Assistência social no contexto do pluralismo de bem-estar...

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Universidade de Brasília – UnB Instituto de Ciências Humanas IH Departamento de Serviço Social SER Programa de Pós-Graduação em Política Social Assistência social no contexto do pluralismo de bem-estar prevalência da proteção social plural ou mista, porém não pública Doutoranda: Maria José de Faria Viana Orientadora: Profa. Dra. Potyara A. P. Pereira Brasília, 2007

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Universidade de Braslia UnB

Instituto de Cincias Humanas IH

Departamento de Servio Social SER

Programa de Ps-Graduao em Poltica Social

Assistncia social no contexto do pluralismo de bem-estar

prevalncia da proteo social plural ou mista, porm no pblica

Doutoranda: Maria Jos de Faria Viana

Orientadora: Profa. Dra. Potyara A. P. Pereira

Braslia, 2007

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Universidade de Braslia UnB

Instituto de Cincias Humanas IH

Departamento de Servio Social SER

Programa de Ps-Graduao em Poltica Social

Assistncia social no contexto do pluralismo de bem-estar

prevalncia da proteo social plural ou mista, porm no pblica

MARIA JOS DE FARIA VIANA

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Ps-graduao em Poltica Social do Departamento de Servio Social da Universidade de Braslia, como requisito parcial para a obteno do ttulo de doutora em Poltica Social.

Orientadora: Profa. Dra. Potyara A. P. Pereira

Braslia, 2007

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Universidade de Braslia UnB

Instituto de Cincias Humanas IH

Departamento de Servio Social SER

Programa de Ps-Graduao em Poltica Social

TESE DE DOUTORADO

Assistncia social no contexto do pluralismo de bem-estar

prevalncia da proteo social plural ou mista, porm no pblica

Doutoranda: Maria Jos de Faria Viana

Orientadora: Profa. Dra. Potyara Amazoneida P. Pereira

Co-Orientador: Prof. Dr. Manuel Gomes Herrera

Banca Examinadora: Profa. Dra. Denise Birche Bomtempo (UnB)

Profa. Dra. Fernanda A. da Fonseca Sobral (UnB)

Profa. Dra. Potyara Amazoneida P. Pereira (UnB)

Profa. Dra. Rosa Helena Stein (UnB)

Profa. Dra. Sandra de Faria (UCG)

Suplente: Profa. Dra Marlene Teixeira (UnB)

Braslia, 2007

iii

iv

A Deus, por permitir-me chegar ao final dessa rica experincia mais

enriquecida como pessoa e como profissional.

memria de meus pais, Lydio e Lourdes, pela humildade e carinhosa

lembrana.

Ao Hildo, pela presena solidria e amorosa e pelo estmulo constante no

decorrer dessa caminhada.

A Mnica e Rogrio, Eduardo e Dbora, Vanessa e Wilson, filhos queridos, j

adultos, que aps dividirem espao e tempo juntos, saram em busca da construo de sua

prpria felicidade, confirmando Fernando Pessoa, para quem o valor das relaes

humanas no est no tempo que elas duram, mas na intensidade em que acontecem.

Aos queridos Joo Vitor, Pedro, Luis Eduardo e Maria Fernanda, adorveis

netos e neta (e aos demais netinhos e netinhas que, por certo, viro), por me permitirem

nesse momento reeditar o que tenho de melhor: meus melhores afetos, emoes e

sentimentos, e por me devolverem ao mundo mgico da infncia, com suas fantasias,

brincadeiras, verdades e pureza de sentimentos. Com eles reaprendi a brincar de esperana,

de passado, de presente e de futuro, a falar a mais pura das linguagens: a indagao

constante, a busca do novo, e, sobretudo, da F na vida e no ser humano.

Aos demais familiares e amigos, que se somaram comigo nessa caminhada, o

carinho e o muito obrigado pelo respeito que demonstraram ao meu jeito de ser, de sonhar

e de realizar meus projetos e escolhas pessoais e profissionais.

v

AGRADECIMENTOS

Profa. Dra. Potyara Amazoneida P. Pereira, pela orientao segura e

competente, demonstrando notvel lucidez, compromisso tico e respeito humano. O olhar

atento a tudo, assumindo comigo todos os desafios inerentes produo desta tese ganha

significado nesse momento, em especial pela motivao para que eu realizasse o Estgio de

Complementao de Estudos (CAPES/PDEE), na Espanha.

s professoras, membros das duas bancas examinadoras (de qualificao e de

defesa), Doutoras Denise Bomtempo, Fernanda Sobral, Ivanete Boschetti, Maria

Auxiliadora, Marlene Teixeira, Potyara A. P. Pereira, Rosa H. Stein e Sandra de Faria,

pelas reflexes e sugestes feitas a esta tese.

Ao Programa de Ps-Graduao (Cursos de Doutorado e Mestrado em Poltica

Social) do Departamento de Servio Social da Universidade de Braslia SER/UnB, por

intermdio de sua Coordenadora, Profa. Dra. Ivanete Boschetti, e a todo o corpo docente,

em especial, aos professores das disciplinas cursadas, pelo compromisso demonstrado ao

que fazem.

Aos colegas da primeira turma do curso de Doutorado em Poltica Social, do

Departamento de Servio Social da Universidade de Braslia-SER/UnB, Paulo Quernes e

Raquel Gomes M. Pires, pela especial convivncia e pela descoberta, juntos, de como

rido (por vezes duro), mas extremamente gratificante, o caminho da cincia. Aos demais

estudantes dos cursos de graduao, mestrado e doutorado do SER/UnB, o meu abrao na

pessoa do colega Joselito Pacheco, pelas descobertas e fecundos debates na busca de

superao dos desafios que se interpem aos processos de construo do saber, de

amadurecimento intelectual e, sobretudo, ao exerccio da alteridade, como valor maior.

Coordenao de Programas de Capacitao de Ensino Superior Ministrio da

Educao CAPES/MEC, na pessoa de sua Coordenadora Geral, Profa. Dra. Maria Luiza

Lombas, por seu empenho aos encaminhamentos para realizao do Estgio de Doutorado

na Espanha, pelo Programa de Desenvolvimento de Estgio no Exterior PDEE, no

perodo de junho de 2006 a outubro de 2006, realizado pela Faculdade de Cincia Poltica

e Sociologia na cidade de Granada.

Ao Professor Doutor Manuel Herrera Gmez (co-orientador), professor e

pesquisador na Faculdade de Cincia Poltica e Sociologia de Granada, meus

vi

agradecimentos pela acolhida naquele pas e pela vasta referncia bibliogrfica indicada

para a pesquisa, o que muito contribuiu para qualificar a tese em sua fundamentao

terico-emprica.

Universidade Catlica de Gois, nas pessoas do magnfico Reitor, Prof. Dr.

Wolmir T. Amado, pelo apoio institucional na concesso e manuteno da Licena de Ps-

Graduao e da Pr-Reitora de Extenso e Poltica Estudantil, Profa. Dra. Sandra de Faria,

pela atitude tica e solidria e pela clareza de suas observaes sobre este trabalho, assim

como s colegas professoras Eleuza Bilemjian e Walderez L. Miguel, por se empenharem

na defesa da realizao do Estgio na Espanha, como complementao dos estudos dessa

tese, ressaltando sua importncia para a UCG e para o SER/NUPESC.

Aos professores, colegas docentes, alunos do curso de graduao e

funcionrios administrativos do Departamento de Servio Social da UCG, representados

nas pessoas das professoras Walderez Miguel, Sandra de Faria, Regina Sueli, ngela de

Matos Lacerda, Carmem Regina, Eleuza Bilemjian, Omar Ludovico, Marilene A. Coelho,

Darci, Terezinha Coelho, Maria Aparecida C.Vaz, Maria Conceio, Vera Lcia e Len, e

dos funcionrios Diana, Luiz Carlos, Raquel e rica, os meus agradecimentos pela torcida

e pelo apoio recebido.

Aos funcionrios da secretaria do SER/UnB, nas pessoas de Domingas e

Rafael, pelo respeito, apoio e ateno demonstrados durante o curso de doutorado.

Aos beneficirios da assistncia social e dos programas de transferncia de

renda no Brasil e de renda mnima e/ou de insero na Europa do Sul, os quais, apesar do

precrio reconhecimento de sua cidadania plena e pela ausncia de vocalizao, em face do

silncio a que esto submetidos pelas relaes de poder e de classe, merecem o meu

respeito.

amiga e profissional Luzia, por assumir comigo mais esse desafio no

aprendizado da relao homem-mquina, com destacada pacincia e disponibilidade.

s amigas e profissionais Izabel e Dona Maria, pelo compromisso que sempre

demonstraram ao que fazem, os meus agradecimentos por terem contribudo com

dedicao e trabalho durante esses anos, para a realizao de projetos de estudo e de

trabalho como este que nesse momento concluo.

professora Darci Costa, pela reviso criteriosa e qualificada.

