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UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM LINGUÍSTICA ASPECTOS DIALÓGICOS NA CONSTITUIÇÃO DE SENTIDO EM ARTIGOS DE OPINIÃO DE LYA LUFT E RUTH AQUINO TAÍS LÍRIO DA CRUZ Orientadora: Profa. Dra. Sonia Sueli Berti Santos Dissertação apresentada ao Mestrado em Linguística, da Universidade Cruzeiro do Sul, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Linguística. SÃO PAULO 2013

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UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

MESTRADO EM LINGUÍSTICA

ASPECTOS DIALÓGICOS NA CONSTITUIÇÃO DE SENTIDO

EM ARTIGOS DE OPINIÃO DE LYA LUFT E RUTH AQUINO

TAÍS LÍRIO DA CRUZ

Orientadora: Profa. Dra. Sonia Sueli Berti Santos

Dissertação apresentada ao Mestrado em Linguística, da Universidade Cruzeiro do Sul, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Linguística.

SÃO PAULO

2013

AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL DA

UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL

C965a

Cruz, Taís Lírio da. Aspectos dialógicos na constituição de sentido em artigos de

opinião de Lya Luft e Ruth Aquino / Taís Lírio da Cruz. -- São Paulo; SP: [s.n], 2013.

93 p. : il. ; 30 cm. Orientadora: Sonia Sueli Berti Santos. Dissertação (mestrado) - Programa de Pós-Graduação em

Linguística, Universidade Cruzeiro do Sul. 1. Análise do discurso 2. Análise dialógica do discurso (ADD) 3.

Prática discursiva 4. Alteridade I. Santos, Sonia Sueli Berti. II. Universidade Cruzeiro do Sul. Programa de Pós-Graduação em Linguística. III. Título.

CDU: 81’42(043.3)

UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

ASPECTOS DIALÓGICOS NA CONSTITUIÇÃO DE SENTIDO

EM ARTIGOS DE OPINIÃO DE LYA LUFT E RUTH AQUINO

Taís Lírio da Cruz

Dissertação de mestrado defendida e aprovada

pela Banca Examinadora em 26/06/2013.

BANCA EXAMINADORA:

Prof.ª Dr.ª Sonia Sueli Berti Santos

Universidade Cruzeiro do Sul

Presidente

Prof.ª Dr.ª Ana Elvira Luciano Gebara

Universidade Cruzeiro do Sul

Prof. Dr. Sandro Luís Silva

Universidade Federal de São Paulo

Epígrafe

“O Senhor é o meu pastor, nada me faltará.

Salmos 23, 1.

[Salmo de Davi]

O SENHOR é o meu pastor, nada me faltará.

Deitar-me faz em verdes pastos, guia-me mansamente a águas tranqüilas.

Refrigera a minha alma; guia-me pelas veredas da justiça, por amor do seu nome.

Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam.

Preparas uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos, unges a minha cabeça com óleo, o meu cálice transborda.

Certamente que a bondade e a misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida; e habitarei na casa do SENHOR por longos dias.

DEDICATÓRIA

Aos meus pais que sempre me estimularam e auxiliaram durante minha

formação.

À minha família, em especial ao meu amado filho Marcus Vinícius Lírio, por

compreender o tempo de dedicação necessária à realização do Mestrado.

AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a DEUS por sua infinita bondade, por sustentar-

me e fazer-me senti-lo sempre ao meu lado dando-me forças para continuar.

À minha família, pelo apoio e compreensão. Àqueles que são família por

laços de amizade e escolha.

Aos amigos que a vida irmanou, Ana Uehara, Sheyla Santos e em especial,

Heide Rosário, pela presença constante. Ao amigo Ewelton pela colaboração.

Ao corpo docente do Mestrado – Linguística - Unicsul por partilharem

comigo seus conhecimentos.

A banca de qualificação: Profa. Dra. Ana Elvira Gebara e Prof. Sandro Luis

da Silva pelas pertinentes e significativas contribuições.

À Profa. Dra. Sonia S. Berti Santos pelo acompanhamento, orientação e

paciência.

CRUZ, Taís Lírio da. Aspectos dialógicos na constituição de sentido em artigos de opinião de Lya Luft e Ruth Aquino. 2013. 93 f. Dissertação (Mestrado em Linguística)-Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2013.

RESUMO

O presente trabalho insere-se na linha de pesquisa “Discurso, Gênero e Memória”

na área de “Teorias e Práticas discursivas: leitura e escrita” e tem como propósito

principal identificar e analisar aspectos dialógicos na constituição de sentidos nos

artigos de opinião “Por que os homens nos matam” de Lya Luft, Revista Veja, e

“Marina Morena” de Ruth Aquino, Revista Época. A base teórica utilizada é a ADD

(análise dialógica do discurso), corrente bakhtiniana, acionada como norteadora de

leitura e análise, e esta como prática discursiva necessária à constituição sócio-

ideológica do sujeito. Objetivamos demonstrar que é possível constituir sentidos a

partir da observação de aspectos dialógicos, e assim poder ser este procedimento

utilizado para viabilizar leitura proficiente. O dispositivo teórico-analítico foi

construído com base nos conceitos de dialogismo, e o procedimento de análise

adotado fundamenta-se na verificação dos efeitos de sentido decorrentes da seleção

lexical e utilização de aspectos interdiscursivos, intertextuais, alteridade,

responsividade, ato ético, posição axiológica e tom valorativo. Este trabalho justifica-

se pela necessidade de pesquisas que encaminhem para percepção de como o

sentido se estabelece pela análise dos aspectos dialógicos, pois constituir sentidos

permite ao leitor ser coenunciador, ou seja, participar da construção dos sentidos.

Para fundamentação da pesquisa, recorremos aos teóricos da ADD corrente

bakhtiniana, dentre os quais se destacam Beth Brait, Fiorin, Sobral, Sonia Berti

Santos e Amossy.

Palavras-chave: Análise dialógica do discurso, Alteridade, Responsividade,

Posicionamento axiológico, Ato ético, Constituição de sentido.

CRUZ, Taís Lírio da. Dialogic aspects in the constitution of meaning in opinion articles Lya Luft and Ruth Aquino. 2013. 93 f. Dissertação (Mestrado em Linguística)-Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2013.

ABSTRACT

This study is part of the research line “ Speech, Gender an Memory” in the “Theories

and Discursive Practices: reading and writing “ field, and has a main proposal of

identifying and analyzing dialogic aspects in the build of meaning in Opinion Articles

“Why men kill us” by Lya Luft, Veja Magazine, and “Marina Morena” by Ruth Aquino,

Época Magazine. The theoretical basis used is DAS (Dialogical analysis of the

Speech), Bakhtin line of study, triggered as a guide of reading and analyzing, and

this as a required discursive practice in the creation of the socio-ideological subject.

We aim to demonstrate that is possible to build meanings from the observation of the

dialogic aspects, and so this procedure can be used to facilitate proficient reading.

The Theoretical and analytical device was made based on concept of dialogism, and

the analysis procedure adopted is based on checking the effects of meaning from the

lexical selection and interdiscursive, intertextual, otherness, responsiveness, ethical

action, axiological position and evaluative tone use. This work is justified by the need

to research that leads to the perception of how the sense is established by analyzing

the dialogic aspects, because, to build senses allows the reader to be coenunciator,

in other words, to participate in the build of meaning, we used the theorics of DAS

from Bakhtin line of study, among which stand out Beth Brait, Fiorin, Sobral, Sonia

Berti Santos and Amossy.

Key words: Dialogical discourse analysis discourse, Otherness, Responsiveness,

Axiological position, Ethical act, Build of meaning.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 9

Objetivo Geral .......................................................................................................... 12

Objetivos Específicos ............................................................................................. 12

Justificativa .............................................................................................................. 13

Metodologia ............................................................................................................. 13

Fundamentação Teórica ......................................................................................... 14

1 ASPECTOS DISCURSIVO-DIALÓGICOS ..................................................... 23

1.1 Fundamentação teórica ................................................................................ 23

2 ASPECTOS DIALÓGICOS NA CONSTITUIÇÃO DE SENTIDO -

ANÁLISES ...................................................................................................... 46

2.1 Preliminarmente ............................................................................................ 46

2.2 Análise do artigo: “Por que os homens nos matam” de Lya Luft ............ 50

2.3 Análise do artigo: “Marina Morena, você se pintou” de Ruth Aquino ..... 60

3 PARALELO ENTRE A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO ENUNCIADOR,

USO DAS VOZES E EFEITOS DE SENTIDO NOS ARTIGOS DE

OPINIÃO DE LYA LUFT E RUTH AQUINO. .................................................. 78

CONCLUSÃO ........................................................................................................... 83

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 86

ANEXOS ................................................................................................................... 88

9

INTRODUÇÃO

“...a língua não se transmite (...). Os indivíduos não recebem a língua pronta para ser usada; eles mergulham na corrente de comunicação verbal e somente quando isto ocorre é que tomam consciência de si e do mundo que os cerca”.(BAKHTIN,1979, p.108)

Este trabalho insere-se na área de pesquisa “Teorias e Práticas

discursivas: leitura e escrita”, do Programa de Pós-graduação - Mestrado em

Linguística da Universidade Cruzeiro do Sul. Tendo em vista o importante papel da

leitura e da escrita nos processos de comunicação, esta área focaliza estudos do

discurso numa dimensão sócio-interacionista, visando habilitar profissionais que

atuam nas ciências da linguagem a um uso mais eficiente dos mecanismos

linguísticos, seja dedicando-se à docência, seja produzindo ou analisando textos de

diversos gêneros.

A linha de pesquisa da dissertação é “Discurso, Gênero e Memória” na

qual se estudam os procedimentos enunciativos e as estratégias de construção do

sentido e da expressividade; analisam-se a constituição dos sujeitos em diferentes

situações de interação social e as formações discursivas que envolvem as práticas

de linguagem.

A questão norteadora da pesquisa tem por escopo identificar e analisar

aspectos dialógicos na constituição de sentidos nos artigos de opinião “Por que os

homens nos matam” de Lya Luft, Revista Veja, e “Marina Morena, você se pintou” de

Ruth Aquino, Revista Época; focalizando a ADD (análise dialógica do discurso)

como fundamentos de análise para leitura ativa, e esta como prática discursiva

necessária à constituição sócio-ideológica do sujeito.

A questão problema estabelecida é: podem as análises dos aspectos

dialógicos viabilizar a constituição de sentidos nos artigos de opinião?” Acreditamos

que sim, e desta hipótese se estabelecem as escolhas de fundamentação e

procedimento de análise.

Objetivamos demonstrar que é possível constituir sentidos a partir da

observação de aspectos dialógicos. O dispositivo teórico-analítico foi construído com

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base nos conceitos de dialogismo, e o procedimento de análise adotado

fundamenta-se na verificação dos efeitos de sentido decorrentes da utilização de

aspectos interdiscursivos, intertextuais, alteridade, responsividade, ato ético, posição

axiológica, tom valorativo e escolha lexical, nos artigos de opinião: “Por que os

homens nos matam” de Lya Luft, e “Marina Morena, você se pintou” de Ruth Aquino.

Visamos também estabelecer, pelas análises, como ocorre a constituição

do sentido dos enunciados pelo leitor, sendo este coautor do enunciado, a partir dos

conceitos do dialogismo, de interação, de entonação avaliativa, de responsividade

ativa, de valoração, da identificação de marcas do gênero, da esfera jornalística, do

ato ético, ato estético, e, com base na materialidade do enunciado.

Para desenvolver esta proposta, utilizamos como suporte teórico para

proceder ADD (análise dialógica do discurso), a perspectiva de Bakhtin, e de

pesquisadores contemporâneos considerados referências nos estudos bakhtinianos

como Beth Brait, Adail Sobral, Ruth Amossy, Fiorin, Sonia Berti Santos, Marília

Amorim, dentre outros.

Partimos da perspectiva da análise dialógica do discurso de Bakhtin e de

seu Círculo, e buscamos, assim, estabelecer as relações dialógicas imbricadas na

leitura do texto da esfera jornalística, o gênero artigo de opinião, a fim de

instrumentalizar o leitor a uma leitura mais crítica do enunciado argumentativo do

artigo, com fortes marcas persuasivas, objetivando propiciar-lhe o desenvolvimento

de subsídios para entendimento dos sentidos que constituem cada enunciado, e

dessa forma, contribuir para ampliação de sua capacidade de análise e construção

de sentidos.

Importante salientarmos que no cenário contemporâneo, o texto passa a

ser visto como uma totalidade que só alcança esse status por um trabalho conjunto

de construção de sentidos. Então, na perspectiva da ADD, a compreensão dos

textos deve passar pelo domínio de suas múltiplas dimensões:

Dimensão linguística ligada aos recursos fonológicos, morfológicos,

sintáticos e lexicais.

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Dimensão textual ligada à configuração do texto, em gêneros discursivos

ou sequências textuais.

Dimensão Discursiva relacionada aos interlocutores, aos seus papéis

sociais, às motivações, às restrições de situação, ao momento social e

histórico.

É a dimensão adotada na dissertação.

Dimensão cognitiva-conceitual associada aos conhecimentos sobre o

mundo. Importante destacarmos que todas as dimensões passam pelo

dialogismo, nosso objeto de análise.

Consideramos também o seguinte conceito: “(...) se é pelas atividades de

linguagem que o homem se constitui sujeito, só por intermédio delas é que tem

condições de refletir sobre si mesmo” (OCN – Organização curricular Nacional EM:

Leitura e Literatura p.23, MEC,1998). Com base neste pensamento, vale investirmos

em pesquisas que apresentem possibilidades de acionar no ato de ler e realizar

análises dialógicas discursivas, elementos norteadores que encaminhem para

compreensão do que é materializado nos textos.

Segundo Bakhtin, a língua, em sua totalidade concreta, viva, em seu uso real, tem a propriedade de ser dialógica. Essas relações dialógicas não se circunscrevem ao quadro estreito do diálogo face a face, que é apenas composicional, em que elas ocorrem. Ao contrário, todos os enunciados no processo de comunicação, independentemente de sua dimensão, são dialógicos. (FIORIN, 2008, p. 18-19)

Entendendo que todos os enunciados são dialógicos torna-se importante

lembrarmos que os textos da esfera jornalística, na qual se insere nosso corpus,

acionam elementos dialógicos discursivos que envolvem e podem persuadir o leitor,

assim, análises destes elementos podem oferecer recursos suficientes para leitura

ativa.

A motivação para esta pesquisa surgiu no desenvolvimento das

atividades profissionais desta pesquisadora, pois lecionando em cursos de

Licenciatura em Educação tem observado as significativas dificuldades em leitura

proficiente que os estudantes enfrentam, sendo os estudantes das IES (Instituições

de Ensino Superior) privadas em sua maioria constituída por cidadãos

trabalhadores, oriundos principalmente da rede pública de Ensino Médio e

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apresentam defasagens na habilidade de compreender os textos, sobretudo em

compreender de maneira profícua as dimensões de depreensão dos textos.

Objetivo Geral

Analisar os processos de produção de sentidos decorrentes das

observações das relações dialógicas, da utilização do tom valorativo, da alteridade,

responsividade, posição axiológica, ato ético, etc. e identificar o efeito das marcas

do dialogismo nos artigos de opinião como elementos norteadores de leitura

proficiente, e construção de sentidos.

Objetivos Específicos

Verificar como a análise dos aspectos dialógicos como: alteridade,

responsividade, ato ético, ato estético, posicionamento axiológico, além

do interdiscurso e intertextualidade nas atividades de leitura podem

aprimorar a capacidade do leitor em construir sentidos de forma

fundamentada linguisticamente, crítica, profícua.

Observar como questões ligadas ao conceito discursivo de texto, língua,

linguagem, leitura, discurso, persuasão, enunciação, enunciado,

dialogismo, esfera jornalística e gênero discursivo presentes nas

unidades linguísticas são apresentados e assimilados pelo auxílio na

compreensão profícua do processo de produção de sentidos pelas

ocorrências do dialogismo.

Atendendo aos objetivos estabelecidos, os capítulos desenvolvidos

comprometer-se-ão apresentar fundamentação teórica (base bakhtiniana), análises

dialógicas discursivas que comprovem a hipótese apresentada que considera a

aplicação dos conceitos das relações dialógicas às leituras dos artigos de opinião

como possível elemento facilitador, ou seja, fator que propicie aos leitores condições

de acionar para aprimorar sua capacidade de construir sentidos.

Acreditamos que os resultados desta pesquisa poderão ser objeto de

reflexão para leitores em geral no que se refere a análise dos aspectos dialógicos

como norteadores de leitura profícua, além de educadores e profissionais

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compromissados com a aprendizagem significativa do ato de ler, podendo também

suscitar outras pesquisas que ampliem possibilidade de acionar elementos da ADD

para questões pertinentes ao ato de ler de forma interativa.

Justificativa

Este trabalho justifica-se pela relevância do projeto que é social e

acadêmico. Acadêmico porque aborda a questão da leitura interativa por meio da

identificação das marcas dialógicas nas unidades discursivas, pela alteridade,

responsividade, axiologia, ato ético, aspas, interdiscurso e intertextualidade

presentes nos artigos de opinião utilizando-os como norteadores para construção

dos sentidos. E social, porque a questão da constituição de sentido relaciona-se com

a leitura proficiente, parte inerente ao processo de formação integral de um cidadão,

sendo esta destaque como objetivo primordial nos documentos referenciais de

educação no Brasil.

Selecionamos a ADD pois cremos que esta pode oferecer subsídios

suficientes para análise, e em decorrência encaminhar para constituição de sentidos,

em especial pela identificação dos aspectos dialógicos. Diante dos conceitos

pertinentes a análise dialógica discursiva, optamos pela fundamentação em Bakhtin,

seu Círculo, e pesquisadores que seguem mesma corrente, por serem estes os

conceitos possibilitam atingir o objetivo da pesquisa.

Vale salientar, mais uma vez, que a escolha dos artigos de opinião como

corpus considera a quantidade significativa de leitores e de publicações no Brasil

neste momento histórico, bem como o nítido caráter persuasivo deste gênero

discursivo, segundo dados dos organismos de acompanhamento de publicações de

revistas no Brasil. Justificando-se assim, a necessidade de que o leitor acione

conhecimentos do dialogismo para inferir a partir das ideias materializadas no

gênero em questão.

Metodologia

Este trabalho tem como método escolhido a pesquisa bibliográfica, que

busca o embasamento teórico em Bakhtin e seu Círculo, além de pesquisadores da

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mesma corrente teórica e que deram continuidade aos estudos de Bakhtin. A partir

das fundamentações escolhidas a partir da ADD objetivamos relacionar conceitos

pertinentes para proceder à análise das marcas linguístico- discursivas dos aspectos

dialógicos presentes no corpus, e dessa forma encaminhar para constituição de

sentidos.

Segundo Severino (2008), a pesquisa bibliográfica oferece ao

pesquisador o desenvolvimento do projeto a partir das contribuições oferecidas

pelos autores nos textos, no caso desta pesquisa, a corrente bakhtiniana oferecerá

os conceitos de fundamentação a partir dos quais as análises se desenvolvem.

Fundamentação Teórica

Pode-se dizer que, por meio da palavra, o artista trabalha o mundo, para o que a palavra deve ser superada por via imanente como palavra, deve tornar-se expressão do mundo dos outros e expressão da relação do autor com esse mundo. (BAKHTIN, 2010, p.180)

Em Estética da Criação Verbal (2010), Bakhtin nos apresenta a “palavra”

ligada a “expressão do mundo”, e vincula as ações dos “outros” e do “autor”, cremos

então que por meio da análise destas relações nos encaminhamos para percepções

das relações dialógicas ligadas à construção dos sentidos. Para tanto verificamos os

casos de alteridade, responsividade, ato ético, posição axiológica, e algumas vezes

o uso de aspas (caso de nosso corpus). E, assim, percebemos que para

compreender a materialidade dos textos e ser proficiente na leitura é possível e

necessário utilizar estes elementos como norteadores de nossas percepções.

Cremos que pesquisas que analisem questões relativas ao dialogismo

devam necessariamente considerar os conceitos apresentados por Bakhtin e seu

Círculo, dessa forma nos fundamentamos, sobretudo nas obras: Marxismo e

Filosofia (BAKHTIN, 1979), Estética da Criação Verbal (BAKHTIN, 2010); Bakhtin:

dialogismo e construção do sentido, (BRAIT, 2008); Bakhtin: conceitos-chave

(BRAIT, 2010); Bakhtin: outros conceitos-chave (BRAIT, 2010); Do dialogismo ao

gênero: as fases do pensamento do Círculo de Bakhtin, (SOBRAL, 2009); Gêneros

Jornalísticos no Brasil, (MELO; ASSIS, 2010); além de pesquisadores bakhtinianos

na atualidade como Amossy, Orlandi, Koch, Fiorin, Sonia Berti; referências nos

estudos sobre os conceitos apresentados pelo filósofo.

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Na obra Estética da Criação Verbal (2010) Bakhtin considera: “Sem fazer

nenhuma menção à necessidade de comunicação entre os homens, a língua seria

uma condição indispensável do pensamento para o homem até mesmo na sua

eterna solidão. (HUMBOLDT, 1859, p. 51 apud Bakhtin, 2010, p.270)”

Conforme mencionado na citação, segundo Humboldt (1859, apud.

Bakhtin, 2010), a língua é condição indispensável para o pensamento humano, e

portanto necessária à comunicação, dessa forma, entendemos que para analisar os

efeitos de sentido produzidos pelos aspectos dialógicos torna-se fundamental a

compreensão do conceito de língua, texto e leitura, bem como do próprio conceito

de dialogismo.

Inicialmente considerarmos a leitura feita por Fiorin (2008) dos conceitos

bakhtinianos em “Introdução ao Pensamento de Bakhtin”, obra organizada

didaticamente em apresentação sequencial dos elementos constitutivos da Análise

Dialógica do Discurso, em especial das relações dialógicas. Assim, vale analisarmos

a seguinte citação: “Há três eixos básicos do pensamento bakhtiniano: unicidade do

ser do evento; relação eu/outro; dimensão axiológica. São essas coordenadas que

estarão na base da concepção dialógica da linguagem.” (FIORIN, p.17, 2008)

Analisando o excerto, percebemos que segundo a leitura de Fiorin,

compreender é participar de um diálogo com o texto, e também com seu

destinatário; por isso, não podemos analisar o ato de ler de forma proficiente

sem observar as ocorrências do dialogismo nas unidades discursivas por meio da

alteridade, ato ético, responsividade, posição axiológica, intertextualidade,

interdiscursividade, e ocorrências de aspas (quando pertinentes), como elementos

norteadores para compreensão da construção de sentidos, objetivo desta pesquisa.

