ASPECTOS DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NA AÇÃO … · instrução nos melindres e peculiaridades...

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ PROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO ASPECTOS DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DO MEIO AMBIENTE MARINGÁ 2006

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁPROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO

ASPECTOS DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DO MEIO AMBIENTE

MARINGÁ2006

RAUL IGNATIUS NOGUEIRA

ASPECTOS DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DO MEIO AMBIENTE

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito Administrativo da Universidade Estadual de Maringá, como exigência parcial para obtenção do grau de mestre sob a orientação do Professor Doutor Ivan Aparecido Ruiz.

MARINGÁ2006

Título: Aspectos da inversão do ônus da prova na Ação Civil Pública em defesa do Meio Ambiente

Candidato: Raul Ignatius Nogueira

Banca Examinadora:

_____________________________________________Prof. Dr. José Miguel Garcia MedinaUniversidade Estadual de Maringá (UEM)

_____________________________________________Prof. Dr. Eduardo Augusto Salomão CambiFaculdade de Direito do Norte Pioneiro (Fundinopi)

_____________________________________________Prof. Dr. Ivan Aparecido Ruiz (Orientador)Universidade Estadual de Maringá (UEM)

ii

AGRADECIMENTOS

A todos que, direta ou indiretamente, colaboraram na realização deste trabalho, em especial:

A Deus que, tenho certeza, me acompanhou durante esta jornada.

A meus familiares e amigos, em especial minha mãe e minha esposa, pelo apoio e sacrifícios dispensados à consecução desta dissertação.

Ao amigo Régis Alan Bauli, fonte essencial de suporte, bibliografia e auxílio essenciais.

Ao Professor Dr. Paulo Roberto Pereira de Souza, por sua presença constante e firme em meus momentos de maior necessidade pessoal e profissional, sem a qual eu jamais chegaria a este momento.

Ao Professor Dr. Ivan Aparecido Ruiz, meu orientador, pelo indispensável apoio e instrução nos melindres e peculiaridades atinentes à redação de uma dissertação de mestrado e pelo direcionamento essencial, sem o qual, indubitavelmente, este trabalho não se teria concretizado.

iii

NOGUEIRA, Raul Ignatius. Aspectos da Inversão do Ônus da Prova na Ação Civil Pública em Defesa do Meio Ambiente. 2006. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Estadual de Maringá.

RESUMO

O trabalho tece uma análise sobre a problemática da inversão do ônus da prova na Ação Civil Pública dirigida à tutela dos interesses ambientais. Inicia-se com o exame da prova civil, enfocando posteriormente as características relevantes dos interesses transindividuais e sua proteção culminando com o estudo dos aspectos do ônus da prova e a possibilidade de sua inversão na pretendida ação. Diante disso a pesquisa jurisprudencial e doutrinária sobre a matéria constatou que no século XX ocorreram importantes transformações nas relações sociais acompanhadas de alterações significativas na dinâmica do processo, pelo que se romperam importantes dogmas jurídicos como a predominância do princípio dispositivo e da “verdade formal” no processo civil ampliando-se os poderes instrutórios do magistrado no interesse da efetividade e justiça da tutela jurisdicional. Note-se ainda que a Lei da Ação Civil Pública e o Código de Defesa do Consumidor vêm neste contexto sistematizar a tutela coletiva de interesses, ampliando o leque de legitimados e colocando em discussão questões como a competência e a coisa julgada nestas demandas. Por sua vez, o Judiciário não pode permaneceu inerte e indiferente às injustiças sociais que o poder econômico tem praticado e deve se abeberar das novas concepções trazidas por estes diplomas para garantir a existência de um meio ambiente equilibrado às presentes e futuras gerações, bem indisponível à vida com qualidade, constitucionalmente garantido pelo art. 225 da CF/88. Diante deste contexto está a inversão do ônus da prova como importante ferramenta de equilíbrio da relação jurídica processual, oferecendo ao magistrado meios para transferir à parte econômica e tecnicamente mais forte um ônus proporcionalmente mais pesado do que aquele suportado pela parte hipossuficiente. Deve ser aplicada à Ação Civil Pública, em especial quando seu objeto for a tutela de interesse ambiental, mas o seu uso deve ser limitado aos casos em que sejam constatadas efetivamente a verossimilhança nas alegações do demandante ou sua hipossuficiência em face do demandado, devendo ocorrer, inclusive ex officio, num momento processual no qual o magistrado já teve condições de estabelecer os pontos controvertidos da demanda, restando às partes, ainda, a oportunidade de produzir provas para influenciar na formação de seu convencimento. Restando salientar que um dos principais pontos controvertidos normalmente encontrados em demandas que envolvam interesses ambientais que pode ser favorecido pela inversão do ônus da prova é o relativo à existência ou não do nexo de causalidade entre o dano ambiental e a conduta de seu suposto causador.

Palavras-chave: ônus da prova; inversão; ação civil pública; direito processual civil.

iv

NOGUEIRA, Raul Ignatius. Aspectos da Inversão do Ônus da Prova na Ação Civil Pública em Defesa do Meio Ambiente. 2006. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Estadual de Maringá.

ABSTRACT

The work weaves an analysis on the problematic one of the inversion of the responsibility of the test in the directed Public Civil action to the guardianship of the ambient interests. It is initiated with the examination of the civil evidence, focusing later the excellent characteristics of the transindividuais interests and its protection culminating with the study of the aspects of the responsibility of the test and the possibility of its inversion in the intended action. Ahead of this the and doctrinal research on the substance evidenced that in century XX important transformations in the followed social relations of significant alterations in the dynamics of the process had occurred, for that if they had breached important legal dogmas as the predominance of the principle device and the "formal truth" in the civil action extending the powers of the magistrate in the interest of the effectiveness and justice of the jurisdictional guardianship. One still notices that the Law of the Public Civil action and the Code of Defense of the Consumer come in this context systemize the collective guardianship of interests, extending the fan of legitimated and placing in quarrel questions as the ability and the thing judged in these demands. In turn, the Judiciary one cannot remained inert and indifferent to the social injustices that the economic power has practiced and must be of the new conceptions brought for these diplomas to guarantee the existence of an environment balanced to the gifts and future generations, unavailable good to the life with quality, constitutionally guaranteed for the one in art. 225 of the CF/88. Ahead of this context it is the inversion of the responsibility of the test as important tool of balance of the procedural legal relationship, offering the magistrate half to proportionally more transfer to the economic and technical stronger part a responsibility weighed of the one than that one supported by the part hipossuficiente. It must be applied to the Public Civil action, in special when its object will be the guardianship of ambient interest, but its use must be limited to the cases where they are effectively evidenced the probability in the allegations of the plaintiff or its in face of the demanded one having to occur, also former officio, at a procedural moment in which the magistrate already had conditions to establish the points controverter of the demand, remaining to the parts, still, the chance to produce tests to influence in the formation of its persuasion. Remaining to point out that one of the main points controverter normally found in demands that involve ambient interests that can be favored by the inversion of the responsibility of the test are relative to the existence or not of the nexus of between the ambient damage and behavior of its causing presumption.

Key-words: responsibility of the test; inversion; public civil action; civil procedural law.

v

SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS............................................................................................................. III

RESUMO............................................................................................................................... IV

ABSTRACT............................................................................................................................ V

INTRODUÇÃO........................................................................................................................ 8

1 DA PROVA CIVIL............................................................................................................... 10

1.1 Da Evolução Histórica da Prova................................................................................. 10 1.1.1 Da origem da prova............................................................................................................................. 10 1.1.2 Dos modernos sistemas probatórios.................................................................................................... 13

1.1.2.1 Do sistema de “civil law”............................................................................................................................ 13 1.1.2.2 Do sistema de “common law”..................................................................................................................... 15

1.1.3 Aspectos atuais do direito probatório.................................................................................................. 17 1.2 Do Conceito de Prova................................................................................................ 18 1.3 Do Direito à Prova...................................................................................................... 22 1.4 Do Objeto da Prova.................................................................................................... 27 1.5 Dos Princípios Gerais................................................................................................. 31

1.5.1 Do princípio do contraditório.............................................................................................................. 33 1.5.2 Do princípio dispositivo e a livre investigação da prova.....................................................................34 1.5.3 Do princípio da persuasão racional do juiz......................................................................................... 39

1.6 Dos Momentos da Prova............................................................................................ 40

2 DA TUTELA DOS DIREITOS COLETIVOS E A AÇÃO CIVIL PÚBLICA NO DIREITO BRASILEIRO........................................................................................................................ 43

2.1 Dos Interesses Coletivos “Lato Sensu”...................................................................... 43 2.1.1 Da evolução histórica da tutela dos direitos supra-individuais........................................................... 43 2.1.2 Conceito, natureza e categorias dos direitos supra-individuais...........................................................48

2.1.2.1 Da utilização dos termos “interesse” e “direito”.......................................................................................... 48 2.1.2.2 Do interesse público, interesse privado e interesse coletivo “lato sensu”..................................................... 50 2.1.2.3 Das categorias de interesses metaindividuais............................................................................................... 52

2.1.2.3.1 Interesses ou direitos difusos............................................................................................................... 52 2.1.2.3.2 Interesses ou direitos coletivos............................................................................................................ 57 2.1.2.3.3 Interesses ou direitos individuais homogêneos.................................................................................... 58

2.1.3 Breves considerações sobre a tutela do interesse ambiental e a atividade probatória.........................61 2.2 Da Ação Civil Pública – Legitimidade, Competência e Coisa Julgada........................ 64

2.2.1 Legitimidade ordinária, extraordinária ou tertium genus?.................................................................. 64 2.2.2 Fixação do juízo competente para o julgamento da ação civil pública............................................... 69 2.2.3 Dos limites subjetivos da coisa julgada na ação civil pública.............................................................72

3 A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DE DIREITOS AMBIENTAIS...................................................................................................... 77

3.1 Noções Gerais........................................................................................................... 77 3.2 Do Ônus da Prova...................................................................................................... 80

3.2.1 Dos fundamentos da distribuição do ônus da prova............................................................................ 84 3.2.2 Distribuição do ônus da prova no Código de Processo Civil e no Código de Defesa do Consumidor....................................................................................................................................................................... 85

3.2.2.1 Distribuição do ônus da prova no Código de Processo Civil de 1973.......................................................... 85 3.2.2.2 Da convenção das partes na distribuição do ônus da prova.......................................................................... 87 3.2.2.3 Distribuição do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor.......................................................... 90

3.2.3 Do fato negativo e da negativa de fato................................................................................................ 91 3.2.4 Das teorias sobre o ônus da prova....................................................................................................... 95

3.2.4.1 Das teorias inspiradoras do art. 333 do Código de Processo Civil............................................................... 95 3.2.4.1.1 Da teoria de Chiovenda....................................................................................................................... 95 3.2.4.1.2 Da teoria de Carnelutti......................................................................................................................... 97

3.2.4.2 Das teorias de Rosenberg e de Micheli...................................................................................................... 100

vi

3.2.4.2.1 Da teoria de Rosenberg..................................................................................................................... 100 3.2.4.2.2 Da teoria de Micheli.......................................................................................................................... 102

3.2.4.3 Da teoria da carga dinâmica da prova........................................................................................................ 104 3.3 Aplicabilidade do CDC 6º à Ação Civil Pública em Defesa do Meio Ambiente......... 107 3.4 Requisitos da Inversão do Ônus da Prova - Verossimilhança da Alegação ou Hipossuficiência.............................................................................................................. 112 3.5 Inversão Ope Legis e Ope Judicis............................................................................ 118 3.6 Limitações à Inversão do Ônus da Prova................................................................. 120

3.6.1 Da inversão do ônus da Prova e as despesas com sua produção....................................................... 123 3.7 O Momento Apropriado para a Ocorrência da Inversão........................................... 126

CONSIDERAÇÕES FINAIS CONCLUSIVAS...................................................................... 131

REFERÊNCIAS................................................................................................................... 136

ANEXOS............................................................................................................................. 144

Anexo A – Código Modelo de Processo Coletivo Ibero-América.................................... 144 Anexo B - Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos............................. 154

vii

INTRODUÇÃO

O vertiginoso desenvolvimento industrial ocorrido ao longo dos

últimos séculos, com a conseqüente concentração de habitantes nas cidades e o

crescimento populacional exacerbado, desencadeou a necessidade de produção de

bens em grande escala, para atender às prementes necessidades de consumo da

população urbana.

Isto trouxe para o homem desta virada de século um dos maiores

desafios já enfrentados pela humanidade: atender às complexas necessidades que

ele mesmo criou, compatibilizando as atividades econômicas com a preservação da

vida com qualidade, o que exige uma revisão de conceitos e técnicas em todas as

áreas do conhecimento humano.

O direito, cuja evolução está intimamente ligada às transformações

sociais, não restou inerte. Percebeu-se, desde logo, a necessidade de normas para

tutelar as crescentes relações jurídicas de massa, bem como para compensar os

crescentes desequilíbrios cada vez mais presentes nas demandas trazidas ao

judiciário.

Neste contexto, o presente trabalho debruçar-se-á sobre um dos

prismas desta revolução de concepções jurídicas: o da prova e, mais

especificamente, da possibilidade da inversão do ônus de sua produção na Ação

Civil Pública proposta em defesa do meio ambiente.

Com vistas a este escopo, adotando-se o método dedutivo-histórico,

se iniciará a análise com um foco sobre a prova civil, sua evolução histórica, objeto,

princípios gerais a ela ligados, momentos para sua propositura, deferimento e

produção, sem, entretanto abordar ainda, a questão do ônus da prova.

Na seqüência, o segundo capítulo se debruçará sobre a questão dos

interesses coletivos “lato sensu”, o interesse ambiental, e algumas particularidades

de sua tutela por meio da Ação Civil Pública, como a questão da legitimidade ativa,

da competência e do alcance dos efeitos da coisa julgada neste tipo de demanda.

Finalmente, o terceiro capítulo se voltará para o tema propriamente

dito da inversão do ônus da prova na Ação Civil Pública em defesa do Meio

Ambiente: discutindo aspectos relevantes do ônus da prova, da possibilidade de sua

inversão trazida pelo Código de Defesa do Consumidor, a eventual aplicabilidade

desta técnica a demandas coletivas em defesa do ambiente, os requisitos e

momento para sua utilização.

9

1 DA PROVA CIVIL

1.1 Da Evolução Histórica da Prova

1.1.1 Da origem da prova

A Evolução histórica da prova já ostenta mais de vinte séculos de

bem elaborado estudo e, embora suas seculares abstrações tenham atingido uma

técnica tão requintada que chegam a ser temidas por seus próprios estudiosos,

ainda não se desprenderam de muitas das lições estabelecidas em contextos gerais

dos antigos jurisconsultos1.

JOÃO CARLOS PESTANA DE AGUIAR SILVA2 traz como exemplos

desta influência as máximas: Semper necessitas probandi incumbit quilli agit3,

probatio incumnbit ei qui dicit, no ei qui negat4, in exceptionibus dicendum est reum

partibus actoris funi oportere, ipsumque exceptionem velut intentionem implere5

dentre muitas outras que até a atualidade marcam direta ou indiretamente o direito

probatório.

Em verdade, mesmo antes do ápice das nações helênicas, podem

ser levantadas evidências da prova judiciária servindo como instrumento para

decisões proferidas em tribos e agrupamentos familiares antigos6.

Os povos primitivos, entretanto, desconheciam a aplicação de

critérios técnicos e racionais para a demonstração dos fatos e a apuração da

1 Cf. SILVA, João Carlos Pestana de Aguiar. As provas no cível. Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 3.2 Ibidem, p. 3.3 A necessidade de provar sempre cabe a quem age (Dig., lib. XXII, Tít. III, lex XXI).4 A prova é incumbência de quem alega não de quem nega (Dig., lib. XXII, Tít. III, lex II).5 Nas exceções de defesa, é necessário que o réu preencha as vezes do autor e que ele mesmo

promova seu intento como uma exceção de lei (Dig., lib. XXII, Tít. III, lex XIX).6 Cf. SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária no cível e comercial. 4. ed. São Paulo: Max

Limonad, 1976, v. 1, p. 17.

verdade. Influenciados pela religião, procuravam a proteção divina na realização da

prova, valendo-se de métodos empíricos e rudimentares como as Ordálias, o

juramento e o duelo7.

As Ordálias, também denominadas julgamentos ou juízos de Deus8,

consistiam em submeter o acusado a uma certa e determinada prova, supondo que

Deus não o deixaria sair dela com vida se fosse culpado. Foram utilizadas pelos

germanos antigos como ferramenta probatória tendo como objetivo a descoberta da

verdade por meio de expedientes cruéis e até mortais, e somente experimentaram

um declínio mais acentuado no século XIV9 10.

O juramento, outro antigo meio de prova, refere-se a invocação de

um ente divino como testemunha para a confirmação da verdade de um fato que se

alega11. Este meio de prova foi muito utilizado nas legislações de povos primitivos

diante da poderosa influência então possuída pela religião12 e, apesar de

abandonado13 e substituído pelo duelo ou combate judiciário em muitos

ordenamentos14, ainda sobrevive em alguns países.

7 Cf. LOPES, João Batista. A prova no Direito Processual Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 19.

8 Ibidem, p. 19.9 Como a "prova da água a ferver", onde o acusado deveria retirar um objeto do fundo de uma

caldeira de água fervente: se não apresentasse sinais de queimadura nas mãos ao final de três dias, seria considerado inocente; a "prova das bebidas amargas": empregada em mulheres acusadas de adultério; caso a acusada, após ingerir o líquido, contraísse o rosto e seus olhos se injetassem de sangue, seria considerada culpada; e a "prova da água fria": consistente em submeter os litigantes a uma disputa de resistência, nadando por meio de um rio, perdendo a causa aquele que se cansasse primeiro.

10 Cf. CASTRO, Francisco Augusto das Neves e. Teoria das provas e suas aplicações aos atos civis. Campinas: Servanda, 2000. p. 52.

