Aspectos do Direito Ambiental e Urbanístico frente à Autonomia Municipal um debate sobre a visão...

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Aspectos de Direito Ambiental e Urbanístico frente à Autonomia Municipal: um debate sobre a visão do STF em relação aos Administrados 1 Aspectos do Direito Ambiental e Urbanístico frente à Autonomia Municipal: um debate sobre a visão do STF em relação aos Administrados Monografia de conclusão de curso da Escola de Formação Giovana Egle Alves de Oliveira DAntonio Escola de Formação – SBDP 2004

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Monografia de Giovana Egle Alves de Oliveira DAntonio

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    Aspectos do Direito Ambiental e Urbanstico frente Autonomia Municipal: um debate sobre a viso do STF em relao aos

    Administrados

    Monografia de concluso de curso da Escola de Formao

    Giovana Egle Alves de Oliveira DAntonio

    Escola de Formao SBDP 2004

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    Sumrio 1. Introduo 3 2. Metodologia 5 3. O Federalismo e suas bases 7 4. Competncias Constitucionais e o papel do Municpio 10 5. Meio Ambiente e os parmetros de sua proteo 13 6. A relao do urbansmo tutela ambiental no contexto municipal

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    7. Anlise de decises do STF 19 7.1. Recurso Extraordinrio n 121.140-7 Rio de Janeiro 19 7.2. Recurso Extraordinrio n 178.836-4 So Paulo 22 7.3. Recurso Extraordinrio n 204.187-4 Minas Gerais 24 Recurso Extraordinrio n 235.736-7 Minas Gerais 8. Concluso 27 9. Bibliografia 28

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    Introduo

    Definitivamente o Municpio saiu da sombra e passou a exercer o papel

    digno de sua posio no gerenciamento da Res Publica. Aos poucos ele foi

    assumindo um nmero crescente de atribuies, as quais tambm

    gradativamente tenta se adaptar; alcanando sucesso em certas decises, e

    tendo de lidar com o fracasso em muitas outras. nestes casos que o

    indivduo comum direciona sua ateno ao Poder Pblico a espera de respostas

    que correspondam a mesma altura aos seus anseios. Isto no poderia ser

    diferente: na cidade que se vive; na cidade que se encontra no Estado,

    dentro do Pas.

    Diversos so os problemas que se identificam e so comuns a maioria

    dos Municpios; geralmente associados alta concentrao populacional em

    lugares sem infra-estrutura, o que conduz ao desemprego, ao dficit

    habitacional e violncia, num ciclo confirmativo de pobreza. na prtica que

    se demonstra como a presso social afeta negativamente o Meio Ambiente,

    sendo necessrios mecanismos aptos a no s proteg-lo, mas tambm a

    renov-lo. Sob este aspecto, fundamental no apenas a imperatividade de

    uma legislao slida, mas tambm um planejamento tcnico de como se

    projetar a organizao do Municpio em seu desenvolvimento. O Urbanismo

    neste cenrio uma pea chave, ao definir como a atuao pblica se

    pautar, e qual o regime a se aplicar conduta particular de cada pessoa.

    Aps essas breves consideraes, cumpre dizer que este trabalho tem

    como objeto a anlise de conflitos levados ao Supremo Tribunal Federal, onde

    numa ponta se encontra o Municpio, pessoa poltica dotada de autonomia,

    competncias e deveres quanto a preservao ambiental e organizao

    urbana; e noutra, direitos individuais. Preliminarmente, discorri sobre o

    federalismo, o sistema de competncias que adotamos desde 1988 e a

    importncia do Meio Ambiente e do Urbanismo. Antecipo que neste estudo

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    procurei encontrar um equilbrio para as duas situaes, na tentativa de

    conjugar o que se entende por interesse pblico, que muitas vezes se

    apresenta abstratamente e inalcanvel ao senso comum, e a atividade dos

    administrados.

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    2. Metodologia

    Ao se iniciar o curso Escola de Formao de 2004, na Sociedade

    Brasileira de Direito Pblico, a todos os seus alunos foi proposta a realizao

    de uma monografia a respeito da Jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal,

    desde a promulgao da Constituio Federal de 1988. Dentro deste vasto

    campo de pesquisa escolhi discutir a autonomia do Municpio no nosso sistema

    federativo, por considerar um tema relevante, porm, pouco discutido.

    Influenciada tambm pelas aulas do curso Direito das Cidades, realizado no

    presente ano, cheguei ao ponto que aqui ser tratado: aspectos de Direito

    Ambiental e Urbanstico frente s competncias municipais.

    Alguns problemas surgiram durante a elaborao do trabalho. O tema

    no apresenta uma unidade, por se tratar de matrias ainda em

    desenvolvimento no meio jurdico brasileiro. Basta lembrar que o status

    atribudo ao Meio Ambiente no encontra precedentes em Constituies

    anteriores, e que a aprovao do Estatuto da Cidade de 2001. Alm disso,

    alguns acrdos que considerava importantes ao que desenvolvo aqui no

    estavam disponveis no site do STF, vindo eu ter conhecimento deles somente

    por meio de informativos ou ementas.

    Dentre os acrdos que selecionei1, encontram-se os Recursos

    Extraordinrios n 121.140-4, 178.836-4, 204.187-4 e 235.736-7. Dessa

    forma, adianto que por essas linhas no se busca fazer nenhuma afirmao

    sobre como o STF tem se orientado a respeito dos aspectos aqui debatidos.

    Penso que, para que isso fosse possvel, necessrio seria contemplar maior

    quantidade de decises. A pretenso que tenho considero mais simples: meu

    objetivo uma reflexo, um debate e especialmente a tentativa de conhecer

    1 O processo preliminar de escolha de julgados foi possvel graas ao site do Supremo Tribunal Federal, especificamente em pesquisa simultnea de Jurisprudncia, onde, a partir de determinadas expresses ligadas ao tema (tais como interesse local, competncia municipal, meio ambiente) era possvel saber, mesmo que superficialmente, o que era levado discusso em nosso Tribunal Constitucional.