Tendo como objeto de pesquisa a análise da relação entre aspectos

dialógicos e processamento textual, torna-se fundamental considerarmos que:

Na medida em que o leitor se coloca como participante do diálogo que se estabelece em torno de um determinado texto, a compreensão não surge da sua subjetividade. Ela é tributária de outras compreensões ao mesmo tempo, como o leitor participa desse diálogo mobilizando aquilo que leu e dando a todo esse material uma resposta ativa, sua leitura é singular. (FIORIN, 2008, p. 6)

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Sendo a compreensão do texto tributária de outras compreensões,

percebemos que para que o leitor seja realmente participante da construção dos

sentidos do texto, faz-se necessário identificar ocorrências do dialogismo, ou seja, o

leitor precisa ser participante do diálogo mencionado no excerto, ser coenunciador

pela resposta ativa, dessa forma, faz-se necessário ressaltar a partir da obra

Estética da Criação Verbal de Bakhtin (2010):

Toda compreensão plena real é ativamente responsiva e não é senão uma fase inicial preparatória da resposta (seja qual for a forma em que ela se dê). [...] O empenho em tornar inteligível a sua fala é apenas o momento abstrato do projeto concreto e pleno de discurso do falante. [...] Cada enunciado é um elo na corrente complexamente organizada dos enunciados. (BAKHTIN, 2010, p.272)

Ao analisarmos a questão da responsividade, observamos que, para o

leitor compreender o texto, e em decorrência poder posicionar-se concordando ou

discordando, o ato de ler está diretamente associado às questões de como acorreu

o processamento textual, a identificação de quais elementos foram norteadores

desse entendimento.

Os estudos do texto e do discurso, nas últimas décadas, em muito tem

sido fundamentados a partir das contribuições de Bakhtin, dessa forma, para

análises são necessárias reflexões sobre o princípio dialógico que antecipa e

influencia os estudos do discurso e do texto, assim, utilizaremos a concepção de

texto como objeto das ciências humanas, pois apresentam método e objeto

dialógico, consideramos o texto também como discurso ou enunciado (BARROS,

DIANA L. P., 2010, p.25), adotamos os conceitos da existência de princípios

dialógicos, ou seja, do diálogo entre interlocutores e entre discursos (enunciados).

Na obra “Bakhtin: Dialogismo e construção do Sentido” (BRAIT, 2010, p.

280) a pesquisadora afirma a partir de (BAKHTIN, 2010, p. 35-36), que “a alteridade

define o ser humano, pois “o outro” é imprescindível para sua concepção: é

impossível pensar no homem fora das relações que o ligam “ao outro”. Assim, afirma

que a vida é dialógica por natureza.

Concebendo a ideia de que a vida é dialógica por natureza, urge

selecionarmos conceito de dialogismo, que segundo Sobral (2009):

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Faz sentido dizer que o conceito de dialogismo, e seu correlato, o de interação, se baseiam em algo que vai além do campo da linguística e mesmo do discurso: uma concepção filosófica do ser e do agir dos sujeitos humanos, uma maneira específica de pensar a condição desses sujeitos. (SOBRAL, 2009, p. 59).

Para compreendermos aspectos dialógicos como elementos constituintes

de sentido, torna-se fundamental considerarmos a obra “Marxismo e Filosofia”

(BAKHTIN, 1979) no trecho que o pesquisador menciona:

A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial. (p.96). Em condições normais, o critério de correção linguística cede lugar ao critério puramente ideológico: importa-nos menos a correção da enunciação do que seu valor de verdade ou de mentira, seu caráter poético ou vulgar, etc.. A língua, no seu uso prático, é inseparável de seu conteúdo ideológico ou relativo à vida. (BAKHTIN, 1979, p.97)

Se a palavra está sempre carregada de ideologia, ou seja, de valores

sócio-históricos materializados nos discursos, constituir sentidos a partir de análises

da língua, da escolha lexical tornam-se práticas profícuas. Nesse cenário,

reafirmamos que o gênero “artigo de opinião” pode ser utilizado como objeto de

análise, pois tem como característica a apresentação de vozes que se manifestam a

partir de lugares sociais, de ideologias. As ideias e argumentos, neste gênero são

articulados de forma que propiciem desenvolvimento de atitude responsiva, de

posicionamento axiológico, pois há predominância pela argumentação neste gênero,

e pela apresentação de elementos persuasivos, fato que requer do leitor interação

realmente ativa.

Observamos, portanto, que diante do gênero em questão, marcado pela

persuasão, não basta compreensão passiva; para interatividade, é preciso acionar

compreensão responsiva ativa, fato que pode ser estabelecido a partir da análise

dos aspectos dialógicos em sua utilização específica nos artigos de opinião, em

especial o ato ético, a alteridade, a responsividade, e o posicionamento axiológico.

Ao analisarmos questões que possam contribuir para que a leitura seja

ativa, não podemos deixar de considerar os conceitos apresentados por Bakhtin

quanto ao dialogismo, e revisitados por Fiorin.

“Há um Bakhtin interacionista. Afinal, ele tratou fundamentalmente das relações do “eu” com o “outro”. Entretanto, o outro é uma posição social, expressa num texto. As relações dialógicas que ele ocupou não são o diálogo face a face, mas as relações entre posições sociais. ”(FIORIN, 2008, p.15)

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Considerando a citação percebemos a nítida relação dos conceitos de

interação e dialogismo manifestados no gênero artigo de opinião, da esfera

jornalística, pois nesse caso o “outro” é realmente representação de uma posição

social.

Na esfera jornalística o jornalista ou no caso do artigo de opinião, o

“articulista” expressa no texto uma posição ideológica, representa uma voz social,

uma posição, um “lugar social” a partir do qual se expressa. Apresenta, muitas

vezes, também marcas dos valores do veículo de publicação, ou seja, da Instituição

veiculadora, no caso as revistas, Lya Luft pela Veja, e Ruth Aquino pela Revista

Época, conforme apresentado no capítulo de análise.

Para conexão entre elementos necessários à leitura interativa neste

gênero torna-se importante lembrarmos os posicionamentos de Bakhtin em relação

a questões pertinentes ao ato de ler e as relações com a língua, enunciação e

dialogismo.

Compreendemos leitura um processo de apreensão/compreensão de

algum tipo de informação armazenada num suporte e transmitida mediante

determinados códigos, como a linguagem. Quanto a língua, adotamos uma citação

de em Estética da Criação Verbal (2010):

O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana. Esses enunciados refletem a condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua ma, acima de tudo, por sua construção composicional. (BAKHTIN, 2010, p. 261)

Tendo como fundamentação o conceito supracitado, e considerando que

a língua tem a propriedade de ser dialógica, e que não ocorrem apenas nos diálogos

face a face, vale destacarmos o grande número de ocorrências nos artigos de

opinião justificando a análise da construção dos sentidos nesse gênero por meio da

observação dos dialogismos. Decorre daí, a necessidade de considerarmos os

conceitos de enunciação:

A enunciação, compreendida como uma réplica do diálogo social, é a unidade de base da língua, trata-se de discurso interior (diálogo consigo mesmo) ou exterior. Ela é de natureza social, portanto ideológica. Ela não

19

existe fora de um contexto social, já que cada locutor tem um “horizonte social”. Há sempre um interlocutor, ao menos potencial. O locutor pensa e se exprime para um auditório social bem definido. “A filosofia marxista da linguagem deve colocar como base de sua doutrina a enunciação, como realidade da língua e como estrutura sócio-ideológica.” (BAKHTIN, 1979, p.17)

Nesse contexto é importante lembrarmos o papel do sujeito nessa

construção de sentidos norteada pelos aspectos dialógicos.

O sujeito age em relação aos outros; o indivíduo constitui-se em relação ao outro. Isso significa que o dialogismo é o princípio de constituição do indivíduo e o seu princípio de ação. A apreensão do mundo é sempre situada historicamente, porque o sujeito está sempre em relação com o outro(s). Como a realidade é heterogênea, o sujeito não absorve apenas a voz social, mas várias, que estão em relações diversas entre si, portanto o sujeito é constitutivamente dialógico. (FIORIN, 2008, p.55)

Reconhecendo que a apreensão do mundo está sempre relacionada às

leituras feitas a partir do momento histórico, torna-se necessária a análise de como

as ideias materializadas nos artigos de opinião pelo dialogismo podem ser

persuasivas e estabelecerem relações com os sujeitos, pois conforme mencionado

na citação este é constitutivamente dialógico.

Fundamental destacarmos que Mikhail Bakhtin examina o dialogismo em

diferentes ângulos e estuda detidamente suas manifestações.

a língua em sua totalidade, no seu uso real, tem a propriedade de ser dialógica. Todos os enunciados no processo de comunicação são dialógicos. Existe uma dialogização interna da palavra, que é repassada pela palavra do outro, ou seja, todo enunciador para constituir um discurso, leva em conta o discurso de outrem, utilizando-o de alguma maneira no seu discurso. Assim, o Círculo de Bakhtin dá um papel central à linguagem na sua teoria da superestrutura, pois para Bakhtin o real apresenta-se para nós sempre semioticamente, ou seja, linguisticamente. (BRAIT, 2008, p.32-33)

Valendo-se da ideia de que a Língua tem a propriedade de ser dialógica,

e que consequentemente os enunciados são dialógicos, e de que pela dialogização

todo enunciador para construir seu discurso leva em consideração o discurso do

outro, acionamos estes conceitos bakhtinianos para análise dos artigos de opinião.

Modernamente, observa-se que a análise dialógica do discurso tem

demonstrado interesse pelas possibilidades de leitura e inferência deste tipo de

gênero discursivo (esfera jornalística) devido ao seu caráter persuasivo: “Se a

linguagem é sempre produzida por um falante que sente a necessidade, a

20

conveniência, o desejo ou o prazer de dizer qualquer coisa, a linguagem é sempre

subjetiva.” (MARTINS, 2008, p.234).

Importante lembrarmos que Bakhtin não descartava possibilidades de

análises, observamos então contribuições de Amossy ao afirmar que quando “O

orador enuncia uma informação e ao mesmo tempo diz: sou isto, não sou aquilo”.

(AMOSSY, 2005, p.10), há uma tomada de posição, uma marca ideológica, e diante

disso percebemos que estes elementos podem ser investigados para constituírem

subsídios para leitura e inferência.

Os artigos de opinião utilizados como objeto de análise, conforme

mencionado, pertencem a esfera jornalística, sendo modernamente considerado

“Jornalismo opinativo”, e o jornalista visto como um “articulista”, assim, nos

fundamentarmos em Melo, Assis, (2008) reconhecidos pesquisadores de textos

inseridos nesta esfera.

Em Jornalismo Opinativo, José Marques de Melo assinala que há dois núcleos de interesse em torno dos quais o discurso jornalístico se articula: a) A informação, cujo interesse é saber o que se passa. b) A opinião, cujo interesse é saber o que se pensa sobre o que se passa. Segundo o autor, os gêneros do primeiro núcleo (universo da informação) “se estruturam a partir de um referencial exterior à Instituição Jornalística: sua expressão depende diretamente da eclosão e evolução dos acontecimentos e da relação que os mediadores profissionais (jornalistas) estabelecem com seus protagonistas (personalidades ou organizações). (MELO; ASSIS, 2003, p.65).

Quanto ao gênero importante considerar:

texto opinativo (mais que informativo) publicado em seção destacada do conteúdo noticioso, para enfatizar sua natureza “não-jornalística”. Os autores recorrentes de artigos são chamados de articulistas. Apresenta-se como colaboração espontânea ou solicitação não necessariamente remunerada, o que confere liberdade completa ao seu autor. “Trata-se de liberdade em relação ao tema, ao juízo de valor emitido, e também em relação ao modo de expressão verbal” (MELO, 2003, p.125).

O artigo de opinião “Por que os homens nos matam” de Lya Luft, foi

publicado na Revista Veja em 21 de julho de 2010, o texto apresenta informações e

opiniões com conteúdo que se assemelha ao noticioso, respeitando aspectos de

natureza não jornalística, pois insere-se no formato “histórias de interesse humano”,

conforme conceituam Melo, Assis (2008).

21

A temática aborda a violência doméstica contra a mulher, e pela

seriedade do tema e recorrências de notícias a respeito, atrai atenção do leitor. Há

no artigo menção ao desaparecimento da jovem “Elisa Samúdio” que, no momento

de produção do texto era notícia em quase todas as mídias de informação. O

desfecho do caso coincide com o término desta pesquisa, estabelecendo

possibilidade de analisar toda a trajetória da informação materializada inicialmente

no artigo.

No artigo “Marina Morena”, publicado na Revista Época em 22 de agosto

de 2009, Ruth Aquino imprime caráter mais que informativo sobre a ex-ministra do

meio ambiente do Brasil, no governo Lula, Marina Silva, articula uma apresentação

dela como opção para a eleição presidencial brasileira de 2010, fato que realmente

ocorreu, importante lembrar que Ruth Aquino publicou o artigo um ano antes das

eleições, e antes dos lançamentos das candidaturas.

Este trabalho organiza-se em:

Introdução

Três capítulos:

Capítulo I - Destinado à fundamentação teórica

Aspectos discursivo-dialógicos

Neste primeiro capítulo apresentamos as fundamentações teóricas

pertinentes aos aspectos discursivo-dialógicos constituintes de construção dos

sentidos: texto, língua, linguagem, leitura, discurso, persuasão, enunciação,

enunciado, dialogismo, esfera jornalística, gênero discursivo, artigo de opinião. Em

seguida apresentamos conceitos pertinentes às analises: dialogismos, estilo, ato

ético, alteridade, responsividade, posicionamento axiológico, revozeamento, marcas

intertextuais e interdiscursivas.

Capítulo II – Análises

Dialogismo e constituição de sentido.

Análises das ocorrências de aspectos dialógicos e sua contribuição para

constituição dos sentidos nos textos:

22

Artigo de opinião: “Por que os homens nos matam” de Lya Luft, Revista Veja,

publicado em 21 de julho de 2010.

Artigo de opinião: “Marina Morena, você se pintou” de Ruth Aquino, Revista Época,

publicado em 22 de agosto de 2009.

Capítulo III - Paralelo entre a constituição do sujeito enunciador, o uso das

vozes e efeitos de sentido nos artigos de opinião.

O capítulo destina-se a desenvolver um paralelo entre a constituição do

sujeito enunciador, do uso das vozes e efeitos de sentido nos artigos “Por que os

homens nos matam” de Lya Luft, e: “Marina Morena, você se pintou” de Ruth

Aquino.

Conclusão: considerações quanto as análises realizadas e sua

relação com os objetivos estabelecidos na dissertação.

A escolha dos artigos justifica-se por serem, dentre os textos das

jornalistas (articulistas) Lya Luft (Revista Veja) e Ruth Aquino (Revista Época),

àqueles que conseguem representar como é possível observar a construção dos

sentidos a partir da análise de aspectos dialógicos, bem como pela apresentação de

temáticas de relevância social como a questão da violência doméstica, abordada no

artigo “Por que os homens nos matam” de Luft, e “Marina Morena” de Aquino, que

apresenta a ex-ministra do meio-ambiente Marina Silva como um possível nome a

ser considerado nas eleições presidenciais de 2010, imprimindo por sua presença

um diferencial positivo, pois no texto é estabelecida para ela alteridade ligada à

ética.

23

1 ASPECTOS DISCURSIVO-DIALÓGICOS

1.1 Fundamentação teórica

A partir dos pressupostos da ADD (Análise dialógica discursiva), corrente

bakhtiniana, objetivamos analisar e observar como pela análise dos aspectos

dialógicos pode-se constituir sentidos. Assim, faz-se necessário estabelecermos

alguns fundamentos teóricos que nortearão as análises.

Inicialmente, apresentaremos os conceitos selecionados quanto ao

sentido de texto, língua, linguagem, leitura, discurso, persuasão, enunciação,

enunciado, dialogismo, esfera jornalística, gênero discursivo, artigo de opinião,

sempre tendo como base pesquisadores da corrente bakhtiniana.

Em “Estética da Criação Verbal”, Bakhtin apregoa que:

“ O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana. Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo, não só põe seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua, mas acima de tudo por sua construção composicional.” (BAKHTIN, 2010, p.261, Estética da Criação Verbal)

Entendendo, a partir da citação, que a língua efetua-se em forma de

enunciados e reflete as condições específicas e as finalidades de cada campo da

atividade humana, vale salientar que para compreender os sentidos dos textos

torna-se necessário analisar as escolhas e as utilizações dos recursos lexicais,

fraseológicos e gramaticais da língua, bem como a construção composicional no

caso deste trabalho, uma vez que as análises focam aspectos dialógicos ligados a

estes elementos. Para tanto, consideramos o seguinte conceito: “A linguagem é fruto

de uma tensão dialética contínua entre a estabilidade e instabilidade, entre a

cristalização de significações e a amplitude dos temas sociais e historicamente

possíveis.” (SOBRAL, 2009, p.89). Compreendendo que a linguagem é fruto da

descrita tensão dialética, conforme descreve Bakhtin (2010), se manifesta e é

compreendida na materialidade do texto, vale salientar que na ADD entendemos

texto como:

24

O texto (escrito ou oral) é dado primário de todas as disciplinas, constitui a realidade imediata para que se possa estudar o homem social e a sua linguagem, já que sua constituição bem como sua linguagem é mediada pelo texto; é através do texto que o homem exprime suas ideias e sentimentos. (BAKHTIN, 2010, p.307)

Aliando o conceito de texto supracitado e as interações que ocorrem de

forma dialógica, consideramos que:

O lugar do exercício da língua é o ambiente social e histórico em que ocorrem as interações, linguísticas e outras. As interações são, como vimos, intrinsecamente dialógicas; a relação dialógica engloba e vai além da relação entre as réplicas de um diálogo real e alcança, por sua extensão, variação e complexidade, o plano de um meta-discurso (um discurso sobre o discurso, discursos nos discursos), num contínuo processo. Esse meta-discurso interliga discursos não em termos de sucessão temporal e de presença num mesmo espaço, mas em termos de sentido: o que é dito ou pode ser dito em outros discursos está presente num dado discurso. Essa concepção de linguagem destaca o caráter ativo do intercâmbio linguístico: os enunciados/discursos são considerados um produto desse processo de intercâmbio. (SOBRAL, 2009, p.89-90).

O intercâmbio entre enunciados e discursos descritos acima ocorrem no

corpus e vale ser considerado. Complementando as relações entre os conceitos da

ADD necessários ao desenvolvimento deste trabalho, adotamos na análise dos

aspectos dialógicos como constituintes de sentido, e para tanto selecionamos a ideia

de Fiorin quanto a “compreensão”:

Toda compreensão de um texto, tenha ele a dimensão que tiver, implica, segundo Bakhtin, uma responsividade e, por conseguinte um juízo de valor. O ouvinte ou o leitor, ao receber e compreender a significação linguística de um texto, adota, ao mesmo tempo, em relação a ele, uma atitude responsiva ativa: concorda ou discorda, total ou parcialmente; completa; adapta, etc. Toda compreensão é carregada de resposta. Isso quer dizer que a compreensão passiva da significação é apenas parte do processo global de compreensão. O todo é a compreensão responsiva ativa, que se expressa num ato real de resposta. (FIORIN, 2008, p. 6)

Com base nos conceitos apresentados na citação, concluímos, que para

compreensão profícua de um texto faz-se necessário considerar responsividade e

enunciação, conceitos aqui apresentados e acionados no capítulo de análise.

Quanto a responsividade nos referenciamos em Bakhtin (2010):

Toda compreensão plena real é ativamente responsiva e não é senão uma fase inicial preparatória da resposta (seja qual for a forma em que ela se dê). [...] O empenho em tornar inteligível a sua fala é apenas o momento abstrato do projeto concreto e pleno de discurso do falante. [...] Cada enunciado é um elo na corrente complexamente organizada dos enunciados. (BAKHTIN, 2010, p.272)

25

Estando a compreensão ligada a responsividade, torna-se fundamental

nos respaldarmos em conceitos pertinentes a enunciação. Em “Marxismo e

Filosofia”, Bakhtin (1979) considera enunciação como:

uma réplica do diálogo social, é a unidade de base da língua, trata-se de discurso interior (diálogo consigo mesmo) ou exterior. Ela é de natureza social, portanto ideológica. Ela não existe fora de um contexto social, já que cada locutor tem um “horizonte social”. Há sempre um interlocutor, ao menos potencial. O locutor pensa e se exprime para um auditório social bem definido. “A filosofia marxista da linguagem deve colocar como base de sua doutrina a enunciação, como realidade da língua e como estrutura sócio-ideológica. (BAKHTIN, 1979, p.17)

Sendo a unidade da língua uma réplica do diálogo social, portanto

ideológica, analisar a relação entre locutor e interlocutor torna-se procedimento

necessário para compreensão do processo de constituição de sentidos. Vale

salientar que de acordo com a AD, nas análises dos processos de constituição de

sentidos na enunciação, nos referimos aos sujeitos como enunciadores e

coenunciadores.

De acordo com Marcuschi (2008), a partir dos conceitos apresentados por

Bakhtin e seu círculo, já se tornou cotidiana a ideia de que os enunciados nos

gêneros discursivos são fenômenos históricos, vinculados à vida cultural e social, e

a uma esfera de produção. Sendo estes considerados resultados de trabalhos da

coletividade, entendemos que os gêneros contribuem para ordenar e estabilizar as

atividades comunicativas do cotidiano a partir de sua esfera de produção. Portanto,

são considerados, entidades sócio-discursivas e formas de ação social

incontornáveis em qualquer situação comunicativa e se materializam em forma de

enunciados.

Na obra “estética da Criação Verbal” Bakhtin (2010) quanto ao enunciado

conceitua:

O estudo da natureza do enunciado e da diversidade de formas de gêneros dos enunciados nos diversos campos da atividade humana é de enorme importância para quase todos os campos da linguística e da filologia. Porque todo trabalho de investigação de um material linguístico concreto – seja de história da língua, de gramática normativa, de confecção de dicionários ou de estilística da língua, etc. – opera inevitavelmente com enunciados concretos (escritos e orais) relacionados a diferentes campos da atividade humana e da comunicação. (BAKHTIN, 2010, p.264)

Neste início de século XXI, gêneros discursivos veiculados na esfera

26

jornalística (àquela na qual se insere nosso corpus), nas bibliografias atuais,

caracterizam-se como eventos altamente maleáveis e dinâmicos. Lembramos que

geralmente, surgem emparelhados a necessidades e atividades socioculturais, bem

como na relação com inovações tecnológicas. Ao se considerar a quantidade de

gêneros e tipologias hoje existentes nesta esfera em relação a sociedades

anteriores verificamos tendência à utilização preferencial de meios virtuais de

divulgação, sobretudo pelos elementos facilitadores advindos das TIC (Tecnologias

da informação e comunicação) que permitiram a esfera jornalística atender de forma

mais abrangente o público leitor.

Grande parte dos artigos de opinião, na atualidade, são disponibilizados

virtualmente em quantidade ainda maior que àqueles em material impresso. Basta

observarmos os marcadores de quantidade de acessos nos sites das revistas e

jornais brasileiros que veiculam os textos, e verificamos a expressiva quantidade de

acessos diários e semanais, assim verifica-se que, os leitores em meio virtual

superam a quantidade de exemplares impressos semanalmente, fato que torna o

gênero e a tipologia textual ainda mais relevante.

