ASPECTOS JURIDICOS DA FILIAÇÃO · Sales, Luciana de Oliveira Martins Aspectos jurídicos da...
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UNISALESIANO
Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium
Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” em Direito Civil e
Processual Civil
Luciana de Oliveira Martins Salles
ASPECTOS JURIDICOS DA FILIAÇÃO
LINS-SP
2010
LUCIANA DE OLIVEIRA MARTINS SALLES
ASPECTOS JURÍDICOS DA FILIAÇÃO
Monografia apresentada à Banca Examinadora do Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium, como requisito parcial para obtenção do título de especialista em Direito Civil e Processual Civil sob a orientação dos professores M.Sc. Sérvio Túlio Vialogo Marques de Castro e M.Sc. Heloisa Helena Rovery da Silva.
Lins – SP
2010
Sales, Luciana de Oliveira Martins
Aspectos jurídicos da filiação / Luciana de Oliveira Martins Sales. – – Lins, 2010.
69p. il. 31cm.
Monografia apresentada ao Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium – UNISALESIANO, Lins, SP para Pós-Graduação “Lato Sensu” em Direito Civil e Processual Civil, 2010
Orientadores: Sérvio Túlio Vialogo Marques de Castro; Heloisa Helena Rovery da Silva.
1. Família. 2. Filiação. 3. Paternidade. 4. Direito. I Título
CDU 34
S155a
LUCIANA DE OLIVEIRA MARTINS SALLES
ASPECTOS JURÍDICOS DA FILIAÇÃO
Monografia apresentada ao Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium,
para obtenção do título de especialista em Direito Civil e Processual Civil.
Aprovada em: ______/______/______
Banca Examinadora:
Prof. M.Sc. Sérvio Túlio Vialogo Marques de Castro
Mestre em Direito pela UNIMAR - SP
_______________________________________________________________
Prof.ª M.Sc. Heloisa Helena Rovery da Silva
Mestre em Administração pela CNEC/FACECA – MG
_______________________________________________________________
LINS – SP
2010
Dedico o presente trabalho aos meus
pais: Nurce e José, pela dedicação
incansável e o amor sem medidas.
Á minha filha Larissa, razão da minha
existência.
Ao meu esposo Ricardo, por
compreender meus sonhos.
As minhas irmãs: Lilian e Ligia, por me
apoiarem sempre.
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus por me permitir a realização de
mais um sonho.
Ao meu orientador, professor Sérvio Túlio pelas sábias palavras no
desenvolver dessa pesquisa.
Á minha família, pela paciência e compreensão diante das muitas
horas que os deixei em face deste estudo.
E em especial aos meus pais: Nurce e José, exemplos de que pais
são a junção precisa de amor, dedicação e cuidado.
“Pai e Mãe,
ouro de mina...
Coração, Desejo e
Sina...”
SINA – Djavan.
RESUMO
O presente trabalho tem como finalidade analisar o novo conceito de família e suas peculiaridades no mundo jurídico. Ainda, a pesquisa identifica as espécies de filiação, seus efeitos jurídicos, o reconhecimento da paternidade e as ações que visam à maternidade e a paternidade. Neste contexto aborda-se também uma questão muito importante sobre a paternidade sócio afetiva, seus efeitos e sua importância no mundo atual. A compreensão da natureza da relação paterno-filial deve ser a prática de um ato jurídico gerador de conseqüências, realizado dentro de padrões culturais de uma sociedade e que em certo tempo será determinante para a possibilidade de seu desmembramento. Essa conformação diferenciada, alavancada pela mudança de paradigmas ocorrida no direito de família, contribuiu para a modificação da realidade atual da relação paterno-filial, que pode ser analisada atualmente sob três aspectos: registral, socioafetivo e biológico, as quais são objeto de estudo do presente trabalho. Dentre essas alterações, a mais importante para o presente estudo é a mudança do foco das relações familiares, hoje o elo afetivo que ligam os indivíduos quem compõem uma família, tem o mesmo valor que aquele estabelecido pelo ato notarial, em razão do princípio da solidariedade. Especialmente, a relação patermo-filial passou a ser observada com maior cura, considerando a importância de que o indivíduo em formação cresça em uma família de qual natureza for (legítima, monoparental, homoafetiva, ou formada por uma união estável), seja capaz de lhe garantir a felicidade. Conforme mencionado na pesquisa, o avanço tecnológico teve papel preponderante para as alterações refletidas na concepção moderna de família, especialmente quanto à determinação da paternidade através do exame de DNA. Aliado a isso, o princípio da dignidade da pessoa humana foi alçado à condição de direito fundamental do indivíduo, que, se quiser, pode buscar sua identidade genética, assim, permanecem no ordenamento jurídico as filiações genéticas e afetiva, em vista dos princípios da igualdade, da proibição de discriminação, da dignidade da pessoa humana. A filiação socioafetiva decorre principalmente da vontade do indivíduo em devotar afeto à outra pessoa, a quem cuida como se seu filho fosse. Constata-se, então, que o presente tema é de extrema relevância para o direito pátrio, pois coloca diante de conceitos imprescindíveis sobre família, filiação e paternidade. Palavras-chave: Família. Filiação. Paternidade. Direito.
ABSTRACT
This paper aims to analyze the new concept of family and its peculiarities in the legal world. Still, the research identifies the kinds of membership, its legal effects, recognition of paternity and the actions that aim to motherhood and fatherhood. In this context also addresses a very important question about fatherhood socio affective, its effects and its importance in today's world. Understanding the nature of paternal-filial relationship should be the practice of a juridical act generator consequences, realized within the cultural standards of a society and that at some time will be decisive for the possibility of their demise. This conformation differentiated, leveraged by the paradigm shift that occurred in family law, contributed to the modification of the current reality of paternal-filial relationship, which can be examined under three aspects: registral, socio-emotional and biological, which are the object of study this work. Among these changes, the most important for this study is to change the focus of family relations, today the affective bond linking individuals who make up a family, has the same value as that established by notarial act, because the principle of solidarity . Especially, the relationship paterm-branch is now observed with higher cure, considering the importance of the individual in training to grow into a family of what nature is (legitimate, single parent, homoafetivas, or formed by a stable), is capable of guarantee you happiness. As mentioned in the research, technological advances had a preponderant role for the changes reflected in the modern conception of family, especially the determination of paternity through DNA testing. Allied to this, the principle of human dignity was promoted to the status of the individual's fundamental right, that if you wish, seek their genetic identity, thus remain in the legal affiliations genetic and emotional, in view of the principles of equality and the prohibition of discrimination, human dignity. Membership socioaffective stems mainly from the will of the individual to devote love to someone else, who looks like her son. It appears, then, that this theme is extremely relevant to the Brazilian laws, because it puts forward important concepts about the family, filiation and paternity. Keywords: Family. Membership. Paternity. Right.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................. 11
CAPÍTULO I - DAS TRANSFORMAÇÕES DA FAMÍLIA E DA FILIAÇÃO..... 16
1 TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS DA FAMÍLIA E A DISCIPLINA
JURÍDICA DA FILIAÇÃO ................................................................................ 16
1.1 Dos princípios relevantes ao direito de família ...................................... 19
1.1.1 A importância dos princípios para melhor compreensão do direito de
família............................................................................................................... 19
1.1.2 Principio da proteção da dignidade da pessoa humana (Art. 1º, inc. III,
da Constituição Federal 1988) ......................................................................... 20
1.1.3 Principio da solidariedade familiar (Art. 3º, inc. I, da Constituição
Federal de 1988).............................................................................................. 21
1.1.4 Principio da Igualdade entre os filhos (Art. 227, § 6º, da Constituição
Federal de 1988 e art. 1.596 do Código Civil).................................................. 22
1.1.5 Principio da igualdade entre os cônjuges e companheiros (Art. 226, §
5º, da Constituição Federal e do Art. 1.511 do Código Civil) ........................... 23
1.1.6 Principio do melhor interesse da criança (Art. 227, caput, da
Constituição Federal de 1988 e arts. 1.583 e 1.584 do Código Civil) .............. 24
1.1.7 Principio da afetividade ......................................................................... 25
1.1.8 Princípio da função social da família ..................................................... 26
1.2 Da presunção legal de paternidade....................................................... 27
1.2.1 Análise dos artigos 319 do CPC e do artigo 232 do CC........................ 27
1.2.2 Presunção Constante no artigo 319 do CPC......................................... 27
1.2.3 Presunção constante no artigo 232 DO CC .......................................... 28
CAPÍTULO II - DOS EFEITOS JURÍDICOS DA FILIAÇÃO ............................ 30
2 REFLEXOS DA FILIAÇÃO NO MUNDO JURÍDICO ............................ 30
2.1 Da filiação e reconhecimento dos filhos ................................................ 33
2.1.1 Aspectos jurídicos da filiação ................................................................ 33
2.1.2 Da Filiação ............................................................................................ 34
2.1.3 Do reconhecimento dos filhos ............................................................... 36
2.1.4 Reconhecimento voluntário ................................................................... 37
2.1.5 Reconhecimento Judicial....................................................................... 38
2.2 Das espécies de filiação........................................................................ 41
2.2.1 Conceitos e particularidades sobre as espécies de filiação .................. 41
2.2.2 Filiação adotiva ou sócio afetiva............................................................ 43
2.2.3 Filiação presumida – filhos havidos na constancia do casamento ........ 43
2.2.4 Filhos havidos fora do casamento......................................................... 46
CAPÍTULO III - PATERNIDADE E MATERNIDADE ....................................... 49
3 DA AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE E MATERNIDADE........ 49
3.1 Evolução histórica da ação negatória de paternidade........................... 49
3.1.1 Conceito de ação negatória de paternidade e natureza jurídica da
sentença........................................................................................................... 50
3.1.2 Do prazo para ajuizamento da ação negatória de paternidade ............. 51
3.1.3 Conceito e propositura da ação negatória de maternidade ................... 52
3.1.4 Investigação de maternidade ................................................................ 52
3.2 Da biogenética e paternidade................................................................ 53
3.2.1 A importância do estudo da genética para o direito .............................. 53
3.3 Do dever de alimentar ........................................................................... 57
3.3.1 Pressupostos da obrigação de alimentar .............................................. 57
CONCLUSÃO .................................................................................................. 64
REFERÊNCIAS ............................................................................................... 67
11
INTRODUÇÃO
Tem a presente pesquisa a função primordial de trazer a baila assuntos
referentes à filiação, seu conceito, a presunção legal, os efeitos jurídicos dessa
ligação, as formas para reconhecimento dos filhos, as ações de investigação
de paternidade e negatória de paternidade, assim como sua legitimidade.
Ainda serão demonstrados ao longo da pesquisa, os novos princípios
que permeiam o Direito de Família e sua relevância para o estudo dessa
instituição.
A Constituição Federal de 1988 igualou todos os filhos, determinando,
no artigo 227, § 6º, que os filhos havidos ou não no casamento ou por adoção
terão os mesmos direitos. Assim, dentro da mudança de paradigmas iniciada
após a promulgação da Carta Constitucional, fica clara a igualdade jurídica
estabelecida entre a filiação sanguínea e as formas de filiação afetiva, qual
seja, como por exemplo, a filiação por adoção.
Com o advento da determinação da filiação através da realização do
exame de DNA e, posteriormente, com a sua popularização no âmbito das
ações judiciais de investigação de paternidade, os muitos filhos sem pai
tiveram uma resposta imediata às suas demandas. Estas crianças,
anteriormente, tinham que passar por uma ação de investigação de
paternidade definida por indícios, que excluía a paternidade caso fosse
demonstrado que a mãe teve intimidades com outros homens no período da
concepção.
O exame de DNA foi, sem dúvida, uma grande vitória. Contudo, mais
uma vez o direito é chamado a responder uma nova questão: não basta a
certeza biológica da paternidade. É necessário observar o efetivo exercício da
paternidade, apenas alcançado com a sócio afetividade. Existem, assim, os
filhos que permaneciam e permanecem com a certeza da paternidade biológica
e registral, mas sem a paternidade afetiva, uma vez que o resultado da
investigação de paternidade não inseriu o pai, no aspecto afetivo/emocional,
em suas vidas.
Ser pai ou mãe, atualmente, não é apenas ser a pessoa que gera ou a
que tem vínculo genético com a criança. É, antes disso, a pessoa que cria, que
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ampara, que dá amor, carinho, educação, dignidade, ou seja, a pessoa que
realmente exerce as funções de pai ou de mãe em atendimento ao melhor
interesse da criança.
Este novo comportamento cultural, no tocante à paternidade, insere o
mundo moderno em outro contexto social, em que a função de pai deve ser
exercida no maior interesse da criança, sem que se atenha à própria pessoa
em exercício da referida função, por isso atribui-se que o verdadeiro vínculo
que se trava com os pais é o afetivo e, portanto, pais podem perfeitamente não
ser os biológicos, e podemos completar nas questões que envolvam conflitos
de paternidade biológica e social que o interesse melhor e maior da criança
deverá nortear a decisão.
Todo ser humano tem pai e mãe. Mesmo a inseminação artificial ou as
modalidades de fertilização assistida não dispensam o progenitor, o doador,
ainda que essa forma de paternidade não seja imediata. Desse modo, o Direito
não se pode afastar da verdade cientifica. A procriação é portanto, um fato
natural. Sob o aspecto do Direito, a filiação é um fato jurídico do qual decorrem
inúmeros efeitos. Sob perspectiva ampla, a filiação compreende todas as
relações, e respectivamente sua constituição, modificação e extinção, que tem
como sujeitos os pais com relação aos filhos menores, bem como os direitos
protetivos e assistenciais em geral.
Tradicionalmente, afirmava-se com insistência, em passado não muito
remoto, que a maternidade era sempre certa (mater semper certa est); a
paternidade era sempre incerta (pater semper incertus est). No direito
tradicional, vigente até próximo ao fim do século XX, essa foi uma verdade
dogmática: enquanto a maternidade era sempre suscetível de ser provada, a
paternidade era de difícil comprovação. O avanço da ciência e da tecnologia
genética nas ultimas décadas coloca na berlinda e desmente a afirmação
tradicional. Atualmente a paternidade pode ser comprovada independente de
exame ou de invasão na integridade física do indigitado pai, da presumível mãe
ou de terceiros. Ao atingir esse estágio, que a ciência já dirige e possibilita, a
técnica mais uma vez suplanta o sistema jurídico brasileiro e obriga sua
reestruturação. É possível apontar o pai de um individuo sem nenhuma sombra
de duvida, sendo possível ainda programar nascimentos e características dos
novos seres humanos. O assustador e admirável mundo novo, imaginado e
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imortalizado por Aldous Huxley há tantas décadas, pode-se tornar uma
realidade não muito aceitável, se o Direito e o ordenamento não tomarem os
rumos certos.