11 Cf. LOPES, João Batista, op. cit., p. 20.12 Cf. CASTRO, Francisco Augusto das Neves e, op. cit., p. 52.13 Foi abandonado, pois o tempo e a abertura de exageradas exceções à sua vinculação levaram a

uma gradual perda na credibilidade deste meio de prova. Francisco Augusto das Neves e Castro destaca como exemplos que a aposição de uma mão com luva calçada sobre os evangelhos ou a existência de uma reserva mental desobrigavam o juramentando do dever de falar a verdade (Ibidem, p. 53).

14 Cf. LOPES, João Batista, op. cit., p. 20.

11

O duelo como meio de prova podia ser encontrado em quase todas

as leis bárbaras15 e também encontra guarida em um juízo divino, pois se sustenta

na premissa de que Deus não permite a vitória do litigante desassistido de razão16.

O combate como meio de prova não se restringia somente a

questões de fato, podia ser aplicado a qualquer questão de direito para a qual não

houvesse prova específica17, e só veio a perder sua força entre os séculos XIII e

XIV18.

Neste período histórico, como o abandono das ordálias acima

referidas e a proibição do duelo, surgiu espaço para que a prova testemunhal19,

viesse a ser largamente admitida como meio de apuração da verdade, lançando-se

mão desta para a decisão de praticamente todos os julgamentos, mesmo que em

detrimento de evidências escritas20 21.

Somente em 1566, na França, por meio da ordenação de Molines,

houve a proibição de que todas as causas excedentes a cem libras pudessem ser

provadas sem evidência escrita, o que trouxe mais força a este meio de prova.

15 Cf. CASTRO, Francisco Augusto das Neves e, op. cit., p. 48.16 Cf. LOPES, João Batista, op. cit., p. 20.17 Cf. CASTRO, Francisco Augusto das Neves e, op. cit., p. 48.18 A este respeito, CASTRO destaca a sua proibição por S. Luiz, em 1270, e a um edito de Filipe o

Belo, em 1305, não obstante tal medida ainda fosse admitida posteriormente nos pleitos que envolvessem questões pessoais, havendo registro de duelos na Inglaterra em 1817 (op. cit. p. 49).

19 Que já havia sido amplamente admitida à época dos romanos, mas perdeu muito de sua força para as ordálias e o juramento na idade média (cf. LOPES, João Batista, op. cit., p. 21).

20 Não obstante a falibilidade da testemunha, e a possibilidade de sua corrupção, a prova testemunhal possuía tal destaque que, em caso de antinomia entre testemunhas e um escrito, dar-se-ia na maioria dos casos créditos àquelas. Isto por que durante a idade média os grandes índices de analfabetismo limitavam o uso da escrita e, na grande maioria dos casos, havia a ausência da assinatura das partes nos documentos celebrados. Em virtude destas circunstâncias, a força vinculante da prova documental restringia-se exclusivamente a situações em que celebradas perante oficial público e com a presença e de testemunhas que pudessem atestar sua autenticidade.

21 Cf. CASTRO, Francisco Augusto das Neves e, op. cit., p. 56.

12

A partir do século XVI, aliás, o direito probatório passa a sofrer uma

permanente evolução passando a admitir, juntamente com a prova testemunhal e a

documental, a utilização da perícia, da confissão e do interrogatório22.

1.1.2 Dos modernos sistemas probatórios

1.1.2.1 Do sistema de “civil law”

O Sistema do “Civil Law” tem suas raízes deitadas no direito

Romano, razão pela qual também recebe o nome de sistema “Romano-Germânico”.

Nele, a principal fonte do direito é a lei, normalmente estruturada em torno de um

diploma principal, seja a Constituição do Estado ou o Código Civil, cujas disposições

servem de base a todas as outras leis, que completam seus art.s ou definem as

suas exceções.

As normas contidas nestas codificações caracterizam-se

essencialmente por um alto nível de abstração, que permite aos juízes interpretar e

analisar todas as situações concretas, seja aplicando a lei, seja preenchendo suas

lacunas por extrapolação.

JOÃO BATISTA LOPES23 destaca como principais características do

Sistema Romano Germânico, ao menos em sua configuração original: a

predominância do elemento escrito (quod non est in actis, non est in mundo),

consolidada pelo Papa Inocêncio III em 1216 eliminando quase totalmente o contato

entre o juiz e as partes (imediatidade); a ausência da publicidade evidenciada pelo

caráter secreto da prova, só abolido na Revolução Francesa; a fragmentação do

processo em virtude de grande número de fases ou estágios preclusivos gerando 22 Cf. LOPES, João Batista, op. cit., p. 21 23 Ibidem, p. 21.

13

morosidade na prestação jurisdicional; um papel secundário do juiz na relação

processual; o excesso de recursos e de incidentes processuais; e a prevalência do

sistema da "prova legal"24.

CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, aliás, destaca que um dos

problemas inerentes a esse sistema é que este “limita a liberdade criativa e a

propagação normativa das decisões judiciárias”25, podendo levar a um descompasso

entre o escopo originário da norma legal e sua efetividade perante a complexidade

do caso concreto.

A partir da Revolução Francesa, em 1789, iniciou-se uma

significativa transformação desse sistema: abandonou-se o sigilo em torno da

produção das provas e iniciou-se uma tendência em oferecer maior oralidade ao

processo. Tal oralidade é marcada principalmente pelas seguintes características: a

desconsideração dos atos que não fossem comunicados verbalmente ao juiz26; a

publicidade dos atos processuais; o contato do juiz com as partes e com as

testemunhas; a valoração livre das provas pelo juiz; e o declínio das "provas legais"27

28.

Essa tendência, que se acentuou ao longo do século XX, pode ser

exemplificada no direito brasileiro com a disciplina estabelecida para os Juizados

Especiais Cíveis constante da Lei n. 9.099/95, que em seu art. 2º estabelece: “O

24 No qual as provas têm valor prefixado pelo legislador, sem possibilidade de alteração pelo juiz, cuja atuação é meramente formal e mecânica, como se verá em tópico específico.

25 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil moderno. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. t. I, p. 780.

26 Fazendo com que a prova viesse a ser predominantemente produzida perante o magistrado, em audiência.

27 LOPES, João Batista, op. cit., p. 21. 28 Ressalte-se, entretanto, que ainda existem resquícios do sistema da prova legal existentes no

direito brasileiro, como por exemplo, a exigência de instrumento público para a prova de determinados atos, em detrimento de qualquer outro tipo de prova (art. 366 CPC), ou a limitação à utilização da prova exclusivamente testemunhal em demandas cujo valor ultrapasse o décuplo do salário mínimo (art. 401 CPC).

14

processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade,

economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação e

a transação”.

Há no dispositivo um reconhecimento às deficiências acima

enumeradas – morosidade, fragmentação, excesso de recursos, etc. – e uma

tentativa de oferecer maior flexibilidade e dinamismo ao sistema, que ilustra o

principal desafio enfrentado nos países que o adotam: oferecer acesso à justiça,

celeridade processual e mecanismos eficientes para a tutela de direitos difusos e

coletivos29.

1.1.2.2 Do sistema de “common law”

O sistema da “Common Law” provém do direito inglês, não escrito,

que se desenvolveu a partir do século XII e prevalece, atualmente, no Reino Unido,

nos Estados Unidos da América e na maioria dos países da “Commonwealth”.

Orienta-se pela obrigatoriedade do precedente judicial, que não deve

ser confundido com o simples costume firmado pelo meio da prática continuada.

No direito consuetudinário, as principais fontes do direito são os

“precedentes”; soluções dadas a casos antecedentes que possam ser associadas ao

processo em andamento.

Elaborados por indução, os conceitos jurídicos emergem e evoluem

ao longo do tempo, por meio de uma amálgama de inúmeros casos que, juntos,

delimitam campos de aplicação.

GUIDO FERNANDO SILVA SOARES preleciona que:

29 Cf. LOPES, João Batista, op. cit., p. 21.

15

A primeira acepção do termo é de "direito comum", ou seja, aquele nascido das sentenças jurídicas dos Tribunais de Westminster, cortes essas constituídas pelo Rei e a ele subordinadas diretamente, e que acabaria por suplantar os direitos costumeiros e particulares de cada tribo dos primitivos povos da Inglaterra, enquanto oposta à Equity, direito aplicado pelos Tribunais do Chanceler do Rei, originado de uma necessidade de temperar o rigor daquele sistema e de atender a questões de eqüidade30 31.

CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO esclarece que, na Common Law:

[...] os litígios devem ser resolvidos com a ajuda dos princípios obtidos, por indução, da experiência jurídica do passado – e não por dedução das regras estabelecidas arbitrariamente por uma vontade soberana. Trata-se de um sistema eminentemente consuetudinário, cujas normas se revelam por meio dos órgãos judiciais, em decisões com muito mais possibilidade de aderência às exigências do caso concreto que aquelas fundadas em norma escrita, a qual por sua própria natureza é muito mais rígida do que o costume32.

No que se refere à produção e valoração da prova, esse sistema

possui um conjunto de características marcantes, das quais se destacam a presença

de jurados na grande maioria dos julgamentos; a predominância da oralidade; a

admissibilidade do interrogatório cruzado em audiência pública (“cross-examination

in open court”)33; e a ausência do Ministério Público no processo civil; e a limitação

dos recursos34.

JOÃO BATISTA LOPES, destaca que “apesar deste sistema ser

elogiado por parte da doutrina, sofre críticas notadamente no que respeita à

admissibilidade do interrogatório cruzado”35.

30 SOARES, Guido Fernando Silva. Common Law: introdução ao direito dos E.U.A.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 32.

31 Vale destacar, o autor esclarece que, na atualidade, não existe oposição entre “Common Law” e “Equity” nos Estados Unidos da América, uma vez que os procedimentos contrastantes foram unificados na ‘civil action”.

32 DINAMARCO, Cândido Rangel, op. cit., p. 56.33 Pelo qual as perguntas são feitas diretamente às testemunhas pelos advogados das partes e não,

pelo juiz.34 Cf. LOPES, João Batista, op. cit., p. 22.35 LOPES, João Batista, op. cit., p. 22.

16

Outro ponto controverso reside no fato da inquirição direta da

testemunha permitir que a habilidade do procurador em inquirir possa levar a uma

decisão judicial divergente da realidade dos fatos36.

1.1.3 Aspectos atuais do direito probatório

O processo como um todo, vem sofrendo transformações drásticas

no final do século XX e início do século XXI. Instaurou-se na mentalidade do

processualista moderno um foco voltado para o consumidor da tutela jurisdicional,

que deixa de ser mero “suplicante” e passa a exigir do Estado uma manifestação

célere e eficaz sobre a lide que lhe é apresentada.

Em países como o Brasil, atravessa-se uma verdadeira crise da

Justiça Cível – sobrecarregada, desacreditada, e por vezes taxada como a “melhor

linha de crédito do país” - que vem sendo combatida por meio de constantes

reformas às leis processuais, que introduzem ou universalizam técnicas como a

antecipação dos efeitos da tutela, a tutela específica das obrigações, a fungibilidade

de procedimentos e a tutela coletiva de interesses.

No que se refere especificamente ao direito probatório, cuja história

é marcada por permanente evolução em busca do ideal de justiça rápida e

qualificada, tem-se no atual momento a revelação de uma predominância da

oralidade, marcada pela preocupação com a simplificação e celeridade do processo

e o fortalecimento dos poderes instrutórios do juiz37.

36 Neste sentido PESTANA DE AGUIAR destaca que "o preparo intelectual, a habilidade e destreza na técnica de inquirir conduzem a um resultado nem sempre condizente com a verdade material" (AGUIAR, João Carlos Pestana de. Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 12).

37 Cf. LOPES, João Batista, op. cit., p. 23.

17

O magistrado, modernamente, deve abandonar o papel de mero

espectador, assumindo posição mais ativa na busca pela verdade real38.

Encontram-se atualmente, ainda, novas reflexões sobre o direito à

prova39 e a distribuição do ônus da prova no processo civil40.

Estes e outros aspectos da prova serão objeto de análise mais

detida nos tópicos seguintes deste capítulo, após um breve estudo do conceito de

prova.

1.2 Do Conceito de Prova

O termo “prova” tem sido utilizado ao longo do tempo com múltiplos

significados, tanto na linguagem vulgar quanto no uso que os cientistas e

particularmente os juristas fazem do vocábulo41.

JOÃO BATISTA LOPES afirma a possibilidade de se estudar a prova

sob dois aspectos diversos: o objetivo e o subjetivo. No primeiro, prova vem a ser “o

conjunto de meios produtores da certeza jurídica ou o conjunto de meios utilizados

para demonstrar a existência de fatos relevantes para o processo”42.

MITTERMAYER, corroborando este pensamento, define que: "prova é o complexo

dos motivos produtores da certeza"43.

38 Questão que será mais bem abordada em tópico posterior, notadamente onde se analisará a confrontação entre os arts. 130 e 333 do Código de Processo Civil.

39 Em decorrência do choque entre a possibilidade de cerceamento de defesa de interesses legítimos com a existência, em muitos casos, da utilização da produção probatória como forma de defesa meramente protelatória.

40 Cf. LOPES, João Batista, op. cit., p. 162-164.41 Cf. SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Teoria Geral do Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2000. p. 293; CARVALHO FILHO, Milton Paulo de. Ainda a inversão do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor, Revista dos Tribunais, ano 92, v. 807, jan. 2003, p. 56-81, p. 56.

42 LOPES, João Batista, op. cit., p. 26.43 MITTERMAYER. Tratado da prova em matéria criminal. 2. ed. Rio de Janeiro: J. Ribeiro dos

Santos, 1909. p. 75.

18

Sob o aspecto subjetivo, prova “é a própria convicção que se forma

no espírito do julgador a respeito da existência ou inexistência de fatos alegados no

processo” 44.

Pode-se afirmar que provar é procurar a verdade sobre o que se

discute. É dar ao magistrado elementos para que forme a sua convicção. Conforme

os ensinamentos de CHIOVENDA, provar significa formar a convicção do juiz sobre

a existência ou não de fatos relevantes no processo. Por si mesma, a prova em

geral da verdade dos fatos não pode ter limites; mas a prova no processo, ao revés

da prova puramente lógica e científica, sofre a limitação na necessidade social de

que o processo tenha um termo45.

No entender de GILDO DOS SANTOS46: “provar é representar fatos

passados. Dir-se-á que se podem representar fatos futuros. Mas isto só é possível

nos caminhos da imaginação. Representar, no campo do direito, é tornar presentes

fatos que já passaram.”

Provar, segundo ACLIBES BURGARELLI:

[...] é demonstrar a efetiva ocorrência de um fato concreto, para o qual se reserva um suporte normativo, cuja violação gera o fundamento jurídico do pedido e possibilidade de prestação jurisdicional, da qual se espera decisão de acolhimento de mérito47.

44 Entretanto, “é claro que a convicção sobre a verdade de um fato pode variar de pessoa para pessoa, subjetivamente. Assim, por exemplo, o advogado poderá comentar com seu cliente que os fatos por ele alegados foram provados nos autos ou, então, que as provas fornecidas pelo cliente não foram suficientes para o fim pretendido. Essa apreciação é, porém, subjetiva e poderá não coincidir com a do magistrado, que é o destinatário da prova, de modo que, em rigor técnico, só se pode dizer que um fato foi demonstrado nos autos quando o juiz formar convicção sobre sua existência. E mesmo a convicção do juiz de primeiro grau poderá não coincidir com a do órgão julgador colegiado (tribunal), de modo que, em última análise, dizer que um fato foi provado no processo é afirmar que sua existência foi reconhecida pela instância ordinária com competência para julgar matéria fática.” (LOPES, João Batista, op. cit., p. 26).

45 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Campinas: Bookseller, 1998, p. 109.

46 SANTOS, Gildo dos. A prova no Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1979, p. 1.47 BURGARELLI, Aclibes. Tratado das provas cíveis. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000, p. 99.

19

Ainda, neste sentido, ANELISE COELHO NUNES, citando

COUTURE sustenta que, considerada em seu sentido processual, a prova é um

meio de controle das proposições que os litigantes formulam em juízo48.

Neste trabalho, passar-se-á a utilizar uma definição do termo “prova”

proposta por parcela significativa da doutrina49, que a reconhece como forma de

obtenção da verdade dos fatos no processo. Nesse sentido, a prova seria o meio

utilizado pelo juiz para definir a verdade dos fatos que efetivamente ensejaram a

lide, e sobre os quais concluirá sua atividade cognitiva.

O próprio Código de Processo Civil brasileiro induz a essa

conceituação na medida em que, em seu art. 332, coloca a prova como meio de

obtenção da verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa.

Segundo JOÃO BATISTA LOPES, “O vocábulo prova tem origem no

Latim “probatio”, com o significado de verificação, exame, inspeção. De acordo com

os dicionaristas, quer dizer ‘aquilo que mostra a verdade de uma proposição ou a

realidade de um fato’".50

Ainda conforme JOÃO BATISTA LOPES, “Na linguagem jurídica, o

termo é empregado como sinônimo de demonstração dos fatos alegados no

processo, a chamada prova judiciária”51.

48 NUNES, Anelise Coelho. Apreciação probatória no Processo Civil. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2001, p. 14.

49 Destacando nesta linha SILVA, Ovídio Araújo Baptista da, op. cit., p. 293 “a atividade que os sujeitos do processo realizam para demonstrar a existência dos fatos formadores de seu direito”; ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. V. 2, 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 7: “meios idôneos a convencer o juiz da ocorrência de determinados fatos, isto é, da verdade de determinados fatos”; SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de Direito Processual Civil. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 2, p. 337 “provar é convencer o espírito da verdade respeitante a alguma coisa”; e CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido R. Teoria Geral do Processo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 352 “a prova constitui, pois, o instrumento por meio do qual se forma a convicção do juiz a respeito da ocorrência ou inocorrência dos fatos controvertidos no processo”.

50 LOPES, João Batista, op. cit., p. 26.51 Ibidem, p. 26.

20

O Código de Processo Civil, em seu art. 332, determina que as

provas tenham a finalidade de obter a verdade dos fatos. Resta saber o que significa

a palavra "verdade"52.