vii

RESUMO

Nesta tese, objetiva-se compreender a lgica do pensamento liberal em relao assistncia social no contexto do chamado pluralismo de bem-estar, difundido como uma modalidade de proteo social plural ou mista, porm no pblica, em substituio s polticas do Estado do Bem-estar (Estado Social). Busca-se apreender as tendncias em curso da assistncia social por entender que a orientao neoliberal que rege essa poltica mudou substancialmente o seu significado e contedo, destituindo-a de sua dimenso pblica e do seu status de cidadania. Apesar disso, a assistncia social tornou-se uma questo central no debate sobre os sistemas de proteo social contemporneos, em virtude da grande visibilidade que vem apresentando como resposta insegurana social causada pelo domnio neoliberal, a partir dos anos 1970. A revalorizao do voluntariado e do mercado, assim como a criao de redes de proteo social e de programas de renda mnima de insero (RMI na Europa) e/ou de transferncia de renda (Bolsa Famlia, no Brasil), surgem como alternativas liderana do Estado no efetivo combate pobreza ampliada, presente no mundo, em uma perspectiva focalizada e residual. Este estudo elegeu como unidade de anlise emprica o Sul da Europa e o Brasil, como integrantes de um modelo latino de proteo social, cujas peculiaridades favorecem a realizao do pluralismo de bem-estar de feio neoliberal. Entende-se a pobreza e a desigualdade social como fenmenos estruturais e de classe, que resultam de uma brutal concentrao de renda e de riqueza que no considerada pelo neoliberalismo. Nesse sentido, esta tese trata dos complexos processos de reestruturao das polticas sociais e de seus efeitos no contexto de expanso da ofensiva neoliberal, a saber: desmonte dos direitos de cidadania social, desestatizao, desregulao econmica e social, mercantilizao das polticas sociais, flexibilizao das relaes de trabalho, privatizao do patrimnio pblico e de bens e servios sociais. Depreende-se que tais processos tm produzido uma grande fratura social, fragilizando, ainda mais, nos contextos estudados (Europa do Sul e Brasil), a democracia e a cidadania. Tm provocado, ainda, disparidades sociais em benefcio do crescimento econmico e do fortalecimento do grande capital. Por fim, tendo como horizonte os direitos sociais e a concepo de que a principal funo das polticas sociais a de concretizar esses direitos, compreende-se que a assistncia social vem sendo usada de forma deturpada, porque essa modalidade de poltica social possui conotao tica e cvica que contra-indica o seu uso como mera reparao dos danos sociais criados pelo regime neoliberal, pois ela incorpora o conceito de democracia igualitria e se fundamenta em princpios universais e redistributivos.

viii

ABSTRACT

In this thesis we aim to understand the logic of the liberal thinking in relation with the social assistance in the context called welfare pluralism, disseminated as a way of plural or mixed, but not public social protection, in the place of policies of Welfare State (Social State). There is a big worry, in this social protection, with the current tendencies of social assistance to understand that the neoliberal orientation that rules this policy changes substantially its modern meanings and contents, being out of its public dimension and status of citizenship. In spite of this, the social assistance became a central point in the debate about the contemporary Systems of Social Protection because of the great visibility that has been shown as a response to the social insecurity caused by the liberal dominance, since the 1970s. The re-evaluation of the volunteers and the market, as well as the creation of the Nets of Social Protection and the Programs of Minimum Income for Insertion (MII/Europe) and / or the Income Transference (Bolsa Famlia/Brazil), come out as alternatives to the State leadership on the effective combat to the worldwide amplified poverty in a focused and residual perspective. This study elected, as empirical analysis unit, Brazil and the south of Europe as components of a Latin Model of social protection whose peculiarities favor the presence of pluralism in well-being of neoliberal characteristic; and it understands poverty and social inequality as strutuctural and class phenomena that result from a enormous income and wealth concentration that is not taken into account by the neoliberalism. In this sense, this thesis deals with the complex processes of reestructuration of the social policies and their effects in the context of expansion of the neoliberal offensive, as follows: the dismantling of the rights of citizenship, desestatization, economical and social deregulation, mercantilization of social policies, flexibilization of work relations, privatization of public patrimony, of goods and of social services. We understand that such processes have been producing a big social break, weakening, even more, in the studied contexts (Brazil and south of Europe), the democracy and citizenship. Such processes have also been causing social disparities in the alleged reason for economical growth and strengthening of the big capital. Finally, considering the social rights and the conception that the main function of the social policies is to characterize these rights, for this thesis the social assistance has been used in a mistaken way. This misconception happens because this modality of social policy has an ethical and civical meaning that counter-indicates its usage as a mere repair of social damages created by the neoliberal regime because it in bodies the concept of egalitarian democracy and is founded in universal and distributive principles.

ix

RSUM

Le but de la prsente thse est de comprendre la logique de la pense librale em ce qui concerne lassistance sociale dans le contexte de ce quon appelle le pluralisme de bien-tre, diffus comme une modalit de protection sociale plurielle ou mixte mais non publique, em remplacement des politiques de ltat du bien-tre (tat social). Elle cherche apprhender les tendances actuelles de lassistance sociale, pour comprendre que lorientation no-librale qui rgit cette politique a chang substantiellement de sens et de contenu, lui enlevant sa dimension publique et son statut de citoyennet. Malgr cela, lassistance sociale est devenue une question centrale dans le dbat sur les systmes contemporains de protection sociale, en vertu de la grande visibilit quelle prsente comme rponse linscurit sociale provoque par la domination no-librale partir des annes 1970. La revalorisation du bnvolat et du march, tout comme la cration de rseaux de protection sociale et de programmes de revenu minimum dinsertion (RMI em Europe) et/ou de transfert de revenu (Bourse Famille au Brsil) apparaissent comme des alternatives la position dominante de ltat dans le combat effectif contre la pauvret largie prsente dans le monde, dans une perspective focalise et rsiduelle. La prsente tude a choisi comme unit danalyse empirique lEurope mridionale et le Brsil, en tant que faisant partie dun modle latin de protection sociale, dont les particularits favorisent la ralisation du pluralisme de bien-tre de type no-libral. La pauvret et lingalit sociale sont considres comme des phnomnes structuraux et de classe, qui rsultent dune concentration brutale de revenus et de richesse qui nest pas considre par le nolibralisme. Dans ce sens, la prsente thse aborde les processus complexes de restructuration des politiques sociales et leurs effets dans le contexte de lexpansion de loffensive no-librale, cest--dire le dmantlement des droits de citoyennet sociale, la dstatisation, la drgulation conomique et sociale, la commercialisation des politiques sociales, la flexibilisation des relations de travail, la privatisation du patrimoine public et des biens et services sociaux. La conclusion est que de pareils processus ont produit une grande fracture sociale, fragilisant encore davantage, dans les contextes tudis (Europe mridionale et Brsil), la dmocratie et la citoyennet. Ils ont aussi provoqu des disparits sociales au bnfice de la croissance conomique et du renforcement du grand capital. Enfin, sur la toile de fond des droits sociaux et de la conception suivant laquelle la principale fonction des politiques sociales est de concrtiser ces droits, on comprend que lassistance sociale est utilise dune manire pervertie. Cette modalit de politique sociale possde une connotation thique et civique incompatible avec son utilisation comme simple rparation des dommages sociaux crs par le rgime no-libral, vu quelle incorpore le concept de dmocratie galitaire et se fonde sur des principes universels et de redistribution.

x

SUMRIO

Resumo ................................................................................................................................. vi

Abstract ................................................................................................................................ vii

Rsum ................................................................................................................................ viii

Lista de Quadros ................................................................................................................ xiii

Lista de Tabelas .................................................................................................................. xv

Lista de Figuras .................................................................................................................. xvii

Lista de Siglas ................................................................................................................... xviii

INTRODUO .................................................................................................................. 21

Metodologia: mtodo e procedimentos ....................................................................... 33

PRIMEIRA PARTE

CAPTULO I

REFERNCIAS TERICAS E EXPLICITAO DAS CATEGORIAS DE

ANLISE ............................................................................................................................ 39

1.1 Sobre a relao substantiva entre Estado, sociedade e a categoria trabalho ............... 39

1.2 Sobre a categoria contradio associada s leis do movimento: uma necessria

recorrncia concepo marxista de Estado e sociedade ........................................... 44

1.3 Sobre a poltica social: concepes, abordagens tericas e ideologias ....................... 50

1.4 Sobre a cidadania, a democracia ampliada e a liberdade positiva ............................... 55

1.5 Sobre a justia redistributiva e a eqidade no contexto da democracia ampliada ...... 57

1.6 Sobre a emancipao poltica e humana no marco do princpio da universalizao

de direitos .................................................................................................................... 59

1.7 Sobre a focalizao da poltica social .......................................................................... 61

1.8 Sobre a assistncia social na perspectiva neoliberal ................................................... 64

1.9 Sobre a liberdade negativa e os direitos individuais (civis e polticos)

defendidos pelos neoliberais ...................................................................................... 65

xi

CAPTULO II

O ESTADO SOCIAL RUMO AO PLURALISMO DE BEM-ESTAR .............................. 70

2.1 Traos do Estado Social no contexto europeu: das origens ao perodo

aps a Segunda Guerra Mundial ................................................................................. 70

2.2 Explicitao do padro keynesiano beveridgiano de seguridade social:

fundamentos da seguridade social aps a Segunda Guerra Mundial .......................... 81

2.3 Anos 1970: ocorrncia de uma suposta crise do Estado Social .................................. 89

2.4 Sobre desintegrao do consenso aps a Segunda Guerra Mundial: falncia do

modelo keynesiano-fordista e/ou uma reorientao neoliberal direita? ................... 91

CAPTULO III

PLURALISMO DE BEM-ESTAR: ANTECEDENTES, CONSTITUIO E

TENDNCIAS .................................................................................................................... 94

3.1 O pioneirismo da primeira proposta e sua capturao pela ofensiva neoliberal ......... 94

3.2 Neoliberalismo, pluralismo de bem-estar e emergncia da chamada

sociedade de bem-estar ............................................................................................. 102

3.3 Limites do pluralismo assistencial na Europa do Sul e no Brasil: breves eferncias

aos programas de manuteno de renda e s redes de segurana social ................... 108

CAPTULO IV

CARACTERIZAO DA ASSISTNCIA SOCIAL NA PERSPECTIVA

PLURALISTA: CONCEPO, ESTRATGIAS E JUSTIFICATIVAS ........................ 113

4.1Componentes bsicos do pluralismo de bem-estar: o setor oficial (Estado) e os setores

no-oficiais: informal, voluntrio, comercial ou mercantil .......................................................... 113

4.1.1 Caractersticas da proposta do pluralismo de bem-estar ........................................... 113

4.2 Setores no-oficiais ................................................................................................... 117

