chamamento à

participação da sociedade civil, emblemática na visibilidade pública adquirida pelos

solidarismos e o voluntariado; de outro, o predomínio de ações públicas pontuais,

focalizadas e seletivas voltadas ao “combate à pobreza” via ações de transferência de

renda. Dentre estas ações viabilizadas pelo governo federal brasileiro, o Programa Bolsa

Família9 tornou-se prioritário no orçamento garantido para a área da assistência social.

Tendências indicativas de riscos de enfraquecimento, destituição e erosão

simbólica da Assistência Social como política pública transversal recentemente inserida no

campo do direito, conforme delineada na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS, 1993),

na Política Nacional de Assistência Social (PNAS, 2004) e na Norma Operacional Básica

que define a sua operacionalização em território nacional através do Sistema Único de

Assistência Social (NOB/SUAS, 2005).

No sentido de escapar às posturas analíticas binárias e/ou dicotômicas –

incapazes de apreender a dinâmica contraditória, densidade e complexidade do real – busco

apreender criticamente a hibridação político-cultural10 que atravessa e imprime significações

ao campo sócio-assistencial brasileiro e parecem alterar os sentidos atribuídos às

interpretações acerca das expressões da questão social e às formas históricas propostas

para seu enfrentamento e/ou seu controle-gerenciamento neste país, com centralidade na

Assistência Social. Problematizar e desvendar a complexidade deste campo exige, portanto,

apreendê-lo no entrecruzamento das supracitadas matrizes político-culturais que se

imbricam na vida brasileira presente e imprimem significações híbridas à questão social e à

pobreza, aos direitos de cidadania e à própria assistência social presentes em nosso

imaginário individual e coletivo, em nossas práticas sociais cotidianas.

II – (DES)CONSTRUÇÃO E DISPUTA DE SENTIDOS DA ASSISTÊNCIA SOCIAL: UM

AMÁLGAMA POLÍTICO-CULTURAL NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

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Os discursos e práticas que atravessam o campo da Assistência Social parecem

encarnar, mesmo, re-significações híbridas, configurando um amálgama de significados,

urdidos no entrecruzamento de matrizes político-culturais presentes na vida social brasileira

contemporânea e que perpassam o seu imaginário, quais sejam: a "matriz da incivilidade" ou

a tradição conservadora hierárquica-autoritária; a matriz democratizante; a "matriz do ajuste

estrutural", caracterizada por uma dinâmica neoconservadora-narcisista11.

Em verdade, creio que o Brasil atual passa por uma mutação antropológica de

grande vulto nos últimos trinta anos, demarcando um espaço intervalar de encontro destas

três matrizes. Fortalece, assim, o caráter híbrido da cultura brasileira neste início do século

XXI, marcado por ambigüidades e ambivalências históricas.

Essa primeira matriz - chamada aqui de "incivilidade" para usar a expressão

cunhada por Vera Telles (1999) - designa a tradição conservadora hieráquica-autoritária

a partir da qual se gestou um padrão de sociabilidade brasileira que dificulta a construção de

um princípio de reciprocidade capaz de conferir ao Outro – esta expressão da diferença

constitutiva da vida social – o estatuto de sujeito de interesses válidos e direitos legítimos

(TELLES, 1999). Refiro-me à tradição político-cultural fundada em relações de dependência

pessoal, hierarquias, diferenças e privilégios, constantemente reiteradas nas relações

sociais cotidianas, com destaque para o campo sócio-assistencial. Focalizo, então, as suas

implicações diretas sobre as interpretações da Questão Social brasileira e as formas

propostas para sua regulação, com foco na Assistência Social e na atribuição de um “lugar

social aos pobres”, público-alvo preferencial das ações neste campo.

Na análise de Telles (1999), essa matriz político-cultural fixou suas raízes por

dentro da legalidade instituída na vida brasileira. De fato, a "modernidade"12 no Brasil,

anunciada por leis formais e impessoais, sob a regência do Estado, durante o longo período

anterior aos anos 1980, terminou por reatualizar distinções e privilégios de determinados

segmentos. Na análise de Da Matta (1997) institui-se duas categorias em relação na vida

brasileira: "pessoas" e "indivíduos". No dizer do autor, tais "pessoas" foram elevadas à

condição de "pessoas-instituições", "super-pessoas" ou "pessoas superiores" em relação

aos "indivíduos", assimilados, via de regra, à figura dos pobres resignados à sua condição

de inferiores. Aos primeiros, "pessoas" por prestígio e autoridade, garante-se os privilégios,

inclusive, de domínio e destituição da autonomia dos "inferiores" sob sua dependência, via

de regra, transformados em seus "afilhados" sociais ou “clientes” da assistência social

privada e/ou público-estatal. Ao segundo, o Outro que encarna a figura do "indivíduo", resta

a aplicação da própria lei em sua impessoalidade.

Na expressão de Telles (1999), o "pobre incivil" tanto pode reassumir essa

condição de indivíduo submetido às leis impessoais e parcas iniciativas do Estado no social,

como poderia tornar-se pessoa, marcada pelo dever de obediência e subalternidade aos

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"padrinhos" que o auxiliavam a sobreviver no mundo social. A rigor, os ditos "pobres incivis"

poderiam tornar-se merecedores de favores, proteção e assistência dos "superiores",

todavia não adentravam o campo dos direitos.

Nesse universo social dual da sociedade brasileira - amplamente analisada por

Roberto Da Matta (1997), sob a alcunha de "sociedade relacional" – configuram-se posições

sociais movediças, nas quais as relações se davam entre pessoas e indivíduos unidos, em

verdade, por laços verticais de interdependência, consolidadas nas imagens e práticas

socialmente construídas entre superiores e inferiores na vida brasileira. Assim, configura-se,

nas palavras de Telles (1999, p. 89):

uma "incivilidade que se ancora num imaginário persistente que fixa a pobreza como marca da inferioridade, modo de ser que descredencia indivíduos para o exercício de seus direitos, já que percebidos numa diferença incomensurável, aquém das regras da equivalência que a formalidade da lei supõe e o exercício dos direitos deve concretizar (...) a reposição de hierarquias e diferenças no solo social tem a ver com o modo mesmo como direitos, leis e justiça social montaram os termos da cidadania no Brasil moderno. E é nisso que se aloja o paradoxo da sociedade brasileira. Paradoxo de um projeto de modernidade que desfez as regras da República oligárquica, que desencadeou um vigoroso processo de modernização econômica, social e institucional, mas repôs a incivilidade nas relações sociais.

É por dentro desta matriz da incivilidade que o imaginário igualitário parece não

se realizar na vida brasileira, confinando a pobreza ao campo social-assistencial, suscetível

às relações de favor, de compadrio e de mando, reatualizando, cotidianamente, as relações

hieráquico-autoritárias entre "superiores" e "inferiores". Nesses moldes, os significados da

pobreza no imaginário brasileiro são ambivalentes. Primeiro, a pobreza foi interpretada

como questão religiosa e moral, exigindo a "ajuda" das elites brasileiras vinculadas a

movimentos laicos ou eclesiásticos de atuação no social13. Segundo, a pobreza foi

construída como símbolo do atraso a ser enfrentado pela via do "progresso": o progresso

econômico, a sonhada "modernidade", imposta como padrão civilizatório externo à vida

brasileira. A imagem naturalizada da pobreza assume o status aterrorizador de "resíduo que

escapou à potência civilizadora da modernização" (TELLES, 1999). Assim, destitui o pobre

não só do exercício de direitos, mas da possibilidade de conquistá-los na teia conflituosa de

exercício da cidadania. Prevalece a dinâmica relacional e hierárquica entre os desiguais em

detrimento do conflito legítimo14, que encontra na esfera pública o espaço de sua

manifestação. O conflito - imperativo em sociedades igualitárias e quase impronunciável em

sociedades hierárquicas – tem sido historicamente negado e depreciado na vida brasileira.

De fato, nega-se a dimensão do conflito legítimo, dinâmica inevitável e irredutível na vida

social, construído à medida em que se rompe a indiferenciação do pobre na esfera

homogênea das necessidades vitais que ascendem à esfera pública na condição de cidadão

de direitos.

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Nesta matriz da “incivilidade”, aos pobres fora reservado tanto a repressão

estatal –encarnada na “polícia dos pobres” (DONZELOTT, 1998) para aqueles que

ameaçam as normas e coesão sociais – como o "(...) espaço da assistência social, cujo

objetivo não é elevar as condições de vida mas minorar a desgraça e ajudar a sobreviver na

miséria" (TELLES, 1999, p. 94-95). Destituído de direitos e da condição de cidadão, de

poder e de dinheiro, o pobre é reconhecido socialmente pela carência e pela impotência

diante das discriminações e desigualdades sócio-econômicas, políticas e culturais. Os

"pobres" têm sido comumente chamados "desprivilegiados da sorte, necessitados, carentes"

e suas necessidades e privações vistas como pessoais, privadas, situações de infortúnio.

Restava-lhes, então, a "ajuda" como celebração pública de sua inferioridade (TELLES,

1999). Essa "ajuda", muitas vezes nomeada de assistência social leiga ou eclesiástica –

assistencialismo, numa denominação mais precisa – realizava-se via ações estatais, em

parceria com a caridade cristã e/ou a filantropia privada, garantidas, via de regra, através do

princípio de subsidiaridade. Nesses moldes, afirma Mestriner, o Estado brasileiro

introduziu mecanismos de apoio às organizações sem fins lucrativos e ao voluntariado

através deste princípio da subsidiaridade (...) reconhecendo o conjunto de iniciativas

organizadas da sociedade civil no denominado campo dos ‘sem fins lucrativos’ do que

propriamente reconhecimento como responsabilidade pública e estatal as necessidades da

população atendida por tais iniciativas (2001, p. 17).

De fato, a assistência social privada e a assistência social pública-estatal – sem

o status de política pública de direito inaugurado apenas com a Constituição Federal de

1988 – tem sido espaço fértil das ações das elites brasileiras diante da pobreza, em sua

gênese arraigada à "matriz da incivilidade" em termos de suas interpretações e formas de

regulação da Questão Social neste país, via de regra, restrita às situações-limites de

pobreza e miséria. A assistência social brasileira assumiu, assim, o caráter de benesse,

favor, boa vontade, dever moral ou ajuda benevolente por parte das elites e do Estado,

destinadas às situações-problema de indivíduos e/ou segmentos populacionais

reconhecidos socialmente como pobres, sobretudo, os ditos incapacitados para o trabalho –

resignados e confinados à sua condição de “inferiores e tutelados”, vistos como o resíduo da

Modernização Conservadora.. Para este público, ofertavam-se as ações assistenciais ou

benefícios de caráter compensatório, pontual/ descontinuado, focalizado, seletivo,

emergencial-pragmático e sem recursos orçamentários específicos, características

reafirmadoras desta figura negativa do pobre-carente-necessitado-dependente agrilhoada

entre a tutela e a assistencialização. À cidadania regulada (SANTOS, 1999) – destinada à

classe trabalhadora inserida no mercado formal de trabalho e, portanto, com acesso

garantido aos direitos sociais e trabalhistas vinculados ao direito ao trabalho – opunha-se a

cidadania assistida e/ou tutelada (DEMO, 1998) dos pobres incivis incapacitados para o

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trabalho ou inseridos de forma precarizada no mercado informal de trabalho, reconhecido

publicamente como alvo preferencial das ações assistenciais estatais e/ou privadas.

Em verdade, as elites brasileiras que se auto-intitulam e, socialmente, são

reconhecidas como representantes da "boa-sociedade" ou, simplesmente, "pessoas da

sociedade", têm consubstanciado, em seu discurso humanitário de cunho moral e em suas

práticas voluntárias dirigidas aos pobres, estes significados inscritos na matriz conservadora

hieráquico-autoritária que atravessa a vida brasileira. Eis o locus originário do voluntariado

neste país (LANDIN, 1993), cuja imagem social emerge atrelada às elites e sua

religiosidade, sobretudo, no âmbito da Igreja Católica, mas, também, assumida por

protestantes e espíritas. Imagem social presente e passível de reiteração no imaginário

coletivo contemporâneo. A construção da assistência social como política pública de direitos

exige, assim, que se problematize esta herança histórica do conservadorismo nas formas de

gestão e controle da pobreza historicamente empreendidas no campo sócio-assistencial

brasileiro, com vistas a romper com a versão tutelada e assistida não alheias aos discursos

e práticas construídos em torno das ações assistenciais em nosso país neste início do

século XXI, que assumem, por vezes, feições híbridas entre o tradicional e o moderno na

gestão da pobreza.

Em refutação às oposições binárias, de forma a configurar e desvendar, com

clareza, o hibridismo encarnado no campo sócio-assistencial, impõe-se, aqui, retomar à

minha incursão teórica nas outras duas matrizes político-culturais que, mescladas a esta

matriz da "incivilidade", parecem consolidar discursos e práticas de “novas-velhas” formas

de regulação social vigentes no Brasil dos anos 1990 e 2000, com ênfase na assistência

social privada, mediante a revalorização e visibilidade pública assumida pelo voluntariado

contemporâneo.

A rigor, compreender, interpretar e analisar criticamente os sentidos/significados

da assistência social na vida brasileira presente não pode ser descolada do contexto sócio-

histórico no qual se materializam, configurado pelo encontro dos processos de

(re)democratização e de ajuste estrutural, fenômenos demarcatórios de duas matrizes

político-culturais que, embora distintas, solidificam-se em torno de significantes comuns, a

saber: questão social, pobreza e assistência social; participação e sociedade civil; cidadania

e direitos sociais. Mas insisto em reafirmar: a matriz político-cultural conservadora e

hieráquica-autoritária atravessa a totalidade das relações sociais brasileiras e, assim,

constitui o solo histórico com base no qual se experiência, de maneira singular, estes dois

processos estruturais contemporâneos, consolidando-se duas matrizes político-culturais a

estes relacionadas, que parecem indicar re-significações híbridas no campo sócio-

assistencial.