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    melhor o tratamento que o maior Tribunal do Brasil atribui aos

    questionamentos que a ele chegam, relacionados aos Municpios e suas

    questes de direito ambiental e urbanstico, especialmente frente aos

    administrados.

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    3. O Federalismo e suas bases

    O Federalismo como foi conhecido inicialmente pressupe a

    descentralizao poltica, e compreende um governo central e diversos centros

    autnomos de poder, todos convivendo em um sistema poltico - jurdico

    harmnico, concebido pela repartio de competncias. Ao governo central

    reservada a Soberania da Nao, cabendo-lhe a promoo dos interesses

    nacionais atravs de uma esfera de competncias expressamente definidas

    pela Constituio e que abrange todo o territrio federal, garantindo unidade

    poltica e econmica. J os diversos centros perifricos de poder so

    caracterizados pelas competncias remanescentes, que apenas podem ser

    exercidas dentro dos limites de seus espaos fsicos. Cada unidade federativa

    tem seu prprio Poder Executivo, Legislativo e Judicirio.2

    O Poder Pblico encontra-se ento duplamente condicionado, uma vez

    que sua atuao frente aos administrados ocorre atravs da atividade central,

    representada pela Unio, e da atividade dos demais entes polticos,

    representados pelos Estados, sem que haja nenhuma relao de hierarquia

    entre as duas classes. Juridicamente, as pessoas polticas so iguais entre si,

    pois todas tem a mesma origem na Constituio, a qual outorga a cada uma

    delas um conjunto de competncias irredutvel e impenetrvel, exercidas com

    independncia total.3 Importante destacar neste ponto: 1. A necessidade de

    uma Constituio rgida a dar estabilidade e segurana ao Estado institudo; e

    2. a importncia da Corte Constitucional na consagrada Tripartio de Poderes,

    uma vez que a ela se reserva o controle de legalidade das atividades do Poder

    Executivo e Legislativo em todos os seus mbitos polticos, cabendo-lhe

    assim, constante observao quanto autonomia de cada unidade.

    2 Antnio Jos de Mattos Neto, Competncia Legislativa Municipal sobre Meio Ambiente, p. 233. 3 Carlos Ari Sundfeld, Fundamentos de Direito Pblico, p.185.

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    Este modelo clssico de Federalismo foi adaptado pelo Brasil4, e desde a

    promulgao da Constituio Federal de 1988 o Municpio foi elevado a

    condio de ente federado.5 O regime poltico anterior, na tentativa de melhor

    controlar o acesso da populao as decises estatais, somente previa eleies

    diretas municipais, excluindo-se deste campo as Capitais e os Municpios

    considerados de segurana nacional. Ainda por esta razo, aos Municpios

    eram destinadas inmeras tarefas, sem, no entanto, haver recursos

    correspondentes para que pudessem realizar de maneira adequada as

    prestaes as quais estavam obrigados. Pretendia-se com isso o

    enfraquecimento de qualquer fora poltica que pudesse surgir nas cidades,

    fazendo com que seus governantes seguissem as diretrizes propostas pelo

    Estado e especialmente pela Unio, a fim de receber a verba oramentria

    necessria a sua administrao. Desta forma, o Municpio no apresentava

    uma autonomia poltico administrativa de fato.6

    Atenta a este aspecto, a Constituio Federal atual assegurou a

    autonomia financeira do Municpio, que hoje dispe de uma receita tributria

    considervel.7 A competncia administrativa municipal em relao aos seus

    interesses peculiares, assim como sua competncia legislativa a esses mesmos

    aspectos, tambm era aceita no passado. A inovao que o Municpio

    adquiriu autonomia poltica mediante sua prpria Lei Orgnica8, o que antes

    no era possvel, uma vez que a carta poltica municipal era da competncia do

    Estado no qual o mesmo se encontrava.9

    4 Esse fato, at a Constituio Federal de 1988 gerou polmicas quanto a possibilidade do Municpio ser parte integrante da Federao, sendo o Professor Jos Afonso da Silva um dos juristas contrrios a esse entendimento. 5 Artigo 18 A organizao poltico administrativa da Repblica Federativa do Brasil compreende a Unio, os Estados, o Distrito Federal e os Municpios, todos autnomos entre si, nos termos desta Constituio. 6 Dalmo Abreu Dallari, Autonomia Municipal na Constituio Federal de 1988, p. 231. 7 Artigo 156 Compete aos Municpios instituir imposto sobre... Artigo 158 Pertencem aos Municpios... 8 Artigo 29 O Municpio reger-se- por lei orgnica , votada em dois turnos, com o interstcio mnimo de dez dias, e aprovada por dois teros dos membros da Cmara Municipal, que a promulgar, atendidos os princpios estabelecidos nesta Constituio, na Constituio do respectivo Estado e os seguintes preceitos: 9 Adlson Abreu Dallari, Autonomia Municipal na Constituio Federal de 1988, p. 232 233.

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    Devo acrescentar que isso ainda no o suficiente para estar

    configurado o Estado Federal. Este pressupe afinidade institucional entre

    Unio, Estados e Municpios para a consecuo de seus interesses comuns,

    alm de mecanismos para evitar-se prejuzos decorrentes da associao, como

    o caso das excees previstas nos artigos 34 e 3510 da Constituio Federal.

    Deseja-se o desenvolvimento de todas as pessoas polticas, e a repartio de

    competncias facilita a realizao das aes estatais e lhes torna mais rpidas

    e eficientes. A morosidade e os equvocos do plano central e regional ao

    atendimento dos chamados da sociedade so em muito diminudos pela prtica

    municipal, que no entanto, ainda encontra barreira nos recursos escassos que

    contam a maioria das Prefeituras do pas.

    A Democracia na qual se sustenta nossa Repblica tambm ganha

    vigor, ao permitir maior acesso da populao as decises que a afetam

    diretamente, em razo da maior proximidade do Poder Pblico aos

    administrados. O Poder se torna mais legtimo na medida em que os interesses

    dos indivduos tm origem similar e so conhecidos mais de perto; e na

    medida em que sua fiscalizao se torna mais presente. Que isto, no entanto,

    na gere iluso: muito de nossa poltica no acessvel a populao.