Em virtude da finalidade53 e limitações do processo civil enquanto

manifestação humana e cultural apresenta-se a “verdade real” como um ideal a ser

sempre buscado pelo magistrado, embora o sistema processual ainda admita, para

o julgamento da causa, “a verdade formal”, salvo em casos onde haja direitos

indisponíveis ou daqueles em que se exige prova legal cuja valoração o legislador

prefixa54.

Com base nas considerações anteriores, a prova pode ser

conceituada como o meio de representação dos fatos que geraram a lide no

processo, tendendo essa representação a equivalência limitada e não à perfeita

identificação entre o objeto representado e o representante.

52 Um aspecto relevante desta questão envolve a diferenciação entre a noção de “verdade real” que representaria a forma como os fatos efetivamente ocorreram e a “verdade formal” – fruto do conjunto de evidências produzidas no processo. Há quem sustente que a verdade real seria impossível de ser alcançada, pois os fatos sempre estariam sujeitos à submissão a uma perspectiva humana, o que a tornaria subjetiva. Neste sentido, surgem conceitos de prova que a posicionam como meio de confirmação ou não de uma hipótese ou de um juízo produzido no curso do processo. Sendo, assim, um teste de coerência entre a formulação e o provável suporte fático da demanda. Observa-se que a prova não é apresentada como ferramenta de obtenção da verdade e sim como meio de formação de um raciocínio jurídico dotado de força em decorrência de seu proferimento por uma autoridade judiciária. Data vênia, prefere-se afirmar que, mesmo que se pudesse admitir a impossibilidade de alcançar plenamente a verdade real, a sua busca deve ser vista como um ideal do processo (posição idêntica a manifestada por NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 795) semelhante ao ideal de “perfeição”.

53 De solucionar conflitos de interesse, aplicar o direito objetivo ao caso concreto e manter a paz social.

54 NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade, op. cit., p. 795.

21

1.3 Do Direito à Prova

A função da prova é servir de meio para a formação da convicção do

julgador acerca da veracidade das afirmações de fato55 feitas pelas partes, que

servirá de fundamento para o provimento jurisdicional a ser entregue no final do

processo56. Desse modo, o direito à produção da prova vem a ser elemento

integrante e essencial do devido processo legal57.

O texto constitucional garante o direito de ação (CF/88, art. 5º, inc.

XXXV) aos jurisdicionados com vistas a obter do órgão jurisdicional a apreciação,

valoração e julgamento da pretensão postulada. O direito à prova decorre

diretamente desse direito de ação, amarrado ao princípio do livre convencimento

motivado, que disciplina a formação do convencimento do magistrado.

Modernamente, o direito à prova vem ganhando importância nas

situações que envolvem os direitos de ação, do contraditório e da ampla defesa.

Com efeito, de nada adiantaria o direito à ação, se aos jurisdicionados não fossem

ofertados, paralelamente, o direito de provar suas alegações. Assim, o direito à

prova, conforme escreve RACHEL PINHEIRO DE ANDRADE MENDONÇA58:

[...] insere-se dentro dos princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa, devido processo legal, dignidade humana, acesso irrestrito à jurisdição, entre outros, uma vez que permite às partes, titulares de ação e de defesa, manifestarem-se sobre as provas e contra-provas produzidas nos autos.

55 E, eventualmente, do conteúdo e vigência de determinadas normas jurídicas.56 Podendo também servir de subsídio para a concessão de liminares, como no caso da antecipação

dos efeitos da tutela (art. 273 do Código de Processo Civil), onde se exige a presença de “prova inequívoca” para a concessão da medida.

57 Cf. SANTOS, Sandra Aparecida Sá dos. A inversão do ônus da prova. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 50, onde a autora erige a prova a uma garantia do direito de defesa, qualificada, portanto dentro do direito ao devido processo legal.

58 MENDONÇA, Rachel Pinheiro de Andrade. Provas ilícitas: limites à licitude probatória. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 4.

22

ALEXANDRE DE MORAES confirma este posicionamento ao afirmar

que:

O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa (direito à defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal) 59.

JOSÉ ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE acrescenta que:

O direito à prova é componente inafastável do princípio do contraditório e do direito de defesa. O problema não pode ser tratado pelo ângulo do ônus (CPC, art. 333). Necessário examiná-lo do ponto de vista da garantia constitucional ao instrumento adequado à solução das controvérsias, dotado de efetividade suficiente para assegurar ao titular de um interesse juridicamente protegido em sede material, a tutela jurisdicional60.

Vale destacar que, em âmbito civil, ao exercício desse direito não

corresponde um dever obrigatório, mas somente um ônus61, posto que a parte

faltosa terá que arcar com os efeitos e conseqüências da sentença reconhecedores

da inação62.

A garantia da ampla defesa prescrita pela Constituição Federal de

1988, no seu art. 5º, inc. LV, é uma exigência do due process of law (devido

processo legal), pelo qual os litigantes, tanto em processo judicial como

administrativo, têm o poder de se defenderem com argumentos e contra-

argumentos. O não cumprimento dessa exigência acarretaria a nulidade do processo

59 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 112.60 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Garantia da Amplitude de Produção Probatória. CRUZ e

TUCCI, José Rogério (Coord.). Garantias Constitucionais do Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 168.

61 A distinção entre ônus, obrigação e dever será abordada na seqüência deste trabalho.62 Ressalva feita a exceções como no caso de direitos indisponíveis e questões de ordem pública.

23

a partir de sua violação. Com efeito, trata-se do fenômeno da bilateralidade da ação:

conferido o direito de ação, reconhece-se, igualmente, o correlato direito à defesa.

Com a garantia à ampla defesa, a Constituição não se restringe a

permitir o acesso aos tribunais, mas também dá conteúdo a esses direitos,

assegurando um conjunto de garantias às partes em todos os momentos

processuais.

RACHEL PINHEIRO DE ANDRADE MENDONÇA63 desdobra a

garantia da ampla defesa em três níveis diferentes: a) direito à informação – “nemo

inauditus damnari potest”; b) bilateralidade na audiência; c) direito à prova

legitimamente obtida ou produzida (comprovação da inculpabilidade).

Depreende-se que a ampla defesa, vista como manifestação do

contraditório, mas também por ele garantida, não deve ser concebida apenas no

sentido negativo de oposição ou resistência à pretensão da parte contrária, mas,

também, e principalmente, deve ela ser entendida em sua dimensão positiva, como

o direito de participar, influenciar, incidir ativamente sobre o desenvolvimento do

processo, objetivando o seu resultado. Nessa ordem de idéias, insere-se, entre os

recursos e meios inerentes à ampla defesa, o direito à prova. Por isso salientam

GRINOVER; SCARANCE; GOMES FILHO64:

[...] o direito à prova insere-se como aspecto de particular importância no quadro do contraditório, uma vez que a atividade probatória representa o momento central do processo: estritamente ligada à alegação e à indicação dos fatos, visa ela a possibilitar a demonstração da verdade, revestindo-se de particular relevância para o conteúdo do provimento jurisdicional. O concreto exercício da ação e da defesa fica essencialmente subordinado à efetiva possibilidade de se representar ao juiz a realidade do fato posto como fundamento das pretensões das partes, ou seja, de estas poderem servir-se das provas.

63 MENDONÇA, Rachel Pinheiro de Andrade, op. cit., p. 23.64 GRINOVER, Ada Pellegrini; SCARANCE F. Antônio; GOMES FILHO, Antônio M. As nulidades no

processo penal. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 75.

24

EDUARDO CAMBI65, tratando da limitação ao direito a prova

corrobora este entendimento, afirmando, ainda, que, modernamente, deve ser

abandonada a idéia de que todos os limites probatórios seriam justificados até a

demonstração de que provocariam restrições ao direito a prova em prol da noção de

que “nenhum limite probatório é justificado, exceto quando existam razões que

imponham a derrogação excepcional ao geral direito das partes de servirem-se em

juízo de todas as provas consideradas relevantes”.

A jurisprudência pátria também tem consolidado a idéia de que a

prova encontra-se inerente à garantia do contraditório e do devido processo legal66:

Mas, se o direito à prova é decorrência do contraditório, um dos

meios por que este se manifesta, não se deve esquecer que o próprio contraditório

exerce, por outro lado, limitações à formação e produção das provas, que assim são

resumidas por GRINOVER, SCARANCE e GOMES FILHO67:

a) proibição de utilização de fatos que não tenham sido previamente introduzidos pelo juiz no processo e submetidos a debate pelas partes;b) proibição de utilização de provas formadas fora do processo, ou de qualquer modo colhidas na ausência das partes;

65 CAMBI, Eduardo Augusto Salomão. A prova civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 36.66 “O respeito ao princípio constitucional do contraditório – que tem na instrução probatória, um dos

momentos mais expressivos de sua incidência traduz um dos elementos realizadores do postulado do devido processo legal” (STF – HC – Rel. Min, Celso de Mello – j. 18.2.1992 – RTJ 140/856.); “PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. DESPACHO QUE FACULTA ÀS PARTES A PRODUÇÃO DE PROVAS. INTIMAÇÃO DEFEITUOSA. AUSÊNCIA DO NOME DO ADVOGADO DO RÉU. CERCEAMENTO DE DEFESA. CPC, ART. 236, § 1º. NULIDADE. I. Se o magistrado processante determinou a intimação das partes para requerem a produção de provas, pressupõe-se que elas eram, em princípio, cabíveis e eventualmente úteis no contexto da lide, de modo que o defeito na publicação respectiva, em que não figurou o nome do patrono da parte ré, causou-lhe cerceamento do direito de defesa, ensejando a nulidade do processo a partir do ato viciado. II. Caso, ademais, em que contraditório o aresto a quo, eis que considerou que o executado não comprovou nem a capitalização dos juros, nem a cumulação da comissão de permanência com a correção monetária, mas, em contrapartida, negou-lhe o direito à prova pericial. III. Recurso especial conhecido e provido.” (STJ Processo REsp 316297/SP ; RECURSO ESPECIAL 2001/0039312-8 Relator(a) MIN. ALDIR PASSARINHO JUNIOR (1110) Órgão Julgador T4 - QUARTA TURMA Data do Julgamento 16/05/2002 Data da Publicação/Fonte DJ 19.08.2002 p. 173).

67 GRINOVER, Ada Pellegrini; SCARANCE F. Antônio; GOMES FILHO, Antônio M., op. cit., p. 120.

25

c) obrigação do juiz, quando determine a realização de provas “ex officio”, de submetê-las ao contraditório das partes, que devem ainda participar de sua produção e ter oportunidade de oferecer contraprova.

Ou seja:

[...] tanto será viciada a prova que for colhida sem a presença do juiz, como o será a prova colhida pelo juiz, sem a presença das partes [...] A concomitante presença de ambos – juiz e partes – na produção das provas é essencial a sua validade68.

Pode-se afirmar, portanto, que o direito à prova, porque inserido nas

garantias da ação e da defesa, e decorrente do princípio do contraditório, encontra

agasalho na própria Constituição Federal vigente. Nem por isso, todavia, é direito

absoluto e ilimitado. São admitidas restrições ao direito probatório desde que

existam razões que imponham a derrogação do direito geral de servir-se de qualquer

tipo de prova, e isso porque, como bem sintetizam GRINOVER, SCARANCE e

GOMES FILHO69:

[...] os direitos do homem, segundo a moderna doutrina constitucional, não podem ser entendidos em sentido absoluto, em face da natural restrição resultante a convivência das liberdades, pelo que não se permite que qualquer delas seja exercida de modo danoso à ordem pública e às liberdades alheias. As grandes linhas evolutivas dos direitos fundamentais, após o liberalismo, acentuaram a transformação dos direitos individuais em direitos do homem inserido na sociedade. De tal modo que não é mais exclusivamente com relação ao indivíduo, mas no enfoque de sua inserção na sociedade, que se justificam, no Estado social de direito, tanto os direitos como as suas limitações.

Assim, embora preservado o direito à prova e à liberdade para a sua

produção, não se concebendo, portanto, um rol taxativo de provas legais; é

imperioso que a atividade probatória, como de resto toda a atividade processual,

68 Ibidem, p. 120.69 Ibidem, p. 127-128.

26

atenda ao interesse social de realizar a justiça, e submeta-se às exigências do bem

comum de respeito à moralidade e à dignidade da pessoa humana.

1.4 Do Objeto da Prova

A pretensão deduzida pelo autor na petição inicial, bem como a

resposta do réu, deverão estar assentadas em afirmações de fato e no direito

(federal, estadual, municipal, estrangeiro ou consuetudinário).

Se os pontos controvertidos porventura oriundos do confronto entre

as afirmações apresentadas pelas partes restringirem-se a interpretação e aplicação

do direito, não há, em regra, a necessidade de produção probatória70, cabendo ao

juiz resolvê-las logo após a fase postulatória, sem maiores delongas.

Diversamente, se os pontos controvertidos existentes no processo

envolverem divergências nas afirmações de fato – isto é, acontecimentos da vida de

que decorrem conseqüências jurídicas – poderá ser necessário demonstrar-lhes a

existência, quando negada71.

70 Se a pretensão de uma das partes fundamentar-se em norma de direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário, o juiz pode determinar a prova do teor e vigência da norma invocada (art. 337 do CPC). Nestes casos, não é apenas o conteúdo da norma, mas também a sua vigência, que se interessa ver demonstrada. A falta de tal prova, quando determinada pelo juiz, pode levar à rejeição da pretensão, não por que o fato que se sustentava naquela norma não tenha sido demonstrado, mas porque não houve a certeza jurídica da vigência do direito invocado. Deve se destacar, entretanto, que a confirmação do teor e vigência de uma norma, nada mais é do que a apuração de um novo fato. Assim pode-se afirmar que a produção probatória efetivamente se restringirá ao domínio dos fatos.

71 Como se verá na seqüência deste trabalho, há no processo uma distribuição, entre as partes, do ônus de comprovar a existência dos fatos afirmados no processo. Esta distribuição recebe sua disciplina geral no art. 333 do Código de Processo Civil, e se submete a exceções impostas em normas especiais como o art. 6º, VIII do Código de Defesa do Consumidor. Existem, ainda, fatos que independerão de produção de prova no processo para que sua existência seja admitida pelo órgão julgador, como ocorre com os fatos notórios e com os fatos incontroversos ligados a direitos disponíveis.

27

Tem-se, pois, que pontos controvertidos de direito não exigem

demonstração, porque o juiz tem o dever de conhecê-lo72 (iura novit curia). É no que

se refere às controvérsias quanto aos fatos que surge a necessidade de

demonstração, porque o juiz, para decidir, terá de buscar a verdade (ou, ao menos,

a verossimilhança, como quer parte da doutrina), acerca das alegações deduzidas

em juízo.

Em respeito ao interesse social de realizar-se a justiça da forma

mais célere e efetiva possível, nem tudo o que se discute no processo precisa ser

comprovado. A prova judiciária tem um objeto (thema probandum) que, como regra

geral, constitui-se dos fatos ligados à causa73-74. Toda pretensão, seja de parte ou

interveniente, tem por fundamento um fato, e é este que constitui o objeto da prova.

Como afirma JOSÉ FREDERICO MARQUES, “o objeto da prova ou

thema probandum, é a coisa, fato, acontecimento, ou circunstância que deve ser

provado no processo”75.

Parcela significativa da doutrina76, entretanto, discute se o objeto da

prova residiria realmente nos fatos ou se envolveria as afirmações de fato,

sustentando que, em verdade, o objeto da prova é composto das afirmações dos

72 Dever este que, como visto em nota anterior, não se estende ao teor e vigência de normas municipais, estaduais, estrangeiras ou consuetudinárias.

73 SILVA, Ovídio Batista da, op. cit., p. 296-297, no mesmo sentido, GRINOVER, Ada Pellegrini; SCARANCE F. Antônio; GOMES FILHO, Antônio M., op. cit., p. 353-354; GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Novo curso de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2004, v. 1, p. 420; CAMBI, Eduardo Augusto Salomão, op. cit., p. 295; e ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria Geral do Processo. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 260.

74 As normas jurídicas, como regra geral, não se submetem à atividade probatória dado que “o juiz conhece do direito” (jura novit cúria) cabendo somente a apreciação quanto à vigência do direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário (art. 337 do Código de Processo Civil). AROCA, Juan Montero. La prueba em el Proceso Civil. 2 ed., Madrid: Civitas, 1998, p. 34) prefere afirmar que o objeto da prova seriam “dados” porque, além da exceção referente à vigência do direito, em certas ocasiões a atividade probatória poderia incidir sobre as máximas da experiência.

75 MARQUES, José Frederico. Instituições de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1959, v. 3, p. 365.

76 Cf. ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do Processo. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 245-246.

28

fatos pelas partes, pois quem atribui sentido aos fatos é o ser humano, por meio da

linguagem.

Ao endereçar a questão, FRANCESCO CARNELUTTI inicialmente

via como objeto exclusivo da prova as afirmações de fato apresentadas pelas partes;

mas superou esta visão em seu Sistema del Diritto Processuale Civile, quando

passou a considerar como objeto central da prova o fato, em vez da afirmação77,

passando a adotar a distinção entre objeto mediato da prova, que é o fato e objeto

imediato da prova que é a afirmação.

Estabelecido que o objeto da prova se constitui dos fatos torna-se

relevante verificar quais fatos deverão ser submetidos ao crivo da atividade

probatória. JOÃO BATISTA LOPES78 bem destaca que: “de acordo com a doutrina,

só precisam ser provados os fatos relevantes, pertinentes, controvertidos e

precisos”79.

Fatos pertinentes ao processo são aqueles de alguma forma ligados

à causa em discussão. Apenas eles suscitam o interesse da parte em demonstrá-

los; os fatos impertinentes, isto é, não relacionados com a causa, devem ter sua

prova recusada pelo juiz, sob pena de se desenvolver atividade inútil.

Além de pertinentes, só devem ser provados os fatos relevantes,

que são os que podem influir, em diferentes graus, na decisão da causa80. Os fatos

irrelevantes são, na realidade, também impertinentes.