Sendo assim, no que concerne ao Direito, por maior que seja a
possibilidade da verdade técnica, nem sempre o ato natural da procriação
corresponde a filiação como fato jurídico. O legislador procura o possível no
sentido de fazer coincidir a verdade jurídica com a verdade biológica, levando
em conta as implicações sociais e afetivas.
Todas as ações que buscam seu reconhecimento, modificação ou
negação são, portanto, ações de estado. O termo filiação exprime relação entre
os filhos e seus pais, aqueles que geraram ou adotaram. A adoção, sob nova
ótica e para diversas finalidades volta a ganhar a importância social que teve
no Direito Romano.
A filiação esteve por muito tempo envolta na necessidade da
preservação da família tida como legítima. Em razão disso, os filhos nascidos
eram diferenciados em categorias: os advindos do matrimônio legalmente
constituído eram tidos como legítimos, possuindo assim uma relação jurídica
correlata à situação de fato, ligando aquele filho àquele pai, já que a
paternidade era presumida nesse caso. Todos os outros nascidos fora de um
matrimônio eram considerados de uma categoria inferior - os naturais - que
recebiam rótulos conforme sua concepção: adulterinos, incestuosos, bastardos.
Nesse caso o pai era sempre incerto. A essa segunda categoria era negado
qualquer tipo de direito, já que nosso ordenamento continha a proibição do
reconhecimento destas crianças.
A valorização da família como lócus de desenvolvimento do indivíduo e
alçar a solidariedade à posição de princípio constitucional, foi fundamental para
uma nova concepção acerca da filiação em nosso ordenamento.
A doutrina tradicional reconhece a existência de efeitos jurídicos nas
relações de afeto; a semente da discussão no Brasil foi lançada por João
Baptista Villela, que distinguiu a procriação da paternidade, e buscou no direito
comparado a responsabilidade pela geração, diferenciando-a da
responsabilidade social decorrente do status de pai.
A doutrina especializada moderna vem aprofundando o estudo do tema.
Alguns asseveram a existência das três verdades da perfilhação (formal,
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biológica e socioafetiva), sendo que a primeira teria sido banida da ordem
jurídica pela unidade da filiação e pela certeza científica da paternidade. Da
biológica e da socioafetiva decorreriam os mesmos direitos, em vista da
igualdade jurídica constitucional.
No esteio da mudança de paradigmas ocorrida na última década, o
legislador pátrio foi obrigado a rever o conceito de família. Reconheceu-se
também as entidades familiares constituídas pela união estável e pela
comunidade monoparental (art. 226 e 227, CF/88), eis que fundadas,
principalmente no afeto, resultando assim em uma nova concepção acerca da
filiação e a paternidade.
Um filho para ser considerado verdadeiramente filho, deve ser adotado
pelos pais, tendo ou não vínculos de sangue que os vinculem. A filiação
biológica não é nenhuma garantia da experiência da paternidade, da
maternidade ou da verdadeira filiação. Assim, é insuficiente a verdade
biológica, pois a filiação é algo que abrange muito mais do que uma
semelhança entre os DNAs. Pois, o que é essencial para a formação de
alguém, para que possa tornar-se sujeito e capaz de estabelecer laço social, é
que uma pessoa tenha, em seu imaginário, o lugar simbólico de pai e de mãe.
A presença do pai ou da mãe biológicos não é nenhuma garantia de que a
pessoa se estruturará como sujeito. O cumprimento de funções paterna e
materna, por outro lado, é o que pode garantir uma estruturação biopsíquica
saudável de alguém. Por isso, a família não é apenas um dado natural,
genético ou biológico, mas cultural, insista-se.
Constata-se com isso que essa relação é o reflexo de um momento
histórico, sendo que a paternidade, em si mesma, não é um fato da natureza,
mas um fato cultural.
A pesquisa procurou demonstrar os aspectos jurídicos da filiação,
através de uma revisão bibliográfica que abrangeu o período de 1987 a 2008.
O trabalho está assim dividido:
Capítulo I: fala sobre as transformações da família e da filiação e a
importância dos princípios para melhor compreensão do direito de família.
Capítulo II: descreve os efeitos jurídicos da filiação e os reflexos da
filiação no mundo jurídico.
Capítulo III: fala sobre a ação negatória de paternidade e maternidade,
15
sua evolução histórica, conceitos e direito alimentar.
Por fim, vêm a conclusão.
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CAPÍTULO I
DAS TRANSFORMAÇÕES DA FAMÍLIA E DA FILIAÇÃO
1 TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS DA FAMÍLIA E A DISCIPLINA
JURÍDICA DA FILIAÇÃO
A vida é pautada por inúmeras mudanças ao longo do tempo. E o
Direito, entendido como um fenômeno social, também. Várias foram às
transformações ocorridas neste século na sociedade em geral, especialmente
no tocante à família.
Por este motivo, inicia-se o trabalho com um breve panorama histórico
da noção de família e da filiação, as quais, como já mencionado, passaram por
inúmeras transformações ao longo do tempo.
Patriarcal e hierarquizada, a família do início do século XX era fundada
exclusivamente no casamento. A mulher e os filhos ocupavam uma posição de
inferioridade no âmbito familiar e, por isso, deviam respeito e obediência ao
marido, que era o chefe da família. (GOMES apud VENOSA, 2003)
Além disso, a igreja entendia o casamento como uma forma de moralizar
as relações sexuais entre o homem e a mulher, conferindo-lhe caráter
indissolúvel e monogâmico. Estas relações eram consideradas legítimas
quando derivadas do casamento, das quais decorriam os filhos legítimos, e
ilegítimas, quando derivadas de uniões extra matrimoniais, das quais nasciam
os filhos ilegítimos, estas últimas menosprezadas pelo ordenamento jurídico,
como também pela igreja, que exercia forte influência em toda a sociedade.
(BOEIRA, 1999)
No tocante a filiação, apenas os filhos oriundos do matrimônio,
denominados de legítimos, eram reconhecidos pelo ordenamento jurídico.
Outras situações, como a dos filhos adulterinos a patre, eram simplesmente
ignoradas, sob a ordem de prevalecer-se o interesse da instituição da família
ao interesse das pessoas que a formavam.
Esse era o contexto do Código Civil Brasileiro de 1916 e, por isso
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mesmo, o modelo de família codificado era exclusivamente matrimonializado,
valorizando a instituição do casamento, do qual somente os filhos oriundos
desta união eram reconhecidos e protegidos pelo Estado. É o que constava no
artigo 226 do antigo Código Civil Brasileiro: criando a família legítima, o
casamento legitima os filhos comuns, antes dele nascidos ou concebidos.
Em relação aos filhos adulterinos a patre, o sistema codificado cercava-
se de restrições, procurando, na medida do possível, impedir seu
reconhecimento, diferenciado-os dos filhos legítimos, conforme dispunha seu
artigo 337, onde se consideram legítimos os filhos concebidos na constacia doc
asamento, ainda que nulo ou anulado. Dessa forma, os filhos legítimos eram
determinados pela presunção pater is est e os filhos havidos fora do casamento
somente poderiam ser reconhecidos por sentença ou então por
reconhecimento voluntário, conforme nos ensina o professor Luiz Edson
Fachin:
Diante da certeza da maternidade, o eixo do estabelecimento da paternidade gira em torno da figura da mãe: se esta for casada, opera a presunção pater is est; se a mãe não for casada, a filiação paternal pode ser estabelecida pelo reconhecimento voluntário ou por investigação. Sendo assim, muitas eram as dificuldades existentes para se reconhecer tais filhos, ocasionando, na maioria das vezes, a não declaração das suas paternidades. (FACHIN, 1992, p. 21)
Era, por assim dizer, o código das desigualdades, o que, aliás, não
poderia ser diferente, pois nasceu em um período da história do Brasil em que
floresciam as discriminações e que poucos detinham voz e poder para realizar
transformações sociais de tamanha importância.
Todavia, em decorrência de grandes mudanças sociais, econômicas,
políticas e culturais, como por exemplo, a Revolução Industrial e a
emancipação da mulher, a família fundada exclusivamente no casamento
começa a dar lugar a família fundada no amor, na solidariedade e cooperação,
ou seja, a família fundada agora mais nos laços de afetividade do que aos
laços de sangue.
O casamento deixou de apresentar aquela estrutura patriarcal e hierarquizada, aproximando-se mais de uma parceria sentimental do que uma instituição impessoal estabelecida pela autoridade marital. A realização afetiva e sexual dos cônjuges tornou-se a função primordial da família, que não exclui, pelo contrário, reclama a tarefa de educação, sustento e boa formação da prole. (DELINSKI, 1997, p. 18)
18
A família agora se preocupa mais com a satisfação de suas
necessidades pessoais, transformando-se em uma instituição voltada para o
desenvolvimento pessoal de cada um de seus membros. Nela, todos estão
voltados para a busca do bem-estar, da alegria, enfim, de uma vida estruturada
e, por isso, mais feliz.
A família transforma-se no sentido de que se acentuam as relações de sentimentos entre os membros do grupo: valorizam-se as funções afetivas da família que se torna o refúgio privilegiado das pessoas contra a agitação da vida nas grandes cidades e das pressões econômicas e sociais. É o fenômeno social da família conjugal, ou nuclear ou de procriação, onde o que mais conta, portanto, é a intensidade das relações pessoais de seus membros. Diz-se por isso que é a comunidade de afeto e entre-ajuda. (OLIVEIRA, 2002, p. 13)
Partindo desta visão, a Constituição Federal de 1988 alterou
significativamente o sistema de filiação, tendo adotado, para tanto, um sistema
único, acabando com as diferenças e conseqüentes injustiças entre filhos
legítimos e filhos ilegítimos, igualando também o homem e a mulher dentro da
sociedade conjugal.
Esta profunda transformação da família também se deve ao
reconhecimento da união estável entre o homem e a mulher, as denominadas
uniões livres, como uma entidade familiar, conforme dispõe o artigo 226, §§ 3º
e 4º da Constituição Federal.
A Constituição de 1988 recepcionou, assim, a família como base de toda
a sociedade e a qual deve o Estado proteger, propiciando um desenvolvimento
sustentável dos seus membros, assim entendidos o pai, a mãe e os filhos.
Nas palavras do professor José Bernardo Ramos Boeira:
É de se reconhecer pelo Texto Constitucional que a família-instituição, tutelada em si mesma, foi substituída pela família-instrumento, voltada para o desenvolvimento da personalidade de seus membros. Tem-se uma família funcionalizada à formação e desenvolvimento da personalidade de seus integrantes; nuclear, democrática, protegida na medida em que cumpra o seu papel educacional, e na qual o vínculo biológico e a unicidade patrimonial são aspectos secundários. (BOEIRA, 1999, p. 23)
Esta nova realidade impõe novos critérios para o estabelecimento da
filiação, com o propósito de solucionar problemas que até então eram
ignorados pelo ordenamento jurídico, mas, que hoje, não podem mais ser
acobertados, necessitando de um profundo estudo, calcado, principalmente, na
19
realidade social em que vivemos, buscando sempre o ideal de justiça e
igualdade pelo qual se funda a Constituição Federal de 1988, especialmente
em tratar a paternidade como um direito de todos os filhos.
1.1 Dos princípios relevantes ao direito de família
1.1.1 A importância dos princípios para melhor compreensão do direito de
família
Deve-se entender que o Direito de Família, necessariamente, merece
ser analisado sob o prisma da Constituição Federal, o que traz uma nova visão
ao Direito de Família. Assim sendo, é importante analisar os institutos de
Direito Privado tendo como ponto origem a Constituição Federal de 1988, o que
nos remete aos caminho do Direito Civil Constitucional.
Aqui, não se trata apenas de estudar os institutos privados que se
encontram previstos na Constituição Federal de 1988, mas, sim, de analisar a
Constituição em confronto com o Código Civil, e vice-versa. Para tanto,
deverão irradiar de forma imediata as normas fundamentais que protegem a
pessoa, particularmente aquelas que constam nos seus arts. 1º a 6º. Diante
dessa realidade, será importante reconhecer a eficácia imediata e horizontal
dos direitos fundamentais, a horizontalização das normas que protegem a
pessoa, e que devem ser aplicadas nas relações entre particulares, dirigidas
que são, também, aos entes privados.
Neste ponto, utilizando a tão conhecida simbologia de Ricardo
Lorenzetti, o Direito Privado seria como um sistema solar em que o sol é a
Constituição Federal de 1988 e o planeta principal, o Código Civil. Em torno
desse planeta principal estão os satélites, que são os microssistemas jurídicos
ou estatutos, os quais também merecem especial atenção pelo Direito de
Família, caso do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Estatuto do Idoso.
Assim temos que buscar uma forma de encaixar essas leis.
Em suma, deve-se reconhecer também a necessidade da
20
constitucionalização do Direito de Família, pois grande parte do Direito Civil
está na Constituição, que acabou enlaçando os temas sociais juridicamente
relevantes para garantir-lhes efetividade. A intervenção do Estado nas relações
de direito privado permite o revigoramento das instituições de direito civil e,
diante do novo texto constitucional, forçoso ao intérprete redesenhar o tecido
do Direito Civil à luz da nova Constituição. (OLIVEIRA, 2002)
Portanto, os antigos princípios do Direito de Família foram aniquilados,
surgindo outros, dentro dessa proposta de constitucionalização, remodelando
esse ramo jurídico.
Como se sabe, na realidade pós-positivista, os princípios constitucionais
ganharam um novo papel, plenamente aplicáveis às relações particulares. Dos
princípios gerais do Direito saltamos à realidade dos princípios constitucionais,
com emergência imediata. Justamente por isso é que muitos dos princípios do
atual Direito de Família brasileiro encontram substactum constitucional.
Ainda, com o atual Código Civil brasileiro, os princípios ganham
fundamental importância, eis que a atual codificação utiliza tais regramentos
como linhas mestres do Direito Privado. Muitos desses princípios são cláusulas
gerais, janelas abertas deixadas pelo legislador para o preenchimento, para
complementação pelo aplicador do Direito. Em outras palavras, o próprio
legislador, por meio desse novo sistema aberto, delegou parte de suas
atribuições, para que se possa, praticamente, criar o Direito.
No que tange ao Direito de Família, é preciso sistematizar os princípios,
visando à facilitação didática de tal tema. Essa sistematização serve também
para demonstrar a mudança de paradigmas pela qual passou esse ramo do
Direito Civil, o estado da arte da matéria. Assim, passou a uma análise sucinta
de alguns desses princípios fundamentais ao Direito de Família.