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A segunda matriz político-cultural, denominada de matriz democratizante, vem

gestando-se ao longo do processo de (re)democratização na sociedade brasileira instaurado

a partir do final dos anos 1970 e 1980. Tais períodos históricos foram marcados por grande

efervescência político-cultural face ao processo de rearticulação da sociedade civil, que

redefine as interpretações e intervenções diante da Questão Social, sobretudo em relação à

pobreza e à figura do "pobre", sob a lógica da "cidadania ativa" encarnada nas lutas

travadas pelos movimentos político-sociais na esfera pública. Em verdade, a

democratização traduz-se em um processo ainda em curso no Brasil contemporâneo,

instaurado por dentro do ajuste estrutural. Marcado por uma dinâmica de avanços e recuos,

em especial, em relação aos sentidos dos direitos da cidadania social.

Para Telles: (...) é através da cidadania que se faz a passagem da natureza para

a cultura, tirando o outro do indiferenciado e do anonimato, elaborando sua(s) identidade(s),

construindo o(s) seu(s) lugar(es) de pertencimento e integrando-o(s) nesse espaço onde a

experiência do mundo se faz como história (1999, p. 130). Assim, na lógica da cidadania –

deflagrada na história brasileira recente via redemocratização – a Questão Social passou a

ser problematizada na esfera pública por "velhos" e "novos" atores sociais, assumida, de

forma frágil, como responsabilidade do Estado brasileiro, conforme anunciado pela

Constituição Federal de 1988. De fato, seguindo as trilhas analíticas de Castel (2000), na

dinâmica do processo de redemocratização, a Questão Social situa-se como a aporia das

sociedades modernas que enfoca a separação, sempre renovada, entre a lógica do

mercado e a dinâmica societária, entre a ordem juríco-política que promete igualdade e a

vivência das desigualdades e discriminações – econômicas, sociais, políticas, culturais,

regionais e/ou territoriais –, tecidas no movimento das relações de poder e de dominação.

Nessa matriz democratizante, processualmente assimilada no pensamento

brasileiro, à figura do pobre opôs-se a do cidadão ativo em luta por seus direitos ao impor a

sua entrada na esfera pública para colocar em xeque a titularidade do poder, reivindicar e

disputar legitimamente direitos, bem como renovar as medidas de justiça e igualdade. Esse

"pobre" metamorfoseia-se em ator social no cenário brasileiro contemporâneo, participante

ativo nos múltiplos espaços públicos, em processo de construção deste os anos 1970 e

1980. A cidadania torna-se luta e conquista de sujeitos coletivos, capazes de interpelar o

Estado e a própria sociedade em busca de direitos. Exigiu-se a construção de espaços

públicos abertos à negociação possível e ao reconhecimento de interesses, necessidades e

desejos contraditórios em disputa na vida social. Inaugura-se uma dinâmica sempre

renovada e re-significada de rearticulação e protagonismo de segmentos organizados da

sociedade civil brasileira, manifesta em toda a sua pluralidade, emblemática do anseio dos

cidadãos por participação ativa na esfera pública.

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Em termos gramscianos, estas duas décadas expressam um processo de

"ocidentalização da sociedade civil", com a entrada de novos personagens na cena pública

brasileira: os movimentos sociais15. De fato, aos representantes da chamada política

tradicional renovados16 - sindicatos e partidos de esquerda - somam-se novas formas de luta

e organização político-social característicos dos movimentos sociais latino-americanos e,

dentre estes, os constituídos na vida brasileira nesse processo de redemocratização em

curso no Brasil contemporâneo. Estes movimentos sociais têm assumido como eixo de suas

reivindicações a noção do "direito a ter direitos", incluindo a criação de novos direitos,

emergentes de lutas específicas e de suas práticas concretas. Os significados do "direito" -

materializados nesta máxima do "direito a ter direitos", no direito à igualdade e à diferença

- e da noção de cidadania passam a ser objetos de luta política intensificadas, de fato, ao

longo dos anos 1980 e início da década de 1990. Assim, direitos e cidadania são re-

significados para além das estratégias das classes dominantes e do Estado, no sentido de

inclusão política gradual e seletiva dos setores subalternos, de suas necessidades e

reivindicações (MARSHALL, 1967; DAGNINO, 2000).

Em meio ao processo deflagrado de re-democratização da sociedade brasileira,

os protagonistas em luta aberta por uma "nova cidadania" – a cidadania ativa, no dizer de

Dagnino (2000) – e, de forma correlata, por uma "outra sociedade" – um novo horizonte ou

futuro possível de ser sonhado coletivamente –, encarnaram sujeitos sociais ativos no plano

da disputa político-cultural, reivindicando a participação da cidadania em sua relação com o

Estado. Redefinem-se as relações entre Estado e sociedade civil, forjando-se uma

institucionalidade democrática a partir da qual estes sujeitos buscam interferir na formulação

das políticas sociais e assumir o que se convencionou chamar de controle social das ações

estatais, sobretudo, no campo do social. Em verdade, gesta-se uma "política cultural" de

novo tipo, ampliando-se o escopo da democracia brasileira, cujo ápice foi a Constituição

Federal de 1988.

Instituída uma outra referência simbólica e concreta dos direitos e da cidadania

sociais, a sociedade brasileira dos anos 1980 vivenciou uma dinâmica contraditória em

termos econômico e político-cultural: no primeiro plano, consignou-se a chamada "década

perdida da economia brasileira", delineando-se uma crise sem precedentes que

complexificou e aumentou o fosso das desigualdades sociais, com destaque para o

adensamento da pauperização; no segundo, ampliaram-se as conquistas sociais na

dimensão jurídico-política materializada na Constituição Federal de 1988. Desde então, a

assistência social fora elevada ao status de política pública estratégica não-contributiva e

transversal voltada ao provimento de “necessidades humanas básicas” e, em tese,

garantidora do “direito à assistência social para quem dela necessitar”, sob a primazia

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do Estado, com comando único, gestão descentralizada e compartilhada com a sociedade

civil (PNAS, 2004).

Regulamentada pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS, 1993),

delineada na Política Nacional de Assistência Social (PNAS, 2004) e definida as suas bases

de operacionalização pela Norma Operacional Básica (NOS/SUAS, 2005), esta política de

Estado visa afiançar, como constitutiva do sistema de proteção social brasileiro, o

enfrentamento das desigualdades sociais através da garantia das seguintes seguranças:

provisão de necessidades humanas básicas: de renda; de acolhida como sujeito de direitos;

de convivência familiar, comunitária e social; de desenvolvimento da autonomia individual,

familiar e social; de sobrevivência a riscos circunstanciais (CARVALHO, 2005). Para tanto,

prevê, como modelo de gestão da PNAS, o Sistema Único de Assistência Social (SUAS)

que vislumbra articular, em todo o território nacional, as responsabilidades, vínculos e

hierarquias, do sistema de serviços, benefícios e ações de assistência social, de caráter

permanente ou eventual, executados e providos por pessoas jurídicas de direito público, sob

critério de universalidade e de ação em rede hierarquizada e em articulação com a

sociedade civil através da construção e/ou fortalecimento da rede sócio-assistencial e do

controle social (PNAS, 2004). O SUAS constitui-se, assim, pelo conjunto de serviços

(atividades continuadas), programas, projetos e benefícios no âmbito da assistência social

prestados diretamente – ou através de convênios com organizações sem fins lucrativos –,

por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais de administração direta e

indireta das fundações mantidas pelo poder público (PNAS, 2004).

De fato, esboçou-se uma versão incompleta do Welfare State à brasileira, no

qual a assistência social fora inscrita no sistema de proteção social como um direito do

cidadão e dever do Estado, constituindo instrumentos para o exercício da cidadania e para

a participação democrática. Por um lado, são as conquistas político-sociais das últimas duas

décadas que se encontram ameaçadas e/ou têm sido dilapidadas a partir dos anos 1990 e

2000 nos circuitos do chamado ajuste estrutural prescrito para o Brasil pelos organismos

multilaterais. O caldo político-cultural resultante da (re)-democratização colide com os

interesses do processo de ajuste estrutural e sua correlata matriz político-cultural,

inaugurada nos anos 1990. Por outro lado, a dinâmica instaurada com o processo de ajuste

estrutural põe em xeque os significados dos principais eixos mobilizados na matriz político-

cultural redemocratizante: cidadania e direitos; participação e sociedade civil;

democracia (DAGNINO, 2003). Em verdade, destaco aqui um processo de destituição real

e simbólica dos direitos sociais e uma erosão das mediações político-democráticas entre

mundo social e esfera pública como espaço legítimo do conflito e de desprivatização das

múltiplas situações de desigualdades e de discriminações.

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Assim, nesta "matriz político-cultural do ajuste" no Brasil, privilegio como um

dos elementos centrais à compreensão dos sentidos da assistência social, a redefinição das

formas de regulação social – com a minimização do Estado no campo social – vinculada à

imposição de contra-reforma do aparato estatal (CARVALHO, 1999; 2005) neste país. A

rigor, é a institucionalização, no processo do ajuste estrutural instaurado nos anos 1990 e

2000, do chamado "Estado ajustador brasileiro", caracterizado por sua "baixa

responsabilidade social" (CARVALHO, 2006). Para Alba Carvalho (2004), o processo de

ajuste estrutural configura um projeto político conservador neo-liberal de despolitização da

vida pública, materializado na flexibilização de direitos e na destituição da própria política,

restritivo da cidadania a uma inclusão individual ao mercado pela via ilusória do consumo

(MARTINS, 1999).

A suposta alternativa à crise da política tem sido o “possibilismo conservador”

(BORÓN, 2005) regido pela lógica emergencial-pragmática de intervir diante das expressões

da questão social que, reduzida à pobreza e encarada como resíduo da modernização

conservadora, torna-se passível seja do gerenciamento estatal segundo critérios técnico-

contábeis – compatível com a disciplina orçamentária voltada ao enxugamento dos gastos

públicos com o social – seja das ações solidaristas e voluntaristas advindas da “sociedade

civil” transfigurada na versão a-política de “terceiro setor”17. As ações público-estatais no

social caracterizam-se pela precarização, focalização, minimalismo, seletividade e

descentralização, com foco nas ações de combate à pobreza via programas de

transferência de renda, com tendência à assistencialização do social no dizer de Mota

(2008). Em paralelo, as áreas do bem-estar consideradas lucrativas para o capital –

principalmente saúde, educação e previdência – têm sido re-mercantilizadas e

reverenciadas na figura do “cidadão consumidor” – inclusive um consumidor de bem-estar –

em oposição direta à noção de direitos sociais e ao cidadão de direitos. Tais processos,

aparentemente desconectados, parecem fortalecer, de fato, a tendência contemporânea de

regulação social e política encarnada no Welfare Pluralist ou Mix (PEREIRA, 2006), no qual

Estado, Sociedade e Mercado desenvolveriam ações complementares no campo do social.

Neste campo, constitui-se um tipo de (neo)conservadorismo centrado em apelos

ético-morais no enfrentamento das expressões da questão social no Brasil. Tal perspectiva

parece vincular-se à cultura política construída nestes processos do ajuste estrutural, com

destaque para determinados valores – ora denominados de "valores neoliberais" – e

tendências da cultura contemporânea que também perpassam o modo de vida brasileiro, a

saber: a mercadorização da vida social; o consumismo exacerbado – e sua configuração em

“consumo de bem-estar” – invadindo e subvertendo o terreno da cidadania e dos direitos

sociais; o neo-individualismo de massa e o narcisismo (sobrevivencialismo) expressivos de

formas de subjetividades auto-centradas e presas às esferas íntima e privada; a competição,

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a concorrência, o imediatismo para atender a necessidades e desejos individuais; o

"(a)parecer" e a inveja social como referências de vida possível (CARVALHO, 2004;

LIPOVETSKY, 1989; LASCH, 1990); bem como o esgarçamento e/ou ruptura dos liames

sociais (CASTEL, 2000) e a erosão dos sentidos de “lugar” e de pertença (BARCELLONA,

1996). Em sentido correlato, constituem-se sociedades fundadas na imagem do risco e da

insegurança social emblemáticas do que Bauman (2008) designou de “medo líquido” capaz

de instaurar-se em relações sociais fragilizadas que chegam a sintomas de fobia e/ou

pânico social (COSTA, 2005) dirigidos, em especial, aos pobres e aos territórios de

pobreza socialmente segregados nas grandes metrópoles. Tais territórios são identificados

como “ ’áreas a serem evitadas’ (no-go areas), profusas em crimes, em marginalidade e em

degeneração moral, onde se pressupõe que habitem apenas membros inferiores da

sociedade” (WACQUANT, 2005, p. 33).

Em verdade, a “(...) ausência de um idioma coletivo de reivindicações”

(WACQUANT, 2005) e a fragilização das esfera pública e da política parecem fortalecer,

mesmo, as estratégias de diabolização das periferias – e, em particular, a estigmatização

dos jovens pobres da periferia – materializada na (re)articulação entre “pobreza e crime”.