4.2.1 Setor informal ............................................................................................... 117

4.2.2 Setor voluntrio ............................................................................................. 118

4.2.3 Setor mercantil ou comercial ........................................................................ 124

4.3 Nexo: assistncia/gnero/famlia/mulher na viso neoliberal de bem-estar: um

retorno ao conservadorismo ...................................................................................... 128

xii

4.4 O discurso justificador da assistncia comunitria e familiar: reedio de

prticas tuteladoras e assistencialistas ....................................................................... 129

4.5 A centralidade do papel da mulher como cuidadora social: a feminizao da

proviso assistencial informal e voluntria ............................................................... 131

SEGUNDA PARTE

CAPTULO V

MODELO LATINO .......................................................................................................... 138

5.1 Contextualizao tipolgica do modelo latino .......................................................... 138

5.2 Assistncia social e o papel da famlia no modelo de proteo social brasileiro e

no modelo latino da Europa do Sul: tendncias, semelhanas e contrapontos .......... 160

5.2.1 Familismo e desfamiliarizao ..................................................................... 161

5.2.2 O papel da famlia e da mulher no modelo de proteo social brasileiro ..... 179

5.3 Caractersticas gerais, traos comuns e convergncias latinas ..................... 183

CAPTULO VI

A ASSISTNCIA SOCIAL NA EUROPA DO SUL E NO BRASIL: OS

PROGRAMAS DE TRANSFERNCIA DE RENDA, RENDA MNIMA

E/OU DE INSERO SOCIAL (RMI) ............................................................................ 192

6.1 A emergncia do debate ............................................................................................ 192

CAPTULO VII

PROGRAMAS DE TRANSFERNCIA DE RENDA NO BRASIL E DE RENDA

MNIMA DE INSERO (RMI) NA EUROPA DO SUL: UMA ESTRATGIA

ASSISTENCIAL DE CUNHO NEOLIBERAL ................................................................ 219

7.1 Concepo e distines terico-conceituais .............................................................. 219

7.2 Programas de renda mnima nos pases da Europa do Sul: particularidades e

primeiras experincias: Frana (1988), Espanha (1988-1992), Portugal (1997),

Itlia (1998) e Grcia ................................................................................................ 112

7.3 A experincia pioneira da Frana: o debate sobre a insero profissional ................ 115

xiii

7.4 A situao particular da Espanha na implementao de um modelo assistencial

latino e catlico: a atuao dos setores oficial (Estado e Comunidades Autnomas

CCAA), informal, voluntrio (famlia e igreja) e comercial/mercantil .................. 219

7.5 A experincia da Itlia ............................................................................................... 242

7.6 A experincia de Portugal ......................................................................................... 245

7.7 A experincia da Grcia ............................................................................................ 248

7.8 Sntese das principais caractersticas das polticas de proviso social mnima

nos pases do Sul da Europa em uma perspectiva comparada .................................. 250

7.9 A experincia do Brasil com programas de transferncia direta de renda mnima ... 253

7.10 Configurao do principal programa de transferncia de renda no Brasil

Bolsa Famlia .......................................................................................................... 258

7.11 Programa Bolsa Famlia: estratgias, gasto social/financiamento, perspectivas e

tendncias .................................................................................................................. 262

CAPTULO VIII

ASSISTNCIA SOCIAL NA AMRICA LATINA E NO BRASIL: PROMESSA

DE DEMOCRACIA E DE CIDADANIA INCONCLUSAS ............................................ 269

8.1 Implicaes no-redistributivas do pluralismo de bem-estar .................................... 269

8.2 Brasil: uma realidade latina peculiar ......................................................................... 274

8.3 Brasil: a experincia das polticas sociais brasileiras em dois perodos

histricos: 1930-1988 e 1989-2001 ........................................................................... 282

8.3.1 Caractersticas, particularidades e parmetros organizadores ....................... 282

8.4 A adeso dos governos s orientaes neoliberais tidas como plurais ...................... 283

8.5 As polticas sociais aps a promulgao da Constituio Federal brasileira:

avanos e retrocessos ................................................................................................. 295

8.6 A abordagem pluralista de bem-estar no Brasil: paradoxos e particularidades ........ 299

8.7 Tendncias em curso: proposta de um novo formato de poltica social brasileira

sob o influxo do pluralismo de bem-estar ................................................................. 305

8.8 Balano do padro de bem-estar na Europa do Sul/Espanha e no Brasil .................. 311

CONCLUSO ................................................................................................................... 323

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .............................................................................. 333

xiv

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Resumo das caractersticas dos seguros voluntrios estabelecidos no

perodo 1883-1915 ........................................................................................... 71

Quadro 2 Resumo das caractersticas dos seguros obrigatrios estabelecidos no

perodo 1883-1915 ........................................................................................... 72

Quadro 3 Principias leis sobre seguros sociais, aprovadas desde 1941 at

princpios de 1970, em onze pases europeus .................................................. 74

Quadro 4 Caractersticas dos regimes de bem-estar europeus ......................................... 84

Quadro 5 Caractersticas das quatro instituies de bem-estar na perspectiva

pluralista de Evers y Olk (1996) .................................................................... 106

Quadro 6 Oito maneiras diferentes de produo de cuidados ........................................ 135

Quadro 7 Caractersticas dos diferentes regimes de bem-estar...................................... 144

Quadro 8 Traos e caractersticas gerais dos regimes de bem-estar europeus ............... 146

Quadro 9 Tipologia de ambientes familiares (hogares) ................................................. 148

Quadro 10 Tipologia dos estados de bem-estar segundo W. Korpi Y. G.

Esping-Andersen (1984) princpios e caractersticas bsicas ..................... 151

Quadro 11 Regimes de bem-estar segundo a nfase no emprego e na redistribuio

social .............................................................................................................. 156

Quadro 12 Caractersticas dos estados de bem-estar em relao ao papel da

famlia, do mercado e do Estado .................................................................... 163

Quadro 13 Tipologia de associaes familiares ............................................................... 170

Quadro 14 Espanha: renda mnima de insero: subsidiariedade,

complementariedade e incompatibilidades .................................................... 194

Quadro 15 Espanha: renda mnima de insero: grau de vinculao das medidas de

insero social com as prestaes econmicas .............................................. 196

Quadro 16 Estgios da transio demogrfica e nfase das polticas sociais .................. 205

Quadro 17 Necessidades e carncias bsicas a atender ................................................... 207

Quadro 18 Linha de indigncia e linha de pobreza .......................................................... 207

Quadro 19 A insero como processo individual e social (idosos incapacitados e

famlia) ........................................................................................................... 229

xv

Quadro 20 Espanha: renda mnima de insero: requisitos mais comuns exigidos

aos beneficirios ............................................................................................. 232

Quadro 21 Intenes histricas de modernizao na Espanha ........................................ 237

Quadro 22 Alguns dos principais ndices de preos e de custo de vida ........................... 254

Quadro 23 Critrios de elegibilidade e valores de benefcios para famlias

integrantes do Programa Bolsa Famlia (PBF) .............................................. 255

Quadro 24 Programa de transferncia de renda - Fome Zero - relao de critrio de

acesso, condicionalidade e valor dos benefcios ............................................ 259

xvi

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Porcentagens de trabalhadoras no conjunto da populao feminina de

15-64 anos na Unio Europia-UE -1960-1995 .............................................. 133

Tabela 2 Evoluo da tipologia familiar (aumento ou diminuio em %)

Espanha, 1970, 1981 e 1991 ........................................................................ 172

Tabela 3 Tipologia de associaes familiares ................................................................ 173

Tabela 4 Concentrao de mulheres de 15 a 17 anos com filhos 2000 ...................... 180

Tabela 5 Recursos para mulher Comunidade Autnoma de Aragon -

Espanha - 2004 ................................................................................................ 185

Tabela 6 Chamadas ao telefone 24 horas do Instituto Aragons da Mulher ................. 188

Tabela 7 Alguns indicadores da situao social na Europa do Sul ................................ 192

Tabela 8 Europa do Sul: programas de rendas mnimas (2000) .................................... 193

Tabela 9 Prestaes de mnimos para indivduos e famlias (2002) .............................. 194

Tabela 10 Europa do Sul: rendas metas mensais disponveis de famlias com

assistncia social, 1992 ................................................................................... 197

Tabela 11 Gasto social total em porcentagem do PIB-1992 ............................................ 197

Tabela 12 Indicadores sociais de vrios pases ao final do sculo XX ............................ 204

Tabela 13 Distribuio territorial do gasto pblico na Espanha (%) ............................... 225

Tabela 14 Populao total e populao incapacitada espanhola maior de 65 anos

(valores absolutos e % relativos) .................................................................... 230

Tabela 15 Espanha: oramento de gastos da seguridade social para o ano 2005

supresso do gasto da rea 1- prestaes econmicas .................................. 233

Tabela 16 Espanha: oramento de gastos da seguridade social supresso do

crdito de penses por classes e modalidades de penso ................................ 234

Tabela 17 Espanha: pressupostos da seguridade social para o ano 2005 agregado

do sistema snteses por entidades .................................................................... 235

Tabela 18 Espanha: programas com grupos de ateno primria(1) ............................... 236

Tabela 19 Espanha: programas com grupos de ateno primria(2) ............................... 236

Tabela 20 Recurso aragons de insero social em Aragn, ano 2004 renda

mnima ............................................................................................................ 240

Tabela 21 Investimentos MDS consolidado geral resumo do pas ............................ 263

xvii

Tabela 22 Relatrio comparativo de polticas sociais 2002 a 2005 (principais

programas e aes) .......................................................................................... 264

Tabela 23 Percentuais de crianas fora da escola de acordo com a classificao dos

municpios 2000 ........................................................................................... 298

Tabela 24 Populao estrangeira na Comunidade Autnoma CCAA de Aragn

(CCAA) e Espanha ......................................................................................... 314

Tabela 25 Recursos para estrangeiros Comunidade Autnoma de Aragn .................. 314

xviii

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Tringulo de bem-estar 1 .................................................................................. 98

Figura 2 Tringulo de bem-estar 2 .................................................................................. 99