1.1.2 Principio da proteção da dignidade da pessoa humana (Art. 1º, inc. III, da
Constituição Federal 1988)
Prevê o art. 1º, inc. III, da Constituição Federal de 1988 que o nosso
Estado Democrático de Direito tem como fundamento a dignidade da pessoa
21
humana. Trata-se daquilo que se denomina princípio máximo, ou
superprincípio, ou macroprincípio, ou princípio dos princípios. Diante desse
regramento inafastável de proteção da pessoa humana é que está em voga,
atualmente entre nós, falar em personalização, repersonalização e
despatrimonialização do Direito Privado. Ao mesmo tempo que o patrimônio
perde importância, a pessoa é supervalorizada.
Ora, não há ramo do Direito Privado em que a dignidade da pessoa
humana tenha mais ingerência ou atuação do que o Direito de Família. De
qualquer modo, por certo é difícil a denominação do que seja o princípio da
dignidade da pessoa humana. Reconhecendo a submissão de outros preceitos
constitucionais à dignidade humana, Ingo Wolfgang Sarlet conceitua o princípio
em questão como o reduto intangível de cada indivíduo e, neste sentido, a
última fronteira contra quaisquer ingerências externas. Tal não significa,
contudo, a impossibilidade de que se estabeleçam restrições aos direitos e
garantias fundamentais, mas que as restrições efetivadas não ultrapassem o
limite intangível imposto pela dignidade da pessoa humana.
1.1.3 Principio da Solidariedade Familiar (Art. 3º, inc. I, da Constituição
Federal de 1988)
A solidariedade social é reconhecida como objetivo fundamental da
República Federativa do Brasil pelo art. 3º, inc. I, da Constituição Federal de
1988, no sentido de buscar a construção de uma sociedade livre, justa e
solidária. Por razões óbvias, esse princípio acaba repercutindo nas relações
familiares, já que a solidariedade deve existir nesses relacionamentos
pessoais. Isso justifica, entre outros, o pagamento dos alimentos no caso de
sua necessidade, nos termos do art. 1.694 do atual Código Civil.
A título de exemplo, o Superior Tribunal de Justiça aplicou o princípio em
questão considerando o dever de prestar alimentos mesmo nos casos de união
estável constituída antes de entrar em vigor a Lei n. 8.971/94, o que veio a
tutelar os direitos da companheira. Reconheceu-se, nesse sentido, que a
norma que prevê os alimentos aos companheiros é de ordem pública, o que
22
justificaria a sua retroatividade.
Mas vale lembrar que a solidariedade não é só patrimonial, é afetiva e
psicológica. Assim, ao gerar deveres recíprocos entre os integrantes do grupo
familiar, safa-se o Estado do encargo de prover toda a gama de direitos que
são assegurados constitucionalmente ao cidadão. Basta atentar que, em se
tratando de crianças e adolescentes, é atribuído primeiro à família, depois à
sociedade e finalmente ao Estado (CF 227) o dever de garantir com absoluta
prioridade os direitos inerentes aos cidadãos em formação.
Entretanto, mesmo assim, caberá ao Estado assegurar a assistência à
família na pessoa de cada um dos que integram, criando mecanismos para
coibir a violência no âmbito de suas relações – o que consagra também a
solidariedade social na ótica familiar.
Por fim, vale frisar que o princípio da solidariedade familiar também
implica respeito e consideração mútuos em relação aos membros da família.
1.1.4 Principio da igualdade entre os filhos (Art. 227, § 6º, da Constituição
Federal de 1988 e art. 1.596 do Código Civil)
Prevê o art. 227, § 6º, da Constituição Federal que os filhos, havidos ou
não da relação de casamento, ou por adoção terão os mesmos direitos e
qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à
filiação. Complementando o texto constitucional, o art. 1.596 do Código Civil
em vigor tem exatamente a mesma redação, consagrando, ambos os
dispositivos, o princípio da igualdade entre filhos.
Esses comandos legais regulamentam especificamente a isonomia
constitucional, ou igualdade em sentido amplo, constante do art. 5º, caput, do
Texto Maior, um dos princípios do Direito Civil Constitucional. Em suma,
juridicamente, todos os filhos são iguais, havidos ou não durante o casamento.
Essa igualdade abrange também os filhos adotivos e aqueles havidos por
inseminação heteróloga (com material genético de terceiro). Diante disso, não
se pode mais utilizar as expressões filho adulterino ou filho incestuoso, as
quais são discriminatórias. Também não podem ser utilizadas, em hipótese
23
alguma, as expressões filho espúrio ou filho bastardo. Apenas para fins
didáticos utiliza-se a expressão filho havido fora do casamento, já que,
juridicamente, todos os filhos são iguais.
Isso repercute tanto no campo patrimonial quanto no pessoal, não sendo
admitida qualquer forma de distinção jurídica, sob as penas da lei. Trata-se,
portanto, na ótica familiar, da primeira e mais importante especialidade da
isonomia constitucional.
1.1.5 Principio da igualdade entre os cônjuges e companheiros (Art. 226, § 5º,
da Constituição Federal e do Art. 1.511 do Código Civil)
Assim como há igualdade entre filhos, o Texto Maior reconhece a
igualdade entre homens e mulheres no que se refere à sociedade conjugal
formada pelo casamento ou pela união estável (art. 226, §§ 3º e 5º, da CF/88).
Lembramos que o art. 1º do atual Código Civil utiliza o termo pessoa, não mais
homem, como fazia o art. 2º do Código Civil de 1916, deixando claro que não
será admitida qualquer forma de distinção decorrente do sexo.
Especificamente, prevê o art. 1.511 do Código Civil de 2002 que o
casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de
direitos e deveres dos cônjuges. Por óbvio, essa igualdade deve estar presente
na união estável, também reconhecida como entidade familiar pelo art. 226, §
3º, da Constituição Federal, e pelos arts. 1.723 a 1.727 do atual Código Civil.
Diante do reconhecimento dessa igualdade, como exemplo prático, o
marido/companheiro pode pleitear alimentos da mulher/companheira ou vice-
versa. Além disso, um pode utilizar o nome do outro livremente, conforme
convenção das partes (art. 1.565, § 1º, do CC). Vale lembrar que o nome é
reconhecido, pelo atual Código Civil, como um direito da personalidade (arts.
16 a 19).
Quanto aos alimentos, reconhecendo essa igualdade, há julgados do
Tribunal de Justiça de São Paulo apontando que a mulher apta a trabalhar não
terá direito a alimentos em relação ao ex-cônjuge. Em alguns casos, a
jurisprudência paulista entende que haverá direito à pensão somente por tempo
24
razoável para sua recolocação no mercado de trabalho.
1.1.6 Principio do melhor interesse da criança (Art. 227, caput, da Constituição
Federal de 1988 e arts. 1.583 e 1.584 do Código Civil)
Prevê o art. 227, caput, da Constituição Federal de 1988 que é dever da
família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda a forma
de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Essa proteção é regulamentada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
n. 8.069/90), que considera criança a pessoa com idade entre zero e doze anos
incompletos, e adolescente aquele que tem entre 12 e 18 anos de idade.
Em reforço, o art. 3º do próprio ECA prevê que a criança e o adolescente
gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem
prejuízo da proteção integral, assegurando-lhes, por lei ou por outros meios,
todas as oportunidades e as facilidades, a fim de facultar-lhes o
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de
liberdade e de dignidade.
Na ótica civil, essa proteção integral pode ser percebida pelo princípio do
melhor interesse da criança, ou best interest of the child, conforme reconhecido
pela Convenção Internacional de Haia, que trata da proteção dos interesses
das crianças. O Código Civil de 2002, em dois dispositivos, acaba por
reconhecer esse princípio de forma implícita.
O primeiro dispositivo é o art. 1.583 do Código Civil em vigor, pelo qual,
no caso de dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal pela separação
judicial por consentimento mútuo ou pelo divórcio direto consensual, será
observado o que os cônjuges acordarem sobre a guarda de filhos. Segundo o
Enunciado n. 101 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na I Jornada de
Direito Civil, a expressão guarda de filhos constante do dispositivo deve
abarcar tanto a guarda unilateral quanto a compartilhada, sempre atendido o
25
melhor interesse da criança. Se não houver acordo entre os cônjuges, a guarda
deverá ser atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la (art.
1.584 do CC). Certamente, a expressão melhores condições constitui uma
cláusula geral, uma janela aberta deixada pelo legislador para ser preenchida
pelo aplicador do Direito caso a caso.
Como se pode perceber, no caso de dissolução da sociedade conjugal,
a culpa não mais influencia quanto à guarda de filhos, devendo ser aplicado o
princípio que busca a proteção integral ou o melhor interesse do menor,
conforme o resguardo do manto constitucional.
1.1.7 Principio da afetividade
O afeto talvez seja apontado, atualmente, como o principal fundamento
das relações familiares. Mesmo não constando a palavra afeto no Texto Maior
como um direito fundamental, podemos dizer que o afeto decorre da
valorização constante da dignidade humana.
No que tange a relações familiares, a valorização do afeto remonta ao
brilhante trabalho de João Baptista Vilella, escrito no início da década de 1980,
tratando da Desbiologização da paternidade. Na essência, o trabalho procurava
dizer que o vínculo familiar seria mais um vínculo de afeto do que um vínculo
biológico. Assim, surgiria uma nova forma de parentesco civil, a parentalidade
socioafetiva, baseada na posse de estado de filho.
A defesa da aplicação da paternidade socioafetiva, hoje, é muito comum
entre os atuais doutrinadores do Direito de Família. Tanto isso é verdade que,
na I Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal sob a
chancela do Superior Tribunal de Justiça, foi aprovado o Enunciado n. 103,
com a seguinte redação: o Código Civil reconhece, no art. 1.593, outras
espécies de parentesco civil além daquele decorrente da adoção, acolhendo,
assim, a noção de que há também parentesco civil no vínculo parental
proveniente quer das técnicas de reprodução assistida heteróloga
relativamente ao pai (ou mãe) que não contribuiu com seu material fecundante,
quer da paternidade socioafetiva, fundada na posse do estado de filho.
26
Na mesma Jornada, aprovou-se o Enunciado n. 108, prevendo que: no
fato jurídico do nascimento, mencionado no art. 1.603, compreende-se à luz do
disposto no art. 1.593, a filiação consangüínea e também a socioafetiva. Em
continuidade, na III Jornada de Direito Civil, idealizada pelo mesmo STJ e
promovida em dezembro de 2004, foi aprovado o Enunciado n. 256, pelo qual a
posse de estado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de
parentesco civil.
Na jurisprudência nacional, o princípio da afetividade vem sendo muito
bem aplicado, com o reconhecimento da parentalidade socioafetiva,
predominante sobre o vínculo biológico.
Para nós, o princípio da afetividade é importantíssimo, pois quebra
paradigmas, trazendo a concepção da família de acordo com o meio social. É
sobre o princípio da função social da família que passamos a expor, para
encerrar este breve trabalho.
1.1.8 Princípio da função social da família
Há algum tempo se afirmava, nas antigas aulas de Educação Moral e
Cívica, que a família é a célula mater da sociedade. Apesar de as aulas serem
herança do período militar ditatorial, a frase ainda serve como luva no atual
contexto, até porque o art. 226, caput, da Constituição Federal de 1988 dispõe
que a família é a base da sociedade, tendo especial proteção do Estado.
Assim, as relações familiares devem ser analisadas dentro do contexto
social e diante das diferenças regionais de cada localidade. Sem dúvida, a
socialidade também deve ser aplicada aos institutos do Direito de Família,
assim como ocorre com outros ramos do Direito Civil.
A título de exemplo, a socialidade pode servir para fundamentar o
parentesco civil decorrente da paternidade socioafetiva. Pode servir também
para afastar a discussão desnecessária da culpa em alguns processos de
separação. Pode servir, ainda, para a admissão de outros motivos para a
separação-sanção em algumas situações práticas. Isso tudo porque a
27
sociedade muda, a família se altera e o Direito deve acompanhar essas
transformações.
Resumindo, não reconhecer função social à família e à interpretação do
ramo jurídico que a estuda é como não reconhecer função social à própria
sociedade.
1.2 Da presunção legal de paternidade
1.2.1 Análise dos artigos 319 do CPC e do artigo 232 do CC
As presunções são de grande importância na teoria das provas, na
medida em que, sem elas, muitas questões restariam insolúveis, possibilitando
a prestação da tutela jurisdicional, o que não se admite em nosso ordenamento
jurídico, tendo-se em vista o princípio da indeclinabilidade da jurisdição.
Tanto a revelia (art. 319 do CPC) quanto a recusa do réu em submeter-
se ao exame de DNA, nas ações de investigação de paternidade (art. 232 do
CC e súmula 301 do STJ), geram presunções: no primeiro caso, de veracidade
dos fatos alegados na petição inicial e no segundo, de paternidade.
Em que pese a não incidência dos efeitos da revelia nas ações que
envolvam a investigação de paternidade, a par do teor do artigo 320, inciso II
do CPC, neste breve ensaio procuraremos analisar comparativamente a
interpretação dada pela Jurisprudência e pela Doutrina às presunções
decorrentes dos efeitos da revelia (art. 319 do CPC) e da recusa do réu em
submeter-se ao exame de DNA (art. 232 do CC c/c súmula 301 do STJ), tendo-
se em vista que ambas as presunções acima mencionadas são relativas e,
portanto, merecem tratamento similar na avaliação da prova produzida nos
autos, o chamado conjunto probatório.
1.2.2 Presunção Constante no artigo 319 do CPC
28
Traz o artigo 319 do Código de Processo Civil que se o réu não
contestar a ação, reputar-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor.
Assim com a revelia tem-se por verdadeiros os fatos alegados na inicial. Ainda,
são efeitos da revelia a indução ao julgamento antecipado da lide (art. 330, II
do CPC), bem como a dispensa de intimação do réu dos atos processuais (322
do CPC).
A lei tratou o revel com rigor exacerbado, no entanto a doutrina e a
jurisprudência evoluíram em suas interpretações e atualmente consideram que
a não apresentação de contestação tão somente uma presunção relativa de
veracidade dos fatos alegados na exordial.
Devemos compreender que não se pode impor ao juiz a aceitação de
fatos absolutamente improváveis, cuja verificação, segundo revelado pela
experiência comum, é difícil ou quase impossível. Por isso considera-se relativa
a presunção estabelecida no dispositivo ora comentado.
