Aspectos prosódicos e entoacionais em produções de frases...
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UBERLÂNDIA
JULHO/2019
Universidade Federal de Uberlândia - UFU
Instituto de Letras e Linguística - ILEEL
Programa de Pós-graduação em Estudos Linguísticos – PPGEL
OTÁVIO ALVES DE SOUZA FILHO
Aspectos prosódicos e entoacionais em
produções de frases assertivas e interrogativas
totais de surdos oralizados
OTÁVIO ALVES DE SOUZA FILHO
Aspectos prosódicos e entoacionais em
produções de frases assertivas e interrogativas
totais de surdos oralizados
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos Linguísticos-PPGEL
do Instituto de Letras e Linguística-ILEEL da
Universidade Federal de Uberlândia-UFU, para a obtenção do título de Mestre em Linguística, cuja
linha de pesquisa é a linha (i) Teoria, análise e
descrição linguística, sob a orientação da Profª. Dra. Camila Tavares Leite.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Sistema de Bibliotecas da UFU, MG, Brasil.
S729a
2019
Souza Filho, Otávio Alves de, 1986-
Aspectos prosódicos e entoacionais da leitura de frases assertivas e
interrogativas totais produzidas por surdos oralizados [recurso
eletrônico] / Otávio Alves de Souza Filho. - 2019.
Orientadora: Camila Tavares Leite.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Uberlândia,
Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos.
Modo de acesso: Internet. Disponível em: http://doi.org/10.14393/ufu.di.2019.708
Inclui bibliografia.
Inclui ilustrações.
1. Linguística. I. Leite, Camila Tavares, 1981- (Orient.) II.
Universidade Federal de Uberlândia. Programa de Pós-Graduação em
Estudos Linguísticos. III. Título.
CDU: 801
Gerlaine Araújo Silva - CRB-6/1408
Ata de Defesa - Pós-Graduação 14 (1372544) SEI 23117.059618/2019-92 / pg. 1
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
ATA DE DEFESA
Programa de Pós- Graduação em:
Estudos Linguísticos
Defesa de: Dissertação de Mestrado Acadêmico, 10, PPGEL
Data: dezenove de julho de dois mil e dezenove
Hora de início:
09:00 Hora de encerramento:
11:00
Matrícula do Discente:
11722ELI017
Nome do Discente:
Otávio Alves de Souza Filho
Título do Trabalho:
Aspectos prosódicos e entoacionais em produções de frases assertivas e interrogativas totais de surdos oralizados
Área de concentração:
Estudos em linguística e Linguística Aplicada
Linha de pesquisa:
Teoria, descrição e análise linguística
Projeto de Pesquisa de vinculação:
Características prosódicas de leitura em voz alta de falantes da região do Triangulo Mineiro/MG
Reuniu-se no Anfiteatro/sala 209U, Campus Santa Mônica, da Universidade Federal de Uberlândia, a Banca Examinadora, designada pelo Colegiado do
Programa de Pós-graduação em Estudos Linguísticos, assim composta:
Professores Doutores: José Suelí de Magalhães, PPGEL/UFU; Aline Alves Fonseca, UFJF; Camila Tavares Leite, PPGEL/UFU orientador(a) do(a)
candidato(a).
Iniciando os trabalhos o(a) presidente da mesa, Dr(a). Camila Tavares
Leite, apresentou a Comissão Examinadora e o candidato(a), agradeceu a presença do público, e concedeu ao Discente a palavra para a exposição do seu
trabalho. A duração da apresentação do Discente e o tempo de arguição e
resposta foram conforme as normas do Programa.
A seguir o senhor(a) presidente concedeu a palavra, pela ordem sucessivamente, aos(às) examinadores(as), que passaram a arguir o(a)
candidato(a). Ultimada a arguição, que se desenvolveu dentro dos termos
regimentais, a Banca, em sessão secreta, atribuiu o resultado final,
considerando o(a) candidato(a):
Aprovado(a).
Esta defesa faz parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre
O competente diploma será expedido após cumprimento dos demais requisitos, conforme as normas do Programa, a legislação pertinente e a regulamentação
interna da UFU.
Nada mais havendo a tratar foram encerrados os trabalhos. Foi lavrada
a presente ata que após lida e achada conforme foi assinada pela Banca
Examinadora.
Documento assinado eletronicamente por Camila Tavares Leite, Professor(a) do Magistério Superior, em 26/07/2019, às 11:03, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015.
Documento assinado eletronicamente por Aline Alves Fonseca, Usuário Externo, em 20/08/2019, às 10:55, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº
8.539, de 8 de outubro de 2015.
Documento assinado eletronicamente por José Sueli de Magalhães, Membro de Comissão, em 20/08/2019, às 11:48, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015.
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Referência: Processo nº 23117.059618/2019-92 SEI nº1372544
A Maria Adriana de Oliveira e Carla Fernanda de Oliveira Souza,
minhas amadas mãe e irmã, por tudo.
“A minha alucinação
É suportar o dia-a-dia
E meu delírio
É a experiência com coisas reais.”
(Belchior)
AGRADECIMENTOS
À professora Camila Tavares Leite, pela exímia orientação e pela sempre imediata
atenção que deu aos questionamentos, por menores que fossem. Verdadeiramente, um presente
de orientadora!
Ao professor José Sueli de Magalhães, que fez (re)despertar em mim o amor pela
Fonética e pela Fonologia já no início da graduação e que me presenteou ao apresentar-me uma
orientadora melhor do que eu poderia imaginar.
Aos professores José Sueli de Magalhães e Vera Pacheco pelas pontuais contribuições
durante o exame de qualificação e, também, à professora Aline Alves Fonseca pelos relevantes
comentários quando essa pesquisa era ainda um projeto embrionário.
A todos do Grupo de Pesquisa e Estudos em Fonética e Fonologia (GEFONO),
coordenado pelos brilhantes professores Camila Tavares Leite e José Sueli de Magalhães, por
todo o aprendizado adquirido em nossas reuniões.
A todos os professores que fizeram parte da minha formação acadêmica e que
contribuíram para que eu me tornasse cada vez mais capaz.
A minha inigualável mãe, Maria Adriana, simplesmente por tudo; você é o maior
exemplo de ser humano que eu tenho.
A minha mais que amada irmã, Carla Fernanda, por todo o amparo que sempre me deu
em todos os momentos que precisei; você é muito mais do que especial pra mim, saiba disso!
Ao meu irmão de vida e inestimável parceiro acadêmico, Luann Dias de Souza.
Obrigado de coração por todos esses 7 anos de calorosas discussões acadêmicas, políticas e
ideológicas que só nos fizeram seres sociais melhores.
A minha amiga mais maravilhosa, Raiza Vinhal Rocha, por ser esse ser de luz que me
ajuda a iluminar o caminho.
Ao grande amigo, Isaias Cândido da Silva, pela enorme contribuição dada à parte
estatística na análise dos resultados do teste de percepção, conferindo confiabilidade à pesquisa.
Ao Carlos Frederico Mendes Gomes (grande Fred), pela imensurável e impagável ajuda
com o desenvolvimento do teste de percepção, não teria acontecido sem ela. Muito obrigado
pela incomparável atenção!
Aos participantes que se dispuseram a gravar os áudios e aos que participaram do teste
de percepção online, muitíssimo obrigado, sem vocês não haveria pesquisa.
À CAPES, pelo fomento da bolsa que fez essa dissertação de mestrado possível.
E, claro, a minha fantástica namorada, Carolina Macedo Alves Moreira, que faz com
que tudo pareça melhor. Obrigado por fazer parte da minha vida, sempre me amparando e me
estimulando a dar o melhor de mim. Como digo: você me faz melhor, te amo!
RESUMO
Esta pesquisa teve como objetivo principal descrever e analisar os aspectos prosódicos e
entoacionais da produção oral de leitura de surdos oralizados em frases assertivas e
interrogativas totais da língua portuguesa e compará-los aos padrões desses mesmos tipos de
frases produzidas por falantes-ouvintes. Para que esses nos servissem de grupo controle,
comparamos os dados às descrições para o Português Brasileiro feitas por João Moraes (1993,
2006, 2007), Castelo e Frota (2016), Soares (2016), Miranda (2015), Cunha (2011, 2013)
Silvestre (2012), Silva (2011) para, assim, validá-los. Nossa pesquisa se guiou pela seguinte
pergunta: Os aspectos entoacionais e prosódicos da produção oral de um surdo oralizado
correspondem aos mesmos aspectos da produção de um falante ouvinte de modo que o surdo
possa ser compreendido por um ouvinte? Tal questionamento suscitou-nos as seguintes
hipóteses: 1) o tamanho do constituinte sintático pode influenciar na configuração prosódica da
produção dos surdos oralizados; 2) a variação de F0 da produção dos surdos oralizados não se
mostrará semelhante à dos falantes ouvintes; 3) o padrão entoacional da produção de frases
assertivas e interrogativas totais dos surdos oralizados não corresponderá ao dos falantes-
ouvintes validados pelas descrições feitas para o Português Brasileiro e 4) os falantes-ouvintes
que julgarão as frases produzidas pelos surdos oralizados não as identificarão como da
modalidade a que pertencem. Nossa coleta de dados foi dividida em duas etapas. Na primeira,
coletamos dados de leitura de surdos oralizados e de falantes ouvintes. Descrevemos: a) a
distribuição dos sintagmas entoacionais na frase produzida pelos surdos oralizados e
comparamos à dos falantes ouvintes (como sintagmas entoacionais foram dispostos na
produção oral), b) a curva da frequência fundamental (F0) e c) o padrão entoacional das duas
produções (surdos oralizados e falantes ouvintes). Comparamos a caracterização dos dados dos
falantes ouvintes à descrita na literatura da área para validar esses dados como controle para
nossa pesquisa. Na segunda etapa, realizamos um teste de percepção com um segundo grupo
de falantes ouvintes da língua portuguesa visando a verificar se este grupo perceberia as duas
modalidades (assertiva e interrogativa total) como tais, uma vez que tal distinção é necessária
para a compreensão na comunicação. Toda a fundamentação teórica se pautou na Fonologia
Entoacional (PIERREHUMBERT 1980; LADD 1996, 2008) e na Fonologia Prosódica (JUNG,
2005; NESPOR e VOGEL 2007), além disso, baseamos nossas análises nos padrões que os
trabalhos envolvendo o Português Brasileiro supracitados obtiveram como resultado.
Palavras-chave: Fonologia prosódica, Fonologia Entoacional, Fonética Acústica, Surdos
oralizados
ABSTRACT
This research aims to describe and analyze the intonational patterns of the oral production in
the reading of oralized deaf people in affirmative and total interrogative sentences of the
Brazilian Portuguese language, as well as compare them to the patterns of the same kind of
sentences produced by speakers-listeners. In order to have a control group, we compare the data
to the descriptions for Brazilian Portuguese made by João Moraes (1993, 2006, 2007), Castelo
e Frota (2016), Soares (2016), Miranda (2015), Cunha (2011, 2013) Silvestre (2012) and Silva
(2011) so we could validate them. Our investigation was guided by the following question:
Does the intonational pattern of the oral production of oralized deaf people correspond to the
intonational pattern of a speaker-listener in a way that regular listeners would understand? This
question brought these hypotesis: 1) the lenght of the sintatic constituint can influence the
prosodical configuration in the production of oralized deaf people; 2) the variation of F0 in the
production of oralized deaf people won’t be similar to the variation of speakers-listeners; 3) the
intonational pattern of the production in total affirmative and total interrogative sentences of
oralized deaf people will not correspond to the intonational pattern of speakers-listeners that
are validated by the descriptions made for Brazilian Portuguese and 4) the speakers-listeners
that will analyze the sentences produced by deaf people, won’t be able to identify if they are
affirmative or interrogative. Our data collection was divided in two steps. At first, we gathered
reading data of oralized deaf people and speakers-listeners. We described: a) the distribution of
intonational syntagmas in the sentences produced by oralized deaf people and compared them
to the ones of speakers-listeners (as they were organized in oral production), b) the curve of
fundamental frequency (F0) and c) the intonational pattern of both productions (oralized deaf
people and speakers-listeners). We compared the characterization of the data of speakers-
listeners to the description in the literature of the field to validate these data as control for our
research. The second step was to create a perception test with a second group of speakers-
listeners of the Brazilian Portuguese language in order to verify if this group would be able to
recognize these two modalities (affirmative and total interrogative sentences) as such, given
that this distinction is necessary to establish understanding in communication. Our theoric
foundation was based on Intonational Phonology (PIERREHUMBERT 1980; LADD 1996,
2008) and Prosodic Phonology (JUNG, 2005; NESPOR e VOGEL 2007). Our researchs was in
accordance in the results that the investigations we mentioned above, with focus on Brazilian
Portuguese, achieved.
Palavras-chave: Prosodic Phonology, Intonational Phonology, Acoustic Phonetics,
Orally-deaf.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Estrutura da Hierarquia Prosódica ........................................................................ 23
Figura 2 - Pé binário (HAYES, 1981.) .................................................................................. 26
Figura 3 - Pé n-ário (NESPOR E VOGEL, 1986) ................................................................. 26
Figura 4 – Curvas de cinco melodias diferentes para a sentença “Anna” ............................... 43
Figura 5 – Contornos semelhantes em diferentes sentenças ................................................... 45
Figura 6 – Modelo teórico de representação da entoação ...................................................... 48
Figura 7– Relação da proeminência e do Pitch ..................................................................... 50
Figura 8 – Curva da sentença “Eça já sabe quem foi.” .......................................................... 54
Figura 9 – Curva da sentença “Eça já sabe quem foi?” ......................................................... 54
Figura 10 – Configuração dos sintagmas entoacionais da produções de interrogativa na
posição 1 longa do participante FO1 ..................................................................................... 70
Figura 11 - Configuração dos sintagmas entoacionais da produções de interrogativa na
posição 2 longa do participante FO1 ..................................................................................... 71
Figura 12 – Curva da produção de assertiva curta do participante FO4 com padrão de lista .. 81
Figura 13 – Curva da produção de assertiva curta do participante FO4 com padrão
correspondente à literatura ................................................................................................... 82
Figura 14 – Curva da produção assertiva curta do participante SO1 com padrão de lista ....... 83
Figura 15 – Curva da produção de assertiva média do participante SO1 com padrão de
interrogativa total ................................................................................................................. 83
Figura 16 – Curva da produção de assertiva média do participante SO3 com padrão de
interrogativa total ................................................................................................................. 84
Figura 17 – Exemplos dos padrões de curvas entoacionais verificadas nos dados dos
participantes falantes ouvintes .............................................................................................. 85
Figura 18– Curva da produção de interrogativa total curta do participante SO3 .................... 87
Figura 19 – Curva da produção de interrogativa total do participante SO1 ............................ 88
Figura 20 – Tela visualizada pelo participante do Teste de Percepção................................... 93
Figura 21 – Tela de consentimento do participante ............................................................... 94
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Possíveis segmentações prosódicas de enunciados formados pelas mesmas
palavras ............................................................................................................................... 59
Quadro 5: Configurações das produções do participante SO1 ............................................... 74
Quadro 6: Configurações das produções do participante SO2 ............................................... 76
Quadro 7: Configurações da produções do participante SO3 ................................................. 77
Quadro 8: Frases distratoras, de falantes ouvintes, utilizadas no teste de percepção .............. 95
Quadro 9: Frases distratoras, de surdo oralizado, utilizadas no teste de percepção ................. 96
Quadro 10: Média do julgamento de aceitabilidade das frases produzidas por surdo oralizado
no teste percepção ................................................................................................................ 99
Quadro 11: Média das respostas dadas aos áudios de interrogativas totais do surdo oralizados.99
Quadro 12: Médias das respostas dadas para os áudios das distratoras interrogativas totais de
falantes-ouvintes .................................................................................................................. 99
Quadro 13: Média das respostas dadas aos áudios das assertivas do surdo oralizado ............ 100
Quadro 14: Média das respostas dadas aos áudios das distratoras assertivas de falantes-ouvintes
.................................................................................................................................................100
Quadro 15: Quadro de número total de marcações para cada grau de percepção e total ....... 102
Quadro 16: Número de observações da amostra ................................................................. 102
Quadro 17: Valores da regressão linear ............................................................................... 103
Quadro 18: Resultado do teste de Hipótese Nula (Ho)......................................................... 104
Quadro 19: Interpretação do P-value para considerar a evidência contra a Hipótese Nula ...104
SUMÁRIO
0. INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 12
1. UM BREVE HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO DOS SURDOS: ORALIZAÇÃO OU
LÍNGUA DE SINAIS? ....................................................................................................... 17
2. REVISÃO DE LITERATURA ...................................................................................... 21
2.1. REVISÃO TEÓRICA .................................................................................................... 21
2.1.1 A Fonologia Prosódica de Nespor e Vogel (2007) ......................................................... 21 2.1.2. O sintagma entoacional, suas relações e suas de construção e reconstrução ............................ 34
2.1.3. Fonologia Entoacional ............................................................................................................... 41
2.1.3.1. Lehiste ................................................................................................................................. 41
2.1.3.2. Pierrehumbert (1980) ......................................................................................................... 43
2.1.3.3. Ladd (2008)......................................................................................................................... 48
2.2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA.......................................................................................... 51 2.2.1 Visão geral da entoação modal do Português Brasileiro: enunciados assertivos neutros e
interrogativas totais ............................................................................................................................. 51
3. METODOLOGIA .......................................................................................................... 61
3.1. EXPERIMENTO DE PRODUÇÃO: METODOLOGIA ...................................................... 61 3.1.1. Seleção dos participantes ........................................................................................................... 62 3.1.2 Seleção do texto ........................................................................................................................... 63
3.1.3 Coleta dos dados .......................................................................................................................... 66
3.1.4 Variáveis ...................................................................................................................................... 67
3.1.5 Análise dos dados ........................................................................................................................ 67
3.2 EXPERIMENTO DE PRODUÇÃO: ANÁLISE.................................................................. 68
3.2.1 Relação Tamanho do constituinte sintático X configuração prosódica ...................................... 69
3.2.2 Desenho da curva entoacional (F0) ............................................................................................ 80
3.2.2.1 Assertivas ............................................................................................................................. 80
3.2.2.2. Interrogativas totais ............................................................................................................ 85
3.2.3 Padrão entoacional ..................................................................................................................... 89
3.2.3.1 Assertivas ............................................................................................................................. 89
3.2.3.2 Interrogativas totais ............................................................................................................. 90
3.3. EXPERIMENTO DE PERCEPÇÃO: METODOLOGIA ..................................................... 91 3.3.1 Julgamento das frases ................................................................................................................. 92
3.3.1.1 Seleção das frases a serem julgadas ..................................................................................... 94
3.3.2 Variáveis ...................................................................................................................................... 97
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 106
5. TRABALHOS FUTUROS ........................................................................................... 109
12
0. INTRODUÇÃO
O objetivo principal desta pesquisa é descrever e analisar os aspectos prosódicos e
entoacionais da produção oral de leitura de surdos oralizados em frases assertivas e
interrogativas totais e compará-los aos padrões da entoação modal desses mesmos tipos de
frases produzidas por falantes ouvintes (que nos servirão de grupo controle). Para que estes
fossem os dados controle, fizemos uma comparação com os padrões descritos para o Português
Brasileiro por João Moraes (1993, 2007), Plínio Barbosa (2002) e em trabalhos que trataram da
descrição e análise entoacional e prosódica dos tipos de frases que analisamos (SOARES 2016;
MIRANDA 2015; SILVESTRE 2012; SILVA 2011), para validá-los. Guiamo-nos pela
seguinte pergunta: Os aspectos prosódicos e entoacionais da produção oral de um surdo
oralizado correspondem aos de um falante-ouvinte de modo que o surdo possa ser
compreendido por outros falantes ouvintes?
A partir desse questionamento principal, surgiram outros, quais foram: a) O tamanho
dos constituintes sintáticos que compõe o enunciado influencia na distribuição e na quantidade
– ou seja, na configuração – de sintagmas entoacionais da produção dos surdos oralizados? b)
a curva da frequência fundamental (F0) gerada pela produção oral dos surdos oralizados em
frases assertivas e interrogativas totais é semelhante às do falantes ouvintes e às descritas para
o Português Brasileiro? c) o padrão entoacional da produção de frases assertivas e interrogativas
totais dos surdos oralizados é correspondente ao padrão entoacional dos falantes ouvintes e ao
descrito na literatura da área? d) as frases assertivas e interrogativas totais produzidas pelos
surdos oralizados são percebidas por falantes ouvintes como tais?
Para os questionamentos acima, esboçamos as seguintes hipóteses:
I – o tamanho dos constituintes sintáticos influencia a configuração prosódica da
produção oral dos surdos oralizados?
Acreditamos que o tamanho do constituinte sintático influencia a configuração
prosódica da produção dos surdos oralizados, desde que o tamanho desse constituinte não
coincida com o do sintagma, podendo ser dividido em mais sintagmas entoacionais. Isso
poderia influenciar em outras características, como a marcação dos tons de fronteira. Pensamos
nessa hipótese por entendermos que fatores como o estilo, a velocidade de produção e,
13
principalmente, o tamanho do enunciado podem influenciar a configuração prosódica de uma
produção.
II - a curva da frequência fundamental (F0) gerada pela produção oral dos surdos
oralizados em frases assertivas e interrogativas totais é semelhante à dos falantes-
ouvintes e às descritas para o Português Brasileiro?
Consideramos a hipótese de que a curva de F0 da produção dos surdos oralizados em
frases assertivas e interrogativas totais apresenta diferenças em relação às dos falantes-ouvintes,
devido, principalmente, às diferentes configurações entoacionais e prosódicas que possam
apresentar-se a partir de sua produção. Sabemos que a curva entoacional de uma produção
corresponde à movimentação das pregas vocais durante essa produção. Assim, acreditamos que
a movimentação das pregas vocais do surdo se fará de maneira diferente da do falante-ouvinte,
logo, gerando uma curva entoacional não semelhante.
III - o padrão entoacional da produção de frases assertivas e interrogativas totais dos
surdos oralizados é correspondente ao padrão entoacional dos falantes ouvintes e ao do
Português Brasileiro descrito na literatura da área?
Partimos do pressuposto que o padrão entoacional da produção oral do surdo oralizado
em frases assertivas e interrogativas totais não corresponde ao padrão do falante-ouvinte. De
acordo com a literatura da área, o padrão entoacional é marcado a partir dos movimentos
identificados na curva entoacional (movimento ascendente=Tom alto H / movimento
descendente=Tom baixo L). Desse modo, por acreditarmos que a curva entoacional não se
mostrará semelhante à dos falantes-ouvintes e à literatura da área, consideramos que o padrão
entoacional da produção dos surdos oralizados não corresponderá ao do das produções dos
falantes-ouvintes.
IV - as frases assertivas e interrogativas totais produzidas pelos surdos oralizados
são percebidas por falantes ouvintes como da modalidade definida?
Os falantes ouvintes do Português Brasileiro não percebem as frases assertivas e
interrogativas totais produzidas pelos surdos oralizados como da modalidade definida. Uma vez
que uma frase pode ser inserida em variados contextos quando fazendo parte de um texto maior,
acreditamos que, a depender do contexto, o falante ouvinte poderia considerar a produção de
modo esperado. No entanto, as frases que foram analisadas na presente pesquisa estavam fora
do texto completo, não havendo interferência do contexto no julgamento, o que justifica nossa
14
hipótese. As distinções ressaltadas nas hipóteses apresentadas e o julgamento do falante-ouvinte
explicitam o caráter fonológico de tal caracterização entoacional aqui apresentada .
Faz-se mister ressaltar que em momento algum esta pesquisa intenta estabelecer padrões
a serem seguidos pelos surdos oralizados em sua produção oral ou, ainda, práticas e técnicas
que idealizem modificações nelas. Aqui, busca-se descrever analiticamente os fatos linguísticos
que permeiam o falar desses surdos.
Toda a metodologia foi desenvolvida visando cumprir, além do objetivo geral já
exposto, aos seguintes objetivos específicos:
⮚ Específicos
Descrever e analisar as características dos sintagmas entoacionais da produção dos
surdos oralizados atentando-se à influência do tamanho do componente sintático sobre
a configuração prosódica e comparar com os dos falantes ouvintes validados pelas
descrições da literatura da área.
Descrever e analisar o desenho da curva entoacional (F0) dos oralizados e compará-lo
ao dos falantes-ouvintes.
Descrever e analisar o padrão entoacional da produção dos surdos oralizados em frases
assertivas e interrogativas totais e compará-lo ao dos falantes ouvintes validados pelas
descrições da literatura da área.
Testar como tais produções são percebidas por falantes ouvintes do Português
Brasileiro.
Para que pudéssemos obter mais esclarecimentos, alcançar os objetivos propostos e
confirmar ou refutar nossas hipóteses sobre tais aspectos da produção oral de surdos oralizados
na leitura de frases assertivas e interrogativas totais, a metodologia do presente trabalho foi
dividida em duas etapas: 1. Experimento de produção e 2. Experimento de percepção. No
Experimento de produção, participantes surdos oralizados e falantes ouvintes leram uma vez
seis textos contendo uma frase assertiva e uma interrogativa total em duas diferentes posições
no texto-veículo e com diferentes constituições quanto aos seus constituintes sintáticos. Essas
frases foram segmentadas do texto-veículo para serem os dados de análise da pesquisa. O
padrão entoacional do Português Brasileiro falado, já descrito na literatura da área, serviu para
15
confirmarmos que poderíamos utilizar os dados dos falantes ouvintes como controle na análise
dos dados dos surdos oralizados. O experimento de percepção consistiu na avaliação de
categorização entoacional e prosódica da produção do surdo oralizado por ouvintes do
Português Brasileiro. Para isso, as frases assertivas e interrogativas totais produzidas pelos
surdos oralizados foram apresentadas a falantes ouvintes do Português Brasileiro que fizeram
uma avaliação de categoricidade.
