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CAPTULO 94

Assepsia e Antissepsia: Mitos e VerdadesJosenlia Maria Alves Gomes * Rodrigo Dornfeld Escalante **

Introduo O anestesiologista se depara freqentemente com situaes onde h risco potencial de infeco cruzada. Por conseguinte tem o dever de reconhecer e minimizar tal risco. A simples observao do ttulo de dois artigos cientficos publicados recentemente em importantes peridicos dedicados anestesiologia intitulados de Voc no to limpo quanto pensa! O papel da assepsia em reduzir complicaes infecciosas relacionadas anestesia regional 1 e Lavagem e desinfeco das mos: mais do que sua me lhe ensinou2 pode sugerir que anestesistas tem dificuldade em assimilar e adotar prticas de anti-sepsia. Partindo da premissa que tal suposio seja verdadeira parece nos interessante a abordagem de difundir o conhecimento sobre as tcnicas disponveis e em que situaes realiz-las atravs de processos de educao continuada. Pontos importantes neste processo contituem a determinao e diferenciao entre verdade e mito conforme dados de literatura pertinente. O objetivo do presente texto oferecer possveis respostas acerca de perguntas sobre esse assunto atravs de uma compilao das recomendaes da ASA (American Society of Anesthesiologists), da Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland, Australian and New Zealand College of Anaesthetists , CDC (Centers for Diseases Control) dos Estados Unidos alm de artigos de peridicos considerados relevantes. O que assepsia e anti-sepsia? Baseado no dicionrio de termos da ANVISA (Agencia Nacional de Vigilncia Sanitria)Pro Dra. Do Curso de Medicina da Universidade de Fortaleza TSA/SBA Co-responsvel pelo CET do Hospital Universitrio Walter Cantdioa

assepsia o conjunto de medidas adotadas para impedir a introduo de agentes patognicos no organismo enquanto anti-sepsia consiste na utilizao de produtos (microbicidas ou microbiostticos) sobre a pele ou mucosa com o objetivo de reduzir os microorganismo em sua superfcie 3 O que precisa ser estril para ser utilizado em anestesia? Para se definir que tipo de interveno, necessidade de esterilizao ou apenas desinfeco de um equipamento pode se utilizar a classificao de Spaulding empregada pelo Centers for Diseases Control nos Estados Unidos da Amrica onde os artigos de uso mdico so divididos em crticos (penetram atravs da pele ou mucosas, atingindo tecidos subepiteliais), semicrticos (entram em contato com a pele no ntegra ou com mucosas ntegras) e no-crticos (entram em contato apenas com a pele ntegra do paciente) 4. Com base na classificao acima as agulhas e cateteres venosos, arteriais ou utilizados em bloqueios locorregionaise neuroaxiais so considerados crticos, os laringoscpios, mscaras larngeas e nasais, tubos endotraqueais e fibroscpios so considerados semicrticos e o carro de anestesia, tensimetro e sensores de oximetria so considerados no crticos 4,5. Os artigos crticos devem sempre ser esterilizados, os semi crticos devem ser submetidos a esterilizao quando possvel ou se impossvel, desinfeco de alto grau (elimina todos os microorganismos exceto alguns esporos) e os no crticos devem ser submetidos a desinfeco de nivel leve (elimina alguns vrus e bactrias ) ou at a limpeza com sabo ou detergente 5. Quais procedimentos demandam medidas de anti-sepsia? Na prtica da anestesiologia os procedimentos que geralmente envolvem assepsia e antisepsia so as punes venosas centrais ou perifricas, punes arteriais, entubaes traqueais, bloqueios nervosos perifricos e punes para anestesia neuroaxial com ou sem passagem de cateteres. Quando se deve lavar ou escovar as mos? Sempre que for entrar em contato com qualquer paciente, pois a transmisso de infeco atravs das mos dos profissionais de sade um fato conhecido e de grande importncia. As mos devem ser lavadas antes de se iniciar qualquer procedimento invasivo (incluindo as punes venosas perifricas), aps contato com sangue, secrees ou excrees mesmo que estivesse utilizando luvas. Neste ponto vale ressaltar que sempre que ao se retirar as luvas deve-se lavar as mos pelo menos com gua e sabo ou se possvel com soluo de lcool a 70%. Obviamente relgios de pulso e anis devem ser retirados. 4,6 Para a realizao de procedimentos como acesso venoso central ou bloqueios neuroaxiais prefere-se o uso de mtodos de barreira que envolvem os atos de lavar/escovar as mos com substncia anti-septica a base de iodo ou clorehexedina, utilizar luvas estreis gorro e mscara. Por sua vez, em relao aos bloqueios regionais perifricos e punes arteriais pode se proceder a lavagem simples das mos 6. O simples uso rotineiro de luvas pode impedir em at 98% o contato com sangue do pacien7 te .