Reatualiza-se, assim, a relação entre “camadas pobres–classes perigosas”, sintomática na

busca por segurança civil e por um Estado securitário – aquele que prega e põe em

prática o retorno à lei e à ordem, como se o poder público se mobilizasse essencialmente

em torno do exercício da autoridade (CASTEL, 2005, p. 55) –, em detrimento do Welfare

State e da segurança social através da garantia de proteções sociais. Uma derrapagem

arriscada para a democracia e os direitos da cidadania social nestes “tempos sombrios” de

neoliberalismo. Afinal, conforme salienta Castel (2005, p. 57-58):

Um Estado puramente securitário condena-se pois a cavar uma contradição entre o exercício de uma autoridade sem falha, restaurando a figura do Estado-polícia para assegurar a segurança civil, e um laxismo em face das conseqüências de um liberalismo econômico que alimenta a insegurança social

Essa matriz político-cultural do ajuste, nos valores e no modo de vida que institui,

centrados na exaltação do indivíduo – o "eu narcísico" – levaram-me a nomeá-la de matriz

neoconservadora-narcisista. No esforço reflexivo de configurar os elementos desta matriz,

detenho-me, especificamente, nos aspectos relativos à questão social, aos direitos de

cidadania e ao campo da Assistência Social – com foco na sua versão privatista. Em

princípio, destaco a dimensão (neo)conservadora em termos da destituição dos direitos da

cidadania social em sua vinculação fundante ao conflito democrático travado por sujeitos

coletivos no espaço público18. E, tal destituição provoca, em sentido correlato, uma

despolitização da vida social brasileira contemporânea versus a renegociação coletiva

dos direitos sociais pela via da política. As desigualdades sociais – mas também

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políticas, econômicas, culturais e regionais/territoriais – têm sido reportadas à

responsabilidade individual, sob o prisma da liberdade atrelada à condição civil de cada

cidadão, ou seja, à figura liberal do cidadão. Segundo Telles, além da migração dos direitos

sociais para a esfera do mercado, regidos por critérios de rentabilidade calculista, as

discussões contemporâneas sobre as desigualdades sociais fundam-se fora da referência à

política. Na análise sobre as interpretações e intervenções diante das desigualdades sociais

no Brasil atual, diz a autora:

[...] empresários, economistas, assessores governamentais brasileiros tentam trazer as idéias clássicas do liberalismo individualista do século XIX, numa versão empobrecida e descontextualizada da questão da desigualdade (...) em um espantoso retorno ao começo do século brasileiro, onde os direitos sociais inexistiam institucionalmente e todo o processo de formação de uma sociabilidade moderna era comandado por concepções de filantropia privada, nos primórdios da formação do mercado de trabalho (TELLES, 2001, p. 27).

Em verdade, no âmbito do discurso neoliberal do ajuste repõe-se à cidadania

social o imperativo da cidadania civil, originária da época moderna do Estado de Direito

Liberal e cimentada na separação entre as esferas política e econômica. Esse tipo de

cidadania civil define modalidades de ação postas à disposição de cada um para realizar

seus próprios fins privados. É legitimada pela universalidade de sua atribuição abstrata a

qualquer cidadão do Estado, independente das forças sociais que travam seus embates

político-culturais na sociedade (BARCELLONA, 1994; 1996). Ao contrário da cidadania

social – que abriu espaço às categorias dos direitos como "poderes do indivíduo social",

resultantes do processo incessante de luta e conquista dos movimentos sociais de forma

ampla – a cidadania civil reitera na vida brasileira uma demanda individualizada para a ação

singular-privatista diante das expressões-limite da questão social, no caso a pobreza. Nesta

perspectiva, pode obscurecer o debate público e a crítica política sobre o "mundo comum",

travados pela pluralidade dos sujeitos sociais. E, assim, excluir os chamados "pobres" desta

sociedade brasileira dos anos 2000. Por este ângulo, há uma forte tendência a reduzir a

"política" a problemas técnicos de especialistas das funções de governo, agrilhoados às

estruturas burocratizantes do Estado e aos seus procedimentos puramente jurídicos de

neutralização dos conflitos e minimização das desigualdades (BARCELLONA, 1994), com

tendências à configuração de um Estado ora assistencial-gerencial, ora punitivo voltado,

respectivamente, à gestão e ao controle da pobreza urbana.

Essa destituição da política e sua re-significação em administração dos

interesses, tende, por sua aparência neutra e técnica, a subordinar a política ao espaço da

economia e, assim, à dita disciplina orçamentária impelida ao social. Introduz na esfera da

política critérios validados pelo cálculo econômico, na lógica da racionalidade instrumental.

As expressões da questão social ganham ares de contemporaneidade nesta "gestão

racionalizada da pobreza" à brasileira. Reitera formas de regulação social inscritas na

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"matriz da incivilidade" vinculadas, entretanto, ao discurso da cidadania e da participação da

sociedade civil, como sinônimos de "ajuda solidária individualizada", dos solidarismos

sociais, do voluntariado de elite no campo da assistência social privada versus a sua

configuração recente como política pública de direitos. Nessa perspectiva da "política", aos

"cidadãos comuns" parece restar duas opções para interferir nos negócios públicos ou

"mundo comum": o voto – numa versão restrita da democracia plebiscitária – e a "ação

solidária" ou, preferencialmente, a "ajuda solidária" assumida como sinônimo de

"participação da sociedade civil". E este tipo de “participação” tem sido o desafio maior

lançado aos cidadãos brasileiros perante a complexificação da questão social no presente.

III – CONSIDERAÇÕES FINAIS

É justamente no entrecruzamento destas três matrizes político-culturais e das re-

significações híbridas gestadas no campo social que se deu a regulamentação da

assistência social como política pública – constitutiva do tripé da seguridade social – e vem

se dando sua operacionalização via SUAS. Assim, anunciam-se tensões e disputas entre as

perspectivas de emancipação política e de tutela no campo sócio-assistencial. E a

assistência social – privada e/ou público-estatal – aparece, neste contexto híbrido, elevada a

quase mito no enfrentamento das expressões-limite da questão social ora centradas nos

processos crescentes e complexificados de pauperização (MOTA, 2008).

Dentre as estratégias atuais instituídas pelas elites político-culturais brasileiras,

parecem ganhar relevo o enfraquecimento e a destituição da assistência social como política

pública transversal, recentemente inserida no campo do direito ou, ao menos, sua redução

aos programas de combate à pobreza via transferência de renda. Em paralelo, visualiza-

se uma revalorização do voluntariado e dos apelos aos solidarismos sociais, que pode

fortalecer a imagem da assistência social como "ajuda privada e benevolente" de indivíduos

singularizados e grupos de “incluídos” envolvidos na suposta garantia da coesão social.

Nesses anos 1990 e 2000, a via assistencial – com foco nas ações privatistas – tem

assumido, mesmo, status prioritário no gerenciamento das desigualdades sociais,

configurada como lócus privilegiado de voluntários que se legitimam na cena pública por

assumirem causas coletivas de forma singularizada e, supostamente, “desinteressada e

altruísta”. Nesse campo político-cultural, os solidarismos e o voluntariado ganham força, sob

o signo da modernidade, vinculados ao binômio solidariedade-cidadania. Em verdade, a

tríade voluntariado-solidariedade-cidadania parece encarnar, mesmo, a "vontade e ajuda"

dos indivíduos singularizados, privados de esfera pública e da renegociação coletiva dos

direitos sociais pelo exercício da política diante das expressões adensadas da questão

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social e da frágil rede de (des)proteção social para responder às demandas crescentes nos

centros urbanos brasileiros.

Em verdade, nestes tempos de ajuste, o conteúdo (neo)conservador atravessa

as práticas de regulação do social ao configurar essa “participação cidadã” diretamente

vinculada à prestação de assistência social, sob a lógica da "ajuda solidária", propalada e

assumida pelo Estado e pela sociedade civil em suas múltiplas expressões. E parece

(re)enviar a "pobreza" e os "pobres" para fora do campo da política e da cidadania social, na

versão da "matriz democratizanrte", ensaiada, com maior vigor, nos anos 1980. Ao tratá-los

seja como símbolos do perigo e medo social – passíveis de vigilância, controle e punição

–, seja como vítimas dos infortúnios e /ou "carentes" da ajuda – suscetíveis à via

assistencial privada ou estatal –, esta "matriz neoconservadora-narcísica" parece banir do

imaginário brasileiro a legitimidade do conflito como meio para viabilizar a travessia do

"pobre carente-necessitado" para a condição de sujeitos coletivos – com desejos e

necessidades comuns e diferentes – capazes de intervir nas decisões que dizem respeito

aos seus destinos em particular, à cidade, ao "mundo comum", participando, portanto, da

redefinição do poder social na vida pública brasileira contemporânea.

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______. A globalização do crime e os limites da explicação local. In: VELHO, G. ; ALVITO, Marcos (Orgs.). Cidadania e Violência. Rio de Janeiro: UERJ/FGV ,1996. ______. Sociedade civil e a construção de espaços públicos. In: DAGNINO, E. (org.). Os anos 90: política e sociedade no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1994. 1 Mestre em Sociologia (UFC), Especialista na área da Violência doméstica contra Crianças e

Adolescentes (LACRI-USP), graduada em Serviço Social (UECE), professora do Curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Ceará, pesquisadora do Laboratório de Direitos Humanos, Cidadania e Ética (LABVIDA/UECE) e Coordenadora do Laboratório de Seguridade Social (UECE), coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Questão Social, Assistência e Cultura (UECE). E-mail: [email protected].

2 Destaco, em primeira instância, o conceito de hegemonia em Antonio Gramsci para, depois tomar o pensamento de Evelina Dagnino com o objetivo de explicitar a relação entre cultura e hegemonia. Para Gramsci, hegemonia compreende a direção e a dominação de classe construída na relação dialética entre as forças sociais. Segundo este autor, há dois modos de expressão da hegemonia de uma classe na sociedade: o primeiro, pela direção intelectual e moral que se realiza através da persuasão, promovendo a adesão por meios ideológicos na formação de consensos de classe; o segundo, pelo domínio que supõe o acesso ao poder e o uso da força traduzida na função coercitiva. A direção social através da "reforma intelectual e moral" da sociedade, está diretamente relacionada com a luta cultural - como atribuição de significados ao mundo e por quem tem o direito de atribuí-los -, de maneira a construir, disseminar e fazer encarnar um modo de vida de uma classe/ grupos sociais particulares - concebido aqui como uma" forma de agir, sentir e pensar no mundo", tomado como a concepção de mundo de toda a sociedade, ou seja, como ideologia dominante. A contra-hegemonia corresponde, portanto, à conquista da direção e dominação sob a perspectiva de grupos/classes subalternos, contrapondo-se aos grupos/classes hegemônicas. Ao compartilhar do pensamento gramsciano, Dagnino faz uma institgante relação entre a perspectiva de cultura - concebida como atribuição de significados ao mundo social, embutida em todas as práticas sociais que se realizam em meio a relações de poder e dominação - e a noção de hegemonia. Para esta autora, o conceito de hegemonia ajuda a compreender que os significados produzidos em sociedade encontram-se em disputa, configurando-se uma luta de natureza política por significados e por quem tem o direito de atribuí-los. Segundo Dagnino, a produção e atribuição de significados ocorre em um contexto caracterizado por conflitos e relações de poder. Nesse ponto de vista, afirma: A hegemonia, enquanto processo de articulação dos diferentes interesses necessários para construir uma "vontade coletiva" e alcançar um consentimento ativo, é ela mesma um processo de constituição de sujeitos. Esse processo ocorre em um campo que não é definido estritamente por forças econômicas estruturais, mas por um processo mais amplo de reforma moral e intelectual (DAGNINO, 2000, p. 73). A cultura é concebida, assim, como inerente e constitutiva de toda a política. E, ao extrapolar a versão classista desta noção gramsciana de hegemonia, chama à cena pública a pluralidade de sujeitos políticos envolvidos na construção de uma "nova gramática democrática" para a política na América Latina. Para aprofundamento conferir: GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere, volume 1. Trad.: Carlos Nelson Coutinho. 3.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.; DAGNINO, Evelina. "Cultura, cidadania e democracia: a transformação dos discursos e práticas na esquerda latino-americana". In: ALVAREZ, Sonia E. , DAGNINO, E. & ESCOBAR, A. . Cultura e Política nos movimentos sociais latino-americanos. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2000.

3 Compreende-se a Questão Social como um fenômeno sócio-histórico vinculado originalmente à lógica do capital em termos do modo de produção e reprodução material e espiritual (ídeo-política) da vida no capitalismo. Corresponde à outra face da acumulação do capital, conforme ressalta Iamamoto ao definir questão social como: (...) o conjunto das expressões da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum, ou seja, funda-se na contradição fundamental do capitalismo: a produção cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se amplamente social, enquanto a produção dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade (IAMAMOTO, 1999, p. 27). Em versão mais contemporânea de sua obra, a citada autora afirma que a Questão Social expressa desigualdades e discriminações não só econômicas, mas também políticas, sociais e

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culturais de grupos e classes mediatizadas por relações de gênero, étnico-raciais, geracionais e formações regionais, colocando em foco os vínculos entre amplos segmentos da Sociedade Civil e do Estado.

4 No contexto sócio-histórico do Brasil anos 90 e 2000, articulam-se, contraditoriamente, dois projetos distintos: o "projeto participatório da democratização" e o "projeto do ajuste estrutural", configurados a partir de noções comuns - participação da sociedade civil e cidadania - mas com significados antagônicos. O primeiro, nos marcos da redemocratização, aponta para o alargamento da participação da sociedade civil nas discussões e tomada de decisões na vida política brasileira. Consolidou espaços públicos de diálogo e partilha do poder do Estado com os setores organizados da sociedade civil, reconfigurando a cidadania como exercício do poder político de diferentes grupos e classes sociais. O segundo, fortalecido na exigência de ajuste estrutural, imposta pelos países cêntricos à América Latina, tendeu a restringir a participação da sociedade civil à "participação solidária", com ênfase no agir voluntário que repõe a responsabilização com o social para os indivíduos e instituições sociais, destacando-se as empresas e ONG's. Nessa segunda perspectiva, a regulação social passa pela parceria entre Estado-Sociedade-Mercado, destacando-se a chamada "baixa responsabilidade social" do Estado brasileiro. 2004 (mimeo).

5 Refiro-me às conquistas sociais brasileiras materializadas na Constituição Federal de 1988 no sentido de resgate da legalidade democrática, da inscrição dos direitos sociais e da incorporação de mecanismos de participação e controle social na gestão das políticas sociais públicas, configurando espaços públicos para o exercício da democracia direta e participativa dos cidadãos brasileiros.