Nesse cenário vale nos fundamentarmos no conceito de Bakhtin (2010)

que considera os enunciados e seus tipos, isto é, os gêneros discursivos, como

sendo correias de transmissão entre a história da sociedade e a história da

linguagem, fato observável nas análises de artigos de opinião. A partir destes

elementos necessitamos ponderar a respeito de “discurso”, e adotamos o seguinte

conceito:

O discurso só pode existir de fato na forma de enunciações concretas de determinados falantes, sujeitos do discurso. O discurso sempre está fundido em forma de enunciado pertencente a um determinado sujeito do discurso, e fora dessa forma não pode existir. (BAKHTIN, 2010, p.274)

Entendendo a inerente relação entre discurso e forma de enunciar,

encontramos em “Do Dialogismo ao Gênero” de Sobral (2009), a ideia de que:

Para o Círculo, todo discurso contém um conteúdo, uma forma e um material com que o autor trabalha. Numa descrição sumária, o conteúdo são os atos humanos, o material é, no caso dos discursos verbais, a língua, e a forma é o modo de dizer, de organizar os discursos, estando integrada ao conteúdo e ligada ao material. Quando se fala de “forma”, fala-se na verdade de duas formas; a primeira se refere à materialidade do texto – é a forma composicional – e, a segunda se refere à superfície discursiva, à

27

organização do conteúdo expresso por meio da matéria verbal, em termos das relações entre o autor, o tópico e o ouvinte – esta é a forma arquitetônica. (SOBRAL, 2009, p.68)

Compreendendo que todo discurso contém um conteúdo, uma forma e

um material com que o autor trabalha, julgamos necessário buscar fundamentações

teóricas para os aspectos estruturais que interferem na constituição de sentidos, e,

portanto devem ser adotados nas análises.

De acordo com os conceitos bakhtinianos, os gêneros discursivos não se

caracterizam como formas estruturais estáticas e definidas de uma vez por todas.

Bakhtin (2010) diz que os gêneros são tipos "relativamente estáveis" de enunciados

elaborados pelas mais diversas esferas da atividade humana. Afirma que são

eventos linguísticos, mas não se definem por características linguísticas:

caracterizam-se, enquanto atividades sócio-discursivas.

Identificando os gêneros como fenômenos sócio-históricos e

culturalmente sensíveis, não há como fazer uma lista de todos os gêneros. Portanto,

para compreender este fato vale considerarmos as citações de Bakhtin (2010,

p.123): “A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato

de formas linguísticas nem pela enunciação monológica, isolada, mas pelo

fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação. A interação

verbal constitui assim a realidade fundamental da língua”.

A partir destes pressupostos, observamos que o fenômeno social de

interação verbal realiza-se pela enunciação num gênero acionado a partir da

natureza do texto, e dessa forma torna-se necessário analisar o dialogismo, análise

esta que permitirá constituir sentidos de forma fundamentada.

Acionamos nas análises o conceito de dialogismo a partir de Bakhtin

(1979, p.22): “o dialogismo é a característica do funcionamento discursivo em que se

encontram presentes várias instâncias enunciadoras. É a presença destas várias

instâncias que constitui a dimensão polifônica do discurso, presença de vozes

sociais que se manifestam.” Vozes que se manifestam frequentemente nos artigos

de opinião, objetos de análise deste trabalho, e que, portanto devem ser

consideradas.

28

Segundo Bakhtin (1979), o conceito de dialogismo é princípio fundador da

linguagem, segundo a corrente bakhtiniana: toda linguagem é dialógica, isto é, todo

enunciado é sempre um enunciado de um locutor para seu interlocutor, assim, toda

linguagem pode ser considerada como fruto de um acontecimento social. Outro

sentido configurado para o dialogismo é que um texto sempre responde a um outro

texto, ou ainda que internaliza vozes de um outro discurso (interdiscursividade),

conceitos considerados nas análises dos artigos de opinião escolhidos como corpus.

Assim, o enunciado existente, surgido de maneira significativa num determinado

momento social e histórico, não pode deixar de considerar os fios dialógicos

existentes, fios tecidos pela consciência ideológica a partir de um dado objeto de

enunciação, não pode deixar de ser participante ativo do diálogo social.

Ainda em Bakhtin (1979), encontramos a ideia de que nenhuma palavra é

nossa, pois traz a perspectiva de outra voz que se manifesta no texto. Dessa forma,

o texto, conforme concebido por Bakhtin, consegue marcar o ponto de intersecção

entre vários diálogos, entre o cruzamento de vozes que se originaram em práticas

de linguagem diversificadas socialmente, e, demonstrar que essas vozes,

polemizam-se, completam-se ou ainda respondem umas as outras estabelecendo

conexões. E de acordo com Beth Brait (2010, p.25) “é necessário observar no

conjunto do enunciado, do discurso, de que forma a confluência das vozes significa

muito mais uma interpretação do discurso alheio, ou a manipulação na direção da

argumentação autoritária, ou mesmo a apropriação e subversão desse discurso.”

Questões relevantes às análises de artigos.

Bakhtin (2010) pondera que a linguagem é dialógica porque tem seus

sentidos produzidos na interação entre subjetividades. Considerando este aspecto,

entendemos que há três eixos básicos do pensamento bakhtiniano: unicidade do ser

do evento; relação eu/outro; dimensão axiológica. Fatores que nortearão as análises

neste trabalho.

Nesse âmbito, Sobral (2009, p.32) conceitua que“ a subjetividade é

entendida em termos sociais e históricos, sendo considerada condição de

possibilidade da subjetividade, sobretudo porque o sujeito do discurso é interagente

de outros agentes.” Com base nos conceitos supracitados, podemos depreender

que, todo ato, toda voz humana envolve outras vozes (BAKHTIN, 2010), e que esse

29

dialogismo, filosófico e discursivo, designa a condição de um sujeito existir pela

relação com o outro e consequentemente de agir diante desses sujeitos.

Entendemos que essa situação de confronto entre “eu e o outro”

possibilita que um ser se torne social na interação e inter-relação com outros que

representam aparelhos ideológicos diferentes. Importante lembrarmos que no plano

do discurso, o sentido, ou seja, os significados nascem em forma de enunciados

(discursos) produzidos anteriormente, pois de acordo com Bakhtin, antes mesmo de

se pronunciar e de se posicionar diante do outro, o sujeito já responde ao outro pela

resposta presumida, assim como pela observação das unidades discursivas; e em

especial, pelo dialogismo considerado como o princípio constitutivo da linguagem

que media, que estabelece conexões. Conexões a serem observadas e analisadas

no próximo capítulo deste trabalho.

Com base nas fundamentações teóricas apresentadas e adotadas neste

trabalho, percebemos que nosso mundo é semiotizado pelos discursos, pelas

relações entre discursos, e ainda pelas vozes que os compõem, constatamos a

nítida relação com o gênero, da esfera jornalística, artigo de opinião, pois nesse

caso o “outro” é realmente representação de uma posição social, expressa pelo

enunciador e objeto de análise.

Na construção da consciência do sujeito, observamos que as vozes

sociais são assimiladas de maneiras diferentes pelos indivíduos, e estes encontram

àquelas que aderem de modo incondicional, e, dessa forma, resistem a impregnar-

se de outras vozes sendo portanto denominadas “voz de autoridade, representa a

voz do enunciador. Há também vozes que representam posições de sentido

internamente persuasivos, consideradas mais dialógicas, que aparecem mais

frequentemente nos artigos de opinião e que funcionam como estratégia de transferir

responsabilidade (responsividade) quanto às ideias materializadas.

Diante dos conceitos analisados, vale observarmos Fiorin (2008, p.58): “O

mundo interior é a dialogização da heterogeneidade de vozes sociais. Os

enunciados, construídos pelo sujeito, são constitutivamente ideológicos, pois são

uma resposta ativa às vozes interiorizadas”. Considerando a descrita resposta ativa

30

às vozes interiorizadas nos textos, torna-se fundamental buscarmos conceitos

pertinentes à heterogeneidade que os enunciados materializam em gêneros:

Não se deve, de modo algum, minimizar a extrema heterogeneidade dos gêneros discursivos e a dificuldade daí advinda de definir a natureza geral do enunciado. Aqui é de especial importância atentar para a diferença essencial entre os gêneros discursivos primários (simples) e secundários (complexos) – não se trata de uma diferença funcional. Os gêneros discursivos secundários (complexos – romances, dramas, pesquisas científicas de toda espécie, os grandes gêneros publicísticos, etc.) surgem nas condições do convívio cultura mais complexo e relativamente muito desenvolvido e organizado (predominantemente o escrito) – artístico, científico, sociopolítico, etc. No processo de suas formações eles incorporam e reelaboram diversos gêneros primários (simples), que se formaram nas condições da comunicação discursiva imediata. (BAKHTIN, 2010, p.263)

Ciente de que os artigos analisados nesta dissertação inserem-se na

esfera jornalística, faz-se necessário fundamentar-se em Melo e Assis (2010), que

na obra “Gêneros Jornalísticos no Brasil” ponderam:

Muito antes de ser informativo ou interpretativo o jornalismo foi opinativo, como se via no panfletismo ideológico da Revolução Francesa. Na segunda metade do século 19 e nas primeiras décadas do século 20, o atual jornalismo empresarial dos EUA não destoava de escolas jornalísticas da época, como a francesa e a inglesa: praticava-se um jornalismo muito mais opinativo e tendencioso do que informativo. O veículo era usado apenas para manipular os fatos de acordo com os interesses do grupo ou da família proprietária do jornal – o que ainda ocorre, em pleno alvorecer do Terceiro Milênio, em muitas cidades do interior do Brasil, como verificam os próprios estudantes de Jornalismo. (MELO; ASSIS, 2010, p.18)

Conforme verificamos na citação, o jornalismo teve em suas origens um

caráter opinativo, marca que se mantém na tipologia “artigo de opinião”. Na obra“

Jornalismo Opinativo “, José Marques de Melo (2003) assinala que há dois núcleos

de interesse em torno dos quais o discurso jornalístico se articula:

a) A informação, cujo interesse é saber o que se passa.

b) A opinião, cujo interesse é saber o que se pensa sobre o que se passa.

Ainda segundo Melo e Assis (2003, p.65), “os gêneros do primeiro núcleo

(universo da informação) se estruturam a partir de um referencial exterior à

Instituição Jornalística: sua expressão depende diretamente da eclosão e evolução

dos acontecimentos e da relação que os mediadores profissionais (jornalistas)

estabelecem com seus protagonistas (personalidades ou organizações)”, elementos

presentes nos artigos em análise neste trabalho. Quanto aos gêneros situados no

31

segundo núcleo (universo da opinião), a estrutura da mensagem é “co-determinada

por variáveis controladas pela instituição jornalística. Assumem duas feições: autoria

(quem emite a opinião) e angulagem (perspectiva temporal ou espacial que dá

sentido à opinião).”

O artigo é, segundo Melo (2003), um texto opinativo (mais que

informativo) publicado em seção destacada do conteúdo noticioso, para enfatizar

sua natureza “não jornalística”, não apenas comprometida com o jornalismo

tradicional, que tem compromisso com a informação. Os autores recorrentes de

artigos são chamados de articulistas. Apresenta-se como colaboração espontânea

ou solicitação, o que confere liberdade completa ao seu autor: “Trata-se de liberdade

em relação ao tema, ao juízo de valor emitido, e também em relação ao modo de

expressão verbal” (MELO, 2003, p.125).

Decorre dos aspectos descritos acima a relevância da análise do

posicionamento axiológico nesta tipologia textual. Há também questões ligadas à

linguagem e ao estilo que merecem ser consideradas e analisadas. Bakhtin (2010)

pondera que mudanças históricas dos estilos de linguagem estão indissoluvelmente

ligadas às mudanças dos gêneros do discurso conforme demonstra:

A linguagem literária é um sistema dinâmico e complexo de estilos de linguagem; o peso específico desses estilos e sua inter-relação no sistema de linguagem literária estão em mudança permanente. A linguagem da literatura, cuja composição é integrada pelos estilos da linguagem não literária, é um sistema ainda mais complexo e organizado em outras bases. (BAKHTIN, 2010, p.267)

Constatando que a linguagem da literatura é integrada pelos estilos de

linguagem não literária, e pode ser organizado em outras bases entendemos que o

jornalismo opinativo faz parte dessa “outra base”, pois os textos não são apenas

informativos, são opinativos, e para que a opinião encontre aderência, o enunciador

se apropria de recursos da literatura, como utilização de gradações, de metáforas, e

até mesmo de sonoridade, conforme veremos no capítulo de análise. Considerando

as especificidades do corpus, adotamos como conceito que gênero pode assumir

caráter dinâmico conforme verificamos em Sobral (2009):

O gênero discursivo é estável porque conserva traços que o identificam como tal e é imutável porque está em constante transformação, se altera a cada vez que é empregado, havendo mesmo casos em que um gênero se transforma em outro. (SOBRAL, 2009, p.115)

32

O artigo de opinião, corpus deste trabalho, apresenta características

relacionadas ao descrito dinamismo que Sobral (2009) descreve:

Sua lógica não é abstrata, porque se manifesta em cada variedade nova, em cada nova obra, e, portanto, o gênero não é rígido em sua normatividade, mas dinâmico e concreto. O gênero traz o novo (a singularidade, a impermanência) articulado ao mesmo (a generalidade, a permanência), porque não é uma abstração normativa, mas um vir-a-ser concreto cujas regras supõem uma dada regularidade e não uma fixidez. (SOBRAL, 2009, pp.117-118)

A descrita “variedade nova” torna o gênero dinâmico, e segundo Ângela

Dionísio Paiva (2010), em “Gêneros textuais & Ensino”, artigo de opinião é um texto

de tipologia opinativa, de cunho argumentativo. Portanto, trata-se de um gênero em

que a opinião de um autor sobre um assunto de relevância é defendida, por meio de

recursos argumentativos: comparações, exemplificações, depoimentos (vozes e

discursos), dados estatísticos, dentre outros.

Vale destacar que, ainda segundo Paiva (2010), o artigo de opinião tem

como característica a liberdade estrutural, e que o enunciador aparenta dominar o

assunto, a linguagem se adéqua ao perfil dos leitores (mais formal ou informal) e

apresenta nítidos recursos persuasivos. Considerando estas características,

adotamos os conceitos de persuasão, como fator de influenciação, a partir das

contribuições de Adilson Citelli, na obra “Linguagem e Persuasão” (2001):

Para se verificar a construção do discurso persuasivo, é necessário reconhecer a organização e a natureza dos signos linguísticos. Afinal é da inter-relação dos signos que se produz a frase, o período o texto. O modo de articular o signo poderá determinar as direções que o discurso irá tomar, inclusive seu maior ou menor grau de persuasão, encaminhando para uma aparente lógica argumentativa. (CITELLI, 2001, p.23-24)

Fundamental mencionarmos que, de acordo com Paiva (2010), o artigo de

opinião utiliza estrutura básica de uma dissertação: inicia-se pela apresentação do

tema abordado com um ponto de vista posicionado, ou seja, uma introdução, a

argumentação é apresentada progressivamente em forma de desenvolvimento e, no

fechamento do artigo, apresenta-se uma retomada da tese inicial, ou ainda

apresentação de sugestões em forma de conclusão.

Paiva (2010) pondera ainda que os estudos do “Artigo” podem contribuir

para desenvolvermos subsídios para melhor compreensão de uma tipologia que

permite a emissão de opiniões, que acolhe em sua organização a manifestação de

33

posicionamentos ideológicos pelo uso de argumentatividade a partir da ação do

enunciador, e a demonstração de seu posicionamento quanto a determinadas

questões polêmicas constitui objeto de análise. Considerando estas ideias vale

analisarmos Kleiman (2010) quando afirma:

(...) enquanto gênero jornalístico de revistas e jornais (...) estaria, assim, orientado por representações sobre o contexto de produção, os destinatários, a instituição social em que foi produzida, além de obedecer a um padrão formal de textualização.(KLEIMAN, 2010, p.33 )

Adotando as ideias da pesquisadora supracitada, entendemos que a

análise do artigo de opinião requer observação do contexto de produção, dos

destinatários e das marcas das instituições sociais nas quais foram produzidas as

ideias, pois segundo Fiorin (2008), compreender é participar de um diálogo com o

texto, e também com seu destinatário, assim, não podemos analisar o ato de ler de

forma proficiente sem observar as ocorrências do dialogismo como norteador para

compreensão da construção dos sentidos, sobretudo em suas incidências no artigo

de opinião (nosso corpus).

Na medida em que o leitor se coloca como participante do diálogo que se estabelece em torno de um determinado texto, a compreensão não surge apenas da sua subjetividade. Ela é tributária de outras compreensões. ao mesmo tempo, como o leitor participa desse diálogo mobilizando aquilo que leu e dando a todo esse material uma resposta ativa, sua leitura é singular.(FIORIN, 2008, p.6)

Compreendemos que analisar o contexto, o destinatário e as marcas

sociais são fundamentais para entendimento do artigo, pois conectam-se aos

aspectos dialógicos estabelecendo-se como elementos para depreensão, importante

lembrarmos que esse dialogismo está presente na constituição do enunciado

escolhido para essa dissertação: os artigos de opinião “Por que os homens nos

matam” de Lya Luft, Revista Veja; e “Marina Morena, você se pintou” de Ruth

Aquino, revista Época. Ciente das necessárias conexões entre os elementos que

encaminham à constituição dos sentidos ponderamos que:

Toda compreensão de um texto, tenha ele a dimensão que tiver, implica, segundo Bakhtin, uma responsividade e, por conseguinte um juízo de valor. O ouvinte ou o leitor, ao receber e compreender a significação linguística de um texto, adota, ao mesmo tempo, em relação a ele, uma atitude responsiva ativa: concorda ou discorda, total ou parcialmente; completa; adapta, etc. Toda compreensão é carregada de resposta. Isso quer dizer que a compreensão passiva da significação é apenas parte do processo global de compreensão. O todo é a compreensão responsiva ativa, que se expressa num ato real de resposta. (BRAIT, 2010, p.6)

34

Entendendo que os artigos de opinião produzidos no Brasil, caracterizam-

se por conteúdo temático sempre atual, de relevância social, com predominância

argumentativa comprometida com persuasão, retomamos o conceito de “persuasão”

de Citelli (2001), já apresentado como modo de articulação de signos para produzir

determinados sentidos.

Observamos também que artigos são marcados por utilizações

composicionais dialógicas e estilo ligado ao objetivo deste gênero, típico da esfera

jornalística, que é persuadir, mas com sutileza, aparentando informar, além de

apresentar também marcas do estilo do veículo de publicação e do enunciador

(articulista) que assina o artigo, e que representa uma ideologia, um olhar

desenvolvido a partir de determinado espaço social. Entendemos que pela seleção

de elementos linguísticos ocorre o ato estilístico. Diante do exposto necessitamos

apresentar mais alguns conceitos. Em “Estética da Criação Verbal”, Bakhtin (2010)

conceitua estilo como:

unidade de procedimentos de enformação e acabamento da personagem e do seu mundo e dos procedimentos, por estes determinados, de elaboração e adaptação (superação imanente) do material. Em que relação se encontram o estilo e o autor enquanto individualidade? Como o estilo se relaciona com o conteúdo, isto é, com o mundo dos outros, suscetível de acabamento? Que importância tem a tradição no contexto axiológico do autor contemplador? (BAKHTIN, 2010, p.186)

Observamos que o estilo se relaciona com o conteúdo e, sobretudo com o

posicionamento do enunciador a partir do qual materializa as ideias, por isso

julgamos necessário adotarmos como referencial aspectos pertinentes ao processo

de construção, e tomarmos como referência alguns conceitos bakhtinianos, como o

conceito de heteroglossia apresentado por Brait (2008):

Bakhtin faz sua teoria emergir de uma determinada concepção de linguagem que a toma como heteroglossia, isto é, como uma realidade que congrega múltiplas e heterogêneas línguas sociais, entendidas como compósito verbo-axiológico, como expressões de uma determinada interpretação do mundo. [...] A heteroglossia não é tomada, como um dado bruto, mas é apropriada refratariamente pela voz do autor-criador (que é também – não esqueçamos –uma posição refratada, já que, como dissemos antes, é sempre uma voz segunda). Ao mesmo tempo, é importante destacar que as línguas sociais não estão apenas postas lado a lado no romance, mas constituem um sistema de planos que se interseccionam: o autor-criador põe as línguas sociais em inter-relações num todo artístico..As relações entre o sujeito da cognição e o sujeito a ser conhecido nas ciências humanas são, para Bakhtin, relações de comunicação entre Destinador e Destinatário. O sujeito da cognição procura interpretar ou compreender o

35

outro sujeito em lugar de buscar apenas conhecer um objeto. (BRAIT, 2008, p.49)

A partir desse conceito, urge considerarmos também aspectos pertinentes

ao posicionamento axiológico, aos sujeitos e ao enunciador, elementos que

encontramos também em Brait (2008):

O autor-criador cumpre, então, sua tarefa formal ocupando uma certa posição verbo-axiológica (ele se materializa como a refração de uma certa voz social) a partir da qual reflete e refrata a heteroglossia, isto é, não a reproduz mecanicamente, mas apresenta, num todo estilístico, um modo de percebê-la, experimentá-la e valorá-la. As relações entre o sujeito da cognição e o sujeito a ser conhecido nas ciências humanas são, para Bakhtin, relações de comunicação entre Destinador e Destinatário. O sujeito da cognição procura interpretar ou compreender o outro sujeito em lugar de buscar apenas conhecer um objeto. (BRAIT, 2008, p. 50)

O descrito autor-criador, na análise, identificamos como enunciador, pois

representa um grupo social, uma ideologia materializada na posição axiológica, que

reflete e refrata a voz social conectando-se ao coenunciador pelo dialogismo.

Adotando estes conceitos no procedimento de análise a partir das escolhas lexicais,

torna-se necessário selecionarmos também os conceitos sobre sujeito e alteridade

que ficam nítidos em Brait (2008):

Quanto ao método nas ciências humanas, Bakhtin afirma que se trata da compreensão respondente: procura-se conhecer um objeto nas ciências naturais, um sujeito – produtor de textos -, na ciências humanas. As relações entre o sujeito da cognição e o sujeito a ser conhecido nas ciências humanas são, para Bakhtin, relações de comunicação entre Destinador e Destinatário. O sujeito da cognição procura interpretar ou compreender o outro sujeito em lugar de buscar apenas conhecer um objeto. A alteridade define o ser humano, pois o outro é imprescindível para sua concepção: é impossível pensar no homem fora das relações que o ligam ao outro. Em síntese, diz o autor, “a vida é dialógica por natureza”. (BRAIT, 2008)

Nos artigos em análise neste trabalho, observamos ocorrência do descrito

sujeito da cognição na forma do enunciador, pois este interpreta e/ou compreende o

outro sujeito em lugar de apenas conhecer o objeto e pela alteridade articula e

apresenta sua concepção, fato verificado no capítulo de análise. Ainda segundo

Brait (2008), os gêneros secundários, no qual se insere nosso corpus, pertencem à

esfera da comunicação cultural, parte integrante da esfera jornalística (e nela o

artigo de opinião), esfera comprometida com a forma escrita de produção textual.