    10 Artigo 34 A Unio no intervir nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: ...... Artigo 35 O Estado no intervir em seus Municpios, nem a Unio nos Municpios localizados em Territrio nacional, exceto quando: .......

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    4. Competncias Constitucionais e o papel do Municpio

    A repartio de competncias constitucionalmente , como j expressei,

    essencial ao Estado Federal na sua descentralizao de poder. ela que torna

    possveis e eficientes as atuaes da Unio, dos Estados e dos Municpios no

    mesmo territrio e sobre o mesmo povo. No Brasil, de um modo generalizado,

    pode-se dizer que elas so enumeradas para a Unio, indicativas para os

    Municpios, enquanto que aos Estados elas so remanescentes.11

    No se pode considerar a possibilidade de atividade estatal que no

    esteja condicionada por lei. Por isso, as competncias constitucionais, num

    primeiro momento, devem ser divididas entre a legislativa e a material. Na

    legislativa, esto as competncias exclusiva, privativa, concorrente e

    suplementar. J na competncia material, encontram-se a exclusiva e a

    comum.

    Necessrio quanto as competncias legislativas saber que : 1. a

    exclusiva refere-se s produes normativas indelegveis pela Unio, como por

    exemplo, as enumeradas no artigo 22, I da Constituio Federal12 ; 2. a

    privativa a que pode ser delegada pela Unio, nas hipteses estabelecidas no

    artigo 22, nico13 mediante lei complementar; 3. a concorrente, contida no

    artigo 2414, diz respeito as situaes em que podem atuar sobre a mesma a

    11 Artigo 25, 1 So reservadas aos Estados as competncias que no lhes sejam vedadas por esta Constituio 12 Artigo 22 Compete privativamente a Unio legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrrio, martimo, aeronutico, espacial e do trabalho; 13 nico. Lei complementar poder autorizar os Estados a legislar sobre questes especficas das matrias relacionadas neste artigo. 14 Artigo 24 Compete Unio, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: VI florestas, caa, pesca, fauna, conservao da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteo do meio ambiente e controle da poluio VII proteo ao patrimnio histrico, cultural, artstico, turstico e paisagstico; VIII responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artstico, histrico, turstico e paisagstico; 1 No mbito da competncia concorrente, a competncia da Unio limitar-se- a estabelecer normas gerais.

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    matria a Unio e os Estados e o Distrito Federal, dentro dos limites da

    Constituio, que prev para a Unio a realizao de normas gerais; e 4. a

    suplementar corresponde s competncias para detalhar norma geral ou

    mesmo suprir a falta ou omisso de regra geral ou princpio, definida no artigo

    24, 2.15 O Direito, dentro de seu dinamismo e na busca por um Federalismo

    de cooperao, tem feito com que essas classificaes estticas dem lugar a

    um movimento de transformao do que antes era competncia legislativa

    exclusiva em concorrente. Destaco que ultrapassado o ideal de atuao

    legislativa isolada da Unio, dos Estados e Distrito Federal e dos Municpios. A

    coordenao entre as trs pessoas polticas o que permite que haja coerncia

    entre os imperativos que cada uma produz.

    A competncia material, por sua vez se classifica como : 1. exclusiva,

    presente no artigo 21, que tambm indelegvel e realizvel pela Unio; e 2.

    Comum, que diz respeito a responsabilidade que todas as pessoas polticas

    tm em atuar sobre as matrias enumeradas no artigo 23.16 Ao contrrio do

    que a primeira vista poderia parecer, a competncia material exclusiva no

    equivale legislao exclusiva de seu ente.17

    Para este trabalho interessa, dentro desse contexto, delimitar a

    competncia municipal, que definida por duas expresses : interesse local

    e no que couber.18 A partir da verificao das competncias de todas as

    pessoas polticas possvel se concluir que: 1. so privativas dos Municpios as

    15 2A competncia da Unio para legislar sobre normas gerais no exclui a competncia suplementar dos Estados. 16 Artigo 23 competncia comum da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios: III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histrico, artstico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notveis e os stios arqueolgicos; IV - impedir a evaso, a destruio e a descaracterizao de obras de arte e de outros bens de valor histrico, artstico e cultural; VI - proteger o meio ambiente e combater a poluio em qualquer de suas formas; VIII - preservar as florestas, a fauna e a flora; 17 A esse respeito, o autor Paulo Affonso Leme Machado exemplifica com o artigo 20 da Constituio Federal, que elenca bens da Unio, nos quais, no entanto, incide legislao estadual e municipal. 18 Artigo 30 Compete aos Municpios: I - legislar sobre assuntos de interesse local II suplementar a legislao federal e estadual no que couber

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    competncias relativas ao interesse local, no podendo haver delegao a

    qualquer outra pessoa nem seu condicionamento alm do previsto na Carta

    Federal, seja pela Unio ou pelo Estado; 2. tambm possvel, apesar da

    Constituio explicitamente assim no definir, que os Municpios supram

    omisses de lei federal ou estadual que impeam ou dificultem sua atuao.

    Assuntos de interesse local, para uma melhor explicao, so aqueles que

    afetam o Municpio diretamente e de maneira a ele particularizada; so

    assuntos que apesar de ter maior amplitude no mbito municipal afetam

    indiretamente ao Estado e Unio, motivo pelo qual no lhes so exclusivos,

    mas predominantes. O interesse local no precisa estar presente em toda a

    extenso do Municpio, podendo afetar somente parte dele; e no impossvel

    que haja conflito dentro do seu territrio, porque o interesse local, como

    qualquer outro, no sempre pacfico.