Essa perspectiva traçada justifica-se uma vez que, para esclarecer os fatos linguísticos
mencionados acima, são necessárias descrições e análises das características entoacionais e
prosódicas da produção oral de surdos oralizados, pois sabemos que as pesquisas nessa área
utilizam apenas dados de fala ou leitura de falantes ouvintes. Para estes, têm-se inúmeras
descrições que sustentam pressupostos concernentes a sua produção. No entanto, ao tecerem
considerações sobre as características da entoação modal da leitura de surdos oralizados, as
pesquisas nas quais tal discussão se sustenta são poucas, ou inexistentes, possibilitando apenas
deduções baseadas na intuição de falante, sem nenhum rigor científico. Portanto, esse trabalho
será de grande contribuição para a literatura da área, uma vez que apresentará discussões
baseadas em rigoroso processo teórico-metodológico-científico para, assim, trazer à luz os fatos
linguísticos que permeiam a produção oral de surdos.
O processo de oralização tem como um de vários objetivos a comunicação. Por sua vez,
para que esta seja efetiva, é necessário que o receptor compreenda as nuances da produção do
emissor e, assim, haja interação. Sabe-se que a compreensão da produção de qualquer falante
dependerá, também, da compreensão de fatores prosódicos e entoacionais da língua, no caso, o
Português Brasileiro. Ou seja, na comunicação, é necessário que, em um determinado
enunciado, em uma determinada língua, as pistas prosódicas - como determinados eventos
tonais, curva melódica e padrão entoacional – obedeçam à caracterizações que as identifiquem
como de determinado tipo: assertiva ou interrogativa total, por exemplo.
Além disso, a prosódia é fator crucial no processo de interação durante a comunicação,
pois, para que haja compreensão entre emissor e receptor, é necessário que a produção oral
daquele seja correspondente ao que a língua estabelece como entoacional e prosodicamente
aceitável. Por exemplo, os tipos de frases que foram analisadas aqui (assertiva e interrogativa
total) possuem um padrão entoacional característico que as definem como de uma modalidade
ou de outra. Caso a produção não apresente o padrão entoacional característico de sua
modalidade, ela poderá não ser compreendida como da modalidade já definida.
16
Sabendo que a produção oral tem como uma de suas finalidades a comunicação, para
que o surdo oralizado seja compreendido por falantes ouvintes, fazendo uso de uma língua oral,
com pessoas ouvintes, não conhecedoras de língua de sinais, é necessário que o padrão
entoacional da sua produção seja semelhante ao daquele definido como característico pelas
descrições da língua em questão. Desse modo, descrever e analisar os aspectos entoacionais e
prosódicos da realização oral dos surdos torna-se essencial. É a partir desses aspectos que o
receptor compreende a frase como sendo de uma ou de outra modalidade e pode-se dizer, então,
que o surdo efetivamente se comunica pela oralização, o que poderá ser notado nos testes de
percepção.
Toda a fundamentação teórica se pauta na Fonologia Prosódica (JUN, 2005; NESPOR
e VOGEL, 2007) e na Fonologia Entoacional (LEHISTE 1972; PIERREHUMBERT 1980;
LADD 1996, 2008). Como controle para a comparação dos padrões entoacionais da produção
dos surdos oralizados, utilizamos os dados coletados por meio da leitura dos falantes ouvintes
validados por trabalhos que deram conta da descrição de aspectos prosódicos e entoacionais
modais do Português Brasileiro já citados nesta introdução. A seguir, apresentamos, no capítulo
2, um breve histórico sobre o sujeito surdo e a “disputa” entre oralismo e língua de sinais. No
capítulo 3, trazemos a revisão de literatura na qual explicitamos os pressupostos teóricos nos
quais nos baseamos para desenvolver essa pesquisa. Ressaltamos que, em relação aos
constituintes prosódicos postulados por Nespor e Vogel (2007), nossa atenção maior será
voltada ao penúltimo nível hierárquico: o sintagma entoacional. Esse capítulo está distribuído
em duas seções, Revisão Teórica e Revisão Bibliográfica. Nessas seções, evidenciamos as
teorias que sustentam nossos pressupostos e que acomodam nossos dados, além de apresentar
trabalhos que buscaram caracterizar os aspectos entoacionais e prosódicos dos dois tipos de
frases que são nosso objeto de estudo.
A partir dessa base teórico-bibliográfica, e guiados por nossos questionamentos,
hipóteses e objetivos, desenvolvemos uma metodologia própria para dar conta da descrição e
da análise dos dados coletados. No capítulo 3, apresentamos a elaboração, a execução e os
resultados obtidos por essa metodologia em suas duas etapas: produção e percepção. Enfim, no
capítulo 4, nossas considerações finais e, no capítulo 5, os trabalhos futuros.
17
1. UM BREVE HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO DOS SURDOS: ORALIZAÇÃO OU
LÍNGUA DE SINAIS?
Para que possamos expor melhor o contexto sociocultural do sujeito surdo e, assim,
sermos mais rigorosos nas análises dos resultados de nosso trabalho, neste capítulo,
apresentamos um sucinto panorama histórico sobre sua educação e aceitação pela sociedade.
Ressaltamos, aqui, fatos e personagens que desenvolveram métodos educacionais e
influenciaram a vida deles. Utilizamos o termo “surdo” pela coerência conceitual e pela
conformidade com o Decreto nº 5626, de 22 de dezembro de 2005, o qual o texto refere o
Capítulo 1, Art. 2º:
Para os fins deste Decreto, considera-se pessoa surda aquela que, por ter perda
auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências
visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira
de Sinais - Libras.
Por serem considerados inúteis, até o século XVI, as pessoas surdas não recebiam
nenhum tipo de educação. A falta de audição era encarada, historicamente, como uma
consequente falta de capacidade de aprendizagem. Tal realidade foi mudando ao longo dos
séculos e eles passaram a ser ajudados por religiosos e instituições, que os consideravam dignos
de pena. Durante a Idade Antiga Escrita, podemos perceber uma certa divergência ideológica
quanto ao surdo. Enquanto em Roma e na Grécia eram considerados inválidos, pessoas
amaldiçoadas sendo condenados à morte ou à escravidão, no Egito e na Pérsia, eram
considerados seres privilegiados por conta da crença de que eles se comunicavam com os deuses
e, por isso, tinham a adoração e respeito do povo. No entanto, em nenhuma das duas situações
descritas, os surdos recebiam algum tipo de educação, mesmo no Egito ou na Pérsia onde eram
considerados iluminados.
Considerada o modelo basilar da sociedade ocidental, a Grécia, por meio do viés
ideológico incitado por seus filósofos, acreditava quase unanimemente que os surdos eram
“seres castigados pelos deuses”, como os classificava Heródoto; ou que, por não falarem, não
possuíam linguagem nem pensamento, isso era o que afirmava Aristóteles, o qual dizia que os
surdos tornam-se insensatos e incapazes de razão pois é a audição a sensação que mais contribui
para o conhecimento e a inteligência, além de considerar absurda a ideia de ensinar o surdo a
falar (STROBEL, 2009).
18
Passados séculos, já na Idade Média, a situação social do surdo ainda não havia mudado
muito. Os decretos e leis eclesiásticos os impediam de receber a comunhão por serem inábeis
para confessarem seus pecados, casar-se com outra pessoa surda (salvos aqueles que
recebessem favor do Papa) e, até mesmo, os proibiam de receber heranças, excluindo todos os
seus direitos de cidadãos. É apenas no fim da Idade Média e início da Idade Moderna que o
surdo começa a receber alguma forma de assistência, por passar a ser visto como objeto de
evangelização e de educação (STROBEL, 2009).
O médico filósofo italiano Girolamo Cardano (1501-1576) foi um dos primeiros a
reconhecer que a surdez, consequentemente a mudez, não era impedimento para a
aprendizagem e que a escrita era o melhor meio para os surdos aprenderem, além de considerar
um crime não instruir um surdo. Girolamo utilizava a língua de sinais e a escrita para educá-
los. Contemporaneamente, o monge beneditino da Espanha, Abade Pedro Ponce de Leon (1510-
1584), foi considerado o primeiro professor e criador de métodos para o ensino de surdos por
estabelecer a primeira escola voltada para esses sujeitos em um monastério em Valladolid.
Usando como metodologia a datilologia, a escrita e a oralização, Ponce de Leon ensinava a dois
irmãos surdos, Francisco e Pedro Velasco, que eram membros da nobreza espanhola. Pode-se
dizer que o método usado pelo abade foi bem sucedido, pois Francisco recebeu a herança da
família e Pedro tornou-se padre. Mesmo Ponce de Leon não tendo publicado nada sobre sua
metodologia, Fray de Melchor Yebra, de Madrid, escreveu o livro Refugium Infirmorum, que
descreve e ilustra o alfabeto manual da época (STROBEL, 2009).
Outro membro da família Velasco a receber educação foi Dom Luís. Ensinado por Juan
Pablo Bonet (1573-1633), que utilizava treinamento de fala, sinais e o alfabeto de datilologia,
Dom Luís chegou a ser nomeado pelo Rei Henrique IV “Marquês de Frenzo”. Bonet era
defensor do ensino do alfabeto manual precocemente aos surdos e pulicou o primeiro livro
sobre a educação deles, Reduccion de las letras y arte para enseñar a hablar a los mudos, no
qual demonstrava seu método oral. Além dessa obra, outras tiveram importância na história da
educação dos surdos: John Buwler (1614-1684), valorizando o uso do alfabeto manual, da
língua de sinais e da leitura labial, publicou a obra intitulada Chirologia e Natural Language of
the hand; por sua vez, o médico suíço Johan Conrad Ammon (1669-1724) publicou um método
pedagógico da fala e da leitura labial chamado Surdus Laquens. Até então, na história, podemos
notar que os métodos utilizados na educação dos surdos variavam entre a escrita, a língua de
sinais e a oralização.
19
A oralização era o método de ensino mais utilizado na educação dos surdos, o professor
Jacob Rodrigues Pereire (1715-1780), na França, o utilizou e, assim, oralizou sua irmã surda;
Pereire usou a mesma metodologia, ensino de fala e de exercícios auditivos com outros surdos.
No entanto, o considerado pai do método oral, ou oralismo, foi Samuel Heinicke (1729-1790).
Heinicke publicou a obra Observações sobre os Mudos e a Palavra e fundou a primeira escola
de oralismo puro, com 9 alunos surdos. Paralelamente, o abade francês Charles Michel de
L’Epée (1712-1789), após ter tido contato com duas irmãs gêmeas surdas, que se comunicavam
por gestos, e com surdos carentes da cidade de Paris, realizou estudos sobre a língua de sinais
e buscou aprender a língua usada pelos moradores da região. Por sua vez, valorizando a leitura
orofacial, em 1760, Thomas Braidwood abriu a primeira escola para surdos na Inglaterra
(STROBEL, 2009).
A partir de seus estudos, L’Epée fundou 21 escolas para surdos pela França e outros
países da Europa antes de morrer. Outro nome a ser mencionado, mais pela sua influência na
educação especial com seu programa de adaptação do ambiente do que pelo sucesso na tentativa
de socialização do “garoto selvagem”, Victor, é Jean Marc Itard. O estudioso afirmava que o
surdo podia ser treinado para ouvir palavras e que o ensino de língua de sinais requeria o
estímulo de percepção de memória, de atenção e de sentidos. Após alguns anos, em 1814, em
Hartford nos Estados Unidos, o reverendo Thomas Hopkins Gallaudet percebeu que uma
criança, Alice Gogswell, era rejeitada pelos outros alunos pelo fato de ser surda. Gallaudet,
além de ensinar a garota, juntamente com seu pai, pensou em criar uma escola para surdos. Em
busca de mais conhecimento, o reverendo parte para a Europa e tenta conhecer o trabalho
realizado por Braidwood, na Inglaterra, que se recusa a ensiná-lo; assim, Gallaudet vai para a
França, conhece o método de língua de sinais utilizado por Sicard, que fora desenvolvido por
L’Epée e retorna para os Estados Unidos com o professor surdo, Laurent Clerc, quando fundam,
em Hartford, a primeira escola permanente para surdos no país: Asilo Connecticut para a
Educação e Ensino de pessoas Surdas e Mudas. O método usado nessa escola provocou a
abertura de outras escolas para surdos onde quase todos os professores usavam a língua de
sinais e eram surdos.
Um outro nome de grande relevância na história dos surdos é o professor de surdos
Alexander Melville Bell, sua notoriedade se deve ao fato de ser o inventor de um código de
símbolos chamado Fala invisível ou Linguagem invisível, o qual se baseava em desenhos dos
lábios, garganta, língua, dentes e palato para que o professor indicasse os movimentos a serem
repetidos pelos alunos surdos (STROBEL, 2009). O inventor do código intitulado “Fala
20
Invisível” é também o pai de um dos nomes mais influentes nas decisões tomadas no histórico
Congresso Internacional de Surdo-Mudez, em 1980 na cidade de Milão, o célebre inventor
Alexander Graham Bell.
Tendo fundado sua própria escola para professores de surdos em Boston no ano de 1872,
Alexander Graham Bell publicara uma continuação do trabalho do pai, no qual falava sobre o
método do Pioneiro da fala visível (título da obra). A partir de 1873, Graham Bell começa a
lecionar aulas de fisiologia da voz na Universidade de Boston. Como já dito, o renomado
inventor foi uma grande influência nas decisões tomadas no Congresso Internacional de Surdo-
Mudez de 1880, em Milão. O congresso contou com a presença de 182 pessoas, a maioria
ouvinte, da Alemanha, Inglaterra, França, Itália, Bélgica, Suécia, Estados Unidos, Canadá e
Rússia (SILVA et al., 2006 apud MESERLIAN, 2009). É considerado um marco na história
mundial dos surdos, pois, na ocasião, foi votado qual o método a ser amplamente adotado no
ensino de surdos e o oralismo venceu quase que por unanimidade, somente Gallaudet e mais
quatro participantes votaram contra a adoção do oralismo. Devemos ressaltar que os
participantes surdos foram impedidos de participar da votação.
Skliar (2013 apud MESERLIAN, 2009) acredita que o Congresso de Milão foi um
divisor de águas na história dos surdos, pois, até então, outras formas de ensino além do
oralismo, como a língua de sinais, eram praticadas. No entanto, a partir daí, os surdos ficaram
proibidos de utilizar as línguas de sinais no mundo todo, fazendo com que a oralização virasse
sinônimo de repressão física e psicológica; tal imposição durou até meados do ano de 1960.
Isso trouxe consequências para as pessoas surdas, Sá (2003) afirma que, tanto no Brasil quanto
no mundo, os surdos foram e são condenados a um analfabetismo funcional, sido impedidos de
cursar um ensino superior, sendo alvos de uma educação meramente profissional, mantidos
desinformados, impedidos de exercer sua cidadania.
Como pode-se perceber, as decisões sobre a educação dos surdos estiveram divididas
entre a oralização e as línguas de sinais. De modo geral, assumimos que esse fato prejudicou o
ensino de pessoas surdas durante a História, pois, por vezes, foram utilizadas técnicas forçosas
e que não se adequavam ao educando. Nos tempos contemporâneos, podemos notar, pelos
resultados obtidos em nossas análises, que essa dualidade – oralização X língua de sinais –,
além de outros fatores sociais, parecem influenciar a produção oral dos surdos de modo que,
quando o contato linguístico do surdo durante o período de aquisição de linguagem é feito
apenas com a oralização, sua produção oral não se mostra de maneira esperada quanto a
21
determinados aspectos prosódicos e entoacionais que são capazes de especificar, por exemplo,
o tipo da frase (assertiva ou interrogativa total). No próximo capítulo, discutimos as teorias nas
quais baseamos essa pesquisa, além trabalhos de descrição feitos para o Português Brasileiro.
2. REVISÃO DE LITERATURA
Para melhor sustentarmos nossas considerações sobre a análise dos resultados, ancoramo-
nos nos pressupostos teóricos da Fonologia Prosódica (NESPOR E VOGEL, 2007) e da
Fonologia Entoacional (LEHISTE, 1972. PIERREHUMBERT, 1980. LADD, 2008), os quais
serão brevemente expostos nas seções a seguir. Apresentamos uma seção especial que tratará
especificamente do sintagma entoacional (I), evidenciando sua relação com os componentes de
outras gramáticas e suas regras de construção, pois ele foi o constituinte prosódico foco de nossa
pesquisa. Na seção final, resenhamos trabalhos que se preocuparam em descrever os aspectos
prosódicos e entoacionais da produção de frases assertivas e interrogativas totais no Português
Brasileiro, foco dessa pesquisa.
2.1. REVISÃO TEÓRICA
2.1.1 A Fonologia Prosódica de Nespor e Vogel (2007)
A Fonologia foi caracterizada, no princípio da Teoria Gerativa, pela organização linear
dos segmentos de uma dada língua e seus conjuntos de regras, cujo domínio era implicitamente
definido em relação aos limites da estrutura de superfície do constituinte morfossintático
(CHOMSKY; HALLE, 1968 apud NESPOR; VOGEL, 2007). Essa caracterização atribuída à
Fonologia, à época, fez com que a interação dela com as outras partes da Gramática ficasse
limitada à Sintaxe, entendendo que o output do componente sintático era constituído pelo input
do componente fonológico com a possível intervenção de Regras de Reajustamento
(Readjustment Rules).
22
Nespor e Vogel (2007) consideram essa uma visão fundamentalmente inadequada para
a Fonologia. Para essas autoras, o componente fonológico não pode ser considerado um sistema
homogêneo, ele deve ser visto como um conjunto de subsistemas interacionais, cada qual
governado por seus próprios princípios, tais como as teorias de Grade Métrica, Fonologia
Lexical, Fonologia Autossegmental e Fonologia Prosódica. Dentre esses, o subsistema
prosódico é estudado pelas autoras, em especial a sua teoria de domínios. Para a teoria
prosódica, a representação mental da fala é dividida em partes hierarquicamente arranjadas,
essas partes – ou seja, os constituintes prosódicos da gramática – são assinalados por diferentes
tipos de pistas, desde mudanças fonéticas sutis até modificações reais de segmentos, isto é, cada
constituinte prosódico serve como domínio de aplicação de regra fonológicas específicas e
processos fonéticos. Esse novo ponto de vista fez com que o foco dos estudos fonológicos
migrasse de um estudo de sistema de regras em direção ao estudo de princípios que governam
a aplicação de processos gramaticais, em função da necessidade do desenvolvimento de uma
teoria que desse conta dos fenômenos ocorrentes nos domínios prosódicos (NESPOR; VOGEL,
2007).
No desenvolvimento dessa teoria, foi proposto um modelo em que os constituintes
prosódicos fossem caracterizados por diferentes regras que se aplicam em relação a eles e,
também, os diferentes princípios que o definem. Cada um desses constituintes forma-se a partir
de pistas com informações fonológicas e não-fonológicas na definição do seu domínio, ou seja:
os constituintes prosódicos são interacionais, eles irão se relacionar com outros constituintes da
gramática da língua, além dos fonológicos. Nespor e Vogel (2007) salientam que é de total
relevância entender que os constituintes prosódicos resultantes dessa relação não serão
necessariamente isomórficos a qualquer outro constituinte da gramática, portanto, mesmo que
o constituinte prosódico resultante tenha sido formado com base em informações morfológicas
ou sintáticas, não haverá necessariamente uma relação de um para um dele com os constituintes
da morfologia ou da sintaxe. Dizer que os constituintes não são isomórficos significa dizer que
eles não têm suas formas correspondentes, ou seja, o constituinte fonológico não terá,
necessariamente, a mesma forma que os constituintes das outras gramáticas com os quais
interaja.
Sobre a relação da estrutura hierárquica prosódica e seus componentes com as outras
estruturas e componentes da gramática, as autoras apontam, ainda, que a hierarquia prosódica
e a morfossintática se diferem, por exemplo, não só na maneira como elas dividem seus
constituintes, mas também em sua profundidade. A prosódica é construída por regras não
23
recursivas, assim sendo, sua estrutura é finita, enquanto as regras da hierarquia sintática são
recursivas, proporcionando uma estrutura mais profunda, não finita. Por sua vez, Nespor e
Vogel (2007) assumem que a relação entre os componentes fonológico e semântico também é
necessária, uma vez que este contém informações que devem ser avaliadas pela fonologia para
os níveis mais altos da hierarquia prosódica. Dessa forma, imaginar um componente fonológico
totalmente autônomo não é aceitável para a teoria prosódica, mesmo que na Fonologia Gerativa
clássica várias aplicações de regras sejam motivadas por informações puramente fonológicas.
Esses componentes foram organizados em uma estrutura abstrata para especificar suas
unidades fonológicas. A proposta das autoras postula que a hierarquia prosódica seja formada
por sete unidades fonológicas: enunciado (U), sintagma ou frase entoacional (I), sintagma
fonológico ou frase fonológica (ɸ), grupo clítico (C), palavra fonológica ou palavra prosódica
(ω), pé (Ʃ) e sílaba (σ) (NESPOR; VOGEL, 2007, p.11). Podemos ver, na Figura 1, a
representação dessa hierarquia, logo após, faremos uma breve definição das características de
constituição de cada uma dessas unidades e de seus respectivos domínios de aplicação de regras.
Figura 1 - Estrutura da Hierarquia Prosódica
Fonte: adaptação de NESPOR E VOGEL, 2007.
24
➢ Sílaba (σ)
A sílaba (σ) é a menor unidade da hierarquia prosódica. Sua aceitabilidade na teoria da
Fonologia Gerativa era o tema principal das discussões a seu respeito. Os trabalhos de Hooper
(1972), além de Hooper (1976) e Vennemann (1971, 1974) na Fonologia Gerativa e Kahn
(1976) na Fonologia Autossegmental foram de grande importância para considerar a sílaba uma
unidade de análise. Uma vez que essa consideração foi assumida, surgiram várias pesquisas que
se ocuparam com os aspectos de sua natureza e com o seu papel na fonologia. Nespor e Vogel
(2007) assumem que dependeram dessas pesquisas para formular as regras e princípios das
unidades e domínios da teoria prosódica no que diz respeito à estrutura interna da sílaba e os
seus templates, à relação entre os segmentos dentro da sílaba, à silabificação e à
ressilabificação, à representação autossegmental delas e aos estudos da sílaba em línguas
específicas.
Quanto ao processo de silabificação, por exemplo, as autoras destacam que a definição
do domínio em que ele se aplica é o mesmo em que se encontra a interação entre o componente
prosódico e o morfossintático da gramática. Ou seja, os princípios do processo de silabificação
são definidos com base em elementos não fonológicos para agrupar os segmentos em sílabas
bem-formadas. Por exemplo, seguindo o princípio de maximização do onset, aloca-se uma
consoante intervocálica no início da sílaba à direita e não no fim da sílaba à esquerda (NESPOR;
VOGEL, 2007, p.62 e p.63), como vemos no exemplo do inglês em (1):
(1)
Fonte: NESPOR E VOGEL, 2007. p. 63
No exemplo (1), a aplicação do Princípio de Maximização do Onset não produz sílabas
bem-formadas na silabificação, como visto em (1 b-d) marcados com asterisco para indicar
25
agramaticalidade, somente (1a) não é agramatical. Observando a morfologia das palavras do
exemplo (1), vemos que b., c., e d são palavras compostas por mais de um morfema, enquanto
a é monomorfêmica. Esse fato demonstra uma interação entre os componentes fonológico e
morfológico, uma vez que a construção da sílaba bem-formada necessita de informações não
fonológicas fornecidas na relação entre as duas partes da gramática da língua. O exemplo (2)
apresenta a correta silabificação de b., c. e d, que leva em conta a interação com o componente
morfológico:
(2)
Fonte: NESPOR E VOGEL, 2007. p. 63
A partir desse e de inúmeros exemplos de aplicações de regras, que se aplicam no
domínio da sílaba, em diferentes línguas, as autoras definem a sílaba como a menor unidade
constituinte da hierarquia prosódica.
➢ Pé (Ʃ)
A Strict Layer Hypothesis exige que as unidades menores devam ser exaustivamente
agrupadas em constituintes diretamente superiores a ela. Logo, é importante reforçar que existe
um constituinte intermediário à sílaba e à palavra fonológica: o pé (Ʃ). Na Teoria Métrica, o pé
é de fundamental importância para a determinação da posição da sílaba acentuada e da sílaba
não acentuada, base para atribuição de acento em várias línguas. Assim como aconteceu com a
sílaba, houve discussões sobre a sua aceitabilidade como unidade de análise. No entanto, para
a Fonologia Prosódica, o pé é uma unidade constituinte da hierarquia prosódica, pois existem
certas regras fonológicas que se aplicam exclusivamente nesse nível (NESPOR; VOGEL, 2007,
p.83 e p.84).
O pé é constituído pela relação das sílabas. Uma sílaba será rotulada como forte a partir
de sua relação com as outras sílabas adjacentes a ela e, rotulada a sílaba forte, todas as outras
serão fracas. Assim poderão formar-se pés: i) binários, com duas sílabas; ii) indefinidos, com
26
qualquer número de sílabas. Há, também, línguas com pés binários que podem ter pés ternários
e, ainda, o pé degenerado (HAYES, 1981 apud NESPOR; VOGEL, 2007, p. 84). Não só a
quantidade de sílabas, mas também sua estrutura interna é relevante para definir a formação do
pé. Esse fato produz, por exemplo, pés sensíveis à quantidade, em que o peso da sílaba é levado
em consideração para sua construção, e pés não sensíveis à quantidade, nos quais o peso da
sílaba não é levado em consideração para sua construção. Ao contrário de Hayes (1981) que
adota pés binários, indefinidos, ternários e degenerados, as autoras propõem que todas as
unidades constituintes da hierarquia prosódica, incluindo o pé, sejam n-ários. Nas Figuras 2 e
3 abaixo, temos, respectivamente, um pé binário e um n-ário:
Figura 2 - Pé binário (HAYES, 1981.)