Ainda segundo a pesquisadora, alguns gêneros secundários absorvem e

transformam os gêneros primários de onde surgem questões opinativas. Então, vale

36

destacarmos que o artigo de opinião insere-se nesse caso, pois, embora seja

considerado secundário, transforma assuntos cotidianos em temas dos artigos por

sua natureza argumentativa. Quanto a isto consideramos o conceito de esfera

apresentado por Sobral (2009):

Esfera deve ser entendida como a versão bakhtiniana marxista de “instituição”, ou seja, uma modalidade socioistórica relativamente estável de relacionamento entre os seres humanos. A esfera vai das relações de intimidade familiar ao aparato institucional do Estado, passando por circunstâncias como as que tornam possíveis comentários casuais que desconhecidos fazem um para o outro na rua sobre diversos assuntos cotidianos. (SOBRAL, 2009, p.121)

Segundo os conceitos bakhtinianos, apresentados em Fiorin (2008) não

são as unidades da língua que são dialógicas, mas os enunciados, então vale

ressaltarmos o que o filósofo considera:

Segundo Bakhtin: o enunciado é a réplica de um diálogo, pois cada vez que se produz um enunciado o que se está fazendo é participar de um diálogo com outros discursos. Um enunciado está acabado quando permite a resposta do outro. Portanto, é constitutivo do enunciado é que ele não existe fora das relações dialógicas. Nele estão sempre presentes ecos e lembranças de outros enunciados, com que ele conta, que ele refuta, confirma, completa, pressupõe e assim por diante. Um enunciado ocupa sempre uma posição numa esfera de comunicação sobre um dado problema. (FIORIN, 2008, p.21)

Salientamos, mais uma vez que ao analisarmos artigos de opinião, corpus

deste trabalho, vale ficarmos atentos à construção dos sentidos pelo uso de

aspectos dialógicos, pois é preciso identificar marcas dialógicas para poder construir

a resposta, o posicionamento, conforme mencionado na citação, e faz-se necessário

compreendermos que o processo de responsividade está intimamente ligado à

leitura proficiente.

Em uma análise dialógica discursiva é necessário observarmos que as

unidades da língua são sons, palavras e períodos (frases e orações), e percebermos

que exercem papel de unidades reais de comunicação, ou seja, materializadas

linguisticamente em função de uma objetivada constituição de sentidos, mas, vale

salientar que os enunciados são únicos, nunca se repetem, assim, é preciso

compreender as unidades da língua, mas, ter como objeto de análise, os

enunciados, ou seja, o sentido específico no contexto de uso do termo.

37

Segundo Brait (2010), compreender os enunciados requer o entendimento

do funcionamento real da linguagem, ou seja, a situação de uso, o contexto, cujo

objeto de análise são os enunciados. Vale relembrarmos que para o filósofo,

enunciado é réplica de diálogo, e, assim, ocupa posição numa esfera de

comunicação sobre um dado problema, e como os enunciados têm autor, estes

revelam uma posição, um posicionamento axiológico.

No caso dos artigos de opinião há, portanto, materialização do

posicionamento do enunciador (axiologia) e, nesse contexto, é fundamental ler

estabelecendo posicionamento também como leitor proficiente, para poder interagir

na construção dos sentidos. Considerando Brait (2008), as unidades da língua são

neutras, e os enunciados é que são carregados de posicionamentos.

Compreendemos que todo enunciado se estabelece a partir de outro, fato

que nos leva a considerar também o importante papel de renovação e ampliação da

memória discursiva por meio das leituras. Assim, observamos o conceito de

heterogeneidade do enunciado, pois este revela um posicionamento, e também sua

oposição àquele não materializado. De acordo com Brait (2008) por

heterogeneidade compreendemos que:

A relação contratual com um enunciado, a adesão a ele, a aceitação de seu conteúdo fazem-se no ponto de tensão dessa voz com outras vozes sociais. Se a sociedade é dividida em grupos sociais, com interesses divergentes, então os enunciados são sempre o espaço de luta entre as vozes sociais, o que significa que são inevitavelmente o lugar da contradição. O que é constitutivo das diferentes posições sociais que circulam numa dada esfera social é a contradição. O contato se faz com uma das vozes de uma polêmica. (BRAIT, 2008, p.52)

Inferimos então que no caso do artigo de opinião, para leitura proficiente,

é fundamental realizar leitura que identifique heterogeneidade e as vozes

(heteroglossia) que se manifestam no texto para poder aderir ou refutar ideias

materializadas. Relembramos que na esfera jornalística, o artigo de opinião é

considerado um texto no qual a voz do enunciador expõe seu posicionamento diante

de algum tema atual e de interesse de uma coletividade, e segundo Brandão (2012),

enunciador é a figura da enunciação que representa a pessoa cujo ponto de vista é

apresentado. É a perspectiva que o sujeito constrói e de cujo ponto de vista narra,

quer identificando-se com ele quer distanciando-se dele.

38

Tendo como referencial todas as fundamentações teóricas apresentadas

e adotadas, percebemos que para analisar aspectos dialógicos na constituição de

sentidos no artigo de opinião, da esfera jornalística, devemos considerar os

conceitos de individual e social apresentados por Bakhtin em Fiorin (2008), pois para

o filósofo, a maioria das marcas materializadas linguisticamente de opiniões são

sociais, embora nem sempre os cidadãos percebam esse caráter.

Todo enunciado se dirige não somente a um destinatário imediato, cuja presença é percebida mais ou menos conscientemente, mas também a um superdestinatário, cuja compreensão responsiva, vista como correta, é determinante na posição discursiva. A identidade desse superdestinatário varia de grupo social para grupo social, de uma época para outra, de um lugar para outro.”(FIORIN, 2008, p.27)

Entendemos que por meio da compreensão dos aspectos dialógicos, o

sujeito não fica completamente assujeitado aos discursos sociais, pode pela

identificação de marcas dialógicas estabelecer os sentidos, e posicionar-se, ou seja,

ser ativo no ato de ler.

Quando objetivamos analisar artigos veiculados nas duas maiores

revistas de circulação nacional (Revista Veja e Revista Época), produzidos por duas

jornalistas conceituadas (Lya Luft e Ruth Aquino), faz-se relevante analisarmos

também a questão da estilização conceituada por Bakhtin como imitação de um

texto ou estilo, sem a intenção de negar o que está sendo imitado, de ridicularizá-lo,

de desqualificá-lo. Na estilização, as vozes são convergentes na direção do sentido,

elas apresentam a mesma posição significante. Em relação ao estilo e estilização de

vozes vale mais uma vez considerarmos que:

Estilo é o conjunto de procedimentos de acabamento de um enunciado. Portanto, são os recursos empregados para elaborá-lo, que resultam de uma seleção dos recursos linguísticos à disposição do enunciador. Isso significa que o estilo é o conjunto de traços fônicos, morfológicos, sintáticos, semânticos, lexicais, enunciativos, discursivos, etc., que definem a especificidade de um enunciado e, por isso, criam um efeito de sentido de individualidade.”(FIORIN, 2008, p.46)

Brait (2008) contribui para fixação do conceito e sua posterior

identificação nas análises apregoando que estilo está ligado não só a uma pessoa

mas a um grupo social:

O estilo é o “homem”, dizem; mas poderíamos dizer: o estilo é pelo menos duas pessoas ou, mais precisamente, uma pessoa mais seu grupo social na forma do seu representante autorizado, o ouvinte – o participante constante

39

na fala interior e exterior de uma pessoa. (Voloshinow, 1926, apud BRAIT, 2008, p. 83)

Para compreensão profícua dos artigos, fundamental lembrarmo-nos da

necessidade de analisar marcas do estilo: “Ao dizer que o estilo cria uma dimensão

de individualidade não se está pensando em expressão da subjetividade. O estilo é

resultante de uma visão de mundo. ”(FIORIN, 2008, p.47). E segundo Bakhtin:

O autor é dotado de autoridade e necessário para o leitor, que o vê não como pessoa, não como outro homem, não como personagem nem como determinidade do existir, mas como princípio que deve ser seguido. A individualidade do autor é uma individualidade criativa de ordem especial, não estética; é uma individualidade ativa da visão e da informação e não uma individualidade invisível e não enformada.” (BAKHTIN, 2010, p.191)

A partir da citação observamos que a individualidade criativa identifica o

autor, mas na materialidade do texto, este passa a ser o enunciador, e segundo

Bakhtin (2010), o estilo é constitutivamente dialógico e revela o direito e o seu

oposto, permite assim ao leitor identificá-lo e construir sentidos a partir das análises.

E a imagem que o enunciador faz do interlocutor está diretamente ligada ao estilo

adotado e materializado, portanto, podemos considerar que o estilo é parceiro da

construção dos sentidos, sendo um dos componentes do gênero.

Pesquisar textos da esfera social do jornalismo torna fundamental

destacarmos que esta tipifica, segundo Bazerman (2006) na obra “Gênero, agência

e escrita” as situações de interação, estabilizando relativamente os enunciados que

nela circulam, originando gêneros do discurso específicos dessa esfera, portanto

com peculiaridades que devem ser consideradas.

Considerando ainda, Bakhtin (2010, p.43), postula-se que as esferas

sociais são apresentadas como princípio organizador dos gêneros, que as relações

de produção e a estrutura sociopolítica que delas diretamente decorrem determinam

os contatos verbais possíveis entre indivíduos, e as formas e os meios de

comunicação verbal nos âmbitos do trabalho, das relações interpessoais e, a partir

destas, se estabelecem observações que cada esfera social apresenta numa

orientação sócio-histórico-cultural para a realidade.

Diante das ideias supracitadas, vale considerarmos que o jornalismo de

revista, caso dos artigos de opinião em análise neste trabalho, pode ser diferenciado

40

de outras mídias não apenas por aspectos sociais e históricos de produção, mas

principalmente por sua construção discursiva, pelas projeções ideológicas e pelos

recortes valorativos materializados, pois estas percepções podem viabilizar

inferências.

Nesse contexto, o ato de apresentar fatos e acontecimentos produz um

processo multifacetado de discursivização, ordenação, planejamento, construção e

avaliação de informações mediadas pelo discurso. Decorre que podemos entender

que esse processo implica que os discursos da esfera do jornalismo refletem e

refratam construções do real. Portanto, é fundamental analisarmos o ato ético, a

alteridade, a responsividade, a posição axiológica, a construção dos sentidos

decorrente do uso de aspas, embora não sejam propriamente os fatos

especificamente como acontecem na realidade social, mas transposições

axiologicamente refratadas desse real observado no social e transformado.

Considerando as especificidades do gênero “artigo de opinião” e da

esfera jornalística na qual se insere nosso corpus, torna-se importante concluirmos o

papel do enunciador no momento da enunciação por meio da citação:

deve ser entendido, antes de tudo, a partir do acontecimento da obra como participante dela, como orientador autorizado do leitor. Compreender o autor no universo autorizado de sua época, no seu lugar no grupo social, a sua posição de classe. (BAKHTIN, 2010, p.191)

A orientação autorizada mencionada acima liga-se ao conceito de ato

criador, assim, adotamos para realização das análises o conceito pertinente:

O efetivo ato criador (como aliás qualquer ato em linhas gerais) sempre se move nas fronteiras (axiológicas) do mundo estético, da realidade (realidade do dado – realidade estética), na fronteira do corpo, na fronteira da alma, move-se no espírito; o espírito ainda não existe; para ele tudo ainda está por vir; para ele tudo o que existe já houve. O autor (enunciador) deve ser entendido, antes de tudo, a partir do acontecimento da obra como participante dela, como orientador autorizado do leitor. Compreender o autor (enunciador) no universo histórico de sua época, no seu lugar no grupo social, a sua posição de classe. (BAKHTIN, 2010, p.190-191)

Entendendo que o enunciador deve ser entendido no universo histórico de

sua época, quanto ao ato ético consideramos:

O ato para Bakhtin envolve essencialmente responsabilidade ética. O que é sim negado é que seja possível derivar compromissos éticos (da ordem da vida vivida) da verdade lógica de proposições morais (da ordem da abstração teórica e da generalização formal). Em Bakhtin, todo dever ético

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nasce em situação, ou seja, mantém a estrutura comum que compartilha com outros deveres éticos, mas se realiza de maneira específica, dependente da situação concreta. (BRAIT, 2010, p. 31)

Depreendemos a partir das citações que o ato criador envolve

responsabilidade ética, em relação a responsividade adotamos o conceito

apresentado por Sobral (2009):

A avaliação responsável, ou ato valorativo ético, organiza os atos do (inter-) agente, sendo portanto o aspecto arquitetônico (organizacional) do ato, o cimento que cria a totalidade que é o ato, sempre ético (mesmo apesar dos sujeitos). (SOBRAL, 2009, p.59)

Estabelecendo relações entre os conceitos, vale também considerarmos a

posição responsiva:

O ouvinte, ao perceber e compreender o significado (linguístico) do discurso, ocupa simultaneamente em relação a ele uma ativa posição responsiva: concorda ou discorda dele (total ou parcialmente), completa-o, aplica-o, prepara-se para usá-lo, etc. [...] Toda compreensão da fala viva, do enunciado vivo é de natureza ativamente responsiva (embora o grau desse ativismo seja bastante diverso); toda compreensão é prenhe de resposta, e nessa ou naquela forma a gera obrigatoriamente: o ouvinte se torna falante. (BAKHTIN, 2010, p. 271)

Beth Brait (2008), na obra “Dialogismo e construção do sentido”, aborda

além das questões de texto e discurso, aspectos pertinentes aos princípios

dialógicos, aos diálogos entre interlocutores, e ainda os diálogos entre discursos,

aspectos que nos interessam para realização da análise:

Bakhtin influenciou ou antecipou as principais orientações teóricas dos estudos sobre o texto e o discurso [...] suas reflexões variadas sobre o princípio dialógico que anteciparam e influenciaram os estudos do discurso e do texto, com esse fim, organiza-se sobre a concepção de texto (discurso ou enunciado) como objeto das ciências humanas, e sobre o princípio dialógico e seus desenvolvimentos em diferentes teorias do discurso e do texto. A segunda parte subdivide-se, por sua vez, em duas outras: uma sobre o diálogo entre interlocutores, outra sobre o diálogo entre discursos (ou enunciados, no dizer de Bakhtin). (BRAIT, 2008, p. 25)

Decorre então a necessidade de adotarmos, nas análises, o conceito de

interdiscursividade e intertextualidade. E sobre o conceito de intertextualidade e

interdiscursividade orienta-nos Brait (2010) em “Bakhtin: outros conceitos-chave”:

Bakhtin opera com a noção de intertextualidade, porque considera que o diálogo é a única esfera possível da vida da linguagem. Por isso ele vê a escritura como leitura do corpus literário anterior e o texto como absorção e réplica a um outro texto.Está aí entronizada a noção de intertextualidade coo procedimento real de constituição do texto. O dialogismo é sempre

42

entre discursos. O interlocutor só existe enquanto discurso. (BRAIT, 2010, p.165)

Em “Marxismo e Filosofia da linguagem”, Bakhtin (1979) apresenta ideia

de que do interdiscurso emerge o sentido:

Um enunciado vivo, significativamente surgido em um momento histórico e em um meio social determinados, não pode deixar de tocar em milhares de fios dialógicos vivos, tecidos pela consciência sócio-ideológica em torno do objeto e de participar ativamente do diálogo social. De resto, é dele que o enunciado saiu: ele é como sua continuação, sua réplica... Os "fios dialógicos vivos" aos quais se refere o autor são os outros discursos colocados como constitutivos do tecido de todo e qualquer discurso. É do interdiscurso que emerge o sentido. (BAKHTIN, 1979, p.130)

Os conceitos de interdiscursividade e intertextualidade relacionam-se e

encaminham para analisar a constituição de sentidos a partir das ocorrências destes

elementos, também pela observação dos aspectos dialógicos, dessa forma torna-se

importante considerarmos:

Na realidade não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas verdades ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis, etc. A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial” (BAKHTIN, 2010)

A citação atende perfeitamente o objetivo deste trabalho: analisar a

constituição de sentidos por meio das marcas do dialogismo observadas a partir da

escolha lexical, interdiscursividade, intertextualidade, posicionamento axiológico do

enunciador, responsividade e alteridade no artigo de opinião, e são acionadas n

capítulo de análise.

De acordo com os conceitos bakhtinianos, quando se fala em dialogismo

constitutivo, pensa-se em relações com enunciados já constituídos e, portanto,

passados. Com base nestes conceitos, espera-se sempre uma compreensão

responsiva ativa, pois este constrói-se especificamente para uma resposta, seja ela

uma concordância ou uma refutação. Analisar questões pertinentes à

responsibilidade a partir de Sobral (2008) também contribuem para entendimento da

constituição de sentidos no corpus.

Há, comumente, um imenso fosso separando o uso de termos relativos ao respeito às diferenças e a responsibilidade concreta por esse uso, que se reflete necessariamente em práticas éticas em todos os planos da vida. Nesse sentido, em nossos dias, “co-construção”, “diálogo”, “interação” etc. se tornaram conceitos essenciais, ao lado de “responsabilidade” e “ética”. (SOBRAL, 2008, p.21).

43

É necessário lembrarmos que o dialogismo composicional trata da

incorporação pelo enunciador da voz ou vozes de outros no enunciado. Segundo a

leitura de Fiorin, a partir dos conceitos apresentados por Bakhtin e seu Círculo,

dialogismo composicional são maneiras externas, visíveis de mostrar outras vozes

no discurso, nesse âmbito podemos identificar a paródia, a estilização, a polêmica

clara ou velada e ainda a utilização de discurso indireto livre.

A partir destes conceitos cabe uma citação de Adail Sobral (2009).

Sumariamente, pode-se dizer que, de um lado, muitos dos usos dessas palavras podem vir a ser uma forma de declarar um compromisso com uma concepção de mundo, de linguagem, de sociedade etc., que valoriza a interação entre os agentes sociais e vê a todos como parceiros diferentes e com igual valor, sem por isso levar de fato a um compromisso concreto com essa concepção, à responsabilidade por suas implicações.” (SOBRAL, 2012, p.10, In: BERTI-SANTOS (org.) 2012, p. 10)

É fundamental lembrarmos que na obra “Para uma filosofia do ato”, obra

originalmente publicada em 1916, Bakhtin realça que os atos humanos envolvem

tanto a “responsividade” do agente aos outros, como a “participatividade” do agente

em seus atos, sua “responsabilidade” por suas atitudes. Dessa forma une o

responder a alguém ou a alguma coisa ao responder pelos próprios atos.

Daí pode-se depreender que o ato “responsível” (ou ato ético) envolve o

seu conteúdo e processo, que são ligados, na “unidade do sentido”, pela

valoração/avaliação do agente com respeito a seu próprio ato. Vale salientar que

em Bakhtin (2010), o pesquisador demonstra que o dialogismo é mais que forma

composicional, abrange a forma de funcionamento da linguagem, comtempla

também o modo de constituição do enunciado, a forma de materializar e, por estes

recursos consegue tornar visível o discurso alheio no próprio enunciado acionando

o princípio de funcionamento da própria linguagem.

Pensando o funcionamento da linguagem e por meio dela as

possibilidades de construção de sentidos, importante lembrar que ainda em Bakhtin

(2010), o filósofo apresenta profundas reflexões sobre cultura, pois o ato de

comunicar está diretamente relacionado aos aspectos culturais, e em análises

dialógicas discursivas estas observações são fundamentais.

44

Diante destas constatações, analisar a esfera social do jornalismo é

fundamental no processo de pesquisa e escolha de fundamentações teóricas para

nortear desenvolvimento da dissertação, bem como para destacarmos que esta

tipifica as situações de interação, estabilizando relativamente os enunciados que

nela circulam, originando gêneros do discurso com características específicas dessa

esfera, e comprovando que conforme dito por Bakhtin (2010), “os gêneros

apresentam características relativamente estáveis, mas não são “engessados”.

As esferas sociais são apresentadas como princípio organizador dos

gêneros. Postula-se ainda que as relações de produção e a estrutura sociopolítica

que delas diretamente decorrem determinam os contatos verbais possíveis entre

indivíduos, assim como as formas e os meios de comunicação verbal nos âmbitos

das relações interpessoais e no mundo do trabalho.

Considerando Melo e Assis (2010) o artigo de opinião é identificado como

jornalismo de revista e pode ser diferenciado de outras mídias não apenas por

aspectos sociais e históricos de produção, mas sobretudo por sua construção

discursiva, pelas projeções ideológicas e pelos recortes valorativos materializados,

daí decorre a necessidade de considerar a responsividade, pois dizer é

comprometer-se com o dito, aspecto inerente ao gênero artigo de opinião, pois a

própria palavra opinião já expõe este aspecto. Este aspecto refere-se aos dois lados

da interação, do “eu e do outro”. Discerníveis, mas inter-relacionados, dessa forma

observamos que a co-construção do conhecimento é eticamente exigente, e está

ligada ao ato ético.

Compreendendo todos os elementos necessários a constituição de

sentidos, torna-se fundamental destacarmos que o ato de apresentar fatos e

acontecimentos gera um processo multifacetado de discursivização, ordenação,

planejamento, construção e avaliação de informações mediadas pelo discurso.

Entendemos que esse processo implica que os discursos da esfera do jornalismo

refletem e refratam construções do real, embora não sejam propriamente os fatos

especificamente como acontecem na realidade social, mas transposições

axiologicamente refratadas desse real observado no social e transformado. Quanto a

isto podemos ponderar que:

45

O autor se forma axiologicamente em primeiro lugar, e essa diretriz artística lhe determina a posição litero-material Chamamos estilo à unidade de procedimentos de informação e acabamento da personagem e do seu mundo e dos procedimentos por esse determinados, de elaboração e adaptação (superação imanente) do material. (BAKHTIN, 2010, p.186).

Em Bakhtin (2010) é possível observarmos a distinção entre autor pessoa

(empírico) e autor criador (enunciador), distinção necessária à análise de artigos de

opinião. O texto conceitua que aquele se apresenta como o escritor, ou seja, agindo

artisticamente, enquanto este se posiciona discursivamente como elemento

constituinte (estético e formal) da obra. Diante destas constatações, observamos

que para Bakhtin, a posição discursiva do enunciador está intimamente relacionada

ao gênero do enunciado, sobretudo porque cada gênero de discurso possui uma

autoria autorizada, e no caso do artigo de opinião isto é inerente, portanto esta

característica deve ser considerada.

Nas obras Problemas da Poética de Dostoievski (BAKHTIN, 2002), e

Estética da Criação Verbal, (BAKHTIN, 2010), Bakhtin afirma que a função do autor

criador (enunciador) deve ser compreendida como uma posição estético-formal cuja

característica central é consubstanciar o discurso com posição axiológica e projeção

ideológica recortada e refratada, conceitos que se encaixam no corpus.