1.2.3 Presunção constante no artigo 232 DO CC
Dispõe o art. 232 do Código Civil, que a recusa à perícia médica
ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame,
foi editado nitidamente para solucionar a discussão quanto às conseqüências
da recusa do réu à realização de exame de DNA, nas ações de investigação de
paternidade, pois as interpretações em sede jurisprudencial, da recusa do
pretenso genitor à realização do exame de DNA eram as mais variadas: desde
simples indício, passando pela presunção juris tantum de paternidade, com a
conseqüente inversão do ônus da prova, até a confissão.
Entretanto, a doutrina considerou que a recusa do réu à realização da
perícia médica jamais pode ser traduzida em prova cabal, ou confissão, tendo
em vista que a perícia hematológica é apenas um meio de prova complementar
e não um fundamento da sentença.
Com o surgimento da Súmula 301 do Superior Tribunal de Justiça,
consagrou-se a posição segundo a qual a recusa do suposto pai a submeter-se
ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade. Reforçou-se,
29
pois, o entendimento de que o art. 232 estipula uma presunção relativa em
desfavor de quem se recusar a realizar a perícia médica determinada pelo juiz,
mas não uma presunção absoluta ou ficção legal segundo a qual a recusa à
realização do exame de DNA implicaria na imposição de ter-se por verdadeiro
um fato (paternidade) sem qualquer respaldo na prova dos autos.
A lei processual não exige, nesse passo, prova de fato algum pertinente
ao litígio para dele extrair a veracidade imposta por ficção legal. Não é o que se
dá com o art. 232 do CC, porque aqui o preceito não impõe, necessariamente,
o suprimento da prova pericial médica, pela acolhida da veracidade do fato que
se iria apurar por meio da diligência probatória frustrada pela resistência de um
dos litigantes. A norma simplesmente admite a possibilidade de se ter como
ocorrente tal suprimento: a recusa à perícia médica (...) poderá suprir a prova
que se pretendia obter com o exame, diz o art. 232. Não há, no provimento
legal, uma autoritária e definitiva substituição da perícia pela imposição de
veracidade do fato não averiguado. A norma pressupõe, por isso, um juízo
complementar do magistrado para concluir sobre a possibilidade, ou não, de
operar o suprimento probatório autorizado, mas não imposto pela lei.
30
CAPÍTULO II
DOS EFEITOS JURÍDICOS DA FILIAÇÃO
2 REFLEXOS DA FILIAÇÃO NO MUNDO JURÍDICO
O conceito de filiação e sua definição no mundo jurídico evoluiu da
filiação biológica até a atual filiação socioafetiva que prepondera em nosso
ordenamento.
Ser pai ou mãe, atualmente, não é apenas ser a pessoa que gera ou a
que tem vínculo genético com a criança. É, antes disso, a pessoa que cria, que
ampara, que dá amor, carinho, educação, dignidade, ou seja, a pessoa que
realmente exerce as funções de pai ou de mãe em atendimento ao melhor
interesse da criança.
Assim, o novo comportamento cultural, no tocante à paternidade, insere
o mundo moderno em outro contexto social, em que a função de pai deve ser
exercida no maior interesse da criança, sem que se atenha à própria pessoa
em exercício da referida função, deste modo atribui-se que o verdadeiro vínculo
que se trava com os pais é o afetivo e, portanto, pais podem perfeitamente não
serem os biológicos, pois assim, em questões que envolvam conflitos de
paternidade biológica e social, o interesse melhor e maior da criança deverá
nortear a decisão.
Questões como as relativas à adoção, inseminação heteróloga, adoção
à brasileira estabelecem entre os pais e seus filhos verdadeiras filiações
socioafetivas tendo em vista que, em tais casos, não há liame biológico entre
os envolvidos.
A filiação, portanto, estabelece-se não apenas em face do vínculo
biológico, mas principalmente em face do vínculo socioafetivo que atende mais
ao princípio do melhor interesse da criança, da dignidade da pessoa humana e
também da paternidade responsável. (OLIVEIRA, 2002)
Estabelecido o vínculo da filiação, o mesmo poderá, contudo, ser
contestado ou repelido, desde que não mais se observe o interesse da criança,
31
pela perda do pátrio poder, ou desde que não haja consentimento livre em face
da inseminação heteróloga feita, ou se o mesmo for externado sob fraude, erro
ou coação.
Mas, atendendo-se ao melhor interesse da criança e externando de
forma livre e esclarecida o consentimento à técnica heteróloga de inseminação
artificial ou à adoção, forma-se liame de filiação, com base na filiação
socioafetiva, que não mais poderá ser contestado ou repudiado e que
prevalecerá sobre as demais formas de filiação, mesmo a biológica.
Portanto, o vínculo de filiação, uma vez formado, não mais será objeto
de contestação ou de impugnação e imporá, aos que externarem de forma livre
e esclarecida o seu consentimento, os direitos e obrigações relativos à filiação.
Ocorre que, discordando do entendimento externado acima, que a
escolha do casal pelas técnicas de inseminação heteróloga ou pela adoção não
tem o condão de impedir que o filho gerado possa investigar e ter acesso à sua
origem genética, tendo em vista ser este um direito personalíssimo,
indisponível e intransferível.
A procriação gera efeitos jurídicos, não mais importando a qualidade de
filho de criação de deveres e direitos. Das mais importantes e louváveis, sem
dúvida, é a inovação trazida ao nosso direito pela Constituição Federal de
1988, que diz que os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por
adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer
designações discriminatórias relativas à filiação. (OLIVEIRA. 2002)
A distinção odiosa já havia sido repelida no anteprojeto do Código Civil
que, adotando a concepção unitária, já existente em muitos países, substituiu
os capítulos relativos à filiação legítima e a filiação ilegítima pelas expressões
Dos filhos havidos no casamento e Dos filhos havidos fora do casamento.
O efeito jurídico da filiação é conseqüência natural da procriação. Não
mais acontecerá que aqueles, que biologicamente eram filhos, não fossem
juridicamente considerados como tais. À filiação civil, que é aquela resultante
da adoção, deu-se o mesmo status de filho de sangue, inclusive para efeitos
sucessórios.
Vale lembrar, no entanto, a distinção que, até agora, se fazia em nosso
Direito positivo e que ainda se encontra em nosso vigente Código Civil. A
filiação é natural quando resulta da procriação, podendo ser legítima ou
32
ilegítima, e é civil quando decorre da adoção simples ou plena, atos jurídicos
em virtude dos quais alguém assume a situação de pai.
Os filhos são legítimos quando procriados na vigência do casamento dos
seus pais. São legitimados quando, concebidos por pessoas não casadas uma
com a outra, os seus pais, posteriormente ao nascimento, convolaram as justas
núpcias. (MONTEIRO, 1997)
A filiação pode ser provada pelo Registro Civil ou por sentença judicial
em ação própria (ação de investigação ou negatória de paternidade). As ações
de estado são aquelas em que as partes reivindicam ou denegam a existência
de uma qualidade jurídica referente à filiação.
A inovações tecnológicas criaram para o homem uma nova forma de
perceber a humanidade e a si mesmo enquanto espécie. As inovações que há
tempos atrás nos pareciam utópicas ou simples ficção científica atualmente são
reais e problematizadas pelos seus aspectos éticos, sociais e jurídicos.
Enquadram-se dentro dos direitos de quarta geração que resultam dos novos
conhecimentos e tecnologias resultantes das pesquisas biológicas
contemporâneas, são direitos para os quais o sistema jurídico não encontrava-
se plenamente preparado e não acompanhou tal evolução que despontou na
sociedade.
A comunidade científica tem evoluído nas questões referentes a
tecnologias reprodutivas, mas o ordenamento jurídico não encontra-se
preparado para respaldar tais técnicas principalmente num sistema em que um
único exame, o DNA, define a filiação dos homens em sociedade
determinando-lhes direitos e deveres recíprocos sem, no entanto, perquirir a
situação afetiva dos envolvidos.
A bioética rompeu um liame na concepção de filiação em que bastam os
genes para se declarar a filiação, alertou para a necessidade de uma análise
de vida, a pesquisa de todo um histórico social para então declarar-se os
direitos de pai-filho, reconhecendo-se a posse de estado não apenas como
meio probatório mas como instrumento efetivo da determinação da filiação
resguardando-se efetivamente os interesses das crianças e adolescentes,
construindo-se assim um sistema definidor dos laços de família, vinculando
pessoas que desejam amar-se e cuidar-se reciprocamente. Além disso,
afirmar-se que a noção de interesse superior da criança como papel principal é
33
indispensável às decisões dos litígios no âmbito familiar. (VENOSA, 2003)
O reconhecimento como já afirmado, possui efeito ex tunc, retroativo, daí
por que seu efeito é declaratório. Tem eficácia erga omnes, tanto para aqueles
que participaram do ato de reconhecimento voluntário, quanto para o judicial,
como em relação a terceiros. É um ato jurídico puro, não subordinado a termo
ou condição, é irrevogável, exceto se tiver vicio de manifestação de vontade ou
vicio material.
No que diz respeito ao caráter moral, o reconhecimento da filiação gera
efeitos patrimoniais, sendo que os filhos reconhecidos equipara em tudo aos
demais, desfrutando do direito hereditário, podendo pedir alimentos, herança e
propor ação de nulidade. Deve-se ressaltar que se for filho de um só dos
cônjuges terá direitos patrimoniais, mais tendo sido reconhecido por apenas um
dos cônjuges, não poderá residir no lar conjugal sem a anuência do outro
cônjuge, segundo o artigo 1.611 do Código Civil; contudo o artigo 15 do
Decreto-Lei 3.200/41 determina que caberá ao pai ou a mãe prestar ao filho
reconhecido, fora do lar, igual tratamento ao que dispensa ao filho havido no
casamento, se assim o tiver, correspondente à condição social e de afeto.
(VENOSA, 2003)
Com o reconhecimento, o filho menor fica sujeito ao poder familiar,
ficando sob a guarda do progenitor que o reconheceu. Mas deve se observar
que o poder familiar não se confunde com a guarda do menor, o juiz pode, se
assim achar melhor, conferir guarda da criança a um dos pais, e deferir o pátrio
poder ao outro, mesmo que essa não seja uma decisão conveniente, na
maioria das vezes.
O direito a personalidade também é imprescritível. Desse modo a
qualquer tempo, após o reconhecimento, pode o filho ter direito ao nome, e
pleitear o acréscimo do nome de família do pai.
2.1 Da filiação e reconhecimento dos filhos
2.1.1 Aspectos jurídicos da filiação
34
“A filiação é a relação de parentesco que se estabelece entre pais e
filhos, sendo designada, do ponto de vista dos pais, como relação de
paternidade e maternidade.” (BOEIRA, 1999, p. 29)
2.1.2 Da Filiação
O direito de filiação revela-se como uma situação de estado em que
investe uma determinada pessoa, o estado de filiação é a situação de fato em
que se encontra uma pessoa na qualidade de filho, ou ainda, é a situação que
vincula uma pessoa a uma família do qual se originam efeitos e conseqüências
jurídicas.
Existem três tipos de filiação genérica: a adotiva, a presumida e a
natural. A filiação adotiva é a resultante do instituto da adoção, a presumida é
determinada por dispositivos legais que se presumem naturais aos filhos no
qual poderiam ser gerados na constância do casamento, já a filiação natural é
a que diz respeito à questão biológica e que tem provocado diversas ações de
investigação de paternidade.
A filiação, que existia no Código Civil de 1916, tendo sido regulada com
base no Direito Romano, discriminava que havia dois tipos de filhos: o legítimo,
aquele concebido na constância do casamento e o ilegítimo concebido fora da
convenção do casamento. Também, segundo a doutrina, há a filiação legítima
e ilegítima, contudo, essas designações são usadas apenas para determinar
em qual situação se encontra o vínculo de família, pois, a Constituição Federal
de 1988, como antes descrito, proíbe qualquer descriminação relativa à filiação
no seu artigo 227, parágrafo 6º.
Entretanto, se parte do ponto de que o legítimo e o ilegítimo a fim de se
precisar um melhor entendimento, sendo que se considerava filiação legítima
aquela em que o filho nascia de um casal legalmente casado e filiação ilegítima
os filhos nascidos de um casal que não procederam ao casamento, como
acima explicado. Na filiação legítima existe a modalidade da filiação legitimada,
que acontece quando os pais se unem em matrimônio após a concepção ou o
nascimento do filho. A filiação ilegítima subdivide-se em: naturais e espúrios,
35
sendo esses últimos assim considerados devido ao impedimento dos pais de
contraírem núpcias na época da concepção do filho.
A filiação ilegítima natural é aquela em que o filho nasce de um casal
com o qual não existe impedimento matrimonial, ou seja, os pais poderiam
realizar o casamento, porém não o fizeram.
A filiação ilegítima espúria subdivide-se em: espúrio incestuoso e espúrio
adulterino, sendo que o incestuoso é aquele em que os pais são parentes em
grau muito próximo, o qual impede o enlace matrimonial e o espúrio adulterino
ocorre quando o pai ou a mãe ao tempo da concepção ou parto se encontrava
ligado devido ao casamento com outrem.
Assim sendo, os filhos oriundos de pessoas não casadas eram
descriminados e não possuíam os mesmos direitos dos filhos nascidos de um
casal ligado em matrimônio, era o preconceito legal e social que dominavam
antes da criação da Constituição Federal, sendo que irmãos reais eram assim
considerados se fossem nascidos de um homem e de uma mulher unidos pela
convenção tradicional do casamento, porém os filhos nascidos de uma relação
fora do casamento eram totalmente excluídos pela sociedade e muitas vezes
pelo dito pai.
Importante salientar sobre os filhos nascidos de um cônjuge virago com
outro que não seu legalmente marido, sendo que neste caso a situação
considerada normal é a de que o marido é o pai biológico dos filhos de sua
cônjuge, é a paternidade presumida, onde prima-se pela paz familiar,
desviando o olhar da realidade. Consta que somente o marido possuía a
legitimidade para contestar a paternidade e não o verdadeiro pai biológico,
inserindo o pater is est, expressando a autoridade do pai em rejeitar ou aceitar
seu filho, dando-se denominação de pai àquele que possui um filho oriundo do
matrimônio com sua esposa, e não a verdadeira filiação biológica. Com o
intuito da preservação da família, ocultando-se as relações de adultério e
incestuosas, não se dava ao filho o direito de convívio com seu pai verdadeiro,
sendo a culpa dos erros dos pais era direcionado aos filhos e com o apoio da
legislação.