6 Em estudo específico da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, assumi a tese de que os discursos contemporâneos de apelo à participação da sociedade civil brasileira diante da agudização das desigualdades sociais alicerçam-se no binômio solidariedade-cidadania como forma de regulação da Questão Social, na perspectiva da hegemonia no novo momento do capitalismo. Sobre isto, ver minha monografia elaborada para obtenção do título de bacharel em Serviço Social (1997), na qual busquei analisar os significados do binômio solidariedade-cidadania neste "movimento da sociedade civil" em sua versão em Fortaleza, a saber: BEZERRA, L. M. P. de S. "Ação, solidariedade e cidadania: uma análise crítica da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, Fortaleza-Ce, 1997. Sobre as re-signifcações híbridas de solidariedade, cidadania e voluntariado no Brasil contemporâneo, conferir ainda: BEZERRA, L. M. P. de S. Os significados do voluntariado contemporâneo: a experiência da Associação Peter Pan em Fortaleza-Ce. Dissertação de Mestrado em Sociologia. Universidade Federal do Ceará (UFC), 2005.

7 Sob a lógica do mercado e da economia que complexifica o quadro de desigualdades sociais brasileiras e destitui a política, também a democracia tem sido posta em xeque. Essa democracia tem sido reconfigurada em uma "democracia de eleitores e de consumidores". Fica restrita, assim, à sua dimensão representativa que metamorfoseia cidadãos em consumidores de bens e serviços sociais: os chamados "consumidores de bem-estar. É a "des-democratização da democracia" - encarnada na tendência de impossibilidade do dissenso e da alternativa, consagrando o seqüestro do discurso e da fala contestatória - configurando, no dizer de Francisco de Oliveira, a anulação da política. Sobre esta análise da "des-democratização da vida brasileira", destaco Oliveira, F. de. Os direitos do anti-valor: a economia política da economia imperfeita. Petrópolis: Vozes, 1998; CARVALHO, A. M. P. de. "Modelo político no Brasil contemporâneo: democracia em tempos neo-liberais, Fortaleza, agosto 2004 (mimeo), "Transformações no Estado: políticas de ajuste e governos de esquerda na América Latina, Fortaleza, agosto de 2004 (mimeo), "A história não tem fim, mas tem começo...", Fortaleza, setembro/ 2004 (mimeo). Sobre a transformação da democracia ocidental em democracia de tipo "plebiscitária" - que se exprime através de um sim ou de um não, uma simples proposta ou sobre um problema singularizado, atravessando os alinhamentos tradicionais, dissolvendo as tradicionais agregações e dando vida a uma forma política que se reduz a fatos puramente instantâneos, sem futuro - conferir ainda BARCELLONA, P. Diário político: il vento di destra e le rezioni della sinistra. 2. Ed. Roma: DATANEWS Editrice, 1994; L'individuo sociale.Genova: Costa S. Nolan spa, 1996.

8 A construção do "consenso ativo" realiza-se no terreno da cultura, a partir da difusão de uma "concepção de mundo" que, vinculada a grupos e classes sociais particulares, é repassada/ imposta como visão universal da sociedade. Torna-se, assim, ideologia ou concepção de mundo da classe dirigente. Procede-se a uma verdadeira "reforma intelectual e moral", nos termos gramscianos, no âmbito da sociedade civil que, além de esfera onde consentimento e consenso são produzidos, é também o lugar onde ocorrem os conflitos e a competição de natureza ídeo-cultural. A sociedade civil configura-se na esfera onde ocorre a luta simbólica sobre a produção e atribuição de significados ao mundo social (cultura), elemento fundante da política e, portanto, da construção da própria hegemonia na acepção gramsciana: a partir da dialética entre coerção e consenso. Ver principalmente GRAMSCI, A. Obras Escolhidas. São Paulo: Matins Fontes, 1978; CARVALHO, A. P. de. A questão da transformação e o trabalho social: uma análise gramsciana. São Paulo: Cortez, 1983.

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9Programa de transferência de renda com condicionalidades proposto pelo Governo Federal e

lançado em 20/10/2003, resultado da unificação de quatro programas federais: Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, Vale-Gás e Cartão-Alimentação. Instituído por medida provisória no. 132, de 20/10/2003, situa-se no âmbito da Presidência da República em suas ações prioritárias de combate à pobreza. Destina-se às famílias pobres/indigentes com renda per capita de até ¼ de salário mínimo. Registra-se a indicação de outros indicadores sociais, além da renda para composição de um índice a ser considerado na seleção das famílias, como a escolaridade, condições de saúde, acesso a saneamento e à luz elétricas, numa perspectiva de concepção multidimensional da pobreza.

10 Adoto aqui o termo "hibridação cultural" com certa flexibilidade, desconsiderando as categorias e os pares de oposições convencionais, sobretudo, com relação à binária propositura entre tradicional/moderno. Parto, originalmente, da versão empregada por Nestor Canclini (2000) ao referir-se às justaposições ou misturas socioculturais vivenciados nos países latino-americanos onde "tradicional" e "moderno" assumem uma singular confluência e permitem apreender a articulação entre cultura e poder na vida latino-americana. Considero importante destacar esta perspectiva de "hibridação cultural" em Canclini (2000), para compreender a Modernidade na América Latina, a saber: primeiro, como resultado de cruzamentos socioculturais em que o tradicional e o moderno misturam-se; segundo, a marca da heterogeneidade multitemporal na versão da modernidade latino-americana; e terceiro, o estudo da heterogeneidade cultural latino-americana permite perceber a inter-relação entre cultura e poder. Neste terceiro eixo analítico, Canclini chama a atenção ao que denomina de poderes oblíquos que misturam instituições liberais e hábitos autoritários, movimentos sociais democráticos e regimes paternalistas, e as transações de uns com os outros (2000, p. 19). Destaco ainda, que o leitor poderá encontrar em alguns momentos deste texto, a utilização comum de hibridismo/ hibridação cultural ou sincretismo cultural. Ao contrário de Canclini - que opta pela noção "hibridação cultural" por considerar restrita a noção de sincretismo - em geral utilizada em relação às fusões religiosas ou de movimentos simbólicos tradicionais - utilizarei também a noção de "sincretismo" na abordagem de Canevacci (1996) que a estende ao campo cultural. Nesse sentido, adoto ambas as noções para referir-me à mistura/ amálgama de significados/ sentidos político-culturais inscritos no "voluntariado contemporâneo". Tais distinções e semelhanças entre as duas noções foram explicitadas desde o primeiro capítulo desta dissertação. culturais.

11 Detenho-me, aqui, a configurar tais matrizes na medida em que se mostram fundamentais à compreensão e interpretação de meu objeto de estudo. Discuto, portanto, estas três matrizes de per si como recurso heurístico para a compreensão e interpretação dos significados híbridos, inscritos nos discursos e práticas do "voluntariado contemporâneo" na versão ora estudada, considerada, aqui, uma expressão da assistência social privada.

12 Segundo Néstor Canclini, a modernidade encarna quatro movimentos básicos: um projeto emancipador, um projeto expansionista, um projeto renovador e um projeto democratizador. Para aprofundamento, ver CANCLINI, N. G. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. 3. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2000. Na especificidade da vida brasileira, José de Sousa Martins configura - como "modernidade inconclusa" em relação à conquista dos direitos ao imaginário igualitário, advindos deste projeto Modernidade que não chegou a realizar-se nas práticas cotidianas como sociabilidade democrática, supradeterminando a chamada modernização em termos econômico-funcionais. Ver MARTINS, J. de S. As hesitações do moderno e as contradições da modernidade no Brasil. In: A Sociabilidade do Homem Simples: cotidiano e história da modernidade anômala. São Paulo: Hucitec, 2000, p.11-54.

13 A interpretação da Questão Social como questão religiosa e moral foi característica da realidade brasileira durante o processo de constituição do Estado, sobretudo durante os anos 30, garantindo uma aliança, providencial aos interesses das elites, entre Estado, Igreja Católica e burguesia industrial emergente, embora esta relação esteja presente em quase toda a história deste país. As elites situaram-se desde a época colonial vinculadas aos quadros da Igreja Católica, ao ponto de declarar-se o Brasil como "Nação Católica" e o catolicismo como a religião oficial, proibindo-se o culto de outras crenças. Ver em Marilda Vilela Iamamoto (1983), sobre a origem da Questão Social nos anos 20 e 30 no Brasil, as formas de interpretação e regulação social propostas à época, validando as alianças entre Igreja-Estado e burguesia brasileira (considerando tanto agro-exportadora e a posteriori a industrial) diante da agudização da Questão Social expressa no processo organizativo e reivindicativo do movimento operário de raiz anarco-comunista e a pauperização crescente. IAMAMOTO, M. V. & CARVALHO, R. de. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 2. Ed. São Paulo: Cortez, 1983.

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14 Vale salientar a concepção ora adotada do conflito na esfera pública, seguindo a análise de Vera

Telles, a saber: [...] o conflito é o outro pólo por onde a dinâmica igualitária se processa. É através do conflito que os excluído, os não-iguais, impõem seu reconhecimento como interlocutores legítimos, dissolvendo as hierarquias nas quais estavam subsumidos numa diferença sem equivalência possível. É nele, portanto, que o enigma dos direitos se decifra, enquanto conquista de reconhecimento e legitimidade, sem o que a cidadania formulada nos termos da lei não se universaliza e não tem como se universalizar nas práticas sociais. É nele ainda que a questão da justiça se qualifica, enquanto garantia de uma eqüidade que a desigualdade de posições sempre compromete. Isso significa que a questão da justiça está implicada na trama dos conflitos. [...] constitui o próprio campo dos conflitos: é em torno da medida do justo e do injusto que a reivindicação por direitos é formulada, os embates se processam e se desdobram numa negociação possível. Conferir Telles, V. Direitos sociais, afinal do que se trata? Belo Horizonte, UFMG: 1999, p. 101-130 (grifo nosso).

15 A título de esclarecimento, ressalto que no primeiro capítulo desta dissertação já expus sobre os chamados movimentos sociais (tradicionais e novos) e seus respectivos atores coletivos que se gestam na vida brasileira a partir dos anos 70 e ampliam-se numa pluralidade de formas de organização e luta social nos anos subseqüentes, com destaque para as chamadas minorias. De forma breve, destaco os seguintes atores/movimentos sociais que marcam a vida brasileira recente: o movimento feminista, também nomeado de movimento de mulheres em suas diferenciadas fases, em especial, após a sua interlocução com a categoria gênero; os movimentos de contracultura inaugurados pela juventude nos anos 60; o movimento estudantil; o movimento negro; o indigenismo; o movimento homossexual feminino e masculino; o movimento ecológico; as organizações das camadas populares através de associações de bairro; e as formas mais contemporâneas de organização social constituídas pelas chamadas "networks" ou redes de movimentos sociais capazes de articular múltiplos atores em torno de lutas específicas por direitos sociais ou, no caso inaugurado pela Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, sensibilizar e mobilizar milhões de brasileiros a agir no social. Em verdade, existem outras formas de organização e luta dos atores sociais plurais no Brasil contemporâneo, todavia, sua configuração e aprofundamento extrapolam os objetivos da presente dissertação.

16 O final dos anos 70 e a década de 80 foram palco de uma redefinição dos sindicatos das classes trabalhadoras ao engajarem-se na luta contra a ditadura militar, em favor da cidadania social e da construção de uma institucionalidade democrática na sociedade brasileira, sobretudo, articulada à formação e protagonismo do Partido dos Trabalhadores. Este período caracterizou-se pela luta organizada da sociedade civil, em toda a sua pluralidade, em aspiração à abertura política e instauração da democracia, reunida em torno do movimento pela anistia, das "Diretas Já" e da Constituinte até sua efetivação jurídico-política com a Constituição Federal de 1988. Esta Carta Magna foi denominada de Constituição Cidadã, prioritariamente, por materializar esse processo organizativo e participação cidadã da pluralidade brasileira, redefinindo o eixo da cidadania – anteriormente centrado na figura do Estado – para a sociedade civil.

17 Para Fernandes, o terceiro setor compõe-se (...) de organizações sem fins lucrativos, criadas e mantidas pela ênfase na participação voluntária, num âmbito não-governamental, dando continuidade às práticas tradicionais da caridade, da filantropia e do mecenato e expandindo seu sentido para outros domínios, graças, sobretudo, à incorporação do conceito de cidadania e de suas múltiplas manifestações na sociedade civil (2000, p. 27). Tal noção combina significantes de contextos históricos e simbólicos distintos que, segundo este autor, apresenta as seguintes características comuns aos seus programas e plataformas de natureza prática, a saber: faz contraponto às ações do governo; faz contraponto às ações do mercado; projeta uma visão integradora da vida pública; e resgata o pensamento trinário de complementaridade entre Estado, Sociedade e Mercado. Para uma análise crítica contundente, conferir MONTAÑO, C. Terceiro Setor e Questão Social: crítica ao padrão emergente de intervenção social. 3.ed. São Paulo: Cortez, 2005.

18 A noção de espaço público ora adotada toma por referência o pensamento de Hannh Arendt que o reconhece como lugar no qual a ação e o discurso de cada um podem ganhar efetividade na construção de um “mundo comum”. Esse “mundo comum” encarna as referências cognitivas e valorativas de um horizonte comum de existência e de interlocução possível construídas neste espaço público. É a própria realidade construída nas formas de seu aparecimento, a partir do diálogo e sob diferentes olhares sobre a mesma “coisa”. Conforme destaca a supracitada autora: Esse mundo comum é uma construção, um ‘artefato humano’, que depende desta forma específica de sociabilidade que só o espaço público pode instituir. Traduz uma sociabilidade que é regida pela pluralidade humana, essa pluralidade da qual depende a existência da própria realidade (ARENDT apud TELLES, 1999, p. 42). Esse espaço público caracteriza-se, assim, como locus do

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aparecimento e da visibilidade no qual a realidade, os dramas da existência de tantos Outros são transformados, desindividualizados e desprivatizados a partir do diálogo entre os diferentes que se reconhecem mutuamente como iguais. É marcado por uma dimensão eminentemente política, no qual o poder manifesta-se como forma de interação mediada pela igualdade – no sentido da isonomia que se qualifica no reconhecimento do direito de cada um à participação na vida pública – através do diálogo sobre os negócios humanos. Conferir TELLES, V. Direitos sociais. Afinal, do que se trata? Belo Horizonte: UFMG, 1999.