Figura 3 Tringulo de bem-estar 3 .................................................................................. 99

Figura 4 Esquema terico para a anlise das associaes familiares ............................ 164

Figura 5 Ano de constituio das associaes familiares .............................................. 170

Figura 6 Principal cuidador de pessoas idosas acima de 65 anos, com alguma

incapacidade, por grupos de idade .................................................................. 175

Figura 7 Pessoas com alguma incapacidade que recebem ajuda de assistncia

pessoal e horas de dedicao semana do cuidador ....................................... 176

Figura 8 O papel da administrao no financiamento e proviso dos cuidados de

longa durao .................................................................................................. 178

Figura 9 Proporo de famlias com pessoas de referncia do sexo feminino .............. 179

Figura 10 Espanha: sistema de seguridade social 2005 distribuio percentual do

gasto da rea 1: prestaes econmicas .......................................................... 233

Figura 11 Espanha: sistema de seguridade social 2005 distribuio percentual do

gasto de penses .............................................................................................. 234

Figura 12 BPC_ Pessoas beneficiadas ............................................................................ 266

Figura 13 BPC_ Investimento anual .............................................................................. 266

Figura 14 Pirmide de populao estrangeira. reviso do padro municipal em 1

de janeiro de 2003 ........................................................................................... 315

xix

LISTA DE SIGLAS

ADH Atlas de Desenvolvimento Humano

BIRD Banco Internacional para Reconstruo e Desenvolvimento (Banco Mundial)

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

BPC Benefcio de Prestao Continuada (LOAS)

CREA Centro de Referncia da Assistncia Social

Cadnico Cadastro nico dos Programas Sociais do Governo Federal

CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior

CCAA Comunidades Autnomas (Espanha)

CEPAL Comisso Econmica para Amrica Latina e Caribe

CLT Consolidao das Leis de Trabalho

CNSS Conselho Nacional de Servio Social

CNAS Conselho Nacional de Assistncia Social

CGPBF Conselho Gestor do Programa Bolsa Famlia (MDS)

CSIC Conselho Superior de Investigao Cientfica (Espanha)

CE Comisso Europia

CAPs Caixas de Aposentadoria e Penso

DRU Desvinculao da Receita da Unio

DIEESE Departamento Intersindical de Estatstica e Estudos Scio-econmicos

EU Unio Europia

FIPE Fundao Nacional de Pesquisas Econmicas

FINSOCIAL Fundo Social de Investimento

FMI Fundo Monetrio Internacional

IESAM Instituto de Estudos Sociais Avanados de Madri

IASS Instituto Aragons de Servios Sociais (Governo de Aragn/Espanha)

IEIE Instituto de Estudos da Integrao Europia

INPC ndice Nacional de Preos ao Consumidor

IPH ndice de Pobreza Humana (PNUD)

INSS Instituto Nacional de Seguridade Social

INPS Instituto Nacional de Previdncia Social

INAMPS Instituto Nacional de Assistncia Mdica e Previdncia Social

IAPAS Instituto de Aposentadoria e Penses da Assistncia Social

xx

ICV ndice de Custo de Vida

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

LOAS Lei Orgnica da Assistncia Social

LDO Lei Diretrizes Oramentrias

LOPS Lei Orgnica da Previdncia Social (1960)

MDS Ministrio de Desenvolvimento Social e Combate Fome

MEC Ministrio de Educao e Cultura

MTSS Ministrio de Trabalho e Seguridade Social (MTSS) (Espanha).

MTAS Ministrio de Trabalho e Assuntos Sociais (Espanha)

MPAS Ministrio de Previdncia e Assistncia Social (Brasil)

MPs Medidas Provisrias

NOB Norma Operacional Bsica

NIS Nmero de Identificao Social

OCDE Organizao Para Cooperao e Desenvolvimento Econmico

ONU Organizao das Naes Unidas

OSFL Organizaes Sem Fins Lucrativos

OIT Organizao Internacional do Trabalho

PED Plano Estratgico de Desenvolvimento

PDEE Programa de Desenvolvimento de Estgio no Exterior (CAPES)

PNUD Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento

PBF Programa Bolsa Famlia (MDS)

PETI Programa de Erradicao do Trabalho Infantil (MDS)

PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclio

PIS/PASEP Programas de Integrao Social

RMG Rendimento Mnimo Garantido (Europa do Sul)

RMI Renda Mnima de Insero (Europa do Sul): Revenue Minimum dInsertion (RMI, na Frana), Renta Mnima de Insercin (RMI, na Espanha), Reddito Mnimo di Inserimento(RMI, na Itlia) e Renda Mnima de Insero(RMI, em Portugal) Renda Mnima (RM, no Brasil_ Programas deTransferncia de Renda).

RB Renda Bsica

PIB Produto Interno Bruto

SAS Secretaria Nacional de Assistncia Social (MTAS)

SUS Sistema nico de Sade

SUAS Sistema nico de Assistncia Social

xxi

SINE Sistema Nacional de Emprego

SFH Sistema Financeiro de Habitao

UPC Unidade de Polticas Comparadas (Espanha)

INTRODUO

Analisa-se, nesta tese, uma modalidade de interveno social denominada

pluralismo de bem-estar, ou bem-estar misto (welfare pluralism ou mix) 1, surgida na Europa,

no final dos anos 1970, como alternativa ao padro de bem-estar keynesiano/

fordista/beveridgiano, que vigorou entre 1945 e 1975 nas sociedades capitalistas

industrializadas do Ocidente. Nesta anlise, privilegiam-se as implicaes do pluralismo de

bem-estar para a poltica de assistncia social desenvolvida nos ltimos trinta anos no mundo

capitalista, incluindo o Brasil. Tendo em vista esse privilegiamento, parte-se da recente

discusso sobre a crise do Estado Social2 de estilo keynesiano/fordista/beveridigano, a partir

do final dos anos 1970, por entender que a identificao dos fatores que desencadearam a

alegada crise, bem como das estratgias utilizadas para o seu enfrentamento ultrapassou os

pases capitalistas centrais, repercutindo no Brasil.

Entende-se que o debate sobre a expanso do pluralismo de bem-estar, em escala

mundial, ganha relevncia por reeditar-se com ele prticas assistenciais liberais e

conservadoras que afrontam os direitos sociais dos cidados, conquistados no sculo XX.

Nesse debate, faz-se necessrio identificar com antecedncia a relao entre Estado,

sociedade (incluindo o mercado) e polticas de assistncia social no mbito de duas

experincias divergentes de proteo social, quais sejam: a do Estado Social j mencionado,e

a do pluralismo de bem-estar, de estilo ps-keynesiano/beveredigiano/fordista, contrapondo,

criticamente, suas respectivas caractersticas pblica, de um lado, e plural ou mista, de outro

lado. A suposio implcita nessa confrontao a de que, por se tratar de um fenmeno

1 Em tese, o pluralismo de bem-estar ou bem-estar misto consiste em uma ao compartilhada entre as trs esferas da sociedade moderna Estado, mercado e instituies no-governamentais e no-mercantis da sociedade. No pluralismo neoliberal, so estabelecidas uma diviso de responsabilidades nas esferas do bem-estar e uma redistribuio de funes entre essas trs esferas, com nfase ao papel da sociedade civil, j que o mercado no tem vocao social, e o Estado destitudo de seu papel de provedor e de regulador das relaes sociais. 2 O termo Estado social, utilizado neste estudo, constitui sinnimo do Estado de Bem-estar estabelecido aps a Segunda Guerra Mundial que, na lngua inglesa, denominado Welfare State. Dentre as diferentes denominaes do Estado de Bem-estar destacam-se trs: Welfare State (na lingua inglesa); Estado de Providncia (na lngua francesa e no portugus de Portugal) e Estado Social (na lngua alem). Nesta tese, para evitar repeties semnticas, ora usado o termo Estado Social, ora Estado de Bem-estar.

23

mundial, antigo e ubquo, a assistncia social de natureza pblica, associada ao Estado

Social, agora subestimado, requer tematizaes cientficas.

O recorte temporal dessa confrontao privilegia dois perodos histricos: o

primeiro situa-se dos anos 1940 aos 1970, quando o Estado Social se consolidou na

Inglaterra com o nome de Welfare State, e como a primeira experincia de seguridade

social desatrelada, em parte, do mercado. O outro refere-se ao perodo entre os anos 1970

at os dias atuais, quando esse modelo de Estado foi perdendo a sua natureza pblica e sua

relativa autonomia da lgica mercantil.

Entende-se tambm como relevante nesta anlise a explicitao de categorias-

chave que demandam aprofundamento terico por estarem presentes no debate

contemporneo da assistncia social, como relao entre Estado e sociedade, poltica

social no contexto da poltica pblica (abarcando a questo da pobreza e da

desigualdade), e direitos sociais, associados categoria trabalho. Vale ainda destacar o

tratamento dessas categorias em pases3 com particularidades latinas no contexto europeu

que, com o Brasil, constituram unidades de anlise desta tese os quais, parafraseando

Abrahamson (1992), pautam-se por um modelo latino, de fraca institucionalidade no

campo do bem-estar social.

A anlise do modelo latino que se efetuou para detectar a influncia do

pluralismo de bem-estar em um ambiente europeu que lhe culturalmente favorvel,

tornou defensvel a incluso do Brasil pelas afinidades que esse pas da Amrica Latina

mantm com o modelo, a comear pela referncia latina que o classifica. De fato, vale

enfatizar, tanto o Brasil, como os pases que compem o modelo latino, dentre os quais,

para efeitos deste estudo, particulariza-se a Espanha, desenvolvem um sistema de bem-

estar desfalcado de uma efetiva presena do Estado, destacando o protagonismo das

famlias e de setores no-oficiais da sociedade como espaos privados primrios de

proviso social. H, tambm, nessa proviso, a participao influente da religio, com seus

valores e adoo de solues conservadoras e tradicionais, em combinao com medidas

residuais de proteo social estatal.