    No se pode esquecer que as competncias no se encontram

    totalmente concentradas nos artigos citados; o problema encontra-se

    justamente na necessidade de uma interpretao integrativa da Constituio

    Federal, que em diversos artigos cuida das obrigaes destinadas a Unio, aos

    Estados e aos Municpios, e que muitas vezes se confundem. Nesse sentido, o

    ideal procurar, atravs da interpretao constitucional, uma atuao que

    compatibilize a legislao e a equivalente administrao das trs esferas

    polticas, tendo por finalidade o atendimento s prerrogativas dos

    administrados. A dificuldade surge na definio de limites claros, o que

    somente acontece em casos concretos, e ainda assim com algum grau de

    incerteza. Quando a um poder se sobrepe outro, quando a ampliao de

    determinada competncia de um ente federado no amparada juridicamente

    e interfere na atividade legtima de outro, torna-se necessrio a anlise da

    questo pelo Poder Judicirio.

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    5. Meio Ambiente e os parmetros de sua proteo

    A preocupao com a questo ambiental teve sua primeira

    demonstrao jurdica nos Estados Unidos, que na dcada de 70 do sculo

    passado editou uma lei sistemtica sobre a matria, sendo nisso seguido pelos

    pases da Comunidade Econmica Europia. Esses pases estavam at ento

    em situao de crescente expanso tecnolgica e populacional, reflexo de uma

    economia cada vez mais complexa. De um outro lado, encontravam-se os

    pases em desenvolvimento, que dependiam de estratgias que os tornassem

    competitivos no mercado internacional.19

    Desse modo, foi a necessidade de proteger-se o que o desenvolvido

    parque industrial dos pases do Norte no conseguiu atingir do meio ambiente,

    sobretudo o natural; e no permitir que o mesmo acontecesse aos pases em

    processo de franca modernizao produtiva (onde o centro do problema situa-

    se em harmonizar fatores de ordem econmica e social), que deu origem a

    essa disciplina legal. Atualmente, a comunidade internacional, de maneira

    quase unnime, reconhece o carter fundamental de um desenvolvimento

    sustentvel, capaz de suprir s necessidades bsicas tendo em vista o futuro, e

    de garantir a preservao e renovao dos recursos naturais existentes.20

    O Brasil tambm seguiu essa tendncia e o nosso Direito respondeu s

    expectativas quanto ao meio ambiente atravs dos parmetros definidos pelo

    artigo 225 da Constituio Federal21, que contempla os denominados Direitos

    Difusos, na qual ele se encontra. Estes so interesses que requerem especial

    cuidado, uma vez que so indivisveis, e pertencem a um nmero

    indeterminado de indivduos. No so eles a reunio de direitos de vrias

    pessoas para que constituam outro, mas sim, um nico direito a todos

    19 Lus Roberto Barroso, Proteo do Meio Ambiente na Constituio Brasileira, p. 58 59. 20 Lus Roberto Barroso, Proteo do Meio Ambiente na Constituio Brasileira, p. 58 59. 21 Artigo 225 todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Pblico e coletividade o dever de defend-lo e preserv-lo para as presentes e futuras geraes.

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    destinado de forma igual e indisponvel por qualquer pessoa, fsica ou poltica.

    Ainda em outros artigos constitucionais o Meio Ambiente tutelado frente a

    outros interesse, servindo de limites a eles.22

    A ordem constitucional vigente valoriza o meio ambiente no como um

    fim sem si mesmo. Sua normatizao surgiu a medida que os efeitos nocivos

    de transformao dos espaos naturais se tornaram superiores aos seus

    resultados, comprometendo a sade fsica e mental do ser humano, e a

    possibilidade de renovao do desenvolvimento econmico e social. A

    dignidade humana pressupe qualidade de vida, um conceito multifacetrio.

    Ele se fundamenta na salubridade, no bem-estar psicolgico e nos meios

    materiais que aumentam as conquistas pessoais do indivduo. Tudo isso deve

    ser balanceado pelo Direito, visando proteo no s das pessoas que

    querem preservar reas verdes para seu deleite, ou de outras que expandem

    suas atividades produzindo mais resduos, mas sim dos interesses da

    coletividade. Se vivemos numa verdadeira Democracia, ela no pode admitir

    que da explorao de bens de uso comum do povo, como o Meio Ambiente,

    somente aproveite de seus benefcios determinadas pessoas, enquanto que

    seus prejuzos a todos so compartilhados. A conduta humana avana

    livremente at ser limitada coercitivamente, mas sempre que o Direito se

    contrape realidade ele tende a perder todo o seu significado. No pode uma

    norma que objetiva proteger o Meio Ambiente conflitar de forma irreparvel

    com o direito liberdade econmica, celebrado pela Constituio Federal, e

    ainda mais pelos administrados. Por isso, os meios legais tm de criar modos

    em que a esfera ambiental seja mantida sem que isso implique

    condicionamento completo da atividade econmica.

    Um dos pontos que produz maior discusso o fato da legislao

    ambiental no vincular de fato a conduta dos indivduos, uma vez que a

    preveno s ocorreria via sancionatria. Como se constata, o Direito no tem

    poder para modificar a realidade diretamente. E se numa determinada situao

    22 Artigo 170,IV

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    parecer mais sedutor descumprir o ditame legal, aceitar a sano e continuar

    lucrando com a atividade vedada? A essa pergunta, faz-se outra: cumpre a

    legislao ambiental papel meramente simblico? Arrisco dizer que, como

    qualquer outra norma, ela somente eficaz quando encontra espao dentro do

    mundo ftico. Se este no aceitar o que preceitua o Direito, qual seria ento a

    funo deste?

    Para dar prosseguimento monografia e cumprir sua misso, filio-me a

    idia de que a Constituio Federal no possui carter meramente

    programtico; dever poder de todos os mbitos polticos implementar o

    que ela determina. Sob esse ngulo, aplica-se matria ambiental as

    disposies acerca de competncia, onde a Unio coube a produo da Lei n

    6.938/81, que instituiu a Poltica Nacional do Meio Ambiente e tem carter

    direcionador para a conduta dos Estados e Municpios23; a Lei n 7.347/85,

    que define a Ao Civil Pblica e a Lei n. 9.605/98 sobre Crimes Ambientais.