Fonte: NESPOR; VOGEL, 2007. p. 85
Figura 3 - Pé n-ário (NESPOR E VOGEL, 1986)
Fonte: NESPOR; VOGEL, 2007. p. 86
27
➢ Palavra fonológica (ω)
A palavra fonológica (ω), ou palavra prosódica, é outro constituinte da hierarquia
prosódica, na qual o uso de informações não fonológicas é crucial para a sua construção, uma
vez que ela representa a interação entre o componente fonológico e o morfológico da gramática
de uma língua. Respeitando a Strict Layer Hypothesis, a palavra fonológica deve agrupar todos
os pés por ser a camada diretamente superior a ele. Nespor e Vogel (1986, 2007) divergem de
van der Hulst (1984), que propõe que a sílaba e o pé já estão no léxico e são acessíveis ao ponto
em que o domínio da palavra fonológica é definido, ou seja, as sílabas e pés devem ser ajustados
seguindo o processo de formação de palavra para estabelecer sílabas e pés ótimos. Para as
autoras, as sílabas e os pés são criados no nível da palavra fonológica e este procedimento
produz automaticamente sílabas e pés ótimos não sendo necessário reajustes. Em outros casos,
será a interação entre os componentes fonológico e morfológico que definirá a estrutura da
palavra fonológica.
É importante ressaltar que não há isomorfia obrigatória entre os constituintes prosódicos
e os constituintes de outros componentes da gramática, mesmo que ela seja possível, não é
obrigatória, salvo algumas línguas como o Grego e o Latim nas quais ele é obrigatório. Booij
(1983), entre outros, argumentam a favor da existência de três possibilidades para o domínio da
palavra fonológica: ela pode ser maior, menor ou igual ao elemento terminal da árvore sintática.
Nespor e Vogel, por sua vez, assumem que não existem palavras fonológicas que sejam maiores
do que o elemento terminal da árvore sintática, eles serão menores ou iguais a esse elemento.
Tal fato demonstra uma intrínseca relação entre os componentes da gramática (fonologia e
sintaxe) citados aqui. Tendo por base o domínio da palavra fonológica em línguas como o Latim
e o Grego, as autoras definem palavras fonológicas que são coextensivas com o constituinte
dominado pelo nó terminal da árvore sintática.
Assim, nota-se que o domínio da palavra fonológica é o nível no qual acontece a
interação entre os componentes fonológico e sintático da gramática da língua, e várias opções
são possíveis para a definir sua construção. Essas noções sintáticas são usadas para definir a
palavra fonológica; no entanto, elas não são as mesmas em todas as línguas. Existem línguas
28
em que o domínio da palavra fonológica é igual ao nó terminal da árvore sintática, como o
Grego e o Latim, já dito anteriormente; há outras cujo o domínio se dá em um radical, seus
prefixos ou sufixos ou ambos (NESPOR; VOGEL, 2007, p.141). Todas as possibilidades
apresentadas nesse parágrafo podem ser expressas pela definição geral do domínio da palavra
fonológica proposto por Nespor e Vogel (2007) apresentado em (3) abaixo (NESPOR; VOGEL,
2007, p.141):
(5) Domínio da palavra fonológica
A. O domínio da palavra fonológica é Q (assumindo Q como o elemento terminal
da árvore sintática).
Ou
B. I – O domínio da palavra fonológica consiste em
a. Um radical.
b. Qualquer elemento identificado por critérios morfológicos ou fonológicos
específicos.
c. Qualquer elemento com diacrítico.
II - Qualquer elemento desgarrado dentro do elemento terminal da árvore sintática
faz parte da palavra fonológica adjacente mais próxima, caso não exista uma palavra
fonológica, ele forma uma ele próprio.
(tradução nossa1)
Apesar do número de possibilidades permitido pela definição dada em (5), certos tipos
de potenciais de domínios das palavras fonológicas são excluídos, pois ela prediz que não
existam línguas em que o domínio da palavra fonológica seja maior do que o elemento terminal
1 ω domain:
A. The domain of ω is Q
Or
B. I – The domain of ω consists of a. a stem; b. any element identified by specific phonological and/or morphological criteria; c. any element marked with the diacritic [+W].
II – any unattached elements within Q form parto f the adjacentes ω closest to the stem; if no such ω exists, they form a ω
their own.
29
da árvore sintática. Ou seja, de um modo mais geral, só há duas possibilidades para a dimensão
do domínio da palavra fonológica: igual ou menor que o elemento terminal da árvore sintática.
➢ Grupo Clítico (C)
Os clíticos (C) possuem uma natureza híbrida, o que torna sua observação problemática.
Sapir (1930 apud NESPOR E VOGEL, 2007) diz que o clítico não é nem uma sufixação real
nem a justaposição de elementos independentes; por sua vez, Crystal (1980) entende o clítico
como uma forma que se assemelha a uma palavra, mas não se sustenta, ele próprio, como um
enunciado. A característica de dependência do clítico corresponde ao significado original da
palavra em Grego – depender. Há duas formas de dependência do clítico, a sintática e a
fonológica; no entanto, a Fonologia Prosódica concentra sua atenção na dependência fonológica
(NESPOR; VOGEL, 2007). Comumente, na Fonologia, o clítico é considerado ou como
pertencente à palavra fonológica, sendo considerados semelhantes aos afixos, ou como
pertencente ao sintagma fonológico, sendo considerados semelhantes a palavras independentes.
As autoras divergem dessas comuns considerações de pertencimento do clítico,
mostrando que eles não podem fazer parte dessas unidades constituintes (palavra fonológica e
sintagma fonológico), uma vez que seu comportamento fonológico, geralmente, é diferente dos
afixos e das palavras independentes. Além disso, elas afirmam que existem fenômenos
fonológicos que são próprios de grupos que consistam de uma palavra e mais um clítico,
portanto, é necessário que haja uma unidade constituinte nesse domínio entre a palavra
fonológica e o sintagma fonológico para dar conta de tais fatos.
➢ Sintagma Fonológico (ɸ)
O sintagma fonológico (ɸ) é a unidade constituinte da hierarquia prosódica
imediatamente superior ao grupo clítico. É o domínio responsável por agrupar exaustivamente
os conjuntos de grupos clíticos, de acordo com a Strict Layer Hypotesis. Nespor e Vogel (2007)
advertem que uma unidade fonológica é fundamental à medida em que ela seja necessária para
30
a formulação de regras fonológicas e postulam o ɸ como constituinte com base no papel que
ele desempenha na definição do domínio de aplicação da regra de Duplicação sintática ou
Raddoppiamento Sinttatico no Italiano, que será brevemente explicada posteriormente. Além
disso, demonstram a validade do ɸ com base em outros fenômenos fonológicos do Italiano que
se aplicam no mesmo domínio da regra de Raddoppiamento Sinttatico. As autoras propõem que
as noções sintáticas sejam relevantes para a construção do ɸ e que essas noções podem
descrever a construção do ɸ em todas as línguas cujo a base das regras sejam definidas pela
Teoria X̄ .
O Raddoppiamento Sinttatico é aplicado em uma sequência de duas palavras
fonológicas (ωs) para alongar a consoante inicial da segunda ω se: a) a consoante a ser alongada
for seguida por um segmento sonoro, especificamente uma vogal ou outra não nasal sonora, e
b) se a ω terminar em uma vogal que esteja na sílaba marcada com o acento principal da ω;
para tal, essa vogal deve ser curta (NESPOR; VOGEL, 2007, p.165 e 166). Baseadas nesse e
em outros fatos linguísticos examinados pelas autoras, por exemplo, quanto ao lado recursivo
da língua, elas propõem uma definição para a formação do domínio, da construção e da
proeminência relativa do ɸ apresentada em (4) (NESPOR; VOGEL, 2007, p.168)
(4)
I – domínio do ɸ
O domínio do ɸ consiste em um clítico que contém uma cabeça lexical (X) e todos
clíticos no seu lado não recursivo que contenham outra cabeça fora da projeção
máxima de X².
II – construção do ɸ
Junte a um ɸ, em ramificações n-árias, todos os clíticos incluídos em uma cadeia
delimitada pela definição de domínio do ɸ.
III – proeminência relativa do ɸ
Em línguas em que as árvores sintáticas têm cabeça à direita, o nó mais à esquerda
do ɸ é rotulado como F (forte); em línguas em que as árvores sintáticas têm a cabeça à esquerda,
o nó mais à esquerda da ɸ é rotulado como f (fraco). Todos os nós irmão do nó F são rotulados
como f.
31
(tradução nossa2)
Nespor e Vogel concluem que o domínio de aplicação do Raddoppiamento Sintattico
(RS), que é o mesmo do ɸ, não se identifica com nenhum constituinte sintático, uma vez que
dentro do mesmo constituinte foram encontrados tanto casos em que houve a aplicação do RS
quanto casos em que não houve RS (NESPOR; VOGEL, 2007, p.171). As regras que constroem
o ɸ dividem uma dada cadeia em constituintes que não são isomórficos aos constituintes da
hierarquia sintática.
O próximo constituinte a ser brevemente comentado será o enunciado (U). Optamos por
não seguir a sequência estabelecida pela Hierarquia Prosódica devido a importância do sintama
entoacional (I) em nossa pesquisa. Por esse motivo, esse constituinte terá uma seção especial
na qual serão descritas as principais regras que definem sua formação, além de suas
características, como a variabilidade, e suas interações com outros níveis da gramática –
sintático e semântico, por exemplo.
➢ Enunciado (U)
O enunciado (U) é o maior constituinte da hierarquia prosódica, é formado por um ou
mais Is – unidade constituinte diretamente inferior. Conforme exigido pela Strict Layer
Hypostesis, todos os Is devem ser exaustivamente agrupados no enunciado (U). Nespor e Vogel
(2007) postulam que seu domínio se estende ao longo da camada dominada pelo nó mais alto
da árvore sintática (chamado de Xn); no entanto, elas não consideram que o U seja apenas uma
contraparte desse nó. Um argumento usado pelas autoras para mostrar que o U e o Xn não são
os mesmos é o de que muitas regras fonológicas operam no domínio de U, mas não nos limites
de Xn. É essa diferença que fornece o fundamento maior para considerar o U como um
constituinte da Fonologia Prosódica, pois foram encontrados fenômenos fonológicos cujo
2 I – ɸ domain
The domain of ɸ consists of a C which contains a lexical head (X) and all Cs on its nonrecursive side up to the C that
contains another head outside of the maximal projection of X².
II – ɸ construction Join into na n-ary branching ɸ all Cs included in a string delimited by the definition of the domain of ɸ.
III – ɸ relative proeminence In languages whose syntatic trees are right branching, the rightmost node of ɸ is labeled s; in languages whose syntatic
trees are left branching, the leftmost node of ɸ is labeled s. All sister nodes of s are labeled w.
32
domínio de aplicação não pode ser formulado pela estrutura constituinte que é fornecida pela
sintaxe. O U também utiliza informações sintáticas em sua definição e, assim como os demais
constituintes da hierarquia prosódica, o U resultante não é necessariamente isomórfico a
qualquer constituinte sintático (NESPOR; VOGEL, 2007, p.221). Ser isomórfico significa ter
a mesma forma, o mesmo “tamanho”: nesse caso, significa dizer, que, embora fatores fonético-
fonológicos interajam com outros níveis da gramática, o constituinte de um não terá
necessariamente a mesma forma do de outro.
No nível mais alto da hierarquia prosódica, além de fatores sintáticos e fonológicos, a
reestruturação do U depende também de fatores lógico-semânticos. Nesse ponto, são
encontradas interações entre vários componentes da gramática da língua, e essas interações
provocam mudanças não na organização da Fonologia, mas na organização da gramática em
geral. As autoras assumem que o U é delimitado pelo início e o fim do constituinte sintático Xn
(o nó mais alto da árvore sintática), basicamente: U é constituído por aqueles Is que são
dominados pelo mesmo Xn na árvore sintática. O agrupamento de Is em um U deve ser feito
com base nas informações sintáticas, semânticas e lógico-semânticas, tendo isso como base, é
proposta uma definição básica do domínio do U apresentada em (5):
(5) Formação do U
I – domínio do U
O domínio de U consiste em todos as Is correspondentes a Xn na árvore sintática.
II – construção do U
Junta-se a um esquema n-ário de U todos os Is incluídas em uma ramificação
delimitada pelo domínio de U.
(tradução nossa3)
Distinções relacionadas à proeminência relativa, que são significantes para definir
unidades constituintes menores como a palavra fonológica, serão consideradas, também, no U,
ou seja, é possível assinalar valores de forte (F) e fraco (f) para os Is de um U, salvo em casos
3 I – U domain
The domain of U consists of all the Is corresponding to Xn in the syntatic tree.
II – U construction Join into an n-ary branching U all Is included in a string delimited by the definition of the domain of U.
33
de ênfase em algum elemento por questões de estilo ou objetivo comunicativo. Bing (1979: 145
apud NESPOR; VOGEL, 2007: 223) sugere que existe uma entoação na sentença-final que
ocorre no final do sintagma entoacional para indicar que o enunciado acabou. Essa observação,
assim como a de que vogais, por exemplo, tendem a ser alongadas no final da sentença do fim
do constituinte sintático, indicam que o último I do U é o mais forte. A partir disso, é proposta
uma regra de constituição do U, tendo em vista a proeminência relativa, apresentada em (6)
(NESPOR; VOGEL, 2007, p.223):
(6) U: Proeminência relativa
O nó mais à direita dominado pelo U é o forte; todos os outros nós são fracos.
(tradução nossa4)
Nespor e Vogel (2007) salientam que a relação natural que envolve as sentenças parece
ser crucial para determinar quando duas ou mais sentença podem formar uma unidade
fonológica simples. Portanto, é preciso estabilizar várias condições pragmáticas e fonológicas,
no que diz respeito às relações entre as sentenças, para reestruturar U. Para isso, as autoras
ressaltam que duas condições de natureza pragmática devem ser encontradas: i) as duas
sentenças devem ser pronunciadas pelo mesmo falante e ii) as duas sentenças devem ser
endereçadas ao mesmo interlocutor (NESPOR; VOGEL, 2007, p.239 e p.240).
São apresentadas regras de línguas como o espanhol (do México), o Inglês britânico e o
estadunidense demonstrando que o U é o domínio de aplicação de tais regras, fornecendo,
assim, evidências para a existência dessa unidade constituinte da hierarquia prosódica. O
domínio de aplicação das regras não se identifica com nenhum constituinte sintático, sendo,
então, essencial estabelecer uma unidade prosódica distinta. O U faz uso de noções sintáticas e
pragmáticas para a definição, no entanto, assim como os outros constituintes da hierarquia
prosódica que interagem com os componentes sintáticos, não haverá, obrigatoriamente,
isomorfia entre os constituintes fonológico e morfológico.
4 Phonological Utterance: Relative proeminence
The rightmost node dominated by U is Strong: all other node are weak.
34
Na próxima seção, tratamos especialmente do sintagma entoacional. Esse será o
constituinte foco em nossa pesquisa. Portanto, iremos apresentar as regras de sua constituição,
suas relações com outros níveis gramaticais e suas regras de reconstrução.
2.1.1.1 O sintagma entoacional, suas relações e suas de construção e
reconstrução.
Na seção anterior, exporemos, sucintamente, os seguintes constituintes prosódicos:
sílaba, pé, palavra fonológica, grupo clítico, sintagma fonológico e enunciado. Nessa seção que
se segue, damos destaque ao sintagma entoacional, evidenciando as relações com outras
gramáticas da língua que influenciam na sua construção e reconstrução.
O sintagma entoacional (I) é o domínio no qual são agrupados um ou mais ɸs tendo por
base informações sintáticas; entretanto, sabe-se que a natureza dessas informações é mais
genérica do que é necessário para a definição do ɸ Além de fatores sintáticos básicos que
desempenham algum papel na formação do I, existem, também, fatores semânticos
relacionados a proeminência e fatores de desempenho, como o ritmo da fala e o estilo que
podem afetar o número de contornos entoacionais contidos em um enunciado. Portanto, Nespor
e Vogel (2007) advertem que qualquer definição do domínio do I deve permitir essa
variabilidade. Apesar do grande grau de variabilidade na organização de um esquema arbóreo
para os Is, é possível diferenciar o I de outros constituintes prosódicos por existirem restrições
sintáticas e semânticas sobre o que o constitui. As autoras demonstram, também, que os
esquemas delimitados pelo I não conseguem descrever o domínio sobre o qual o contorno
entoacional se espalha. Embora o contorno entoacional seja essencial na discussão do I como
constituinte da hierarquia prosódica, elas limitam-se a discutir esse contorno apenas em seu
domínio; os padrões fonéticos do contorno não serão discutidos (NESPOR; VOGEL: 2007,
p.187). Tal discussão será apresentada na seção 2.1.3.3 intitulada Ladd (2008).
A regra básica para a formação do I divide exclusivamente uma sequência de ɸs não
permitindo qualquer variabilidade na estrutura de I. No entanto, vimos que a variabilidade é
uma característica desse nível na hierarquia prosódica; assim, é proposto que o sintagma
entoacional seja o resultado de tipos separados de regras de reestruturação. A formulação dessa
35
regra básica de formação é baseada na noção de que o I é o domínio de um contorno e de que
o fim do I coincide com as pausas que podem ser introduzidas em uma sentença (NESPOR;
VOGEL, 2007, p.188). Certos tipos de construções de Is parecem formar domínios entoacionais
por si só, são vocativos, expressões complementativas ou explicativas etc., essas construções
obrigatoriamente formam um I, independentemente de onde ele ocorra na sentença. Nespor e
Vogel (2007) lembram que existem outras noções sintáticas, como a de sentença raiz, que são
relevantes para a formação do I, mais especificamente: as fronteiras da sentença raiz delimitam
um I, mas, se uma sentença não é uma sentença raiz, ela não pode fazer essa delimitação. A
partir dessas considerações, as autoras propõem que a variabilidade característica do I é
resultado de um tipo específico de regras, as regras de reconstrução.
Nespor e Vogel (2007) relatam que é preciso observar que, em relação aos sintagmas
entoacionais, existem certos tipos de construções que formam domínios entoacionais por si só
– os Is obrigatórios, que podem ser expressões entre parênteses, orações adjetivas, termos da
oração que foram deslocados e orações restritivas. A proposta feita é de que essas construções
sintáticas formem Is obrigatórios em todas as línguas que as utilizam. Em (7), temos um
exemplo utilizado pelas autoras para demonstrar a formação desse I obrigatório:
(7)
Fonte: NESPOR; VOGEL, 2007. p. 188
Para esses casos de construções que formam um I obrigatório, é seguida a proposta feita
por Safir (1985) sobre as orações explicativas. Essa abordagem assume que é possível dar conta
dessas construções entendendo que são elementos que são linearmente representados, mas não
anexados à estrutura da sentença. Ou seja, elas são elementos que, de certa forma, encontram-
se externos à sentença raiz com a qual estão associados. Além disso, Nespor e Vogel (2007)
assumem que esses tipos de construções formam Is independentemente de onde aconteçam na
36
sentença. De modo a ilustrar a recorrência disso, baseamo-nos nos exemplos das autoras e
apresentamos um exemplo em Português em (8):
(8) a. [Como você viu] I, Rafael é um jogador.
b. Rafael, [como você viu] I, é um jogador.
c. Rafael é, [como você viu] I, um jogador.
d. Rafael é um jogador, [como você viu] I. (Adaptação nossa5)
Nespor e Vogel (2007) destacam que, além desses tipos específicos de construções, a
sentença raiz da estrutura sintática também é um fator sintático relevante para a formação do I.
Elas afirmam que a fronteira da sentença raiz delimita um I; assim, quando a sentença não é a
raiz, ela não é capaz de delimitar o I. Buscando exemplificar esse fato, fizemos uma tradução
livre, para o Português Brasileiro, dos exemplos demonstrados pelas autoras em (9):
(9) a. [Lucas pensava que seu pai fosse um comerciante,]I [e ele era um agente
secreto.]I
b. [Lucas pensava que seu pai fosse um comerciante e sua mãe fosse uma agente
secreta.]I
(Adaptação nossa6)
Além disso, as autoras salientam que existem também casos em que a sentença raiz não
pode formar um I por ter sido interrompida por um elemento que obrigatoriamente forma um I.
Ou seja, no exemplo acima (8), a sentença raiz Rafael é um jogador é “dividida” pelo elemento
que obrigatoriamente forma um I (como você sabe) fazendo com que a sentença não possa mais
formar um I sozinha. No entanto, Nespor e Vogel (2007) argumentam que qualquer constituinte
sintático adjacente precedente ou seguinte a um que obrigatoriamente forma um I deve,
5 No original, lê-se:
a. [As you know]I Isabelle is an artist
b. Isabelle [as you know]I is an artist
c. Isabelle is [as you know]I an artist
d. Isabelle is na artist [as you know]I 6 No original, lê-se:
a. [I Billy thought his father was a Merchant]I [I and his father was an secret agent]I
b. [I Billy thought his father was a merchant and his mother was a secret agent] I
37
também, formar um I. Recorrendo ao exemplo anteriormente citado, temos, em (10), a
demonstração dessa formação:
(10) a. [Rafael]I [como você sabe]I [é um artista]I
b. [Rafael é]I [como você sabe]I [um artista]I
A partir dessas e de outras evidências, é proposto a definição básica do I na Fonologia
Prosódica apresentada em (11) (NESPOR; VOGEL, 2007, p.189):
(11) I – domínio do I
Um domínio pode consistir em:
a) Todos os ɸs em uma ramificação que não esteja adjungida estruturalmente à
árvore da sentença no nível da estrutura-s
b) Qualquer sequência remanescente de ɸs adjacentes a uma sentença raiz.
II – construção do I
Junta-se a um esquema n-ário de I todos os ɸs incluídos em uma ramificação
delimitada pela definição do domínio do I.
(tradução nossa7)
Normalmente, o domínio do I será isomórfico a qualquer tipo de constituinte que
obrigatoriamente forma um I e as sentenças raiz que não forem corrompidas pela formação de
I obrigatórios; mas não em todos os casos. Quando a sentença raiz não for corrompida por Is
obrigatórios, os domínios adjacentes a eles não serão isomórficos com nenhum constituinte
sintático. As autoras demonstram essas características examinando várias línguas e constatando
a aplicação de regras exclusivamente dentro desse domínio da unidade constituinte da
hierarquia prosódica, o I. Elas confirmam sua natureza flexível exibindo o grau de variabilidade
das suas aplicações em línguas como o Grego, o Inglês e o Espanhol. O que se percebe é que
as noções morfossintáticas e suas relações com a Hierarquia Prosódica são imprescindíveis para
7 I – I domain
An domain may consists of a. all the ɸ in a string that is not strutucturally attached to the sentence tree at the level of the s-structure, or b. any remaining sequence of adjacente ɸs in a root sentence.
II – I construction Join into an n-ary branching I all ɸs included in a string delimited by definition of the domain of I.
38
a formação do I, entretanto, o resultado dessa interação não será necessariamente de um para
um com nenhum constituinte da Gramática. (NESPOR E VOGEL, 2007. p. 190)
A proeminência relativa dos ɸs que compõe um I tem como forte característica a
variabilidade, uma vez que deve ser determinada tendo como base fatores semânticos como o
foco ou os conceitos de Tema e Rema. As autoras assumem que o uso de um artigo definido ou
indefinido pode trazer as informações necessárias para definir qual o ɸ mais forte dentro do I.
Novamente, para melhor ilustrar, apresentamos um exemplo (12) livremente traduzido de
Nespor e Vogel (2007) pág. 191 (nesse exemplo: f = fraco / F = Forte):
(12) a. [ [Alberto] ɸf [encontrou] ɸf [uma mochila] ɸF [no degrau da porta] ɸf ] I
b. [ [Alberto] ɸf [encontrou] ɸf [a mochila] ɸf [no degrau da porta] ɸF ]I
De modo geral, a atribuição de acento em um I depende de informações prévias ou
conhecimento compartilhado sobre o enunciado que não estarão necessariamente presentes no
contexto linguístico. Assim, Nespor e Vogel formulam uma regra amplamente geral para as
relações de proeminência relativa dentro de um I, apresentada em (13):
(13) Proeminência relativa do sintagma entoacional
Em um I, o nó forte é rotulado tem como base a sua proeminência semântica, os
outros nós são rotulados como fracos.
(Tradução nossa8)
É importante ressaltar que existem fatores que podem influenciar a reconstrução de um
I. De acordo com as autoras, o comprimento do I é preponderante para que ele sofra processos
de reestruturação, além da velocidade de fala, estilo ou proeminência contrastiva. Elas assumem
que, se o material dominado por uma sentença raiz é longo, os Is resultantes tendem a, também,
serem longos. Nesses casos, acontece uma reestruturação do I por razões fisiológicas, devido a
maior capacidade de respiração exigida, e razões relacionadas à “divisão em partes” que cada
sujeito faz para o melhor processamento linguístico. Essa divisão é mais aceitável em Is
maiores, mesmo sendo possível em Is menores. Nespor e Vogel (2007) alegam que parece haver
uma tendência a evitar séries de Is muito curtos, assim como sequências com Is de tamanhos
8 Intonational Phrase Relative Prominence
Within I, a node is labeled s on the basis of its semantic prominence; all other nodes are labeled w.
39
muito variados, ou seja, existe uma tendência a estabilizar o I de uma maneira mais ou menos
uniforme.
O outro fator que as autoras assumem influenciar a reconstrução do I é a velocidade de
fala. Segundo Nespor e Vogel (2007), quanto mais rápido um enunciado for produzido, menos
provável é que ele seja quebrado em vários Is menores, devendo, portanto, respeitar noções um
pouco mais abstratas do comprimento em termos de ritmo e tempo. Além disso, o estilo (formal
X informal) é outro fator que influencia a reconstrução do Is, dividindo-o em Is menores. As
autoras ressaltam que, em um estilo mais formal de fala, é provável que um I longo seja dividido
em Is menores e isso está diretamente relacionado à velocidade de fala. Um enunciado
produzido no estilo informal, ou seja, coloquial, provavelmente terá Is maiores do que aquele
produzido em contexto formal.