Observe-se que, mesmo sendo relevantes e pertinentes, os fatos

somente dependem de procedimento probatório na exata medida em que sejam 77 CARNELUTTI, Francesco. A prova civil. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2002, p. 266-267.78 LOPES, João Batista, op. cit., p. 32.79 No que se refere a fatos precisos, JOÃO BATISTA LOPES os qualifica como sendo “os que

determinam ou especificam situações ou circunstâncias importantes para a causa. Alegações genéricas ou vagas não comportam prova” (op. cit., p. 33).

80 SANTOS, Moacyr Amaral, op. cit., p. 336.

29

tidos como controversos. Os fatos aceitos, ativa ou passivamente pelas partes, não

dependem de prova e, por isso, estão aptos a receber a avaliação judicial como

suportes de sua decisão81.

Não estão, igualmente, sujeitos a prova os fatos notórios82. O fato

notório é o de conhecimento geral e por isso mesmo de prova desnecessária ou

inútil. Observe-se que para a dispensa da prova não há necessidade de que a

notoriedade seja absoluta, ou seja, que o conhecimento seja de todos e em todos os

lugares. Basta a notoriedade relativa, local ou regional e do pessoal do foro83-84.

Ainda independem de prova os fatos em cujo favor milita presunção

legal de existência ou de veracidade. Se a lei dá como verdadeiro determinado fato,

está a parte dispensada de prová-lo, em sendo a presunção absoluta85.

Em resumo, com base nas considerações acima expostas, conclui-

se que o objeto da prova, referida a determinado processo, centra-se nos fatos

81 Se o fato é incontroverso porque aceito expressa ou tacitamente pela parte contrária (art. 302 do Código de Processo Civil), a parte não tem interesse de demonstrá-lo. Há circunstâncias, entretanto, em que mesmo sendo incontroversos os fatos, o juiz não os admitirá como verdadeiros. Tal situação ocorre, por exemplo, quando a afirmação de fato é evidentemente contrária ao bom senso, tratando-se de fato impossível. Mesma situação ocorre quando o ponto controvertido envolver direito indisponível, que impedirá a presunção de veracidade dos fatos incontroversos ainda que haja revelia no processo (art. 320 do CPC). Exige-se, ainda, a prova de fato, mesmo que incontroverso, se o instrumento público for essencial a sua prova e forma, porque nesses casos a aceitação ou a confissão não lhe suprem a falta (art. 366).

82 Deve-se ressaltar que existe em parte da doutrina uma forte resistência a aplicação da “notoriedade” de um fato pelo juiz como forma de restrição da atividade probatória. Neste sentido, CARNELLI, Lorenzo. O fato notório. Rio de Janeiro: José Konfino, 1957, p. 265, ao afirmar sobre o fato notório: “considero-o, em primeiro lugar, perigoso. Hei procurado demonstrá-lo. Admita-se, pelo menos, a possibilidade de que seja prejudicial para valores respeitáveis do processo, tais como a igualdade entre as partes, a imparcialidade do juiz, a ordem necessária do processo em um ajustado sistema de disposição [...] Poderia apesar de tudo, ser mantido, se se evidenciasse necessário. Mas, justamente, não o é.”

83 Observando-se, porém, neste caso, a circunstância de que a notoriedade deve também atingir o conhecimento do tribunal de segundo grau de jurisdição, que em tese poderá julgar o recurso, sob pena de, futuramente, nascer dúvida sobre sua existência.

84 Neste sentido, RIBEIRO, Darci Guimarães. Provas atípicas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 98; e CALAMANDREI, Piero. Instituciones del Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: Ejea, 1986, t. III, p. 296.

85 Tratando-se de presunção relativa, a parte em favor de quem milita a presunção não precisa prová-lo, incumbindo à parte contrária o ônus de produzir, se for o caso, a prova contrária. A presunção relativa inverte o ônus da prova, enquanto a presunção absoluta dispensa sua produção.

30

pertinentes, relevantes e controvertidos da causa, desde que não sejam notórios ou

submetidos à presunção legal.

1.5 Dos Princípios Gerais

Pode-se afirmar que “os princípios são as primeiras regras de uma

ciência, de uma arte”86. São eles que estabelecem os alicerces sobre os quais

determinado sistema operará, representando aspectos fundamentais na

interpretação de um comando legal87-88.

JOSÉ DE ALBUQUERQUE ROCHA89 aponta que os princípios

desenvolvem três importantes funções dentro de um sistema jurídico: servem de

fundamento para as demais normas; orientam a interpretação dos dispositivos legais

e suprem eventuais lacunas existentes na lei.

No que se refere ao direito probatório, dada a sua evidente

relevância dentro do funcionamento de todo o direito processual, não poderia deixar

de existir um conjunto de princípios e regras particulares voltados a ele, de modo a

lhe conceder o caráter de um verdadeiro sistema90.

86 AZENHA, Nívia Aparecida de Souza. Prova ilícita no Processo Civil. Curitiba: Juruá, 2005, p. 38.87 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1999, p.

1.086 divide as normas jurídicas em princípios e regras diferenciando-os pelo grau de abstração, maior nos princípios; pelo grau de determinabilidade, sendo os princípios mais vagos e indeterminados que as regras; pelo carácter de fundamentalidade onde os princípios assumem papel fundamental, estruturante, no ordenamento jurídico; pela proximidade da idéia de direito, sendo os princípios “‘standards’ juridicamente vinculantes radicados nas exigências da justiça” enquanto as regras possuiriam conteúdo meramente funcional; e na natureza normogenética da norma, configurando os princípios o fundamento, a base, a “ratio” das regras jurídicas.

88 ÁVILA, Humberto Bergmann. Medida Provisória na Constituição de 1988. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1997, p. 43 diferencia ainda princípios e regras apontando que: “As normas princípios (normas jurídicas que estabelecem, pela sua amplitude valorativa e grau de abstração, qualidades positivas relevantes para o sistema jurídico, para uma matéria ou tipo de relação jurídica, devendo ser aplicadas na conformidade com outras normas-princípios) atribuem sentido às demais normas constitucionais, dado que indicam valores fundamentais; as normas-regras são normas que regulam a conduta, atribuindo uma conseqüência determinada, sendo insustentável a validade de regras contraditórias.”

89 ROCHA, José de Albuquerque, op. cit., p. 42-43.90 Conforme SILVA, Ovídio Araújo Batista da, op. cit., p. 298.

31

Importante destacar, entretanto, que os princípios que regem o

direito probatório, assim como aqueles que comandam outros domínios das ciências

jurídicas, não se confundem com os que presidem as chamadas ciências da

natureza.

OVÍDIO ARAÚJO BAPTISTA DA SILVA ensina com propriedade

que:

[...] um princípio físico, por exemplo, o da gravitação universal, ou qualquer outro, constitui uma regra inexorável a que os fenômenos da natureza se submetem necessariamente. Quando se fala, no domínio do direito, em princípios fundamentais, faz-se referência a princípios norteadores da compreensão do direito, como simples instrumentos de referência para a solução de um problema jurídico91. DEVIS ECHANDIA92 denominam a este núcleo de princípios fundamentais “princípios retores”.

Neste tópico far-se-á breve abordagem sobre a relação existente

entre a prova e alguns dos principais princípios norteadores do processo civil,

oferecendo foco àqueles mais intimamente ligados a ela.

Seguem, assim, alguns dos princípios relativos à prova, reputados

essenciais ao tratamento da temática abordada neste trabalho, não se descartando,

todavia, outros que a doutrina possa declinar.

91 Ibidem, p. 299.92 ECHANDIA, Hernando Devis. Teoria general de la prueba judicial. Buenos Aires: V.P. de Zavalía,

1976, v. 1, p. 114.

32

1.5.1 Do princípio do contraditório

O princípio do contraditório consiste em oferecer, de forma

equilibrada, informação e possibilidade de reação às partes, relativamente aos

acontecimentos do processo. Determina, ainda, que o juiz ouça a parte contra a qual

foi formulada uma pretensão, antes de decidir, definitivamente, sobre a mesma93.

Este princípio vem consagrado na Lei Maior de 1988, no art. 5°, inc.

LV, ao estabelecer que: "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos

acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios

e recursos a ela inerentes", e está tão intimamente ligado ao exercício do poder, que

a doutrina moderna o considera inerente à própria noção de processo94.

Em matéria probatória, a parte contra quem se produz a prova tem o

direito de conhecê-la e de manifestar-se sobre ela antes que o juiz a utilize como

elemento de convicção em sua decisão95.

OVÍDIO ARAÚJO BAPTISTA DA SILVA sintetiza a questão

afirmando que: “O Contraditório, portanto, tolhe a legitimidade da prova secreta –

produzida sem o prévio conhecimento da outra parte”96-97.

93 Ressalve-se a possibilidade de postergar o contraditório em situações de urgência, como para a concessão de uma liminar “inaudita altera parte”. O fato de a parte ser ouvida após a efetivação da medida não implica em supressão do contraditório, que será efetivado posteriormente, mas apenas em uma “suspensão” do mesmo, em virtude dos motivos ligados ao caso concreto que justificaram a liminar.

94 Cf. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO Cândido Rangel, op. cit., p. 55.

95 Mesmo posicionamento de SILVA, Ovídio Araújo Baptista da, op. cit., p. 301.96 Cf. SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais,

1998, v. 1, p. 347. 97 Neste mesmo sentido, NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição

Federal. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 128-129, afirma que as partes têm o direito de serem ouvidas igualmente no processo, podendo apresentar suas pretensões, defesa e realizar as provas requeridas. Para o processualista, o contraditório se encontra intimamente ligado com a igualdade das partes e com o direito de ação; isto por que a Constituição Federal de 1988, ao garantir o contraditório e a ampla defesa, posicionou tanto o direito de ação como o direito de defesa como manifestações do contraditório. SILVA, João Carlos Pestana de Aguiar, op. cit., p. 76, afirma que o contraditório, “em matéria de prova se subsume no cabimento de prova somente havendo a possibilidade de contraprova. Logo, nenhuma prova pode ser produzida por uma parte

33

Assim, sempre que uma parte produzir provas, a outra deve delas

tomar ciência, possibilitando-lhe a manifestação sobre a mesma. Suprimir ao

litigante esta oportunidade implicaria em nulidade do processo por cerceamento de

defesa98, pois o princípio do contraditório, em matéria probatória, assegura que a

parte contra quem a prova foi produzida tenha o direito de conhecê-la, de impugná-

la e produzir contraprova, permitindo-lhe, com isto, tentar invalidá-la.

1.5.2 Do princípio dispositivo e a livre investigação da prova

O princípio dispositivo estende para a matéria probatória a idéia de

que, no processo civil, predomina a disponibilidade de direitos99, Podendo ser

sintetizado na regra de que o juiz deve julgar a causa estritamente com base nos

fatos alegados e provados pelas partes.

Segundo ADA PELLEGRINI GRINOVER, pelo princípio dispositivo

"o juiz depende, na instrução da causa, da iniciativa das partes quanto às provas e

às alegações em que se fundamentará a decisão"100.

na ausência da outra parte”.98 Cf. SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de Processo Civil..., op. cit., p. 347.99 Neste ponto, aliás, há certa controvérsia na doutrina. Alguns autores sustentam que o princípio

dispositivo nada mais representaria do que “o poder de dispor da produção da prova”, sendo posto como sinônimo ou desmembramento do princípio da disponibilidade de direitos que norteia a maioria dos procedimentos no processo civil. Neste sentido, SANTOS, Ernani Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, v. 1, p. 40; ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria Geral do Processo. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 229 e BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do Juiz. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 71. Outros autores preferem separar claramente os dois princípios, como CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO Cândido Rangel, op. cit., p. 64, afirmam categoricamente que: “Na doutrina contemporânea reserva-se a locução princípio dispositivo, como no texto acima está, para a regra da iniciativa probatória de parte. Não confundir esta regra com a da disponibilidade (supra, n. 22), não obstante a semelhança vocabular.”. Prefere-se a primeira corrente, pois, não obstante o princípio dispositivo tenha adquirido identidade própria no campo probatório, reconhece-se sua derivação e desmembramento do princípio mais geral da disponibilidade de direitos.

100 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO Cândido Rangel, op. cit., p. 64.

34

O mais sólido fundamento apresentado em defesa deste princípio

tem sido a necessidade de salvaguardar a imparcialidade do juiz101. O princípio é de

inegável sentido liberal, porque transmite a noção de que a cada um dos sujeitos

envolvidos no conflito sub judice é que deve caber o primeiro e mais relevante juízo

sobre a conveniência ou inconveniência de demonstrar a veracidade dos fatos

alegados.102

O processo civil brasileiro acolheu o princípio dispositivo103, todavia,

diante da publicização do processo, o rigor deste princípio foi atenuado, permitindo

ao magistrado participação na colheita das provas, o que pode ser claramente

depreendido do conteúdo dos arts. 130, 342 e 1.107 do Diploma Processual104,

dentre outros dispositivos.

Em verdade, como aponta JOÃO BATISTA LOPES105: “O princípio

dispositivo não mais sobrevive com a tessitura que os autores tradicionais lhe

emprestaram, uma vez que a legislação vigente atribui ao juiz grande soma de

poderes na busca da verdade e na atuação das regras processuais”. Atualmente,

cada vez mais, tem-se a predominância do princípio da livre investigação da prova,

101 Neste sentido, RUIZ, Ivan Aparecido. O Papel do Juiz no Processo Civil Moderno. Revista Nobel Iuris, v. 2 n.1, Maringá, 1 semestre 2004, p. 13 “De início, o objetivo maior desse princípio é o de garantir a imparcialidade do juiz. É certo que a inércia que caracteriza a jurisdição, ordinariamente, impede o juiz de conhecer de fatos não alegados pela parte, que se constituam em direito disponível. No que diz respeito à produção de provas, também impera idêntica ordem.”.

102 Cf. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO Cândido Rangel, op. cit., p. 64-65.

103 Neste sentido, NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade, op. cit., p. 854 indicam os arts. 128 e 460 que estabelecem a regra de congruência entre pedido e sentença como decorrência do pedido dispositivo. ALVIM, Arruda, op. cit., p. 419-420, é taxativo ao destacar que a atividade probatória do juiz, embora admitida pela livre investigação da prova prevista no art. 130 do Código de Processo Civil, deve sempre ser feita de forma subsidiária, “não suprindo as omissões da parte inerte” em respeito ao princípio dispositivo.

104 Art. 130. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias. Art. 342. O juiz pode, de oficio, em qualquer estado do processo, determinar o comparecimento pessoal das partes, a fim de interrogá-las sobre os fatos da causa. Art. 1.107. Os interessados podem produzir as provas destinadas a demonstrar as suas alegações; mas ao juiz é lícito investigar livremente os fatos e ordenar de ofício a realização de quaisquer provas.

105 LOPES, João Batista. Os poderes do juiz e o aprimoramento da prestação jurisdicional. Revista de Processo, São Paulo, ano 9, n. 35, p. 26, jul./set. 1984.

35

com salvaguardas à imparcialidade do juiz na forma de doses de dispositividade106-107

.

O Superior Tribunal de Justiça, em interessante voto do Ministro

SÁLVIO DE FIGUEIREDO, manifestou-se sobre o princípio dispositivo,

demonstrando a atenuação que este sofreu no direito brasileiro108.

Como cediço, diante do cada vez maior sentido publicista que se tem atribuído ao processo, o juiz deixou de ser mero espectador inerte da batalha judicial, passando a assumir uma posição ativa que lhe permite, dentre outras prerrogativas, determinar a produção de provas, desde que o faça, é certo, com imparcialidade, sem ensejar injustificado favorecimento a litigante que haja negligenciado em diligenciar as providências probatórias de seu interesse.

Nesse sentido tive ensejo de posicionar-me em sede doutrinária, assinalando: O Código acolheu o princípio dispositivo, segundo o qual o juiz deve julgar segundo o alegado pelas partes (iudex secundum allegata et probata partium iudicare debet), mas o abrandou, permitindo a iniciativa probatória do Juiz (v. Exposição de Motivos n. 18), haja vista que a publicização do processo e a socialização do direito implicam, cada vez mais, a busca da verdade real. O juiz, entretanto, somente deverá tomar a iniciativa probatória quando a prova se fizer necessária "ao conhecimento da verdade que interessa ao melhor e mais justo julgamento da causa". Essa iniciativa reclama, no entanto, estado de perplexidade do julgador em face de provas contraditórias, confusas, incompletas ou de cuja existência o juiz tenha conhecimento. A iniciativa probatória do juiz pode ocorrer em qualquer fase, uma vez que a mesma não se sujeita à preclusão.

Estes posicionamentos destacam a tendência atual de – em prol de

uma busca incessante pela verdade real, em detrimento do contentamento com a

106 Neste sentido RUIZ, Ivan Aparecido, op. cit., p. 13-14. Com mesmo posicionamento: GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2004, v. 1, p. 423 e SANTOS, Moacyr Amaral, op. cit., p. 359-360.

107 Deve se destacar que a contradição entre “livre investigação da prova” e “dispositividade” envolve um conflito apenas aparente, pois, a existência de “princípios antagônicos” em um sistema jurídico é perfeitamente possível, servindo como uma forma de auto limitação a referidos princípios e permitindo uma flexibilização de seu conteúdo de acordo com a variação dos valores sociais ao longo do tempo, como bem aponta ÁVILA, Humberto Bergmann, op. cit., p. 43.

108 Recurso Especial 17.591-0- São Paulo – 4a Turma do Superior Tribunal de Justiça - j. em 07.06.1994 - Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira - 27.06.1994.

36

simples verdade formal produzida nos autos – oferecer-se cada vez mais poderes

instrutórios ao magistrado.

SANDRA APARECIDA SÁ DOS SANTOS109 destaca, inclusive, que,

ante a finalidade publicista do processo em servir de instrumento para a realização

do direito material, se torna inadmissível a clássica distinção entre verdade real e

formal110, referentes, respectivamente ao processo penal e ao processo civil, posição

que tem sido sustentada nos tribunais111.