A partir da análise destes referenciais teóricos, podemos inferir que no

artigo de opinião, nosso objeto de análise, o autor criador manifesta-se numa

posição refratada e refratante. Posição refratada por ser uma posição axiológica,

recortada pelo viés valorativo do autor-pessoa; e também refratante, sobretudo

porque a partir dela se recortam e se reordenam esteticamente os eventos da vida

social abordados no gênero.

“Por trás de cada texto está o sistema da linguagem. A esse sistema correspondem no texto tudo o que é repetido e reproduzido e tudo que pode ser repetido e reproduzido, tudo o que pode ser dado fora de tal texto (o dado). Concomitantemente, porém, cada texto (como enunciado) é algo individual, único e singular, e nisso reside todo o seu sentido (a sua intenção em prol da qual ele foi criado). É aquilo que nele tem relação com a verdade, com a bondade, com a beleza, com a história. (BAKHTIN, 2010, 136)

46

2 ASPECTOS DIALÓGICOS NA CONSTITUIÇÃO DE SENTIDO -

ANÁLISES

2.1 Preliminarmente

Adotamos como categoria de análise as escolhas lexicais, os aspectos

dialógicos, interdiscursivos, intertextuais, o posicionamento axiológico, a alteridade,

a responsividade, o ato ético e alguns casos de uso de aspas. Para procedermos a

análise do corpus, optamos por realizá-la trecho por trecho, sequencialmente,

identificando-os como: T.1. / T.2. e assim sucessivamente. Dessa forma respeitamos

a progressão textual e acrescentamos logo em seguida ao excerto os respectivos

comentários. Reunimos uma série de considerações gerais sobre aspectos que se

destacam na análise. Utilizamos como referencial os pressupostos da ADD (Análise

dialógica discursiva), e as fundamentações teóricas apresentadas no capítulo I.

Considerando os textos: “Por que os homens nos matam” de Lya Luft, (v.

anexo A) publicado na revista Veja em 21 de julho de 2010, página 26, e, “Marina

Morena” de Ruth Aquino, (v. anexo B) publicado na Revista Época em 22 de agosto

de 2009, selecionados como corpus desta dissertação, salientamos que os mesmos

inserem-se na esfera jornalística como “Artigo de Opinião”.

Conforme fundamentação teórica apresentada no capítulo I, para análise

do texto opinativo adotamos os conceitos pertinentes aos aspectos dialógicos,

sobretudo enunciação, enunciador, posicionamento axiológico, interdiscurso e

intertextualidade, ato ético, alteridade e responsividade, já apresentados.

É fundamental destacarmos que a esfera do jornalismo de revista

apresenta história e características específicas, por isso as análises devem abranger

observações das condições de produção, da instituição e do enunciador.

Considerando que cada esfera social apresenta uma orientação sócio-histórico-

cultural para a realidade, torna-se relevante analisarmos àquelas relativas as

Revistas Veja e Época, na materialidade dos textos de Lya Luft e Ruth Aquino.

Importante observarmos que ambas revistas são destinadas prioritariamente às

camadas socioeconômicas A e B. Em análises de artigos de opinião a

47

responsividade deve necessariamente ser considerada, pois o gênero marca este

aspecto, então vale analisarmos a citação de Sobral (2012):

Uma concepção do sentido e do conhecimento como co-construídos, co-construção, algo que envolve uma entoação avaliativa e uma responsividade ativa, que se pressupõem mutuamente, com efeito, é uma concepção que acentua o papel de cada sujeito, em suas apropriações situadas, na objetivação do mundo, uma atribuição que envolve responsabilidade ética, ou “responsibilidade”, isto é, tanto a responsabilidade de cada indivíduo diante dos outros, como sua “responsividade” aos outros. A entoação avaliativa e a “responsividade ativa” são socialmente reconhecíveis, mas sempre figuradas como obra de um dado sujeito, que deve “responsibilizar-se” por essas, sem álibi, sem escapatória ou desculpa, no aqui e agora. (SOBRAL, in: BERTI SANTOS, 2012).

Verifica-se que nos artigos assinados por Lya Luft e Ruth Aquino, o autor-

criador, ou seja, o enunciador é quem dá forma ao conteúdo, pois não apenas

recorta e reordena os eventos da vida, mas realiza-o a partir de determinada posição

axiológica observável nas unidades discursivas, na escolha lexical.

No corpus, as enunciadoras, Lya Luft (Revista Veja), e Ruth Aquino

(Revista Época), no processo de escritura do texto (no decorrer do ato) deslocam-se

do plano empírico para o estético-discursivo, ou seja, o discurso do autor-criador não

é o discurso direto do autor empírico (da escritora), mas materializa a construção

refratada axiologicamente desse discurso.

Assim, o enunciador é, no caso do artigo de opinião, capaz de trabalhar

numa linguagem enquanto permanece fora dessa linguagem. E, o gênero permite

que caiba ao leitor construir os sentidos interagindo com os elementos

apresentados. Os artigos recuperam pelos enunciados um momento da história

político-social brasileira.

Importante lembrarmos que Lya Luft, além de contribuir no âmbito do

jornalismo é escritora de romances e professora universitária. Gaúcha, nascida em

1938, descendente de alemães com poder aquisitivo familiar privilegiado para a

média nacional. Desde criança estudou Goethe e Schiller. Iniciou sua vida literária

traduzindo obras de Virgínia Wolf, posteriormente tornou-se romancista, poetisa e

colunista. Mantém semanalmente uma coluna na Revista Veja, na qual apresenta

artigos de opinião. Sua formação permite unir aspectos do jornalismo à articulações

48

de unidades discursivas que estabelecem recursos de linguagem, mais comuns na

literatura, como a ironia, por exemplo.

Ruth Aquino atua como editora (chefe) na revista Época, na qual também

contribui como colunista apresentando semanalmente um artigo de opinião é

blogueira e repórter especial. Desde 1974 trabalha com notícias de jornal, rádio,

mídia e organização. Como repórter, trabalhou na revista Manchete, na rádio BBC,

em Londres, no Jornal do Brasil, como correspondente em Londres de Fórmula 1,

política, economia e comportamento, foi editora-chefe e diretora de multimídia do

jornal “O Dia” no Rio de Janeiro, diretora de projetos especiais da Editora Abril,

correspondente da Editora Abril em Paris, redatora-chefe e diretora da sucursal do

Rio de Janeiro da revista Época, da Editora Globo.

Foi presidente do Forum Mundial de Editores (WEF), da WAN

(Associação Mundial de Jornais), com base em Paris. Foi consultora de multimídia

para Ifra, organização baseada na Alemanha e especializada em tecnologia de

redações e no novo profissional de jornalismo. Apresenta formação mais voltada ao

jornalismo, mas atua escrevendo sobre “comportamento”, ou seja, sobre interação

humana. Assim revela no estilo de escrita “um olhar” de quem sabe selecionar

exemplificações de “comportamentos e discursos” que conseguem estabelecer

“alteridade” para os sujeitos participantes do discurso, estabelecendo pelas

escolhas, posicionamentos.

Sendo o corpus em análise um artigo de opinião, considerar questões

pertinentes a dialogização é fundamental, pois ela é acionada para estabelecer

sentidos, e, uma vez que esse texto é marcado pela argumentação, por persuasão,

tanto que os enunciadores deste tipo de texto são no meio jornalístico também

conhecidos como “articulistas”, relembramos que temos como um dos objetivos a

observação destes elementos, pois impactam a constituição dos sentidos.

Ao analisarmos elementos da ADD que possam contribuir para

desenvolvimento de leitura proficiente, e a decorrente constituição de sentidos,

percebemos que identificar marcas do dialogismo pode subsidiar leitura interativa,

pois as dominando, o leitor pode ser ativo na construção de sua compreensão. O

artigo constitui-se e é constituído de discursos e sua leitura profícua depende do

49

entendimento de sua linguagem verbal, considerando que é da materialidade

linguística que o enunciador (autor-criador) estabelece os sentidos por seus

discursos internos, sua memória discursiva, seus discursos éticos, políticos e morais.

Os artigos de opinião geralmente são escritos em primeira pessoa, pois

se trata de um texto com marcas pessoais e indícios de subjetividade, mas, no

corpus, em alguns trechos é possível observarmos a utilização da terceira pessoa,

estabelecendo fator de atração e identificação do leitor com as ideias expostas, pois

assemelha-se a um diálogo. Alteridade, marcas de posicionamentos axiológicos e

ato ético são marcas frequentes nos artigos de Ruth Aquino e Lya Luft, fato a ser

comprovados no decorrer das análises e considerado na escolha dos textos.

No caso dos artigos de opinião escritos por Lya Luft (Revista Veja), e

Ruth Aquino (Revista Época) vale destacar que os destinatários e superdestinatários

são adultos, já no mercado de trabalho, e que para interação social neste ambiente

precisam estar bem informados, o que pode ocorrer facilmente a partir da leitura dos

artigos, pois apresentam linguagem simples e tema de interesse humano. Há nos

artigos diversas vozes que se manifestam. Segundo Berti Santos (2012):

é a alternância dos sujeitos que emoldura o enunciado, o que permite a ele estar ligado a outros aos quais responde e pelos quais é respondido. A relação valorativa do enunciador com o objeto de seu discurso determina os recursos lexicais, gramaticais e composicionais do enunciado. Portanto, o estilo individual do enunciado é determinado pelo aspecto expressivo. As palavras, nas situações discursivas, são enunciações valorativas, uma vez que adquirem, em determinadas condições político-sociais valores específicos. (BERTI SANTOS, 2010, p.103)

Segue uma citação de Lya Luft que pode ampliar nossa percepção sobre

a manifestação discursiva:

Não existe isso de homem escrever com vigor e mulher escrever com fragilidade. Isso não existe. É um erro pensar assim. Eu sou uma mulher. Faço tudo de mulher, como mulher. Mas não sou uma mulher que necessita de ajuda de um homem. Não necessito de proteção de homem nenhum. Essas mulheres frageizinhas, que fazem esse gênero, querem mesmo é explorar seus maridos. Isso entra também na questão literária. Não existe isso de homens com escrita vigorosa, enquanto as mulheres se perdem na doçura. Eu quero escrever com o vigor de uma mulher. Não me interessa escrever como homem. (LUFT, 2010, p. 2, Projeto Releitura)

A citação, disponível no site Projeto Releitura de Arnaldo Nogueira Júnior,

acesso em 22 de janeiro de 2013, de Lya Luft, sobretudo quando apresenta antítese

50

entre o desprestígio do trabalho feminino em relação à valorização social do trabalho

do homem em pleno século XXI demonstra seu posicionamento quanto ao ato de

escrever, ou seja, de materializar ideias.

As Revistas Veja e Época são publicadas semanalmente. A Veja com

uma tiragem superior a um milhão de exemplares, a Época quatrocentos e vinte mil

exemplares semanais, de acordo com a ANER (Associação Nacional de Editores de

Revistas, acesso em 08 de maio de 2013). São as duas revistas de maior circulação

no Brasil, portanto ter um artigo publicado neste veículo possui significativa

repercução, sobretudo porque todas as seções são assinadas.

Na esfera jornalística, o artigo de opinião é considerado um texto em que

a voz do enunciador expõe seu posicionamento diante de algum tema atual e de

interesse de uma coletividade representando um discurso, um grupo social (um

sujeito social). Conforme já afirmamos, este tipo de texto apresenta marcas da

dissertação pela apresentação de argumentos sobre o assunto abordado, portanto,

cabe ao escritor além de expor ideias, sustentá-las através de informações

coerentes e admissíveis, fatos que serão observados nas análises.

Por conseguinte, o leitor (coautor do enunciado), coenunciador portanto,

ativando sua posição responsiva, pode recuperar seus discursos internos,

relacioná-los aos externos, e constituir o sentido do enunciado. Dessa interação

entre atos e sujeitos decorre o processo contínuo de criação de sentidos.

2.2 Análise do artigo: “Por que os homens nos matam” de Lya Luft

De acordo com Sobral (2009) a interação é constitutiva do processo

contínuo da criação de sentido passando por níveis, sendo o primeiro o do

intercâmbio verbal, o ambiente físico, os meios materiais de mediação da interação,

o contexto, as posições dos interlocutores. Em seguida, o nível do contexto social

imediato, e o nível mais amplo: o horizonte histórico que abrange a cultura geral e as

relações entre culturas.

O artigo, entendido como genro discursivo e dialógico é constituído por

uma forma composicional e uma arquitetônica. A forma composicional está ligada a

51

língua, as estruturas textuais, a materialidade. E a arquitetônica relaciona-se com o

projeto enunciativo da enunciadora.

O artigo de Luft, recupera um momento político social importante (uma

cronotopia), a mídia brasileira e internacional divulgava exaustivamente o

desaparecimento de Elisa Samúdio, uma jovem que, naquele período, suspeitava-se

ter sido morta, com traços de crueldade e horror, a mando do então goleiro do

Flamengo: Bruno. Dessa forma a violência doméstica, em especial, a violência

contra mulheres volta a ser discutida pela sociedade.

O título “Por que os homens nos matam” traz pela seleção lexical do

pronome “nos” a ideia de que o sujeito que se manifesta na enunciação esta

irmanado com a problemática, embora em seguida mencione “Nunca vi nem escutei

um homem batendo numa mulher.”, e nesse trecho utilizando o pronome em

primeira pessoa marca posicionamento do enunciador, e se afasta.

O distanciamento insere a manifestação de um aparelho ideológico

“elitizado” em relação à realidade social da maior parte da população brasileira, e

que embora transmita a ideia de não vivenciar no âmbito familiar esta problemática,

não fica indiferente a ela, dada a gravidade com a qual a sociedade lê o fato.

Podemos observar também que este posicionamento dialoga com o perfil dos

leitores da Revista Veja (classes socioeconômicas A e B), portanto há traços de um

sujeito social que se manifesta no discurso. Assim, a enunciadora por este

movimento de aproximação e afastamento evidencia sua alteridade, sua postura

axiológica: reconhece a existência da problemática, da necessidade de denúncia,

mas posiciona-se fora dela.

Vale mais uma vez informar que a análise investiga como pela

materialidade linguística do enunciado podemos constituir sentido, considerando

como pelo dialogismo, intertextualidade, interdiscursividade, pelo tom valorativo,

pela alteridade do sujeito, posicionamento axiológico, posicionamento ético o sentido

se estabelece. A análise das vozes que se manifestam são objetos de investigação

para proceder análises. Traço de indignação social, como voz de uma coletividade

pode ser analisado no excerto:

52

T.1 Não tenho a menor tolerância com a figura do pai e marido boçal, que usa o

stress no trabalho como desculpa para gritar ou distribuir bofetões em casa. Nunca

vi nem escutei um homem batendo numa mulher. Mas histórias a respeito, ah,

muitas pululavam em comentários dos adultos, e nas minhas fantasias de criança

com excesso de imaginação, que aumentava encantos e pavores.

No trecho: “Não tenho a menor tolerância com a figura do pai e marido

boçal, que usa o stress no trabalho como desculpa para gritar ou distribuir bofetões

em casa.”

Analisamos em “marido boçal” uma marca cronotópica, antiga, uma gíria

que critica, marca posição axiológica, e identifica pela adjetivação o tipo de homem

que age com violência. Boçal em contraponto com “figura do pai” que nesse

contexto produz um embate com o marido agressor. Na definição da agressão como

“bofetão” há uma carga valorativa maior, na qual o enunciador se coloca, se

posiciona axiologicamente.

Embora o trecho esteja em primeira pessoa “... nas minhas fantasias de

criança...” é possível estabelecer a demonstração de preocupação da sociedade

quanto à temática:” na manifestação do sujeito “Mas histórias a respeito, ah,

pupulavam em comentários dos adultos...”

No trecho: “Nunca vi nem escutei um homem batendo numa mulher Mas

histórias a respeito, ah, muitas pululavam em comentários dos adultos, e nas minhas

fantasias de criança com excesso de imaginação, que aumentava encantos e

pavores..”

De acordo com o dicionário Howais (2010), “Encantos”, s.m., significa:

coisa maravilhosa, ação de encantar por meio de supostas operações mágicas.”, e

pavores significam “s. m.” excesso de medo ou temor.”, analisamos então um

paradoxo, que marca traços psicológicos, posicionamento.

Embora, não conviva pessoalmente com a questão, o enunciador

demonstra sentir-se envolvido pela temática que culturalmente povoa o imaginário

dos brasileiros, devido a recorrência de notícias sobre este tipo de violência. A

53

menção ao excesso de imaginação relacionada às fantasias de criança confirma o

aspecto sociocultural.

T.2 Relatos como o do homem que regularmente se embebedava e batia na mulher,

os dois já de cabelos brancos. Os vizinhos incomodados às vezes reclamavam, mas

todos tinham medo dele e, afinal “a gente não quer se meter”. Os filhos adolescentes

do casal se refugiavam no fundo do pátio, os menorzinhos choravam. Até que um

dia um deles, crescido, se meteu entre os dois velhos, e disse: “Na minha mãe você

não bate mais. Ou eu te bato também”. Minha memória diz que o rapaz foi expulso

de casa e nunca mais o viram. A mãe recebeu disfarçados parabéns quando,

tempos depois, o velho cruel morreu, mas comentava-se que estava abalada.

Porque “mulheres são assim”. Será?

A adjetivação dos cabelos “brancos” permite analisarmos que a situação

se estabelece por longos períodos, as vezes a vida toda, e a relação entre violência

doméstica e a bebida também podem ser facilmente encontrada ma memória de

brasileiros das diversas camadas sociais.

Em: “Os filhos adolescentes do casal se refugiavam no fundo do pátio, os

menorzinhos choravam. Até que um dia um deles, crescido, se meteu entre os dois

velhos, e disse: “Na minha mãe você não bate mais. Ou eu te bato também”. Minha

memória diz que o rapaz foi expulso de casa e nunca mais o viram. A mãe recebeu

disfarçados parabéns quando, tempos depois, o velho cruel morreu, mas

comentava-se que estava abalada. Porque “mulheres são assim”. Será?”

Há várias vozes sociais presentes: “Na minha mãe você não bate mais”.

O pronome “minha” fortalece um posicionamento, demonstra envolvimento. Mas, em

“Minha memória diz que o rapaz foi expulso de casa e nunca mais o viram” há um

arrefecimento no posicionamento pelo desfecho frustrante, e a expressão “minha

memória” traz relatos de situações semelhantes no mundo da vida. A utilização do

pronome possessivo “minha” duas vezes seguidas referindo-se a duas diferentes

vozes estabelece um embate, e cabe ao leitor construir o sentido, traço nitidamente

dialógico.

54

Este trecho, sobretudo em “... a gente não quer se meter..” também traz

marcas de um posicionamento do sujeito social ligado ao tipo de leitor da revista de

veiculação do texto, que assim como mencionado no início do artigo nunca vivenciou

este tipo de violência, mas ouviu e “indignou-se.” Há um posicionamento axiológico

marcado.

No trecho supracitado, quem são “essa gente”? O enunciador se insere

ou a conveniência dele se insere simulando ato politicamente correto, ato ético, e se

afasta, pois desde a abertura do artigo de opinião posiciona-se do lado de fora da

questão, como observadora. A expressão “a gente” marca várias vozes sociais, mas

a autoria realmente se insere? Importante perceber isto para construção dos

sentidos e realizar leitura profícua.

Em:

A mãe recebeu disfarçados parabéns quando, tempos depois, o velho cruel morreu, mas comentava-se que estava abalada. Porque “mulheres são assim”. Será?”

A utilização da terminologia “mulheres” de forma generalizante provoca

novamente um distanciamento entre o “status” do sujeito que se constitui pela

materialidade do discurso, há alteridade diante da unidade discursiva manifestada e

as ocorrências de violência descritas.

A utilização de unidades discursivas como “... o velho cruel morreu...”, se

insere numa característica presente em artigos de opinião, a persuasão pelo uso da

adjetivação (“...velho cruel..”), nessa escolha linguística, a materialidade carrega

valores, juízos, o tom valorativo descrito por Bakhtin, e a partir dessa materialização

no discurso a alteridade do sujeito que enuncia se apresenta, se posiciona, o

adjetivo cruel marca o posicionamento, a contrariedade diante das ações descritas

como sendo dele, simboliza um tipo humano.

Quando é apresentado o questionamento: “Porque “mulheres são assim”.

Será?” Observamos um diálogo entre a alteridade da autora e a do leitor presumido,

em que fica evidenciada a recusa da autora em se inserir como protagonista da

violência contra as mulheres, posiciona-se como espectadora. Indignada, mas

apenas espectadora. Nesse fazer discursivo estabelece relações com o leitor

55

presumido e estabelece com ele uma atitude responsiva. A análise desta relação

pode permitir ao leitor construir os sentidos e dessa forma realizar leitura profícua.

Há uma aparente “cumplicidade” entre as ideias veiculadas pela autora

em seus enunciados, nos quais tenta estabelecer, pela atitude responsiva, um

diálogo de cumplicidade, ou seja, fazer com que o leitor responda às suas

ideologias, marcadas na materialidade do enunciado.

Quando o leitor analisa este posicionamento e o percebe, pode

instrumentalizar-se para ser agente no ato de ler, usa a análise dos posicionamentos

da autoria para estabelecer os sentidos do texto, e dessa forma avançar no domínio

da leitura e construção dos sentidos.

O uso do substantivo “mulheres”, ao mesmo tempo generaliza e adjetiva

“a mulher” que se sujeita a tal tratamento, generalização descrita por (AMOSSY,

2005). O uso desta unidade linguística desencadeia uma série de questionamentos

quanto à postura da mulher que aceita ser humilhada, e que é recorrente na

memória dos brasileiros devidos as frequentes descrições do fato pela mídia.

A pluralização do termo “mulheres” em “Porque “mulheres são assim”.

Será?” mais uma vez dialoga com o leitor, convida a construção dos sentidos, e

marca um estilo, um ato ético da autoria. A expressão ”Mulheres são assim” revela

também uma marca cronotópica, axiológica, dialógica. Retoma discursos históricos

das origens da humanidade, indelevelmente, pela presença genética, mantemos

essa característica, psicologicamente essa posição.

“Por que uma mulher aceita apanhar do parceiro ou ser humilhada por

ele, controlada, ironizada? Por que admite ser tratada com grosseria pelo filho

homem? O que deixou em nós, as remanescentes das cavernas, essa marca feia e

triste, essa deformidade que cola com a deformidade do ex-troglodita às vezes

assassino?” O trecho recupera e apresenta para reflexão, valores machistas, ainda

característicos da sociedade brasileira. Pelo ato ético convida à reflexão, a

construção dos sentidos.

56

T.3 Por que uma mulher aceita apanhar do parceiro ou ser humilhada por ele,

controlada, ironizada? Por que admite ser tratada com grosseria pelo filho homem?

O que deixou em nós, as remanescentes das cavernas, essa marca feia e triste,

essa deformidade que cola com a deformidade do ex-troglodita às vezes assassino?

É um dos mistérios humanos, nem todos engraçados ou curiosos, que talvez nunca

se expliquem.