Novamente, percebe-se que a variabilidade é frequentemente observada em relação aos
contornos entoacionais, demonstrando grande flexibilidade. No entanto, essa flexibilidade não
é totalmente livre. Respeitando a Strict Layer Hypothesis, todos os ɸs devem ser
exaustivamente dominados por um I. Desse modo, quando ocorrer reestruturação do I, ela deve
acontecer entre dois ɸs. Existem, também, certas restrições de ordem sintática que definem
onde um I pode ser dividido; dessas o fator mais importante parece ser a tendência a evitar
reconstruções que não ocorram no final do sintagma nominal. Ou seja, a reconstrução parece
não ocorrer no meio do sintagma sintático, dividindo seus elementos, portanto, a reconstrução
de (14) apresentada em (14a) é permitida e a apresentada em (14b) não:
(14) O grande panda come somente um tipo de bambu no seu habitat natural
a. [O grande panda]I [come]I [só um tipo]I [de bambu]I [no seu habitat natural]I
b. [O grande]I [panda]I [come]I [só um]I [tipo]I [de bambu]I [no seu]I [habitat
natural]I
Corroborando a afirmação de que a reconstrução do I só pode ocorrer no final do
sintagma e não depois de um nome dentro do sintagma, as autoras demonstram que, em
construções sintáticas com pronomes possessivos, esses não podem ser divididos dos
substantivos que acompanham formando um I sozinho. Somente são permitidas reconstruções
que obedeçam à regra geral que diz que elas devem ocorrer no fim do sintagma, como em XX,
em que as autoras apresentam esse tipo de construção no Inglês e no Italiano, e que
40
apresentamos uma tradução, em (15) para o Português Brasileiro (NESPOR E VOGEL, 2007.
p.197):
(15) [My friend’s]ɸ [neighbor’s] ɸ [aunt’s] ɸ [mother] ɸ [knows] ɸ [a famous writer] ɸ
]I
[La madre] ɸ [della zia] ɸ [del vicino] ɸ [della mia amica] ɸ [conosce] ɸ [una famosa
scrittrice] ɸ ]I
[A mãe] ɸ [da tia] ɸ [do vizinho] ɸ [do meu amigo] ɸ [conhece] ɸ [uma escritora
famosa] ɸ ]I
Nespor e Vogel (2007) destacam que, além das restrições quanto ao local que a
reconstrução do I pode ocorrer, existem outras restrições de ordem sintática que influenciam
essa reconstrução. Elas demonstram que o início de S̄ é outro fator capaz de interagir com a
reconstrução do I, pois permite a criação de um novo I uma vez que isso não quebre o
sintagma. Essa criação de um novo I no início de S̄ , de acordo com as autoras, contraria o
efeito do terceiro fator, que evita a separação de um argumento interno do verbo. É
assumido que há uma hierarquia entre esses fatores que faz com que um tenha maior
influência sobre a reconstrução
do I do que o outro. Desse modo, temos a restrição quanto à quebra do sintagma nominal como
o fator mais forte entre eles, seguido pela restrição que diz que a criação de um novo I deve
ocorrer no início de S̄ e, por último, a de que o argumento do verbo não pode ser separado do
verbo.
Todos os preceitos resumidamente apresentados aqui nos servirão de base teórica em
nossa análise. Indubitavelmente, o foco central estará no sintagma entoacional I. No entanto, é
necessário que tenhamos conhecimento do funcionamento da Fonologia Prosódica e,
principalmente, da interação dessa com outras teorias, por exemplo, a entoacional. Além disso,
como observado nesse breve resumo da teoria prosódica, inúmeros fenômenos linguísticos
(prosódicos e/ou entoacionais), para serem descritos, precisaram de um olhar mais aprofundado
na estrutura prosódica. Assim, mesmo que estejamos centrados no I, não deixaremos de notar
qualquer evento que se mostre divergente daquilo previsto pela literatura, como, por exemplo,
o alinhamento dos eventos tonais à determinados constituintes da hierarquia prosódica.
Os pressupostos destacados nessas seções envolvendo a hierarquia prosódica e seus
constituintes foram nosso arcabouço teórico para as análises feitas em nossa pesquisa, uma vez
41
que, além de aspectos entoacionais, atentamo-nos, também a fatores prosódicos. Após termos
elucidado, resumidamente, os fatos que nos auxiliaram a investigar os aspectos prosódicos,
passamos a apresentar a teoria na qual sustentamos nossas afirmações e constatações sobre os
aspectos entoacionais.
2.1.3. Fonologia Entoacional
2.1.3.1. Lehiste (1972)
Além de nos basearmos nos preceitos da Fonologia Prosódica, utilizamos a Fonologia
Entoacional para dar sustentação às considerações feitas a partir de nossas análises. Um dos
primeiros autores a se preocupar com a descrição dos eventos tonais das línguas e com como
as unidades da fala são percebidas foi Ilse Lehiste. Assumindo a percepção como um vasto
campo que permite várias formas de abordagem, Lehiste (1972), baseando-se em vários
trabalhos desenvolvidos contemporaneamente ao seu (LIBERMAN, COOPER,
SHANKWEILER, STUDDERT-KENNEDY, 1967; SAVIN, BEVER 1970; ABBS,
SUSSMAN, 1971), postula as unidades da percepção de fala. Nesse trabalho, a autora se vale
das teorias e descobertas experimentais nos vários níveis em que as unidades de percepção
podem ser estabelecidas. O procedimento metodológico de Lehiste (1972) partiu de uma análise
da menor unidade para a maior unidade, portanto, descreveu-se desde a percepção de diferenças
fonéticas sub-fonêmicas à frases no nível da sentença e o relacionamento delas com a sintaxe.
Explicitaremos, aqui, brevemente, apenas os pressupostos das maiores dessas unidades e suas
relações devido ao nosso objeto de estudo demonstrar maior interação com tais unidades. No
entanto, entendemos que não podemos deixar de observar qualquer irregularidade que se
apresente quanto às menores unidades da percepção de fala.
Mesmo o nosso foco maior sendo, como já dito, as maiores unidades, deve-se salientar
que Lehiste (1972) ressalta que a habilidade do ouvinte em distinguir variações em pistas
acústicas é maior quando essas se dão nas fronteiras dos fones do que quando se dão dentro do
fone. Dessa forma, uma vez que essas fronteiras, inquestionavelmente, podem coincidir com
elementos relevantes para nossa pesquisa – o I, por exemplo –, elas não podem deixar de serem
42
notadas. No entanto, há pressupostos que demonstram que a unidade básica de percepção deve
ser maior que o fonema.
A autora aponta a pesquisa de Ladefoged e Broadbent (1970) para corroborar não só a
essa ideia de que a unidade básica de percepção é maior do que o fonema, mas também que os
falantes não lidam com cada som separadamente, e sim com grupos de sons. Tal afirmação foi
baseada em teste de percepção feito por Ladefoged e Broadbent (1970), no qual eram
apresentados uma série de sentenças para vários grupos de falantes. Em cada uma dessas
sentenças, foi inserido um “click” estranho o qual os ouvintes teriam que indicar a exata posição
em que tinham ocorrido. Fodor e Bever (1965 apud LEHISTE, 1972) valeram-se da mesma
técnica de Ladefoged e Broadbent (1970) para investigar a hipótese de que a unidade primária
da percepção de fala corresponde ao constituinte que compõem uma sentença, foi notado que
os “clicks” eram atraídos em direção à fronteira sintática mais próxima. Fodor e Bever
consideram que os resultados mostram que o deslocamento do “click” é um efeito que garante
a integridade dessas unidades de percepção, ou seja, elas resistem a sua intrusão.
Em outro experimento, foi pedido que os participantes indicassem a localização do
“click” nas sentenças, a qual diferiu em termos de probabilidade transicional entre as cláusulas.
A partir desse teste, Bever, Lackner e Stolz (1969 apud LEHISTE, 1972) analisaram a hipóteses
de que a segmentação perceptual da fala depende de probabilidades transicionais, ou seja, o
fato de que os “clicks” são alocados nas fronteiras entre as cláusulas seja mais uma
demonstração de que estruturas sintáticas são ativamente usadas para organizar o
processamento de fala do que um reflexo da baixa probabilidade transicional entre as cláusulas.
Vários outros experimentos são mencionados por Lehiste (1972) para definir as unidades
básicas da percepção de fala e o seu processamento.
A autora ressalta que as evidências levam a dois graus na percepção: o processamento
primário e o processamento linguístico. O processamento primário consiste em um
processamento auditivo e fonético, que constitui a escuta do sinal de fala; por sua vez, no nível
do processamento linguístico há vários outros níveis (fonológico e sintático, por exemplo). O
processamento linguístico pressupõe que o processamento primário se dê antes dele, e que o
processamento auditivo deve, logicamente, preceder qualquer outro nível de processamento,
além de considerar o processamento fonético como pressuposto pelos outros níveis, como o
fonológico e sintático. No entanto, a autora ressalta a possibilidade de admitir o processamento
fonético como um processo que se dá concomitantemente ao processamento linguístico. Lehiste
43
(1972) assume que as unidades dos vários níveis se diferem no tamanho e que existe larga
interação entre elas, por exemplo, entre o nível fonético e fonológico ou então entre o fonético
e o sintático. É salientado pela autora que o processamento no nível sintático pressupõe análise
no nível fonético, o que se mostra suprassegmental, além de ser assumido que o processamento
em paralelo é aceito como parte do seu modelo suprassegmental, uma vez que a separação dos
níveis é considerada injustificável.
2.1.3.2. Pierrehumbert (1980)
A tese de doutorado da pesquisadora Janet Breckenridge Pierrehumbert é considerada
um marco na teoria fonológica por apresentar um modelo teórico que leva em consideração as
diferentes melodias produzidas pelos falantes para desempenhar uma sentença com o mesmo
padrão acentual. Pierrehumbert (1980) adverte que diferentes melodias podem ser impresas em
uma mesma sentença ocasionando a mudança da função modal da sentença
(PIERREHUMBERT, 1980). No exemplo analisado pela autora, a sentença Anna apresenta
cinco melodias diferentes que são identificadas por uma análise computadorizada que mapeia
a frequência fundamental (ou F0, que representa o correlato físico do picth) da produção do
falante, como visto nos exemplos retirados de sua tese (Figura 4):
Figura 4 – Curvas de cinco melodias diferentes para a sentença “Anna”
44
Fonte: PIERREHUMBERT, 1980. págs. 255 e 256.
Como assinalado pela autora, a primeira pronúncia de Anna explicita um pico na sílaba
inicial seguido por uma queda até o final da produção, padrão típico de uma resposta. Em
contrapartida, a segunda pronúncia exibe uma curva semelhante à da primeira pronúncia; no
entanto, há uma subida na sílaba final que caracteriza uma resposta que implica incompletude.
Por sua vez, a terceira pronúncia apresenta uma curva melódica padrão de um chamamento,
com uma queda na curva de F0 que contrasta com a da primeira pronúncia pela pausa mais
longa no final da produção. A quarta pronúncia mostra um contorno semelhante ao da segunda
pronúncia; todavia, a segunda começa de um nível mais alto que a quarta e vai subindo desde
o início, enquanto essa começa de um nível mais baixo e mantém um pouco esse nível antes da
subida. Esse tipo de produção transmite dúvida. Na última pronúncia, pode ser visto uma curva
que é baixa na sílaba inicial e sobe consideravelmente no final, característica de uma pergunta
(PIERREHUMBERT, 1980, p.7 e p.8).
As possibilidades de curvas de F0 se multiplicam em frases com mais sílabas
acentuadas. Pierrehumbert (1980) atesta, também, que a mesma sentença pode ter diferentes
melodias, apresentando exemplos de diferentes sentenças que exibem contornos de F0
semelhantes. Essa semelhança no contorno pode ser notada em frases de diferentes tamanhos
ou, até mesmo, em único segmento, por exemplo: o contorno de F0 característico de dúvida
(suspeição) pode ser encontrado tanto em uma frase com dois elementos (Foi mesmo?) quanto
com um só elemento (Foi? ou Mesmo?) ou, ainda, um só segmento (É?). Nos três exemplos
apresentados pela autora, pode-se observar um contorno que começa relativamente alto, caindo
para um valor mais baixo no acento principal de uma palavra, subindo gradualmente para um
pico no acento principal da frase e caindo novamente no final da produção em diferentes
45
sentenças, como pode ser visto no exemplo (Figura 5), demonstrando contornos semelhantes
nas frases em Inglês “another Orange”, “It’s really too good to be true” e “That’s a remarkably
clever suggestions”:
Figura 5 – Contornos semelhantes em diferentes sentenças
Fonte: PIERREHUMBERT, 1980. p. 259.
Além dessas características, foi notado que a mesma melodia pode alinhar-se à sentença
de várias formas diferentes, essas diferentes formas de alinhamento coincidirão com as
diferentes posições às quais o acento frasal pode ocupar (PIERREHUMBERT, 1980). O acento
frasal é o ponto de maior proeminência relativa entre as unidades da sentença. Esse fato pode
ser notado quando pronunciamos mais enfaticamente uma palavra na frase, indicando que é
46
dado um foco nessa unidade. Por exemplo, na frase Paula mordeu a bala de cereja, a depender
da intenção do falante, o acento frasal pode cair sobre qualquer uma das palavras da frase: caso
o falante queira dar ênfase em quem praticou a ação, o acento frasal será atribuído à palavra
Paula; caso a ênfase seja na ação praticada, o acento frasal cairia na palavra morder.
Um dos objetivos de Pierrehumbert (1980), em sua tese, foi desenvolver uma
representação abstrata da entonação do Inglês pela qual fosse possível caracterizar os diferentes
padrões entoacionais em um texto e como um mesmo padrão é executado no texto com
diferentes padrões acentuais. Além disso, buscou investigar as regras que conduzem essa
representação fonológica (subjacente, ou seja, abstrata) para uma representação fonética (de
superfície). A busca da autora foi por uma representação subjacente que desse conta de
estabelecer a quais propriedades das representações de superfície caberia explicação por regras
aplicadas na derivação, antes de ser marcada na sua forma subjacente. Para isso, foi proposta
uma caracterização da entoação em três componentes.
O primeiro desses componentes é uma gramática que gera sequências de tons altos,
assinalados com H, e tons baixos, assinalados com L. O segundo é a representação métrica da
relação de proeminência relativa do texto por meio de uma grade métrica baseada em Liberman
(1975) e Liberman e Prince (1977). Já o último componente são as regras que alinham a melodia
ao texto. Pierrehumbert (1980) salienta que a representação fonológica completa da entoação é
a representação métrica do texto com os tons alinhados de acordo com as regras de alinhamento
(PIERREHUMBERT, 1980, p.11). As regras que interessam para a Fonologia Entoacional são
as que atribuem valor fonético aos tons e constroem o contorno de F0 de um tom até o próximo.
O contorno de F0 é a representação fonética dessa implementação de regras, essa escolha é
devido a autora não ter dúvidas de que várias regularidades podem ser encontradas nos traços
de contrastes laríngeos que a transição de um tom para o outro carrega; essas regularidades na
escala dos valores dos tons pode ser relacionada à interação do controle respiratório e laríngeo.
A caracterização do contorno de F0 fornece dados, relevantes à descrição da entoação,
mais acessíveis, que podem ser obtidos com o auxílio de programas de computador para mapeá-
lo, do que dados que observem os fatores articulatórios. Com isso, espera-se que os resultados
do estudo sejam úteis para identificar os problemas em trabalhos sobre a produção da entoação.
Pierrehumbert (1980) destaca que o contorno de F0, como representação fonética da
entoação, é uma importante evidência sobre a representação subjacente por conta da falta de
métodos para acessar uma representação mais abstrata que fosse útil à Linguística. A transcrição
47
da entoação por ouvido, por exemplo, era uma ferramenta usada cuja representação resultante
não podia ser bem-definida, o que produziu erros na literatura da área. Quanto à análise do
contorno de F0, a autora diz que a primeira dificuldade encontrada é a extensão que pode ser
afetada pelos segmentos de fala: tanto ela pode ser afetada por sons surdos quanto existem
efeitos substanciais dos segmentos na duração do F0. Por exemplo, o F0 em vogais que
antecedem uma consoante surda é mais alto do que o que antecede consoantes sonoras; além
disso, existe uma queda acentuada no F0 vizinho a obstruintes sonoras e oclusivas glotais. Esses
e outros efeitos dos segmentos sobre a entoação foram objeto de estudo de muitos trabalhos,
como Peterson e Barney (1951), House e Fairbanks (1953), Lehiste (1970), Ohala (1978),
citados por Pierrehumbert (1980).
Uma das características da representação entoacional é o pitch accent, descrito como
uma proeminência que se relaciona às sílabas metricamente mais fortes. Um pitch accent pode
ser um tom alto (H), um tom baixo (L) ou pode, ainda, ser formado por um par de tons
combinados (H+L ou L+H); ele coincidirá com sílaba acentuada da palavra em que ele se
posiciona. Pierrehumbert (1980) coloca como segunda característica a ser observada o contorno
de F0 do final do pitch accent até o fim da frase, pois existem opções que se relacionam à
interpretação da força expressiva da frase como um todo, que é o acento frasal. São
demonstrados diferentes padrões de F0 que, por exemplo, se fazem característicos de
interrogações ou de afirmações. Deve-se salientar que as características do contorno de F0 entre
o pitch accent e o final da frase e entre o início da frase e o pitch accent são diferentes, uma vez
que o acento frasal não se alinha à sílaba metricamente mais forte. Além dessas características
essenciais à análise entoacional, o tom de fronteira é outra característica considerada pela autora
como fundamental na definição de uma representação entoacional. Tons de fronteira são as
evidências mais fortes, por exemplo, para caracterizar certos padrões entoacionais de funções
modais de uma mesma frase. Ademais, o contorno entre dois tons é notado como um ambiente
de atuação de regras fonéticas de interpolação entre os tons (PIERREHUMBERT, 1980, p.15-
17). Tendo como base esses e outros pressupostos, é proposto um modelo teórico de
representação da entoação, como apresentado no exemplo (Figura 6) abaixo:
48
Figura 6 – Modelo teórico de representação da entoação
Fonte: PIERREHUMBERT, 1980. p. 29.
Nesse sistema de notação entoacional proposto pela autora, os tons rotulados com L são
tons baixos e os rotulados com H são tons altos. Ela ressalta que os diacríticos que acompanham
os tons (*, -, %) não estão relacionados ao valor do tom, um tom notado como H* não é diferente
de um notado como H%. A diferença existente entre essas duas notações é a forma como elas
estão relacionadas ao texto: H% significa um tom alto como tom de fronteira do texto, enquanto
H* significa um mesmo tom alto, só que notado como um pitch accent. Assim, * representa um
pitch accent rotulado como um tom H ou L, - representa um acento frasal também rotulado
como um tom H ou L e % representa um tom de fronteira.
2.1.3.3. Ladd (2008)
Apesar dos significativos postulados de Pierrehumbert (1980) e de outros trabalhos
envolvendo a descrição da entoação, Ladd (2008) diz que um grande número de questões sem
solução impediu o amplo aceitamento de descrições do fenômeno entoacional. Um ponto de
vista que começou a convergir para estudos, ainda que prematuros, de uma caracterização da
estrutura entoacional é o objeto de seu estudo. Portanto, buscando descrever os fenômenos
entoacionais que trouxessem à luz tais questões, Ladd (2008) propõe uma teoria que parte da
ideia de que a entoação tem uma organização fonológica. O autor assume que a entoação está
49
intimamente ligada ao código paralinguístico que fornece pistas sobre sexo, idade ou estado
emocional inseridas no canal comunicativo que serão interpretadas pelos ouvintes. Haverá certo
foco nessas distinções entre funções linguísticas e paralinguísticas do pitch, afirmando que elas
são linguísticas.
Deve-se ressaltar que o termo entoação, como será usado por Ladd (2008), refere-se ao
uso das características fonéticas suprassegmentais para transmitir o “pós-lexical” ou os
significados pragmáticos ao nível da sentença de uma maneira linguisticamente estruturada.
São citados três pontos para a definição dessa teoria:
1 – Suprassegmental: É seguida a tradição fonética em restringir a atenção para
as características suprassegmentais: características de frequência fundamental (F0),
intensidade e duração, de acordo com suas definições comuns. No entanto, essa escolha
não fica isenta de problemas, o primeiro deles é quanto à definição. Lehiste (1970)
define suprassegmental como característica de pitch, acento e quantidade. Ladd (2008)
diverge dela por voltar sua atenção para questões mais gerais da relação entre
propriedades físicas, psicofísicas e fonéticas. Uma outra característica ressaltada por
Ladd (2008) como um problema em relação a restringir a atenção em características
suprassegmentais é que existem fenômenos que podem ser descritos pela sua definição
de entoação, como, por exemplo, o fato de que várias línguas utilizam um morfema
segmental para transmitir certos significados enquanto em outras ele possa ser
sinalizado entoacionalmente (Ladd, 2008 p.5).
2 – Nível da sentença: assume-se que a entoação transmite significados, como
um tipo de sentença ou ato de fala, ou foco ou informação, que se aplicam na frase ou
no enunciado como um todo (Ladd, 2008 p.6). Características de acento e tom, por
exemplo, não fazem parte dessa definição, as características da entoação não se
envolverão nas distinções desses elementos; essas características interagem
foneticamente com as características entoacionais; no entanto, os dois tipos podem
manter-se distintos em uma descrição.
3 – Linguisticamente estruturada: entende-se que as características entoacionais
estão organizadas como entidades categoricamente distintas. Além disso, destaca-se que
características paralinguísticas interagem com características entoacionais.
50
Dois aspectos aos quais Ladd (2008) volta sua atenção são o pitch e a proeminência
relativa. Por exemplo, a sentença quatro amigos, a depender do padrão do picth, significará
uma pergunta (quando apresentar um pitch ascendente no fim da sentença) ou uma afirmação
(quando apresentar um pitch decrescente no fim da sentença). Por sua vez, a proeminência está
ligada à ênfase que se queira dar, ou que o contexto provoque, em algum elemento dentro da
sentença. Na Figura 7, temos o exemplo retirado de Ladd (2008, p.7), no qual podemos ver a
relação da proeminência relativa e do pitch:
Figura 7– Relação da proeminência e do Pitch
Fonte: LADD, 2008. p. 7.
Ladd (2008) assume que os enunciados têm uma estrutura fonológica constituinte (ou
estrutura prosódica) e que os constituintes prosódicos tem várias propriedades fonéticas, ambas
segmentais e suprassegmentais, do tipo que foi extensivamente discutida em Selkirk (1980,
1984); Nespor e Vogel (2007); Truckenbrodt (1999). Na distinção do pitch e da proeminência
relativa, tratando esses dois aspectos da entoação como independentes e ortogonais, percebe-se
uma interação entre a descrição fonológica e a fonética, pois faz-se uma abstração fonológica
para representar o fenômeno fonético. O autor propõe que a descrição fonológica da entoação
inclua um nível de descrição no qual os sons do enunciado sejam caracterizados nos termos de
um número relativamente pequeno de entidades categoricamente distintas e um esquema entre
51
essa descrição e uma descrição psicofísica do enunciado nos termos de parâmetros
continuamente variados.
Assim, tendo como base as considerações atestadas e afirmadas pelos trabalhos
mencionados, principalmente no que diz respeito às diferentes caracterizações entoacionais de
uma mesma sequência segmental, engendramos a metodologia buscando elucidar os fatos
concernentes à produção oral de leitura dos surdos oralizados. Na seção seguinte, abordaremos
trabalhos que analisaram especificamente o Português Brasileiro. Manteremos o foco nos
aspectos entoacionais e prosódicos dos clarificados pelas pesquisas citadas para os dois tipos
de frases que analisaremos.
2.2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
2.2.1 Visão geral da entoação modal do Português Brasileiro: enunciados
assertivos neutros e interrogativas totais
Como visto nas seções anteriores, os aspectos entoacionais e prosódicos da fala podem
implicar distinções nos tipos de frases. Uma mesma sentença produzida com características
entoacionais e prosódicas distintas entre uma produção e outra será interpretada de modos
distintos, comprovando o caráter fonológico da fonologia entoacional. Nesta seção que se
segue, trataremos da entoação modal do Português Brasileiro. Apontaremos trabalhos que são
relevantes para os estudos entoacionais dessa língua (MORAES, 1993, 1998, 2007; TENANI,
2002; SILVESTRE, 2012, 2013) no que diz respeito à caracterização dos dois tipos de frases
que analisaremos: assertiva e interrogativa total.
Moraes (1993, 2005, 2007, entre outros) descreve uma gramática entoacional
brevemente caracterizada da seguinte forma (MORAES, 20079):
9 Pôster apresentado no Intonational Phonology Workshop ICPhS 2007, evento realizado na Universtät des
Saarlandes de 6 a 10 de agosto de 2007 em Saarbrücken, Alemanha.
52
1. Enunciados fonológicos são feitos de sintagmas entoacionais que, por sua
vez, são formados de sintagmas fonológicos; não existe nível intermediário
entre esses dois últimos constituintes.
2. Sempre existe um acento nuclear na posição final de um sintagma
entoacional, mesmo se o foco do enunciado for antecipado, isto é, se estiver
em uma posição não final, que implica uma dissociação entre o acento focal
e o acento nuclear.
3. Acentos nucleares são compostos por dois tipos de eventos tonais, picth
accents e tons de fronteira.
4. Tons de fronteira são basicamente associados à borda direita do sintagma
entoacional e são realizados na sílaba postônica final, ou na parte final da
última sílaba tônica.
4.1. Existem somente dois tipos de tons de fronteira, L e H.
4.2. O tom de fronteira L% é largamente o mais comum no Português
Brasileiro, mas existem alguns poucos casos de oposição contrastiva
entre os tons de fronteira L e H, como observado em assertivas e
interrogativas totais, por exemplo, que motiva considerar o tom de
fronteira.
5. Pitch accents estão associados à sílabas tônicas; eles são somente acentos
bitonais, e sempre apresentam um tom de liderança seguido de um tom
marcado com asterisco. Nem tons vagos nem tons simples são permitidos.
Os tons de liderança são sempre realizados na sílaba imediatamente
precedente à sílaba tônica.
5.1. Diferentemente da pouca produtividade dos tons de fronteira, existe uma
grande variedade de picth accents, o que significa que os contrastes
entoacionais estão à esquerda da sílaba tônica e na sua sílaba precedente,
especialmente no sintagma entoacional em posição final.
5.2. Além dos contrastes básicos entre os tons H e L nas três sílabas finais
do sintagma entoacional (pretônica, tônica e postônica), que caracterizam
seu contorno nuclear, a participação de outros três parâmetros é
ocasionalmente necessária para fazer as distinções entre os vários
padrões observados.
53
5.2.1 Os diacríticos ! e ¡ são usados não realmente para indicar um fenômeno de
downstep ou upstep, mas mais para fazer possível a representação de
contrastes não binários ocasionais.