Como pano de fundo da anlise do padro latino de assistncia social adotado

no Sul da Europa e no Brasil figuram as dimenses pblica e plural ou mista como termos

3 Os pases do Sul da Europa (tambm denominada Europa Mediterrnea e/ou Meridional), so: Frana (em parte), Portugal, Itlia (em parte), Grcia e Espanha, e esta ltima constituiu unidade de anlise privilegiada deste estudo. Essa comparao possvel pelas similaridades latinas do regime de bem-estar adotado por esses pases e pelo Brasil o qual protagonizado por segmentos informais e voluntrios da sociedade civil (igreja, famlia e organizaes voluntrias), e no pelo Estado.

24

opostos da avaliao da tendncia de fortalecimento da dimenso plural em relao

pblica no pluralismo de bem-estar. Esta constatao revelou o carter histrico da poltica

de assistncia social e, como tal, a sua existncia como fenmeno complexo, que contm

particularidades e caractersticas prprias, em sua relao com o regime de proteo social

adotado nos pases em que se realiza, bem como com as demais polticas scio-

econmicas, mesmo que tratada por um veio particular, como se faz neste trabalho.

Para fins de esclarecimento, vlido ressaltar que o pluralismo de bem-estar

sempre foi endgeno ao capitalismo, pois o Estado Social nunca abdicou da sua relao

com o mercado e com os setores voluntrios da sociedade. Na atualidade, essa

caracterstica confere ao pluralismo de bem-estar carter inovador, pois assim como os

demais processos scio-econmicos, ele foi absorvido pelo neoliberalismo. Com isso, o

antigo protagonismo do Estado Social, em suas tradicionais relaes com o mercado e com

os setores no-mercantis da sociedade, foi sendo esvaziado em nome de uma paridade

entre essas trs instncias4, e essa paridade no aconteceu porque o referido protagonismo

foi transferido para o mercado.

Diante dessa reorientao, entende-se como relevante o estudo aprofundado

dos processos complexos que vo se configurando como mudana radical no padro

pblico de assistncia social, conquistado pela classe trabalhadora desde finais do sculo

XIX, para um padro plural, que, em verdade, escamoteia um crescente processo de

privatizao da proviso social. A anlise do discurso e da prtica dos defensores do

pluralismo de bem-estar, de extrao neoliberal, bem como das novas orientaes

(privatistas e voluntaristas) da assistncia social, pem em evidncia a centralidade e

atualidade deste estudo.

Busca-se, de fato, reiterar que o conceito de bem-estar plural ou de pluralismo

de bem-estar, com o objetivo de agregar mltiplos setores e atores de forma paritria, no

novo, e nem surgiu ao acaso. Sua feio atual tem razes histricas e fruto de demandas

decorrentes das dificuldades enfrentadas pelo Estado Social, nos fins dos anos 1970, de

cumprir seu papel provedor em um contexto de perda de centralidade da doutrina

econmica keynesiana-fordista e do modelo beveridgiano de seguridade social, que lhe

servia de suporte doutrinrio e poltico. O novo aparece, efetivamente, no no conceito de

4 Modelo triangular tripartite, apresentado por Peter Abrahanson (1995 a/b), com a trade: Estado (dotado de poder), mercado (dotado de dinheiro) e sociedade (dotada de solidariedade). Em tese, essas dimenses constituem o espao pblico e o espao privado e devem relacionar-se por meio de trocas e de complementaridade de seus recursos especficos. Da a necessidade de distingui-las em relao sua concepo, constituio e funo, conforme o autor.

25

pluralismo de bem-estar, mas no uso que dele se faz para justificar a desregulamentao da

proteo social e a desinstitucionalizao da assistncia como poltica pblica, para a

instituio de uma assistncia social informal, voluntarista, ancorada na comunidade local

e na famlia e, especialmente, na mulher como cuidadora social por excelncia.

Esse enfoque justifica-se pela necessidade de destacar e combater a nfase

dada pelos defensores do pluralismo de bem-estar a uma assistncia social como anttese

da cidadania social. Em decorrncia, torna-se importante submeter crtica sistemtica os

conceitos e os argumentos neoliberais utilizados para justificar essa inverso histrica, em

razo do visvel aumento da pobreza e da desigualdade social sob a ingerncia do

pluralismo de bem-estar de extrao neoliberal, e incapacidade do mercado de promover

incluso social.

Assim, a proposta neoliberal de pluralismo de bem-estar, tal qual se apresenta

na atualidade, problematizada por privilegiar a atuao de setores no-oficiais, informal,

voluntrio e mercantil ou comercial (Johnson, 1990), em detrimento do papel do Estado na

proteo social pblica.

Ademais, este estudo identificou, mediante reviso bibliogrfica, uma baixa

produo cientfica sobre o fenmeno do pluralismo de bem-estar como uma proposta

poltica particular. Por isso, entende-se que o trato desse tema, mesmo sem a pretenso de

esgot-lo, poder fornecer elementos de compreenso do atual fenmeno de desvinculao

da assistncia social dos direitos de cidadania. Ademais, o debate sobre o processo de

apropriao neoliberal da noo de pluralismo de bem-estar certamente poder qualificar e

aprofundar o exame contemporneo da assistncia social.

No entanto, a recusa ao pluralismo de bem-estar, de corte neoliberal, no

significa a defesa do estatismo, mas sim, resgatar a centralidade do Estado como instncia

pblica insubstituvel como garantidora dos direitos sociais. Portanto, na perspectiva deste

estudo, o pluralismo de bem-estar, tal como se apresenta, precisa ser repensado por duas

principais razes: a primeira, por no ter uma dimenso pblica, universalizadora e de

incluso social, e a segunda, por expressar o retorno de prticas arcaicas e conservadoras

que, por si s, no tm poder para concretizar direitos de cidadania.

O debate sobre a perda da funo do Estado revelador das contradies

inerentes ao sistema capitalista que perpassam a prpria histria do capitalismo avanado,

ganhando dimenses diferenciadas tanto na fase de consolidao do Estado Social quanto

no de sua propalada crise. Ganha ento realce a concepo pblica e universal dos direitos

26

sociais, cuja garantia se fundamenta em princpios de cidadania ampliada, justia

redistributiva e equidade social. A cidadania ampliada constitui-se dos direitos individuais

(civis e polticos), mas no se limita a eles, pois incorpora tambm os direitos sociais.

O conceito de liberdade positiva com igualdade5, que embasa os direitos

sociais, est em contraposio com a concepo neoliberal de liberdade negativa e de

cidadania restrita, fundamentada to somente na garantia de direitos individuais (civis e

polticos). Dessa contraposio, surgem significativas diferenciaes, dentre as quais duas

se destacam. Uma refere-se nfase dada dimenso plural ou mista, em detrimento da

dimenso pblica assegurada pelo Estado pelo estabelecimento dos direitos sociais e de sua

materializao pelas polticas sociais pblicas. A outra diz respeito concepo de

mnimos sociais, em detrimento da concepo de satisfao de necessidades sociais bsicas

e de sua necessria vinculao com a cidadania ampliada.

O debate sobre a necessria adequao entre polticas sociais (incluindo a

assistncia) e necessidades bsicas, encontra em Doyal e Gough (apud PEREIRA,

2000) uma profcua reflexo. Referenciada em tais autores, Pereira (2000) rejeita a

noo de mnimos (difundida pelos neoliberais), como critrio de definio de

polticas de satisfao de necessidades bsicas, e opta pela noo de bsicos, por

entender que esse conceito permite a inferncia de que nveis superiores e

concertados de satisfao de necessidades devem ser perseguidos (PEREIRA, 2000,

p. 181). Recusa, portanto, a equiparao do bsico com a viso restrita de pobreza

vinculada sobrevivncia biolgica, ao tempo em que postula a formulao de um

conceito objetivo e universal de necessidades humanas bsicas (2000, p. 181), que

leve em conta, simultaneamente, a dimenso natural (biolgica) e a social dos seres

humanos. Resulta ento uma compreenso antiliberal das necessidades bsicas, por

vincul-las cidadania e por requerer a transformao das necessidades humanas em

questes de direito (p. 181).

5 Define-se como liberdade positiva a possibilidade de os direitos de cidadania serem assegurados pelo Estado e afianados constitucionalmente. A discusso sobre democracia e cidadania ampliada remete defesa da legalidade positiva do Estado, tanto por seu grau de universalidade, como pela articulao de tais conceitos entre si. Trata-se do reconhecimento do Estado como garantia de cidadania, das polticas pblicas e dos direitos sociais. O conceito de igualdade s ganha significao pblica quando vinculado ao conceito de liberdade positiva para todos, porque os direitos sociais, diferentemente dos direitos individuais (civis e polticos), constituem um terceiro e decisivo nvel de cidadania e tm como perspectiva a igualdade e a justia redistributiva. Por isso, exigem atitudes positivas e ativas do Estado no atendimento de necessidades sociais. O conceito de liberdade negativa, postulado pelos neoliberais contrape-se ao de liberdade positiva. Rechaa o princpio da igualdade de condies de acesso e a capacidade interventiva e de regulao do Estado no mbito das polticas pblicas e dos direitos sociais. No reconhece a positividade dos direitos sociais, nem o Estado como garantia de cidadania.

27

Esse requerimento estava implcito na discusso iniciada na Europa, aps a

Segunda Guerra Mundial, sob influncia do pensamento social-democrata, em um contexto

de crise do sistema capitalista liberal, a partir da grande depresso econmica de 1929.

Alargou-se, dessa forma, o domnio das polticas econmicas, at ento baseadas na oferta,

na acumulao e na reproduo ampliada do capital para dar espao s polticas scio-

econmicas provedoras de bens e servios como direitos sociais. Tal alargamento fez que a

legislao social se tornasse, pela primeira vez na histria, um paradigma de seguridade

com uma perspectiva pblica e universalizadora. A nova concepo de seguridade,

vinculada idia de segurana social, tornou-se um requisito central da dinmica e da

forma pela qual se constituram as chamadas instituies de bem-estar. Um outro aspecto

nesse contexto de mudanas diz respeito s modificaes e reestruturao das relaes

sociais, tornando-se mais complexas e democrticas, medida que passaram a privilegiar a

relao entre Estado, economia e sociedade, um pressuposto essencial construo de

esferas pblicas.