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A ASSISTÊNCIA SOCIAL COMO POLÍTICA PÚBLICA NO BRASIL: algumas notas reflexivas

Yanaeê Kelly Pessoa Ferreira de Melo1

RESUMO O presente texto pretende suscitar uma reflexão acerca da política de assistência social brasileira. Para tanto, volta-se a uma análise dos fundamentos legais e da produção teórica a respeito desta política, buscando apreender características, desafios e horizontes. Mediante esta reflexão, é possível verificar uma trajetória de contradições, recuos e avanços na direção dos direitos sociais, bem como no embate entre uma perspectiva tuteladora e uma emancipatória. Como considerações finais, sobressai-se a necessidade de dar seguimento ao estudo das especificidades da política de assistência social, aprofundando o debate na construção do significado desta política social. Palavras-chave: assistência social, política social, normatização.

ABSTRACT This paper aims to prompt a debate about the policy of social assistance in Brazil. Thus, returns to an analysis of the legal foundations and theoretical production about this policy, seeking to seize characteristics, challenges and horizons. Through this reflection, you can verify a history of setbacks and advances in the direction of social rights, as well as the clash between a guardianship and an emancipatory perspective. As final considerations, stands the need to follow the study of specific social welfare policy, deepening the debate on the construction of the meaning of this social policy. Keywords: social assistence, social policy, normalization

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por escopo suscitar uma reflexão acerca da assistência

social como política pública no cenário brasileiro, tentando apreender características,

desafios e horizontes que a marcam em momentos relevantes de sua história.

Nesse sentido, o texto que ora se apresenta, aponta, inicialmente, considerações

acerca do contexto histórico no qual a assistência social no Brasil assume a condição de

política pública, a fim de perceber atores envolvidos neste processo, bem como os desafios

encarados. 1 Graduanda em Serviço Social (UECE) e ex-bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET) de Serviço Social da UECE. E-mail: [email protected].

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Posteriormente, abre-se espaço para pautar notas em torno dos documentos

que vem à cena para regulamentar e trazer diretrizes para a implementação da política de

assistência social, quer em âmbito nacional, quer estadual, quer, ainda, municipal.

Por fim, a título de considerações finais, registra-se percepções atinentes aos

desafios, recuos e avanços que se fazem sentir na implementação da política ora em

questão, donde evidencia-se, sobremodo, a necessidade de aprofundamento dos estudos e

debates em torno da questão.

2 A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL EM DISCUSSÃO

2.1 Anos 1980! A Constituição Federal de 1988 e a Assistência Social no Brasil

A assistência social, no Brasil, tem sua origem histórica baseada na caridade, na

filantropia e na solidariedade religiosa, o que acarretou uma série de preconceitos e idéias

equivocadas que ainda cercam a percepção dessa matéria.

Até a década de 1940, tal concepção era majoritária, como pode ser

depreendido de uma análise acurada em torno da atuação das instituições de então, as

quais legitimavam a assistência como leque de práticas pontuais e imediatistas. No entanto,

a partir da segunda metade do mencionado período, cujo marco refere-se à criação, em

1947, da Legião Brasileira de Assistência (LBA), inicia-se um lento e progressivo percurso

da assistência na perspectiva de sua consolidação como política pública de Estado.

Paulatinamente, nos anos que se seguem, o Estado brasileiro passa a tomar

iniciativas mais consistentes no campo da assistência social, minimamente dotadas de

objetivos, recursos e densidade institucional.

Na consideração do percurso histórico da assistência social, o marco do

estabelecimento de uma nova cultura – atrelada à instância dos direitos e da cidadania –,

mas também de novos e complexos desafios, diz respeito à explicitação de lutas pela

inclusão de dispositivos constitucionais de 1988 para a regulamentação da assistência

social como política pública de seguridade social.

Antes de prosseguir, cabe o registro de que embora não seja única e

exclusivamente com o advento da Constituição de 1988, foi ela que influíra

substancialmente para que a assistência social, no Brasil, alcançasse status de política

social, de direito do cidadão e dever do Estado.

Ademais, há que se ressaltar que, no contexto histórico da promulgação da

Carta de 1988, era forte a efervescência e o poder de pressão dos movimentos sociais, os

quais se constituíram em importantes atores que tencionaram a inserção da assistência

social – e de outras áreas – no campo das políticas públicas. Assim, os movimentos sociais,

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com suas lutas, contribuíram para trabalhar o rosto do Brasil e a configuração das políticas

sociais.

A Constituição Federal de 1988 trouxe a afirmação do papel protagonista do

Estado frente às políticas sociais. Ao construir essa redefinição, reordenou a execução das

políticas sociais entre os entes federados, passando aos Estados a competência quase que

estrita de apoio financeiro e, aos Municípios, a execução. Neste sentido, forjou e instaurou

uma descentralização político-administrativa, o que se concretizou por meio de leis

ordinárias que regulamentaram respectivos artigos da Constituição, como se verá mais

abaixo.

No artigo 194 da referida Constituição, a assistência social é qualificada como

política de seguridade social:

Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Parágrafo único – Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos: I- universalidade da cobertura e do atendimento; II- uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações

urbanas e rurais; III- seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; IV- diversidade na forma de participação no custeio; V- diversidade da base financeira; VI- caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a

participação da comunidade, em especial dos trabalhadores, empresários e aposentados.

No que toca à assistência social, em específico, a Carta Constitucional de 1988,

no art. 203, refere que a assistência social como uma política é “para quem dela necessitar”,

tendo como objetivos: a proteção à família, à maternidade, à infância, adolescência e

velhice; o amparo a crianças e adolescentes carentes; a promoção da integração ao

mercado de trabalho; a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência ao

mercado de trabalho e promoção de sua integração à vida comunitária, entre outros. Já no

art. 204 são apontadas as duas diretrizes sobre as quais devem se assentar as ações da

assistência social, quais sejam, a descentralização político-administrativa e a participação

popular na formulação e controle da política (Constituição Federal, 1988).

Como se pode perceber, a Constituição inova ao trazer dois princípios de

indiscutível importância, a saber, a descentralização político-admininstrativa e a participação

da sociedade brasileira na discussão dos temas afetos à assistência social.

Outrossim, como afirma Sposati (2004: 42), a assistência social garantida na

CF/88 contesta o conceito de “(...) população beneficiária como marginal ou carente, o que

seria vitimá-la, pois suas necessidades advêm da estrutura social e não do caráter pessoal”

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tendo, portanto, como público alvo os segmentos em situação de risco social e

vulnerabilidade, não sendo destinada somente à população pobre.

A CF/88 ofereceu oportunidade de reflexão e mudança, inaugurando um padrão

de proteção social afirmativo de direitos que superasse as práticas assistenciais e

clientelistas, além do surgimento de novos movimentos sociais objetivando sua efetivação.

Tecidas algumas considerações acerca do legado da Constituição de 1988 para

a assistência social no Brasil, faz-se mister refletir, a fim de compreender os complexos

desafios da política de assistência social, acerca do período posterior a 1988 de

ajustamento da regulamentação da assistência social e sua implementação como política

pública, mudando o paradigma da ordem do favor para o direito social.

2 .2 A regulação da Política de Assistência Social

2.2.1 A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS)

No período posterior à promulgação da Constituição Federal de 1988, foram

realizados vários eventos com o objetivo de colher subsídios para a formulação da lei

orgânica. Em julho de 1989, o Legislativo toma a iniciativa de legislar sobre a matéria,

apresentando o Projeto de Lei n° 3099/89, de autoria do Deputado Raimundo Bezerra, que,

após emendas e dois turnos de votação, é aprovado pela Comissão Temática e aprovado

pela Comissão de Finanças em 23 de maio de 1990 e, posteriormente, pelo Senado.

Porém, em setembro do mesmo ano, através da mensagem n° 672/85 ao

Presidente do Senado, o então Presidente da República, Fernando Collor, veta

integralmente a Lei Orgânica da Assistência Social. Em 11 de abril de 1991, a matéria volta

a ser colocada em pauta no legislativo por iniciativa dos Deputados Geraldo Alckmim Filho e

Reditário Cassol, que reapresentam, com pequenas mudanças, o projeto do Deputado

Raimundo Bezerra, agora como Projeto de Lei.

Novo esforço foi empreendido, culminando com o 1° Seminário Nacional de

Assistência Social, realizado em Brasília, em 1991. Daí surgiu a Comissão pela LOAS, cujos

trabalhos resultaram no documento “Ponto de Vista que Defendemos”, o qual serviu de

subsídio a um novo projeto de lei, o de n° 3154. Este projeto foi ameaçado por uma ação de

inconstitucionalidade, por omissão, pelo Procurador Geral da República, Dr. Aristides

Junqueira, pelo fato de ainda não se ter regulamentado a Política de Assistência Social.

O executivo se posicionou somente em meados de abril de 1993, na gestão do

Ministro de Bem-Estar Social, Jutahy Magalhães Júnior, articulado a um movimento

representativo da sociedade civil. Nessa época, o Ministério do Bem-Estar Social em estreita

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São Luís – MA, 25 a 28 de agosto 2009

parceria com a Legião Brasileira de Assistência (LBA), o Serviço Social do Comércio

(SESC) e o Serviço Social da Indústria (SESI) promoveu encontros regionais em todo o país

para a discussão da LOAS, tendo como base para a discussão o projeto n° 3154.

Participaram desses encontros representantes de organizações da sociedade civil, do Poder

Legislativo, integrantes da Comissão de Seguridade e Família da Câmara dos Deputados,

representantes do Movimento pela Ética na Política, da Associação Brasileira de

Organizações Não-Governamentais (ABONG) e do Conselho Nacional de Segurança

Alimentar. Esses encontros culminaram com a Conferência Nacional de Assistência Social,

realizada em 1993.

O executivo produziu uma nova versão da LOAS, contrária a que vinha sendo

negociada até o momento, que se referia a organização dos órgãos integrantes do sistema

de assistência social. Com a pressão de entidades e especialistas na área, e tendo à frente

a vereadora Sposati, a plenária presente à referida Conferência se posicionou e conseguiu

reverter o processo, apoiando, por aclamação, os principais pontos propostos no projeto n°

3154. A lei foi discutida, e alguns ganhos foram conquistados. O Executivo submeteu o

projeto de lei da LOAS ao Conselho de Seguridade Social. Este a aprovou apresentando

várias sugestões. A proposta de projeto de lei da LOAS foi encaminhada pelo MBES em 13

de julho de 1993 para aprovação do Presidente Itamar Franco. Remetido ao Congresso e

encaminhado à Comissão de Seguridade Social e Família, o projeto chegou às mãos da

Deputada Fátima Pelaes e foi aprovado em setembro de 1993 pela Câmara e em novembro

do mesmo ano pelo Senado.

Após apresentação, discussão e negociação de vários projetos e emendas, a

LOAS foi sancionada pelo Presidente Itamar Franco em 7 de dezembro de 1993 e publicada

no Diário Oficial da União de 8 de dezembro de 1993, sem o consenso dos órgãos gestores

quanto ao reordenamento ou extinção das instituições gestoras da Assistência Social no

Brasil. A historia da LOAS não termina com sua promulgação. Pelo contrário, a partir deste

momento começa-se uma grande luta para a sua implementação.

A LOAS inaugura uma nova era para a assistência social brasileira,

consignando-se enquanto Política Pública. Ela propõe romper com uma longa tradição

cultural e política. Considerando os níveis de desigualdade que o Brasil vem acumulando

nas últimas décadas, a LOAS foca suas diretrizes no atendimento aos cidadãos em situação

de vulnerabilidade e pobreza.

A LOAS propõe a introdução de mudanças estruturais e conceituais na

assistência social pública, transformando e criando, através dela, um novo cenário com

novos atores e, seguramente, novas estratégias e práticas, além de novas relações

interinstitucionais e com a sociedade.

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A referida Lei apresenta seis capítulos. O capítulo I trata das definições e dos

objetivos da assistência social, que são os mesmos previstos na Constituição Federal e

referem-se basicamente à proteção à família, à infância, à adolescência e à velhice, à

habilitação e reabilita;cão da pessoa portadora de deficiência.

O capítulo II trata dos princípios e diretrizes. Estabelece como princípios

fundamentais a universalização, a dignidade e a autonomia. Como diretrizes essenciais, a

LOAS prevê a descentralização, o comando único em cada esfera de governo e a

participação da população na formulação das políticas e no controle das ações na área da

assistência social. Fica clara, neste ponto, a primazia e a responsabilidade do Estado na

condução da política de assistência social em cada esfera de governo.

O capítulo III trata da organização e da gestão da assistência social. Define que

as ações de assistência social deverão ser organizadas em sistema descentralizado e

participativo. Também trata das normas gerais para o funcionamento das entidades e

organizações de assistência social.

O capitulo IV trata dos benefícios, serviços, programas e projetos de assistência

social. Entre os benefícios, há o de prestação continuada, que compreende um salário

mínimo de benefício mensal ao portador de deficiência e ao idoso que comprovem não

possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

O capítulo V trata da questão do financiamento da assistência social, que deverá

contar com recursos da União, dos Estados e dos Municípios. Cabe ao órgão da

administração federal, responsável pela política nacional de assistência social, gerir o Fundo

Nacional da Assistência social (FNAS), sob orientação e controle do CNAS.

O capítulo VI trata das disposições gerais e transitórias, relacionadas

diretamente com o reordenamento dos órgãos de assistência social em âmbito federal para

a implantação da Lei.

A LOAS deixa claro, pois, pelo menos formalmente, que a assistência social é

direito do cidadão e dever do Estado e que se trata de uma política de seguridade social não

contributiva, que deve prover os mínimos sociais através de um conjunto integrado de ações

de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.

É certo que a história da política de assistência social não termina com a

promulgação da LOAS, visto que esta Lei introduziu uma nova realidade institucional,

propondo mudanças estruturais e conceituais, um cenário com novos atores revestidos com

novas estratégias e práticas, além de novas relações interinstitucionais e

intergovernamentais, confirmando-se enquanto “possibilidade de reconhecimento público da

legitimidade das demandas de seus usuários e serviços de ampliação de seu protagonismo”

(YASBEK, 2004: 13), assegurando-se como direito não contributivo e garantia de cidadania.