Há novamente utilização do pronome nós: “O que deixou em nós, as

remanescentes das cavernas, essa marca feia e triste, essa deformidade que cola

com a deformidade do ex-troglodita às vezes assassino? O uso do pronome “nós”,

mais uma vez sugere cumplicidade entre mulheres (representadas pela alteridade)

que por circunstâncias sociais “assistem” a violência e àquelas que as vivenciam. O

sujeito revelado a partir da perspectiva de análise dialógica do discurso traz um

embate entre os sujeitos descritos nas exemplificações de violência contra a mulher

e àqueles que se indignam diante dos relatos, embora não as vivencie.

No trecho apresentam-se também traços de historicidade, como por

exemplo, em: “... remanescentes das cavernas...”, uma referência a milenar

manifestação da violência contra a mulher.

A voz do discurso manifesto quanto ao aspecto social projeta-se como

pertencente a uma classe social que combate e desperta reflexões quanto a questão

da violência contra a mulher, mas está “acima” desta mazela. No psicoafetivo

demonstra indignação tanto em relação às exemplificações descritas da violência

quanto a passividade das “mulheres” diante da agressão.

T.4 Não sei por que a brutalidade masculina e a submissão feminina fariam parte de

nossa estrutura psíquica ou de qualquer cultura. Mas não desconheço a ideia de que

o homem se cansa em trabalho sério, e a mulher se distrai em casa com as crianças

e as lides domésticas, às vezes, quem sabe, com um empreguinho “fora” - sem

direito a stress. A esta altura, matam-se no Brasil cerca de dez a doze mulheres por

dia. Não morte por assalto ou acidente de carro: assassinato na mão do parceiro.

Em certos lugares a explicação para os maus-tratos é simplória: “Os homens são

assim”, e pronto. Ou: “Mas ele não te deixa faltar nada” - significando trapos para se

cobrir, restos para comer temperados com lágrimas e solidão.

57

Em: “É um dos mistérios humanos, nem todos engraçados ou curiosos,

que talvez nunca se expliquem. Não sei por que a brutalidade masculina e a

submissão feminina fariam parte de nossa estrutura psíquica ou de qualquer

cultura.” A brutalidade descrita é de todas as culturas, ou é recorrente em algumas

apenas? O trecho mais uma vez encaminha para construção dos sentidos.

No trecho: “Mas não desconheço a ideia de que o homem se cansa em

trabalho sério, e a mulher se distrai em casa com as crianças e as lides domésticas,

às vezes, quem sabe, com um empreguinho “fora” - sem direito a stress” A voz que

se manifesta, materializa um discurso nitidamente machista, assim, de forma

dialógica, pelo embate “trabalho sério do homem”, “mulher se distrai em casa”

encaminha para análise. O uso do diminutivo “empreguinho” referindo-se às

atividades das mulheres também marca um posicionamento que fere a “ética”, e

propositalmente induz à reflexão, a reconstrução do ato ético.

A expressão “Matam-se” em “A essa altura, matam-se no Brasil cerca de

dez a doze mulheres por dia” revela impessoalização do sujeito, não mais o

troglodita, o assassino; mas o indefinido. Entretanto, essa aparente indefinição,

antes aumenta que diminui pelo dialogismo presente, o tom de denúncia.

A apresentação do “machismo” como denúncia retorna em “homens são

assim”, e pronto. Ou: “Mas ele não te deixa faltar nada”.

T.5 Para haver um opressor, dizemos, é preciso haver um oprimido. A mulher-vítima

é quem dá coragem ao truculento. O jogo sadomasoquista funciona quando há pelo

menos dois parceiros. Por que tantas vezes essa parceria mortal? A maioria dos

homens não é psicopata nem boçal. Não se alegra na dor da parceira, não precisa

lhe bater com palavras, atitudes ou punho fechado para se sentir mais homem. O

que leva uma jovenzinha aceitar, no começo ou no meio de uma relação, a

brutalidade masculina, numa frequência absurda? Cresceu em 90% nos últimos

tempos o número de mulheres que pedem socorro, no país inteiro, nas delegacias

da mulher ou grupos afins. Porém, esses locais são insuficientes ou mal equipados,

faltam funcionários, psicólogos, médicos, juízes, computadores. As famílias nem

sempre ajudam; amigos não querem interferir; a lei é vaga ou descumprida.

58

Analisamos argumento autorizado em “ O que leva uma jovenzinha

aceitar, no começo ou no meio de uma relação, a brutalidade masculina, numa

frequência absurda? Cresceu em 90% nos últimos tempos o número de mulheres

que pedem socorro, no país inteiro, nas delegacias da mulher ou grupos afins.

Porém, esses locais são insuficientes ou mal equipados, faltam funcionários,

psicólogos, médicos, juízes, computadores. As famílias nem sempre ajudam; amigos

não querem interferir; a lei é vaga ou descumprida.” A apresentação dos dados

aumenta a persuasão, mas, e o posicionamento axiológico? Qual o lugar da autoria

nesse contexto?

T.6 A sociedade omissa desvia o rosto. Enquanto os pedidos de ajuda se

multiplicam, as vítimas já tendo coragem de se queixar, querendo recuperar sua

dignidade ou salvar sua vida, a espera é tão longa e a punição tão branda que o

facínora realiza seu desejo animal: matar a indefesa. O pavoroso fim de mais uma

jovem por estes dias, que horroriza, comove e assusta o país inteiro e chega ao

exterior, destaca em nosso cotidiano de crueldade e medo o fato vergonhoso de

ainda sermos massacradas, humilhadas, muitas vezes mortas pelas mãos dos

nossos homens. E, se é assim, junto com tantos milhares de pessoas que querem

ver o fim disso, eu proponho: enquanto indivíduos, vamos ficar atentos, vamos

denunciar, ajudar, vamos agir. Enquanto sociedade, vamos prevenir, impor leis

severas, e socorrer as vítimas – tirando dos brutos e psicopatas seu reinado de

horror.

Em: “A sociedade omissa desvia o rosto.” A sociedade, apresentada por

um termo generalizante, desvia o rosto, e ela? Qual o ato ético, qual o

posicionamento axiológico?

A interdiscursividade é nítida quando menciona o pavoroso fim que mais

uma jovem brasileira teve, uma referência ao desaparecimento de Elisa Samúdio

que por ocasião da escrita deste artigo estava frequentemente na mídia.

No trecho: “Enquanto os pedidos de ajuda se multiplicam, as vítimas já

tendo coragem de se queixar, querendo recuperar sua dignidade ou salvar sua vida,

a espera é tão longa e a punição tão branda que o facínora realiza seu desejo

animal: matar a indefesa.“

59

Segundo o dicionário Howais (2010), vítima significa “s. f.” pessoa ou

animal ofendida por outro.”, e facínora significa “adj. s. m.” aquele que comete ato

perverso, criminoso, malfeitor, celerado.”

Analisamos por meio do par lexical “vítima e facínora” mais um embate

que revela pela relação dialógica marcas históricas da violência: o facínora realiza

seu desejo “animal”, a seleção das palavras marca o posicionamento axiológico, e

também, ato ético.

No período: “O pavoroso fim de mais uma jovem por estes dias, que

horroriza, comove e assusta o país inteiro e chega ao exterior, destaca em nosso

cotidiano de crueldade e medo o fato vergonhoso de ainda sermos massacradas,

humilhadas, muitas vezes mortas pelas mãos dos nossos homens.“

A gradação: horroriza, comove e assusta estabelece uma sequência de

sensações a partir da referência a Elisa Samúdio, que por ocasião da publicação

deste artigo de opinião estava presente em todas as mídias. Apresentar um dado

atual e real imprime no artigo de opinião um tom de denúncia.

A utilização do termo “pavoroso” que de acordo com o dicionário Howais

(2010) significa “adj. Aquele que apavora, medonho.” Marca a alteridade da autora

que se coloca axiologicamente, além de revelar também tom de denúncia ligada ao

ato ético. Quando define o fato como “vergonhoso” novamente se posiciona, e a

utilização do plural em “sermos massacradas, humilhadas, muitas vezes mortas

pelas mãos de nossos homens.” a inclui supostamente na problemática.

Entretanto, no decorrer de todo o texto, as questões são apresentadas

como se ela estivesse fora da questão, como observadora e àquela que denuncia,

vale lembrarmos que na abertura do artigo ela refere-se à lembranças e a “ouvir falar

de mulheres agredidas”, assim, vale analisar de que lugar ela realmente fala, afinal.

Mesmo diante destes posicionamentos marcados, no desfecho, a construção

sintática permite incluí-la.

Observemos especificamente o período: “ E, se é assim, junto com tantos

milhares de pessoas que querem ver o fim disso, eu proponho: enquanto indivíduos,

vamos ficar atentos, vamos denunciar, ajudar, vamos agir. Enquanto sociedade,

60

vamos prevenir, impor leis severas, e socorrer as vítimas – tirando dos brutos e

psicopatas seu reinado de horror.”

Em “com tantos milhares de pessoas que querem ver o fim disso” há um

novo afastamento, não é mais o “nós” que se manifesta, mas milhares de pessoas,

afinal, ela não estava inserida? Em seguida volta o “eu”. Em “eu proponho”, o “eu”

reaparece, agora como salvadora, com a solução. Embora surja o “eu”, a fala marca

instâncias sociais genéricas, e novamente observamos o afastamento no

posicionamento.

A conclusão do artigo conclamando “vamos denunciar, ajudar, vamos

agir” encaminha para efetiva participação dela, mas em seguida volta a utilização de

termo generalizante.

Em “Enquanto sociedade, vamos prevenir, impor leis severas e socorrer

as vítimas”, analisamos, mais uma vez, o posicionamento de distanciamento da

problemática. A alteridade fica marcada, o posicionamento axiológico presente na

utilização dos termos “tirando dos brutos e psicopatas seu reinado de horror.”

Constatamos que os posicionamentos oscilam no decorrer do artigo de

opinião, mas a finalização conclamando participação pode despertar no leitor

impressão de envolvimento e participação, estratégia persuasiva que merece e

justifica análise do processo de construção dos sentidos. Há utilização de aspas em

alguns trechos marcando a inserção de outras vozes, transferência responsiva.

2.3 Análise do artigo: “Marina Morena, você se pintou” de Ruth Aquino

O artigo de opinião “Marina morena, você se pintou” de Ruth Aquino,

publicado em 22 de agosto de 2009 pela Revista Época apresenta-se como um “pré-

texto”, pois a partir da comparação entre a “Marina” da música de Caymmi, e

“Marina Silva”, ex-ministra do meio ambiente, foi possível construir no texto todo um

posicionamento político-social-ideológico em relação à situação do Brasil, no

momento da enunciação: agosto de 2009, um ano antes da eleição presidencial que

acontecera em 2010.

61

O jogo sonoro apresentado no trecho inicial do artigo de opinião

apresenta um embate entre a imagem da Marina descrita na música de Caymmi, a

Marina Morena que se pinta, mas é bonita sem se pintar, e Marina Silva que não se

pinta porque é alérgica a maioria dos produtos utilizados em maquiagem. Há nas

descrições apresentadas pelo enunciador articulações que encaminham para

construção da identidade da ex-ministra. Historicamente a menção a ela não utilizar

maquiagem remete ao interdiscurso “cara limpa”, uma alusão a descrita ética

apresentada na introdução do artigo.

Entretanto, há uma reportagem de 09 de junho de 2010, disponibilizada

em www.beleza.terra.com.br assinada por Cecília Paterno, acessada 27 de

maio/2013, produzida no momento em que Marina Silva já era pré-candidata à

presidência da república e que revela que ela tem cuidados especiais com a pele e

não abusa de qualquer tipo de cosmético porque criada em meio a floresta, na

localidade de Seringal Bagaço, no estado do Acre, sobreviveu a cinco malárias, três

hepatites e a uma leishmaniose. E exatamente para tratar dessa última doença,

recebeu 45 injeções de um remédio à base de antimônio, que resultou em sequelas

nos rins, pâncreas, visão e alergia generalizada. A jornalista Cecília Paterno

reproduz o discurso da ex-ministra: "Eu sou muito alérgica, muito mesmo. O fato de

usar pouca maquiagem é em função desta alergia. É raro encontrar um produto que

não me dê alguma reação”.

A reportagem foi disponibilizada, quase um ano depois da publicação do

artigo, mesmo assim, fica na escolha do enunciador do artigo de opinião um

posicionamento que na macroestrutura do texto alia as descrições da introdução“

Marina, você faça tudo, mas faça o favor. Não mude o discurso da ética, que é só

seu. Marina, você já é respeitada com o que Deus lhe deu. (...) Mas o eleitor não

poderia arranjar outra igual (...)” ao interdiscurso “de cara limpa” na referência de

“não utiliza maquiagem” um pressuposto ligado à ética. A atitude responsiva

decorre da marca dialógica.

O dialogismo constitutivo pode ser analisado pela reapresentação de

Marina Silva pela descrição detalhada em artigo de opinião publicado em revista de

circulação nacional um ano antes do lançamento oficial dos candidatos às eleições

presidenciais. Apresenta-se também uma marca do artigo de opinião, no qual o

62

enunciador é também considerado articulista, pois tê-la como assunto principal do

artigo é nitidamente uma forma de trazê-la de volta ao cenário político, não apenas

como ex-ministra do meio ambiente, mas como “mulher vencedora”, que saiu do

“nada” e tornou-se figura pública.

Há na enunciação um posicionamento axiológico, o enunciador pelo

aparente interdiscurso com a música de Caymmi estabelece uma avaliação positiva

em relação à Marina e desenvolverá o artigo a partir desse aspecto. Diante do

exposto, entendemos que em face da atitude responsiva ativa do outro perante o

enunciador, o enunciado pressupõe sempre, conforme Bakhtin (2010) uma

apreciação valorativa. Tal apreciação é norteada por avaliações que fazemos na

vida, com base em critérios éticos, cognitivos, políticos, religiosos ou outros, de

enunciados concretos, e envolvem elementos extraverbais, sem cujo conhecimento

se torna impossível compreender o discurso.

O artigo de opinião “Marina morena, você se pintou” de Ruth Aquino,

apresenta relação interdiscursiva e intertextual com a música “Marina” de Dorival

Caymmi, composição apresentada ao Brasil a partir de 1947. Até mesmo a

apresentação visual do trecho inicial do artigo, na Revista Época, está destacada no

início da página e lembra pelo posicionamento das orações e pela utilização de

rimas, a música de Caymmi. E pela escolha lexical aproxima-se da sonoridade do

ritmo da música, vale destacarmos também que a semelhança entre a escolha

lexical e a sonoridade estabelece intertextualidade e pode despertar remissão em

leitores que conheçam a canção, por acionar aspectos extratextuais.

T.1 Marina, você faça tudo, mas faça o favor. Não mude o discurso da ética, que é

só seu. Marina, você já é respeitada com o que Deus lhe deu. O povo se aborreceu,

se zangou, e cansou de falar. Lula e Dilma estão de mal com você e não vão

perdoar. Mas o eleitor não poderia arranjar outra igual para embaralhar o jogo

sonolento da sucessão em 2010. Ao menos num dos turnos, vamos discutir

princípios e fins. E principalmente os meios.

O trecho acima se apresenta como se fosse um diálogo com Marina Silva,

pela utilização da terceira pessoa. A escolha da apresentação do discurso em

63

terceira pessoa implica posicionamento ideológico, impacta na constituição de

sentido.

Por meio de um aparente “diálogo com Marina”, o enunciador apresenta

posicionamentos sobre a ex-ministra, e manifesta sua alteridade ao descrevê-la

como “ética”, como “política respeitada”, as ideias estabelecem um embate com o

descrito cenário político “sonolento”, pois pressupõe que os candidatos são sempre

os mesmos ou àqueles indicador por alguém que esteja no poder, por isso menciona

em dupla: “Lula e Dilma”.

Há desde a introdução do artigo uma reconstrução do sujeito (Marina

Silva) no mundo social, e marcas de “ato ético” por parte do enunciador que pela

seleção lexical descreve a ex-ministra de forma positiva, porém em estrutura que

aparenta neutralidade, pois parece estar “conversando” com ela. Em: “o eleitor não

poderia arranjar outra igual”, fica posicionado o objetivo de fazer com que Marina

Silva pareça superior aos demais possíveis candidatos.

T.2 Nem em suas orações diárias Maria Osmarina Marina da Silva Vaz de Lima

sonharia provocar tanto medo antes mesmo de decidir trocar o PT pelo PV. Nascida

no Acre, filha de seringueiros migrantes cearenses, analfabeta até os 16 anos,

aprendeu a ler quando trabalhava como empregada doméstica. A mãe tinha morrido.

Pelo Mobral, fez em quatro anos o primeiro e o segundo graus. Contraiu cinco

malárias, duas hepatites. Formou-se em história. Queria ser freira, mas virou

marxista. Hoje é evangélica. Tem quatro filhos. Foi a mais jovem senadora do Brasil,

aos 35 anos.

Apresentar o nome completo de Marina Silva representa a alteridade do

enunciador em articular sentidos e ao mesmo tempo estabelece ato ético. O

enunciador encaminha para acionarmos elementos extraverbais, pois a utilização do

sobrenome insere Marina como membro de uma família, materializa a ideia de

origem, de pertencimento.

A menção ao local de nascimento (Acre) aprofunda a ideia de que Marina

é uma brasileira que como milhares de mulheres deste país venceu as adversidades

de ter nascido num lugar remoto, e tornou-se uma raridade, uma política identificada

64

como ética, e por isso respeitada, mais uma vez observamos que a escolha lexical

marca um posicionamento axiológico e encaminha para constituição de sentido.

Identificar Marina como filha de “seringueiros migrantes cearenses” marca

ato ético e alteridade do enunciador pelas escolhas lexicais que estabelecem uma

gradação, e por meio delas estabelece sentido. O termo “seringueiro” desperta

historicamente a lembrança de “Chico Mendes”, famoso seringueiro morto como

consequência de sua luta em defesa da região amazônica e dos trabalhadores da

região, e associa a imagem de Marina a dele, marca mais uma característica de

“pessoa ligada às lutas sociais”, às lutas de interesse popular.

A utilização do adjetivo “migrantes” estabelece um “sujeito” marcado no

mundo social como àquele que não pode permanecer em sua região natal, mas que

por circunstâncias adversas precisou mudar-se. O enunciador, pela escolha lexical,

se posiciona axiologicamente, e ao mesmo tempo estabelece mais uma vez uma

imagem positiva da ex-ministra, pois pela utilização de aspectos históricos como a

migração a situa como parte desta problemática, mas situada como vencedora.

A gradação na apresentação alia-se a elementos extraverbais e completa-

se pela utilização do termo “cearenses”, assim, o enunciador constrói no

coenunciador a imagem de uma cidadã que venceu três adversidades reconhecidas

historicamente no Brasil: ser filha de seringueiros no Acre, extremo do país, ser filha

de migrantes, e de cearenses, ou seja, de nordestinos, identificados frequentemente

como migrantes, pois estes não encontram condições de sobrevivência em suas

regiões e são impelidos a migrarem.

No trecho: “analfabeta até os dezesseis anos, aprendeu a ler quando

trabalhava como empregada doméstica.” Analisamos que a menção ao

analfabetismo, pelo uso da adjetivação, introduz uma crítica social e identifica Marina

como mais uma vítima do precário sistema de educação regular no Brasil, pois a

informação de não ter sido alfabetizada até a adolescência marca um sujeito social

vitimizado pela falha do sistema. O posicionamento discursivo apresentado pelo

enunciador, neste trecho, permite ao coenunciador constituir sentido a partir das

descrições realizadas.

65

O enunciado, pela utilização de discurso em terceira pessoa, articulado

pelo enunciador, aborda diversas esferas de atividade e existência humana,

permitindo pela apresentação das exemplificações que o coenunciador estabeleça

sentidos, sendo portanto leitor ativo. Importante perceber que são apresentadas

características que estabelecem diálogos com questões ideológicas, como local de

nascimento, migração de nordestinos, analfabetismo, trabalho na adolescência,

realização de trabalho doméstico.

Quando o enunciador introduz a informação de que a ex-ministra aprendeu

a ler quando trabalhava como empregada doméstica, estabelece mais um elemento

extra linguístico, convida o coenunciador a desenvolver suas conclusões e

estabelecer sentidos. Pois, se ela só aprendeu a ler aos dezesseis anos, começou a

trabalhar ainda na adolescência, e “como empregada doméstica” remete tanto a ideia

de trabalho pesado para uma jovenzinha, quanto a realização de trabalho que não

requeria formação específica.

É possível estabelecer sentidos a partir dos trechos analisados

observando pelas escolhas lexicais que há na descrição, aparentemente inocente,

uma severa crítica social. Entretanto, o coenunciador somente estabelecerá sentidos

se acionar os elementos extralinguísticos, e é preciso considerar o impacto desta

descrição no momento de produção textual que precedia o lançamento das

candidaturas à presidência da república.

A utilização da expressão “a mãe tinha morrido”, apresenta-se mais

contundente que “a mãe morreu”, a escolha lexical e estrutural pelo uso da locução

“tinha morrido” marca posicionamento que potencializa as dificuldades enfrentadas

por Marina. A locução representa um prolongamento do sofrimento pela perda da

mãe.

O enunciador se manifesta no decorrer de todo o artigo, a ideologia que

representa está presente nas escolhas linguísticas que faz e pelo posicionamento

realizado a partir do lugar social que representa. Vale salientar que a estrutura pela

qual o texto se desenvolve estabelece uma atitude responsiva (no momento de

produção). Pertencer a esfera jornalística agrega ao artigo, pelo estilo de construção

de texto acionado pelo enunciador, características que remetem ao jornalismo de

66

informação, ou seja, ligados a apresentação de fatos e dados supostamente

verdadeiros, assim, o coenunciador pode ser persuadido a aceitação das descrições.

T.3 Lula a nomeou ministra do Meio Ambiente. Cinco anos depois, saiu derrotada e

desgastada. Ao pedir demissão, citou a Bíblia: “É melhor um filho vivo no colo de

outro”. O filho era a política ambiental. Ela tinha brigado com outra mãe cheia de

energia, a do PAC.

Em: “Lula a nomeou ministra do meio ambiente. Cinco anos depois, saiu

derrotada e desgastada. Ao pedir demissão, citou a Bíblia: “É melhor um filho vivo no

colo de outro.” Analisamos uma transferência responsiva, pois há na apresentação de

“Lula” como sujeito da nomeação de Marina uma responsabilização, um

“revozeiramento”.

Quando há menção da permanência da ex-ministra durante cinco anos no

cargo, um ano a mais que o período de mandato no cargo de “Presidente da

República”, a construção de sentidos decorre do pressuposto de que ela é estável,

confiável, cumpre o período necessário ao desenvolvimento do trabalho. Mencionar

que “saiu derrotada e desgastada” materializa pela utilização das lexias “derrotada e

desgastada” que fora injustiçada depois de cinco anos de trabalho, mais uma vez há

dialogismo na voz que é acionada apresenta uma atitude responsiva.