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O que so mtodos de mxima proteo de barreira e quando devem ser utilizados? So mtodos que envolvem a lavagem das mos com substncias anti-spticas como o poli vinil pirrolidona iodo (PVPI) ou clorohexedine, calar luvas e avental cirrgico estreis, alm de gorro e mscara. Envolve ainda, preparo da pele com soluo alcolica de gluconato de clorohexedine ou pvpi alcolico seguido de curativo estril. Devem ser utilizadas nas punes venosas centrais e passagem de cateteres aps puno no neuroeixo6. A utilizao de todos estes mtodos em punes nicas do neuroeixo pode ser questionado e eventualmente os curativos estreis e aventais cirrgicos podem ser omitidos. Pode haver transmisso de infeco por laringoscpios? Como eles devem ser limpos ou submetidos a desinfeco? O surto de casos de encefalopatias espongiformes transmissveis ou mais especificamente de uma forma variante da Doena de Creutzfeld Jakob (mal da vaca louca) que era transmissvel do gado contaminado para humanos na dcada de 1990 na Europa suscitou o estudo de medidas para diminuir o potencial de transmisso dessa doena durante uma anestesia. Esse grupo de doenas transmitido por prions ou pequenas particular proteinceas que nos casos afetados so encontradas principalmente no sistema nervoso central, poro posterior do olho, porm em estudos ps-morte tambm foram encontrados no apndice vermiforme, bao e tonsilas palatinas. O ltimo achado tem implicaes potenciais em anestesia, pois a contaminao das tonsilas palatinas e potencialmente da cavidade oral podem contaminar laringoscpios e, o mais importante, os prions so resistentes a maioria dos procedimentos de esterilizao e so pequenos os suficientes para se alojar na superfcie do ao inoxidvel 6. Outro achado relevante foi descrito por Hirsch e colaboradores que encontraram a presena de linfcitos em 30% de 20 lminas estudadas aps uma nica laringoscopia. Tal achado que foi independente do grau de dificuldade ou presena de tonsilectomia prvia. Os autores sugerem que as lminas de laringoscopia sejam descartveis frente ao potencial de transmisso da encefalite espongiforme. O mesmo valeria para os tubos endotraqueais e mscaras larngeas8. Contudo, essa no medida de consenso e o mais aceito que os laringoscpios sejam submetidos limpeza meticulosa e pelo menos desinfeco de alto grau utilizando, por exemplo glutaraldeido alcalino a 2% que no corrosivo para metais 4 . Os frascos de medicaes podem ser fonte de infeco ? Nos procedimentos que requerem tcnica assptica um frasco de medicao estril deve ser utilizado. Em outras situaes frascos j abertos e no estreis podem ser utilizados desde que seja realizada a limpeza prvia da borracha com substncia alcolica, alm da utilizao de seringa e agulha estreis. J foi relatada incidncia de infeco decorrente de frascos multi-doses na ordem de 0,5 por 1000 frascos incluindo infeco fatal por vrus B da hepatite 4. Quando indicado o uso de luvas estreis? Sugere-se o uso de luvas estreis em bloqueios neuroaxiais, punes venosas centrais, bloqueios perifricos e punes arteriais. Punes venosas perifricas ou injees intramusculares podem ser realizadas com luvas no estreis de uso nico assim como as entubaes orotraqueais 4,6 . Obviamente todos os procedimentos devem ser precedidos por lavagem das mos.