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Rumo à concretização dos pressupostos contidos na CF/88 e na LOAS, em

1997, é aprovada a primeira Norma Operacional Básica, que conceitua o sistema

descentralizado e participativo da política de assistência social. Em dezembro de 1998, é

definido o primeiro texto da Política Nacional de Assistência Social. No mesmo ano, foi

editada uma Norma Operacional Básica de conformidade com o disposto na Política

Nacional de Assistência Social.

Esses instrumentos normativos estabelecem as condições de gestão, de

financiamento, de controle social, de competências dos níveis de governo com a gestão da

política, de comissões de pactuação e negociação e de avaliação. Criam, por exemplo,

conselhos deliberativos e controladores da Política de Assistência Social, Fundos Especiais

para alocação de recursos financeiros específicos da assistência social e órgãos gestores

da Política de Assistência Social, em todos os níveis de governos, além de Comissões

Intergestoras Bipartites e Tripartites.

Em 2004, após um movimento de discussão nacional, foi aprovada uma nova

Política Nacional de Assistência Social na perspectiva de implementação do Sistema Único

de Assistência Social. Os instrumentos de regulação da Política de Assistência Social em

vigor são, portanto, a CF/88, a LOAS/93, a Política Nacional de Assistência Social/ 2004 e a

Norma Operacional Básica / SUAS/2005.

Nesse sentido, na seqüência buscar-se-á trazer à baila algumas reflexões

acerca da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) de 2004, o Sistema Único de

Assistência Social (SUAS) e a Norma Operacional Básica (NOB/SUAS).

2.2.2 A PNAS, o SUAS e a NOB/SUAS

Com o intuito de regulamentar as disposições da LOAS, em 2004, através da

Resolução nº 145/04, o Conselho Nacional de Assistência Social aprova a Política de

Assistência Social (PNAS), a qual estabelece os princípios, os objetivos, os usuários e as

proteções afiançadas.

Em consonância com o disposto na LOAS, capítulo II, seção I, artigo 4º, a

Política Nacional de Assistência Social pauta-se nos princípios da supremacia do

atendimento às necessidades sociais, da universalização dos direitos sociais, do respeito à

dignidade do cidadão, da igualdade de direitos no acesso ao atendimento sem

discriminação de qualquer natureza e da divulgação ampla dos benefícios, serviços,

programas e projetos assistenciais.

As diretrizes da Política, por sua vez, baseadas na CF/88 e na LOAS

prescrevem a descentralização polítco-adminstrativa, participação da população na

formulação das políticas, a primazia da responsabilidade do Estado na condução da Política

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de Assistência Social e a centralidade na família para concepção e implementação dos

benefícios, serviços, programas e projetos.

Apontando para essa mesma direção, os objetivos da Política são: prover

serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social básica e/ou especial para

famílias, indivíduos e grupos específicos, ampliando o acesso aos bens e serviços sócio-

assistenciais básicos e especiais, em áreas urbana e rural; e assegurar que as ações no

âmbito da assistência social tenham centralidade na família e que garantam a convivência

familiar e comunitária (PNAS, 2004).

O público-alvo da Política de Assistência Social, por seu turno, consiste nos

cidadãos e grupos que se encontram em situação de vulnerabilidade e de riscos.

Já a proposta de proteção defendida pela Política apresenta-se sob duas

dimensões, a saber, Proteção Social Básica, a qual tem como objetivo prevenir situações de

risco, e Proteção Social Especial, que se divide em Proteção Social Especial de Média

Complexidade, que engloba serviços destinados ao atendimento às famílias e indivíduos

com direitos violados, mas cujos vínculos familiar e comunitário não foram rompidos, como

também Proteção Social Especial de Alta Complexidade, cujo objetivo é a proteção integral

a famílias e a indivíduos que se encontram em situação de ameaça, necessitando ser

retirados de seu núcleo familiar e/ou comunitário (PNAS, 2004).

É relevante enfatizar que as diretrizes apontadas para a gestão da Política

Nacional de Assistência Social estão pautadas na perspectiva da organização e da

implementação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), cuja construção vem sendo

discutida desde a III Conferência Nacional de Assistência Social e foi concretizada na PNAS

de 2004 e na Norma Operacional Básica (NOB/SUAS).

O modelo de gestão preconizado pelo SUAS é o do tipo descentralizado e

participativo. Conforme a PNAS,

[...] os serviços, programas, projetos e benefícios têm como foco prioritário a atenção às famílias, seus membros e indivíduos e o território com base de organização, que passam a ser definidos pelas funções que desempenham, pelo número de pessoas que deles necessitam e pela sua complexidade. Pressupõe, ainda, gestão compartilhada, co-financiamento da política pelas três esferas de governo e definição clara das competências técnico-políticas da União, Estados, distrito Federal e Municípios, com a participação e mobilização da sociedade civil (PNAS, 2004: 33).

Como se pode perceber, a gestão proposta pelo SUAS é orientada pelo pacto

federativo com atribuições e competências dos três níveis de governo e participação da

sociedade para provisão das ações sócio-assistenciais. A instância federal é responsável

pelo estabelecimento de normas gerais, pela coordenação e pelo financiamento dos

serviços, programas e projetos da assistência social. Já às esferas estadual e municipal

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competem a definição de normas locais, a coordenação, o financiamento e a execução do

conjunto de ações da Política em análise.

A nova política nacional de assistência social aprovada em 2004 e que preconiza

a implantação do SUAS demandou uma nova normatização, a Norma Operacional Básica

(NOB). Alguns avanços já podem ser contestados. O primeiro deles trata da intrínseca

relação entre gestão e financiamento proposta na NOB. Para esta definição ficam

estabelecidos níveis de gestão e de co-responsabilidade das esferas de governo no

financiamento da política de assistência social.

No campo do gerenciamento e oferta de serviços faz-se necessário que sejam

oferecidos serviços de qualidade, que respondam às necessidades apontadas pelos índices

de vulnerabilidade e risco social, bem como respondam ainda mais aos princípios de

descentralização, controle social e participação.

A proposta de financiamento preconizada na NOB traz avanços significativos

referentes à forma de cálculo do custo desta política, como também a forma de repasse, que

supera o modelo convencional e respeita as instâncias de gerenciamento ligadas aos fundos

municipais. Neste sentido, o financiamento pauta-se, para as ações de proteção social

básica, na densidade demográfica dos municípios e no estudo qualiquantitativo de

vulnerabilidade social. Já para a proteção social especial, o financiamento é proposto, não

mais por cálculo per capita, mas pelo custo de serviços de alta e média complexidade.

Em suma, pois, pode-se dizer que a proposta do SUAS é um avanço e

concretiza um modelo de gestão que possibilita a efetivação dos princípios e diretrizes da

política de assistência, conforme definido na LOAS. O principio organizativo da assistência

social baseado num modelo sistêmico aponta para a ruptura do assistencialismo, da

benemerência, de ações fragmentadas, ao sabor de interesses coronelistas e eleitoreiros.

Afirma a assistência social como uma política pública, dever do Estado e direito de todos os

cidadãos, com a afirmação do controle social por parte da sociedade civil. A deliberação

referente à PNAS e a construção do SUAS expressa um esforço coletivo que, desde a

promulgação da CF/88 e da LOAS, em 1993, vem se empenhando na tarefa de colocar a

assistência social brasileira no campo da garantia dos direitos sociais.

De fato, a criação do SUAS em 2005, com base na PNAS (2004) e na LOAS

(1993), representa um salto qualitativo no ordenamento político-institucional da assistência

social como política de Estado, de direção universal e responsável por garantir os direitos de

proteção social não contributivos. Assim, a nova matriz de gestão da política de assistência

social, na perspectiva do SUAS, apresenta-se hoje, enquanto uma proposta inovadora de

superação das práticas e concepções tradicionais, burocráticas e patrimonialistas que

caracterizaram a assistência social, especialmente na primeira década de implementação da

LOAS.

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A implementação do SUAS, enquanto um sistema público que busca organizar a

assistência social no sentido de universalizar o direito à proteção social no Brasil, impõe um

conjunto de desafios de ordem político-institucional, administrativo-financeiro, técnico-

operativo, bem como de sustentação e legitimidade social e popular.

De tudo isso, verifica-se que a política de assistência social vem avançando em

sua “regulação pelo Estado, na definição de seus parâmetros, padrões, prioridades”

(CARVALHO, 2005: 1). Resta o imenso desafio de operacionalizar os benefícios, serviços e

projetos de acordo com os parâmetros, padrões e critérios do SUAS, sob a égide da

proteção social.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A trajetória de afirmação da assistência social como política social demonstra

que as inovações legais estabelecidas na Constituição Federal, na LOAS, Política Nacional

de Assistência Social e na Norma Operacional Básica/ SUAS, por si sós, são incapazes de

modificar de imediato o legado das práticas de assistência social sedimentadas na ajuda, na

filantropia e no clientelismo. As mudanças propostas precisam ser compreendidas,

debatidas, incorporadas e assumidas por todos os envolvidos no processo de gestão da

política de assistência social, em todos os níveis da federação. Obviamente, também

dependem do contexto econômico e político e de movimentos de pressão e negociação

permanentes. Esse processo é contraditório, lento e gradual e requer a coordenação dos

Estados e da União.

No curso da história, a política de assistência social adquiriu status de política

social. Está em franco processo de institucionalização, de profissionalização e d alcance de

racionalidade técnica e política.

A regulação estabelece os fundamentos sobre os quais está colocada a

possibilidade de reversão da lógica do favor para a lógica do direito à proteção social para

todos os cidadãos.

Considerando a atual conjuntura política, social e econômica em que se insere a

política de assistência social é necessário compreender os limites e constrangimentos de

ordem estrutural, que comprometem a sua efetividade. Apesar de todos os esforços e

avanços, ainda permanece um abismo entre os direitos garantidos constitucionalmente e a

sua efetiva afirmação.

Conforme avalia Yasbek (2004, p. 26)

Na árdua e lenta trajetória rumo à sua efetivação como política de direitos, permanece na assistência social brasileira uma imensa fratura entre o anúncio do direito e sua efetiva possibilidade de reverter o caráter cumulativo dos riscos e possibilidades que permeiam a vida de seus usuários .

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A investigação do processo de execução da política de assistência social é uma

medida importante, na perspectiva de implementação do Sistema Único de Assistência

Social, capaz de analisar, avaliar e construir conhecimentos sobre a área.

Avaliar os impactos da política de assistência social na vida dos cidadãos é

condição importante em função da escassez de conhecimento e dados referentes à

população que recorre à assistência social para satisfazer suas demandas histórica e

socialmente produzidas, pois “trata-se de uma população destituída de poder, trabalho,

informação, direitos, oportunidades e esperanças” (YASBEK, 2004: 22).

Diante de todo o exposto, observa-se que, entre avanços, recuos e contradições,

a assistência social brasileira enquanto política pública, mediante a proposta trazida pelo

SUAS e a NOB/SUAS, à luz das disposições trazidas ineditamente pela LOAS, encontra-se

em um momento que é resultado de uma trajetória desta política desenhada com a

participação de muitos sujeitos que há décadas se colocaram como visionários e iniciaram

um processo sério de pautar para o Estado e para a sociedade sobre um velho e, ao mesmo

tempo, novo direito: o direito de superação da miséria.

A continuação desta historia que vai para além da luta contra a miséria, mas

agrega a ela a luta pela garanti de direitos subtraídos dos mais pobres, que acabam

comprometendo sua liberdade, através da privação de bens e capacidades e solapando sua

dignidade depende de novos sujeitos que se comprometam a desenhar esta nova trajetória.

O convite que está posto parece ser o de se pensar prospectivamente os

próximos anos da política de assistência social. A pergunta que se faz pertinente é: o que se

terá agregado às ações que hoje já são desenvolvidas? O que se quer e pode se pode

oferecer a este povo que atualmente é público usuário dos serviços sócio-assistenciais?

Ao se pensar sobre os próximos anos, pode-se elencar dez mil coisas a ser

feitas, porém cabe se concentrar naquilo que é mais importante: agregar à luta pela

sobrevivência material a luta pela liberdade, pelo poder de fazer história e se fazer nela. Mas

para tanto, é mister que muitos se articulem nestes propósitos, pois “mais importante do que

as dez mil coisas administrativas que podem ser feitas, sua tarefa essencial é fazer o povo

pensar que o essencial é educar” (ALVES, 2002: 44). A construção do caminho desta

política está ao alcance de todos aqueles que confiam na sua força de fazer e modificar a

história.

REFERÊNCIAS

ALVES, R. Conversas sobre política. Campinas/SP: Ed. Versus, 2002. BRASIL (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasil. Brasília, DF. Senado, 1988.

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São Luís – MA, 25 a 28 de agosto 2009

BRASIL, Presidência da República. Lei Orgânica da Assistência Social. Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, publicada no DOU de 8 de dezembro de 1993. BRASIL (2004). Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Política Nacional de Assistência Social (PNAS) - Brasília, Secretaria Nacional de Assistência Social, novembro de 2004. BRASIL. MINISTÉRIO DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME. Norma Operacional Básica do SUAS – NOB/SUAS. Brasília, 2005. CARVALHO, Maria do Carmo Brant de. Assistência Social: reflexões sobre a política e sua regulação, 2005. CASTELL, R. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. 3. ed. Petrópoles, Rio de Janeiro: Vozes, 2001. PEREIRA, Potyara A. P. Necessidades humanas: subsídios à crítica dos mínimos sociais. São Paulo: Cortez, 2000. SPOSATI, A. O. (Coord.). A Assistência Social no Brasil 1983-1990. 6. ed. São Paulo: Cortez, 1991. ______. A menina LOAS: um processo de construção da assistência social. São Paulo: Cortez, 2004. ______. et al. A assistência na trajetória das políticas sociais brasileiras: uma questão em análise. 5. ed. São Paulo; Cortez, 1992. YASBEK, M. C. As ambigüidades da Assistência Social brasileira após 10 anos de LOAS. Revista Serviço Social & Sociedade, ano XXV, nº 77, p. 11-29, mar. 2004. ______. Classes subalternas e Assistência Social. São Paulo: Cortez, 1993.