Assumindo posição mais moderada do que a de Sandra Aparecida

Sá dos Santos ARRUDA ALVIM112 destaca que embora o princípio dispositivo esteja

mitigado a ponto de permitir ao juiz adentrar à atividade probatória, este deverá fazê-

lo sempre subsidiariamente, evitando suprir omissões da parte inerte, de modo a

preservar sua imparcialidade.

109 SANTOS, Sandra Maria Sá dos, op. cit., p. 83.110 Onde se coloca a verdade formal como sendo aquela obtida exclusivamente por meio das

evidências reunidas no processo, mesmo que este conteúdo seja divergente da maneira como os fatos efetivamente ocorreram e a verdade real refletindo o efetivo desenrolar dos fatos.

111 DIREITO CIVIL E PROCESSUAL – INVESTIGATÓRIA DE PATERNIDADE – DETERMINAÇÃO DE OFÍCIO DE OITIVA DE TESTEMUNHAS – POSSIBILIDADE – ART. 130, CPC – DIREITO DE FAMÍLIA – EVOLUÇÃO HERMENÊUTICA – PRECEDENTES – RECURSO DESACOLHIDO. I - Na fase atual do direito de família, é injustificável o fetichismo de normas ultrapassadas em detrimento da verdade real, sobretudo quando em prejuízo de legítimos interesses de menor. II – Diante do cada vez maior sentido publicista que se tem atribuído ao processo contemporâneo, o juiz deixou de ser mero espectador inerte da batalha judicial, passando a assumir uma posição ativa que lhe permite, dentre outras prerrogativas, determinar a produção de provas, desde que o faça, é certo, com imparcialidade e resguardando o princípio do contraditório. III – Tem o julgador iniciativa probatória quando presentes razões de ordem pública e igualitária, como, por exemplo, quando se esteja diante de causa que tenha por objeto direito indisponível (ações de estado), ou quando o julgador, em face das provas produzidas, se encontre em estado de perplexidade ou, ainda, quando haja significativa desproporção econômica ou sócio-cultural entre as partes. STJ, 4ª T., REsp 43.467/MG, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 12.12.1995, v.u. REVELIA – PRESUNÇÃO DE VERACIDADE RELATIVA – POSSIBILIDADE DE O JUIZ APRECIAR QUESTÕES PROCESSUAIS QUE SE REFEREM AO ANDAMENTO DO PROCESSO – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BUSCA DA VERDADE REAL. 1º TACicSP, 10ª Cam., AC 502.710/9, rel. Juiz Antônio Pádua Ferraz Nogueira, j. 19.04.1994, v.u., RT 708/111. SIGILO BANCÁRIO – QUEBRA – ADMISSIBILIDADE. No interesse da justiça, objetivando a apuração da verdade real e a formação da livre convicção do julgador dentro do princípio de que deve se dar a cada um o que é seu, em casos excepcionais admite-se a expedição de ofícios às entidades financeiras a teor do art. 130 do Código de Processo Civil, sem que contra este procedimento possa se alegar infrigência ou desobediência a decisão prolatada pela instância superior. Recurso não provido. TJSP, 7ª Câm. Dir. Priv., AI 84.365-4/Diadema, rel. Des. Júlio Vidal, j. 03.06.1998, v.u., CD-ROM Júris Síntese Millenium.

112 ALVIM, Arruda, op. cit., p. 419-420.

37

Data vênia, entende-se que o argumento de que a investigação da

prova pelo magistrado, por si só, implica sempre em sua parcialidade por suprir a

ausência de atividade de uma das partes é equivocado.

A imparcialidade do julgador deve ser resguardada no processo,

mas não se pode ignorar que o juiz113 depende, para a justa solução da causa, de

um conjunto probatório que reflita, da forma mais precisa possível, a realidade dos

fatos sob os quais deve incidir sua decisão definitiva114.

Seria possível afirmar violação a imparcialidade do magistrado se

sua atividade probatória fosse utilizada de forma dolosa em favor de um dos

litigantes, ignorando ou mesmo contrariando a existência de evidências já carreadas

aos autos; mas não quando o juiz se vale da mesma para esclarecer pontos

relevantes que ainda se apresentem duvidosos diante do quadro probatório

existente no processo.

Conclui-se, portanto, que o processo civil contemporâneo não é mais

eminentemente dispositivo, como era outrora. Impera, hodiernamente, a livre

investigação das provas pelo magistrado, devendo o mesmo empreender verdadeira

cruzada em busca da verdade real. Tal busca deve existir independentemente da

natureza do direito em jogo – se disponível ou indisponível – mas ainda se encontra

113 Como destinatário da prova e incumbido de determinar a aplicação do direito ao caso concreto.114 Neste sentido, destaca BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes ..., op. cit., p. 80, em direta

crítica ao posicionamento de Arruda Alvim: “quando o juiz determina a realização de uma prova não tem condições de saber, de antemão, seu resultado. O aumento do poder instrutório do julgador, na verdade, não favorece qualquer das partes. Apenas proporciona uma apuração mais completa dos fatos, permitindo que as normas de direito material sejam atuadas corretamente. E tem mais: não seria parcial o juiz que, tendo conhecimento que a produção de determinada prova possibilitará o esclarecimento de um fato obscuro, deixe de fazê-lo e, com tal atitude, acabe beneficiando a parte que não tem razão? Para ele não deve importar que vença o autor ou o réu. Importa, porém, que saia vitorioso aquele que efetivamente tenha razão, ou seja, aquele cuja situação da vida esteja protegida pela norma de direito material, pois somente assim se pode falar que a atividade jurisdicional realizou plenamente sua função”.

38

temperada com pequenas doses de dispositividade, cuja razão de ser consiste em

assegurar a imparcialidade do julgador115.

Feitas as considerações sobre a investigação da prova, relevante

analisar a forma de sua valoração pelo magistrado.

1.5.3 Do princípio da persuasão racional do juiz

O Código de Processo Civil, por meio de seu art. 131116, elegeu o

princípio da Persuasão Racional do Juiz, ou Livre Convencimento Motivado como

alicerce para regular a apreciação e a avaliação das provas existentes nos autos.

Este princípio se posiciona entre o sistema da prova legal117-118 e o

do julgamento secundum conscientiam119.

Pelo princípio da persuasão racional do juiz o magistrado não é

desvinculado da prova e dos elementos existentes nos autos, mas a sua apreciação

não depende, em regra, de critérios legais determinados a priori; decide com base

no conjunto probatório existente no processo, mas o avalia segundo critérios críticos 115 Pensamento idêntico ao manifestado por CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada

Pellegrini e DINAMARCO Cândido Rangel, op. cit., p. 66 e RUIZ, Ivan Aparecido, op. cit., p. 13-14, refletido no voto Ministro Sálvio de Figueiredo anteriormente reproduzido. Pregando a ausência de limitações do princípio dispositivo à atividade probatória do magistrado, BEDAQUE, José Roberto dos Santos, op. cit., p. 71. Defendendo uma plena limitação à atividade do magistrado pelo princípio dispositivo, que a colocaria em posição subsidiária e excepcional, ALVIM, Arruda, op. cit., p. 419-420.

116 “Art. 131. O Juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhes formaram o convencimento.”

117 Pela prova legal, a lei estabelece valores inalteráveis e prefixados aos elementos probatórios, que o juiz aplica mecanicamente.

118 Ainda existem resquícios deste sistema no direito brasileiro, como v.g. o art. 336 do CPC: “Quando a lei exigir, como da substância do ato, o instrumento público, nenhuma outra prova, por mais especial que seja, pode suprir-lhe a falta”. Nelson Nery Júnior aponta que a prova legal serve como um limite do livre convencimento motivado, mas que, fora de sua incidência, não existe hierarquia entre os vários meios de prova, sendo possível, por exemplo, considerar-se o depoimento de testemunha superior a documento público (RT 580/180) (NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria Andrade, op. cit., p. 598).

119 Que se coloca no pólo oposto ao da prova legal: o juiz pode decidir livremente com base na prova dos autos, e também sem provas ou até mesmo contra a prova. O magistrado está vinculado, apenas, à sua “consciência”, por isso “secundum conscientam”.

39

e racionais120 que – por não estarem pré-fixados na lei – possuem flexibilidade para

se adaptar ao caso concreto.

1.6 Dos Momentos da Prova

Por “momentos da prova” pode-se entender “as etapas em que se

desenvolve a atividade probatória, promovida pelos litigantes, sob a vigilância do

juiz”121. Juntos, compõe o procedimento instrutório, por meio de uma sucessão

rigorosamente ordenada que atinja os litigantes, determinando-lhes como agir a fim

de desincumbir-se do ônus da prova de fatos de seu interesse.

MOACYR AMARAL SANTOS122 ilustra a presença de três momentos

específicos e relevantes para a instrução da causa: a proposta da prova, a sua

admissão pelo juiz e sua produção.

A propositura da prova ocorre em regra na petição inicial para o

autor e na contestação e/ou com a reconvenção para o réu123. A sua admissão

normalmente se dá no saneamento do processo124 e sua produção será realizada

precipuamente na audiência de instrução e julgamento125.

120 A serem obrigatoriamente apresentados como fundamentação de sua decisão, sob pena de nulidade. A liberdade de convicção, não equivale a sua formação arbitrária, que ocorre no sistema secundum conscientam: o convencimento deve ser motivado (arts. 131, 165 e 458, II, do CPC), não podendo o juiz desprezar as regras legais porventura existentes (arts. 334, IV CPC) e as máximas de experiência (art. 335, CPC).

121 ALVIM, Arruda, op. cit., p. 446.122 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras..., op. cit., p. 361.123 Excepcionalmente, permite-se a sua propositura posterior, ex. tratando-se de documentos

substanciais ou fundamentais (art. 283 e 396 do Código de Processo Civil). Além disso, como visto anteriormente, o magistrado poderá, com base no art. 130 do Código de Processo Civil, determinar ex officio a produção de provas, no interesse da busca pela verdade real e respeitados limites inerentes à preservação de sua imparcialidade.

124 Art. 331, § 2º do Código de Processo Civil.125 Excepcionalmente, em outro momento, como a perícia e a inspeção judicial que ocorrem fora da

audiência.

40

Infere-se, portanto, que os atos de propositura, admissão e produção

da prova não se concentram, de modo exclusivo, na fase instrutória do processo de

conhecimento de primeiro grau e, dependendo do tipo de prova a ser produzida,

poderá haver uma sobreposição entre os mesmos126.

Situam-se em regra fora da fase instrutória os atos de proposição

das provas e os de deferimento ou indeferimento, ou de determinação ex officio da

realização de provas127.

No que se refere ao momento de produção da prova, os diferentes

meios de prova comportam momentos distintos para sua realização.

Como regra geral, a prova oral deverá ser produzida em audiência

de instrução, perante o juiz da causa, sendo possível, entretanto, que isto não

ocorra, vez que a lei possibilita em casos excepcionais128 sua produção em momento

diverso.

Relativamente à prova pericial, esta normalmente é produzida no

lapso de tempo existente entre o saneamento e o prazo de 20 dias antes da

realização da audiência129.

126 Assim, por exemplo, a prova documental deverá, em regra, ser produzida pelas partes na fase postulatória, exceção feita a possibilidade de juntar novos documentos posteriormente, como no caso do art. 397 do CPC. Há uma sobreposição de momentos, vez que se verificam, em um só momento, a propositura e a produção da prova, inserida no despacho liminar sua admissão.

127 No tocante à proposição o autor deverá como regra geral, indicar na petição inicial (art. 282, VI do CPC) os meios de prova de que pretende valer-se. Ao réu, abre-se oportunidade para apresentar as provas cuja produção lhe interessa na contestação (art. 300). A admissão ou indeferimento das provas é, como regra, realizada ao fim da audiência preliminar, quando frustrada a tentativa de conciliação (conforme NERY JÚNIOR., Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade, op. cit., p. 291).

128 Fogem a esta regra geral os arts. 410 e o art. 452, II, que dispõem: 1.°) quando as testemunhas prestarem depoimento antecipadamente (art. 410, I); 2.°) normalmente, quando as testemunhas sejam inquiridas por carta (art. 410, II), o que se deverá verificar antes da audiência de instrução e julgamento, mas não de forma absolutamente necessária; 3.°) quando as testemunhas, por motivo de doença, ou outro igualmente relevante, estiverem "impossibilitadas de comparecer em juízo" (art. 410, III, e art. 336, parágrafo único), valendo, analogicamente, esta exceção, para o depoimento pessoal, se, para este, comparecerem os mesmos motivos (art. 452, II, e art. 336, parágrafo único); 4.°) haverá inquirição antes da audiência de instrução e julgamento, nos casos do art. 411, exceto se as referidas autoridades se dispuserem a comparecer à audiência de instrução e julgamento (art. 410, IV).

129 Art. 433 do Código de Processo Civil.

41

Por sua vez, a inspeção judicial pode ser efetuada a qualquer

momento, uma vez que esta prova emerge da imprescindibilidade de exame, pelo

juiz, de circunstâncias que interessem à decisão da lide. ARRUDA ALVIM130 destaca,

entretanto, que, “normalmente, o juiz deverá realizar a inspeção depois de efetivada

atividade probatória precedente, dado que não é função rotineira do juiz determinar

este tipo de prova”.

A respeito da prova documental, já foi dito que sua produção, em

regra, deve ser feita na fase postulatória do processo, quando da apresentação da

petição inicial pelo autor e da contestação ou reconvenção pelo réu.

O procedimento sumário e alguns procedimentos especiais

comportam distribuição diversa dos momentos da prova, de modo a melhor

adequarem-se à natureza das demandas a eles confiadas, fugindo do escopo deste

trabalho uma análise individual e aprofundada dos mesmos131.

130 ALVIM, Arruda, op. cit., p. 447.131 Especificamente sobre o procedimento sumário, pode-se destacar que a propositura de todas as

provas pelo autor há de efetuar-se na inicial, sob pena de preclusão (art. 276 do Código de Processo Civil), inclusive com a indicação de rol de testemunhas, assistente técnico e quesitos, caso sejam requeridas prova testemunhal e/ou pericial. O Réu proporá suas provas, frustrada a conciliação, juntamente com a apresentação de sua defesa.

42

2 DA TUTELA DOS DIREITOS COLETIVOS E A AÇÃO CIVIL PÚBLICA NO DIREITO BRASILEIRO

2.1 Dos Interesses Coletivos “Lato Sensu”

2.1.1 Da evolução histórica da tutela dos direitos supra-individuais

O Direito e as sociedades humanas têm evoluído de forma

interligada ao longo da história; conforme os agrupamentos humanos se tornaram

mais sofisticados e complexos, as normas que regulam a convivência e conduta de

seus integrantes sofreram transformações que as adaptaram ao novo contexto

social132.

O surgimento das primeiras raízes do que viria a ser conhecido

posteriormente como ações coletivas, pode ser posicionado em diversos momentos

históricos, dependendo dos critérios adotados pelo doutrinador.

RICARDO BARROS LEONEL133 e GREGÓRIO ASSAGRA DE

ALMEIDA134 apontam a ação popular romana como uma referência à tutela de

interesses comunitários na Antigüidade Clássica, ressalvando, entretanto, que à

época não existia o “direito processual” como um ramo autônomo do direito não se

podendo falar, portanto em “direito processual coletivo”.

MÁRCIO FLÁVIO MAFRA LEAL135, que centrou seu estudo nas

ações coletivas do direito anglo-americano, reconhece a existência de vestígios de

132 Neste sentido, LENZA, Pedro. Teoria geral da Ação Civil Pública. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 25-35 faz um paralelo entre as várias formas de estado e poder político e o tipo de tutela jurisdicional nelas encontrado e LEONEL, Ricardo de Barros, op. cit., p. 40, destaca a relação direta entre a norma jurídico e o contexto histórico social em que esta se encontra inserida.

133 LEONEL, Ricardo de Barros. Ações Coletivas: nota sobre competência, liquidação e execução. Revista de Processo, v. 132, ano 31, fev. 2006, p. 30-51, p. 40.

134 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito Processual Coletivo brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 38.

135 LEAL, Márcio Flávio Mafra. Ações Coletivas. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1998, p. 22-24.

uma tutela coletiva em precedentes isolados situados no século XII, mas prefere

posicionar os antecedentes da moderna ação coletiva no século XVII, como uma

variante do bill of peace. Segundo ele, tal diploma era:

[...] uma autorização para processamento coletivo de uma ação individual, concedida quando o autor requeria que o provimento englobasse os direitos de todos que estivessem envolvidos no litígio, tratando a questão de maneira uniforme, evitando a multiplicação de processos136.

O Autor destaca, entretanto, que um ponto diferenciador relevante

entre as primeiras ações coletivas do período medieval e moderno com relação ao

contexto contemporâneo é a emergência, neste último, dos direitos difusos,

anteriormente desconhecidos e ignorados.

Aliás, as profundas transformações sociais, econômicas e políticas

ocorridas entre o final do século XIX e o transcorrer do século XX137 não significaram

somente desenvolvimento e progresso; trouxeram consigo uma profunda

modificação na forma como se desenvolvem as relações interpessoais, impondo

uma nova perspectiva sobre a natureza dos interesses humanos138 e a criação de

novos mecanismos de proteção tanto no plano do direito material quanto no

processual139.

136 Ibidem, p. 23.137 Que deram surgimento às sociedades de massa caracterizadas por fenômenos multinterativos de

produção, consumo em larga escala, concentração urbana de pessoas e avanços nos meios de comunicação.

138 Questão esta explorada em tópico próprio.139 Cf. pensamento de MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2001, p. 3; BENJAMIN, Antônio Herman Vasconcelos e. A insurreição da aldeia global contra o processo civil clássico. MILARÉ, Edis (Coord.). Ação Civil Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 73; DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 11 e CAPPELLETTI, Mauro. Formações sociais e interesses coletivos diante da justiça Civil. Revista de Processo, ano II, jan./mar. 1977, n. 5, p. 128-159, p. 130-131.