    Aos Estados no h qualquer meno a competncia exclusiva sobre Meio

    Ambiente, mas pela leitura de determinados dispositivos legais federais

    possvel notar o carter supletivo da legislao estadual. Aos Municpios, como

    no poderia deixar de ser, tambm h o dever frente questes ambientais,

    em razo de seu interesse local e naquilo que lhe couber suplementar.

    Menciono aqui que a Lei Orgnica do Municpio de So Paulo, tem um captulo

    sobre poltica ambiental.24

    23 artigo 6 1 - Os Estados, na esfera de suas competncias e nas reas de sua jurisdio, elaboraro normas supletivas e complementares e padres relacionados com o meio ambiente, observados os que forem estabelecidos pelo CONAMA. 2 - Os Municpios, observadas as normas e os padres federais e estaduais, tambm podero elaborar as normas mencionadas no pargrafo anterior. 24 Artigo 180 O Municpio, em cooperao com o Estado e a Unio promover a preservao, conservao, defesa, recuperao e melhoria do meio ambiente.

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    6. A relao do Urbanismo tutela ambiental no contexto municipal

    O trabalho ficaria destitudo de qualquer sentido se associasse Meio

    Ambiente somente idia de natureza. Ao se refletir sobre este tema,

    geralmente se pensa em espaos ainda no transformados pela ao humana,

    o que quase impossvel. No h como fragmentar natureza, homem e

    cultura, trs conceitos que se complementam e que na prtica no se

    sustentam sozinhos. O Direito enxerga o Meio Ambiente como se o ser humano

    dele no fizesse parte, transformando-o em produto a ser consumido. Porm,

    da interao do indivduo com o meio natural, se concretiza sua cultura, que

    fica patente onde quer que exista sociedade. a partir desta premissa que o

    Urbanismo surge como instrumento de uma poltica ambientalista. Enfatizo

    tambm trecho do Recurso Extraordinrio n 121.140-7, que assim cita: o

    objeto da tutela jurdico urbansticas so, como visto, os bens culturais

    ambientais, mas estes se situam em algum lugar, que fica contaminado por

    sua presena, pelo que se transforma no meio ambiente cultural que, assim

    em conjunto, constituem (bens e meio) o que chamamos de patrimnio

    cultural ambiental, patrimnio cultural urbanstico ou tambm, patrimnio

    ambiental urbano. .25

    O Urbanismo por si s um conjunto de medidas estatais que tem por

    objetivo a organizao dos espaos habitveis. Tem ele assim a mesma

    finalidade que a proteo ambiental - dignidade da pessoa s que sob outro

    vis. Este direito fundamental pelo Urbanismo buscado atravs de uma

    legislao, aliada ao planejamento e execuo de obras que consubstanciam a

    harmonia e o equilbrio das funes urbanas consideradas essenciais:

    habitao, trabalho, circulao e recreao. Tem o urbanismo a tarefa de

    racionalizar, coordenar e controlar tudo aquilo que envolve a vida das cidades,

    sob a batuta do Estado. Intervm suas normas em mltiplos aspectos da

    urbe, seja na organizao espacial das atividades do Municpio, ou na diviso

    25 Jos Afonso da Silva, Direito Urbanstico Brasileiro, Revista dos Tribunais, 1981, p. 494.

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    17

    equilibrada da populao nestes mesmos espaos, para que sejam promovidas

    as suas potencialidades plenamente. o Estado que dita como ele ocorrer,

    tendo em vista os direitos individuais, principalmente o de propriedade. Fica

    agora registrado a sua relativizao, j que a propriedade atender a funo

    social dentro do desenvolvimento urbano. Ela no pode contrariar a evoluo

    do Municpio; h de prevalecer o interesse pblico sobre o privado, fazendo

    legtimo o poder de polcia do Estado, em qualquer de suas esferas polticas.

    Aqui vale a tambm clssica lio de que a vida em comum pressupe que seja

    cedida uma parcela da liberdade individual de cada um.

    As regras de planejamento urbano e uso do solo urbano, que

    acabaram redundando, principalmente nas dcadas de 60 e 70, nos chamados

    Planos Diretores Municipais, tiveram como objetivo estabelecer uma

    programao do solo urbano, considerando os servios pblicos que deveriam

    ser prestados em decorrncia desse uso. A localizao, a proibio de

    utilizao de prdios de propriedade horizontal em determinadas reas da

    cidade, vinculam-se, basicamente, ao servio de infra-estrutura de gua e

    esgoto. Uma vez estabelecida a rede de esgoto, numa determinada rea da

    cidade, essa previamente planejada, tendo em vista determinado nmero de

    pessoas. A medida que as cidades brasileiras careceram desse tipo

    planejamento, tivemos um afluxo de demando no servio da infra-estrutura

    municipal urbana que acabou implodindo a possibilidade da prestao desse

    servio. Essa a razo bsica do planejamento urbano. Temos que ter

    presente que todas as decises municipais sobre planejamento urbanos e uso

    do solo urbanos tm a ver, numa ligao finalstica, com os servios urbanos

    da competncia do Municpio.26

    A unificao das normas gerais de urbanismo encontram-se, desde

    2001, no chamado Estatuto da Cidade, que veio regular, como exigia o artigo

    26 Trecho do voto do Ministro Nelson Jobim no Recurso Extraordinrio n 193.749-1.

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    18

    24, I, 1, o artigo 182 da Constituio Federal27. Refora-se a competncia

    do Municpio em relao ao urbanismo quando se analisa conjuntamente o

    artigo 30,VIII.28 O Estatuto da Cidade imps princpios e diretrizes tcnicas

    bsicas para a atuao dos Estados e principalmente dos Municpios na poltica

    urbana. Destaco aqui a obrigatoriedade de fato da instituio do Plano Diretor

    para as cidades com populao superior a vinte mil habitantes, que o Estatuto

    da Cidade imps. Verifica-se a partir dele a preocupao com o uso da

    propriedade urbana condicionado a segurana e ao bem-estar coletivo, e

    protegendo o equilbrio ambiental.