Finalmente, a Constituição Federal de 1988, estabeleceu uma absoluta
igualdade entre os filhos, não se admitindo mais a distinção entre filhos
legítimos e ilegítimos, segundo os pais fossem casados ou não, e, ainda, não
36
se permitindo a pronúncia de expressões como ilegítimo, espúrio, incestuoso
ou adulterino, utilizadas acima para uma melhor compreensão de filiação,
sendo que tal classificação somente pode ser utilizada pela doutrina.
Então, atualmente, todos são apenas filhos, havidos ou não na
constância do matrimônio, com direitos iguais, é a evolução do Direito em
relação à filiação e a família, instituindo o respeito da dignidade da pessoa
humana, não se tolerando qualquer tipo de discriminação, considerando-se,
assim, o avanço do Direito de Família pátrio.
Importante enfatizar, que com o advento do atual Código Civil
aconteceram diversas mudanças, entre elas, relativas à filiação, onde declara a
impossibilidade de distinção entre espécies de filhos, proibindo designações
discriminatórias, sendo que a expressão legitimidade utilizada pelo antigo
Código Civil foi substituída por paternidade, entre outras.
Com as diferentes modalidades de filiações, surge a filiação sócioafetiva,
sendo a mais relevante delas, onde se caracteriza por uma ligação de carinho
entre o filho e sua família, efetivando a declaração do estado de filho afetivo.
Onde se encontra a verdadeira paternidade.
Existem três espécies de filiação socioafetiva, sendo elas: a adoção
judicial; o filho de criação; a adoção à brasileira e o reconhecimento voluntário
da paternidade.
A adoção judicial é um ato jurídico, um comportamento de amor e
afetividade, sendo também solidário, o ato de adotar gera uma família baseada
em laços afetivos acima dos laços biológicos. O filho de criação é aquele caso
em que alguém cria e educa uma criança por livre e espontânea vontade, leva
para o interior de seu lar e o assume como filho, era o que antigamente se
chamava de afilhado.
A terceira espécie de filiação socioafetiva é a adoção à brasileira, que
decorre do ato de registrar uma criança no nome dos pais afetivos, como se
esses fossem os pais biológicos, abordado mais amplamente no decorrer do
presente trabalho. A última espécie de filiação é o reconhecimento voluntário
da paternidade, sendo ato daquele que registra o seu filho voluntariamente.
2.1.3 Do reconhecimento dos filhos
37
Os filhos de pais casados não precisam ser reconhecidos, devido à
presunção de paternidade existente nos filhos oriundos do enlace matrimonial
ou na constância deste, contudo o filho concebido fora do casamento, não é
beneficiado por tal presunção legal de paternidade. Sendo que, embora
existindo o enlace biológico entre pai e filho, resta o vínculo jurídico de
parentesco, que só deriva do reconhecimento.
O reconhecimento, então é o ato pelo qual o pai ou a mãe, em conjunto
ou separadamente, admite como sendo sua a filiação através de um ato
espontâneo e por escrito, é este o reconhecimento voluntário, também
designado de perfilhação, existindo, também, o reconhecimento coativo, qual
seja quando a admissão de filiação é obtida por meio de sentença em processo
regular, denominado também de judicial ou forçado, sendo de qualquer forma,
o reconhecimento voluntário ou judicial dos filhos, é irrevogável.
2.1.4 Reconhecimento voluntário
O reconhecimento voluntário pode ser realizado no registro de
nascimento; por escritura pública ou escrito particular; por testamento; por
manifestação direta e expressa perante o juiz (artigo 1.609, incisos I, II, III, IV
do Código Civil). Sendo que a finalidade é a aquisição de estado de filiação.
O reconhecimento ocorre no termo de nascimento quando o pai ou a
mãe, juntos ou separadamente, declaram a maternidade ou paternidade
perante o oficial do Registro Civil, assinando a lavratura do respectivo termo de
nascimento, sem se exigir uma solenidade especial.
O reconhecimento por escritura pública é lavrado por instrumento
público, podendo ser lavrada especificamente para o reconhecimento, ou pode-
se fazer incidentalmente em escritura que tenha outros objetivos imediatos. A
lei não exige a anuência da mãe do reconhecido. Por escrito particular também
se pode dar o reconhecimento, a ser arquivado em cartório, é aceito como
forma de reconhecimento, desde que expresso.
A respeito do testamento como forma de reconhecimento, este pode ser
cerrado, público ou particular.
38
Finalmente, tem-se o reconhecimento dos filhos através de manifestação
direta e expressa perante o juiz, sendo uma manifestação de vontade em
reconhecer alguém como filho, podendo ocorrer de forma incidental ou
principal. Quando se da por iniciativa do próprio perfilhante ou do juiz é
principal e de forma incidental ocorre quando um determinado processo judicial
possui objeto principal distinto do reconhecimento de filiação.
O reconhecimento apesar de ser irrevogável e perpétuo, poderá ser
anulado por inobservância das formalidades legais, ou então, se conter alguns
dos defeitos dos atos jurídicos.
O reconhecimento do filho maior de idade não pode ser realizado sem
seu consentimento, e o menor pode impugnar seu reconhecimento nos quatro
anos que se seguirem à maioridade ou à emancipação (artigo 1.614, CC) por
meio da ação de contestação ou impugnação de reconhecimento, alegando
incapacidade do reconhecente ou inverdade da afirmação de paternidade ou
maternidade. Também, em relação ao menor, nada obsta que ingresse com a
ação, enquanto incapaz, desde que devidamente assistido ou representado.
O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho já concebido,
porém o filho que já seja falecido só poderá ser reconhecido se este tiver
deixado descendentes, evitando, desta forma, reconhecimentos por interesse.
O reconhecimento produz todos os efeitos a partir do momento de sua
realização. Sendo que o filho havido fora do casamento, tendo sido
reconhecido por apenas um dos cônjuges, não poderá residir no lar conjugal
sem a anuência do outro cônjuge (artigo 1.611, CC), contudo o artigo 15 do
Decreto-Lei 3.200/41 determina que caberá ao pai ou a mãe prestar ao filho
reconhecido, fora do lar, igual tratamento ao que dispensa ao filho havido no
casamento, se assim o tiver, correspondente à condição social e de afeto.
2.1.5 Reconhecimento Judicial
Aquele filho que não obtiver o reconhecimento espontaneamente pode
adquiri-lo através do reconhecimento via judicial, por intermédio da ação de
investigação de paternidade, de natureza declaratória e imprescritível, tratando-
39
se de direito personalíssimo e indisponível, conforme disposto no Estatuto da
Criança e do Adolescente de 1992, no seu artigo 27.
Uma vez determinada à igualdade entre os filhos havidos ou não na
constância do casamento torna-se evidente os direitos do filho à dignidade, ao
convívio familiar, à alimentação, além de outras garantias determinadas pela
Constituição Federal de 1988.
Art. 227, caput – E dever da família, da sociedade e do
Estado assegurar à criança e ao adolescente, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a
salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.
Parágrafo 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do
casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e
qualificações, proibidas quaisquer designações
discriminatórias relativas à filiação. (BRASIL, 1998, p.
116- 117)
A investigação de paternidade também tem amparo no Estatuto da
Criança e do adolescente, no Novo Código Civil e na Lei 8.560/92.
A dita ação pode ser ajuizada sem restrição, por qualquer filho havido
fora do casamento.
A legitimidade ativa para intentar ação de investigação de paternidade é
do filho, se menor, será representado pela mãe ou tutor, caso o filho morrer
antes de intentá-la, seus herdeiros e sucessores ficarão impedidos para o
ajuizamento, salvo quando ele morrer menor e incapaz (artigo 1.606, CC), se o
filho já tiver iniciado a ação os seus herdeiros poderão continuá-la. Além disso,
a ação pode ser ajuizada sem qualquer restrição, sendo que os filhos
adulterinos e incestuosos também podem intentar o que não podia ser
realizado antes.
A legitimidade passiva é do suposto pai, se este já for falecido, a ação
deverá ser interposta contra os seus herdeiros. No entanto, não se pode mover
a ação contra o espólio do de cujus, pois este não possui personalidade
40
jurídica.
No antigo Código Civil de 1916 estavam especificados os casos em que
caberiam as investigações de paternidade, quais sejam: a) o concubinato dos
pais no tempo da concepção, devendo ser provado de forma convincente, com
relação sexual continuada, habitual e com exclusividade, sendo que,
atualmente, a interpretação de concubinato é mais liberal, não se exigindo
convivência permanente debaixo do mesmo teto; b) quando do rapto da mãe
pelo suposto pai coincidir com a época da concepção do filho, ou de suas
relações sexuais com ela, sendo que o autor da ação em relação ao rapto
deverá provar o tempo em que a raptada ficou em seu poder e a data do
nascimento do filho; c) quando o pai reconhecer expressamente por escrito,
podendo ser um documento público ou particular, emanado do próprio pai e
que contenha sua assinatura. Em relação ao exame de sangue, este, quando o
resultado era positivo, significava apenas a possibilidade de o réu ser o pai,
mas essa não afirmava a paternidade absolutamente, sendo que, somente
quando o exame restava negativo é que a paternidade excluía-se.
Contudo, com o advento do atual Código Civil, este não especifica os
casos em que cabe a investigação de paternidade, podendo ser requerido,
assim, como único meio de prova o exame hematológico. Deve-se salientar,
entretanto, que ninguém pode ser constrangido a fornecer amostras do seu
sangue para a realização de prova pericial, em contrapartida, se o réu negar-se
a realizar tal exame, pode levar o juiz à convicção de que o mesmo é o pai.
Levando em consideração a pretensão do direito descrito na ação de
investigação de paternidade pode-se afirmar que esta ação é declaratória, cuja
função é obtenção de uma sentença que, simplesmente, declare a existência
de uma relação jurídica, como afirma Pontes de Miranda:
A ação declarativa é ação a respeito do ser ou não-ser a relação jurídica[...]por ele, não se pede condenação, nem constituição, nem mandamento, nem execução. Só se pede que se torne claro, que se ilumine o recanto do mundo jurídico para se ver se é, ou não é, a relação jurídica de que se trata. (MIRANDA, 1998, p. 132)
Assim, a ação de investigação de paternidade visa declarar um direito
dos litigantes, sendo que, no que concerne a existência ou não da relação
jurídica entre as partes, não haverá mais a discutir uma vez prolatada a
sentença declaratória.
41
Quanto à atividade probatória da paternidade, antes esta era realizada
através de indícios, como testemunhos e exames de sangue, porém não
apresentavam 100% de comprovação. Com a evolução da ciência e a
descoberta do exame de DNA tem-se uma pequena margem de erro quanto à
comprovação da paternidade, possibilitando assim, a descoberta do pai
biológico. Contudo, não existem exames que possam assegurar a futura
aproximação afetiva entre o pai e o filho, pois o vínculo não se manifesta
através de um papel e sim advém de um relacionamento.
Como se pode notar, esse tipo de ação traz para as partes envolvidas
uma perturbação na sua estrutura emocional, interferindo no relacionamento
conjugal da pessoa investigada e no psicológico do filho, devendo existir, por
parte do Estado, um acompanhamento psicológico para ambas as partes,
tentando, assim, uma maior aproximação entre eles, após o, muitas vezes
traumático, teste de DNA.
Contudo a ação de investigação de paternidade é de extrema
importância, tanto para o filho como para o pai, pois, futuramente, poderá haver
um convívio, uma afinidade que irá nascer e se desenvolver com alguém antes
desconhecido. A verdade é que, em muitos casos, não acontece isso, bastando
somente o pagamento da pensão alimentícia por parte do pai, sem haver
nenhuma espécie de afetividade entre pai e filho, mas com o tempo, isso
poderá mudar, se transformar. Surgindo um novo enlace e este deve ser criado
e mantido, seja voluntariamente ou pelas vias judiciais.
2.2 Das espécies de filiação
2.2.1 Conceitos e particularidades sobre as espécies de filiação
Existem três tipos de filiação genérica: a adotiva, ou sócio-afetiva, a
presumida e a natural. A filiação adotiva é a resultante do instituto da adoção, a
presumida é determinada por dispositivos legais que se presumem naturais aos
filhos no qual poderiam ser gerados na constância do casamento, já a filiação
42
natural é a que diz respeito à questão biológica e que tem provocado diversas
ações de investigação de paternidade.
Obviamente há diferença entre filho havido do casamento, aquele havido
fora das núpcias e o adotivo. Inexiste, por vedação constitucional e legal,
diversidade de direitos, qualificações discriminatórias e feitos diferenciados
pela origem da filiação.
Assim é que, para os filhos originados de uma relação conjugal, a lei
estabelece uma presunção de paternidade e a forma de sua impugnação; para
os havidos fora do casamento, criam-se critérios para o reconhecimento,
judicial ou voluntário; e, por fim, para os adotados, são estabelecidos requisitos
e procedimento para a perfilhação. deferindo-se aos filhos, havidos ou não de
relação de casamento ou por adoção, os mesmos direitos, ressalvadas as
relações pertinentes aos impedimentos matrimonias e as que resultem da
própria natureza das coisas.
A filiação se prova pela certidão do termo de nascimento constante do
Registro Civil, e, na sua falta ou defeito, por qualquer modo admissível em
direito, quando houver começo de prova por escrito, proveniente dos pais,
conjunta ou separadamente, e quando existirem veementes presunções
resultantes de fatos certos.
Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascido
de sua mulher, em ação própria imprescritível, mas não basta a confissão
materna para excluir a paternidade.
Ressalte-se, que o atual Código Civil trouxesse mudanças significativas
no que concerne à filiação, onde ficam estabelecidos muitos pontos que até
então pareciam obscuros e sem embasamento legal.
A filiação, que existia no Código Civil de 1916, tendo sido regulada com
base no Direito Romano, discriminava que havia dois tipos de filhos: o legítimo,
aquele concebido na constância do casamento e o ilegítimo concebido fora da
convenção do casamento. Também, segundo a doutrina, há a filiação legítima
e ilegítima, contudo, essas designações são usadas apenas para determinar
em qual situação se encontra o vínculo de família, pois, a Constituição Federal
de 1988, como antes descrito, proíbe qualquer descriminação relativa à filiação
no seu artigo 227, parágrafo 6º.
43
2.2.2 Filiação adotiva ou sócio afetiva
Com as diferentes modalidades de filiações, surge a filiação sócioafetiva,
sendo a mais relevante delas, onde se caracteriza por uma ligação de carinho
entre o filho e sua família, efetivando a declaração do estado de filho afetivo.
Onde se encontra a verdadeira paternidade.
Existem segundo os doutrinadores mais renomados três espécies de
filiação socioafetiva, sendo elas: a adoção judicial; o filho de criação, a adoção
à brasileira e o reconhecimento voluntário da paternidade.