44

Nesse ponto, CELSO ANTÔNIO PACHECO FIORILLO140 reforça a

importância dos conflitos mundiais do século XX na evolução do direito coletivo

quando afirma:

Importante frisar que a reflexão sobre os direitos que pairavam acima dos interesses individuais – os direitos metaindividuais – somente se fez presente com a existência dos conflitos de massa, o que foi sensivelmente acentuado após a Segunda Guerra Mundial. Com isso, somente passamos a considerar melhor os direitos metaindividuais a partir da necessidade processual de compô-los.

No Brasil, o caminho percorrido para se chegar ao atual momento

legislativo foi traçado gradualmente, por meio de várias leis, não existindo até o

momento um “Código de Processo Coletivo”141.

SANDRA LENGRUBER DA SILVA142 divide a evolução da legislação

processual coletiva no Brasil em duas fases distintas, uma anterior e outra posterior

à edição da Lei n. 7.347/85, que disciplinou a Ação Civil Pública.

No período anterior a Lei da Ação Civil Pública podem ser

destacados como importantes diplomas legais a oferecer tratamento à tutela de

interesses metaindividuais:

a) A Constituição Federal de 1934, que representou a primeira

manifestação legislativa em terras brasileiras destinada à tutela

coletiva de direitos. Neste diploma surgiu a “ação popular”, que

possibilitava a qualquer cidadão o pleito de invalidação de atos

lesivos ao patrimônio público. Desde então, tal mecanismo

140 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental brasileiro. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 4.

141 Existe, entretanto, um anteprojeto do “Código Brasileiro de Processo Coletivo” sob a coordenação da prof. Ada Pellegrini Grinover, que teve como base o Código Modelo de Processos Coletivos para a Ibero-América de outubro de 2004, cf. LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Tutela coletiva. São Paulo: Atlas, 2006, p. 2-3.

142 SILVA, Sandra Lengruber da. Elementos das Ações Coletivas. São Paulo: Método, 2004, p. 32.

45

esteve presente em todas as Cartas Constitutivas do Brasil,

exceção feita à de 1937.

b) A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT, Decreto-Lei n.

5.452/43) trouxe mecanismos de tutela metaindividual, na esfera

do Direito do Trabalho, por meio de suas disposições sobre o

dissídio coletivo e a correspondente ação de cumprimento.

c) Em 1950 a Lei n. 1.134 reconheceu a faculdade de

representação individual e coletiva das associações de classe,

sem fins políticos, para seus associados perante autoridades

administrativas e judiciárias.

d) O Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil introduzido pela

Lei n. 4.215/63 reconheceu o direito da OAB representar em juízo

ou fora dele os interesses gerais da classe dos advogados e os

individuais, relacionados ao exercício da profissão.

e) A previsão constitucional da Ação Popular, que como se viu

esteve existente no ordenamento jurídico brasileiro desde 1934,

foi regulamentada pela Lei n. 4.717/65, que passou a tutelar bens

de valor econômico, artístico, estético ou histórico.

f) Em 1981, entrou em vigor a Lei da Política Nacional do Meio

Ambiente (Lei n. 6.938/81), legitimando o Ministério Público à

propositura de ações de responsabilidade civil ou penal pelos

danos provocados ao meio ambiente. Neste mesmo ano, entrou

em vigor a Lei Complementar n. 40, que, ao instituir a Lei

46

Orgânica do Ministério Público consignava como uma das

funções da instituição a de “promover a ação civil pública”143.

Não obstante, a grande relevância destes diplomas legais é preciso

ressaltar que, neste momento histórico, anterior à Lei da Ação Civil Pública, a

legitimidade para a propositura das ações (com exceção da ação popular)

encontrava-se essencialmente restrita ao Ministério Público; e praticamente

inexistiam normas específicas sobre o processo e o procedimento na tutela de

interesses metaindividuais, o que implicava em se recorrer às regras do processo

civil tradicional.

A entrada em vigor da Lei n. 7.347/85 – Lei da Ação Civil Pública –

marcou a transição desta primeira fase para o atual momento na evolução histórica

no ordenamento jurídico brasileiro144.

SANDRA LENGRUBER DA SILVA145, citando NELSON NERY

JÚNIOR, destaca que “a Lei da Ação Civil Pública foi o primeiro diploma normativo

brasileiro que sistematizou o processo coletivo como um todo, representando um

divisor de águas no direito processual pátrio.”

Por meio deste diploma legislativo vislumbrou-se um alargamento do

leque de legitimados para a propositura da Ação Civil Pública e, conseqüentemente,

para a tutela de interesses metaindividuais.

Nesta nova fase, posterior à Lei da Ação Civil Publica, pode-se

destacar a extrema importância da nova ordem constitucional trazida pela

143 Art. 3º, inc. III. Destaque-se, entretanto, que neste momento histórico a “Ação Civil Pública” ainda não funcionava exatamente como uma ação coletiva, pois era concebida como um paralelo à ação penal pública, ou seja, simplesmente como uma ação em que o Ministério Público fosse autor no âmbito cível.

144 Sempre dentro da divisão idealizada por SANDRA LENGRUBER DA SILVA.145 SILVA, Sandra Lengruber da, op. cit., p. 34.

47

Constituição Federal de 1988146 para a tutela de interesses metaindividuais, que foi

acompanhada de uma série de normas infra-constitucionais de relevo, destacando-

se: a Lei n. 8.078/90 que instituiu o “Código de Defesa do Consumidor”147; a Lei n.

7.853/89, que tratou da defesa das pessoas portadoras de deficiência; a Lei n.

8.069/90 que trouxe a lume o “Estatuto da Criança e do Adolescente”; a “Lei de

Improbidade Administrativa”148; e a Lei de Responsabilidade Fiscal149.

Neste momento, vive-se um fenômeno que ainda não encerrou seu

ciclo de desenvolvimento, mas que já revela um complexo sistema normativo voltado

à proteção jurisdicional dos interesses supra-individuais, formado pela conciliação de

um microssistema que busca conjugá-los com os meios disponibilizados na ciência

processual clássica.

2.1.2 Conceito, natureza e categorias dos direitos supra-individuais

2.1.2.1 Da utilização dos termos “interesse” e “direito”

“Interesse” é um termo plurívoco, capaz de receber diferentes

significados dependendo do contexto e forma como é utilizado150. Assim, verifica-se

relevante, antes de se adentrar a uma análise das categorias de interesses ou

146 Que trouxe diversos dispositivos ligados à tutela de interesses metaindividuais, destacando-se: o art. 5º, inc. XXI, que confere legitimidade a entidades associativas para a representação judicial e extrajudicial de seus filiados; o art. 8º, que prevê, em arcabouço semelhante, a defesa pelos sindicatos de interesses da categoria, sejam coletivos ou individuais; o art. 5º, inc. LXXIII correlato à já consagrada ação popular; o art. 129, inc. III, que alçou ao nível constitucional a Ação Civil Pública e o art. 5º, inc. LXIX que criou o mandado de segurança coletivo.

147 Em especial pela introdução do conceito de direitos metaindividuais homogêneos, complementando a Lei n. 7.347/85, e pela introdução do inciso IV ao art. 1º da Lei n. 7.347/85, que havia sido alvo de veto presidencial quando da promulgação desta lei, abrindo o leque de proteção coletiva a todos os interesses difusos e coletivos e não apenas àqueles expressamente previstos na lei.

148 Lei n. 8.492/92.149 Lei Complementar n. 101/00.150 Cf. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2000, p. 23.

48

direitos supra-individuais, que se façam considerações iniciais acerca da

terminologia adotada pela doutrina, em especial no que se refere às designações

“interesse” e “direito”.

Não há posição pacífica sobre qual termo deva ser utilizado, ou

mesmo se há razões para a diferenciação entre eles. ANTÔNIO GIDI151-152 e

MARCELO NAVARRO RIBEIRO DANTAS153-154, por exemplo, sustentam que há, de

fato, divergência entre os termos e manifestam sua preferência pela utilização do

termo “direito” em detrimento de “interesse”. RODOLFO DE CAMARGO

MANCUSO155, por sua vez, revela-se simpático à utilização da partícula “interesse”.

Não obstante exista em parte da doutrina alguma simpatia por uma

ou outra denominação, a orientação dominante no Brasil tem se posicionado no

sentido de que os dois termos, pelo menos dentro do ordenamento jurídico pátrio, se

equivalem, como se afere da importante contribuição de KAZUO WATANABE156, ao

sustentar que, a partir do momento em que um “interesse” vem a ser amparado pelo

direito, acaba por assumir o mesmo status de “direitos”, não havendo qualquer

151 GIDI, Antonio. Coisa julgada e litispendência em Ações Coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 18.152 O autor optou pela adoção exclusiva do termo “direitos”, rejeitando expressamente a utilização do

termo “interesses” justificando sua posição na percepção de que as teorias dos que diferenciam o direito subjetivo do interesse supraindividual sõ marcados por um “ranço individualista” que marcou o pensamento jurídico do sec. XIX.

153 DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Mandado de segurança coletivo. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 50.

154 O autor afirma que a expressão “direito subjetivo” significa, literalmente, um direito referido a um sujeito, não sendo adequada a utilização desta expressão quando o assunto discutido envolve uma categoria inteira de sujeitos ou um numero indeterminado de interessados.

155 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Manual do consumidor em juízo. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 17-18.

156 WATANABE, Kazuo; et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 799.

49

justificativa de ordem prática ou mesmo teórica que demande uma diferenciação

entre eles157-158 .

Diante da opção do legislador em utilizar os termos “direito” e

“interesse” como sinônimos, as menções contidas neste trabalho não diferenciarão

estes vocábulos, que serão adotados indistintamente159.

2.1.2.2 Do interesse público, interesse privado e interesse coletivo “lato sensu”

A doutrina clássica160 costuma dividir a natureza dos interesses em

duas grandes categorias: interesse público e interesse privado161; este visto como o

relacionamento dos indivíduos entre si, enquanto aquele comportaria subdivisão

entre interesse público primário – o bem geral da coletividade – e secundário – o

157 GOZAINI, Osvaldo Alfredo. Introducción al Nuevo Derecho Procesal. Buenos Aires: Ediar, 1998, p. 178-181; LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do Processo Coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 85, suportam este entendimento, aquele afirmando que a distinção entre direito subjetivo e interesse não tem grande relevância; este destacando que o legislador brasileiro não teve maior cuidado em diferenciar ou diversificar o tratamento oferecido em relação a direitos ou interesses metaindividuais.

158 DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro, op. cit. p. 56 e MANCUSO, Rodolfo de Camargo, op. cit. p. 17-18, não obstante ressalvem suas opções terminológicas em suas respectivas obras, reconhecem que a questão perdeu muito de sua relevância inicial quando o Código de Defesa do Consumidor manifestou a opção do legislador de utilizar, indistintamente, os termos “direitos” e “interesses”, com o fim de dar à norma a mais ampla esfera de abrangência possível.

159 Até por que se entende que o posicionamento anteriormente suscitado de Kazuo Watanabe é o mais apropriado, pelos menos para a realidade legislativa brasileira.

160 Cf. MAZZILLI, Hugo Nigro. Tutela dos interesses difusos e coletivos. 4. ed. São Paulo: Damásio de Jesus, 2004, p. 17.

161 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 41, destaca que esta divisão representaria uma separação entre o interesse dos particulares e o interesse do Estado. Ao tomar decisões no suposto benefício de todos, não raro o Estado contraria interesses individuais, como em matéria penal ou tributária. Assim, passou a tornar-se tradicional a distinção entre o direito público (no qual é o Estado o titular do interesse) e o direito privado (no qual é o indivíduo o titular do interesse).

50

modo pelo qual a Administração Pública interpreta o que seja o efetivo interesse da

coletividade162-163.

Entretanto, o enfraquecimento do Estado ao longo da Idade Média164

e as profundas transformações sócio-econômicas ocorridas ao longo dos séculos

XIX e XX, levaram a uma “superação da dicotomia público-privado” e tornaram

possível o surgimento de uma nova categoria de interesses, um “terceiro gênero”165

situado em posição intermediária, que ultrapassa a esfera individual, sem se

confundir com o “público”166. A estes “novos direitos”, a doutrina tem se referido

como interesses “metaindividuais” ou “transindividuais”167.

Como apontado em tópico anterior, no Brasil, é principalmente com

o advento da Lei n. 7.347/85 — Lei da Ação Civil Pública, e, em seguida, com a Lei n.

8.078/90 — Código de Defesa do Consumidor, que a defesa dos interesses de

grupos começou a ser efetivamente sistematizada. O Código, neste pormenor,

distinguiu os interesses transindividuais em difusos, coletivos em sentido estrito, e

individuais homogêneos, divisão que se passa a abordar.

162 Cf. MAZZILLI, Hugo Nigro. Tutela..., op. cit., p. 17. O próprio autor destaca em outra obra (MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa..., op. cit., p. 42-43), que: “nem sempre os governantes fazem o melhor para a coletividade [...] Como o interesse do Estado ou dos governantes não coincide necessariamente com o bem geral da coletividade, [...] oportuno distinguir o interesse público primário (o bem geral) do interesse público secundário (o modo pelo qual os órgãos da administração vêem o interesse público).”.

163 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 34, aponta que, antes do surgimento das atuais sociedades de massa, justificava-se a divisão estrita entre o “público” e o “privado”, pela presença marcante do Estado que coibia a existência de “corpos intermediários”, o que evidenciava uma efetiva polarização entre o indivíduo e o poder público. Ressalta, ainda, que o próprio direito positivo restou dividido entre “público” e “privado” em decorrência desta polarização.

164 Que deu origem ao nascimento de novos focos de poder chamados por Montesquieu de “corpos intermediários” cf. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses..., op. cit., p. 34.

165 Cf. LEONEL, Ricardo de Barros, op. cit., p. 95.166 Cf. MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa..., op. cit., p. 41 “[...] nos últimos anos, tem-se reconhecido

que existe uma categoria intermediária de interesses que, embora não sejam propriamente estatais, são mais que meramente individuais, porque são compartilhados por grupos, classes ou categorias de pessoas, como os moradores de uma região quanto a questões ambientais comuns, ou os consumidores de um produto quanto à qualidade ou ao preço dessa mercadoria.”

167 Cf. MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa..., op. cit., p. 45, não obstante o mais correto fosse a adoção do termo “transindividuais” a doutrina e a jurisprudência tem se valido indistintamente de ambos, orientação que se acompanha neste trabalho.

51

2.1.2.3 Das categorias de interesses metaindividuais

Interesses metaindividuais ou supra-individuais, compreendem os

interesses que ultrapassam a órbita de atuação individual, para se projetarem na

“ordem coletiva”, vale dizer, sua finalidade é altruística168, mas não se configuram

como um interesse público. O Código de Defesa do Consumidor cuidou de definir,

em seu art. 81, as espécies deste gênero e a doutrina, partindo de mencionada

definição legal, cuida de esmiuçar e esclarecer as particularidades de cada

modalidade169.

O Código de Defesa do Consumidor reconhece como alvo passível

de tutela supra-individual três tipos de interesse: difusos, coletivos e individuais

homogêneos, todos compreendidos como espécies do gênero “direitos coletivos”.

É traço marcante destes interesses supra-individuais a existência de

uma intensa conflituosidade, ou seja, o envolvimento de uma grande carga

ideológica nas controvérsias, que impõe por vezes a opção quanto a proteção de um

determinado bem jurídico em desprestígio de outros, por vezes todos de proteção

constitucional.

Feitas estas considerações preliminares, passa-se a uma análise

objetiva de referidas categorias de interesses transindividuais.

2.1.2.3.1 Interesses ou direitos difusos

168 Segundo MANCUSO, Rodolfo de Camargo Mancuso. Interesses..., op. cit., p. 74.169 LEONEL, Ricardo de Barros, op. cit., p. 99, aponta com propriedade que “Embora as definições

pequem por ausência de completude, pois os fenômenos sociais não se podem resumir de forma definitiva e estanque, a caracterização legislativa dada aos interesses em estudo teve méritos, na medida em que pacificou a incerteza conceitual então existente, e abrangeu praticamente todas as características mais marcantes desta espécie jurídica”.

52

Como visto anteriormente, o legislador brasileiro optou por incluir na

própria lei a definição das espécies de interesse, com o objetivo de suprimir

eventuais dúvidas e abreviar discussões, e o fez no parágrafo único do art. 81 do

Código de Defesa do Consumidor170.

A definição legal de “interesse ou direito difuso” pode ser encontrada

no inc. I de referido parágrafo, in verbis:

Art. 81. [...]. Parágrafo único: A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; [...].

Tal conceito traz a lume as seguintes características relevantes para

sua individualização: a transindividualidade, a indivisibilidade do interesse, a

indeterminação de seus titulares e o liame por circunstância de fato entre estes, ante

a inexistência de uma relação jurídica base.

Na doutrina, pode-se encontrar referência a muitos exemplos de

interesses difusos, tais como o direito a um meio ambiente ecologicamente

equilibrado e sadio171 e a proibição à publicidade enganosa ou abusiva nas relações

de consumo172.

Ao preceituar que os interesses difusos são transindividuais, o

legislador teve por objetivo defini-los como “aqueles que transcendem o indivíduo,

ultrapassando o limite da esfera de direitos e obrigações de cunho individual,

170 Não obstante a definição dos interesses coletivos se encontre no Código de Defesa do Consumidor, a mesma é aplicável a todos os interesses transindividuais, inclusive aqueles ligados ao meio ambiente. O Código de Defesa do Consumidor deixou expressa esta orientação ao incluir o art. 21 à Lei n. 7.347/85 – Lei da Ação Civil Pública.

171 Cf. CARVALHO NETO, Inácio de. Manual de Processo Coletivo. Curitiba: Juruá, 2005, p. 27 em referência ao disposto na Constituição Federal de 1988, art. 225.

172 Cf. AGUIAR, Leandro Katscharowski. Tutela coletiva de Direitos Individuais Homogêneos e sua Execução. São Paulo: Dialética, 2002, p. 24, referindo-se ao disposto no art. 37 do Código de Defesa do Consumidor.