5.2.2 O alinhamento temporal dos tons H e L na sílaba tônica, indicados pelos
diacríticos < e >, serão responsáveis, algumas vezes, por diferenciar o
significado/função de certos padrões.
5.2.3 Além dos simples PAs, de um ponto de vista duracional, existem certos
padrões melódicos, principalmente de atitude, que não só requerem um
importante alongamento da vogal tônica, mas também podem apresentar
uma modulação melódica nessa vogal alongada, a qual será chamada de
PAs alongada.
A padronização das características entoacionais e prosódicas intrínsecas à produção de
fala possibilitou o reconhecimento de distinções que são, em geral, auditivamente perceptíveis,
entre as realizações de uma mesma sequência de palavras que podem resultar em frases com
aspectos modais de uma assertiva, interrogativa, exclamativa etc.; que é descrito representado
acusticamente por um padrão em sua curva entoacional, verificado pela variação da frequência
fundamental (F0) e das formas dessas curvas. Moraes (1993) procurou estabelecer um sistema
modal do Português Brasileiro, na variante da classe culta do Rio de Janeiro, examinando
determinados tipos de enunciados: asserção, questão total, questão parcial com morfema
interrogativo em posição inicial e em posição final, questão parcial repetida, entre outras. Neste
trabalho, o autor fez uma análise instrumental da entoação dos enunciados de diferentes
modalidades e mediu cinco parâmetros, mas limitou-se à configuração geral da curva da
frequência fundamental por ser o mais importante aspecto da entoação modal. (MORAES,
1993, p.102).
Devido ao objetivo da presente pesquisa, a atenção foi voltada apenas para a
caracterização da evolução da curva da frequência fundamental de dois tipos de frases: as
assertivas e as interrogativas. Nesses tipos de frases, observa-se uma alteração do padrão dessa
curva uma em relação a outra: as assertivas apresentam um pitch decrescente no final; no
enunciado “Eça já sabe quem foi.”, nota-se uma ascensão até a quarta sílaba [‘sa] seguida de
um declive na pretônica final, terminando com uma tônica final num nível ainda mais baixo
(MORAES, 1993, p.103). Veja (Figura 8):
54
Figura 8 – Curva da sentença “Eça já sabe quem foi.”
Fonte:MORAES, 1993. p. 104.
Por sua vez, os enunciados do tipo interrogativo apresentam uma curva de frequência
fundamental com ataque um pouco mais elevado do que o de um assertivo; há uma pequena
queda na sílaba pretônica final seguido de um amplo salto para a tônica final. Portanto,
enunciados do tipo interrogativo tem como característica principal uma elevação da frequência
fundamental em seus elementos finais, conforme visto abaixo (Figura 9):
Figura 9 – Curva da sentença “Eça já sabe quem foi?”
Fonte:MORAES, 1993. p. 104.
O padrão das curvas melódicas apresentadas nas Figuras 8 e 9, representando
respectivamente o desenho de uma frase assertiva e uma interrogativa, será notado
independente da constituição dessa frase. Moraes (1998) adverte que os padrões característicos
de um tipo de frase serão compreendidos no enunciado mesmo que ele seja constituído por
55
apenas uma sílaba ou um fonema. Em enunciados mais longos, existe um comportamento geral
que controla a queda contínua do pitch sobre a sentença inteira e sobre as sílabas não acentuadas
(MORAES, 1998, p. 184).
O autor ressalta, ainda, que o pitch inicial das frases interrogativas totais é levemente
mais alto do que o das assertivas e que a pretônica final da interrogativa total é mais baixa que
a pretônica final da assertiva, o que cria contraste com a tônica final. Quanto à postônica,
embora apresente uma queda na interrogativa total, qualquer sílaba postônica, tal queda será
ainda menor na assertiva (MORAES, 1998, p. 184 e 185). Essa relação dos constituintes
prosódicos (a sílaba) com os níveis tonais foi mais explorado em um teste de percepção modal
de sentenças no qual somente o nível da sílaba tônica final foi modificado. Os resultados
indicaram que as oposições da entoação modal do Português Brasileiro são efetivamente
localizadas em pontos precisos ao longo dos enunciados (o que o autor chama de sílabas chave)
mais do que nele como um todo e que a interpretação das mudanças modais em um certo ponto
é perfeitamente definível ao longo do contínuo de níveis de altura (MORAES, 1998, p.185).
Reis et alii (2011), em trabalho realizado com falantes de Mariana e Belo Horizonte,
ambas situadas em Minas gerais, apontou resultados que indicam proximidade na entoação
dessas duas modalidades. O estudo consistia em descrever e comparar a prosódia utilizada em
sentenças interrogativas totais e assertivas com alterações nos sintagmas nominais (doravante
SNs) iniciais e finais. O corpus da pesquisa foi constituído de SNs simples e complexos, sendo
os complexo formados por SN+Sintagma adjetivo e SN+Sintagma Preposicionado. Os autores
se valeram da metodologia AMPER, que fornece um gráfico que permite identificar pontos
relevantes de proximidade e afastamento das curvas melódicas; no entanto, nesse estudo, apenas
as curvas que se afastam foram observadas (REIS et alii, 2011, p.122).
Feitas as análises, os resultados mostraram que as características melódicas das frases
dos informantes das duas cidades analisadas foram as mesmas, considerando aspectos mais
gerais da entoação. Ainda que apresentasse diferentes estruturas sintáticas ou prosódico-
acentuais foi notado o mesmo padrão melódico (REIS et alii, 2011, p.123):
a) Declarativas: observa-se uma subida inicial localizada no primeiro item lexical, na
maioria das vezes, nas sílabas pós-tônicas e um movimento final descendente, que
começa na sílaba que precede a última tônica do enunciado e termina na última
tônica. Quando houver sílaba pós-tônica final, o movimento continuará nelas.
56
b) Interrogativas totais: um movimento ascendente que se localiza na sílaba tônica do
primeiro item lexical (os autores ressalvam que em poucas frases o movimento
apareceu adiantado) seguido de uma queda na altura melódica das sílabas seguintes
até a sílaba pretônica do último item lexical. Já a tônica desse item tem valor alto, o
que caracteriza o padrão ascendente das interrogativas totais.
Para concluir, os autores descrevem, com base nos dados analisados, que a) a entoação
modal utilizada pelos falantes de Mariana e Belo Horizonte são as mesmas no que diz respeito
às características gerais dos movimentos melódicos e variando no que diz respeito ao
alinhamento dos picos de F0 com o texto e b) as diferentes estruturas prosódico-acentuais
analisadas (proparoxítonas, paroxítonas e proparoxítonas) apresentaram o movimento final de
F0 modificando-se em consequência da alteração acentual, mas ainda atrelado à sílaba tônica
ou adjacentes.
Castelo e Cunha (2011) analisaram frases interrogativas totais objetivando descrever a
variação regional desses tipos de enunciados. As autoras fizeram uso do corpus do projeto Atlas
Linguístico Brasileiro do qual foram ouvidos apenas 4 informantes (2 homens e 2 mulheres) de
cada uma das seguintes cidades: Florianópolis, Recife e Rio de Janeiro, divididos por 2 faixas
etárias (18 a 30 anos e 50 a 65 anos). A atenção na análise foi voltada para dois pontos da frase
entoacional: sílaba tônica inicial e sua adjacentes e sílaba tônica final e suas adjacentes. Assim,
foram examinados o comportamento melódico do início e do meio da frase seguidos do
comportamento melódico do final da frase, sendo observadas a sílaba hospedeira do ataque e o
movimento de declinação das sílabas átonas no restante do enunciado, além de serem descritas
a direção e a variação da frequência entre as três posições silábicas (pretônica, tônica e pós-
tônica), verificando-se a localização inter e intrasilábica.
Após analisados os resultados, foi notado que, de modo geral, não há grandes diferenças
entre as capitais no que diz respeito à linha de declinação. As autoras destacam que essa linha,
em todas as capitais analisadas, começa na primeira pretônica e estende-se até a pretônica final,
situando-se mormente num nível abaixo. Quanto ao acento nuclear, é afirmado que dois
aspectos da implementação fonética da subida fonológica da interrogativa total que incidem
uma indicação da entoação de cada capital são o contorno (circunflexo ou ascendente) e a
tessitura (tênue ou acentuada) (CASTELO E CUNHA, 2011, p.292).
Foi observado, nos dados do primeiro informante homem de Recife que a proeminência
na pretônica, o ataque mais alto do que o acento nuclear e a declinação acentuada ao longo do
57
enunciado são três características do contorno inicial da frase que se mostram diferentes das
outras capitais, correspondendo à descrições já feitas para essa região em Lira (2009) e Cunha
(2000) que caracterizaram-se por: “uma descida contínua da primeira pretônica, até a tônica
final do enunciado que fica num nível inferior à primeira tônica (CASTELO E CUNHA, 2011,
p.292). Ademais, as autoras notaram que um aspecto que se mostra taxativamente nos dados de
Recife é o contorno ascendente nuclear. Esse contorno também foi percebido nos dados da
informante mulher de Florianópolis, com pico na pós-tônica final.
Quanto a Florianópolis e Rio de Janeiro, é assumido que o contorno circunflexo final é
o mais manifestado e que, em geral, ele ocorre no interior da sílaba tônica com pico alinhado à
direita, movimento também observado por Santos (2008) e explicado por Moraes (2008) como
a principal característica distintiva do padrão entoacional do pedido. Assim, conclui-se que os
contornos entoacionais de Recife, Rio de Janeiro e Florianópolis ratificam a maleabilidade da
língua, que arranjam as regras de implementação fonética ao perfil sócio-cultural do falante,
pois, apesar de haver uma padronização da caracterização das interrogativas totais, a
investigação de aspectos da curva entoacional como o alinhamento e a localização do pico
melódico e a tessitura entre pico e vale oportuniza identificar um desenho da entoação de cada
cidade estudada (CASTELO E CUNHA, 2011, p.293).
Cunha e Silvestre (2013), por sua vez, analisaram enunciados assertivos das cidades de
Natal, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Essa análise foi feita a partir dos dados de 12 participantes,
de ambos os sexos, divididos igualmente nas três localidades referidas com o objetivo de
descrever os comportamentos entoacionais dessas regiões e contribuir para a descrição da
entoação em frases assertivas. O padrão para assertivas descrito por Moraes (1998) é
caracterizado por uma queda da F0 no final do enunciado e o contorno inicial num nível
mediano tendo a declinação observável nas sílabas átonas. As autoras assumem que a origem
geográfica influencia na produção das assertivas. Cunha (2000) e Moraes (2008) configuram,
para o acento pré-nuclear e o acento nuclear das assertivas, a notação L+H* H+L*L%, no
entanto, Cunha (2005) relata os padrões H* H+L*L% e L+H H+H*L% para as assertivas
analisadas das cidades de Recife e Porto Alegre (CUNHA E SILVESTRE, 2013, p.184).
Esse mesmo padrão entoacional é encontrado por Tenani (2000) ao analisar enunciados
assertivos. No seu trabalho, a autora vale-se da teoria da Fonologia Prosódica (NESPOR E
VOGEL, 1986, 2007) para destacar os domínios prosódicos que são significativos na
organização entoacional, a saber: o sintagma fonológico ɸ e o sintagma entoacional I. Alguns
58
aspectos caracterizadores desse tipo de enunciado são relevantes para nosso estudo: 1) a
configuração de HL*Li (sendo HL* associado à última sílaba acentuada de I e Li associado à
fronteira de I) caracteriza o padrão da assertiva. A ausência do tom de fronteira Li apenas se
observa se não houver material fônico após a última sílaba tônica; 2) ocorre, preferencialmente,
o tom LH* associado à primeira sílaba acentuada de I, independentemente de essa sílaba ser ou
não a mais proeminente de ɸ. Nos casos em que não se observa o tom LH*, a primeira sílaba
acentuada não é o elemento mais proeminente de ɸ. Isso acontece quando é ramificado o ɸ que
ocupa a posição inicial dentro de I; 3) a presença de pausa delimita os constituintes I e U na
medida em que ocorre as fronteiras desses domínios e 4) a variação da altura se implementa de
modo a caracterizar I e se manifesta por meio da mudança brusca de F0 na última sílaba
acentuada de I. (TENANI, 2000, p.52)
Os padrões encontrados por Cunha e Silvestre (2013) para as assertivas das três cidades
(Natal, Rio de Janeiro e Porto Alegre) se mostrou homogêneo no acento pré-nucelar com a
primeira sílaba tônica ou pós-tônica do I em nível melódico superior ao da pretônica inicial na
maioria dos enunciados. Em Natal, foi evidenciado apenas um padrão melódico tanto para os
homens quanto para as mulheres: um acento pré-nuclear com proeminência de F0 na primeira
sílaba tônica do I, configurando um tom alto e a última sílaba tônica uma queda acentuada de
F0 e padrão descendente do contorno nuclear na pós-tônica final do I. De forma semelhante se
dá o comportamento melódico dos enunciados assertivos da cidade de Rio de Janeiro: tons
baixos nas sílabas do acento pré-nuclear e na fronteira da última sílaba pretônica de I, a qual
atinge seu pico e decresce logo após. Essa mesma configuração com tons baixos no acento pré-
nuclear foi verificada nos enunciados assertivos dos informantes da cidade de Porto Alegre, no
entanto, as autoras ressaltam que o acento nuclear se mostrou diferente das outras cidades com
a última sílaba tônica do I não apresentando queda de F0, mas, sim, subida, configurando
movimento circunflexo final e caracterizando a proeminência da F0 na tônica final (CUNHA E
SILVESTRE, 2013, p. 188 a 191).
Em estudo mais amplo, Silvestre e Santos (2014) verificaram, na entoação modal das
cinco regiões brasileiras, a mesma caraterização tanto para enunciados assertivos quanto para
interrogativas totais. Com relação ao contorno do acento pré-nuclear, nas assertivas, as autoras
notaram o mesmo padrão relatado por outros autores, com a primeira sílaba tônica ou pós-tônica
do I em nível melódico mais alto do que a pretônica inicial; nas interrogativas, é ressaltado que,
embora o padrão caraterístico desse tipo de enunciado ter sido encontrado, foi encontrado
também uma variável (H+L*) nos municípios de Nova Iguaçu e Macaé. Quanto ao acento
59
nuclear, o contorno padrão de assertivas – H+L*L% - só não foi constatado na Região Sul, a
qual demonstrou H+H*L% como contorno padrão com a relação das três últimas sílabas sendo
caracterizadas por um movimento aparentemente circunflexo (essas notações foram adotadas
pelas autoras da pesquisa). Para as interrogativas totais, 37% dos informantes de Nova Iguaçu
e Macaé apresentou semelhança ao padrão descrito por Moraes (1998) – L+H*L%, no entanto,
a maioria 50% apresentou movimento ascendente espraiado ao longo da tônica e da pós-tônica
– L+H*H%.
Um outro estudo de relevância para a literatura é o de Soncin e Tenani (2016). O
objetivo das autoras foi descrever as variações de F0 em frases compostas pelos mesmos itens
lexicais em sua cadeia segmental, mas diferentes quanto à configuração prosódica das frases
entoacionais, identificando eventos tonais que caracterizem o contorno entoacional das
sentenças em contraste. Os resultados evidenciaram que o número de palavras prosódicas que
compõem as frases entoacionais, a posição que as palavras prosódicas ocupam nos
fraseamentos desse constituinte e o número de sílabas prosódicas influem na definição das
diferenças tonais nas configurações da frase entoacional. A metodologia dessa pesquisa se
baseou em analisar a curva entoacional de dois enunciados assertivos formados pelas mesmas
palavras, mas com uma estruturação prosódica distinta entre si, a seguir, podemos ver o Quadro
1 de frases e suas estruturações, retirada de Soncin e Tenani (2016, p.542):
Quadro 1 – Possíveis segmentações prosódicas de enunciados formados pelas mesmas palavras
Fonte:SONCIN E TENANI, 2016. p. 115.
60
No decorrer da pesquisa, as autoras perceberam a necessidade de substituir o par de
frases “não quero ler” e “não, quero ler” em função da característica articulatória de [k] em
quero e da relação rítmica que gera choque acentual entre “não” e “que”, pois essa estrutura
rítmica opera de modo crucial na configuração da altura dos eventos tonais associados às sílabas
em contexto de choque acentual (SONCIN E TENANI, 2016, p.551-552). Assim, o par acima
citado foi trocado por “não mereço saber X não, mereço saber” em que a presença da consoante
nasal [m] evita dúvidas sobre realização ou não de pausa na fronteira de I não final e, também,
o choque acentual é evitado pela configuração prosódica da palavra mereço.
Considerando a descrição da curva entoacional (F0) nas sentenças que formam os pares
analisados e seu fraseamento nos Is as autoras chegam à conclusão de que existem significativas
diferenças na atribuição de tons dos enunciados que foram investigados. Tais diferenças são
vistas nos tipos de eventos tonais associados às ωs que iniciam cada sequência segmental,
dependendo da quantidade de ωs seguintes e da posição que ocupam nos diferentes
fraseamentos. Os resultados apresentados corroboram Frota (2000) que assume que a
associação tonal condiciona a realização tonal, uma vez que a ancoragem do tom é feita tendo
como base a posição prosódica proeminente. Outro fato observado foram as interferências do
número de sílabas de ωs na ocorrência e na configuração dos eventos tonais. De modo mais
geral, conclui-se que: a) as diferentes configurações entoacionais são geradas pela associação
dos diferentes fraseamento de Is com diferentes significados do enunciado e b) a pausa não é o
único recurso prosódico a que estão associados os diferentes fraseamento de I, elas apenas
realçam uma distinção que se mostra na própria configuração tonal. (SONCIN E TENANI,
2016, p.556).
Como visto, as descrições feitas sobre os aspectos entoacionais e prosódicos de frases
assertivas e interrogativas totais do Português Brasileiro definem um determinado padrão
observável em tais tipos de frases. No próximo capítulo, apresentamos a metodologia
desenvolvida para nossa pesquisa.
61
3. METODOLOGIA
Nesta seção, apresentamos o percurso metodológico definido para a coleta e análise dos
dados da pesquisa. Como há duas etapas metodológicas – a etapa de produção e a etapa de
percepção – tratamos, na primeira, da metodologia desenvolvida para criar o banco de dados
tanto dos surdos oralizados quanto dos falantes ouvintes, grupo controle desta pesquisa, além
dos fatores e variáveis analisados nesses dados, assim como a análise dos resultados obtidos.
Na segunda, é apresentada a metodologia desenvolvida para testar como as frases dos surdos
oralizados são percebidas pelos falantes-ouvintes, bem como as variáveis observadas nesses
dados e análise dos resultados obtidos.
3.1. EXPERIMENTO DE PRODUÇÃO: METODOLOGIA
Para essa etapa, voltamo-nos à elucidação dos fatos concernentes à produção oral dos
surdos oralizados na leitura de frases assertivas e interrogativas. É importante ressaltar que,
apesar de ser um fator relevante quando se tem outros objetivos traçados, não levamos em
consideração a dicção desempenhada nas produções orais, devido à natureza de nossa pesquisa;
a análise da curva entoacional de qualquer produção oral independe da dicção dessa produção
– podemos ter um enunciado completamente deslexicalizado que ainda assim é possível
analisar sua curva entoacional (SILVA, 2017). A opção por trabalhar com dados de leitura ao
invés de dados de fala espontânea, por exemplo, deu-se pela necessidade de controlarmos o
dado em si, de modo que tivéssemos frases assertivas e interrogativas totais idênticas quanto a
sua estrutura sintática e lexical. Foram analisados padrões e características entoacionais e
prosódicas desse grupo os quais comparamos aos padrões e características dos dados do grupo
de falantes ouvintes, que, por sua vez, validamos – por meio de uma comparação com a
literatura da área – para nos servir de grupo controle. Nossa atenção esteve focada nos fatores
que poderiam nos auxiliar a identificar as pressuposições elencadas na introdução dessa
dissertação.
62
3.1.1. Seleção dos participantes
Selecionamos 6 participantes para constituir o corpus desta pesquisa. Eles foram
divididos em dois grupos compostos, cada um, por 3 participantes: Grupo A (surdos oralizados)
com 3 participantes; Grupo B (falantes-ouvintes, grupo controle) com outros 3 participantes.
Tal divisão foi proposta para que fosse possível realizar a comparação dos aspectos prosódicos
e entoacionais entre surdos oralizados e falantes ouvinte.
A criação do recorte para a seleção dos participantes do Grupo A atendeu a fundamentos
mais específicos, devido à especificidade desse grupo. É importante salientar que ainda não
encontramos pesquisas que utilizaram esse tipo de dado (produção oral de surdos). Para que
pudéssemos descrever o perfil do participante selecionado, criamos um questionário (Anexo 1)
que abrangia: a) idade e sexo, b) escolaridade, c) idade em que a surdez foi percebida, d) tempo
de oralização, e) se os pais eram surdos, f) como se dava a comunicação no convívio familiar
até os 05 anos de idade e dos 5 aos 13 anos de idade (se somente pela oralidade ou somente
pela língua de sinais; se mais por um ou mais pelo outro; ou se igualmente pelas duas formas)
e g) se havia estudado em escola para surdos e por quanto tempo ou regular e por quanto tempo.
Abaixo, expomos o perfil de cada um dos 3 participantes surdos oralizados:
Participante SO1
a. Idade: 36 anos
b. Escolaridade: Superior completo (Mestrado)
c. Idade em que a surdez foi percebida: 0 anos
d. Tempo de oralização: 30 anos
e. Pais surdos: Sim
f. Comunicação no convívio familiar até os 5 anos: Somente pela LIBRAS
g. Comunicação no convívio familiar dos 6 aos 13 anos: Somente pela LIBRAS
h. Estudou em escola para surdos ou regular e por quanto tempo: Sempre em escola regular
Participante SO2
a. Idade: 27 anos
b. Escolaridade: Superior em andamento
c. Idade em que a surdez foi percebida: 1 anos
d. Tempo de oralização: 23 anos
e. Pais surdos: Não
f. Comunicação no convívio familiar até os 5 anos: Somente pela oralidade
g. Comunicação o convívio familiar dos 6 aos 13 anos: Somente pela oralidade
h. Estudou em escola para surdos ou regular e por quanto tempo: 2 anos (antigas
6º e 7º série) em escola para surdos e restante dos anos escolares em escola
regular
63
Participante SO3
a. Idade: 35 anos
b. Escolaridade: Superior incompleto (3 período de Educação Física)
c. Idade em que a surdez foi percebida: 0 anos
d. Tempo de oralização: 30 anos
e. Pais surdos: Não f. Comunicação no convívio familiar até os 5 anos de idade: somente pela
oralização
g. Comunicação no convívio familiar dos 6 aos 13 anos de idade; mais pela oralização do pela LIBRAS
h. Estudou em escola para surdos ou regular e por quanto tempo: 02 primeiros anos em escola para surdos e o restante em escola regular
3.1.2 Seleção do texto
Foram criados seis textos especialmente para essa pesquisa, neles estão contidas
frases assertivas e frases interrogativas totais de diferentes tamanhos. Esses textos foram lidos
pelos participantes dos dois grupos e as frases contidas neles usadas como dados para a análise
e a comparação dos padrões e características entoacionais e prosódicas desses dois tipos de
frases. Elas tiveram a seguinte composição: i) I curto: Sua mãe tomava banho com o som ligado.
/ Sua mãe tomava banho com o som ligado? ii) I médio: Sua amada mãe tomava banho frio
com o som velho ligado alto. / Sua amada mãe tomava banho frio com o som velho ligado alto?
iii) I grande: Sua amada e adorada mãe tomava banho extremamente frio com o som muito
velho ligado bem alto. / Sua amada e adorada mãe tomava banho extremamente frio com o
som muito velho ligado bem alto?. Quanto à estrutura prosódica dos enunciados analisados, foi
pensado em formarmos um U que abarcasse Is que não pressuporiam pausas em suas fronteiras.
Como visto na revisão bibliográfica, ainda que tenhamos consoantes oclusivas em algumas
fronteiras, que possam influenciar a configuração melódica da produção oral, essa característica
articulatória não prejudicará nossa análise, uma vez que nos preocupamos em montar um U no
qual o seu contexto no texto como um todo proporcionará uma leitura isenta de pausas. Abaixo,
apresentamos os textos que serão lidos pelos participantes, as frases cujas leituras serão
analisadas encontram-se destacadas. O texto não será apresentado ao participante com o
destaque em negrito.
64
Texto 1
"A menina estava sozinha na rua. Já tinha passado das dez horas da noite. Sua mãe
tomava banho com o som ligado. O pai cochilava no sofá com a tv ligada. Quando a mãe sai
do banho, grita por sua filha, que não responde. O pai acorda assustado com o grito, corre até
a varanda e vê a menina entrando. Antes que o pai começasse a falar, ela disse:
- Mamãe trancou a porta do quarto, acho que não me ouviu quando eu bati na porta.
- Sua mãe tomava banho com o som ligado? pergunta o pai.
- Sim.
Nesse momento a mãe chega na varanda, os dois se calam e fingem que não aconteceu
nada."
Texto 2
“Quando o pai vê a menina na sala, já vai logo falando com a menina:
- Sua mãe tomava banho com o som ligado? pergunta, eufórico.
- Sim.
O avô, que assistia a cena fumando seu cachimbo, levanta e vai até a cozinha
tomar um gole de café. O outro neto olha com cara de assustado para ele, mas não diz
nada. Eles apenas se olham e já se entendem. Era normal a gritaria na casa deles. O
pai sempre dava chiliques desse jeito, mas ninguém nunca ia entender! Sua mãe tomava
banho com o som ligado. O avô sabia o que ia acontecer. Era um erro capital, que não
poderia ser cometido. E a mãe o estava cometendo. Mal sabia quantas pessoas já
morreram tomando banho assim.
Texto 3
"A menina estava sozinha na rua. Já tinha passado das dez horas da noite. Sua
amada mãe tomava banho frio com o som velho ligado alto. O pai cochilava no sofá
com a tv ligada. Quando a mãe sai do banho, grita por sua filha, que não responde. O
pai acorda assustado com o grito, corre até a varanda e vê a menina entrando. Antes
que o pai começasse a falar, ela disse:
- Mamãe trancou a porta do quarto, acho que não me ouviu quando eu bati na
porta.
pai.