    27 Artigo 182. A poltica de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Pblico municipal, conforme diretrizes gerias fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funes sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. 28 Artigo 30, VIII promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupao do solo urbano;

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    19

    7. Anlise de decises do STF

    Necessrio fazer algumas observaes antes da anlise dos acrdos: foi

    dada nfase s questes materiais levadas a discusso. Neste texto no

    incidem questes procedimentais, nem ateno ao fato da deciso ser

    proferida por este ou aquele Ministro. Interessa proposta do trabalho uma

    viso geral dos julgados escolhidos, e no de determinada Ministro em relao

    a outro.

    7.1. Recurso Extraordinrio n 121.140-7 Rio de Janeiro

    Este um Recurso Extraordinrio onde fica muito claro os interesses

    contrapostos do Municpio e do Administrado, sendo que a fonte do conflito foi

    estabelecida com o advento do Decreto Municipal n 7.046 de 1987, que

    elevou prdio urbano a condio de patrimnio cultural. Interessante ressaltar

    que a ao que deu origem a este recurso foi interposta antes da promulgao

    da Constituio Federal de 1988, e julgada tendo em vista a Emenda n 01 de

    1969. Isto aconteceu em perodo em que se reforava nos meios jurdicos

    brasileiros a corrente municipialista. Pode-se notar que mesmo em

    consonncia com a Carta Constitucional anterior, tal deciso corresponde s

    expectativas que hoje esto concretizadas quanto s competncias municipais

    em relao a preservao ambiental e histrica.

    Assim, precisa-se dizer que o R.E. foi interposto pela Prefeitura do Rio

    de Janeiro contra Mandado de Segurana concedido pelo Tribunal de Justia do

    Rio de Janeiro em favor de Daniel Klabin. De forma bastante simplificada,

    decidiu-se pela ilegalidade do Decreto, uma vez que o mesmo resultava em

    impor ao proprietrio de imvel urbano de fins residenciais limitaes que no

    as gerais, em razo de proteo ambiental sem fundamentao legal. O

  • Aspectos de Direito Ambiental e Urbanstico frente Autonomia Municipal: um debate sobre a viso do STF em relao aos Administrados

    20

    Administrado ainda sustentou o reconhecimento da competncia municipal

    para legislar sobre proteo ambiental, o que no chegou a ser debatido pelo

    Tribunal.29

    Por sua vez, a Municipalidade alegou que o Decreto foi expedido sob o

    prisma altrustico de ver preservados conjuntos arquitetnicos de inegvel

    valor histrico, com nfase para os reflexos pertinentes proteo ambiental

    do bairro do Cosme Velho e parte do de Laranjeiras, e que estaria dentro de

    suas prerrogativas a expedio de normas de planejamento urbanstico que

    objetiva o resguardo de valores estticos e paisagsticos, bens comunitrios

    que devem ser fiscalizados para que sejam preservados. A concesso do

    Mandado de Segurana, por sua vez, teria lesado a competncia municipal

    para legislar sobre proteo ambiental, alm de patrimnios de valor histrico

    e cultural, que na ordem constitucional atual estaria estabelecida no artigo 30,

    incisos I e IX.

    Dessa forma, encontra-se de um lado o direito de propriedade do

    Administrado em dispor de seu patrimnio da maneira que desejar e o dever

    do Poder Pblico, representado pelo Executivo municipal, em exercer poder de

    polcia na tutela de bens ambientais e culturais, ambos com fundamentao

    constitucional apresentada pelos Ministros do STF, mas com prevalncia desta

    ltima corrente.

    Restou claro o entendimento do Tribunal em aceitar que tem o Municpio

    o poder de imperativamente impor aos particulares restries ao direito de

    propriedade, j que este no um direito de carter absoluto. O poder de

    impor restries aos indivduos justamente um dos elementos que

    identificam o Estado, em qualquer de suas esferas polticas. Isto no poderia

    ser diferente em relao s questes ambientais e urbansticas, que pressupe

    tutela do Poder Pblico na esfera municipal, tendo em vista o interesse local.

    29 Destaco o fato de que a proteo ambiental defendida pelo decreto inclui bens que no naturais, como edificaes. Isso permite compreender-se que o ambiente aqui considerado como a interao entre o ser humano e o espao habitado, no somente o natural.

  • Aspectos de Direito Ambiental e Urbanstico frente Autonomia Municipal: um debate sobre a viso do STF em relao aos Administrados

    21

    Tenho que enfatizar que se a Constituio Federal no artigo 5, XXII

    reconhece como fundamental o direito de propriedade, em seu inciso posterior

    a condiciona funo social. A questo ento seria delimitar os limites de tal

    expresso dentro do Estado Democrtico em que vivemos, mas isso no

    significa que a determinao de seu contedo encontra-se a disposio dos

    particulares ou do Estado, variando segundo critrios sob os quais no incide

    qualquer tipo de controle, sob pena de ser vulnerada a segurana jurdica.

    A Constituio Federal a qual estamos condicionados tambm consagra

    como fundamentais o meio ambiente e o patrimnio cultural, histrico,

    artstico, paisagstico, e no caso em questo, so estes os limites do direito do

    Administrado. No se pode admitir que em relao a um bem que no

    pertence exclusivamente a um indivduo possa ele decidir seu destino. Se a

    pose pertence ao Administrado, e isso no negado, o valor que caracteriza o

    bem pertence a coletividade, e a sua modificao estrutural faria a

    Constituio cair em descrdito, ao no ser cumprido o que prescreve: de que

    adiantaria proclamar o dever do Estado quanto ao patrimnio ambiental e

    cultural se no mundo extra jurdico isso no se realiza?