53

interesses que depassam a esfera de atuação dos indivíduos isoladamente

considerados, para surpreendê-los em sua dimensão coletiva.” 173

Assim, por serem transindividuais, os direitos difusos ultrapassam o

limite da esfera individual de direitos e obrigações e atingem a toda uma coletividade

– indeterminada – de sujeitos, uma vez que comuns às pessoas em sua

generalidade.

Neste sentido, relevante a lição de RODOLFO DE CAMARGO

MANCUSO ao prescrever que os interesses difusos constituem uma “reserva”, um

“arsenal” de anseios e sentimentos profundos que, por serem necessariamente

referíveis a uma coletividade, não comportam uma atribuição a um titular definido em

termos de exclusividade; são insuscetíveis de apropriação a título reservado.174

O autor aponta, ainda, que não é pelo fato de pertencerem a muitos

que os direitos difusos se configurariam como res nullius, pelo contrário, exatamente

por sua transindividualidade pertencem indistintamente a todos, de modo que cada

um tem título para pleitear a tutela destes interesses175.

Acerca da indivisibilidade, pode-se afirmar que os interesses difusos

não são passíveis de cisão, tratando-se de objetos que, ao mesmo tempo, a todos

pertencem, mas ninguém individualmente os possui176.

Portanto, dado a sua indivisibilidade, os interesses difusos não são

passíveis de apropriação exclusiva ou fruição maior ou diferenciada por nenhum dos

integrantes da coletividade que os detêm; por isso, não apresentam referência a um

173 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito..., op. cit., p. 6.174 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses..., op. cit., p. 132.175 Ibidem, p. 132-133.176 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito..., op. cit., p. 6.

54

indivíduo especificamente considerado, mas, sim, apenas enquanto membro da

coletividade.

JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA177 acrescenta que, pela

indivisibilidade, “a satisfação de um só implica, por força, a satisfação de todos,

assim como a lesão de um só constitui, ipso facto, lesão da coletividade inteira” 178

Quanto à indeterminação dos sujeitos, e sua inter-relação decorrente

de circunstâncias de fato, HUGO NIGRO MAZZILLI destaca que os direitos difusos

“compreendem grupos menos determinados de pessoas, entre as quais inexiste

vínculo jurídico ou fático preciso. São como um feixe ou conjunto de interesses

individuais, de pessoas indetermináveis, unidas por pontos conexos”179.

CELSO ANTÔNIO PACHECO FIORILLO180 exemplifica bem a

situação ao apontar que:

Ao pensarmos no ar atmosférico poluído, não temos como precisar quais são os indivíduos afetados por ele. Talvez seja possível apenas delimitar um provável espaço físico que estaria sendo abrangido pela poluição atmosférica, todavia, seria inviável determinar todos os indivíduos afetados e expostos a seus malefícios.

Com efeito, na lição de HUGO NIGRO MAZZILLI181:

Como individualizar as pessoas lesadas com o derramamento de grandes quantidades de petróleo na Baía da Guanabara, ou com a devastação da floresta amazônica? Como determinar exatamente quais as pessoas lesadas em razão de terem tido acesso a uma propaganda enganosa divulgada pelo rádio ou pela televisão?

177 MOREIRA, José Carlos Barbosa. A legitimação para a defesa dos interesses difusos no Direito brasileiro. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 276. p. 1-6, out./dez. 1981, p. 1.

178 Mesmo pensamento de CARVALHO NETO, Inácio de, op. cit., p. 27 “Os interesses difusos são indivisíveis, vale dizer, não podem ser satisfeitos nem lesados senão de forma que afete a todos os possíveis titulares”.

179 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa..., op. cit., p. 46.180 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito..., op. cit., p. 6.181 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa..., op. cit., p. 47.

55

Neste contexto, verifica-se a inexistência de uma relação jurídica

base entre os diversos titulares do interesse, ou entre estes e um terceiro que possa

servir como ponto comum para sua individualização.

Ao contrário, o “vínculo” que relaciona os diversos titulares do

interesse constitui-se exclusivamente numa circunstância de fato, muitas vezes

conjuntural, genérica, acidental e mutável, como residir numa mesma região,

consumir um mesmo produto, ser destinatário de determinada propaganda irregular

etc.

Com o objetivo de sintetizarem-se as características acima

enumeradas, observe a lição de RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO onde o

autor conceitua os interesses difusos como sendo interesses supra-individuais, que,

não tendo atingido o grau de agregação e organização necessários à sua afetação

institucional, junto a certas entidades ou órgãos representativos dos interesses já

socialmente definidos, restam em estado fluido, dispersos pela sociedade civil como

um todo. Podem, por vezes, concernir a certas coletividades de conteúdo numérico

indefinido, caracterizando-se pela indeterminação dos sujeitos, pela indivisibilidade

do objeto, por sua intensa conflituosidade interna e por sua tendência à transição ou

mutação no tempo e espaço182.

Assim, em resumo, pode-se afirmar que os interesses ou direitos

difusos são transindividuais, pois ultrapassam a esfera do indivíduo, tem objeto

indivisível, posto ser impossível aos seus titulares a apropriação de sua respectiva

quota-parte, pertencendo a sujeitos indeterminados, reunidos por uma circunstância

de fato.

182 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses..., op. cit., p. 136-137.

56

2.1.2.3.2 Interesses ou direitos coletivos

O Código de Defesa do Consumidor considera como direitos ou

interesses coletivos “os transindividuais de natureza indivisível de que sejam

titulares grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte

contrária por uma relação jurídica base”183.

Desta definição percebe-se que os direitos coletivos stricto sensu

compartilham com os direitos difusos as características de transindividualidade184 e

indivisíbilidade185, diferenciando-se destes, porém, no aspecto subjetivo, por

pertencerem a um grupo, categoria ou classe que, por natureza, é determinável.

CELSO ANTÔNIO PACHECO FIORILLO, observa que, não obstante

possa ser difícil, num primeiro momento, individualizar todos os seus titulares, os

mesmos são identificáveis uma vez que se encontram ligados por uma relação

jurídica base existente entre si ou com a parte contrária186.

Em que pese a semelhança entre direitos coletivos e difusos,

quantitativamente, os direitos difusos concernem a um universo maior e,

qualitativamente, os direitos coletivos resultam do homem em sua projeção

corporativa, ao passo que nos difusos o homem é considerado simplesmente

enquanto ser humano187.

Percebe-se que, no caso dos direitos coletivos, o vínculo existente

entre os titulares é mais “denso” do que aquele existente entre titulares de um direito

difuso, em virtude da existência da relação jurídica base que os liga.

183 Inc. II do art. 81 do Código de Defesa do Consumidor.184 No sentido de que ultrapassam a esfera do indivíduo, vide tópico anterior.185 Por não permitirem apropriação exclusiva por um de seus titulares, vide tópico anterior.186 FIORILLO, Celso Antonio. Curso de Direito..., op. cit., p. 6. Seguindo o mesmo raciocínio:

LEONEL, Ricardo de Barros, op. cit., p. 106. e ABELHA, Marcelo. Ação Civil Pública e Meio Ambiente. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 40.

187 Cf. pensamento de MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses..., op. cit., p. 77.

57

Verifica-se, ainda, que os direitos coletivos não constituem apenas

um conjunto de interesses individuais agrupados188, pois indicam uma unidade de

sentimento e de ação, coordenada à realização de um objetivo comum, uma

verdadeira “pluralidade orgânica”189.

Necessário destacar, entretanto, que como aponta RICARDO DE

BARROS LEONEL, não se pode confundir os interesses coletivos com os interesses

da pessoa jurídica190, pois nesta hipótese encontra-se apenas simples direito

individual, dada a existência de um ente único191.

Em síntese, pode-se caracterizar os direitos coletivos como

interesses transindividuais, indivisíveis, que apresentam alguma organização que

permita sua identificação vinculada a uma coletividade ou grupo determinado ou

determinável, existindo um vínculo jurídico base comum aos seus titulares.

2.1.2.3.3 Interesses ou direitos individuais homogêneos

Encontra-se a definição legal para os interesses individuais

homogêneos no inc. III do art. 81 do Código de Defesa do Consumidor, que os

identifica como sendo: “os decorrentes de origem comum”.

Percebe-se que, neste caso, o legislador não trouxe elementos

definidores, como o fez com os direitos difusos ou coletivos strictu sensu. Entretanto,

é possível concluir que se tratam de direitos individuais, que possuem em comum a

sua origem decorrente de uma mesma causa.

188 Como ocorre com os direitos individuais homogêneos, abordados na seqüência.189 Cf. BUZAID, Alfredo. Considerações sobre o mandado de segurança coletivo. São Paulo: Saraiva,

1992, p. 15.190 Ou com o somatório simples dos interesses individuais dos integrantes do grupo, categoria ou

classe, como visto anteriormente.191 LEONEL, Ricardo de Barros, op. cit., p. 106.

58

Neste caso, no campo subjetivo, os direitos individuais homogêneos

possuem titulares perfeitamente individualizados, determináveis sem maior

dificuldade192.

Ao contrário dos direitos difusos e coletivos, verifica-se aqui a

perfeita divisibilidade dos interesses individuais homogêneos, sendo possível a cada

titular apropriar-se de sua “quota parte” e exercer ou dispor separadamente de seu

direito193.

Em verdade, dato a individualidade e divisibilidade destes

interesses, seria perfeitamente possível a sua tutela pelas normas do processo civil

clássico, valendo-se de litisconsórcios, ou mesmo por meio de múltiplas ações

individuais.

A vantagem da opção pela tutela coletiva destes interesses

evidencia-se por um acesso à justiça por vezes mais célere e eficaz, pois, sendo os

fatos julgados em uma única demanda, caberá aos interessados apenas liquidar

seus prejuízos particulares, prestigiando-se assim os princípios da economia

processual e celeridade, e afastando o risco de julgamentos conflitantes194.

Os interesses individuais homogêneos possuem uma “natureza

coletiva” apenas na forma em que são tutelados. Em sua essência constituem

interesses individuais, tuteláveis na forma coletiva em decorrência de sua origem

comum.

Pode-se afirmar, portanto, que os direitos individuais homogêneos

são apenas acidentalmente coletivos, pois não guardam uma natureza coletiva. É 192 Cf. ALMEIDA, Gregório Assagra de, op. cit., p. 491.193 Ibidem, p. 491.194 Neste sentido a posição de SILVA, Sandra Lengruber da, op. cit., p. 48, afirmando que a tutela

coletiva dos interesses individuais homogêneos não é uma imposição de sua natureza, mas uma forma de tutela mais eficaz e adequada, ao se considerar a tendência do processo civil brasileiro em desestimular a formação de grandes litisconsórcios.

59

apenas uma ficção jurídica, em busca de um acesso mais eficaz e célere à tutela

jurisdicional que permite seu tratamento coletivo195.

Posta tal consideração sobre sua tutela coletiva, não obstante sua

individualidade, oportuno analisar-se os elementos que os definem: homogeneidade

e origem comum.

A “origem comum” pode ser de fato ou de direito, não implicando,

necessariamente, numa unidade factual e temporal. As vítimas de uma publicidade

enganosa veiculada por vários órgãos de imprensa e em repetidos dias, de um

produto nocivo à saúde, adquirido por vários consumidores, num largo espaço de

tempo e em várias regiões, têm, como causa de sua lesão, fatos de uma

homogeneidade tal que os tornam a “origem comum” de todos eles196.

Para diferenciar tal situação daquela que caracteriza os direitos

coletivos, SANDRA LENGRUBER DA SILVA lembra que, pela origem comum, os

titulares dos direitos individuais homogêneos não estão ligados entre si ou com a

parte contrária por uma relação jurídica, mas, sim, por uma situação de fato,

consistente na ameaça ou lesão ao direito individual, concluindo que “o vínculo que

liga os titulares destes direitos entre si e com a parte contrária é o próprio fato

lesivo”197.

195 Neste sentido o pensamento de ZAVASCKI, Teori Albino. Defesa de Direitos Coletivos e Defesa Coletiva de Direitos. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 329, jan./mar. p. 147-160, 1995; MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 805 e WATANABE, Kazuo, et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 804.

196 Cf. WATANABE, Kazuo, et al, op. cit., .p. 806.197 SILVIA, Sandra Lengruber da, op. cit., p. 48.

60

2.1.3 Breves considerações sobre a tutela do interesse ambiental e a atividade probatória

A tutela jurisdicional de interesses voltados ao meio ambiente surgiu

no Brasil de forma tímida, na década de 70, após a participação do país na

Conferência de Estocolmo em 1972. Antes desse período, os bens resguardados

pelo direito ambiental eram vistos como “res nullius”, coisa de ninguém, não

havendo qualquer responsabilização por sua degradação198.

É somente a partir das décadas de 80199 e 90200, que a tutela do meio

ambiente passou a receber maior atenção e disciplina, sendo atualmente objeto de

abundante literatura201.

Hoje, os bens que compõe o meio ambiente202 passaram a ser vistos

como “res omnium”, coisa de todos, a todos cabendo o dever de preservá-las e

198 O direito romano, por exemplo, oferecia como exemplo de “res nullius” a água dos rios, o ar atmosférico, os pássaros e animais silvestres. Cf. SOUZA, Paulo Roberto Pereira de. A tutela jurisdicional do meio ambiente e seu grau de eficácia. LEITE, José Rubens Morato; DANTAS, Marcelo Buzaglo (Coords.). Aspectos processuais do Direito Ambiental. Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 230-275, p. 232.

199 Em especial com as leis ns. 6.938/81 que criou o Sistema Nacional do Meio Ambiente, 7.347/85 que estabeleceu a Lei da Ação Civil Pública e com a Constituição Federal de 88 que erigiu o meio ambiente a bem fundamental em seu art. 225.

200 Com o aperfeiçoamento das disposições sobre tutela coletiva por meio do Código de Defesa do Consumidor e com o impulso oferecido pela Conferência das Nações Unidas realizada no Rio de Janeiro que enfatizou o dever de todos os estados a propiciar acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos de proteção ao meio ambiente, inclusive com a compensação e a reparação de danos ambientais (Declaração do Rio de Janeiro, princípio 10. SILVA, José Afonso da Silva. Direito Ambiental Constitucional. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 65).

201 Dentre outras, destacam-se as obras de ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001; MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001; PETERS, Edson Luiz; PIRES, Paulo Tarso de Lara. Manual de Direito Ambiental. Curitiba: Juruá, 2000; FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental brasileiro. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2004 e PRADO, Luiz Régis. Crimes Contra o Ambiente. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

202 Definido pelo art. 3º, inc. I da Lei n. 6.938/81 como o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas e distinguido pela doutrina entre Meio Ambiente Natural (que existe sem a influência do homem, como a flora, fauna, solo, água, etc.); Meio Ambiente Artificial (decorrente da interação do homem com o meio ambiente natural. V.g. espaço urbano construído) e Meio Ambiente Cultural (também fruto da interação do homem com o meio ambiente natural, mas com um valor especial adquirido, integrado pelo patrimônio artístico, arqueológico, paisagístico, turístico, etc.). Neste sentido, SMANIO, Gianpaolo Poggio. Interesses difusos e coletivos. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 91.

61

defendê-las, a fim de assegurar a vida e, também, a qualidade de vida, não só para

a presente geração, mas também para as futuras203.

JOSÉ AFONSO DA SILVA204 aponta que:

A proteção do meio ambiente passou a ser tema de elevada importância nas Constituições contemporâneas. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado entra nelas deliberadamente como direito fundamental da pessoa humana, não mais como simples aspecto da atribuição de órgãos ou de entidades públicas, como ocorria em constituições mais antigas.

Esta importância oferecida ao bem jurídico ambiental205 tem aberto

espaço para que se desenvolva um verdadeiro microssistema jurídico voltado a

tutela própria dos interesses ambientais dada a sua relevância para a preservação

da vida das gerações atuais e futuras206-207, com a adoção de princípios próprios208

203 Neste mesmo sentido: SOUZA, Paulo Roberto Pereira de, op. cit., p. 232.204 SILVA, José Afonso da. Fundamentos constitucionais da proteção do meio ambiente. Revista de

Direito Ambiental. ano 7, jul./set. 2002, p. 51-57, p. 51.205 Decorrente da crescente percepção de que o ser humano é incapaz de sobreviver em um planeta

com recursos naturais exauridos e um ambiente desequilibrado.206 Especificamente no que se refere à prova ABELHA, Marcelo. A prova nas demandas ambientais.

LEITE, José Rubens Morato; DANTAS, Marcelo Buzaglo (Coords.). Aspectos Processuais do Direito Ambiental. Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 146-200, p. 173 destaca que “Qualquer tomada de posição provisória desfavorável ao meio ambiente deve ser vista com extrema cautela pelo juiz, pois qualquer equívoco cometido terá repercussões na essencialidade do direito à vida, e, pior ainda, numa extensão subjetiva pública e indeterminada, tudo por causa da natureza e alcance do bem ambiental.”

207 Embora existam aqueles que preguem uma posição de maior cautela, defendendo que a tutela do interesse ambiental não possa se sobrepor à isonomia e justiça do processo, o que levaria a um retrocesso na forma de um “direito processual a serviço do autor”. Neste sentido: GRECO, Leonardo. As provas no processo ambiental. Revista de Processo, ano 30, out. 2005, n. 128, p. 40-58, p. 41.

208 Dentre os quais apresenta especial relevância para este trabalho o princípio da prevenção ou precaução (art. 225, caput e §1º, inc. IV da CF/88 e art. 2º da Lei n. 6.938/81) que impõe seja dado prioridade as medidas que evitem danos ao meio ambiente e tem especial e direta repercussão na questão da prova, pois serve de alicerce principiológico para aplicação do brocardo “in dúbio pro ambiente”, autorizando a inversão do ônus da prova quando haja falta de certeza científica absoluta (ou no entender de Marcelo Abelha “hipossuficiência científica) em questões que envolvam dano ao ambiente. Com este posicionamento: CAPOBIANCO, João Paulo Ribeiro. Análise da Aplicabilidade do Princípio da Precaução no Processo de Licenciamento Ambiental da UHE Tijuco Alto no Rio Ribeira de Iguape. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, n. 19, p. 176-200, jul./set. 2000, p. 194; SILVEIRA, Clóvis Eduardo Malinverni da. A inversão do ônus da prova na reparação do dano ambiental difuso. LEITE, José Rubens Morato; DANTAS, Marcelo Buzaglo (Coords.) Aspectos Processuais do Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 18-43, p. 29. e ABELHA, Marcelo. A prova nas..., op. cit., p. 180-182.