A adoção judicial é um ato jurídico, um comportamento de amor e
afetividade, sendo também solidário, o ato de adotar gera uma família baseada
em laços afetivos acima dos laços biológicos. O filho de criação é aquele caso
em que alguém cria e educa uma criança por livre e espontânea vontade, leva
para o interior de seu lar e o assume como filho, era o que antigamente se
chamava de afilhado.
A terceira espécie de filiação socioafetiva é a adoção à brasileira, que
decorre do ato de registrar uma criança no nome dos pais afetivos, como se
esses fossem os pais biológicos.
A última espécie de filiação é o reconhecimento voluntário da
paternidade, sendo ato daquele que registra o seu filho voluntariamente.
2.2.3 Filiação presumida – filhos havidos na constancia do casamento
O Código de 1916 conceituava como legítimos os filhos concebidos na
constância do casamento, ainda que anulado ou mesmo nulo, se for contraído
de boa-fé (art 337, revogado pela Lei 8.560/91). O artigo 217 dispunha que a
anulação do casamento não obstava a legitimidade do filho concebido ou
havido antes ou na constância dele. Também considera-se legítimos os filhos
provindos de casamento nulo, se foi declarada a putatividade. Da mesma
forma, será legitimo o filho nascido de casamento anulável.
A Lei nº 6.515/77 colocou-se da mesma forma e foi mais além,
44
considerando legítimos os filhos havidos de casamento nulo ou anulável, ainda
que ambos os cônjuges não o tivessem de boa-fé (art 14, parágrafo único). O
Código Civil resguarda também os direitos e os efeitos civis dos filhos nessa
situação - artigo 1.561, parágrafo 2º. Como se nota, de algum tempo já vinha a
tendência de se eliminar, na lei, a discriminação da ilegitimidade.
Assim, o casamento dos genitores deve ser anterior não só ao
nascimento do filho como também à sua própria concepção; logo, em princípio,
o momento determinante de sua filiação matrimonial é o de sua concepção.
Considerando-se as características do casamento, bem como os
deveres que dele decorrem aos cônjuges, presumem-se concebidos na
Constância do casamento os filhos, segundo Venosa (2003):
a) nascidos 180 dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência
conjugal. Desta forma a filiação legítima que concede ao gerado o
status de filho legítimo é assegurada pela evidência do casamento
civil ou matrimônio;
b) da lei extrai-se o fato de que mesmo havido antes do
estabelecimento do vínculo matrimonial com este estabelece-se o
vínculo de filiação, sendo o nubente considerado pai por presunção
não lhe sendo concedida a possibilidade de contestar sua
paternidade;
c) nascidos nos 300 dias subseqüentes a dissolução da sociedade
conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do
casamento, aqui tem por pressuposto que a mulher não contraia
novo casamento nos 10 meses seguintes aquela dissolução, salvo
em contrario. Desse modo, se contraiu nova união antes do prazo de
10 meses, nascendo um filho nos 300 dias a contar do falecimento
ou separação de seu primeiro marido, deste se presuma concebido;
se após os 300 dias do segundo marido desde que nascido.
Assevere-se ao fato de que o legislador legou a filiação legítima a data
de sua concepção considerando-se no entanto, concebidos na relação
matrimonial os nascidos cento e oitenta dias após o estabelecimento da
convivência matrimonial bem como os nascidos dentro do período de trezentos
dias posteriores à dissolução da sociedade conjugal por morte, desquite ou
anulação, de tal modo que o novo ser pode ter sido gerado anteriormente ao
45
matrimônio pois que tem-se por presunção ter sido concebido na constância do
casamento.
Será, ainda, considerado legítimo aquele que mesmo nascido antes do
prazo de 180 dias ou posterior aos 300, foi registrado pelo suposto pai uma vez
que ao assumir o matrimônio estando ciente do estado gravídico indiretamente
estará assumindo o filho desta como seu não lhe cabendo o direito de
contestar a paternidade.
A filiação legítima se fundava na geração havida no casamento civil
(justae nuptiae). E, dele se formou a presunção, também, estabelecida por lei,
de que o filho nascido de mulher casada tem como pai, quando nascido nos
seis meses (180 dias), após a celebração do casamento, ou dentro dos dez
meses, que se seguirem à dissolução do vínculo conjugal, o seu marido.
Ainda que incontestável a paternidade dos filhos havidos na constância
do matrimônio, o legislador ofertou a sociedade três hipóteses: havendo a
presença de impotência generandi, separação de fato ou de direito à época da
concepção e frente a hipótese de impossibilidade de coabitação, segundo
Venosa (2003):
a) havidos por fecundação artificial homologa, mesmo que falecido o
marido. A Reprodução Humana Assistida, consiste na intervenção do
homem, por técnicas específicas, no processo de procriação natural.
Essas técnicas de fecundação podem ser: in vivo, por procedimento
intra – uterino, ou in vitro, em laboratórios, portanto, extra- uterino. A
fecundação artificial homóloga se dá entre gametas provenientes
necessariamente do mesmo homem e da mesma mulher que formam
o par conjugal;
b) havidos a qualquer tempo, quando se tratar de embriões
excedentários, crio preservados decorrentes de concepção artificial
homóloga;
c) havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha previa
autorização do marido. Onde o espermatozóide ou o ovulo, ou
ambos, a serem utilizados na fecundação, provenham de terceiras
pessoas que não assumirão a qualidade de pais da criança que vier
a ser gerada.
Deve-se observar que o reconhecimento presuntivo da filiação por
46
reprodução artificial só se aplica a família casamentária, não se aplicando à
união estável.
Contudo, mais uma vez o direito é chamado a responder uma nova
questão: não basta a certeza biológica da paternidade. É necessário observar o
efetivo exercício da paternidade, apenas alcançado com a socioafetividade.
Existem, assim, os filhos que permaneciam e permanecem com a certeza da
paternidade biológica e registral, mas sem a paternidade afetiva, uma vez que
o resultado da investigação de paternidade não inseriu o pai, no aspecto
afetivo/emocional, em suas vidas.
Por outro lado, há a chamada adoção à brasileira, que pode ocorrer
quando não existe o aspecto biológico, mas há a certeza socioafetiva e a
cartorária.
Outros personagens deste complexo tecido social são os filhos de
criação. Estes podem não ter verdade biológica ou cartorária conhecida, mas
têm a certeza socioafetiva a amparar-lhes.
Este emaranhado social faz com que existam decisões ora
reconhecendo o vínculo sócio afetivo, ora prevalecendo a verdade biológica.
Estas são apenas algumas situações em que a paternidade, em todos
os seus aspectos, é colocada à prova. Fica claro, portanto, a importância do
estudo e da busca de parâmetros ou diretrizes a serem seguidas na análise do
fato da paternidade.
2.2.4 Filhos havidos fora do casamento
Os filhos procriados por pessoas não casadas uma com a outra eram
designados de ilegítimos, o que não mais se permite. Como já foi enfatizado
que a Constituição Federal de 1988, equiparou os filhos, proibindo qualquer
tipo de discriminações presentes no Código Civil e em leis complementares.
Mas, apesar da igualdade de direitos, os filhos havidos fora do casamento não
gozam da presunção da paternidade outorgadas aos filhos de pais casados
entre si. Por uma questão de lógica e equilíbrio do sistema, não poderia ser de
outra forma.
47
A filiação ilegítima podia ser natural, quando inexistia impedimento
dirimente entre os pais para casar um com o outro, e espúria (adulterina ou
incestuosa), quando em virtude de já estar casado um dos pais ou de existir
entre ambos relação de parentesco, tal casamento não poderá ocorrer.
Assim, a filiação espúria era a decorrente de relações sexuais entre
pessoas que não podiam casar, uma com a outra, em virtude de existência de
impedimento dirimente baseado no parentesco (filiação incestuosa) ou em
casamento anterior (filiação adulterina), enquanto a filiação ilegítima
propriamente dita era decorrente de relações sexuais entre pessoas que não
se casaram, mas que poderiam casar uma com a outra.
O tratamento dos filhos ilegítimos em nossa legislação tem evoluído no
sentido de concessão de direitos mais amplos e de sua progressiva
equiparação aos filhos legítimos.
Os filhos havidos fora do casamento necessitam de reconhecimento,
que pode resultar de ato de vontade dos pais ou de ato coativo, resultante de
decisão judicial.
No Código Civil de 1916, os filhos naturais podiam ser reconhecidos em
conjunto ou separadamente pelos pais. Exprimia o artigo 355 que o filho
ilegítimo pode ser reconhecido pelos pais, conjunta ou separadamente. Esse
dispositivo foi substituído pelo artigo 1.607, do Código Civil: O filho havido fora
do casamento pode ser reconhecido pelos pais, conjunta ou separadamente.
Esse entendimento deve ser visto de forma ampla, pois desapareceu a
impossibilidade de reconhecimento de filhos incestuosos e adulterinos.
Com a igualdade dos direitos dos filhos, muitos dispositivos do Código
Civil de 1916, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e de outros,
perderam a eficácia, sendo assim o reconhecimento da filiação faz-se sem
qualquer restrição. Admitindo-se amplamente em nossa legislação civil o
reconhecimento de filhos mesmo tendo o Código inicialmente vedado o
reconhecimento dos filhos adulterinos e incestuosos.
O Código Civil brasileiro, realizou importante progresso nesta matéria ao
integrar o filho natural na família, submetendo-o ao pátrio poder de quem o
reconheceu.
O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e
será feita no registro de nascimento, por escritura pública ou escrito particular,
48
e se arquivado em cartório, por testamento, ainda que nele incidentalmente
manifestado, e por manifestação expressa e direta perante o juiz, ainda que o
reconhecimento não haja sido o objeto único principal do ato que o contém.
O reconhecimento por testamento só poderá ser feito por quem tenha
capacidade para testar, ou seja, pelo maior de 16 anos que esteja em seu
perfeito juízo.
Finalmente, ainda na vigência do casamento, qualquer dos cônjuges
poderá reconhecer o filho havido fora do matrimônio.
49
CAPÍTULO III
PATERNIDADE E MATERNIDADE
3 DA AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE E MATERNIDADE
3.1 Evolução histórica da ação negatória de paternidade
Como se pode observar, a questão da paternidade, desde os romanos
até nossa época, girou em torno da prova. Como, até o advento dos exames
genéticos, não era possível precisar uma paternidade com toda a certeza,
adotou-se um jogo de presunções e probabilidades, ao qual se atribuiu um
valor absoluto em determinadas situações.
O saber jurídico utilizou determinadas fórmulas legais, objetivando por
fim às incertezas que pairavam sobre a paternidade na sociedade patriarcal,
que teve seu sustentáculo maior no império romano.
Como demonstram, os romanos criaram uma presunção legal de
paternidade (pater is est quem nuptia demonstrant), o que, ainda, é adotada, e
tem muita força, sendo utilizada por muitos anos pelas legislações de vários
povos, e defendida por afamados doutrinadores.
Como não poderia deixar de ser, a boa doutrina nacional, com os
incontestáveis avanços alcançados pelos exames genéticos, entende estarem
superados e, portanto, tacitamente revogados, os artigos 338, 339 e 340 do
Código Civil brasileiro, principalmente quando se cogite em impedir a
declaração negativa de paternidade aspirada pelo pai registrar.
Acertadamente, a doutrina entende que o desenvolvimento social deve
ser acompanhado de um desenvolvimento da ciência jurídica, não sendo mais
possível sustentar uma aparente verdade, decorrente de simples presunções
legais relativas, em confronto com uma verdade biológica demonstrada através
da impressão genética.
Para tentar corrigir esta distorção, alguns dispositivos legais foram
50
editados. Dessa forma, a lei 8.069/90, em seu artigo 27, permite a investigação
incondicional do estado de filiação, bem como a lei 8.560/92, em seu artigo 8.º,
não sendo mais aplicável em matéria de ação de declaração de negativa de
paternidade o prazo estabelecido no artigo 178, parágrafos 3.º e 4º, inciso I, do
Código Civil, uma vez que a lei deve acatar a verdadeira paternidade.
3.1.1 Conceito de ação negatória de paternidade e natureza jurídica da
sentença
É a ação, que compete exclusivamente ao marido, de rito ordinário, que
permite seja contestada a paternidade dos filhos de mulher ou companheira,
ainda que tal paternidade conste do registro civil das pessoas naturais.
Os processualistas classificam a sentença definitiva em três espécies
segundo o seu conteúdo: meramente declaratórias, constitutivas e
condenatórias. Na sentença meramente declaratória o que se busca é conferir
certeza à existência ou inexistência de uma relação jurídica. Apenas a
existência ou inexistência de uma relação jurídica pode ser objeto de uma
sentença de mero acertamento, com exceção da regra contida no artigo 4.º, II
do CPC.
A ação de investigação de paternidade propende a uma sentença de
conteúdo meramente declaratório, pois visa por termo à existência ou
inexistência da paternidade, operando efeitos ex tunc, ou seja, os efeitos da
investigação retroagem à data da concepção, ou do nascimento, conforme a
teoria adotada.
As ações condenatórias são aquelas em que se impõe o cumprimento
de uma prestação, seja em sentido positivo (dar, fazer), seja em sentido
negativo (não fazer, abster-se), produzindo, como efeito imediato, o direito à
execução forçada da condenação.
As ações constitutivas, por seu turno, são aquelas capazes de criar,
modificar ou extinguir uma relação jurídica.
A ação negatória de paternidade enquadra-se na definição de ações
constitutivas negativas, ou descontitutivas, pois visa extinguir a relação jurídica
51
de filiação estabelecida entre o filho e o contestante. As ações constitutivas
operam efeito ex nunc, retroagindo somente até a data da sentença, restando
válida toda a relação jurídica estabelecida até a data da criação, modificação
ou extinção dessa mesma relação.
3.1.2 Do prazo para ajuizamento da ação negatória de paternidade
A questão mais polêmica sobre a ação negatória de paternidade gira em
torno do prazo para o seu ajuizamento. Parte da doutrina e da jurisprudência
nacional entende não estar revogado o artigo 178, parágrafos 3.º e 4º, inciso I,
do Código Civil.
Existem, portanto, três correntes doutrinárias acerca do prazo para
aforamento da contestação de paternidade.
A primeira, mais conservadora e em franco declínio, entende não estar
revogado o artigo 178, §§ 3.º e 4.º, afirmando que o direito à contestação da
paternidade tem de ser exercido num prazo bem reduzido: dois meses,
contados do nascimento, se era presente o marido (Código Civil, art. 178, § 3.º)
ou três meses, se estava ausente, ou se lhe ocultaram os nascimentos,
contados do dia da sua volta à casa conjugal, no primeiro caso, e da data da
ciência, no segundo (art. 178, § 4.º, I). São prazos de decadência, e não de
prescrição; portanto, não se interrompem, nem se suspendem. Correm
inexoravelmente.