- Sua amada mãe tomava banho frio com o som velho ligado alto? pergunta o
- Sim.
Nesse momento a mãe chega na varanda, os dois se calam e fingem que não
aconteceu nada."
65
Texto 4
“Quando o pai vê a menina na sala, já vai logo gritando com a menina:
- Sua amada mãe tomava banho frio com o som velho ligado alto? pergunta,
eufórico.
- Sim O avô, que assistia a cena fumando seu cachimbo, levanta e vai até a cozinha
tomar um gole de café. O outro neto olha com cara de assustado para ele, mas não diz
nada. Eles apenas se olham e já se entendem. Era normal a gritaria na casa deles. O
pai sempre dava chiliques desse jeito, mas ninguém nunca ia entender! Sua amada mãe
tomava banho frio com o som velho ligado alto. O avô sabia o que ia acontecer. Era
um erro capital, que não poderia ser cometido. E a mãe o estava cometendo. Mal sabia
quantas pessoas já morreram tomando banho assim.
Texto 5
"A menina estava sozinha na rua. Já tinha passado das dez horas da noite. Sua
amada e adorada mãe tomava banho extremamente frio com o som muito velho ligado
bem alto. O pai cochilava no sofá com a tv ligada. Quando a mãe sai do banho, grita
por sua filha, que não responde. O pai acorda assustado com o grito, corre até a
varanda e vê a menina entrando. Antes que o pai começasse a falar, ela disse:
- Mamãe trancou a porta do quarto, acho que não me ouviu quando eu bati na
porta.
- Sua amada e adorada mãe tomava banho extremamente frio com o som
muito velho ligado bem alto? pergunta o pai.
- Sim. Nesse momento a mãe chega na varanda, os dois se calam e fingem que não
aconteceu nada."
Texto 6
“Quando o pai vê a menina na sala, já vai logo gritando com a menina:
- Sua amada e adorada mãe tomava banho extremamente frio com o som
muito velho ligado bem alto? pergunta, eufórico.
- Sim
O avô, que assistia a cena fumando seu cachimbo, levanta e vai até a cozinha
tomar um gole de café. O outro neto olha com cara de assustado para ele, mas não diz
nada. Eles apenas se olham e já se entendem. Era normal a gritaria na casa deles. O
pai sempre dava chiliques desse jeito, mas ninguém nunca ia entender. Sua amada e
adorada mãe tomava banho extremamente frio com o som muito velho ligado bem
alto. O avô sabia o que ia acontecer. Era um erro capital, que não poderia ser cometido.
E a mãe o estava cometendo. Mal sabia quantas pessoas já morreram tomando banho
assim.
66
Os seis textos foram pensados para que pudéssemos dispor as frases a serem analisadas
em posições estrategicamente diferentes dentro do texto-veículo. Os Textos 1, 3 e 5 apresentam
primeiro a frase assertiva e depois a frase interrogativa total e os Textos 2, 4 e 6, de forma
inversa, primeiro a frase interrogativa total e depois a frase assertiva. Ponderamos essa
estratégia metodológica para evitar influências que possam surgir devido a aspectos intrínsecos
à fluência de leitura. Com os seis textos tendo as frases a serem analisadas dispostas em posições
alternadas, podemos observar se há realmente e qual a influência desse aspecto sobre a
produção oral dos surdos oralizados.
3.1.3 Coleta dos dados
Solicitamos que os participantes lessem, em voz alta, uma vez o texto escrito em folha
de papel sulfite A4 com fonte Times New Roman tamanho 14 e espaçamento entre linhas de
1,5cm. As leituras foram gravadas com gravador profissional TASCAM DR-40 LINEAR PCM
RECORDER e armazenadas no disco rígido local do computador e em nuvens no formato de
arquivo .wav. Após feitas as gravações, segmentamos as frases a serem analisadas do texto-
veículo, pois o utilizamos somente para “transportar” as sentenças-alvo. A escolha por inserir
as frases em um texto-veículo foi feita por sabermos, pelas descrições já feitas na literatura da
área e citadas em nossa introdução, que o contexto textual como um todo interfere na produção
oral do falante: a leitura de um U descontextualizado se mostra diferente da leitura desse mesmo
U quando parte de um conjunto textual mais amplo. Desse modo, poderia haver
comprometimento em nossa análise caso optássemos pela leitura de frases soltas, que não fazem
parte de um conjunto textual maior que o próprio enunciado por si só. Por esse motivo, os
participantes fizeram a leitura de um texto mais amplo, sem saber qual é nossa sentença-alvo,
a qual será destacada e analisada em separado.
67
3.1.4 Variáveis
Nas nossas análises, na etapa de produção, mantivemos a atenção maior nas seguintes
variáveis linguísticas:
● Linguísticas
✓ Sintagma entoacional: descrevemos e analisamos a dimensão do sintagma
entoacional da produção dos participantes do Grupo A para explicitar
possíveis diferenças entre eles e os sintagmas entoacionais do Grupo B.
✓ Variação de F0: a curva de F0 foi descrita e analisada para determinar a
caracterização da curva melódica de tal produção e compará-la ao padrão
das curvas entoacionais de frases assertivas e interrogativas dos falantes-
ouvintes.
✓ Padrão entoacional: os tipos de frases analisados são descritos, na literatura
da área, com um padrão entoacional. Esse padrão é determinado pela
marcação de tons em pontos específicos do enunciado, como o início e o
final, por exemplo. Dessa forma, descrevemos e analisamos o padrão
entoacional das produções dos falantes ouvintes em relação às descrições
da área validando-as para a comparação com as produções dos surdos
oralizados.
3.1.5 Análise dos dados
Para nos auxiliar na análise dos dados, utilizamos o programa de análise acústica
PRAAT (BOERSMA; WEENINK, 2019 - disponível gratuitamente no site:
http://www.fon.hum.uva.nl/praat/download_win.html). A análise e discussão obedeceu aos
pressupostos da Fonologia Prosódica e da Fonologia Entoacional no que diz respeito à
marcação de sintagmas entoacionais, curvas entoacionais, padrões entoacionais e tons de
fronteira. Para isso, utilizamos as aferições feitas pela análise instrumental no PRAAT de modo
que explicitássemos os fatos referentes à produção oral dos surdos oralizados (Grupo A)
comparativamente aos dos falantes-ouvintes (Grupo B). Essas análises serviram, também, para
68
identificar os padrões entoacionais realizados nessa produção, que foram comparados ao padrão
entoacional do grupo controle e validados pela comparação com os padrões descritos na
literatura da área. Apresentamos, a seguir, o processo metodológico que propomos para a
análise – um passo a passo do procedimento:
● O primeiro passo foi segmentar do texto-veículo as sentenças-alvo para que
tivéssemos somente o material a ser analisado.
● Feito isso, descrevemos, primeiramente, os dados do Grupo B (falantes
ouvintes), utilizando as descrições feitas para o padrão entoacional modal do
Português Brasileiro dos dois tipos de frases que analisamos (assertiva e
interrogativa total) como parâmetro de validação. Isso foi feito para validarmos
os dados desse grupo como controle para a análise comparativa com os dados
do Grupo A (surdos oralizados).
● Tendo descrito e validado os dados do Grupo B, passamos à descrição dos
dados do Grupo A. Somente com a descrição do padrão entoacional e de outros
aspectos entoacionais e prosódicos do grupo controle já feita pudemos dar
iniciar a comparação desses aspectos em uma produção e na outra.
● Voltamos nossa atenção para os aspectos concernentes às variáveis expostas na
seção 3.1.4, ou seja, foram verificados, para a descrição e comparação dos
dados dos dois grupos: I) a distribuição dos Is; II) a variação de F0 buscando
definir a curva melódica de cada dado e III) o padrão entoacional de cada
modalidade verificado nas produções orais dos dois grupos.
● Discutimos os resultados amparados pelas teorias citadas em nossa revisão
teórica, de modo a esclarecer a caracterização dos aspectos entoacionais e
prosódicos dos surdos oralizados.
3.2 EXPERIMENTO DE PRODUÇÃO: ANÁLISE
Nessa etapa, analisamos as seguintes variáveis: a) a relação entre o tamanho do
constituinte sintático X a configuração do sintagma entoacional; b) o desenho da curva de F0;
c) o padrão entoacional das produções. Em um primeiro momento, expomos os resultados dos
dados do grupo de falantes ouvintes evidenciando se houve ou não discrepância em relação à
literatura da área, validando-os para a comparação com os dados dos surdos oralizados. Após
69
isso, expomos os resultados dos dados dos surdos oralizados em relação aos dos falantes
ouvintes.
3.2.1 Relação Tamanho do constituinte sintático X configuração prosódica
Quanto à definição da composição de um sintagma entoacional, sabemos que os
parâmetros que a governam permitem uma certa variabilidade da quantidade e de distribuição
dos sintagmas entoacionais dentro de um enunciado (NESPOR E VOGEL, 2007). De todo
modo, segundo as autoras, existem fatores sintáticos e semânticos que influenciam e
determinam a formação de um I, como elementos que obrigatoriamente formam um I,
elementos remanescentes da quebra de uma sentença provocada pela inserção de um elemento
que obrigatoriamente forma um I, além de restrições que não permitem que um I seja formado
em certas posições na sentença, como a não separação do verbo e seu argumento ou a não
formação de um I no final do sintagma nominal.
Observando os fatores restritivos acima mencionados, os participantes poderiam
produzir o enunciado com diferentes configurações quanto aos sintagmas entoacionais. Dessa
maneira, nessa variável, preocupamo-nos em verificar a configuração dos sintagmas
entoacionais produzidos. No total, tivemos 12 produções de 3 diferentes participantes de cada
grupo (Grupo A: 12 produções X 3 participantes= 36 produções / Grupo B: 12 produções X 3
participantes= 36 produções); ou seja, analisamos 72 produções, sendo 36 assertivas e 36
interrogativas. Passaremos a discorrer primeiro sobre os dados dos falantes ouvintes para, em
seguida, tratar dos dados dos surdos oralizados.
Para segmentarmos os sintagmas entoacionais das produções analisadas, nos baseamos
no trabalho de Soncin, Tenani e Berti (2017). As autoras assumem que, para identificar a
fronteira de um sintagma entoacional, é preciso observar a relação da pausa com o movimento
tonal característico de uma fronteira de constituintes prosódicos pois esses dois fatores ou um
deles isolado é responsável por definir o domínio do I. Desse modo, buscamos essas pistas para
poder analisar a configuração dos Is das produções de nossos participantes.
70
❖ Falantes ouvintes
Pela análise dos dados, observamos uma forte tendência à produção de apenas um
sintagma entoacional em todos os três tipos de enunciados (curto, médio e longo). O
participante FO1, por exemplo, de suas doze produções, somente em duas dividiu o enunciado
em dois sintagmas entoacionais, exatamente nas duas leituras da interrogativa do enunciado
longo. Essas duas produções são apresentadas nas Figuras 10 e 11:
Figura 10 – Configuração dos sintagmas entoacionais da produção de interrogativa
na posição 1 longa do participante FO1
71
Figura 11 - Configuração dos sintagmas entoacionais da produção de interrogativa na posição 2 longa do participante FO1
Por sua vez, o participante FO2 demonstrou uma maior variabilidade na divisão dos
sintagmas entoacionais do enunciado. Enquanto o anterior produziu dez dos doze enunciados
com apenas um sintagma entoacional, esse produziu cinco dos doze com apenas um sintagma
entoacional (1 assertiva curta, 2 interrogativas curtas e 2 interrogativas médias). Montamos o
Quadro 2 para demonstrar como ficaram as divisões dos enunciados em sintagmas entoacionais
nas suas produções:
Quadro 2: Configuração das produções do participante FO2
Us Distribuição dos Is
Curto
Sua mãe tomava banho com o som ligado. /
Sua mãe tomava banho com o som ligado?
P1: [[Sua mãe] I [tomava banho com o som ligado.]
I ] U
P2: [[Sua mãe tomava banho com o som ligado.] I ]
U
P1: [[Sua mãe tomava banho com o som ligado] I ]
U
P2: [[Sua mãe tomava banho com o som ligado] I ]
U
72
Médio
Sua amada mãe tomava banho frio com o som
velho ligado alto. / Sua amada mãe tomava
banho frio com o som velho ligado alto?
P1: [[Sua amada mãe] I [tomava banho frio] I [com
o som velho ligado alto.] I ] U
P2: [[Sua amada mãe] I [tomava banho frio com o
som velho ligado alto.] I ] U
P1: [[Sua amada mãe tomava banho frio com o som
velho ligado alto?] I ] U
P2: [[Sua amada mãe tomava banho frio com o som
velho ligado alto?] I ] U
Longo
Sua amada e adorada mãe tomava banho
extremamente frio com o som muito velho
ligado bem alto. / Sua amada e adorada mãe
tomava banho extremamente frio com o som
muito velho ligado bem alto?
P1: [[Sua amada] I [e adorada mãe] I [tomava
banho extremamente frio com o som muito velho
ligado bem alto.] I ] U
P2: [[Sua amada] I [e adora mãe] I [tomava banho
extremamente frio] I [com o som muito velho
ligado bem alto.] I ] U
P1: [[Sua amada] I [e adorada mãe] I [tomava
banho extremamente frio com o som muito velho
ligado bem alto?] I ] U
P2: [[Sua amada] I [e adorada mãe] I [tomava
banho extremamente frio] I [com o som muito
velho ligado bem alto?] I ] U
Tal fato corrobora nossa hipótese – baseada em nosso referencial teórico – de que,
quanto maiores sejam os constituintes sintáticos que compõe o enunciado, maior será a
variabilidade na segmentação dos sintagmas entoacionais. As produções do participante 3
também demonstraram variabilidade nesse aspecto. Assim como o anterior, somente em 5
produções foi realizado apenas um sintagma entoacional no enunciado (2 assertivas curtas, 2
interrogativas curtas e 1 interrogativa média). Percebe-se que, em nenhuma das produções dos
enunciados longos desses dois partícipes, seja assertivo ou interrogativo, foi realizado apenas
um sintagma entoacional. No Quadro 3, apresentamos a distribuição dos sintagmas
entoacionais dentro dos enunciados feita pelo participante FO3:
73
Quadro 3: Configurações das produções do participante FO3
Us Distribuição dos Is
Curto
Sua mãe tomava banho com o som ligado. /
Sua mãe tomava banho com o som ligado?
P1: [[Sua mãe tomava banho com o som ligado.] I ] U
P2: [[Sua mãe tomava banho com o som ligado.] I ] U
P1: [[Sua mãe tomava banho com o som ligado?] I ] U
P2: [[Sua mãe tomava banho com o som ligado?] I ] U
Médio
Sua amada mãe tomava banho frio com o
som velho ligado alto. / Sua amada mãe
tomava banho frio com o som velho ligado
alto?
P1: [Sua amada mãe tomava banho frio com o som
velho] I [ligado alto.] I ] U
P2: [[Sua amada mãe tomava banho frio] I [com o som
velho ligado alto.] I ] U
P1: [[Sua amada mãe] I [tomava banho frio com o som
velho ligado?] I ] U
P2: [[Sua amada mãe tomava banho frio com o som
velho ligado?] I ] U
Longo
Sua amada e adorada mãe tomava banho
extremamente frio com o som muito velho
ligado bem alto. / Sua amada e adorada
mãe tomava banho extremamente frio com
o som muito velho ligado bem alto?
P1: [[Sua amada] I [e adorada mãe] I [tomava banho
extremamente frio] I [com o som muito velho ligado
bem alto.] I ] U
P2: [[Sua amada] I [e adorada mãe] I [tomava banho
extremamente frio com o som muito velho ligado bem
alto.] I ] U
P1: [[Sua amada] I [e adora mãe tomava banho
extremamente frio com o som muito velho ligado bem
alto?] I ] U
P2: [[Sua amada e adorada mãe] I [tomava banho
extremamente frio] I [com o som muito velho] I
[ligado bem alto] I ] U
Tendo como base os resultados apresentados, podemos dizer que há uma influência do
tamanho do constituinte sintático sobre a produção oral, fazendo com que a variabilidade de
segmentação dos Is seja mais alta em Us compostos por constituintes sintáticos maiores.
74
Somente o participante 1 não demonstrou variabilidade, o que podemos associar a sua
velocidade de leitura, que se mostrou mais rápida do que a dos outros. Enquanto ele produziu
o enunciado assertivo longo em 5.295s., o participante 2, por exemplo, produziu o mesmo
enunciado em 7.714s. A velocidade da leitura influencia a organização dos sintagmas
entoacionais de modo que, quando se tem uma produção mais rápida, tem-se menos sintagmas
entoacionais, uma vez que é necessário um movimento tonal e/ou uma pausa para marcar a
divisão entre eles. Por outro lado, quanto mais sintagmas, maior a duração da produção.
De toda forma, os resultados não se mostraram discrepantes das descrições feitas na
literatura da área sobre a distribuição de Is em Us. Portanto, os dados foram validados para a
comparação com os dados dos surdos oralizados. Assim, passamos a apresentar e comparar os
resultados do nosso outro grupo de participantes.
❖ Surdos Oralizados
Nosso grupo de participantes surdos oralizados também foi composto por três sujeitos.
A partir das análises dos dados, observamos uma tendência à produção de mais sintagmas
entoacionais dentro do enunciado, mesmo nos enunciados curtos, os quais foram produzidos
pelos falantes ouvintes com apenas um sintagma entoacional. No entanto, assim como nos
dados do Grupo B, percebe-se uma relação entre o tamanho do enunciado e a quantidade de
sintagmas entoacionais produzidos; novamente, quanto maior o enunciado e os sintagmas
entoacionais que o compõe, maior a quantidade desses. Vejamos, no Quadro 5, os resultados
dos dados do participante SO1:
Quadro 2: Configurações das produções do participante SO1
Us Distribuição dos Is
Curto
Sua mãe tomava banho com o som
ligado. / Sua mãe tomava banho com o
som ligado?
P1: [[Sua mãe] I [tomava banho com o som ligado.] I ] U
P2: [[Sua mãe tomava banho com o som ligado.] I ] U
P1: [[Sua mãe] I [tomava banho com o som ligado?] I ] U
P2: [[Sua mãe tomava banho com o som ligado?] I ] U
Médio
P1: [[Sua amada] I [mãe tomava banho frio] I [com o
som] I [velho] I [ligado alto.] I ] U
75
Sua amada mãe tomava banho frio com
o som velho ligado alto. / Sua amada
mãe tomava banho frio com o som
velho ligado alto?
P2: [[Sua amada mãe tomava banho frio] I [com] I [o som
velho] I [ligado alto] I ] U
P1: [[Sua amada] I [mãe tomava banho frio] I [com o som
velho ligado alto] I ] U
P2: [[Sua amada mãe tomava] I [banho frio] I [com o som
velho] I [ligado alto] I ] U
Longo
Sua amada e adorada mãe tomava banho
extremamente frio com o som muito
velho ligado bem alto. / Sua amada e
adorada mãe tomava banho
extremamente frio com o som muito
velho ligado bem alto?
P1: [[Sua amada e adorada mãe] I [tomava banho] I
[extremamente frio] I [com o som muito velho] I [ligado
bem alto] I ] U
P2: [[Sua amada e adorada mãe] I [tomava] I [banho
extremamente frio] I [com o som muito velho] I [ligado] I
[bem alto] I ] U
P1: [[Sua amada e adorada mãe] I [tomava banho] I
[extremamente frio] I [com o som muito velho] I [ligado
bem alto] I ] U
P2: [[Sua amada e adorada] I [mãe] I [tomava banho
extremamente frio] I [com o som muito velho ligado bem
alto] I ] U
Podemos notar que, além de um maior número de sintagmas entoacionais realizados, a
variabilidade de segmentação mostrou-se maior; tal fato foi notado, também, nos dados dos
outros participantes surdos oralizados. Essa grande variabilidade de distribuição dos sintagmas
entoacionais pode ser explicada pelo desempenho na leitura. O participante SO1 demonstrou
maior dificuldade de leitura, fazendo mais pausas e retomadas, isso pode ser percebido ao
verificarmos a tabela 6 acima, que apresenta todas as suas realizações. Ainda assim, os dados
não se mostram tão discrepantes quando comparados aos dos falantes ouvintes, diferenciando
relevantemente pela sua organização e distribuição e não pela sua quantidade.
Por sua vez, o participante SO2 demonstrou uma menor variabilidade na segmentação
dos Is, como pode ser visto no Quadro 6:
76
Quadro 3: Configurações das produções do participante SO2
Us Distribuição dos Is
Curto
Sua mãe tomava banho com o som ligado. /
Sua mãe tomava banho com o som ligado?
P1: [[Sua mãe tomava banho com o som ligado.] I ] U
P2: [[Sua mãe tomava banho com o som ligado.] I ] U
P1: [[Sua mãe tomava banho com o som ligado?] I ] U
P2: [[Sua mãe tomava banho com o som ligado?] I ] U
Médio
Sua amada mãe tomava banho frio com o
som velho ligado alto. / Sua amada mãe
tomava banho frio com o som velho ligado
alto?
P1: [[Sua amada mãe tomava banho frio com o som] I
[velho ligado alto.] I ] U
P2: [[Sua amada mãe tomava banho frio com o som
velho ligado alto.] I ] U
P1: [[Sua amada mãe tomava banho frio] I [com o som
velho ligado alto?] I ] U
P2: [[Sua amada mãe] I [tomava banho frio] I [com o
som velho ligado alto?] I ] U
Longo
Sua amada e adorada mãe tomava banho
extremamente frio com o som muito velho
ligado bem alto. / Sua amada e adorada
mãe tomava banho extremamente frio com
o som muito velho ligado bem alto?
P1: [[Sua amada e adorada mãe] I [tomava] I [banho
extremamente frio] I [com o som muito velho ligado
bem alto] I ] U
P2: [[Sua amada mãe(...)] I [amada e adorada mãe] I
[tomava banho extremamente frio com o som muito
velho ligado bem alto] I ] U
P1: [[Sua amada e adorada mãe] I [tomava banho
extremamente frio] I [com o som] I [muito velho
ligado bem alto] I ] U
P2: [[Sua amada e adorada mãe tomava banho
extremamente frio] I [com o som muito velho ligado
bem alto
77
Como constatamos pelos dados acima expostos, percebe-se que esse participante tem
um desempenho na leitura mais próximo do produzido pelos falantes ouvintes do que o
participante SO1. Isso é evidenciado pela menor quantidade de sintagmas entoacionais
realizados na produção, nesse caso, potencialmente, indicando menos pausas e retomadas.
Conquanto, essa proximidade não foi verificada nos dados do partícipe SO3. As
produções realizadas por ele, mostraram-se díspares tanto das dos falantes ouvintes quanto das
dos outros surdos oralizados. Por exemplo, enquanto o participante FO1 produziu dez dos doze
enunciados com apenas um sintagma entoacional, o SO3 produziu apenas um dos enunciados
com apenas um sintagma entoacional (interrogativa curta). Ainda que comparado aos do mesmo
grupo (surdos oralizados), seus dados apresentam discrepância. No Quadro 7, exibimos a
distribuição de sintagmas entoacionais, nos enunciados, realizada pelo participante SO3:
Quadro 4: Configurações da produções do participante SO3
Us Distribuição dos Is
Curto
Sua mãe tomava banho com o som ligado.
/ Sua mãe tomava banho com o som
ligado?
P1: [[Sua mãe] I [tomava banho] I [com o som ligado.] I
] U
P2: [[Sua mãe tomava banho com o som] I [ligado.] I ]
U
P1: [[Sua mãe tomava banho] I [com o som ligado?] I ]
U
P2: [[Sua mãe tomava banho com o som ligado?] I ] U
Médio
Sua amada mãe tomava banho frio com o
som velho ligado alto. / Sua amada mãe
tomava banho frio com o som velho
ligado alto?
P1: [[Sua amada] I [tomava banho] I [frio com o som
velho] I [ligado.] I ] U
P2: [[Sua amada] I [mãe] I [tomava banho frio] I [com o
som velho ligado alto.] I ] U
P1: [[Sua amada] I [mãe] I [tomava banho frio com o
som velho ligado alto?] I ] U
P2: [[Sua amada mãe tomava banho frio com o som
velho?] I ] U
Longo
78
Sua amada e adorada mãe tomava banho
extremamente frio com o som muito
velho ligado bem alto. / Sua amada e
adorada mãe tomava banho extremamente
frio com o som muito velho ligado bem
alto?
P1: [[Sua amada] I [e adorada] I [mãe] I [tomava banho]
I [extremamente frio com o som muito velho] I [ligado
bem alto.] I ] U
P2: [[Sua amada e adorada mãe tomava] I [banho
extremamente] I [frio com o som muito velho ligado] I
[bem alto.] I ] U
P1: [[Sua amada] I [e adorada mãe] I [tomava banho] I
[extremamente frio] I [com o som muito velho] I [ligado
bem alto?] I ] U
P2: [[Sua amada e adorada mãe] I [tomava banho
extremamente frio] I [com o som muito] I [velho ligado
bem alto] I ] U
Outro aspecto que constatamos foi que o SO3, assim como os demais, realizou menos
sintagmas entoacionais na segunda leitura do que na primeira, de todos os enunciados. Isso
pode ter ocorrido pelo fato de que, em uma segunda leitura do mesmo texto, o leitor demonstra
maior fluência, devido ao conhecimento prévio do texto, proporcionado pela primeira leitura.
Assim, a produção apresentará menos sintagmas entoacionais, uma vez que serão percebidos
um menor número de pausas e retomadas. No entanto, analisar a formação dos sintagmas não
foi nosso foco de análise. Ponderamos analisar e discutir tais aspectos de maneira mais apurada
em um momento futuro.