    Cabe analisar se a restrio ao direito de propriedade poderia se realizar

    por ato do Poder Executivo, ou se essencial que seja feita por lei. Necessrio

    se torna colocar na balana as conseqncias das duas medidas, alm de

    coloc-las frente a fundamentao que tenha mesma origem: a Constituio

    Federal. Tradicionalmente, restries de direito somente so possveis pela via

    legislativa; com isto, busca-se reduzir abusos cometidos pelos

    administradores. No entanto, quando o ato encontra-se vinculado a

    determinao constitucional sob a qual no resta, por juzos de

    proporcionalidade, qualquer dvida quanto a medida tomada, no h de se

    falar em ilegalidade. O princpio constitucional que norteia a tutela ao meio

    ambiente e ao patrimnio histrico por si s motivo suficiente para legitimar

    a ao do Poder Executivo. Esperar que deciso de tal vulto passe pelo lento

  • Aspectos de Direito Ambiental e Urbanstico frente Autonomia Municipal: um debate sobre a viso do STF em relao aos Administrados

    22

    processo legislativo que caracterstico da funo colocar em risco algo

    impossvel de ser reparado. De outro lado, se a restrio imposta ao

    Administrado for injusta, cabe-lhe a via de indenizao.

    O Decreto, tem assim, o escopo de preservar o que a natureza realizou

    ou aquilo que obra do homem e diz respeito a identidade nacional, como

    expresso de sua personalidade que transcendeu o tempo. O capital a

    disposio da iniciativa privada pode colocar em risco bens que tm valor

    etreo e econmico para a sociedade. No podemos negar o que representa

    para uma cidade como o Rio de Janeiro, e tantas outras, suas belezas naturais

    e artificiais. No por acaso, o Rio tema de diversas canes e recebe

    milhares de turistas anualmente; o que faz de seu patrimnio um meio de

    vida. O particular, se quer exercer de forma plena o direito de propriedade,

    tem ele a opo de o fazer em outro lugar. Caso tpico da supremacia do

    interesse pblico sobre o privado, extremamente discutido no Direito

    Administrativo.

    7.2. Recurso Extraordinrio n 178.836-4 So Paulo

    Neste Recurso Extraordinrio questionada a Lei n 5.685/1990 do

    Municpio de Ribeiro Preto que determina com sua vigncia corredor

    comercial onde antes era rea residencial.

    O Mandado de Segurana que pressuposto deste Recurso foi denegado

    pelo Tribunal de Justia de So Paulo. Por meio dele, o Administrado Antnio

    Novaes e outros alegaram que tal lei restringia-lhes o direito de construir,

    resultando em ofensa ao direito de propriedade, ao direito adquirido,

    isonomia e ao artigo n 182, 1 e 2.

  • Aspectos de Direito Ambiental e Urbanstico frente Autonomia Municipal: um debate sobre a viso do STF em relao aos Administrados

    23

    Os recorrentes fundamentam da seguinte forma: eles compraram o

    terreno com o intuito de construir prdio residencial, pediram licena para tal

    empreendimento, preenchendo todos os seus requisitos, e antes que ela fosse

    concedida, a Lei n 5.685/1990 transformou a rua onde se encontraria o

    imvel em local que no o comporta. Porm, os fatos de terem realizado o

    pedido de licena, existir imveis de igual utilidade na regio e no haver Plano

    Diretor no Municpio, constituiria seu direito adquirido.

    O STF novamente reconhece no caso a autonomia do Municpio para

    dispor sobre seu espao urbano ao realizar sua poltica de zoneamento.

    Tambm se discute o carter relativo do direito de propriedade, condicionado

    sua funo social. Para a anlise em questo, irrelevante o pedido de licena,

    que somente projeta uma pretenso, e no direito. Alm disso, os Ministros

    concordaram no sentido de que se outros particulares tinham imveis

    residenciais na referida regio, deveria verificar-se sua temporalidade: se

    anterior a Lei, constituiria direito adquirido de seus proprietrios; se posterior,

    seria violao legal que resultaria em sano administrativa, e no em direito a

    tratamento igualitrio aos Administrados recorrentes.

    Outra questo que se levantou diz respeito a necessidade de haver Plano

    Diretor a definir diretrizes gerais de edificao e restrio ao uso da

    propriedade. Condicionar a concretizao da funo social da propriedade, em

    relao as exigncias de ordenao da cidade expressas no Plano Diretor faria

    com que o argumento utilizado pelos Administrados fosse baseado em

    flagrante ilegalidade, uma vez que a Constituio determina sua

    obrigatoriedade aos Municpios com populao superior a vinte mil pessoas.

    No pode lei alguma contrariar ou flexibilizar disposies constitucionais, e

    menos ainda a ausncia da mesma. Mesmo no existindo Plano Diretor no

    Municpio de Ribeiro Preto, existe para todo o territrio nacional a

    obrigatoriedade de observncia a funo social da propriedade. Se o contedo

    de tal preceito vago por lhe faltar lei definidora, no competncia do

    Judicirio defini-lo, mas somente quantific-lo, tendo em vista o princpio da

  • Aspectos de Direito Ambiental e Urbanstico frente Autonomia Municipal: um debate sobre a viso do STF em relao aos Administrados

    24

    proporcionalidade. Alm disso, o interesse local j legitima o poder do

    legislativo municipal para a Lei questionada, no sendo necessrio Plano

    Diretor, que ao final seria um desdobramento funcional dessa competncia

    exclusiva.

    Apesar de todas essas assertivas conduzirem concluso de que

    realmente os recorrentes tem seu direito de construir relativizado, h um

    argumento a eles favorvel e que a meu ver plausvel. Nos dizeres do

    Ministro Marco Aurlio o planejamento urbano simplesmente indicativo para

    a iniciativa privada, em razo do artigo 174 da Constituio Federal30. De fato,

    no se pode impor aos particulares restries quanto ao usufruto da cidade

    sem quem haja razo para isso. Se na regio encontram-se outros prdios

    residenciais, poderia ser concedida a licena para constituir imvel tambm

    residencial, correndo por conta e risco dos administrados as conseqncias

    com as quais tero de conviver, uma vez que o planejamento visa justamente

    implementar o ordenamento das atividades no Municpio tendo em vista a

    qualidade de vida dos administrados. Em quase nada, imagino, atrapalharia os

    indivduos uma residncia em rua que somente consta comrcio, mas o

    reverso pode no ser verdadeiro. No entanto, o Poder Pblico no pode gerir a

    vida particular das pessoas, se a atuao delas nenhum prejuzo traz aos seus

    semelhantes.