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Quanto aos casos de infeco aps bloqueios espinhais, a culpa pode ser do anestesista? A incidncia de infeco aps injees no neuroeixo estimada em at 1-2% quando analisadas desde infeces profundas como abscesso epidural, meningite ou abscesso para-espinhal at infeces superficiais no local da puno 9. No entanto, ao se considerar , especificamente meningite a incidncia estimada em 0 a 1:132.000 bloqueios se situando em torno de 1: 19-22.000 conforme as sries de casos relatadas10. Dentre os mecanismos propostos esto a contaminao da pele no local da puno, a contaminao da agulha ou cateter, a via hematognica e a disseminao intraluminal por meio de substncias perfundidas11. Se o anestesista o principal responsvel pela infeco difcil concluir, porm, deve ser responsvel por identificar e reconhecer esses fatores e na medida do possvel evita-los ao mximo, por exemplo realizando a anti-sepsia adequada das mos e da pele do paciente (preferir anti-spticos base de lcool associado a PVPI ou clorohexedina) antes do procedimento, evitar um bloqueio em pacientes com leses cutneas infectadas principalmente prximo das leses, utilizar se de mtodos de mxima proteo de barreira antes de inserir um cateter epidural, utilizar se de agulhas estreis (certificar se das condies de embalagem e data de validade), evitar o uso de frascos multi-dose e inclusive se certificar das condies da farmcia quanto ao preparo ou manipulao de drogas para uso nos bloqueios. Por fim, mito ou verdade que os anestesiologistas aderem pouco a medidas de assepsia e anti-sepsia? As tcnicas de lavagem das mos e freqncia que so realizadas variam entre pases e procedimentos a serem realizados. Por exemplo, uma investigao por meio de formulrios acerca de precaues na insero de cateteres peridurais por anestesistas da Austrlia e Nova Zelndia mostrou que entre os 367 profissionais que responderam ao estudo 44 % no retiravam anis para lavar as mos e que 10% utilizavam tcnica diferente de lavar as mos com anti-spticos 12. Outro estudo realizado por meio de entrevistas orais confidenciais com 31 anestesistas de uma mesma instituio, mostrou que somente 32% dos profissionais lavavam as mos antes de realizar um bloqueio e a maioria com gua e sabo10. El Mikatti e colaboradores avaliaram as prticas de higiene de anestesiologistas de uma regio do reino unido e encontraram que somente 35% dos profissionais sempre usavam mscaras (28% nunca ou raramente), 39% no faziam a desinfeco de frascos de mltiplas. Quando indagados acerca do quanto o anestesista influenciava na transmisso de infeces em uma escala de 0 a 10 a mdia das respostas foi de 3.3813. Assim, diante das evidncias parece-nos que se faz realmente necessrio iniciar um amplo processo de reeducao sobre as prticas de assepsia e antissepsia entre ns anestesiologistas, pois como mdicos do perioperatrio, todas as atitudes que possam, em maior em menor grau, resultar em reduo dos riscos e da morbidade do procedimento ao qual nosso paciente est sendo submetido devem estar inseridas de forma corriqueira na nossa prtica. Para alguns pode parecer desnecessrio e exagerado, mas as doenas transmissveis proliferam atualmente numa velocidade que algumas vezes supera o nosso conhecimento e no raro estamos sendo surprendidos com a apresentao de um novo vrus ou com uma variante de antigos conhecidos. Porque ento arriscar?

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