Uma segunda corrente doutrinária, entende que os prazos decadenciais
estabelecidos no artigo 178, parágrafos 3.º e 4º, inciso I, do Código Civil, não
foram revogados, mas devem ser interpretados cum granus salis, devendo
começar a fluir a partir do momento em que o marido tiver conhecimento de
que o filho cuja paternidade contesta não é seu.
A terceira corrente, em ascensão, corretamente entende estarem
revogados todos os dispositivos do Código Civil que vedam a investigação e a
contestação da paternidade. A lei 8.069/90, em seu artigo 27, permite a
investigação incondicional do estado de filiação, bem como a lei 8.560/92, em
seu artigo 8.º, não sendo mais aplicável em matéria de ação de declaração de
52
negativa de paternidade os prazos estabelecidos no artigo 178, parágrafos 3.º
e 4º, inciso I, do Código Civil, uma vez que a vige em nosso ordenamento
jurídico o princípio da paternidade real, que exige seja perquirida a verdadeira
paternidade.
3.1.3 Conceito e propositura da ação negatória de maternidade
Nada impede que seja ajuizada ação para impugnar a maternidade.
Neste contexto o interesse do agente é provar que não é filho da mulher que
consta como sendo sua mãe. Embora não exista discriminação sobre a
natureza da filiação, pode persistir o interesse por essa ação, de natureza
sucessória, por exemplo, para atacar o vinculo da maternidade, que também é
denominada impugnação de legitimidade.
Inúmeras são as situações que podem determinar a ação, como, por
exemplo, troca de bebes na maternidade, falsidade instrumental ou ideológica
no registro de nascimento, defeito material no registro, etc. Esta ação, assim
como todas as outras que visam alterar, constituir ou declarar um estado de
família, são imprescritíveis.
3.1.4 Investigação de maternidade
Como já foi mencionado no presente trabalho, o art 27 do ECA é
expresso ao afirmar que o reconhecimento de estado de filiação pode ser
exercitado sem restrições. O dispositivo aplica-se tanto à paternidade como à
maternidade. Não mais subsiste restrição para a ação de investigação de
paternidade, deixando de ter aplicação o artigo 364, do velho Código Civil, que
estatuía: A ação de maternidade só se não permite, quando tenha por fim
atribuir prole ilegítima à mulher casada, ou incestuosa à solteira. O critério do
legislador traduzia-se em justificáveis rebuços quanto à mulher casada e em
argumentos de ordem moral quanto à prole incestuosa.
53
O legislador do passado preocupava-se com a investigação de
paternidade, mas a investigação de maternidade, embora não freqüente, pode
ser exercitada nas mesmas hipóteses descritas na Lei nº 8.560/92. Tal como
na investigação de paternidade, a ação de investigação de maternidade será
movida contra a indigitada mãe e seus herdeiros. Se o registro apresentar o
nome de outra mulher como mãe, contra ela também deverá ser promovida a
ação. Se a investigada for casada, o marido também deverá ser citado, porque
haverá repercussões de ordem moral e econômica para ele. O projeto de 1975
modificara a redação ao art. 364, estatuindo, no artigo 1.632 originário: Não se
permite a investigação de maternidade quando tenha por fim atribuir à mulher
casada filho havido fora da sociedade conjugal. Esse dispositivo foi suprimido
na redação final do Novo Código Civil, vigorando a plena liberdade introduzida
pelo artigo 27 do ECA.
3.2 Da biogenética e paternidade
3.2.1 A importância do estudo da genética para o direito
A ciência já fez importantes avanços em matéria de fertilização assistida,
em prol dos casais que sofrem de infertilidade. Entende-se inseminação como
forma de fecundação artificial pela qual se dá a união do sêmem ao óvulo por
meios não naturais. Diversos são os métodos científicos para essa finalidade
cujo estudo pertence á ciência biomédica. A inseminação artificial também é
conhecida como concepção artificial, fertilização artificial, semeadura artificial,
fecundação ou fertilização assistida. No Brasil, são utilizados todos os métodos
proporcionados pela ciência biomédica internacional.
A inseminação homóloga pressupõe que a mulher seja casada ou
mantenha união estável e que o sêmem provenha do marido ou companheiro.
É utilizada em situações nas quais, apesar de ambos os cônjuges serem
férteis, a fecundação não é possível por meio de ato sexual por várias
etiologias (problemas endócrinos, impotência, vaginismo etc.).
54
A inseminação heteróloga é aquela cujo sêmem é de um doador que
não o marido. Aplica-se principalmente nos casos de esterilidade do marido,
incompatibilidade do fator Rh, moléstias graves transmissíveis pelo marido, etc.
Com freqüência, recorre-se aos chamados bancos de espermas, nos quais, em
tese, os doadores não são e não devem ser conhecidos.
Assim, a questão primordial que se coloca no campo jurídico é que se a
inseminação heteróloga deu-se sem o consentimento do marido, este pode
impugnar a paternidade. Se a inseminação deu-se com seu consentimento, há
que se entender que não poderá impugnar a paternidade e que a assumiu.
Nesse sentido se coloca o inciso V, do artigo 1.597 do Código Civil. A lei
brasileira passa a resolver expressamente essa questão. A lei não esclarece
ainda, porém, de que forma deve ser dada essa autorização. Por outro lado, a
nova lei civil fala em autorização previa, dando a entender que o ato não pode
ser aceito ou ratificado posteriormente pelo marido, o que não se afigura
verdadeiro.
Ao analisarmos o sistema argentino que também é omisso, tal como
nossa legislação anterior, que, se por um lado, não pode o pai impugnar a
paternidade nessa situação de consentimento de inseminação por terceiro,
pode fazê-lo o filho, que poderá pretender o reconhecimento jurídico da
paternidade biológica.
A situação é tormentosa, exigindo posição de legislador, mormente no
tocante ás implicações do direito hereditário, sob pena de ser dificultada a
doação de esperma por terceiros, inviabilizando a tão desejada filiação por
grande numero de casais. A singela disposição enfocada longe está de dirimir
essa questão que requer legislação detalhada. Importante, também, que se
projeta com o anonimato o doador do sêmem, que deverá abrir mão de
qualquer reivindicação de paternidade e também não poderá ser demandado a
esse respeito.
É ainda, de extrema importância que a lei determine que a procriação
assistida somente seja permitida com expresso consentimento dos cônjuges e
mediante a comprovação de necessidade, oportunidade e conveniência. O
atual Código Civil omitiu-se a esse respeito, perdendo oportunidade de legislar
sobre questão crucial. O rigor da lei é importante nesse sentido para que a
sociedade não venha a enfrentar problemas de difícil solução ética e jurídica no
55
futuro.
A lei deverá restringir a reprodução assistida unicamente para situações
permitidas nelas, casos de infertilidade e quando todos os tratamentos
possíveis para a reprodução natural tenham-se frustrado. Outro aspecto
importante que o citado projeto enfrenta é que essa reprodução assistida
somente pode atribuir prole a quem ainda esteja em idade reprodutiva. A
problemática destina-se basicamente a mulher. Essa modalidade de
reprodução deve imitar a ordem natural e não deve conceder prole a quem já
não mais está em idade de reproduzir, pois os problemas sociais decorrentes
dessa atitude seriam imensos. Desse modo, não poderá ser autorizada a
reprodução assistida quando a infertilidade decorrer de ultrapassagem da idade
reprodutiva.
Outra questão que a técnica genética cria diz respeito á fecundação
extracorporal, que o Código se refere como embriões excendentários, no inciso
IV. Quando se busca a fecundação de embrião in vitro, a questão coloca-se no
número plural de embriões que são obtidos por essa técnica. Apesar de tratar-
se de uma técnica muito difundida e aplicada, traz ela o inconveniente de
produzir embriões excedentes. Como existe um limite de embriões que podem
ser transferidos para o útero, sempre restarão embriões excedentes que serão
mantidos congelados. Não se deve atribuir direitos aos embriões obtidos dessa
forma, antes de sua introdução no aparelho reprodutor da mulher receptora,
quando então sim teremos um nascituro, com direitos definidos em lei. Essa
questão importante também consta no projeto nº 90, o qual acrescenta que o
tempo máximo de preservação de gametas e embriões deverá ser definido em
regulamento. De outro lado, é também importante que se legisle sobre as
modalidades de descarte dos gametas e embriões.
Essa fecundação é possível por vários métodos, mediante a
manipulação dos gametas, espermatozóides e óvulos. A técnica atual permite
conservar por tempo considerável sêmem e óvulos para utilização posterior no
processo de fertilização. Nessa situação sêmem e óvulos podem ser doados ou
vendidos. Assim, o embrião de um casal pode ser transferido para o útero de
outra mulher, para possibilitar a gestação, impossível ou difícil na mãe
biológica. Esse fenômeno traz a baila a questão ética, moral e jurídica das
mães de aluguel ou mães sub-rogadas, conforme estas aceitem o encargo sob
56
pagamento ou sob motivos altruístas. Essa matéria traz à tona a discussão
sobre a declaração de maternidade ao lado da paternidade que a legislação
também não contempla, colocando mais uma vez na berlinda o principio mater
est. Importa saber, em cada caso, se houve consentimento da mulher que
cedeu o útero e se reconheceu a maternidade alheia. O Código presume que
os filhos concebidos pela modalidade homóloga, nessa forma, são concebidos
na constância do casamento (inciso IV).
É ainda possível que a mulher seja fecundada com sêmem de seu
marido, após sua morte. O atual Código Civil reporta-se a essa hipótese no
inciso III. O congelamento do sêmem abre essa possibilidade. No sistema de
1916, não vigoraria, nesse caso, a presunção de paternidade se o nascimento
se der após os 300 dias da morte do marido (art. 338, II), sem disposição legal
especifica, caberia ao filho ingressar com ação de investigação de paternidade,
afinal, esse filho, aplicando-se textualmente a lei, não poderia ser considerado
herdeiro do pai, porque não vivia nem fora quando da abertura da sucessão.
No sistema do atual Código, l o principio geral sucessório é idêntico. Deste
modo, os filhos concebidos, post mortem, sob qualquer técnica não serão
herdeiros. Abrindo-se uma exceção somente na sucessão testamentária.
O ordenamento e a ética médica devem repelir a possibilidade de
procriação artificial na mulher não casada ou não ligada á união estável. Essa
proibição aliás já consta no projeto de lei sobre reprodução assistida, em
tramite no Congresso.
Quanto ao denominado contrato de gestação, as chamadas barrigas de
aluguel, o movimento cientifico e legislativo internacional tem mostrado repulsa
a qualquer modalidade de pagamento para essa atividade, quando não ao
próprio fato. Há países todavia, que admitem a prática e até mesmo a
incentivam, como nos Estados Unidos. A fecundação em ventre alheio somente
deve ser admitida, em ultima ratio, por motivos de solidariedade e de afeto, da
mesma forma que a doação de esperma. Na ausência de norma, entre nós, um
contrato oneroso dessa espécie deve ser considerado nulo, porque imoral seu
objeto, e a obrigação decorrente dele pode ser considerada, quanto muito,
obrigação natural.
Quanto á maternidade, deve ser considerada mãe aquela que teve o
óvulo fecundado, não se admitindo outra solução, uma vez que o estado de
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família é irrenunciável e não admite transação. Nem sempre será essa, porém,
uma solução eticamente justa e moralmente aceita por todos. A discussão
permanece em aberto. São muitos os problemas que a mãe de aluguel
enfrenta, inclusive de natureza psicológica, daí o motivo para que o projeto
tipifique como crime essa conduta. Não bastassem os conflitos sociológicos e
psicológicos, os conflitos jurídicos serão inevitáveis na ausência de norma
expressa. Outra questão que deve nos preocupar é a clonagem humana, a
qual deve ser em principio vedada, autorizada unicamente em casos especiais
descritos em lei.
A futura legislação sobre biogenética e paternidade deverá ocupar-se,
portanto, de muitos novos aspectos, nem sequer imaginados num passado
próximo. Os aspectos preocupantes são, como se percebe, proeminentemente
éticos.
3.3 Do dever de alimentar
3.3.1 Pressupostos da obrigação de alimentar
Alimentos são prestações que objetivam atender às necessidades vitais
e sociais básicas (como por exemplo, gêneros alimentícios, vestuário,
habitação quem não pode provê-las integralmente por si, seja em decorrência
de doença ou de dedicação a atividades estudantis, ou de deficiência física ou
mental, ou idade avançada, ou trabalho não auto-sustentável ou mesmo de
miserabilidade em sentido estrito.
Com base nos princípios da solidariedade familiar e capacidade
financeira são devidos alimentos aos parentes, cônjuges, companheiros ou
pessoas integrantes de entidades familiares lastreadas em relações afetivas
(por exemplo, relações sócio-afetivas e homoafetivas) quando quem os
pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à
própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem
desfalque do necessário ao seu sustento, podendo o inadimplente ser
58
constrangido à prisão civil (nos termos do art. 5º, inciso LXVII, da CF/88) e
incorrer em ilícito penal (por exemplo, artigo 244 e ss. do CP).
O dever de sustento dos pais em relação aos filhos menores
(tecnicamente crianças e adolescentes), enquanto não atingirem a maioridade
civil ou por outra causa determinada pela legislação, decorre do poder familiar
(artigos 229, primeira parte da CF/88; artigo 22 da Lei n o. 8.069/90 – ECA,
artigos 1.630, 1.634 e 1.635, inciso III, do CC); e, por outro lado, alguns
parentes (artigos 1.694, 1.696/1.698 do CC), cônjuges (1.566, inciso III, 1.694,
1.708 do CC) companheiros (artigos 1.694, 1.708, 1.724 do CC) ou pessoas
integrantes de entidades familiares lastreadas em relações afetivas (por
exemplo, relações sócio-afetivas e homoafetivas) podem buscar alimentos com
base na obrigação alimentar, no direito à vida e nos princípios da solidariedade,
capacidade financeira, razoabilidade e dignidade da pessoa humana.
Diante do objetivo dos alimentos, ou seja, atender às necessidades vitais
e sociais básicas do alimentando, impossível restrição ou ampliação das
prestações sem a garantia do contraditório e da ampla defesa.
O poder familiar substituto do pátrio poder do revogado Código Civil de
1.916 é um sistema de direitos e deveres, limitado pelas normas jurídicas, que
permeia a relação entres os pais e seus filhos na qualidade de crianças ou
adolescentes, não emancipados ou não sujeitos a outra restrição familiar legal
ou judicial, propiciando legitimamente a forma como devem ser cumpridos os
ditames impostos pela legislação para formação da pessoa em
desenvolvimento com dignidade social e humana na entidade familiar e na
sociedade.