A expressão: “É melhor um filho no colo do outro.” Introduz um aspecto

intertextual, pois remete a uma citação bíblica encontrada em I Reis, capítulo 3, a

partir do verso 25-27: ”Melhor um filho vivo no colo de outra, que morto”. A citação

remete a parábola bíblica que descreve a disputa entre duas mulheres que se

identificam como a mãe de um mesmo bebê. O Rei Salomão, então diz que a solução

será cortar o bebê ao meio e entregar uma parte a cada uma, assim, a mãe

verdadeira, pensando no bem estar do filho, abre mão dele dizendo que o entregue a

outra. Nesse momento o rei a reconhece como a legítima mãe e entrega o filho a ela.

A utilização da expressão pelo enunciador além de acionar intertextualidade, marca o

embate entre Marina (mãe das questões ambientais) e Dilma que surge no artigo

como a mãe do PAC.

67

O termo “mãe do PAC” referindo-se à Dilma também marca

posicionamento, há um antagonismo entre as descrições das vitórias de vida de

Marina, diante das adversidades descritas, e “a mãe do PAC” que fora escolhida por

Lula, ou seja, privilegiada pela escolha de um sujeito acionado como representante

do poder máximo no país: a presidência da república. Há também um interdiscurso

no subentendido: se Lula é o pai, Dilma, a mãe. Marina lutou sozinha, Dilma, a

sombra de Lula. As escolhas lexicais estabelecem a alteridade de Marina e Dilma.

T.4 Católicos como Frei Betto e Leonardo Boff receberam telefonemas de Marina na

semana passada. Ela falou de desenvolvimento sustentável, de vida, de humanidade,

da terra.

O excerto 4 utiliza revozeiramento e introduz dois novos sujeitos: Frei

Betto e Leonardo Boff, e a eles atribui vozes sociais que supostamente apoiam

Marina embora sejam de religiões diferentes da dela. Há marca de responsividade,

ou seja, a eles foi atribuída uma suposta relação amigável com a ex-ministra, pois

novamente surge uma gradação ao mencionar que “ela falou de desenvolvimento

sustentável, de vida, de humanidade, da terra.”, questões reconhecidas em âmbito

histórico, extratextual como de interesse de ambos, pois, Frei Betto e Leonardo Boff

são reconhecidos socialmente por suas contribuições em lutas de interesse social.

Na constituição dos sentidos pela análise realizada pode-se inferir que as

exemplificações de apoio materializam uma suposta aceitação por parte até mesmo

dos representantes da Igreja Católica, mesmo Marina sendo identificada no texto

como protestante. Há nas escolhas lexicais e organização estrutural do texto uma

configuração de sujeito com ampla aceitação.

T.5 O mais forte cabo eleitoral de Marina, neste agosto, se chama José Sarney – e

tudo o que ele representa. O país ficou desgostoso com o presidente do Senado,

suas mentiras inflamadas na tribuna, seu sorriso bonzinho de avô da República – e

com o apoio incondicional de Lula ao maranhense. O nome Marina, sussurrado,

ganhou a força da natureza no olho do furacão em Brasília.

A expressão “Olho do furação” materializa um marcador sócio-histórico:

Sarney investigado. O fato era noticiado constantemente no momento de produção

68

do artigo, e podemos buscar no conceito de ato ético uma base para construção do

sentido.

A apresentação de mais um sujeito estabelece uma recorrente

transferência responsiva na materialidade das ideias. Quando o enunciador

descreve a relação de apoio de Lula à Sarney estabelece o pressuposto que

“mentiras inflamadas na tribuna” são aceitas pelo então presidente, quando convém

ao “jogo político” da sucessão.

Há na estrutura da construção sintática do texto mais um embate: Marina

e sua ética X as alianças por conveniência. A expressão: “O nome Marina,

sussurrado, ganhou a força da natureza no olho do furacão em Brasília.” Mais uma

vez a identifica como sujeito que prevalece, pois é descrita como “força da

natureza”, opção para os desmandos dos acordos escusos.

O termo “cabo eleitoral” marca um interdiscurso, pois no mundo da vida,

no âmbito político este termo normalmente refere-se àquele que faz campanha que

favorece o candidato, mas no caso da utilização no artigo, o enunciador faz o

oposto. Lula ter se aliado a Sarney, no momento de produção do artigo, ser

investigado por envolvimento com corrupção, antes prejudica sua candidata, e

beneficia Marina.

A escolha das exemplificações das vozes (dialogismos) que se

manifestam como sujeitos no texto também é responsiva, e também posicionam o

enunciador pois as ideias atribuídas a eles favorecem a identificação do sujeito

social na figura de Marina Silva. O leitor, coenunciador, estabelece sentidos a partir

das vozes que se manifestam, assumem também uma atitude responsiva.

T.6 O ex-ministro José Dirceu escreveu que o mandato da senadora “pertence ao

PT”. Marina disse que já enfrentou madeireiros, fazendeiros, cangaceiros: “Com

certeza o Zé (Dirceu) não fez isso para me intimidar; não faz parte do caráter dele.

É a alternância dos sujeitos falantes, apresentados no artigo, que traça a

fronteira entre os enunciados nas diversas esferas da atividade e existência

humana, decorre das atribuições linguísticas e condições da produção de

comunicação a constituição de sentido. O posicionamento discursivo reconstrói os

69

sujeitos a partir da ideologia representada na voz do enunciador, em sua maneira de

articular e apresentar as ideias, o coenunciador deve então buscar interpretação

ativa frente a uma realidade de sentido metafísico, sem sentido imanente. Esta ação

deve possibilitar criação constante de novas formas de agir, de construir pela

responsividade identidades, e subvertê-las quando não forem mais satisfatórias.

Ao introduzir o ex-ministro Zé Dirceu atribuindo a ele a fala arbitrária: o

mandato “pertence ao partido”, a alteridade do enunciador se manifesta

apresentando o sujeito social “Marina” mais uma vez em superioridade de postura.

Pelo uso das lexias na expressão: “Já enfrentou madeireiros, fazendeiros,

cangaceiros”, a gradação remete pela pressuposição, ou seja, por elementos

extratextuais, a persistência e a coragem dela, além de acionar por meio dos

vocábulos questões sociais polêmicas como as decorrentes da relação madeireiros

e desmatamento, fazendeiros e reforma agrária, e cangaceiros e precariedade de

ato jurídico no país. Dessa forma o artigo se aproxima das características da esfera

jornalística e também materializa crítica social.

T.7 O outro forte cabo eleitoral de Marina é a ministra Dilma Rousseff, pela falta de

carisma.

O trecho valida a ideia de que os diferentes discursos que configuram

uma comunidade, uma cultura ou comunidade, assim como elemento representativo

das relações discursivas que se estabelecem entre os sujeitos , são instaurados em

contextos que não estão apenas justapostos, como se fossem indiferentes uns aos

outros, mas encontram-se em situação de interação e de conflito tenso e

ininterrupto.

Ao enunciar que a então ministra Dilma Rousseff, pela falta de carisma é

forte cabo eleitoral de Marina, analisamos que não há enunciado neutro, há

posicionamento axiológico inerente. A escolha lexical e a construção sintática liga

Dilma a falta de carisma, e conecta por embate a ideia de que este fato privilegia

Marina.

A utilização mais uma vez da expressão “cabo eleitoral” remete pelo

interdiscurso às questões políticas historicamente ligadas a conquista do voto por

70

pressão e poder, pois o termo tem sua origem ligada ao coronelismo, ou seja, ao

exercício de poder arbitrário.

Dessa forma, analisamos que os termos acionados pelo enunciador

pressupõem diálogo com coenunciador que compreenda as analogias, e que a

seleção lexical é realizada a partir da imagem de sujeito que se pretende

desenvolver, portanto, responsiva.

T.8 Marina não ameaçaria tanto se a ministra do crescimento tivesse conquistado o

país ou ao menos seu próprio partido. Não se nega o valor pessoal de Dilma, mas

seu nome foi imposto. Lula botou na cabeça que vai eleger seu poste. “Da

campanha da Dilma cuido eu”, teria dito a um cacique do PT paulista.”

O trecho apresenta suposto discurso direto pela utilização da voz de Lula

na expressão: “Da campanha de Dilma cuido eu”, a enunciação da frase que

manifesta a campanha como fato já definido, e por essa construção revela a

arquitetura discursiva estabelecida pela presença constante de vozes, insere um

caráter heteroglóssico assim como dialógico, uma vez que esses enunciados

sempre pressupõem uma atitude responsiva do outro a quem se dirige.

Pensar a questão do sujeito estabelece uma relação de identidade

subjetiva, bem como a condição de inserção dessa identidade no plano relacional

responsável que lhe dá sentido. Vale salientar que mencionar Lula, no momento de

produção do artigo é marca significativa, pois ele era o presidente da república, e na

“voz” que o representa posiciona-se como principal cabo eleitoral de Dilma, marca

alteridade, e encaminha para constituição de sentido que traz nova crítica social; a

utilização da máquina do governo em benefício de um determinado candidato que

atende interesses.

Na frase: “Lula botou na cabeça que vai eleger seu poste”, a escolha

lexical do enunciador identifica e relaciona Dilma a algo inerte como um poste,

marca um interdiscurso com um “dito popular”, pois quando se diz “fulano é um

poste” significa dizer que é figurante apenas, que não é expressivo. Há

posicionamento axiológico e valorativo na construção. A analogia encaminha para

constituição de sentido que estabelece comparação entre os sujeitos: Marina que

71

vence adversidades e Dilma, um poste escolhido pelo presidente Lula para

concorrer a sua sucessão. O embate realizado pelas descrições de ambas

materializam linguisticamente o posicionamento do enunciador, e revela nítida

preferência por Marina.

Os recursos descritivos acionados para apresentar Dilma (falta de

carisma), “Lula resolveu que vai eleger seu poste” marcam posicionamento, assim

como, as expressões “cacique e cabo eleitoral” remetem a elementos que permitem

observação de ato ético.

T.9 “Faça tudo, mas faça um favor: não mude o discurso ético. Você já é respeitada

com o que Deus lhe deu.”

A reapresentação da relação entre ética e a imagem de Marina no final do

artigo também requer análise do dialogismo presente, pois pela analogia o

enunciador posiciona-se reforçando a ideia de ligação entre a ex-ministra e postura

ética. Elemento que historicamente é descrito como ausente no cenário político

brasileiro, a utilização do negrito na revista marca também a ideia norteadora do

artigo, ou seja, reforçar a relação de imagem ética e história vitoriosa de vida de

Marina em oposição a Dilma, sempre descrita como à sombra de Lula. Pela

construção de imagens opostas o posicionamento axiológico se define e se coloca

nitidamente a favor da ex-ministra do meio ambiente.

A construção estabelece mais uma vez a alteridade do enunciador e

marca seu posicionamento axiológico em defesa da possível candidatura de Marina.

T.10 As baratas todas voaram. Quem tem amigos como o deputado federal Ciro

Gomes não precisa de inimigos. Lula chegou a apostar nele para o governo em São

Paulo. Mas Ciro quer outros voos: foi o primeiro a dizer que Marina “implode a

candidatura de Dilma”... “uma persona política em formação”...“que foi obrigada a

defender Sarney.

Brait, em artigo acadêmico

http://www.cefetsp.br/edu/sinergia/claudia2.html (acessado em 20 de Maio de 2013,

p.230 Revista Sinergia) pondera a partir de Bakhtin que:

72

os sujeitos não possuem, neles mesmo, o conhecimento do que é veiculado pelo ato da enunciação, mas é na interação desses sujeitos, efeito, é por meio do diálogo que se confirma a unicidade do “eu”. Segundo o lingüista, o “eu” se liberta do peso do seu “eu” único, fazendo-se um “outro” para os outros, escondendo-se, dessa forma, no outro. Em outras palavras, um sujeito não pode ser considerado isoladamente, ele constrói-se sempre no processo da sua inter-relação com outros. (BRAIT; SINERGIA, 2010, p.230)

Considerando a dialogicidade que constrói o conhecimento e estabelece o

sujeito enunciador a partir da inter-relação com “outros”, verificamos que a

expressão “As baratas todas voaram” marca pelo interdiscurso essa interação.

Referir-se as atitudes dos políticos brasileiros num momento de crise (escândalo de

Sarney 2009), comparando-os às baratas, demonstra que o enunciador busca nos

fatos sociais elementos que sustem sua articulação de ideias. Marca o lugar social

de onde enuncia, sua cronotopia, e seu posicionamento axiológico: políticos são

como baratas, que voam, procuram salvar-se e abandonam os “companheiros”.

A enunciação introduz mais uma voz: “Quem tem amigos como o

deputado federal Ciro Gomes não precisa de inimigos.” A escolha lexical marca

utilização de ato ético (posicionamento) recorrendo mais uma vez a um interdiscurso

com os ditos populares “Quem tem amigos não morre pagão” e “o falso amigo é o

pior inimigo”.

Quando o enunciador atribui a Ciro Gomes as frases: “Marina implode a

candidatura de Dilma” e referindo-se a Dilma, “uma “persona” política em formação

que foi obrigada a defender Sarney” dialoga com o coenunciador estabelecendo sua

alteridade pela transferência responsiva, pois as ideias são aparentemente de Ciro

Gomes. Importante analisarmos que por meio das escolhas lexicais, o enunciador

pode criar determinados efeitos de sentido.

A utilização da lexia “implode” referindo-se as possíveis candidaturas

Marina X Dilma, coloca Marina como protagonista e como força, enquanto Dilma

aparece como coadjuvante, aquele “poste” descrito anteriormente. Quanto a

utilização da expressão “persona” política em formação” para referir-se a Dilma, mais

uma vez o enunciador a “desqualifica” pela materialidade linguística acionada, pois o

artigo descreve vários feitos de Marina Silva, e Dilma é descrita com ainda em

“formação”, ou seja, o posicionamento axiológico apresenta-a como alguém sem

experiência política em embate com a experiência de Marina.

73

Sugerir que Dilma foi obrigada a defender Sarney também a fragiliza, pois

a lexia “obrigada” remete a alguém que se sujeita, um ser que atende ordens mesmo

que absurdas, visão que marca uma cronotopia, um lugar social a partir do qual o

enunciador se posiciona por meio das ideias materializadas.

T.11 Dilma pediu a Marina que ficasse. “Estou triste. Preferia que ela continuasse no

PT porque é uma grande lutadora.” Vocês acreditam? A ministra já esqueceu as rixas

com a ambientalista que botava areia nas hidrelétricas? Depois, Dilma mudou o tom:

“Eu sempre acho que quanto mais mulher melhor”. É mesmo?

A utilização de uma ironia na expressão “É mesmo?” dialoga com o

coenunciador porque ironias encaminham para pensarmos no oposto, no ”não-dito”,

ou seja, constituímos sentido a partir da percepção de que a suposta cordialidade de

Dilma com Marina pudesse ser eleitoreira.

Analisamos que a unidade discursiva trazendo a voz de Dilma marca o

estilo adotado no artigo: “dizer” o que se pretende por meio de transferências

responsivas, pela introdução de várias vozes que se manifestam, mas é fundamental

analisarmos que se manifestam a partir da ação do enunciador que representa um

posicionamento social.

T.12 Dilma é vista como “a mulher do Lula” – a massa ainda não

conseguiu decorar seu nome. Lula ergueu a mão da mãe do PAC nos palanques

país afora e disse que o Brasil está preparado para “uma mulher na Presidência.”

A alteridade do enunciador é marcada pela utilização recorrente de

interdiscursos. Estabelecer relação entre a imagem de Dilma e a expressão popular

“é mulher de fulano” colocando a figura feminina “atrás do homem”, em segundo

plano, dialoga pela intertextualidade com “por traz de um grande homem há sempre

uma grande mulher”. O uso de aspas torna a marca dialógica evidente, e partir da

análise o coenunciador pode estabelecer sentidos.

A cronotopia que se revela na alteridade do enunciador estabelecendo

sentidos fica nítida numa construção valorativa quando expressa: “a massa ainda

não decorou seu nome”. Referir-se ao povo como “massa” revela um olhar “de cima

74

para baixo” é a voz de uma elite se materializando e se expressando na voz do

enunciador.

T.13 Lula só não esperava que uma sombra austera de saias emergisse da

floresta. Com seu fundamentalismo, a fé, as convicções, a integridade, a coerência

em 30 anos de PT. Sem dedo em riste. É muita ironia. E na mesma semana em que

Lula dá uma rádio para o filho de Renan Calheiros, outro senador que “obra e anda”

para a opinião pública.

O artigo apresenta traço de estilo relacionado a construção de imagens e

dessa forma estabelece conexão constante com o coenunciador, pois para

estabelecer sentido, este deve construir as imagens.

Ao apresentar a imagem “uma sombra austera de saias emergisse da

floresta” estabelece uma metáfora, o enunciador relaciona jornalismo e marcas de

textos que permitem tocar, ainda que levemente na conotação.

A expressão “sombra austera” marca uma axiologia que remete a

seriedade, austeridade neste contexto, não é termo pejorativo, pois está ligada a

força, em embate a “nulidade” da imagem de Dilma naquele momento de produção.

De saia estabelece uma ligação de imagem entre duas mulheres: Marina e Dilma, e

convida, pela marca dialógica, o coenunciador para estabelecer sentidos.

O termo “Da floresta” reforça na memória do coenunciador as descrições

apresentadas na abertura do artigo pelas quais a alteridade de Marina é construída

em embate a de Dilma. A retomada da lexia que recupera a origem da ex-ministra

do meio ambiente revela mais um traço de estilo: a apresentação de ideias

apresentadas e retomadas para reforçá-las, fixá-las na memória do coenunciador.

Há um posicionamento axiológico que marca uma crítica severa ao PT

materializada na expressão: “trinta anos de PT sem dedo em riste. É muita ironia.” O

PT que nascera como Partido dos Trabalhadores, agora aparece identificado como

“aquele no qual há dedos em riste”, e Marina Silva como aquela que destoa deste

procedimento, ou seja, a alteridade dela é construída como aquela que embora

tenha ficado trinta anos no partido, não se “modificou”, não se desfez de seus

75

princípios. Observa-se no trecho marca histórica e crítica social que merece ser

analisada para constituir sentido.

A ironia marca um traço de estilo mais uma vez, pois estabelece

comparação entre a postura de Marina, que saiu do partido por “convicções e

integridade”, lexias pelas quais o enunciador se posiciona ao referir-se a ela desta

maneira, e a oposição ao comportamento de Lula que é ou era reconhecido

socialmente como “a face do PT”.

Ao mencionar que Lula doou uma emissora de rádio (numa analogia ao

poder da mídia, dos meios de comunicação de massa) ao filho de Renan Calheiros,

que na época de produção do artigo (2009) também estava envolvido em escândalo

por envolvimento em esquema de corrupção, a alteridade do enunciador se

manifesta, pois alia informação jornalística ao posicionamento de “articulista”, traço

típico na produção de artigos de opinião, dessa forma por meio da conexão entre

informações estabelece tom de “verdade’ às ideias materializadas, e por este

recurso dialoga com o coenunciador que tem mais elementos para constituir

sentidos.

Concluir o trecho com a expressão “outro senador que “obra e anda” para

a opinião pública.” Retoma a utilização de tom valorativo que representa o social, um

lugar de onde se posiciona. Permitir-se entre aspas, utilizar a expressão popular

“obra e anda” (interdiscursiva) funciona como um desabafo que todo o povo gostaria

de fazer, por esta voz, ou seja, por meio da voz do enunciador os coenunciadores

podem desabafar também. Há por esta estratégia uma aproximação entre

enunciador e coenunciadores na constituição dos sentidos, tendo como norteadores

a conexão entre fatos do momento de produção e a seleção do articulista, ele

escolhe as informações que conectadas possam estabelecer o efeito de sentido

desejado.

T.14 O maior trunfo de Marina não é ser mulher nem petista de raiz ou defensora do

verde. Ninguém supõe hoje que ela possa ser eleita presidente sozinha, contra as

duas máquinas. Mas sua biografia e as frases recheadas de atitude – “perco o

pescoço, mas não o juízo” – entusiasmam os desiludidos.”

76

No fechamento do artigo as unidades discursivas se aproximam mais do

explícito, o diálogo com o coenunciador fica mais evidente. A escolha lexical “maior

trunfo” remete a existência de adjetivos positivos na alteridade constituída para

Marina em abundância até para hierarquializá-los, a expressão reconecta-se as

diversas marcas da alteridade da ex-ministra acionadas no decorrer do artigo e

dessa forma as mantém em ênfase na memória do coenunciador.

Na construção de uma aparente negação (dialógica) “O maior trunfo não

é ser mulher nem petista de raiz ou defensora do verde.” Apresentam-se diferenciais

que marcam alteridade: ser mulher num cenário que historicamente só elegera

homens até então, ter “raiz” num partido político que nascera identificando-se como

“dos trabalhadores”, e “defensora do verde” num momento histórico em que se

proliferam movimentos em defesa do meio ambiente, estabelecem “imagem”

positivamente ligada a ações “pioneirismo”, alteridade que dialoga como o

coenunciador referendando tudo que foi apresentado pelo enunciador.

A relação entre “perco o pescoço, mas não o juízo” quebra uma

sequência de utilizações de verbo em terceira pessoa, marca de estilo. A utilização

do discurso em primeira pessoa na finalização do artigo estabelece marca de

alteridade, linguisticamente validada, pois decorre da “voz” da própria ex-ministra

pela transferência responsiva.

Há na conclusão do parágrafo um posicionamento axiológico que remete

a crítica social que permeia o artigo, porque diante da “voz” de Marina ao dizer que

não perde o juízo, insere-se “entusiasmam os desiludidos” historicamente e

considerando as ideias materializadas no artigo de opinião “os desiludidos” referem-

se ao povo, no artigo também denominado “massa”.

Neste contexto o coenunciador pode constituir sentido identificando a ex-

ministra como “aquela que pode atender e representar a classe social dos

desiludidos”, a lexia “desiludidos” remete aos trabalhadores, assim, acionando ideias

do artigo fica na memória do coenunciador que mesmo fora do PT Marina é quem

realmente os representa.

77

T.15 Marina Silva obriga tanto Dilma quanto o tucano José Serra a se perguntar:

como combater quem fala, baixo mas firme, a sua própria verdade?

O fechamento do artigo reforça a marca de alteridade da ex-ministra

estabelecida no decorrer do texto: Marina é o diferencial positivo num cenário

político historicamente reconhecido pelos desmandos, pelos conchavos e pela

corrupção conforme analisado na progressão da apresentação dos argumentos no

artigo, fato que se apoia na seleção lexical “Marina Silva obriga tanto Dilma quanto

José Serra a se perguntar (...)”, o verbo “obriga” remete a não ter escolha, a ter que

aceitar o fato e “curvar-se”, e a utilização da terceira pessoa mais uma vez

estabelece a ideia de que a ex-ministra é “símbolo” de uma nova opção. Há um

posicionamento axiológico que se conecta com todas as demais marcas de

alteridade construídas para a ex-ministra.