Após analisarmos os dados dos dois grupos (A= surdos oralizados; B= falantes ouvintes)
e os compararmos entre si, podemos tecer algumas considerações sobre a influência do tamanho
dos sintagmas entoacionais e dos enunciados:
I- Há influência do tamanho do constituinte sintático sobre a configuração
dos sintagmas entoacionais no sentido de que, quanto maior o
constituinte sintático que compõem o enunciado, maior será a
variabilidade de distribuição e a quantidade dos Is. Esse aspecto foi
evidenciado tanto nas produções dos falantes ouvintes quanto nas dos
surdos oralizados. Ao comparar os dados de um grupo com o outro,
79
notamos que a diferença entre os dados dos dois grupos dá-se mais pela
variabilidade da distribuição dos Is dentro do U do que pela quantidade
de Is. Apenas os dados do participante SO3 demonstraram uma
quantidade de sintagmas consideravelmente maior do que os dados dos
falantes ouvintes. Esse fato confirma a nossa hipótese de que haveria
influência do tamanho do componente sintático sobre a configuração
prosódica e a distribuição dos sintagmas entoacionais dentro do
enunciado.
II- O desempenho na leitura influencia a realização de mais ou de menos Is
e na distribuição deles. Observamos que as produções que apresentaram
uma maior variabilidade de distribuição e mais sintagmas entoacionais
foram aquelas que também apresentaram mais pausas e retomadas na
leitura. Ao nos atentarmos às produções da segunda leitura, constatamos
que, em todas, os participantes realizaram menos sintagmas entoacionais
e variaram menos na forma como foi realizada a distribuição deles. Tal
fato deve-se ao reconhecimento do enunciado na segunda leitura. Mesmo
os dados do participante SO3, que apresentou grande discrepância se
comparado tanto com os falantes ouvintes quanto com os dos outros
surdos oralizados, mostrou menor variabilidade de distribuição e
quantidade de Is na segunda leitura.
III- Quanto menor a duração da produção, menor o número de sintagmas
entoacionais. Como visto nos dados dos falantes ouvintes, o participante
que realizou menos sintagmas entoacionais (FO1) foi também o que teve
a menor duração total de produção. Tratando dos dados dos surdos
oralizados, percebemos que esse aspecto também se faz presente. O
participante SO3, por exemplo, foi o que mais realizou sintagmas
entoacionais e que teve a maior duração total de produção. Ao
confrontarmos os dados de um grupo com o outro, constatamos que os
surdos oralizados realizam mais sintagmas entoacionais, o que os faz ter
uma duração total de produção maior. Ainda assim, essa relação
(quantidade de sintagmas entoacionais X tempo total da duração)
mostra-se relevante nos dois grupos analisados.
Na próxima seção, passamos a expor os resultados da análise da nossa segunda variável.
80
3.2.2 Desenho da curva entoacional (F0)
De acordo com Pierrehumbert (1980), a mesma sentença pode ser entoacionalmente
produzida de diferentes maneiras, o que resulta em diferentes modalidades frasais. Ladd (2008)
assume que a curva gerada pela variação da frequência fundamental, ou seja, F0, além de ser
usada para identificar os tipos de frases, pode trazer pistas de marcadores fonológicos que
contribuem para essa identificação. Ademais, Moraes (1992) advoga para uma entoação modal
do Português Brasileiro, atestando, por meio da análise de dados de leitura, que a curva
entoacional apresenta determinadas características, como subidas e descidas em determinados
pontos do enunciado, que a identifica como de uma assertiva ou uma interrogativa total, por
exemplo.
A partir desses pressupostos, e tendo como base as pesquisas mencionadas em nossa
revisão de literatura, passamos a expor os resultados da análise dos nossos dados. Tratamos
primeiro dos dados referentes às frases assertivas produzidas pelos falantes ouvintes, para que,
depois de validadas, passemos às produzidas pelos surdos oralizados. Em seguida, da mesma
forma, abordamos os dados referentes às frases interrogativas totais.
3.2.2.1 Assertivas
Das 72 produções que coletamos para as análises da etapa de produção, 36 são de frases
assertivas, sendo 18 produzidas por falantes ouvintes (6 produções x 3 participantes) e 18 por
surdos oralizados (6 produções x 3 participantes). Como já dito, a curva entoacional da
produção de uma frase assertiva apresenta características que permitem defini-la como tal
(MORAES, 1992; REIS et alli, 2011). Assim, focamos nossa atenção em analisar o desenho
dessa curva, destacando as dessemelhanças que foram verificadas nos nossos dados. No
primeiro momento, discorremos sobre os dados do grupo de falantes ouvintes e, em seguida,
sobre os dos surdos oralizados.
81
❖ Falantes ouvintes
Das 18 frases assertivas produzidas pelos três participantes falantes ouvintes, apenas em
uma (assertiva curta, na segunda posição, do participante FO4) não foi verificado o desenho
característico desse tipo, descrito para o Português Brasileiro. Essa produção apresentou um
desenho da curva de F0 mais próximo do caracterizado para “lista” – como se a frases não
estivesse completa – do que de uma assertiva. De acordo com os trabalhos que citamos em
nossa revisão de literatura, a curva de F0 de uma frase assertiva é caracterizada por uma subida
inicial localizada no primeiro item lexical – na maioria das vezes, nas sílabas pós-tônicas – e
um movimento final descendente, que começa na sílaba que precede a última tônica do
enunciado e termina na última tônica. Quando houver sílaba pós-tônica final, o movimento
continuará nelas. Por sua vez, no dado supracitado, o desenho da curva apresentou uma subida
na sílaba pós-tônica final. Nas Figuras 12 e 13 podemos ver, respectivamente, a diferença entre
a curva dessa produção em especial e a curva característica de assertivas do Português Brasileiro
realizada nas outras 17 produções que analisamos:
Figura 12 – Curva da produção de assertiva curta do participante FO4 com padrão
de lista
82
Figura 13 – Curva da produção de assertiva curta do participante FO4 com padrão correspondente à literatura
Dessa maneira, podemos dizer que os desenhos das curvas entoacionais dos dados dos
participantes falantes ouvintes da nossa pesquisa são correspondentes aos descritos na literatura
da área. Encaramos o dado que se mostrou distinto dos demais como uma falha de leitura, pois
o participante pode não ter identificado o ponto final. Assim, validamos os dados desse grupo
e passamos a exibir os dados do Grupo A – Surdos oralizados.
❖ Surdos oralizados
Os dados do nosso grupo de participantes surdos oralizados mostraram-se mais variados
quanto à correspondência com o desenho da curva de F0 descrita na literatura e aos dados do
grupo de falantes ouvintes. Nos dados do SO1, das 6 frases assertivas produzidas, 4
apresentaram o desenho característico do tipo analisado. Nas duas que não apresentaram tal
aspecto, notamos a caracterização de “lista” (quando o falante deixa um tom de suspensão,
como se ainda faltasse a completude da frase) e de interrogativa total nas produções do
enunciado curto na segunda posição (“lista”) e do enunciado médio na segunda posição
(interrogativa total); vistas nas Figuras 14 e 15, respectivamente:
83
Figura 14 – Curva da produção assertiva curta do participante SO1 com padrão de lista
Figura 15 – Curva da produção de assertiva média do participante SO1 com padrão de interrogativa total
Novamente, podemos associar tal fato ao não reconhecimento da pontuação durante a
leitura; pois todos os outros dados desse participante mostram-se correspondentes aos dados do
grupo de falantes ouvintes.
84
Quanto aos outros dois participantes (SO2 e SO3), percebemos que os desenhos de suas
produções mostraram-se mais próximos aos dos falantes ouvintes do que o do SO1. Os dados
do SO2 não apresentaram discrepância em relação ao grupo controle: das 6 produções, em todas
foi notado o desenho que caracteriza o tipo assertiva. Por sua vez, nos dados do SO3,
observamos somente uma produção (assertiva média na segunda posição) em que não foi
constatado o desenho de assertiva. Nessa dado, identificamos uma curva de F0 comum ao tipo
interrogativa total, com uma subida localizada na última sílaba tônica do enunciado e uma
descida na pós-tônica; exibida na Figura 16:
Figura 16 – Curva da produção de assertiva média do participante SO3 com
padrão de interrogativa total
Ao compararmos os dados dos surdos oralizados aos dos falantes ouvintes,
consideramos que, nessa variável, não há dissonâncias consideráveis. Das 18 produções
analisadas no grupo controle (falantes ouvintes), somente em uma não constatamos o desenho
da curva de F0 característico de frases assertivas, enquanto das 18 dos surdos oralizados foram
3. Coincidentemente, todas essas produções que não apresentaram o desenho característico são
de enunciados que estavam na segunda posição. Afora essas observações, cabe-nos dizer que o
fator mais preponderante para que os dados dos participantes não apresentassem o desenho
esperado, pode ser a falha no reconhecimento da pontuação.
Na próxima seção, tratamos das produções de frases interrogativas totais. Abordaremos
os dados da mesma maneira que o fizemos para as frases assertivas.
85
3.2.2.2. Interrogativas totais
Como dito anteriormente, tivemos 72 produções em nossa análise (36 assertivas + 36
interrogativas totais). Na subseção anterior discorremos sobre os resultados das 36 produções
de frases assertivas dos falantes e dos surdos oralizados. Resta-nos explicitar os resultados dos
dados das 36 produções de frases interrogativas totais.
❖ Falantes ouvintes
Os dados dos participantes falantes ouvintes mostraram-se mais consistentes para as
produções de frases interrogativas totais do que para as de frases assertivas. Em nenhuma delas
foi notado algum desenho da curva de F0 que não fosse o descrito para o Português Brasileiro.
Portanto, das 18 frases que analisamos, todas apresentaram uma curva caracterizada por uma
subida localizada na sílaba tônica do primeiro item lexical – uma pista acústica, considerada
como marcador fonológico desse tipo de frases – seguido de uma queda na altura melódica das
sílabas seguintes voltando a subir na última tônica do enunciado, o que caracteriza o padrão
ascendente das interrogativas totais (MORAES, 1992, 1998; REIS et ali, 2011). Abaixo, na
Figura 17, demonstramos três exemplos (um para cada enunciado: curto, médio e longo) das
curvas entoacionais observadas nos nossos dados:
Figura 17 – Exemplos dos padrões de curvas entoacionais verificadas nos dados dos
participantes falantes ouvintes
86
Tendo sido verificado em todas as produções o desenho padrão para as interrogativas
totais, validamos esses dados como controle da pesquisa. A seguir, passamos aos dados dos
surdos oralizados.
87
❖ Surdos oralizados
Ao analisarmos os dados dos participantes surdos oralizados, observamos que somente
um dos participantes do grupo (SO1) produziu a curva entoacional característica de frases
interrogativas totais em todas as suas 6 produções. O SO2, na interrogativa média na segunda
posição, produziu a curva entoacional de assertiva, a que atribuímos a uma falha no
reconhecimento do ponto de interrogação (?), pois, nas outras cinco produções, notamos o
desenho padrão para o tipo interrogativa total. Por sua vez, o SO3 também apresentou somente
uma produção (interrogativa longa na segunda posição) com a curva não correspondente ao
descrito. No entanto, os resultados desse último participante nos chamam a atenção.
A curva da produção do SO3 apresentou um desenho próximo do descrito para o
Português Brasileiro, no entanto, a subida melódica localizada na sílaba tônica final do
enunciado, que caracteriza o tipo interrogativa total, foi realizada com duração bem menor do
que a dos outros dois participantes. Além disso, a altura do pico dessa subida mostrou-se mais
baixo do que o dos outros. Consideramos que tal fato pode prejudicar a identificação dessas
dadas curvas como do tipo interrogativa total. Nas Figuras 18 e 19, podemos visualizar as
diferenças mencionadas (observe a área selecionada):
Figura 18– Curva da produção de interrogativa total curta do participante SO3
88
Figura 19 – Curva da produção de interrogativa total do participante SO1
Pelos resultados verificados, e aqui apresentados, percebemos que a duração da subida
na tônica final do enunciado e altura do pico dessa subida, manifestam-se como aspectos
caracterizadores do tipo de frase interrogativa total. Ao cosiderarmos o fato de que o desenho
da curva entoacional do SO3 diferencia-se da dos outros participantes nesses dois aspectos e
isso causa dessemelhança com o padrão descrito, assumimos que, mesmo havendo um
movimento ascendente no mesmo local descrito na literatura da área, esse movimento mostra-
se diferente do padrão pela duração de sua realização e pela altura do seu pico.
Na próxima seção, trataremos de um correlato da curva entoacional: o padrão
entoacional. De acordo com os trabalhos mencionados em nossa revisão teórica, a marcação de
um tom L (baixo) corresponde a um movimento descendente (queda) na curva melódica, por
outro lado, a marcação de um tom H (alto) corresponde a um movimento ascendente (subida).
Passamos a expor os resultados de nossos dados referentes a essa variável.
89
3.2.3 Padrão entoacional
Para definir o padrão entoacional de um enunciado, é preciso analisar o desenho da
curva entoacional, a qual apresenta subidas e descidas. Quando for notado um movimento
ascendente na curva, rotula-se essa subida como um tom H (alto); caso contrário, ou seja, o
movimento seja descendente, rotula-se como tom L (baixo) (LADD, 2008). Para o Português
Brasileiro, Silvestre e Santos (2014), Cunha e Silvestre (2013), Castelo e Cunha (2011), Reis
et ali (2011) e Moraes (1992. 1993 e 1998) descrevem os padrões L+H* H+L*L%,
H* H+L*L% e H* H+H*L% para assertivas e L+H* L+H*L%, H* L+H*L% ou
H* L+H*H% para interrogativas totais. Tendo esses pressupostos como base, observamos
qual o padrão entoacional notado nas produções que analisamos.
Novamente, exibimos primeiro os dados das produções assertivas e, depois, os das
produções de interrogativas totais do grupo de falantes ouvintes, para procedermos aos
resultados dos dados do grupo de surdos oralizados da mesma forma.
3.2.3.1 Assertivas
❖ Falantes ouvintes
Assim como na variável anterior (desenho da curva entoacional), tivemos um total de
36 produções desse tipo em nossa análise (18 de falantes ouvintes + 18 de surdos oralizados).
Como já apontamos, o padrão entoacional está correlacionado à curva de F0, assim, não
podemos ter um padrão entoacional que não seja correspondente ao desenho da curva de F0.
Ou seja, tendo sido descrito um movimento ascendente na curva, o tom a ser atribuído poderá
ser somente um tom H (alto). Desse modo, as mesmas produções que apresentaram a curva
entoacional discordante com a descrita na literatura da área, são, também, as que apresentaram
um padrão entoacional discordante.
Das 18 produções de frases assertivas do grupo de falantes ouvintes, somente a produção
da assertiva média na segunda posição do FO4 teve o padrão entoacional não correspondente
ao descrito para o Português Brasileiro. Como em todas as outras produções desse participante
o padrão notado foi correspondente ao já descrito (H* H+L*L%), consideramos que possa
ter ocorrido uma falha na identificação do ponto final que fez com que fosse verificado o padrão
90
do tipo “lista” (L* L+H*H). Logo, podemos dizer que o padrão entoacional observado nos
dados do nosso grupo controle mostram-se correspondentes ao padrão descrito para o Português
Brasileiro, pois apenas uma das produções não foi rotulada com H* H+L*L%.
❖ Surdos oralizados
Para descrever os dados do grupo de surdos oralizados, seguimos a mesma conduta de
análise. Os padrões encontrados nos resultados dos dados desse grupo de revelaram uma menor
correspondência com o padrão descrito na literatura. Não foi notado o padrão entoacional
característico (H* H+L*L%) em duas das seis produções do SO1. Nessas duas produções
verificamos um padrão entoacional de “lista” (L*_ L+H*H%) na assertiva curta em segunda
posição e de interrogativa total (H L+H*L%) na assertiva média, também, em segunda
posição. Quanto ao SO2, em todas as produções notamos o padrão entoacional
(H* H+L*L%). Já nos dados do SO3, verificamos apenas uma produção (assertiva média na
segunda posição) com o padrão entoacional não correspondente ao descrito na literatura.
Com base nesses resultados, podemos dizer que o padrão entoacional percebido nas
produções dos surdos oralizados, comparativamente às dos falantes ouvintes, não apresenta
grande discrepância, e, quando ela ocorre, pode estar associada à falha de reconhecimento da
pontuação – por se tratar de frases constituídas das mesmas palavras, a pontuação (“?” ou “.”)
determinaria de qual modalidade seria a frase – ou outro fator relacionado à leitura. Passamos,
em seguida, aos resultados dos dados da produção de frases interrogativas totais.
3.2.3.2 Interrogativas totais
❖ Falantes ouvintes
Tal como as produções de frases assertivas, as produções de frases interrogativas totais
nas quais observamos discordância em relação ao padrão entoacional, foram as mesmas em que
verificamos uma curva entoacional não correspondente ao padrão descrito para o Português
Brasileiro. Nos dados das 18 frases interrogativas produzidas pelos falantes ouvintes, anotamos
os padrões H* L+H*L% (12 frases) e H* L+H*H% (6 frases); ou seja, em todas as
produções que analisamos, o padrão encontrado corresponde ao descrito na literatura da área.
91
❖ Surdos oralizados
Examinando os dados do grupo de participantes surdos oralizados, percebemos que, das
18 frases analisadas, somente em duas não foi notado o padrão H* L+H*L%. A interrogativa
média na segunda posição do SO2 e a longa na segunda posição do SO3 foram notadas com o
padrão entoacional de assertiva H* H+L*H%. Novamente, associamos a não
correspondência do padrão entoacional dessas duas produções a alguma falha na leitura. À vista
disso, constatamos que, quanto ao padrão entoacional, as produções dos surdos oralizados,
quando comparadas às dos falantes ouvintes, não demonstram divergência relevante.
Cabe-nos dar destaque a um fator relevante nas produções do SO3. Lembramos que os
dados desse participante apresentaram uma curva entoacional com movimentos ascendentes e
descendentes localizados nos devidos pontos que caracterizam a curva de uma interrogativa
total. No entanto, tais movimentos foram realizados com duração e pico menores que os já
descritos para o Português Brasileiro. Desse modo, ainda que a marcação de tons que define o
padrão entoacional característico tenha sido correspondente em cinco das seis produções desse
participante, os aspectos relacionados à duração e altura do pico não podem ser desconsiderados
em nossa pesquisa.
3.3. EXPERIMENTO DE PERCEPÇÃO: METODOLOGIA
Na segunda etapa, os dados de leitura produzidos pelos participantes do Grupo A foram
apresentados a falantes ouvintes, os quais julgaram se a frase ouvida era uma assertiva ou uma
interrogativa total. Para tal, propusemos um processo metodológico que visava a uma ampla
participação, uma vez que, por ser um experimento de percepção, para maior confiabilidade
nos resultados, maior deve ser o número de participantes. Assim, norteados por essa
perspectiva, idealizamos um teste perceptivo online que foi disponibilizado pelo link
https://form.jotformz.com/90777950912669 e distribuído por listas de e-mails e por outras mídias
como grupos de WhatsApp e Facebook. Buscando com que cada participante fizesse o teste
apenas uma vez, o acesso ao teste foi controlado, oportunizando apenas um acesso por IP. Esse
92
controle foi pensado para que os resultados não fossem corrompidos apresentar mais de um
julgamento sendo feito pela mesma pessoa.
Do mesmo modo, restringimos a marcação das respostas de maneira que, uma vez
assinalada, não houvesse a possibilidade de mudar a escolha, pois o participante poderia, por
exemplo, no último áudio ouvido, entender que deveria mudar uma resposta dada em um áudio
anterior. Controlamos, também, a quantidade de vezes que o áudio seria ouvido (uma só vez).
Essas escolhas de regulação e outros parâmetros do teste se deram por objetivarmos uma
espontaneidade alusiva às situações conversacionais, nas quais os julgamentos sobre os tipos
modais são processados de modo “automático”.
Propusemos um teste escalar com níveis de 1 a 5. Pensamos nesse tipo de teste
como forma de dirimir um julgamento forçado: quando se tem somente duas opções, pode haver
influência ao considerar o que não acredita ser, por falta de opções. Por sua vez, com um leque
maior de opções, pode-se ter mais chances de encontrar a alternativa mais condizente com o
seu julgamento. Assim, com 5 níveis de consideração, podemos dizer que o participante terá
melhores condições de julgar confiavelmente, e sem influências, as frases ouvidas. Na próxima
seção, demonstraremos como se deu o processo de julgamento das frases dos surdos oralizados
pelos falantes ouvintes.
3.3.1 Julgamento das frases
Como mencionado na seção anterior, em busca de uma ampla participação para melhor
sustentar as considerações sobre o nosso teste de percepção, ele foi feito online, distribuído pelo
link https://form.jotformz.com/90777950912669. Expomos, a seguir, como produzimos a
montagem desse teste.
A plataforma escolhida foi o aplicativo JotForms (disponível gratuitamente pelo site:
https://www.jotform.com/). Tal escolha efetuou-se por entendermos que essa plataforma
conseguiria nos proporcionar um grande alcance de participantes, veicular o áudio a ser ouvido
e propor um julgamento escalar, além de oportunizar a forma de regulação proposta e controlar
as submissões. Desenhamos um formulário contendo o áudio a ser julgado seguido de cinco
alternativas de resposta. O áudio e as alternativas correspondentes a ele foram apresentados ao
participante cada qual em uma página, para ouvir o áudio seguinte era necessário clicar no botão
93
“Avançar” (como visto em (18)). Abaixo do áudio, as respostas a serem assinaladas estavam
dispostas da seguinte forma: 1- É uma pergunta; 2- Parece uma pergunta; 3- Não sei se é
pergunta ou afirmação; 4- Parece uma afirmação e 5- É uma afirmação. Pensamos em respostas
com linguagem informal para permitir que o julgamento pudesse ser feito por qualquer pessoa.
Na Figura 20, é apresentada a tela como vista pelo participante:
Figura 20 – Tela visualizada pelo participante do Teste de Percepção
Para conseguirmos que cada participante fizesse o teste uma única vez, controlamos a
submissão pelo número de IP. A plataforma JotForms permite que seja colocado como
condição apenas uma submissão por acesso; caso o participante tentasse fazer uma segunda
submissão utilizando o mesmo IP, ela seria invalidada e não computada. É importante ressaltar
que a própria plataforma extingue a necessidade de qualquer forma de identificação desses
participantes, pois não se identifica o autor das respostas, apenas apura-se os resultados de cada
julgamento anonimamente. Ainda assim, para iniciar o teste, foi pedido que o consentimento
fosse confirmado clicando em “Aceitar” (Figura 21); somente após essa confirmação o teste
poderia ser iniciado.
94
Figura 21 – Tela de consentimento do participante
Expomos, a seguir, quais foram as frases selecionadas para o teste de percepção e como
se deu a esquematização da apresentação delas para o julgador.
3.3.1.1 Seleção das frases a serem julgadas
Com o objetivo primariamente proposto – investigar se ouvintes percebem a produção
oral de frases assertivas e interrogativas totais de um surdo como tais –, optamos por analisar
as mesmas frases coletadas e analisadas na etapa de produção. Uma vez que tínhamos 3
participantes no Grupo A, fez-se necessário selecionar de qual desses usaríamos as frases no
teste de percepção. Assim, elegemos aquele participante cujos dados se mostraram o mais
discrepante, tendo como base as variáveis que analisamos, dos dados dos falantes ouvintes e
das descrições citadas.
Para que pudéssemos estabelecer um diálogo entre as duas etapas da pesquisa (Etapa 1:
produção e etapa 2: percepção), estipulamos que todas as frases do participante escolhido
analisadas na Etapa 1 seriam apresentadas para o julgamento da Etapa 2. Desse modo, tivemos
um total de 12 frases (6 assertivas e 6 interrogativas totais) com diferentes tamanhos de
sintagmas entoacionais, as mesmas da Etapa 1. A seguir, apresentamos as frases ajuizadas no
teste:
95
● Is curtos: Sua mãe tomava banho com o som ligado. / Sua mãe tomava
banho com o som ligado?
● Is médios: Sua amada mãe tomava banho frio com o som velho ligado
alto. / Sua amada mãe tomava banho frio com o som velho ligado alto?
● Is longos: Sua amada e adorada mãe tomava banho extremamente frio
com o som muito velho ligado bem alto. / Sua amada e adorada mãe
tomava banho extremamente frio com o som muito velho ligado bem
alto?
A fim de evitar possíveis identificações das frases a serem analisadas, incluímos três
frases distratoras para cada uma das de análise; um total de 36 frases distratoras. Dessas 36,
tivemos: 12 assertivas e 12 interrogativas totais produzidas por falantes ouvintes (com
diferentes tamanhos de sintagmas entoacionais – curto, médio e longo – semelhantemente às de
análise); 12 assertivas produzidas por surdos oralizados. Para a apreciação das frases, elas foram
dispostas de modo aleatório, variando as posições em que apareciam, visando impossibilitar
deduções de qualquer natureza sobre o procedimento.
Nos Quadros 8 e 9, apresentamos as frases experimentais e as frases distratoras:
Quadro 5: Frases distratoras, de falantes ouvintes, utilizadas no teste de percepção
Frases experimentais Frases distratoras (produzidas por falantes
ouvintes)
Curto
Sua mãe tomava banho com o som ligado. /
Sua mãe tomava banho com o som ligado?
1- Esse sol queimava todos com a luz acesa.
2- Aquela lua que brilha lá no alto do céu.
3- Nossa luz brilhava forte na rua molhada.
4- Esse sol queimava todos com a luz acesa?
5- Aquela lua que brilha lá no alto do céu?
Médio
Sua amada mãe tomava banho frio com o
som velho ligado alto. / Sua amada mãe
1- Esse ardente sol queimava todos eles com a
luz branca acesa forte.
2- Aquela linda lua que brilha azul lá no tão alto
céu preto.
3- Nossa vibrante luz brilhava menos forte na rua
tensa ainda molhada.
4- Esse ardente sol queimava todos eles com a
luz branca acesa forte?
96
tomava banho frio com o som velho
ligado alto?
5- Aquela linda lua que brilha azul lá no tão alto
céu preto?
Nossa vibrante luz brilhava menos forte na rua tensa
ainda molhada?
Longo
Sua amada e adorada mãe tomava banho
extremamente frio com o som muito velho
ligado bem alto. / Sua amada e adorada mãe
tomava banho extremamente frio com o som
muito velho ligado bem alto?
1- Esse ardente e dourado sol queimava todos
eles morosamente com a luz branca fosca
acesa tão forte.