Com a crise desse padro de interveno social pblico, nos anos 1970, uma

das conseqncias mais notveis e presentes nos discursos neoliberais em ascenso

traduziu-se na substituio do termo pblico pelo vago plural ou misto (VIANA, 2003).

Em relao assistncia social, nunca se falou tanto como atualmente em assistncia aos

pobres, polticas de bem-estar, proviso social de bens e servios, participao e

descentralizao, aes sociais voluntrias, informais e solidrias e outras expresses

correlatas. Diante do exposto, cabem as seguintes indagaes: trata-se esse resgate da

assistncia do retorno dos pilares econmicos e da base conceitual do Estado de Bem-estar

Social (padro beveridgiano e keynesiano-fordista), sob um novo enfoque? Ou se trata do

retorno das velhas frmulas de prestao de benefcios sociais como compensao s

mazelas sociais causadas pelo predomnio da lgica mercantil?

Seja qual for a resposta s duas indagaes, o que est em pauta no uma

ideologia irracional. Ao contrrio, trata-se de uma ideologia eivada de racionalidade

instrumental (weberiana) e de clara intencionalidade. Para Pereira (2004), o retorno da

assistncia social, muito mais como resposta segunda questo, revela um paradoxo

tpico da atualidade que : quanto mais insustentvel essa poltica parece ser, mais ela

demandada (p. 142).

Associada a essa constatao, uma questo de partida : no seria esse debate

revelador da ausncia de alternativas concretas e de propostas de polticas pblicas

28

concretizadoras de direitos sociais universais no atendimento das necessidades bsicas dos

cidados? Se assim o for, no deve causar espanto o crescimento da pobreza e da

desigualdade social, visto que a privatizao e o esvaziamento das esferas pblicas

impostos pela ofensiva neoliberal no conduzem ao equacionamento desse dilema.

Com base na problemtica contida na pergunta de partida, constitui objetivo

geral desta tese, analisar, no contexto da realidade da proteo social contempornea

destacando a brasileira e a sul europia, que compem o modelo latino como a proposta

original de pluralismo de bem-estar, iniciada na Europa a partir do final dos anos 1970, foi

apreendida e utilizada por uma nova direita, em sua verso neoliberal.

Os objetivos especficos so os que se seguem:

a) analisar em que medida o modelo latino adotado pelos pases do sul da Europa e pelo

Brasil facilitou a penetrao e aclimatao do pluralismo de bem-estar, de corte

neoliberal, nesses pases;

b) verificar, no caso brasileiro, como esto sendo articuladas (se que o esto), as

discusses sobre os efeitos da tendncia pluralista atual no campo da poltica de

assistncia social;

c) fazer um balano do perfil atual da poltica de assistncia social sul europia e

brasileira, em virtude das constantes investidas neoliberais de desmonte dos direitos

sociais previstos nas legislaes e planos de ao social desses contextos.

Para efeitos analticos, a presente tese est organizada de modo a contemplar

dois grandes eixos interligados em si: um, terico, e, outro, metodolgico. O primeiro

identifica-se com a dimenso substantiva da anlise e, como tal, baseia-se nas

determinaes estruturais e histricas do objeto de estudo. Nessa dimenso, so

explicitados os pressupostos bsicos que fundamentam as divergentes perspectivas

neoliberal e social-democrata, bem como as categorias analticas (principais e secundrias),

que lhes so particulares. Entende-se que tal explicitao deve resultar do enfrentamento

da razo crtica com o real, em uma perspectiva de classe social, para captar o objeto na

histria, problematiz-lo e traz-lo para o plano terico como realidade concreta pensada

(MARX, apud KOSIK, 1976).

No segundo eixo, adota-se o mtodo histrico-estrutural que, ao buscar,

dialeticamente, a compreenso do fenmeno estudado, considera tanto os fatores

29

estruturais que o determinam, quanto a sua histria, construda pelos sujeitos. Trata-se de

um desafio que esta investigao enfrentou sem prescindir da natureza racional do mtodo

que a informa. Ainda neste eixo, so contemplados aspectos operacionais da pesquisa,

identificados com procedimentos metodolgicos necessrios aplicao adequada do

mtodo, assim como so utilizados instrumentos e tcnicas de coleta de dados e

informaes particularmente em fontes indiretas.

Com base nesses eixos, procurou-se compreender as principais relaes

constantes do objeto de interesse da pesquisa, quais sejam:

a) a relao entre economia e poltica, em um contexto capitalista neoliberal, com base

na atuao de trs atores Estado, mercado e setores no- mercantis da sociedade

no campo da poltica de assistncia social e do modelo de bem-estar latino;

b) a histrica relao entre direitos sociais e poltica social pblica nas sociedades

capitalistas;

c) a relao entre a concepo de bem-estar pblico, assegurada pelo Estado, e a de bem-

estar plural ou misto desenvolvida pela sociedade (mltiplos setores e atores), por

meio de um conjunto de aes assistenciais informais e voluntrias;

d) a relao entre padro de bem-estar pblico, princpios de cidadania ampliada,

democracia igualitria e justia redistributiva vis--vis o pluralismo de bem-estar de

corte neoliberal, residual e focalizado na pobreza absoluta.

Desse conjunto de relaes, configura-se o objeto de interesse analtico deste

estudo _ uma modalidade de interveno social denominada pluralismo de bem-estar, ou

bem-estar misto (welfare pluralism ou mix), surgida no final dos anos 1970, como

alternativa ao padro de bem-estar keynesiano fordista beveridgiano, que vigorou entre

1945 e 1975 nas sociedades capitalistas industrializadas do Ocidente, e suas implicaes

para a poltica de assistncia social desenvolvida nos ltimos trinta anos em pases que

adotaram o modelo latino, incluindo o Brasil.

Em outros termos, interessa particularmente a esta tese o estudo do regime de

bem-estar denominado latino que caracteriza a proteo social dos pases europeus da

Regio Sul ou da Europa Mediterrnea (Espanha, Frana, Portugal, Itlia e Grcia),

centrado na famlia e nas pequenas comunidades, a partir dos anos 1980, e pelo Brasil,

durante os governos aps a promulgao da Constituio da Repblica de 1988 (Jos

30

Sarney, Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso e Lus Incio Lula da Silva), bem

como a sua relao com o pluralismo de bem-estar neoliberal. Entretanto, como a unidade

de anlise privilegiada da pesquisa no so propriamente os pases do Sul da Europa, mas o

modelo latino que adotam que se assemelha ao sistema de proteo social brasileiro

elegeu-se, no interior desse modelo, a assistncia social para conhecer a sua abrangncia,

tanto no Brasil como nos pases latinos.

Dessa forma, foi possvel chegar seguinte suposio ou hiptese: h indcios

de que tal pluralismo pretende, de fato, criar, alm da retrao do papel do Estado,

garantidor de direitos, um novo campo de sociabilidade. Nesse modelo, h a primazia do

mercado como fora central, simblica, em um agregado de atores e setores de bem-estar,

sem identidade de classe e status e amalgamados em uma rede aparentemente indistinta de

proteo plural por oposio proteo pblica.

O desdobramento dessa suposio sugere que a proposta pluralista de bem-

estar, de vis neoliberal, ao preconizar a substituio da dimenso pblica da poltica

social, pela dimenso plural ou mista, expressa mais do que a privatizao dessa poltica.

Expressa, sobretudo, um duro golpe no princpio da redistributividade (como critrio de

justia e eqidade social), assim como na democracia igualitria, por restringir o campo

dos direitos de cidadania.

Agregao de setores e atores sociais no sistema pluralista de bem-estar

neoliberal no garante a qualidade da proviso social. De fato, est por trs da aparente

distribuio do poder do Estado na proviso de bens e servios sociais para o mercado e

setores no-mercantis da sociedade o fortalecimento da diviso entre economia e poltica e,

sobretudo, a indeterminao de responsabilidades pblicas perante demandas e

necessidades sociais. Com essa indeterminao, em conseqncia, ocorre o aumento das

desigualdades sociais e da expanso do conflito de classes, alm do crescimento assustador

dos ndices de pobreza (absoluta e relativa) em escala mundial.

Supe-se, assim, que vrias idias e estratgias ocultam as razes pluralistas

neoliberais, em suas tendncias e manifestaes contemporneas. No entanto, o pouco que se

percebe suficiente para supor que elas colocam em cheque perspectivas futuras de cidadania

ampliada e de democracia igualitria para a humanidade, alm de criar um sentimento de

frustrao em relao s promessas feitas pela ordem capitalista modernidade.

Com base nessa suposio e seu desdobramento, pretende-se, mais

especificamente, identificar:

31

a) as tendncias mais recorrentes da poltica de assistncia social materializada em

programas de transferncia de renda (Brasil) e/ou de renda mnima de insero

(Europa do Sul/Espanha), tidos como a principal novidade de atendimento s

necessidades bsicas da populao;

b) o carter plural ou misto do comprometimento do Estado com a distribuio de

benefcios residuais, ao passo que um amplo leque de proviso assistencial fica

merc de iniciativas privadas, envolvendo at mesmo o setor empresarial;

c) a efetividade do pluralismo de bem-estar em relao reduo dos ndices de pobreza

e de desigualdade social nos dois contextos territoriais estudados;

d) a dinmica de reproduo desse padro de bem-estar, as justificativas para a manuteno

desse padro, bem como as formas de apoio recebido dos poderes pblicos.

Em sua estruturao, a presente tese est dividida em duas partes. A primeira trata

da configurao histrica do Estado de Bem-estar, da sua propalada crise e da emergncia do

pluralismo de bem-estar e da assistncia social plural ou mista. Compe-se de quatro captulos.