O poder familiar é exercido pelos pais, quanto à pessoa dos filhos,
competindo, enquanto não atingirem a maioridade civil ou por outra causa
determinada pela legislação, dirigir-lhes a criação e educação; mantê-los em
sua companhia e guarda; conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para
casarem; nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro
dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;
representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los,
após essa idade até a maioridade ou cessação da incapacidade, nos atos em
que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; reclamá-los de quem
ilegalmente os detenha; e, exigir que lhes prestem obediência, respeito e os
59
serviços próprios de sua idade e condição.
E, extingue-se, o poder familiar, pela morte dos pais ou do filho; pela
emancipação, nos termos do art. 5o, parágrafo único do CC; pela maioridade;
pela adoção; e, por decisão judicial, na forma do artigo 1.638 do CC (artigo
1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: I - castigar
imoderadamente o filho; II - deixar o filho em abandono; III - praticar atos
contrários à moral e aos bons costumes; IV - incidir, reiteradamente, nas faltas
previstas no artigo 1.637).
A modificação trazida pelo atual Código Civil quanto à maioridade civil
informado que a menoridade cessa aos dezoito anos completos não exclui, por
si só, a obrigação dos pais de prestarem alimentos aos filhos, devendo
prevalecer o princípio da solidariedade familiar e da dignidade da pessoa
humana.
Após a maioridade dos filhos e a cessação do poder familiar, nos termos
dos artigos 5º e 1.630 e ss. do CC, não cessa definitivamente a obrigação de
prestar alimentos.
Com a maioridade cessa somente o dever de sustento, porém é mantido
o parentesco, assim desaparece o dever, e, em regra, sem solução de
continuidade, é mantida à obrigação alimentar em decorrência da relação de
parentesco.
O dever de sustento dos filhos se extingue com a maioridade, quando
cessa o poder familiar, entretanto, a obrigação alimentar decorrente da relação
de parentesco pode continuar se comprovado o prolongamento da necessidade
do alimentando.
Os genitores têm o dever quase que absoluto de assistir, criar e educar
os filhos até a maioridade destes em decorrência do poder familiar (artigos 5º e
1.630 do CC).
Vale notar que, inexiste direito absoluto a alimentos, entretanto, a
obrigação de prestar alimentos somente deixará de ser exigida no caso de
inadimplemento involuntário e escusável de obrigação alimentícia.
Desde muito tempo, o Judiciário tendo como um dos fundamentos
históricos à aplicação do Regimento do Imposto de Renda (art. 82, § 3º do Dec.
58.400, de 10.05.1966 e Lei 1.474, de 26.11.1951) passou a garantir a
prestação alimentícia até que o filho completa-se 24 anos de idade, desde que
60
estivesse cursando estabelecimento de ensino, salvo na hipótese de possuir
rendimento próprio. Assim, desde muito tempo, não se aplica à maioridade, por
si só, como parâmetro automático para cessação da prestação alimentar.
Ensinam os 229 e 230 da CF/8 que os pais têm o dever de assistir, criar
e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e
amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade; e, a família, a sociedade
e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua
participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e
garantindo-lhes o direito à vida.
Complementado as determinações constitucionais e independentes de
fatores como a maioridade, sexo, ou de limite de idade o Código civil no seu
art. 1.694 prescreve que os parentes, os cônjuges ou companheiros podem
pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo
compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades
de sua educação, devendo ser fixados na proporção das necessidades do
reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.
Desde logo, que o art. 1.694 do CC, acompanhado os avanços da
jurisprudência, ensina que os parentes, os cônjuges ou companheiros podem
pedir uns aos outros alimentos para atender às necessidades ligadas à
educação.
E, ainda, os artigos. 1.696 e 1697 do CC correspondentes aos artigos
397 e 398 do CC/1916 prescrevem que o direito à prestação de alimentos é
recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a
obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros; e, na falta dos
ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de
sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais.
Ultimamente, por um vértice, o Judiciário é flexível quanto à inexistência
de limitação de idade ou sexo para prestação de alimentos fundada na relação
de parentesco; e, por outro, a maioria dos tribunais reconhece como sendo
rígida e taxativa a restrição quanto aos parentes que devem prestar alimentos.
A obrigação de prestar alimentos primeiramente nasce entre pais e filhos
independente de idade, sexo ou condição social. Assim, por exemplo, o filho
deve pedir alimentos ao pai e a mãe, e, se estes não tiverem condições, pode
postular perante todos os ascendentes, de forma exclusiva ou
61
proporcionalmente, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, ou seja,
avós paternos ou maternos, e na impossibilidade total ou parcial destes,
bisavós paternos ou maternos, caminhando sempre sucessivamente em linha
reta.
Porém, se todos os ascendentes não tiverem condições de prestar
satisfatoriamente a obrigação alimentar, caberá a obrigação aos descendentes
guardada a ordem da sucessão, ou seja, filho(s), depois neto(s), bisneto(s) e
assim por diante em linha reta.
Mas, persistindo a necessidade, na falta dos ascendentes e
descendentes, cabe, por fim, ressalva a responsabilidade do Estado
Democrático de Direito e a decorrente das relações afetivas (duradouras,
públicas e contínuas), a obrigação alimentar aos irmãos colaterais de segundo
grau (germanos – filhos do mesmo pai e mãe; ou, unilaterais – filhos de pais
diversos) de forma conjunta e proporcional. Assim, em regra, ficam excluídos
todos os demais parentes que ultrapassem a linha colateral em segundo grau,
como por exemplo, o tio em relação ao sobrinho ou os primos entre si.
Vale dizer, que, a pessoa obrigada a suprir alimentos poderá pensionar
o alimentando, ou dar-lhe hospedagem e sustento, sem prejuízo do dever de
prestar o necessário à sua educação, competindo ao juiz, se as circunstâncias
o exigirem, fixar a forma do cumprimento da prestação. E, no caso de cônjuges
separados judicialmente devem contribuir na proporção de seus recursos para
a manutenção dos filhos.
O direito a alimentos é irrenunciável, portanto, mesmo que o credor não
o exerça lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo
crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora e a obrigação de
prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art.
1.694 do CC.
O prazo prescricional é de dois anos para exercício das prestações
alimentares vencidas contado da data em que se vencerem (art. 206, § 2º, do
CC). A noção de entidade familiar passa por um novo momento histórico com
mudanças de paradigmas (afetividade e desbiologização).
As normas jurídicas devem ser abstratas, porém o aplicador do direito
deve observar o fato social para melhor adequar a norma aos fatos e valores
sociais.
62
Na elaboração do Código Civil de 1916 a entidade familiar era lastreada
na família centrada econômica, social e afetivamente na figura do pai ou de
outro homem da casa (na ausência do cônjuge varão) e priorizava o interesse
deste em detrimento dos demais integrantes da entidade; assim, nesta ótica, o
direito de família espelhava regras que colocavam em segundo plano, por
diversas vezes, os interesses dos demais integrantes (como, por exemplo, as
crianças).
Atualmente o direito de família é fundado nos anseios dos diversos
integrantes da entidade familiar passando a priorizar os interesses das
crianças, dos adolescentes e das relações afetivas.
A constituição de 1988 contribuiu para o início das mudanças de
paradigmas dentro da família e hoje não se pode interpretar e estudar a
normas jurídicas sem observar as diretrizes constitucionais e o fato social.
O conceito de entidade familiar é aberto e abrange além dos
relacionamentos decorrentes do casamento, as relações sócio-afetivas, as
uniões estáveis heterossexuais, os vínculos monoparentais, as relações
homossexuais ou homoeróticas atualmente conhecidas como relações
homoafetivas ou uniões estáveis entre pessoas de mesmo sexo.
Com base no princípio da solidariedade familiar e considerando a
amplitude de entidade familiar lastreada nas relações afetivas duradouras,
públicas e contínuas com objetivo concreto de constituição de família podem
ser pleiteados alimentos, por exemplo, entre madrasta e enteado, sobrinhos
criados por tios com se fossem filhos, ou entre pessoas do mesmo sexo em
união estável homoafetivas, assim, diante do ordenamento constitucional
vigente e dos princípios da razoabilidade e lógica do razoável é possível
flexibilizar os rigores dos artigos 1.696 e 1.697 do CC.
A era da desbiologização da paternidade está começando em nosso
direito e na jurisprudência, isso significa que nas relações jurídicas devem ser
considerados os laços afetivo e social e não apenas o estrito laço genético ou
biológico.
As relações sócio-afetivas constituem verdadeiras entidades familiares
não-sanguíneas, hoje tão importantes; e, já reconhecidas pelo Judiciário,
prevalecendo até mesmo sobre a verdade registral ou genética.
Assim, alimentos são prestações que objetivam atender às
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necessidades vitais e sociais básicas independente de sexo, idade ou condição
social, de quem não pode provê-las integralmente por si, seja em decorrência
de doença ou dedicação a atividades estudantis, ou de deficiência física ou
mental, ou idade avançada, ou trabalho não auto-sustentável ou mesmo
miserabilidade.
Os princípios da solidariedade familiar, capacidade financeira,
razoabilidade, não discriminação e proporcionalidade devem ser aplicados para
garantir a máxima efetividade da prestação alimentar e a abrangência do
conceito de entidade familiar.
O dever de sustento dos pais em relação aos filhos menores
(tecnicamente crianças e adolescentes) decorre do poder familiar (enquanto
não atingirem a maioridade civil ou por outra causa determinada pela
legislação); e, por outra ponta, parentes, cônjuges, companheiros e pessoas
integrantes de entidades familiares lastreadas em relações afetivas podem
buscar alimentos com base na obrigação alimentar e no direito de família,
ficando de lado as posições tradicionais que limitam rigidamente as pessoas
que prestam e recebem alimentos.
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CONCLUSÃO
Em uma sintetizada análise histórica sobre a família notamos as
evoluções benéficas ocorridas com essa que é a célula mater da sociedade,
abandonando seu caráter austero, baseado no patriarcalismo e no casamento
para, finalmente tornar-se uma família focando principalmente os laços
emocionais. Isso devido em muito ao avanço da sociedade, com a derrubada
de preconceitos e a valorização da dignidade humana.
Com o advento da Constituição Federal de 1988 a família obteve um
maior amparo, impondo regras como a igualdade de filiação e, assim, o
reconhecimento legal dos filhos havidos fora do matrimônio, além de
oportunizar aos mesmos o direito de conhecer o pai biológico.
Contudo, com as transformações na família brasileira evidenciaram-se
algumas limitações no que tange a paternidade consangüínea, haja vista que a
verdade biológica tem se mostrado insuficiente para garantir os deveres
paternais na esfera familiar. Sendo assim buscaram-se outros elementos para
definir a relação existente entre pai e filho.
A paternidade é um estado em que alguém se encontra na situação de
pai e, sendo assim possui deveres em relação ao seu filho, quais sejam morais,
educacionais, alimentares, entre outros. Porém, acima de tudo, deve existir o
dever emocional revelado através do afeto, que emana de um ato voluntário,
não podendo ser imposto jamais pelo ordenamento jurídico.
O descrito acima pode ser melhor visualizado quando nos defrontamos
com uma ação de investigação de paternidade, onde o pai é coagido pelas vias
judiciais ao reconhecimento da filiação, o qual torna-se relevante o seguinte
questionamento: Seria este o pai verdadeiro? Aquele que assume uma
paternidade porque assim a lei impõe? Onde a maioria, após a decisão judicial
adota o comportamento de simplesmente arcar com os deveres alimentares,
sem ao menos querer conhecer e criar laços com seu filho. Não, esse não é o
verdadeiro pai, pois como salientado no decorrer do presente trabalho, pai é
aquele que cria, que protege, dá amor e carinho para seu filho, ou seja, se
dedicando para com o mesmo sem pedir nada em troca, demonstrando o
requisito fundamental para ser pai: o amor.
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Consagrou-se, então a paternidade sócio afetiva, aquela em que o afeto
está em primeiro lugar, não importando a inexistência de um vínculo
consangüíneo, atentando-se para o comportamento do pai afetivo com o filho
biológico de outro. Dando ênfase, somente, a relação de amor paterno-filial,
sendo esta considerada mais importante que a paternidade biológica.
Atualmente a paternidade sócio afetiva é uma realidade e, apesar de
não possuir respaldo na nossa legislação, a doutrina e a jurisprudência tentam
integrá-la no sistema jurídico, onde já existem diversas decisões judiciais
reconhecendo a paternidade baseada nos laços de afetividade.
Uma outra forma de paternidade sócio afetiva é a adoção à brasileira,
entendendo-se que se não houvesse tamanha burocracia para efetivar uma
adoção as pessoas jamais adotariam o comportamento de registrar uma
criança, filho de outrem, em seu nome, como se este fosse seu filho biológico.
Claro que não é a maneira correta para se obter a paternidade, contudo, deve-
se levar em consideração, acima de tudo, o ato em si. Pois aquele que
transmite a uma criança todo o empenho necessário para ter a mesma junto de
si e a tratar como um filho, não merece ser julgado e sim ter a sua situação
regularizada legalmente, sendo o mesmo parabenizado por tal ato de amor.
Desta forma, conclui-se que a legislação pátria é limitada no que tange a
paternidade, devendo esta ser mais abrangente, reconhecendo e amparando a
paternidade sócio afetiva, pois entende-se que o Direito deve ser aplicado de
acordo com as evoluções e necessidades da sociedade e, nesse caso em
particular, da família.
A idéia é romper com o conceito de que pai é o doador de material
genético, e de que doador de material genético deve pagar alimentos e deixar
herança.
Pai é quem ama, e quem ama e é amado deve arcar com as
conseqüências desse seu amor, conseqüências que podem ser consideradas
pequenas e sem importância.
Se a paternidade registral corresponde à paternidade socioafetiva, a
resposta será positiva, e desta paternidade deverão decorrer todos os efeitos
legais.
Assim, trouxe a presente pesquisa os conceitos básicos de família, suas
transformações através do tempo, o respaldo legal e todos os pontos
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relevantes sobre a filiação, com ênfase na nos laços sócio afetivos.
Concluímos o presente trabalho com a certeza de que os conceitos de
pai e mãe vão muito além dos resultados genéticos ou das obrigações que a lei
lhes impõe, afinal amar e educar um filho é muito mais abrangente e sublime
do que meramente reconhecer sua existência; significa zelar por sua vida e
guardar por ela sempre.
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REFERÊNCIAS
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