    7.3. Recurso Extraordinrio n 204.187-4 Minas Gerais

    Recurso Extraordinrio n 235.736-7 Minas Gerais

    Estes dois Recursos Extraordinrios tm em comum trs aspectos:

    recorrido, o Municpio de Belo Horizonte; recorrentes, postos de revenda de

    combustvel; e motivados por Lei que disciplinam o ordenamento do espao

    urbano ao regulamentar distncia mnima entre estabelecimentos.

    30 Artigo 174 Como agente normativo e regulador da atividade econmica, o Estado exercer, na forma da lei, as funes de fiscalizao, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor pblico e indicativo para o setor privado.

  • Aspectos de Direito Ambiental e Urbanstico frente Autonomia Municipal: um debate sobre a viso do STF em relao aos Administrados

    25

    Comearei pelo Recurso mais antigo (235.736-7), que data de 2000 e

    versa acerca da Lei n 6.978/1995, que determina distncia mnima de 200

    metros entre postos de gasolina e outros estabelecimentos, tais quais escolas,

    igrejas e supermercados.

    O pedido interposto no Tribunal de Justia de Minas Gerais foi denegado,

    e assim no foi concedido o direito de construo do posto de combustvel ao

    Administrado. A CIA Brasileira de Petrleo Ipiranga, recorrente neste Recurso,

    alegou ter existido violao ao direito de livre exerccio profissional e

    econmico, e ao direito adquirido; alm de serem vulnerados a livre

    concorrncia , a defesa do consumidor, a esfera particular de deciso dos

    administrados e o desenvolvimento das funes sociais da cidade.

    Cumpre dizer o que se questiona. O Administrado antes da promulgao

    da lei havia requerido alvar de funcionamento, que acabou sendo negado em

    razo da localizao do imvel, que ficaria, a menos de 200 metros, entre uma

    igreja e um supermercado.

    No segundo Recurso (204.187-4) o problema envolve a Lei

    n2.390/1974, modificada pela Lei j citada. O Tribunal de Justia de Minas

    Gerais denegou Mandado de Segurana da empresa Central Pneus Ltda, que

    tambm alegara ofensa ao direito de livre concorrncia e liberdade profissional.

    Aqui, a distncia estabelecida pela Lei de 800 metros entre estabelecimentos

    de revenda de combustveis.

    O STF decidiu pelo no provimento dos dois Recursos. No primeiro no

    h de se falar em direito adquirido apenas pelo pedido de alvar de

    funcionamento anterior a lei que determina limitao espacial. E para os dois

    casos cabvel o entendimento de que o zoneamento realizado pelo Municpio

    de Belo Horizonte legtimo, porque est dentro de sua competncia o

  • Aspectos de Direito Ambiental e Urbanstico frente Autonomia Municipal: um debate sobre a viso do STF em relao aos Administrados

    26

    ordenamento de atividades no solo urbano. Nas hipteses apresentadas, isso

    devido em razo da alta periculosidade representada pela atividade de posto

    de gasolina, seja em relao ao meio ambiente, seja em relao aos

    indivduos.

    Claro tambm fica que o Municpio no interfere na economia como

    sustentam ambos os recorrentes, limitando o direito de livre concorrncia e

    liberdade profissional. Seria assim se a condio imposta realizao da

    atividade no fosse respaldada por qualquer juzo de razoabilidade. Nos casos

    apresentados, ele claro: segurana em virtude de atividade de risco. Alm do

    mais, no houve proibio de que postos se instalassem em outras partes do

    Municpio, desde que obedecidas as distncias mnimas; e na ordem econmica

    da Constituio Federal, a demanda que determina o mercado, atuando o

    Estado na economia apenas subsidiariamente.

    Por fim, e esta uma observao particular, parece que quando se alega

    direito adquirido e em seguida se relaciona outros artigos constitucionais,

    seriam estes muletas daquele, reforando-o quando j parece ntida a

    inexistncia do direito do Administrado, havendo mera pretenso que no

    vincula o Estado.

  • Aspectos de Direito Ambiental e Urbanstico frente Autonomia Municipal: um debate sobre a viso do STF em relao aos Administrados

    27

    8. Concluso

    Da anlise dos acrdos selecionados possvel se perceber que se a

    autonomia do Municpio em relao ao Meio Ambiente e Urbanismo antes da

    promulgao da Constituio Federal de 1988 era simblica, hoje ela se realiza

    em vivas cores. O Meio Ambiente e o Urbanismo tambm so valorizados, e o

    Poder Pblico ao menos se esfora para criar mecanismos para sua proteo.

    O Municpio tem realmente concretizado a Constituio quanto as suas

    competncias, mas isso no significa que sejam poucos os conflitos,

    especialmente frente aos administrados, e isto no poderia ser diferente:

    dificilmente a supremacia do interesse pblico no inclina em razo de

    direitos individuais dos particulares quando o caso se relaciona pessoalmente

    com o indivduo, especialmente em relao ao direito de propriedade e

    liberdade econmica. Da mesma forma que o planejamento urbano e a

    preservao ambiental tm em vista o princpio da dignidade da pessoa,

    tambm o tem a propriedade na projeo de parte da personalidade do

    homem, e a felicidade no tem um s elemento, sendo necessrio balance-los

    constantemente nos casos concretos que chegam os STF.

    Finalmente, encerro estas reflexes dizendo que se o Municpio ainda

    no tem a mesma fora poltica da Unio e do Estado, aos poucos ele vai

    trilhando seu caminho rumo a um aperfeioamento da sua atuao.

  • Aspectos de Direito Ambiental e Urbanstico frente Autonomia Municipal: um debate sobre a viso do STF em relao aos Administrados

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    9. Bibliografia

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