O primeiro contm a base terica que referencia a tese, e nele esto explicitadas categorias

analticas-chave para a fundamentao dos argumentos e reflexes desenvolvidos.

O segundo captulo trata do Estado de Bem-estar e de suas principais

caractersticas no contexto europeu de 1945-1975, bem como da emergncia de uma

suposta crise desse modelo de Estado, justificado por um discurso que utiliza a ideologia

pluralista de bem-estar.

O terceiro analisa a origem, concepo, significado, estratgias e terminologia

relativas ao fenmeno do pluralismo de bem-estar, dando realce aos seus antecedentes

histricos e ao pioneirismo de sua primeira proposta imediatamente aps o trmino da

Segunda Guerra Mundial. Trata tambm da concepo neoliberal de pluralismo de bem-

estar, desde a sua divulgao pela nova direita europia, no final dos anos 1970, como

alternativa chamada crise do Estado de Bem-estar. O perodo de crise marcado pelo

debate sobre pobreza, desigualdade e excluso social na Unio Europia e pela reproduo

de uma ideologia antiestatal, com clara inverso de protagonismos no processo de proviso

social. Dentre os vrios aspectos analisados, destacam-se: o esvaziamento da esfera

pblica, a perda de conquistas histricas no campo da democracia e dos direitos de

cidadania e a defesa de mecanismos no convencionais de bem-estar, como as chamadas

redes de proteo social como estratgia de enfrentamento da pobreza.

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Nessa abordagem, so realados os efeitos que o pluralismo de bem-estar vem

silenciosamente promovendo em escala mundial. A absoro pelo neoliberalismo, em

virtude da coincidncia de seus objetivos de quebra da centralidade do Estado na proviso

social justifica o seu estudo articulado. Sabe-se que os adjetivos plural ou misto no

expressam a noo de pblico, e pblico no significa necessariamente estatal. Com o uso

do termo pluralismo, difunde-se uma ideologia centrada em uma subjetividade abstrata,

cuja particularidade no remete universalidade e autonomia dos sujeitos. Ao contrrio,

a perspectiva colocada de heteronomia, com sujeitos despolitizados e, por isso, passivos e

fragilizados em seu poder de deciso. Em vista disso, o uso das categorias plural e mista

(porm no pblica) termina por impor novos padres de controle social. No limite,

assiste-se privatizao do pblico, com clara tentativa de pluralizar o privado. Tal arranjo

perpassa todas as esferas da vida social econmicas, polticas, culturais alterando,

significativamente, o cotidiano das pessoas.

Diante do exposto, o quarto captulo analisa a trajetria da assistncia social no

contexto do pluralismo de bem-estar, problematizando a dimenso plural ou mista, em

detrimento da dimenso pblica. A proposta plural ou mista analisada em seu significado

neoliberal, adepto do incremento do protagonismo dos setores no oficiais informal,

voluntrio e comercial/mercantil em substituio liderana do Estado, e como processo

de desinstitucionalizao da poltica de assistncia social. Nessa problematizao, destaca-

se o discurso justificador da assistncia comunitria e familiar, entendido como uma

reedio de prticas conservadoras e assistencialistas, bem como a participao da famlia

contempornea (e, nela, da mulher) na proviso social. Na afirmao de Rose (apud

MISHRA, 1994), de que nas sociedades mistas as famlias tm una multiplicidade de

meios para manter seu bem-estar, percebe-se a nfase dada pelos neoliberais

transferncia de responsabilidades do Estado para a famlia e, em especial, para a mulher.

A segunda parte, compe-se de trs captulos cinco, seis e sete. O captulo

cinco tem como foco o modelo latino, sua contextualizao em diferentes tipologias de

Estados e regimes de bem-estar, o seu perfil, assim como as caractersticas e as tendncias

da assistncia social na Europa do Sul com destaque Espanha6 e ao Brasil, no bojo desse

6 Neste estudo, optou-se por dar nfase Espanha, com maior nmero de dados empricos, bem como maior detalhamento do sistema de proteo social desse pas, em que pese a obteno de dados da realidade social dos demais pases da Europa do Sul. Essa opo deve a quatro razes: a primeira, pela grande convergncia valorativa e pelo histrico intercmbio tnico e cultural (pelo processo de imigrao) entre espanhis e brasileiros; a segunda, por exigncia metodolgica de estabelecer um recorte no universo da pesquisa, em virtude da exigidade de tempo para concluso deste estudo; a terceira, por uma motivao pessoal em

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modelo. So tambm enfatizadas prticas, terminologias e significados, bem como

contrastes e particularidades regionais latinas (econmicas, histricas e culturais), na

configurao geral dos programas de renda mnima e/ou de insero nesses dois contextos.

O sexto captulo ressalta a dimenso plural ou mista das polticas de bem-estar

implementadas nas duas regies, contraposta dimenso pblica. Trata-se, alm disso, da

ausncia de redistribuio de renda nos dois contextos estudados e do fenmeno da

apartao social no Brasil.

As experincias da Espanha e do Brasil com programas de transferncia de renda

e/ou de renda mnima de insero (RMI), de que trata o captulo seis, ressaltam o padro de

renda mnima em curso, bem como a concepo, a configurao e a reestruturao de tais

programas, sob influncia do pluralismo de bem-estar neoliberal. Esta parte do estudo

identifica os traos, caractersticas e a tendncia contempornea da assistncia social na Europa

do Sul e no Brasil, a partir dos anos 1980, especificamente no perodo aps o

estabelecimentodo do padro de bem-estar beveridgiano, keynesiano-fordista, mediante a

demarcao de diferenas, contrastes e semelhanas existentes. No caso especfico do Brasil,

analisado o fato paradoxal de a seguridade social, (conforme consta na Constituio Federal de

1988) pautar-se tanto pelo padro de proteo social beveridgiano (modelo de bem-estar ingls

adotado aps a Segunda Guerra Mundial), como pelo padro profissional bismarckiano

(modelo alemo, de 1883-1889). Outro fato curioso que o Brasil parece conviver

harmonicamente com aes pluralistas (informais, desinstitucionalizadas e voluntrias), com

clara orientao neoliberal, e com propostas social-democrticas previstas na Lei Maior

(assistncia social institucionalizada). O estudo constata que, com tais estratgias, o receiturio

neoliberal, de inspirao plural, reeditou antigos procedimentos de auto-ajuda e de ajuda

mtua, ao propor o trabalho voluntrio com base na solidariedade. Como j salientado,

surgiram alternativas de aes assistenciais sociedade, em substituio s funes de

proviso e regulao do Estado. Percebe-se, entretanto, que a nfase dada sociedade como

principal agente de bem-estar, com a conotao positiva de participao efetiva, constitui uma

estratgia de reduo da ao estatal na rea de bem-estar e, portanto, da reduo dos gastos

pblicos, em nome de uma suposta descentralizao do poder.

aperfeioar o idioma espanhol (castelhano) e pela curiosidade cientfica de conhecer in loco (Programa de Estgio no Exterior/CAPES/PDEE) o processo de implementao das polticas de bem-estar na Espanha, especialmente dos chamados programas de renda mnima e insero, com nfase descentralizao das aes (com autonomia das Comunidades Autnomas_CCAA) no campo da assistncia social. E, por ltimo, a quarta razo deve-se s semelhanas percebidas entre os modelos de proteo social espanhol e o brasileiro, no que se refere forte presena dos setores privados na proviso social, tendo como destaque a famlia e, nela, a mulher, como cuidadora social.

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No caso brasileiro, os fatos revelam que, sob a gide do pluralismo de bem-

estar, ocorreu a subordinao dos critrios de justia social e do exerccio da democracia e

da cidadania aos princpios da maximizao da eficincia do mercado econmico e da

retrao do papel do Estado como garante de direitos. Fez-se a um breve retrospecto do

perfil histrico da proteo social nos perodos anterior e posterior promulgao da

Constituio Federal brasileira de 1988 (1930 a 1988 e 1989 a 2006) e do carter

conservador desse padro de bem-estar em suas caractersticas, particularidades e

parmetros organizadores.

No stimo e ltimo captulo, so analisadas as principais semelhanas e

diferenas encontradas na implementao da assistncia social/programas de renda mnima

de insero (Europa do Sul) e/ou de transferncia de renda (Brasil), bem como o padro de

assistncia social desenvolvido nessas duas regies Europa do Sul e Brasil. Nesse

captulo, a nfase maior dada s tendncias mais gerais que caracterizam e informam

essas duas realidades na contemporaneidade.

O conjunto dessas consideraes remete ao cerne da problemtica investigada

por esta tese, a saber: a dimenso da influncia do pluralismo de bem-estar, de cunho

neoliberal, sobre a relao entre Estado, sociedade e poltica social e, em particular, sobre a

efetividade de um sistema de proteo social subsidiado por uma poltica de assistncia

social esvaziada de seu contedo pblico.

Metodologia: mtodo e procedimentos

Nesta tese, parte-se da premissa de que um processo investigativo no se

reduz a um conjunto de tcnicas e instrumentos, e nem se define por ele, mas pelo

mtodo que o orienta o qual, por sua vez, se referencia em pressupostos ou estatutos

epistemolgicos determinados. Como j indicado, o mtodo adotado o relacional

dialtico, articulador das dimenses histrico-estruturais, referenciado na lgica

igualmente dialtica, embora tenha como critrio de verdade a realidade que deve ser

decifrada e interpretada, porque a premissa desta tese a de que a realidade social no

se reduz ao campo da empiria (empirismo positivista) e nem , de fato, o que aparenta

ser. Dessa afirmao decorre que o ato de pesquisar carece de mtodo, que ultrapasse o

uso de tcnicas e procedimentos, tanto para imprimir marcas de racionalidade e

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ordenao nos argumentos, quanto para garantir o esprito crtico contra generalizaes

apressadas e credulidades ideolgicas dogmticas.