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A TRAJETÓRIA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL BRASILEIRA: dos anos de 1930 aos antecedentes da promulgação da Constituição Federal de 1988.

Moíza Siberia Silva de Medeiros2.

RESUMO O presente artigo tem por escopo discutir as formas assumidas pela assistência social brasileira até alcançar o status de política pública com o advento da “Constituição Cidadã” de 1988. Baseado em pesquisa bibliográfica, o estudo revelou que a assistência social brasileira ao longo de sua trajetória encontra-se identificada com as ações de cunho privado com forte viés filantrópico, respaldadas pelo “Estado Benfeitor”. No Brasil, a assistência social se caracterizou pelo hibridismo entre as ações filantrópicas empreendidas por setores privados e pela subsidiariedade estatal que instituiu uma prática tuteladora para com as classes mais vulnerabilizadas, espoliando-lhes os direitos sociais e relegando-as à categoria de pobres assistidos. Palavras-Chave: Assistência Social, Filantropia, Estado.

ABSTRACT This article aims at discussing about the forms taken by the brazilian social assistance to reach the status of public policy with the advent of the "Citizen Constitution" of 1988. Based on research literature, the study revealed that the brazilian social assistance throughout its trajectory is identified with the actions of private nature with a strong bias philanthropic, supported by the “State Benefactor”. In Brazil, social assistance is characterized by hybridism between philanthropic activities undertaken by private sector and the state subsidiarity establishing a practice protected classes to the most vulnerable, plundered them of social rights and relegating them to the poor category of assistance. Keywords: Social Assistence, Philanthropy, State.

1 INTRODUÇÃO

A assistência social brasileira ao longo de sua trajetória foi marcada pelas

múltiplas facetas da ajuda social, expressas como caridade, filantropia e benemerência,

quer no âmbito privado, quer no âmbito estatal, assumindo status de Política Social a partir

2Graduada em Serviço Social (UECE). Ex-bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET) de Serviço Social da UECE. Assistente Social da Pastoral do Menor – Arquidiocese de Fortaleza, atuando no Programa de Liberdade Assistida Comunitária (LAC). E-mail: [email protected].

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da Constituição Federal de 1988, ratificada através da Lei Orgânica da Assistência Social –

LOAS de 1993.

Investigar, compreender e analisar os fundamentos da assistência social em sua

atual conformação requere o resgate de sua história a fim de que os elementos do passado

possam guiar no repensar as posturas historicamente empreendidas quer por organismos

privados subsidiados pelo Estado, quer pelas ações, no âmbito governamental, pontuais e

fragmentadas.

É mister considerar a trajetória da assistência social brasileira, nos idos de 1930

à década de 1980, permeada por interesses de grupos e frações de classes que através dos

subsídios estatais - como a isenção de impostos a instituições de caráter filantrópico -,

garantia seus lucros e a reprodução da desigualdade social. Seu caráter puramente

subsidiário mantém os pobres na posição de meros receptores e destinatários da “boa

vontade” das instituições filantrópicas.

De igual relevância o período marcado pela instauração de instituições voltadas

para a profissionalização e educação do trabalhador, visando o nacional-

desenvolvimentismo, que apregoava a superação das problemáticas sociais mediante o

desenvolvimento econômico. Assim, a assistência social seria consequência das ações

econômicas.

Não esqueçamos o período ditatorial, que retoma o caráter repressivo da

assistência social e pautado numa política econômica que visa “acumular para depois

repartir” contribui para o aumento significativo da pobreza, destituindo cada vez mais os

pobres de sua cidadania.

É importante salientar que para o entendimento da assistência social da forma

como foi e é delineada, é necessário levarmos em conta alguns elementos que combinados

ou não, de acordo com cada período histórico irá se transmutar, se imbricar e se reproduzir,

conformando as práticas passadas e atuais, são eles: a compreensão acerca da questão

social, o papel das instituições privadas, o papel do Estado, a política econômica adotada, a

situação dos trabalhadores, a compreensão acerca do trabalho, o público para o qual os

serviços são ofertados, a finalidade política das ações, o papel do CNSS, posteriormente

denominado CNAS (Conselho Nacional de Assistência Social). Buscar-se-á ao longo deste

artigo trazer à cena da discussão tais elementos.

As pistas para a compreensão do que se configurou enquanto assistência social

no Brasil no período analisado neste artigo, foram encontradas em Mestriner (2008),

Iamamoto & Carvalho (2003) e Sposati (1995; 2004). Os argumentos que seguem

constituem-se como uma possível chave de leitura para a compreensão da assistência

social na atualidade, indispensáveis para sua compreensão enquanto política social, dever

do Estado e direito de todos que dela necessitar.

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2 A ASSISTÊNCIA SOCIAL BRASILEIRA: da ação social católica à filantropia subsidiada

Embora a Igreja Católica já desenvolvesse práticas assistenciais desde a época

pré-capitalista, sua atuação na esfera social se torna mais visível, no Brasil, na década de

1930. Esse período foi emblemático no que se refere à tentativa de resgate dos valores

cristão-católicos, período em que o Brasil começava a dar seus primeiros passos rumo à

instauração da economia capitalista, por meio dos processos de industrialização e de

urbanização.

Nesta época, a preocupação da Igreja Católica era reconquistar os privilégios

perdidos, com a Proclamação da República, em 1889, a qual determinava o fim da relação

Igreja e Estado, mediante o Regime do Padroado, instaurando para tanto o Estado

Republicano Laico.

A instauração do capitalismo industrial contribuiu para o crescimento da miséria

e da pobreza a qual passava a ser a maior preocupação do Estado e da burguesia, pois sua

emergência ameaçava a legitimação do sistema. No campo religioso, a Igreja preocupava-

se com os impactos que o processo de industrialização e a explosão da questão social

vinham causando na “harmonia” entre as classes sociais. Seu objetivo primordial era, pois,

reafirmar, junto ao Estado e às classes dominantes, seu papel de mantenedora da ordem

social, graças ao seu poder espiritual. E isto em razão dos trabalhadores reivindicarem

melhores condições de vida e de trabalho, pondo em xeque a consolidação do novo padrão

de sociabilidade que se buscava instaurar, demandando do Estado uma intervenção mais

sistemática na questão social3 capaz de atender às suas reivindicações.

É neste cenário que a Igreja Católica começa a “racionalizar” as práticas

assistenciais que desenvolvia desde a época pré-capitalista. Com a finalidade de dar

respostas à questão social, e diante da necessidade de reconquistar seu espaço na

sociedade brasileira, a Igreja não mediu esforços na criação de instituições e na implantação

de projetos e ações que viabilizassem a consecução de seus objetivos. O Estado, por sua

vez, legitimou as ações assistenciais da Igreja sem se colocar como o principal responsável

pela garantia dos direitos sociais. Sua atuação se restringiu a ações pontuais de caráter

paternalista.

A caridade cristã passa a se configurar como uma prática mais racionalizada,

com objetivos definidos e recrutamento de leigos para execução de seus projetos

3 Entende-se a questão social, na perspectiva formulada por Castel (2001), como ameaça de ruptura da ordem social. No capitalismo ela se expressa como o conjunto de desigualdades sociais. Tais desigualdades irão refletir as contradições que são próprias do sistema: de um lado, uma crescente acumulação da riqueza pela sociedade, de outro, um crescente processo de pauperização da população e de exploração, por meio da concentração da riqueza e da renda.

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assistenciais, principalmente após a instauração do Centro de Estudos e Ação Social –

CEAS, no ano de 1932. Na mesma década, diante da crescente pobreza, o Estado passa a

dar seus primeiros passos para o reconhecimento de que era necessário admitir sua

responsabilidade para com os pobres, assim, cria em 1938 o Conselho Nacional de Serviço

Social – CNSS que tem por função primordial subvencionar as instituições de caráter

privado que prestam serviços sociais, em sua grande maioria instituições de cunho religioso.

De acordo com Mestriner (2008: p. 66), esta foi a primeira forma de presença da

assistência social na burocracia do Estado republicano brasileiro, visto que antes desse

período as ações assistenciais eram executadas e subsidiadas pela Igreja Católica, com

quem o Estado não se relacionava, pois não considerava o social sua função. Com a

criação do CNSS – composto por membros da sociedade civil, especialistas da área, que

deliberavam sem consulta à população – o governo Vargas instaura uma política de

incentivo ao amparo social privado e filantrópico, por meio do mecanismo da subvenção

(Idem: p. 71).

A função do CNSS nesse momento é cadastrar as organizações sociais que

prestavam amparo social e conceder subvenções para execução de suas ações. Assim,

longe de assumir o papel de protagonista das ações assistenciais, enquanto garantia de

proteção social aos cidadãos, o Estado limita sua atuação na área assistencial ao repasse

de recurso a organismos privados para a execução de ações pontuais, estigmatizadoras e

focalizadas.

Instaura-se, pois, na Primeira Era Vargas, a assistência social caracterizada pela

filantropia subsidiada, que em sua essência, como afirma Mestriner (2001) será incapaz de

dar resposta à questão social, não alterando a situação de dominação social. Isso porque a

questão social passou a ser entendida não mais como “caso de polícia”, mas como uma

questão política, ou seja, de manutenção da ordem social não mais pela força, mas pela via

ideológica.

Desta feita, as fortes pressões do movimento operário na busca por melhores

condições de vida e de trabalho irão pressionar o Estado a tomar posição no que se refere à

questão social. Instaura-se, pois, por outorga da legislação protetora do trabalho, como

corrobora Iamamoto & Carvalho (2003: p. 153), o “mito do Estado Benfeitor”: o mito do

Estado acima das classes e representativo dos interesses gerais da sociedade e da

harmonia social. Era o chamado “Estado-Pai”.

Os serviços de amparo social prestados pelas empresas tinham um forte viés

disciplinador. De acordo com os mesmos autores,

[o]s benefícios são condicionados ao bom comportamento diante das greves e a uma vida pessoal regrada. […] Nesse sentido, apesar de sempre aparecerem sob uma aura paternalista e benemerente, constituem-se numa atividade extremamente

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racionalizada, que busca aliar o controle social ao incremento da produtividade e aumentar a taxa de exploração (IAMAMOTO & CARVALHO, 2003: p. 139).

Diante dessa colaboração dos autores, é possível perceber que, ao contrário do

que se pensa hegemonicamente, a assistência social nesse período assumia uma certa

racionalidade, ou seja, apresentava objetivos, critérios e público definidos. No discurso

estatal os objetivos eram restabelecer a ordem social, promover o bem-estar nacional,

entendido aqui como a realização do bem-comum, e recuperar a nacionalidade e a cultura

nacional. Para tanto, articula-se de forma acentuada com as organizações cristã-católicas

com o fito de promover a re-educação do povo a partir de valores morais e cristãos.

No âmbito da empresa, a prática da assistência ganhava caráter disciplinador,

amplamente articulado com os interesses de classe, destinados aos trabalhadores

assalariados, ou seja, aqueles que contribuíam para o usufruto dos serviços. Aos

trabalhadores não-regulamentados (trabalhadores autônomos), ou aos não-trabalhadores

(desempregados e mão-de-obra de reserva), eram destinados os serviços das instituições

filantrópicas não existindo, porém, nenhuma garantia de sua continuidade, regularidade e

abrangência.

Percebe-se, desse modo, como afirma Mestriner (2008: p. 101), que o Estado

passa a exercer um sistema de dupla regulação: aos trabalhadores do mercado formal pela

Previdência Social e aos do exército de reserva pela via da benemerência e da filantropia. E

acrescenta:

Criando uma dualização entre a atenção previdenciária e as ações assistenciais, a legislação faz diferenciar as garantias de direito, das práticas de concessão, construindo uma forma peculiar de reprodução estatal das força de trabalho. Instalando p primado do trabalho, alija o trabalhador sem carteira assinada da regulamentação jurídica, reservando-lhes apenas a caridade e a benesse. […] Enquanto os trabalhadores formais […] são transformados em sujeitos coletivos pelo sindicato, os informais são enquadrados como pobres, dependentes da ação das instituições sociais, dissolvidos em atenções individualizadas e não organizadas (MESTRINER, 2008: p. 105).

Aos poucos o papel do Estado vai ganhando dimensões mais notáveis, apesar

de manter sua postura subsidiária e paternalista. Além de ampliar os incentivos a ações de

caráter privado com a isenção do imposto de renda, começa a criar suas próprias

instituições, uma delas é a Legião Brasileira de Assistência – LBA, em 1940, cuja direção foi

atribuída à então primeira dama, Darci Vargas, fundando a cultura do “primeiro-damismo” na

coordenação das ações assistenciais, no Brasil.

Segundo Sposati (2004), a cerimônia de inauguração da LBA entrou para a

história devido ao fato de Darcy Vargas ter reunido senhoras da sociedade para agradar,

com cigarros e chocolates os pracinhas brasileiros da Força Expedicionária Brasileira – FEB

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combatentes da II Guerra Mundial. O objetivo primeiro da LBA era atender mulheres e

crianças necessitadas, públicos que demandavam maior atenção no pós-guerra.

Relatos da mesma autora indicam que, em outubro do mesmo ano, a LBA

ganhou status de organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, com a finalidade de

agregar as organizações da boa vontade e passa a abranger aquelas famílias que não

compunham a previdência social. Caracterizando-se como um ato de vontade e não de

direito e imprimindo caráter emergencial à assistência social.

Com isso, destaca-se o papel direto do Estado, agora não mais apenas

subsidiário, mas também executor. Não instaura, porém, nenhuma mudança substancial no

que se refere à assistência social enquanto direito, pelo contrário, numa postura puramente

reprodutora das formas já existentes, contribui para a instauração do assistencialismo,

através da figura da primeira dama e de ações paternalistas e benemerentes. Enaltece-se a

figura do governante e reproduz-se as posturas autoritárias e centralizadas. A assistência

social está, pois, nesse período, atrelada à boa vontade do governante, assumindo, assim, o

status de benesse.