Apresentar Dilma e José Serra estabelece com o coenunciador mais um

diálogo, pois ambos representam os dois maiores partidos políticos do Brasil, assim

formam um contraste com Marina Silva descrita pelas lexias “como combater quem

fala baixo, baixo mais firme, a sua própria verdade (...)”. A afirmação descreve a ex-

ministra em terceira pessoa, portanto apresenta a voz do enunciador, seu

posicionamento axiológico, assume ser a voz que materializa ideias do grupo social

que representa.

“Falar baixo mais firme” fixa alteridade de quem tem conteúdo, de quem

tem o que dizer, entretanto não precisa utilizar autoridade de forma arbitrária.

Observa interdiscurso com a ideia advinda do senso comum, ou seja, dos dizeres

populares, de que gritam aqueles que querem fazer prevalecer a sua vontade.

Mencionar que Marina “fala a sua própria verdade” marca definitivamente

o posicionamento axiológico do enunciador, e conclui o desenvolvimento da

alteridade da ex-ministra permitindo ao coenunciador estabelecer sentido pela

análise da seleção lexical “Marina ligada a sua própria verdade”, ela não precisa

lutar por supostas verdades ou ainda verdades alheias.

78

3 PARALELO ENTRE A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO

ENUNCIADOR, USO DAS VOZES E EFEITOS DE SENTIDO NOS

ARTIGOS DE OPINIÃO DE LYA LUFT E RUTH AQUINO

Analisar como os aspectos dialógicos participam da constituição de

sentido nos artigos de opinião “Por que os homens nos matam” de Lya Luft, e:

“Marina Morena, você se pintou” de Ruth Aquino permite concluir que um método

para análise dialógica do discurso vai além da situação material de produção na qual

os enunciadores concretos são proferidos, buscando na história, na cultura, na vida

e no conhecimento compartilhado dos participantes, e dos contextos sociais nos

quais estão inseridos, suas construções identitárias que, por serem atribuições

situadas sócio-historicamente, são sempre, segundo Orlandi (2001) “relações de

sujeitos e de sentidos, e seus efeitos são múltiplos e variados, isto é, são entendidos

como heterogêneos, contraditórios, e em fluxo, constituintes das práticas discursivas

nas quais atuamos” (ORLANDI, 2001, p.21).

Os enunciadores concretos posicionam-se axiologicamente na articulação

dos artigos e pelas escolhas lexicais materializam as ideias e estabelecem a

alteridade das vozes que se manifestam, por ela também acionam transferência

responsiva, pois a responsabilidade do dizer é transmitida a elas pela alternância

dos discursos e dos pronomes acionados.

Neste capítulo objetivamos traçar um paralelo entre os dois textos,

evidenciando a constituição do sujeito enunciador, o uso das vozes que se fazem

presentes e possíveis efeitos de sentido que estes aspectos promovem nos artigos.

A constituição do sujeito enunciador no artigo “Por que os homens nos

matam” de Lya Luft decorre das análises das ideias materializadas a partir da

escolha lexical realizada pela enunciadora. Há uma cronotopia, ou seja, um lugar

social a partir do qual os enunciados se desenvolvem e evidenciam

posicionamentos. No caso deste artigo a cronotopia representa a voz de uma elite

que já ouviu falar sobre a questão da violência doméstica contra a mulher, tema do

artigo, entretanto se posiciona acima da questão.

79

O texto é desenvolvido a partir da alternância entre a utilização de

discurso em primeira pessoa do singular (eu) que se manifesta representando pelo

posicionamento axiológico, a voz de um grupo social elitizado. Pela alteridade da

enunciadora são desenvolvidos os posicionamentos ideológicos buscando na

história, na vida e na cultura valores a serem materializados linguisticamente para

reflexão.

O artigo utiliza-se também de discurso em primeira pessoa do plural (nós)

estabelecendo por este recurso nítido diálogo com o coenunciador, dessa forma

partilha com ele a responsabilidade do dizer. Há no desenvolvimento do artigo a

presença de diversas vozes sociais que se manifestam revelando que é possível,

pela transferência responsiva, estabelecer posicionamentos. Dessa forma a

enunciadora constitui aliados na responsabilidade do dizer.

O texto apresenta várias vozes que vão dando sustentabilidade aos

argumentos da enunciadora, daí a questão do dialogismo. Esse “revozear” é

utilizado como forma de persuadir o leitor, coenunciador, é estratégia para fazer com

que ele se aproxime da realidade discursiva e passe a refletir sobre a realidade

social – característica do gênero da esfera jornalística, artigo de opinião. Há,

portanto, conforme Bakhtin (2004, p.74) um caráter heteroglóssico e dialógico (no

artigo), uma vez que os enunciados sempre pressupõem uma atitude responsiva

do(s) outro(s) a quem se dirigem.

Há marcas históricas acionadas no trecho, como por exemplo: “O que

deixou em nós, as remanescentes das cavernas, essa arca feia e triste, essa

deformidade que cola com a deformidade do ex-troglodita às vezes assassino?”

analisamos neste trecho uma referência a milenar existência da violência contra a

mulher, a seleção da exemplificação também marca qual a alteridade da

enunciadora”, ela utiliza-se do pronome “nós” aparentemente se incluindo na

questão, entretanto em outros trechos observa a problemática de fora, como

expectadora que não fica indiferente, mas posiciona-se fora, como a voz que

representa a elite que se indigna, mas não se insere.

O sujeito que enuncia, constitui-se a partir de uma situação social e

história concreta, pensar alteridade implica analisar a presença constitutiva de vozes

80

que se manifestam como princípio norteador da arquitetura discursiva. Há denúncia,

há crítica social contundente no artigo, mas decorrem da relação entre o dizer em

primeira pessoa do singular e o dizer por meio de diversas vozes sociais, ou seja,

pela alteridade e pela transferência responsiva. A constituição de sentido decorre da

análise do coenunciador de todos estes aspectos dialógicos.

A constituição do sujeito enunciador no artigo “Marina Morena, você se

pintou” de Ruth Aquino também decorre da análise das escolhas lexicais realizadas

pela enunciadora, que pela escolha já se posiciona axiologicamente. Também há

uma cronotopia marcada, ou seja, um lugar social a partir do qual os enunciados se

desenvolvem e evidenciam posicionamentos. Esta cronotopia está ligada ao

momento da enunciação que se insere no período anterior a definição dos

candidatos à presidência da república, o artigo data de 2009, e retrata o cenário que

precede a corrida presidencial de 2010.

No caso deste artigo a cronotopia representa a voz de um grupo de elite

intelectual que não se acomoda ou se conforma com os desmandos políticos do

período como escândalos de corrupção abafados e trocas de favores descritos no

artigo, apresentando dessa forma marcas da esfera jornalística, entretanto

apresentadas com tom opinativo. A enunciadora assume ao posicionamento

ideológico e se manifesta em relação a uma situação social histórica e concreta.

Trabalhar a questão da alteridade requer a presença de vozes como

norteadoras do discurso, assim, na arquitetura do artigo observam-se diversas vozes

sociais acionadas para estabelecer alteridade e transferências responsivas.

No artigo de Ruth Aquino a questão do dialogismo vai além da música

“Marina Morena” de Caymmi, esta funcionou como pré-texto para constituição de um

posicionamento político-social-ídeológico em relação à situação do Brasil no

momento da enunciação, agosto de 2009, período que precede a corrida

presidencial de 2010. A intertextualidade permitiu estabelecer conexões entre as

“Marinas” (Marina Silva que não usa maquiagem por ser alérgica e a Marina Morena

que se pintou) e a partir deste pré-texto realizar apreciações valorativas com base

em critérios éticos e políticos, sobretudo.

81

Para introduzir as apreciações valorativas, a enunciadora desenvolve o

artigo em terceira pessoa, raras vezes há discurso direto, predomina o indireto. A

escolha revela implicações ideológicas, ou seja, o tom do discurso se estabelece a

partir de supostas ideias que se apresentam “sobre” Marina Silva e não “por” ela,

marca recorrente na esfera jornalística e que permite relacionar as vozes a ideia de

depoimento, de verdade.

A construção do sentido decorre das análises de diversas vozes que se

manifestam, assim, adota-se a transferência responsiva como norteador da

progressão argumentativa do texto. Vale lembrarmos que as vozes que se

manifestam são selecionadas, organizadas sequencialmente e acionadas pela

enunciadora de forma que há posicionamento axiológico, e articulação para

despertar determinadas percepções no coenunciador.

Os sujeitos se caracterizam a partir da heteroglossia, da alternância de

vozes que se manifestam, mas que representam a escolha da enunciadora.

Importante percebermos que a maneira como nos posicionamos discursivamente

contribuem para reconstruir o sujeito no mundo social, constroem identidades, como

a de Marina Silva, no artigo, apresentada por diversas vozes sociais, mas sempre

com lexias de referencial positivo, marca de posicionamento axiológico da

enunciadora.

A utilização de discurso em terceira pessoa valida a construção da

alteridade da ex-ministra, e a apresentação desta em comparação com a imagem

estabelecida discursivamente para Dilma Rousseff persuadem o coenunciador a

identificar Marina como possível candidata à presidência do Brasil em 2010,

identificada como “melhor preparada” num embate com Dilma.

Há no desenvolvimento da argumentação do artigo de Aquino, diversos

aspectos de crítica social, sobretudo em relação ao cenário político brasileiro,

conforme exemplos mencionados anteriormente neste capítulo, e que tiveram

espaço para se apresentar a partir do norteador do texto que fora o desenvolvimento

da alteridade da ex-ministra do meio ambiente.

82

É fundamental analisarmos que ambos os artigos marcam

posicionamentos axiológicos das enunciadoras, desenvolvem alteridade das vozes

que se manifestam, estabelecem com elas transferências responsivas e utilizam

interdiscursos e intertextos para introduzir enunciados. Assim, pelo uso das marcas

dialógicas permitem ao coenunciador constituir sentidos.

83

CONCLUSÃO

No percurso do trabalho, em um primeiro momento, procuramos identificar

conceitos da ADD que fundamentam as análises. No segundo capítulo, procedemos

as análises dos artigos de opinião, o terceiro capítulo estabeleceu paralelo entre os

dois artigos analisando a constituição do sujeito da enunciação, ao uso das vozes e

os efeitos de sentido.

Concluímos que a presente análise identificou e demonstrou que é

possível constituir sentidos a partir da observação de aspectos dialógicos. As

escolhas lexicais permitiram analisar como a alteridade dos sujeitos se desenvolve e

identificar posicionamento axiológico do enunciador. As marcas intertextuais e

interdiscursivas revelam aspectos sócio-históricos presentes na constituição de

sentidos e marcam o dialogismo.

O dispositivo teórico-analítico foi construído com base nos conceitos

bakhtinianos de dialogismo da ADD (análise dialógica discursiva), e o procedimento

de análise adotado fundamentou-se na verificação dos efeitos de sentido

decorrentes da utilização de aspectos dialógicos, em especial, os interdiscursivos,

intertextuais, a alteridade, a responsividade, o ato ético, a posição axiológica, o tom

valorativo pela escolha lexical realizada nos artigos de opinião.

Consideramos que o dispositivo teórico da corrente bakhtiniana respaldou

suficientemente as análises, e pela identificação e observação das escolhas lexicais

estabelecemos sentidos conforme hipótese levantada. Assim consideramos que o

coenunciador pela análise dos aspectos dialógicos pode realizar leitura proficiente.

Visamos também estabelecer, pelas análises, como ocorre a constituição

de sentido dos enunciados pelo leitor ativo, passando portanto a ser coenunciador.

Para desenvolver esta proposta, utilizamos como suporte teórico para ADD (análise

dialógica do discurso), pesquisadores contemporâneos considerados referências

nos estudos bakhtinianos como Beth Brait, Adail Sobral, Ruth Amossy, Fiorin, Sonia

Berti Santos, julgamos o suporte suficiente pois nos permitiu identificar todas os

aspectos dialógicos necessários à constituição de sentido.

84

Buscamos, pela ADD, estabelecer as relações dialógicas imbricadas na

leitura do gênero “artigo de opinião” da esfera jornalística, a fim de instrumentalizar o

leitor para realizar uma leitura mais crítica do enunciado argumentativo do artigo,

reconhecido por suas fortes marcas persuasivas, acreditamos por este procedimento

propiciar-lhe o desenvolvimento de subsídios para entendimento dos sentidos que o

compõem e, atuando portanto como coenunciador.

O artigo “Por que os homens nos matam” de Lya Luft alterna uso de

primeira pessoa do singular, marcando a alteridade do sujeito enunciador e seu

posicionamento axiológico, e uso de primeira pessoa do plural dialogando com o

coenunciador, aproximando-o da constituição de sentido. Há na voz da enunciadora

apresentação de uma voz coletiva, a voz social, a voz daqueles que sofrem a

violência doméstica descrita no artigo, ou a voz daqueles que estão preocupados

com ela.

O texto apresenta “várias vozes” que dão sustentabilidade aos

argumentos da enunciadora, há transferência responsiva, decorre daí o dialogismo.

Esse revozear permite que as ideias materializadas no artigo persuadam o leitor,

pois o aproximam da realidade discursiva, e passe a refletir sobre a realidade social,

característica do gênero artigo de opinião.

O artigo “Marina Morena, você se pintou” de Ruth Aquino estabelece

relação pré-textual com a música de Caymmi “Marina”, e a partir disto é construído

um posicionamento político-social-ideológico em relação à situação do Brasil, agosto

de 2009, momento da enunciação, período próximo à eleição presidencial de 2010.

A análise do artigo permitiu identificar que em face da atitude responsiva

ativa do outro perante o enunciador, o enunciado pressupõe sempre, segundo

Bakhtin, uma apreciação valorativa. E, que a identificação desta atitude permite ao

leitor, coenunciador, estabelecer sentido.

A utilização da terceira pessoa do singular na construção do artigo

desenvolve a alteridade de Marina, tema norteador do artigo, bem como das demais

vozes que se manifestam. Há, portanto implicações ideológicas na escolha, pois o

artigo desenvolve-se “sobre Marina” e não “por Marina”, as ideias materializadas

85

passa a supostamente ser de responsabilidade das vozes da enunciadora (social) e

daqueles que esta acionou e atribuiu “discursos diretos” como forma de transferis

responsividade.Perceber estas escolhas e constituir sentidos permite ao leitor ser

proficiente, e cremos que o trabalho possibilita esta percepção.

Estamos cientes que as categorias de análise propostas neste trabalho

não esgotam todas as possibilidades, uma vez que entendemos que outras

categorias poderiam ser estabelecidas e dessa forma ampliar procedimentos para

constituição de sentido pela análise de outros elementos discursivo-dialógicos.

Reconhecemos, ainda, que o levantamento das teorias e concepções

sobre aspectos dialógicos é passível de ampliação. Acreditamos, porém, que tanto

as teorias quanto as categorias de análise aqui expostas podem servir de base para

estudos futuros que envolvam a constituição de sentidos.

86

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87

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88

ANEXOS

ANEXO A

Por que os homens nos matam de Lya Luft

Não tenho a menor tolerância com a figura do pai e marido boçal, que usa

o stress no trabalho como desculpa para gritar ou distribuir bofetões em casa. Nunca

vi nem escutei um homem batendo numa mulher. Mas histórias a respeito, ah,

muitas pululavam em comentários dos adultos, e nas minhas fantasias de criança

com excesso de imaginação, que aumentava encantos e pavores. Relatos como o

do homem que regularmente se embebedava e batia na mulher, os dois já de

cabelos brancos. Os vizinhos incomodados às vezes reclamavam, mas todos tinham

medo dele e, afinal “a gente não quer se meter”. Os filhos adolescentes do casal se

refugiavam no fundo do pátio, os menorzinhos choravam. Até que um dia um deles,

crescido, se meteu entre os dois velhos, e disse: “Na minha mãe você não bate

mais. Ou eu te bato também”. Minha memória diz que o rapaz foi expulso de casa e

nunca mais o viram. A mãe recebeu disfarçados parabéns quando, tempos depois, o

velho cruel morreu, mas comentava-se que estava abalada. Porque “mulheres são

assim”. Será?

Por que uma mulher aceita apanhar do parceiro ou ser humilhada por ele,

controlada, ironizada? Por que admite ser tratada com grosseria pelo filho homem?

O que deixou em nós, as remanescentes das cavernas, essa marca feia e triste,

essa deformidade que cola com a deformidade do ex-troglodita às vezes assassino?

É um dos mistérios humanos, nem todos engraçados ou curiosos, que talvez nunca

se expliquem. Não sei por que a brutalidade masculina e a submissão feminina

fariam parte de nossa estrutura psíquica ou de qualquer cultura. Mas não

desconheço a ideia de que o homem se cansa em trabalho sério, e a mulher se

distrai em casa com as crianças e as lides domésticas, às vezes, quem sabe, com

um empreguinho “fora” - sem direito a stress. A esta altura, matam-se no Brasil cerca

89

de dez a doze mulheres por dia. Não morte por assalto ou acidente de carro:

assassinato na mão do parceiro.

Em certos lugares a explicação para os maus-tratos é simplória: “Os

homens são assim”, e pronto. Ou: “Mas ele não te deixa faltar nada” - significando

trapos para se cobrir, restos para comer temperados com lágrimas e solidão. Para

haver um opressor, dizemos, é preciso haver um oprimido. A mulher-vítima é quem

dá coragem ao truculento. O jogo sadomasoquista funciona quando há pelo menos

dois parceiros. Por que tantas vezes essa parceria mortal? A maioria dos homens

não é psicopata nem boçal. Não se alegra na dor da parceira, não precisa lhe bater

com palavras, atitudes ou punho fechado para se sentir mais homem. O que leva

uma jovenzinha aceitar, no começo ou no meio de uma relação, a brutalidade

masculina, numa frequência absurda? Cresceu em 90% nos últimos tempos o

número de mulheres que pedem socorro, no país inteiro, nas delegacias da mulher

ou grupos afins. Porém, esses locais são insuficientes ou mal equipados, faltam

funcionários, psicólogos, médicos, juízes, computadores. As famílias nem sempre

ajudam; amigos não querem interferir; a lei é vaga ou descumprida. A sociedade

omissa desvia o rosto. Enquanto os pedidos de ajuda se multiplicam, as vítimas já

tendo coragem de se queixar, querendo recuperar sua dignidade ou salvar sua vida,

a espera é tão longa e a punição tão branda que o facínora realiza seu desejo

animal: matar a indefesa. O pavoroso fim de mais uma jovem por estes dias, que

horroriza, comove e assusta o país inteiro e chega ao exterior, destaca em nosso

cotidiano de crueldade e medo o fato vergonhoso de ainda sermos massacradas,

humilhadas, muitas vezes mortas pelas mãos dos nossos homens. E, se é assim,

junto com tantos milhares de pessoas que querem ver o fim disso, eu proponho:

enquanto indivíduos, vamos ficar atentos, vamos denunciar, ajudar, vamos agir.

Enquanto sociedade, vamos prevenir, impor leis severas, e socorrer as vítimas –

tirando dos brutos e psicopatas seu reinado de horror.

Lya Luft - Revista VEJA, 21 de julho de 2010

90

ANEXO B

Marina morena por Ruth Aquino

Marina, você faça tudo, mas faça o favor. Não mude o discurso da

ética, que é só seu. Marina, você já é respeitada com o que Deus lhe deu. O povo

se aborreceu, se zangou, e cansou de falar. Lula e Dilma estão de mal com você e

não vão perdoar. Mas o eleitor não poderia arranjar outra igual para embaralhar o

jogo sonolento da sucessão em 2010. Ao menos num dos turnos, vamos discutir

princípios e fins. E principalmente os meios.

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Nem em suas orações diárias Maria Osmarina Marina da Silva Vaz de

Lima sonharia provocar tanto medo antes mesmo de decidir trocar o PT pelo PV.

Nascida no Acre, filha de seringueiros migrantes cearenses, analfabeta até os 16

anos, aprendeu a ler quando trabalhava como empregada doméstica. A mãe tinha

morrido. Pelo Mobral, fez em quatro anos o primeiro e o segundo graus. Contraiu

cinco malárias, duas hepatites. Formou-se em história. Queria ser freira, mas virou

marxista. Hoje é evangélica. Tem quatro filhos. Foi a mais jovem senadora do Brasil,

aos 35 anos.

Lula a nomeou ministra do Meio Ambiente. Cinco anos depois, saiu

derrotada e desgastada. Ao pedir demissão, citou a Bíblia: “É melhor um filho vivo

no colo de outro”. O filho era a política ambiental. Ela tinha brigado com outra mãe

cheia de energia, a do PAC.

Católicos como Frei Betto e Leonardo Boff receberam telefonemas de

Marina na semana passada. Ela falou de desenvolvimento sustentável, de vida, de

humanidade, da terra.

O mais forte cabo eleitoral de Marina, neste agosto, se chama José

Sarney – e tudo o que ele representa. O país ficou desgostoso com o presidente do

Senado, suas mentiras inflamadas na tribuna, seu sorriso bonzinho de avô da

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República – e com o apoio incondicional de Lula ao maranhense. O nome Marina,

sussurrado, ganhou a força da natureza no olho do furacão em Brasília.

O ex-ministro José Dirceu escreveu que o mandato da senadora

“pertence ao PT”. Marina disse que já enfrentou madeireiros, fazendeiros,

cangaceiros: “Com certeza o Zé (Dirceu) não fez isso para me intimidar; não faz

parte do caráter dele”.

O outro forte cabo eleitoral de Marina é a ministra Dilma Rousseff, pela

falta de carisma.

Marina não ameaçaria tanto se a ministra do crescimento tivesse

conquistado o país ou ao menos seu próprio partido. Não se nega o valor pessoal de

Dilma, mas seu nome foi imposto. Lula botou na cabeça que vai eleger seu poste.

“Da campanha da Dilma cuido eu”, teria dito a um cacique do PT paulista.

Faça tudo, mas faça um favor: não mude o discurso ético. Você já é

respeitada com o que Deus lhe deu.

Revista Época, 22 de agosto de 2009.

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ANEXO C

Marina por Dorival Caymmi

Marina, morena

Marina, você se pintou

Marina, você faça tudo

Mas faça um favor

Não pinte esse rosto que eu gosto

Que eu gosto e que é só meu

Marina, você já é bonita

Com o que deus lhe deu

Me aborreci, me zanguei

Já não posso falar

E quando eu me zango, marina

Não sei perdoar

Eu já desculpei muita coisa

Você não arranjava outra igual

Desculpe, marina, morena

Mas eu tô de mal

Marina, morena

Marina, você se pintou

Marina, você faça tudo

Mas faça um favor

Não pinte esse rosto que eu gosto

Que eu gosto e que é só meu

Marina, você já é bonita

Com o que deus lhe deu

Me aborreci, me zanguei

Já não posso falar

E quando eu me zango, marina

Não sei perdoar

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Eu já desculpei muita coisa

Você não arranjava outra igual

Desculpe, marina, morena

Mas eu tô de mal

De mal com você

De mal com você.