2- Nossa vibrante e vermelha luz brilhava duas
vezes mais forte naquela tensa rua ainda
molhada de mel.
3- Aquela linda e maravilhosa lua que brilha azul
claro lá no tão alto e longe céu preto fosco.
4- Esse ardente e dourado sol queimava todos
eles morosamente com a luz branca fosca
acesa tão forte?
5- Nossa vibrante e vermelha luz brilhava duas
vezes mais forte naquela tensa rua ainda
molhada de mel?
6- Aquela linda e maravilhosa lua que brilha azul
claro lá no tão alto e longe céu preto fosco?
Quadro 6: Frases distratoras, de surdo oralizado, utilizadas no teste de percepção
Frases distratoras (produzidas por surdos oralizados)
Curto
1- Levanta e vai até a cozinha tomar um gole de café.
2- O pai acorda assustado com o grito, corre até a varanda e vê a menina entrando.
3- Nesse momento a mãe chega na varanda, os dois se calam e fingem que não aconteceu nada.
4- Apenas se olham e já se entendem.
5- Era um erro capital, que não poderia ser cometido.
6- A menina estava sozinha na rua.
7- Já tinha passado das dez horas da noite.
8- O pai cochilava no sofá com a tv ligada.
9- Mamãe trancou a porta do quarto, acho que não me ouviu quando eu bati na porta.
10- Era normal a gritaria na casa deles.
11- Mal sabia quantas pessoas já morreram tomando banho assim.
12- O avô sabia o que ia acontecer.
97
A definição para utilização das distratoras produzidas por falantes ouvintes deu-se por
entendermos que havia a necessidade de validar o conhecimento do participante quanto à
avaliação dos tipos de frases que analisávamos, ou seja, se ele saberia identificar uma assertiva
e uma interrogativa total, produzidas com o padrão entoacional descrito pela literatura da área,
como tais. Dada essa proposição, analisamos todas as 24 frases (12 assertivas e 12 interrogativas
totais) produzidas pelos falantes ouvintes para confirmarmos que tal padrão entoacional era
produzido. A respeito da definição das distratoras produzidas por surdos oralizados, preferimos
utilizar somente frases assertivas pois, assim, aproveitaríamos o dado coletado na etapa de
produção, não sendo preciso fazer uma nova coleta. Dessa maneira, não teríamos apenas as
frases da análise, produzidas por surdos oralizados, apresentadas para apreciação dos
participantes.
Além disso, para que pudéssemos dar confiabilidade estatística para a análise dos
resultados, utilizamos o programa stata buscando evidenciar a robustez dos resultados obtidos
no teste e verificar a significância estatísticas de nossos dados. Para tal, aplicamos um modelo
de regressão linear simples que visou constatar se esses dados foram estatisticamente
significantes. O programa stata processa os dados de modo a expor várias relações estatísticas.
3.3.2 Variáveis
Nessa etapa da pesquisa, tivemos apenas uma variável linguística, sendo ela:
✓ Tipologia: as frases serão julgadas como assertivas ou interrogativas para
que se observe como elas são percebidas por um falante ouvinte.
Tendo demonstrado a metodologia que adotamos, nas duas etapas da pesquisa, para
descrever e analisar nossos dados, passamos a apresentar, no próximo capítulo, os resultados
obtidos.
3.4. EXPERIMENTO DE PERCEPÇÃO: ANÁLISE
Após termos elucidado os resultados de nossas análises sobre a produção dos surdos
oralizados comparativamente à dos falantes ouvintes, discorreremos sobre a análise da
percepção dessas produções. Essa etapa foi pensada para que pudéssemos testar como as
98
produções dos surdos oralizados são percebidas, ou seja, se ouvintes percebem as produções de
frases assertivas e interrogativas totais produzidas por esse grupo como tais. Como dito em
nossa metodologia, utilizamos as frases coletadas na primeira etapa para que tivéssemos um
dado já analisado e descrito no que diz respeito à produção. Assim, selecionamos as doze
produções do SO3 por elas mostrarem-se as mais discrepantes do padrão descrito para o
Português Brasileiro.
Como produzimos um teste online, foi possível contarmos com um grande número de
participantes de várias partes do Brasil. Ao todo, tivemos 120 submissões computadas. No teste,
o participante, após ouvir o áudio, deveria marcar dentre as opções (1- É uma pergunta; 2-
Parece uma pergunta; 3- Não sei se é uma pergunta ou uma afirmação; 4- Parece uma afirmação
e 5- É uma afirmação) a que julgava correspondente ao tipo de frase que ouviu. Para
verificarmos como as frases foram julgadas, transferimos os dados para o programa Excel-
Microsoft Office e transformamos todas as respostas em números, da seguinte forma:
É uma pergunta = 1
Parece uma pergunta = 2
Não sei se é uma pergunta ou uma afirmação = 3
Parece uma afirmação = 4
É uma afirmação = 5.
Estabelecemos uma média das respostas para, ancorados nela, considerarmos que a frase
foi julgada como de uma ou de outra modalidade, ou que o participante não soube identificar
qual o tipo de frase. Assim, a depender do valor da média que encontramos, consideraríamos
que os participantes perceberam a produção como tal, por exemplo: a produção de uma frase
assertiva deve ter a média maior do que 4 para que consideremos que ela foi percebida como
tal; por sua vez, a produção de uma frase interrogativa total deve ter a média menor do que 2
para considerarmos que foi percebida como tal. As médias próximas de 3 identificam que não
foi possível julgar a frases como de uma ou de outra modalidade.
Para expor os resultados referentes às frases ajuizadas, montamos a Quadro 10 que
apresenta a média e a moda (a opção mais selecionada) de cada uma, vista em XX:
99
Quadro 7: Média do julgamento de aceitabilidade das frases produzidas por surdo oralizado no teste percepção
Produção Média
AC1 3,46
AC2 3,41
AM1 3,33
AM2 3,08
AP1 3,79
AP2 3,05
PC1 3,38
PC2 2,93
PM1 2,92
PM2 3,34
PP1 3,38
PP2 3,48
AC1 e AC2 = Afirmativa curta na 1º e na 2º posição, respectivamente / AM1 e AM2 = Afirmativa média na 1º e na 2º posição, respectivamente / AP1 e AP2 = Afirmativa longa na 1º e 2º posição, respectivamente / PC1 e PC2 = Pergunta curta na 1º e na 2º posição, respectivamente / PM1 e PM2 = Pergunta média na 1º e a 2º posição, respectivamente / PP1 e PP2 =
Pergunta longa na 1º e na 2º posição, respectivamente
No entanto, para que pudéssemos demonstrar mais acuradamente que os ouvintes do
teste de percepção não conseguiram identificar as frases produzidas pelo surdo oralizado como
do tipo a que pertencem fizemos uma análise descritiva da média das respostas para
interrogativas totais. Percebemos que as médias variaram entre 3.48 e 2.93, novamente,
permanecendo próximo de 3, que era a resposta referente a não saber julgar a frase ouvida como
de um ou de outro tipo. Isso não foi notado nas respostas dadas para os áudios dos falantes-
ouvintes, visto que as médias para esses áudios ficaram próximas de 1, que identificava o áudio
como pergunta. Nos Quadros 11 e 12 são apresentadas as médias para as respostas das aos
áudios do surdo oralizado e às distratoras de falantes-ouvintes, respectivamente:
100
Quadro 11: Média das respostas dadas aos áudios de interrogativas totais do surdo oralizados
Quadro 12: Médias das respostas dadas para os áudios das distratoras interrogativas totais de falantes-
ouvintes
Aplicamos o mesmo procedimento para fazermos uma análise descritiva para as
respostas dadas às frases assertivas. Nessas constatamos, também, que as médias
ficaram mais próximas de 3, sendo 3,79 a maior e 3,05 a menor médias encontradas.
Novamente, percebemos que os participantes do teste não conseguem categorizar a frase
produzida pelo surdo oralizado como uma assertiva, mas conseguem categorizar as
produzidas pelos falantes-ouvintes, uma vez que o valor das médias aferidas para os
áudios deles foram todas próximas a 5, valor que marcava a assertiva. Observe os
Quadros 13 e 14 que trazem as médias das respostas dadas para os áudios do surdo
oralizado e dos falantes-ouvintes, respectivamente:
101
Quadro 13: Média das respostas dadas aos áudios das assertivas do surdo oralizado
Quadro 14: Média das respostas dadas aos áudios das distratoras assertivas de falantes-ouvintes
Visando a uma melhor análise dos resultados encontrados nos testes de percepção e
buscando evidenciar a robustez desses, estimamos um modelo de regressão linear simples por
meio do software estatístico stata. De modo genérico, o modelo pode ser representado da
seguinte maneira:
Yi = α + β X1 + u1 (1)
sendo que:
Yi representa a variável dependente (o que o modelo busca prever); α representa o coeficiente de interseção entre as retas Y e X; X1 representa a variável independente (a variável que explica as alterações em Yi);
β demonstra a inclinação da reta em relação a variável explicativa “X” e;
u1 representa o “termo de erro” (engloba fatores residuais mais os possíveis erros de
medição).
102
Neste estudo, a partir da equação acima, construímos nosso modelo de regressão
simples, cuja variável dependente “Y” é a atribuição que o participante informa ao ouvir os
áudios. Essa variável possui valores de 1 a 5, sendo que “1” refere-se ao julgamento de que a
frase é uma pergunta; “2” demonstra que o participante julga parecer ser uma pergunta; “3” diz
respeito a dúvida que o participante possui, isto é, ele não sabe se a frase é uma pergunta ou
uma afirmação; “4” é o número correspondente quando o participante considera que a frase
parece uma afirmação e; “5”quando o participante acredita ser uma afirmação. Portanto, a
variável dependente do modelo é uma variável contínua que pode assumir valores entre 1 e 5.
A variável independente “X” refere-se a quem produziu a frase julgada pelo participante
do teste de percepção: frase produzida por surdo oralizado e frase produzida por falante ouvinte.
Dessa maneira, nossa variável independente foi tratada como uma variável binária, isto é,
podendo assumir o valor 0 ou 1. Considerando que nosso objetivo é analisar o julgamento do
ouvinte quanto à entoação modal da frase falada pelo surdo oralizado, a variável independente
“participante” assume valor 0 quando esse analisa os áudios dos participantes falantes ouvintes
(distratoras) e, obviamente, assume o valor 1 quando avalia os áudios do surdo oralizado. Desse
modo, nosso modelo para a análise do teste de percepção pode ser representado pela fórmula:
Grau de percepção = α + β participante + u1
sendo:
Participante = 0 (quando analisados os áudios dos falantes ouvintes)
Participante = 1 (quando analisados os áudios do surdo oralizado).
Utilizamos uma amostra com 5760 observações, o tamanho da amostra é resultado do
produto entre o número de participantes (120) e o número de frases analisadas (48). Para nossas
análises estatísticas, consideramos 5% de nível de significância: em outras palavras,
trabalhamos com um nível de confiança de 95%. A seguir, apresentaremos os outputs dos
resultados encontrados por meio do stata.
103
Quadro 15: Quadro de número total de marcações para cada grau de percepção e total
O Quadro 15 nos mostra que o grau de percepção “1” foi marcado 1307 vezes na
pesquisa, sendo que 93,42% desse valor refere-se ao julgamento dado aos áudios das distratoras
e apenas 6,58% para os áudios do surdo oralizado. Essa foi a categoria com menor atribuição
quando o participante analisava os áudios do surdo oralizado.
Quadro 16: Número de observações da amostra
No Quadro 16 é reportado o número de observações da nossa amostra (5760), o valor
mínimo e máximo que a variável “grau de percepção” pode assumir (de 1 a 5) e o valor para a
variável explicativa. Como já dito anteriormente, por se tratar de uma variável binária, a
variável participante pode assumir os valores 0 ou 1. Além disso, podemos destacar a média
para o “grau de percepção”, sendo essa igual a 3,09, podemos dizer que em média os
participantes não souberam dizer se as frases eram afirmativas ou não, tanto para o surdo
oralizado quanto para as distratoras (porque esse quadro nos dá a média geral de todos os
julgamentos). Outro dado importante é o valor do desvio padrão (Std. Dev.), essa é uma medida
de dispersão que nos mostra o quão disperso os dados amostrais estão em relação à média.
Assim, os resultados indicam que os dados podem variar 1.53 para mais ou para menos em
torno da média amostral. O Quadro 17 reporta os valores da regressão estimada:
104
Quadro 17: Valores da regressão linear
Observamos, nos resultados da regressão, que a variável participante apresentou o p-
valor de 0.00, tal informação nos possibilita dizer que a variável é estatisticamente significante,
o que é reforçado também pela estatística t = 5.70. Desse modo, o valor de t não está dentro da
área de rejeição que é de 1.96 para uma amostra maior, ou seja, com mais de 120 observações
e com 95% de nível de confiança, de acordo com a tabela da distribuição t de student. De modo
análogo, é possível perceber que a constante (cons) do modelo também é estatisticamente
significante.
Por sua vez, o valor reportado para o coeficiente (coef.) da constante, nos informa que
em média, os participantes julgaram as frases das distratoras como “não sabem”, sendo que o
desvio padrão foi de 0.23 para mais ou para menos em torno da média 3.03. O somatório dos
coeficientes (3.03 + 0.26) nos dá a média para as avaliações sobre os áudios do surdo oralizado,
portanto, essa é igual a 3.29, ligeiramente acima da primeira média citada, assim como seu
desvio padrão (0.46).
Tais informações nos permite concluir que, embora a média para ambas análises estejam
próximas, os julgamentos para os áudios dos surdos oralizados são relativamente mais instáveis
em torno de sua média do que para os julgamentos dos áudios das distratoras.
Ademais, foi realizado o teste t bilateral para amostras independentes. Esse teste de
média nos permite analisar se as médias amostrais são estatisticamente diferentes. Ou seja, neste
caso, buscamos analisar se a média dos julgamentos para os áudios do surdo oralizado é
estatisticamente diferente da média encontrada para os julgamentos dos áudios das distratoras.
Para realizarmos esse teste, estabelecemos a hipótese nula (Ho), de nenhuma diferença
estatística entre a percepção dos participantes. Logo, a hipótese nula, é de que, ao ouvir os
áudios, a percepção do participante quanto à modalidade da frase não se altera quando esse
analise os áudios do falante ouvinte e do surdo oralizado.
105
Quadro 18: Resultado do teste de Hipótese Nula (Ho)
No Quadro 18 acima, o teste t pode ser interpretado da seguinte maneira, se a diferença
entre as médias for igual a zero, a Ho é verdadeira, caso contrário, a Ho é falsa e, portanto,
rejeitaríamos a Ho de nenhuma diferença entre as médias a favor da hipótese alternativa (Ha)
de que as médias são estatisticamente diferentes de zero.
Ao realizarmos o teste, o valor encontrado para t foi de -5.69, como estamos trabalhando
com um nível de confiança de 95%, rejeitamos a hipótese nula a 5% de nível de significância,
pois, a estatística t é menor do que o ponto crítico para o nível de significância escolhido, sendo
esse ponto é igual a 1.96. Isto é, nossa estatística t não está dentro do intervalo que poderíamos
aceitar a Ho, sendo que esse intervalo vai de -1.69 a 1.69. Além de não podermos aceitar a Ho,
como mostrou o teste t; de acordo com o Quadro 19, temos uma forte evidência contra ela, pois
o p-valor reportado para a Ha no output acima é igual a 0.00, para o teste de diferença de médias.
Quadro 19: Interpretação do P-value para considerar a evidência contra a Hipótese Nula
P-value Interpretação
P< 0,01 evidência muito forte contra Ho
0,01< = P < 0,05 evidência moderada contra Ho
0,05< = P < 0,10 evidência sugestiva contra Ho
0,10< = P pouca ou nenhuma evidência real contra Ho
Como visto, os dados estatísticos referentes aos resultados obtidos no teste de percepção
sustentam a afirmação inicial, quanto às médias das respostas dadas aos áudios produzidos por
um surdo oralizado, de que os participantes que julgaram as frases não souberam categorizá-las
106
como assertiva ou interrogativa total. No capítulo seguinte, fazemos nossas considerações finais
sobre a pesquisa, evidenciando os resultados encontrados.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nossa pesquisa teve como objetivo principal descrever e analisar aspectos entoacionais
e prosódicos da produção oral de frases assertivas e interrogativas totais realizada por surdos.
Para sustentar a análise e descrição, fizemos uma comparação dessas com as produções de
falantes-ouvintes (validadas pela literatura da área) evidenciando semelhanças e diferenças nas
variáveis que estipulamos. Além disso, elaboramos e aplicamos um teste de percepção online
de maneira que pudéssemos avaliar como o ouvinte percebe a produção de um surdo oralizado
quanto a sua tipologia – ou seja, se o ouvinte consegue perceber uma frase assertiva ou
interrogativa total produzida pelo surdo assim como percebe frases do mesmo tipo produzidas
por falantes-ouvintes –, levando em consideração os padrões entoacionais que as categorizam.
Assim, obtivemos um arcabouço que nos permitiu considerar que as características da
curva entoacional descritas para o participante SO3 (pico do movimento ascendente mais baixo
e duração do movimento circunflexo menor) puderam, de modo subjetivo, serem percebidas
pelos ouvintes que participaram do teste de percepção online. Consequentemente, assumimos,
então, que os aspectos prosódicos e entoacionais das variáveis que analisamos nas produções
dos surdos oralizados podem apresentar características que façam com que a produção de uma
assertiva ou uma interrogativa total possam não serem compreendidas como desses tipos.
É de suma importância ressaltar que nossa pesquisa trouxe grande contribuição para os
estudos entoacionais e prosódicos do Português Brasileiro. Uma vez que nos preocupamos em
descrever e analisar os fatos concernentes à produção de surdos oralizados, conseguimos dar
rigor científico a considerações antes baseadas somente na intuição de falante. Dessa forma,
consideramos que o estudo aqui apresentado demonstra grande ineditismo, por tratar de um
objeto de pesquisa que, até então, não havia sido foco de pesquisas na área da Fonética e da
Fonologia.
Após termos concluído a análise e a descrição dos resultados das duas etapas (Produção
e Percepção) e atingirmos o nosso objetivo principal, podemos, então, tecer algumas
considerações quanto à produção de frases assertivas e interrogativas totais de surdos oralizados
107
referentes aos objetivos específicos de nossa pesquisa. Portanto, retomaremos as perguntas de
pesquisa – suscitadas a partir da pergunta principal – expostas na introdução; no entanto, agora,
com as confirmações ou refutações de nossas hipóteses.
I – O tamanho do componente sintático influencia na distribuição e quantidade de
sintagmas entoacionais da produção dos surdos oralizados?
Pelos resultados apresentados, percebemos que há uma influência do tamanho do
constituinte sintático na distribuição e na quantidade de sintagmas entoacionais no sentido de
que, quanto maior sejam eles, maior será a variabilidade na sua distribuição a quantidade. Além
disso, notamos que o desempenho na leitura influi na realização de mais ou de menos sintagmas
entoacionais; isto é, uma leitura com menos pausas e retomadas, apresentará uma variabilidade
de distribuição e uma quantidade menor de sintagmas entoacionais, enquanto a leitura com mais
pausas e retomadas apresentará maior variabilidade de distribuição e quantidade.
Consequentemente, constatamos que uma produção com mais sintagmas entoacionais apresenta
uma maior duração total. Essas considerações sobre os aspectos observados, foram percebidas
nas produções dos dois grupos de participantes (FO’s e SO’s). Os dados dos SO’s, quando
comparados aos dos FO’s, mostram-se discrepantes em relação a esses dois aspectos: o grupo
de SO’s apresentou maior quantidade e maior variabilidade de distribuição dos sintagmas
entoacionais. Houve uma tendência à menor variabilidade de distribuição e quantidade de
sintagmas entoacionais nas frases interrogativas totais.
II – A curva de variação da frequência fundamental (F0) gerada pela produção
oral dos surdos em frases assertivas e interrogativas totais é semelhante às do falantes
ouvintes e às descritas para o Português Brasileiro?
Nessa variável, embora tivéssemos algumas produções que não apresentaram curvas
entoacionais correspondentes às descritas para o Português Brasileiro, assumimos que tal fato
deu-se por uma falha na leitura por falta do reconhecimento da pontuação. De toda forma, nos
dois tipos de frases analisados, o desenho da curva entoacional característico do seu
tipo(assertiva e interrogativa total). Cumpre-nos ressaltar que a curva dos dados do SO3
apresentou dois aspectos que consideramos cruciais para entender os resultados do teste de
percepção.
As curvas entoacionais das produções desse participante demonstraram um movimento
circunflexo, característico de interrogativa total, com menor duração e menor pico do que as
108
produções dos falantes ouvintes e do que as descrições do PB. Essa característica, é o que
acreditamos que causou a não identificação das frases desse sujeito como tais no teste de
percepção. A mesma característica foi encontrada nas produções das assertivas, que
apresentavam o mesmo desenho, mas com duração e queda menores.
III – O padrão entoacional da produção de frases assertivas e interrogativas totais
dos surdos oralizados é correspondente ao padrão entoacional dos falantes ouvintes e ao
descrito na literatura da área?
Quanto ao padrão entoacional, destacamos a sua relação com o desenho da curva
entoacional. Dessa maneira, as frases em que não notamos a curva entoacional correspondente
ao padrão, foram as mesmas em que não notamos o padrão entoacional característico do tipo
de frase.
Novamente, damos destaque aos dados do SO3. Como as curvas entoacionais desse
participante apresentam o movimento ascendente (subida) e o movimento descendente (queda),
a notação entoacional dele correspondeu ao padrão entoacional descrito para o PB. No entanto,
como já ressaltamos, tais movimentos apresentaram características diferentes quanto à duração
e à altura do pico, o que não provoca mudança na atribuição do tom.
IV – As frases assertivas e interrogativas totais produzidas pelos surdos oralizados
são percebidas por falantes ouvintes como tais?
Sustentados pelos resultados do nosso teste de percepção, consideramos que as frases
produzidas pelo surdo oralizado não foram percebidas pelos ouvintes como tais. Em nenhuma
das doze frases ajuizadas, a média das respostas foi próxima do valor estipulado para
consideração esperada. As médias de todas as frases ficaram próximas de 3, que marca a dúvida
total sobre a consideração da frase ouvida. Portanto, concluímos que a produção de um surdo
oralizado pode apresentar características, quanto a seus aspectos prosódicos e entoacionais, que
farão com que uma frase assertiva ou uma interrogativa total não sejam percebidas como de
seus determinados tipos.
Assim, retornamos a nossa pergunta de pesquisa principal: Os aspectos prosódicos e
entoacionais da produção oral de um surdo oralizado correspondem aos de um falante-ouvinte
de modo que o surdo possa ser compreendido por outros falantes ouvintes. Assumimos que dois
fatores verificados no desenho da curva entoacional – valor máximo de Hertz do pico do
movimento ascendente e duração do movimento circunflexo, característicos do tipo
109
interrogativa total – não foram correspondentes ao de um falante-ouvinte o que faz com que o
ouvinte não perceba a frase produzida pelo surdo oralizado como do tipo esperado (assertiva
ou interrogativa. A seguir, apresentamos prospecções de futuros trabalhos que levem em
consideração a continuação e ampliação das análises aqui feitas.
5. TRABALHOS FUTUROS
A partir dos resultados obtidos em nossa pesquisa, podemos vislumbrar outros trabalhos
que visem à descrição de fatos associados tanto à produção oral dos surdos, exclusivamente,
quanto outras formas de comparação entre os surdos oralizados e os falantes ouvintes ou ainda
análises que levem em conta somente a produção dos falantes ouvintes. Ressaltamos a
importância de trabalhos que se voltem para os fatos linguísticos da produção oral dos surdos,
ainda bastante escassa de análises descritivas.
Uma análise que se mostraria relevante é, por exemplo, a verificação das taxas de
articulação e elocução da produção de um surdo oralizado. Os resultados poderiam ser
comparados aos de falantes ouvintes e, assim, explicitadas possíveis diferenças entre uma e
outra.
Além disso, pode-se pensar em pesquisas que levem em conta constituintes menores da
hierarquia prosódica, como a palavra fonológica. Ou trabalhos que analisassem como se dá a
interação entre os pés na produção de um surdo oralizado e ainda outros que tratassem de
fenômenos atuantes no domínio da sílaba, a ressilabificação, por exemplo. Como dito
anteriormente, todo trabalho que considere analisar a produção oral dos surdos oralizados e seus
fenômenos fonético-fonológicos é relevante, uma vez que quase não há pesquisas que tratem
deles.
Já com os falantes ouvintes, uma análise que se mostra interessante é observar como
eles respondem, na leitura, ao estímulo da vírgula. Ou seja, será notada uma pausa maior ou um
determinado evento tonal quando houver vírgula? Outras pesquisas possíveis seriam análises
sobre as outras modalidades de frases do Português Brasileiro, tanto comparativamente entre
surdos oralizados e falantes ouvintes, quanto de um ou de outro isolado.
110
Uma outra pesquisa, dessa vez mais aprofundada, poderia dar conta da Fonologia
Gestual que envolve a produção oral do surdo. Ou ainda aprofundar em variáveis sociais que
podem influenciar a sua produção.
111
6. REFERÊNCIAS
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7. ANEXOS
1. QUESTIONÁRIO
Código: Idade:
Escolaridade:
Idade em que foi percebida a surdez: Tempo de oralização:
Seu pai ou sua mãe são surdos? Sim
Não
Em seu convívio familiar nos primeiros anos de vida (até os 5 anos de idade),
seus pais comunicavam-se com você:
Somente pela oralidade Somente pela língua
de sinais
Mais pela oralidade Mais pela língua de
sinais
Igualmente pela oralidade e pela língua de sinais
Em seu convívio familiar, de 5 anos de idade até 13 anos de idade, seus pais
comunicavam-se com você:
Somente pela oralidade Somente pela língua
de sinais
Mais pela oralidade Mais pela língua de
sinais
Igualmente pela oralidade e pela língua de sinais
Você estudou em escola especial para surdos? Sim Não
Em caso afirmativo, em qual período da sua vida?
Você estudou em escola regular? Sim Não
Em caso afirmativo, em qual período da sua vida