3 A ASSISTÊNCIA SOCIAL E A EDUCAÇÃO PARA O TRABALHO

Com o fim do Estado Novo e a queda de Vargas em 1946, dá-se início a um

novo período na política brasileira, [o] padrão getulista de ação política, paternalista e

protetora, construído durante o Estado Novo, vai se transmutar, passando a expressar-se

por meio do nacionalismo e da democracia (MESTRINER, 2008: p. 115-116). Nesse período

as reivindicações dos trabalhadores não se limitavam apenas à área urbana, os

trabalhadores rurais também buscam seus direitos, e com a migração do campo para a

cidade, o problema do desemprego aumenta a demanda por proteção social.

A classe trabalhadora começa a se tornar cada vez mais numerosa e

demandante de ações estatais para além das ações filantrópicas e voluntaristas decorrentes

do primeiro-damismo. O processo de industrialização já se firmara no país e com isso

instaurara uma nova classe social, a burguesa, que em aliança com o Estado irá formular

um novo aparato estatal para dar suporte às demandas apresentadas pela classe

trabalhadora. A burguesia passa a assumir, pois, boa parte das ações assistenciais.

As ações caracterizadoras desse período foi a implementação do chamado

Sistema “S”, iniciado por Vargas com a criação do Serviço Social de Aprendizagem

Industrial – Senai. Como afirma Mestriner (2008: p. 117), [l]ogo no início (em 1946), assume

com maior proximidade a 'questão social', criando macroorganismos como o Serviço

Nacional de Aprendizagem do Comércio – Senac, Serviço Social do Comércio – Sesc e

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Serviço Social da Indústria – Sesi, que somados às ações já operacionalizadas pelo Senai e

pela LBA terão suas ações distribuídas por todo país.

Porém tais ações serão efetivadas em parceria com as instituições que já

desenvolviam ação filantrópica, numa associação das antigas formas de operacionalização

da assistência social com as que se buscava implementar. Alguns passos serão dados em

busca de uma tecnificação na oferta dos serviços, são elas: o recrutamento de profissionais

qualificados, principalmente em decorrência da criação das escolas de Serviço Social, e a

qualificação do voluntariado, em sua grande maioria leigos e damas de caridade.

O trato destinado a população pobre expande seu raio de alcance: os serviços

passam a ser destinados tanto aos “sem condições de trabalho”, quanto aos trabalhadores

empobrecidos em geral Nesse contexto, a Constituição Federal de 1946 assegurou às

pessoas de restrita capacidade econômica a isenção do imposto de consumo aos artigos

que a lei classificava como o mínimo indispensável à habitação, vestuário, alimentação e

tratamento médico (MESTRINER, 2008).

O CNSS ganha uma nova função, além de analisar a concessão de subvenções,

passa a reconhecer oficialmente as instituições sem fins lucrativos. O controle da ação

social continua centralizado na instância federal, com ampla capilaridade de sua atuação,

através da desconcentração de programas e serviços nos estados e municípios,

reproduzindo contudo o modelo estatal, não levando em conta as especificidades regionais.

No âmbito da LBA, o voluntariado será estimulado nos municípios, alcançando

toda a União. Os Estados brasileiros começam a instalar suas próprias secretarias de

assistência social, porém, o caráter das ações – focalizadas, emergenciais e paliativas – não

se configuram como política efetiva.

O Estado protetor continua a ser enaltecido nas figuras dos presidentes, que

garantem em seus discursos, de tom coloquial e próximo das classes mais desfavorecidas,

a concessão de benefícios como forma de abrandá-las.

No plano econômico, ao contrário do que Vargas havia proposto (economia

nacionalista), Juscelino Kubitschek, abre o país para o investimento estrangeiro andando na

contra-mão do que no plano internacional gestava-se com relevante efervescência, o Estado

de Bem-Estar Social, Juscelino aposta no desenvolvimento econômico como a salvação do

país no que concerne ao seu avolumado conjunto de problemas sociais.

No governo Juscelino, o CNSS passa a ser composto não mais por membros da

sociedade civil, e sim, por membros da área governamental cabendo à Câmara dos

Deputados e ao Senado votar acerca das concessões de subsídios para a implementação

dos serviços pelas entidades filantrópicas. Assim, o Conselho passa a ser instrumento de

manipulação e materialização de interesses políticos. Mais uma vez percebe-se a ação do

CNSS amplamente desarticulada com o conjunto da população demandatária dos serviços.

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Os governos seguintes de Jânio Quadros e João Goulart seguirão a mesma

lógica: de enaltecimento do desenvolvimentismo como a saída para a instauração da justiça

social. Neste período percebe-se forte influência da Igreja Católica na educação moral dos

trabalhadores, através dos Círculos Operários. As ações assistenciais neste período

estavam voltadas para atender as demandas referentes à saúde e à educação dos

trabalhadores, que eram prioritárias para o governo. Assim, os programas estimulados no

período são os de combate ao analfabetismo e àqueles destinados a trabalhadores que

possuem maior poder de barganha.

Com a abertura do país ao capital internacional, demanda-se profissionais

qualificados para o trabalho nas indústrias. A capacitação dos profissionais se dará por meio

das instituições do Sistema “S” que além de desenvolver atividades nesse sentido, também

promovem os serviços assistenciais para seus públicos. Estes serviços consistiam além de

se caracterizarem pelos conteúdos referentes ao ambiente de trabalho, buscam alcançar o

operário em seu contexto fora da indústria, ou seja, no âmbito da família. Assim, os serviços

sociais são os seguintes: atendimento alimentar, habitacional, de lazer, além de atenção

médica e odontológica (MESTRINER, 2008; IAMAMOTO & CARVALHO, 2003).

Percebe-se com isso que a assistência social ganha novo estatuto legal:

transitando da perspectiva da benemerência para a educacional, ainda que na perspectiva

moralizadora e de manutenção da exploração dos trabalhadores. Como afirma Mestrine

(2008: p. 144)

Dessa forma, o Estado unifica, organiza e institucionaliza as iniciativas assistenciais esparsas realizadas pela burguesia industrial, num grande complexo assistencial, mais centrado na formação e na educação.

Vale ressaltar, porém, que tais serviços continuam a ter como público apenas os

trabalhadores com vínculos empregatícios constantes em carteira assinada, os demais

serão público das ações ainda desenvolvidas pelas instituições filantrópicas privadas.

Assim, os governos continuarão a estimular o surgimento de instituições filantrópicas e a

concedê-las uma série de incentivos para a realização das atividades.

Percebe-se o hibridismo de modelos assistenciais, onde passado e presente se

fundem, onde programa, projetos e serviços de superpõem, elevando os gastos públicos,

sem, contudo, garantir a universalização dos serviços e erradicar, como se pretendia, a

pobreza.

Uma característica marcante desse período é a busca pela tecnificação da

assistência social, através da adoção dos métodos, técnicas e princípios do Serviço Social.

Busca-se uma aliança entre instituições filantrópicas e as ações estatais, as primeiras

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atuando como complemento das segundas. Com isso, o CNSS passa a fiscalizar e

controlar, também, as organizações estatais.

Embora avance através da tentativa de unificar ações públicas e privadas e

adotar a via educacional, a assistência social nesse período ainda apresenta as marcas de

seu passado, as de ajuste e integração social. Os programas são pontuais e limitados e não

atenderam às necessidades básicas da população.

4 A ASSISTÊNCIA SOCIAL NO CONTEXTO DITATORIAL

O Golpe de Estado que instaura a Ditadura Militar em 1964, traz, novamente,

para a assistência social brasileira, o acirramento do controle sobre a população e retoma a

centralidade das ações no âmbito da União. Acerca desta questão, Mestriner (2009: p. 153)

afirma: o Brasil se transformou em verdadeiro Estado unitário, ficando o poder concentrado

no Executivo Federal, que usa a ideologia da segurança nacional como […] eixo

convergente de todas as políticas, inclusive a econômica.

O regime ditatorial apregoava, como uma das metas da política econômica, o

crescimento da economia e, posteriormente, a redistribuição de renda, que, de fato, não

ocorreu. Ao contrário, a concentração de renda acentuou ainda mais a pobreza, o

crescimento das desigualdades sociais e o acirramento das condições de insalubres vividas

pela população. A política adotada para o controle da pobreza, dar-se-á através do uso da

força e da violência, predominante em todos os governos desse período. A assistência

social assume, assim, status repressivo.

Desta feita, as ações assistenciais retomarão o objetivo de amenização da

condição empobrecida da população, inclusive dos trabalhadores. O governo começa a se

preocupar com os problemas sociais. Para regular as ações no âmbito da seguridade social,

cria o Ministério da Previdência e Assistência – MPAS, em 1974, que será responsável pelo

combate à pobreza. Com isso, estende a cobertura previdenciária à quase totalidade da

população urbana e rural.

No contexto ditatorial, a assistência social será empreendida através de bases

técnico-racionais, onde os programas, projetos e benefícios serão criados nos gabinetes das

instituições, configurando-se como prática autoritária e verticalizada. Será, pois, um dos

instrumentos de manutenção da ideologia do regime. Embora com este caráter, as ações

assistenciais buscam ser direcionadas de acordo com as necessidades, problemas e faixas

etárias apresentadas pelo público a qual se destinam.

A assistência social ainda ocupa posição de subalternidade, nesse período,

sendo suas ações voltadas para a composição da retaguarda da área da saúde e da

educação. Na relação Estado-instituições da sociedade civil (filantrópicas) percebe-se uma

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mudança: as mesmas passam a estabelecer relações de parceria, inicialmente de caráter

informal, e, posteriormente, sendo regulamentadas através de acordos e convênios

(MESTRINER, 2008). O Estado buscará atuar prestando assessoria e supervisão às

instituições privadas.

Tais inovações, delegam mais uma função ao CNSS: o de escolha das

instituições parceiras do Estado. O Estado deixa de ser apenas subsidiário, e passa a ser o

executor da assistência social, tendo suas ações concentradas principalmente na LBA que

ganha caráter de Fundação, passando a ser mantida não apenas com recursos da União,

mas também dos Estados e Municípios. São os primeiros passos para a instauração de

ações descentralizadas.

São estimulados estudos na área social e realizados eventos para discutir os

rumos da assistência social brasileira. Fruto de um seminário realizado pelo Centro

Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços Sociais – CBICSS, em 1974, é um

documento que irá nortear as ações estatais nesse âmbito e que propõe pensar a

assistência social não mais articulada com o assistencialismo, nem de simples

complementação da previdência, mas como promoção social.

O processo de reabertura política subsidia as discussões em torno da garantia

de direitos sociais e de políticas sociais que os assegurem. Com a reabertura política na

década de 1980, a efervescência em âmbito internacional dos movimentos populares e da

contestação dos sistemas ditatoriais, no Brasil inaugura-se, em 1988, com a promulgação

da Constituição Federal, um novo período na história da assistência social, esta passa a ser

concebida enquanto política social, de caráter não contributivo, direito de todos que dela

necessitar e dever do Estado. Garantindo também, a participação popular na sua

formulação, implementação e avaliação através de sua inserção nos Conselhos de

Assistência Social nos níveis federal, estadual e municipal. No plano federal, o CNSS, dá

lugar ao CNAS – Conselho Nacional de Assistência Social (Sposati, 2004).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com este artigo buscou-se caracterizar a assistência social brasileira desde seus

primeiros passos, 1930, até o período anterior à sua atual configuração, que vem

engatinhando desde a 1988. De acordo com o exposto, pode-se depreender que a

assistência social, no período analisado, configurou-se como prática tuteladora,

assistencialista e focalizada, permeada pela dualidade de ações entre Estado e instituições

da sociedade civil.

De acordo com Sposati, o assistencialismo pode ser definido como

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o acesso a um bem através de uma benesse, de doação, isto é, supõe sempre um doador e um receptor.[...]. O assistencialismo tem sempre um sujeito – público ou privado – e um sujeitado. O sujeito age como se fosse ele o proprietário de um bem que distribui, dada “sua bondade” a alguém, e quer ganhar o reconhecimento e a dívida de favor por essa prática (SPOSATI, 1995, p. 26).

Assim, no âmbito privado, sob a subvenção do Estado, as instituições privadas

desenvolveram suas ações na linha do assistencialismo. As ações estatais também não

“fugiram à regra”. Através do paternalismo, configurou sua ações no âmbito da

benemerência.

O hibridismo entre práticas tuteladoras, de repressão, controle e subsidiariedade

destinadas à população contribuíram para a estigmatização da pobreza e para a exclusão

dos sujeitos sociais dos processos decisórios referentes às ações a eles destinadas. As

ações decorrentes daquele período, negaram a assistência social enquanto proteção social,

que mais tarde será assegurada como eixo central da Política Nacional de Assistência

Social de 2004.

Por fim, acredita-se que estejam sendo traçados novos rumos na linha da

proteção social e da garantia de direitos sociais independente das condições econômicas da

população para demandá-las ou não. Tais direitos estão dispostos nos marcos legais da

Assistência Social, quais sejam: Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS de 1993,

Política Nacional de Assistência Social – PNAS de 2004 e a Norma Operacional Básica -

NOB/ SUAS de 2004 e a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos – NOB-RH/

SUAS de 2006, instrumentos que garantem a exigibilidade, por parte da sociedade e de

seus órgãos competentes, por sua efetiva implementação.

REFERÊNCIAS

CASTEL, Robert. Da tutela ao contrato. In: __. Metamorfoses da questão social. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 41- 45. IAMAMOTO, Marilda; CARVALHO, Raul de. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: um esboço de uma interpretação histórico- metodológica. 15. ed. São Paulo: Cortez, 2003. MESTRINER, Maria Luiza. O Estado entre a filantropia e a assistência social. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2008. SPOSATI, Aldaíza. Assistência X Assistencialismo X Assistência Social. I Conferência Nacional de Assistência Social no Brasil, 1995. ______. A menina LOAS: um processo de construção da assistência social. São Paulo: Cortez, 2004.