Como uma linha auxiliar de anlise no mbito do mtodo histrico-estrutural,

fez-se uso da comparao da prtica da assistncia social nos pases da Europa do Sul

(particularmente na Espanha), tendo como denominador comum o modelo latino de

proteo social. Contudo, no se quer dizer que se est utilizando o mtodo comparado em

suas postulaes clssicas e em suas prescries normativas que estabelecem como

parmetros da anlise da poltica social as seguintes variveis indagativas: por que ocorreu

tal poltica? Por quem foi implementada? A favor de quem? Com que meios? A

comparao realizada visou simplesmente cotejar os aspectos convergentes e divergentes

entre os pases da Europa do Sul e o Brasil, em relao ao modelo latino, adsorvido pelo

pluralismo de bem-estar.

Os aspectos convergentes so os que se seguem:

a) adoo de um modelo latino com nfase ao papel da igreja, da famlia e da

comunidade, inclusive de vizinhana;

b) implementao de programas com caractersticas de gerao e/ou transferncia de

renda de insero, mediante a implementao de estratgias pluralistas que

reponsabilizam o Estado quase to somente no tocante ao repasse de recursos

financeiros diretamente aos pobres;

c) criao de redes assistenciais em que os setores voluntrio e informal de proteo

social ganham relevncia como os principais provedores ou cuidadores.

As divergncias referem-se aos seguintes aspectos:

a) proximidade dos pases do Sul da Europa com realidades nacionais europias

distintas das vivenciadas por esses pases e pelo Brasil;

b) implementao por esses pases de polticas sociais com caractersticas que se

constituem em princpios, diretrizes e objetivos ainda a serem alcanados pelo

Brasil, como por exemplo, participao social mais direta nos nveis de governo

regional e local, em particular; nessa perspectiva, ressalta-se a experincia da

Espanha com as Comunidades Autnomas (CCAA), que se traduz em empenho

institucional pela descentralizao no estabelecimento de sistemas regionais e

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locais de servios sociais e de assistncia social na implantao de programas de

renda mnima de insero (com protagonismo das comunidades);

desenvolvimento da chamada rede de proteo social e de servios sociais de

base e sua vinculao com os programas de renda mnima como resposta

estratgica proposta do pluralismo de bem-estar neoliberal e, finalmente,

combinao dos princpios de seletividade e universalismo, dentre outros.

Como recorte e/ou delimitao da pesquisa, no se pretendeu analisar a

realidade territorial desses pases europeus, mas estabelecer os traos e tendncias

atuais dos modelos pluralistas de bem-estar adotados, por entender que eles tm uma

tradio cultural mais latina, com significativa presena e participao da famlia e de

comunidades na proviso social privada e na descentralizao dos servios sociais.

Quanto s provveis caractersticas e semelhanas, destacam-se os programas de

transferncia de renda e/ou de renda mnima de insero vinculados proposta de

redes de proteo social, bem como as aes de bem-estar que se configuram como

um aporte assistencial s comunidades.

Investigaram-se, portanto, por meio da perspectiva comparada, as

tendncias pluralistas contemporneas na poltica de assistncia social, mediante

aproximaes sucessivas realidade dos pases do Sul da Europa e do Brasil, tal qual

ela se apresenta atualmente, considerando as particularidades regionais. Nessa

comparao, no se pretendeu analisar programas especficos, mas sobretudo

identificar elementos/variveis (dados empricos) que informam as tendncias

convergentes das duas realidades, mediadas pelo modelo latino. So essas tendncias

que valem a pena serem realadas, pois as divergentes, apesar de sua inegvel

importncia para a comparao, j so por demais conhecidas.

Em relao ao Brasil, o recorte temporal deu-se em dois perodos: o

primeiro, de carter remissivo, dos anos 1930 (no governo de Getlio Vargas) at os

anos 1980. O segundo privilegiou os marcos da Constituio Federal brasileira, de

1988, e, em particular, as gestes dos governos posteriores, por ser esse momento

histrico coincidente com o incio da investida neoliberal no Brasil e,

paradoxalmente, com a elevao da assistncia social como direito social, nos marcos

da referida Carta Magna.

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Portanto, em sntese, o estudo comparado7 teve como grande divisor de

guas, de um lado, as polticas de proteo social, implementadas e fundamentadas na

concepo de bem-estar pblico e de uma assistncia social institucionalizada,

preconizada pelo Estado de Bem-estar keynesiano de 1945 at meados dos anos 1970,

e, de outro, as polticas sociais, fundamentadas na concepo de bem-estar misto ou

plural, de corte neoliberal, defendida pelos pluralistas de bem-estar que postulam uma

assistncia social desinstitucionalizada, voluntria e solidria e, portanto, sem a tutela

do Estado, a partir dos anos 1970.

A deciso metodolgica instrumental desta tese requereu a utilizao de

categorias-meio relacionadas entre si e consideradas centrais explicitao das categorias

substantivas (tericas). Dentre essas categorias-meio, destacam-se duas: contradio e leis

do movimento histrico.

Utilizou-se a categoria contradio por conter o princpio explicativo das

relaes dialticas que se pretende analisar, j que implica movimento histrico e se

constitui como essncia mesma das coisas, isto , a contradio est inscrita nos conflitos

de interesses de classes determinados pela relao antagnica entre capital e trabalho.

Assim, a anlise da poltica social no capitalismo coloca o pesquisador diante de um

aspecto inerente sua essncia e formao, qual seja: ser um fenmeno resultante da

relao contraditria entre capital e trabalho. A poltica social e, no caso especfico deste

estudo, a assistncia social, so, por natureza, contraditrias, pois podem ao mesmo tempo

serem positivas e negativas em relao ao trabalho e ao capital, dependendo da correlao

de foras em presena.

7 Para maior aprofundamento sobre o mtodo comparativo (sua formalizao e novas orientaes, em razo da crise do mtodo clssico, bem como sua relao com a histria e a cultura, recurso de anlise estratgico, e outros), foram consultados: BADIE, Bertrand y HERMET, Guy (1990), Mxico. Sobre poltica social comparada (seu sentido, nveis de comparao, perspectivas comparativas e as diversas dimenses da comparao), foram pesquisados: BRACHO, Carmen; FERRER, Jorge Garcs (coord.), Madrid, 1998 e Landwerlin (1998). Para Landwerlin (1998), uma das linhas mais promissoras e qualificadas de comparao tem sido o estudo dos fatores determinantes do crescimento do gasto social em relao ao produto interno bruto (PIB) nacional. A seu ver, a anlise comparada dos efeitos ou do impacto das polticas sociais concretas deve realizar-se com base na modificao das condies sociais reais de vida e de trabalho de seus beneficirios, levando em conta todas as caractersticas locais e regionais que contribuem para a definio de tais condies. Para tanto, Landwerlin (1998) destaca a importncia de esclarecer a natureza e as condies que determinam a poltica que se pretende avaliar. Neste caso, pode-se analisar o impacto em termos do valor relativo em relao ao PIB ou renda per capita disponvel, e em relao ao umbral de pobreza. Trata-se de uma perspectiva analtica que se interessa mais pelo papel desempenhado pelos atores polticos e/ou pelas estruturas polticas envolvidas no processo de regulao e proviso social, e no tanto pelo contedo concreto das polticas sociais. o que os anglo-saxnicos denominam de policy content analysis. Desse ponto de vista, Landwerlin (1998) reafirma que o que se tem que analisar no tanto o que o Estado faz ou gasta, seno o que consegue fazer com o que tem ou gasta (p. 141).

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As leis (econmicas e polticas) do movimento histrico compreendem a lgica

que governa a sociedade capitalista cujos acontecimentos sociais tm vinculao estreita

com as condies concretas e mutveis de desenvolvimento dessa sociedade. Nessas leis,

no h sobreposio e independncia das condies estruturais em relao s condies

polticas, ou vice-versa, mas a articulao de ambas em uma unidade de contrrios.

Portanto, a escolha do mtodo histrico-estrutural justifica-se pela noo de totalidade

dinmica e relacional que ele evoca e pelas possibilidades reais e concretas que oferece

para a apreenso do objeto no seu movimento e contradies.

Para a anlise, fez-se uso de dados obtidos em planos, projetos, relatrios (de

execuo e de avaliao) de fundaes, institutos e/ou organizaes governamentais e no-

governamentais (ONGs), responsveis por sua formulao, e tambm de informaes

prestadas por representantes dessas agncias, em mbito nacional e internacional. Como

procedimentos do estudo comparado investigaram-se aspectos e indicadores scio-

econmicos disponveis sobre a assistncia social, relativos ao seu processo de formao e

de desenvolvimento no mbito do pluralismo de bem-estar tendo como parmetro o

modelo latino. Foram colhidos dados oficiais nas home pages dos pases selecionados,

incluindo o Brasil, e em documentos oficiais, legislaes, relatrios, censos, materiais de

divulgao institucional na imprensa, na literatura especializada, bem como relatrios e

documentos de diversos organismos multilaterais (Banco Mundial, BID, e outros) e de

outros rgos internacionais (Comisso Especial para Pesquisa na Amrica Latina_

(Cepal), Instituto de Pesquisa Aplicada_ (IPEA), Programa das Naes Unidas para o

Desenvolvimento_ (PNUD). Fez-se uso tambm, de dados contidos em relatrios de

conferncias, atas de reunies, anais de congressos, seminrios e/ou encontros (nacionais e

interenacionais) referentes poltica de assistncia social. Foram realizados, ainda,

contatos e intercmbios com pesquisadores/investigadores sociais cuja rea de interesse o

pluralismo de bem-estar e/ou a poltica de assistncia social.

Por fim, aps a qualificao do projeto de tese, fez-se pesquisa tambm na

Espanha, por meio de um estgio de doutoramento no exterior, e deu-se incio elaborao

da tese. Os dados foram analisados em suas formas quantitativa e qualitativa, procurando

identificar as atuais tendncias, tenses, antagonismos e/ou reciprocidades entre as

dimenses pblica e plural ou mista como elementos constitutivos e constituintes da