62

bem como a existência de uma disciplina diferenciada para a questão da

responsabilidade civil.

Neste aspecto, aliás, a consagração da responsabilidade objetiva

para o causador do dano ambiental pela Lei da Política Nacional do Meio

Ambiente209 possui extrema importância na questão da prova, pois exclui a

necessidade de demonstração de culpa.

Não obstante a desnecessidade de evidenciar-se a culpa do agente

na demanda ambiental restam, ainda, como pressupostos de configuração de

eventual responsabilidade civil do réu, a existência do dano, da prática pelo

requerido de uma atividade potencialmente lesiva ao meio ambiente e do nexo de

causalidade entre ambos.

Destes, comumente o ponto central das controvérsias existentes

quanto a prova em demandas ambientais residirá na demonstração ou não do nexo

de causalidade entre o dano e a conduta do suposto causador do dano ambiental

pois sua prova, em regra, se torna por demais difícil e onerosa, servindo como

principal causa de enfraquecimento da responsabilidade objetiva210.

Entende-se que, na maioria dos casos, será mais fácil para o réu em

uma demanda ambiental211, demonstrar a ausência deste nexo de causalidade do

que para o autor evidenciar sua existência, o que serviria de justificativa para a

inversão do ônus probatório quanto a esta matéria.

209 Lei n. 6.938/81, art. 14, § 1º, in verbis: “Art. 14. [...] § 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade [...]”.

210 Posicionamento igual ao de SILVEIRA, Clóvis Eduardo Malinverni da, op. cit., p. 21-22. e ABELHA, Marcelo. A prova..., op. cit., p. 180-182.

211 Em virtude de, normalmente, possuir alta especialização em seu ramo de atividades, bem como o controle e conhecimento precisos das informações ligadas a ela, que podem servir para a constituição de prova, o que se observará com mais detalhe em tópico posterior relativo a hipossuficiência da parte como requisito para a inversão do ônus da prova.

63

2.2 Da Ação Civil Pública – Legitimidade, Competência e Coisa Julgada

É de conhecimento geral que a legitimidade das partes ou legitimatio

ad causam, constitui uma das condições da ação, sem a qual, uma demanda não

pode obter sentença com resolução do mérito212.

Somente quando possua legitimidade para figurar no pólo ativo ou

passivo de determinada demanda, o sujeito processual estará credenciado a atuar

na posição jurídica processual respectiva.

Exatamente por isso, a palavra legitimidade exprime idéia de

transitividade, de caráter relacional, e só existe perante uma dada situação213. Assim,

só é legitimo com relação a alguma coisa e/ou alguém, não sendo lícito pensar que

a legitimidade seja sinônimo de atributo de alguém e que por isso mesmo exista de

per si e acompanhe essa pessoa em qualquer situação.

A legitimidade é variável, ou seja, depende da posição jurídica

assumida pelo sujeito processual em um determinado momento do desenvolvimento

do processo. Assim, pode-se dizer que legitimidade é "a qualidade do sujeito em

função do ato jurídico realizado ou a realizar"214.

2.2.1 Legitimidade ordinária, extraordinária ou tertium genus?

Uma das principais dificuldades enfrentadas com a tutela dos

interesses difusos e coletivos antes da edição da Lei da Ação Civil Pública envolvia

212 Pensamento idêntico ao de MOREIRA, José Carlos Barbosa, op. cit., p. 10.213 Neste sentido, ARRUDA ALVIM, José Manuel de, op. cit., p. 342-343; e ARMELIN, Donaldo.

Legitimidade para agir no direito processual civil brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979, p. 2 e ss.

214 DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução civil. 5 ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 422. No mesmo sentido, ARMELIN, Donaldo, op. cit., p. 2 e ss.

64

a localização de um titular legitimado a representar em litígio o interesse

supostamente violado215. A introdução da Lei n. 7.347/85 representou uma

superação desta dificuldade na medida em que ofereceu a determinados entes a

possibilidade de “representação”216 adequada dos titulares dos interesses difusos e

coletivos na perseguição em juízo destes valores217.

A grande maioria dos doutrinadores218 entendeu que a Lei da Ação

Civil Pública, ao legitimar o Ministério Público, as associações, partidos e demais

entidades previstas, à defesa dos interesses difusos e coletivos instituiu uma forma

de legitimação extraordinária, autorizando estes entes a substituir os titulares destes

direitos transindividuais na defesa de seus interesses, posição que foi acompanhada

pela jurisprudência dominante219.

215 Dificuldade existente, pois, na sistemática clássica em que se divide a legitimação em ordinária e extraordinária somente seria possível a propositura de uma ação se um autor se apresentasse como titular direto do direito supostamente violado (legitimidade ordinária) ou, pretendendo representar em nome próprio interesses de terceiros, possuí-se autorização legal para tanto (legitimação extraordinária). Antes da Lei da Ação Civil Pública, o principal instrumento em que se permitia esta “representação” no caso de direitos transindividuais era a Ação Popular que, por colocar a responsabilidade da propositura da ação nos braços do cidadão, pessoa física, tinha eficácia prática limitada.

216 Entre parênteses, pois, como se verá na seqüência, há controvérsia doutrinária quanto a verdadeira natureza da figura processual: se seria uma substituição processual, representação, ou mesmo situação de legitimação ordinária.

217 Vide art. 5º da Lei n. 7.347/85 e art. 82 da Lei n. 8.078/90.218 Neste sentido, MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa...,op. cit., p. 53-55, em especial quando afirma à p.

55 “continua-se a identificar na ação civil pública ou coletiva a predominância do fenômeno da legitimação extraordinária, ou substituição processual”. Fundamenta o autor que sempre que a Lei autoriza um sujeito a defender em nome próprio direito alheio tem-se o fenômeno da legitimação extraordinária situação que ocorre no caso da Ação Civil Pública. Com igual posicionamento: GRINOVER, Ada Pellegrini. Uma nova modalidade de legitimação à Ação Popular. MILARÉ, Edis (Coord.). Ação Civil Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 23-27, p. 24-25; DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros, 2001, v. 1, p. 219; ZAVASKI, Teori Albino. Reforma do sistema processual civil brasileiro e reclassificação da tutela jurisdicional. Revista de Processo, v. 22, n. 88, p. 173-188, out./dez. 1997, p. 174; VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Tutela jurisdicional coletiva. São Paulo: Atlas, 1998, p. 153; e DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 204.

219 A jurisprudência também tem se posicionado, em caráter dominante, no sentido de tratar-se de forma de legitimação extraordinária, ou substituição processual, como ilustram as decisões: STF – RE 208790 – TP – Rel. Min. Ilmar Galvão – DJU 15.12.2000 – p. 00105; e TJMA – MS 018367/2003 – (47.415/2003) – Rel. Des. Cleones Carvalho Cunha – J. 28.11.2003 CD Júris Síntese Millênnium n. 43, jul./ago. 2004.

65

PEDRO LENZA220, com base em estudo de JOSÉ CARLOS

BARBOSA MOREIRA221 anterior ao advento da Lei n. 7.347/85, sustenta o

entendimento de que se está diante de uma nova forma de legitimação

extraordinária, que seria qualificada por sua natureza autônoma, disjuntiva e

concorrente222.

Há ainda autores, que entendem que a legitimação prevista para a

Ação Civil Pública se enquadraria como uma forma de representação223 ou

legitimação ordinária224.

Em que pesem os posicionamentos até aqui enumerados, entende-

se que, mais do que apenas eleger substitutos processuais, a tutela dos direitos

transindividuais demanda uma nova concepção de legitimidade processual. Com

efeito, a noção formulada por Joseph Kölher no final do Século XIX, de legitimidade

direta ou de substituição processual, utilizada pelo Direito Processual clássico e

sacramentada no art. 6º do Código de Processo Civil não é mais suficiente para

220 LENZA, Pedro, op. cit., p. 193.221 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Notas Sobre o Problema da “Efetividade” do Processo.

Estudos de Direito Processual em Homenagem a José Frederico Marques no seu 70º Aniversário, São Paulo: Saraiva, 1982, p. 203-220. Há que se destacar que, neste estudo, realizado antes do advento da Lei n. 7.347/85, o autor sustenta a possibilidade de legitimação ordinária do proponente de ação em defesa de interesses transindividuais, quando afirma às fls. 212 que: “a situação é manifestamente insatisfatória. De lege lata, será talvez possível contornar o óbice do art. 6º do Código de Processo Civil, desde que se reconheça que, em determinados casos, o que se põe em jogo é algo distinto da mera soma dos interesses individuais: um interesse geral da coletividade, qualitativamente diverso e capaz de merecer tutela como tal. Desse interesse pode uma associação fazer-se titular, ela mesma, não como simples representante dos respectivos membros, nem como intérprete, em nome próprio, das pretensões paralelas de cada um deles. A associação se legitimaria, pois, em caráter ordinário, de acordo com os princípios comuns, quando se mobilizasse para postular em juízo a proteção daquele interesse geral”.

222 Posição com a qual concorda-se em parte, como se verá na seqüência, uma vez que não se entende tratar-se de legitimação extraordinária, mas de um tertium genus, com as demais características apresentadas pelo Autor.

223 Neste sentido SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 236.

224 Posicionamento de MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no Direito Comparado e Nacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 244-245.

66

justificar o exercício de um direito que pertence a todos incumbindo a todos sua

defesa225.

A noção da parte, em sentido processual, analisada a partir da

perspectiva do sujeito, realmente levaria a uma conclusão de que a legitimidade

seria “extraordinária” no caso da tutela de direitos metaindividuais, como concluiu

HUGO NIGRO MAZZILLI. Todavia, quando se fala, por exemplo, do direito a um

meio ambiente equilibrado, refere-se a um bem de uso comum do povo, pertencente

a todos indistintamente, inclusive às gerações futuras. É esta evidência que permite

concluir a hipótese de uma nova forma de legitimação “ordinária”226 daqueles que o

defendem. Assim, ao invés da classificação legitimidade ordinária e

extraordinária surge agora, uma nova figura, a da legitimação disjuntiva

concorrente.227

Em decorrência da construção dos direitos difusos e coletivos228, não

é mais possível conceber o acesso à justiça, dos portadores de pretensões difusas

ou coletivas, como legitimação extraordinária de substitutos processuais. A propósito

CELSO ANTÔNIO PACHECO FIORILLO229 aponta:

Criada para solucionar lides de natureza individual, a legitimidade para a causa como condição da ação está a merecer outra construção dogmática, que deverá levar em consideração o fim a que

225 É que essa dicotomia clássica parte do pressuposto de que se identifique o sujeito do direito material a ser tutelado, para então poder dizer que a legitimidade é do tipo ordinária (quando houver coincidência no plano material e processual) ou extraordinária (quando o suposto titular do direito material não for o mesmo do direito de agir).

226 Entende-se mais apropriada a denominação autônoma, como se verá na seqüência.227 Neste sentido BARBOSA MOREIRA, José Carlos, op. cit., p. 100.228 Quanto aos direitos individuais homogêneos, entende-se que, por não desfrutarem das

características de transindividualidade e indivisibilidade e, como abordado em tópico anterior, sofrerem tutela coletiva em decorrência de uma ficção jurídica, entende-se não se aplicar a noção de “tertium genus”, ocorrendo substituição processual e legitimação extraordinária na forma defendida pela doutrina dominante antes enumerada.

229 No mesmo sentido NERY JR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade, op. cit., p. 1.426, com a ressalva de que tratar-se-á de legitimação ordinária apenas quando o direito tutelado tenha natureza transindividual. No caso de direitos individuais homogêneos admite-se a substituição processual clássica.

67

se destina essa legitimação: a defesa em juízo, de direitos meta ou supra-individuais. De conseqüência, não cabe nesta sede falar-se na dicotomia clássica da legitimação em ordinária e extraordinária, mas sim da superação dessa divisão, como já está ocorrendo na Alemanha, onde a doutrina mais moderna fala em legitimação autônoma para a condução do processo (sebständig Prozebführungsbefugnis) e não mais em substituição processual para qualificar essa legitimação do Ministério Público e associações para virem a juízo na defesa dos direitos difusos e coletivos.

Nas ações coletivas para a defesa de direitos metaindividuais, o eixo

de analise deixa de ser a titularidade do direito material e passa a ser o

reconhecimento da adequada representação, no processo, para a tutela desses

direitos.

Com este prisma em mente – de entender a legitimidade não por

sua titularidade material, mas pela adequação da representação – preferi-se dizer

que a legitimidade é “autônoma”, um “tertium genus”, e que, aprioristicamente, não

deve ser classificada como ordinária ou extraordinária230.

ANTONIO GIDI231, a seu turno acrescenta ainda que esta

legitimidade para as ações coletivas e, em especial para a Ação Civil Pública,

constituiria uma forma de legitimidade “exclusiva”, na medida em que somente

aquelas entidades taxativamente previstas em lei é que poderiam propô-la. Pessoas

físicas e as demais pessoas jurídicas, portanto, não teriam legitimidade para a

propositura de uma ação coletiva, mesmo que os interesses tutelados fossem os

seus, exceto nos estritos casos da ação popular232.

230 Mesmo posicionamento de ABELHA, Marcelo. Ação Civil Pública..., op. cit., p. 59 .231 GIDI, Antônio. Coisa julgada..., op. cit., p. 38.232 Deve-se ressalvar, entretanto, que o anteprojeto do Código Brasileiro de Processos Coletivos

estabelece em seu art. 19, incs. I e II a legitimidade da pessoa física para a propositura da Ação Civil Pública, in verbis: “art. 19. Legitimação – São legitimados concorrentemente à ação coletiva ativa: I – qualquer pessoa física, para a defesa dos interesses ou direitos difusos, desde que o juiz reconheça sua representatividade adequada, demonstrada por dados como: a – a credibilidade, capacidade e experiência do legitimado; b – seu histórico na proteção judicial e extrajudicial dos interesses ou direitos difusos e coletivos; c – sua conduta em eventuais processos coletivos em que tenha atuado; II – o membro do grupo, categoria ou classe, para a defesa dos interesses ou direitos coletivos e individuais homogêneos, desde que o juiz reconheça sua representatividade adequada,

68

Assim, entende-se que a legitimação para a Ação Civil Pública,

tratando-se da tutela de direitos transindividuais, será autônoma e exclusiva233 das

entidades legalmente previstas, sendo entre elas “concorrente” e “disjuntiva”, pois

dentre os enumerados na lei todos possuem igual e simultânea legitimidade para a

propositura da ação.

Ressalte-se, entretanto, que tal afirmação não se aplica quando se

tratar da tutela de direitos individuais homogêneos. Neste caso, havendo titulares

isoláveis de um direito material individual e divisível, que apenas por uma ficção

jurídica é alvo de tutela coletiva, entende-se ocorrer caso de legitimação

extraordinária, na forma clássica do art. 6º do Código de Processo Civil.

2.2.2 Fixação do juízo competente para o julgamento da ação civil pública

Como é de conhecimento geral, por motivos de ordem prática o

Estado distribui o poder jurisdicional entre diversos órgãos jurisdicionais, cada qual

exercendo suas funções dentro de sua “esfera de competência”.

Nas palavras de RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO234 “todo juiz

está investido de jurisdição, mas nem todo juiz é competente, em se considerando

dado processo”, o que torna relevante, portanto, que neste trabalho se teçam breves

considerações sobre a identificação do juízo competente para a análise e julgamento

de uma ação civil pública proposta com o objetivo de tutelar direitos metaindividuais,

notadamente aqueles ligados ao meio ambiente.

nos termos do inciso I deste artigo;” 233 Pelo menos enquanto permanecer a atual disciplina do art. 5º da Lei n. 7.347/85, vide nota

anterior.234 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2002, p. 64.

69

A Lei n. 7.347/85 cuidou do tema em seu art. 2º, in verbis:

Art. 2.º As ações previstas nesta lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa. Parágrafo único. A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto.

Como se verifica da simples leitura do dispositivo, o legislador optou

pela eleição do foro do local onde ocorrer o dano, mostrando que o espaço

geográfico, ou seja, o lugar235é determinante para a fixação da competência, mas

com status de competência funcional, ou seja, absoluta236.

Ocorrendo situação onde o “local do dano” atinja dois ou mais

municípios limítrofes, a ação poderá ser proposta em qualquer um deles,

235 PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROMOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – REPARAÇÃO DE DANOS CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE – INTERESSE DA UNIÃO – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL – I - A competência para processar e julgar a ação civil pública é a do foro do local em que ocorreu o dano, ressalvada a competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, I da Constituição. II - A competência funcional estabelecida nos art.s 2º e 21 da Lei n. 7.347, de 24.07.1985, cede espaço à competência da Justiça Federal, quando a União, suas autarquias ou empresas públicas federais tiverem interesse na relação processual, considerando-se, ainda, que o Juiz Federal também tem competência territorial e funcional sobre o local de qualquer dano. III - Agravo provido. (TRF 1ª R. – AG 01000101637 – TO – 6ª T. – Rel. Des. Fed. Souza Prudente – DJU 24.11.2003 – p. 79) CD Juris Síntese Millennium n. 43, jul./ago. 2004. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROMOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL – ART. 109, I E § 3º, DA CONSTITUIÇÃO – ART. 2º DA LEI N. 7.347/85 – O dispositivo contido na parte final do § 3º do art. 109 da Constituição é dirigido ao legislador ordinário, autorizando-o a atribuir competência (rectius jurisdição) ao Juízo Estadual do foro do domicílio da outra parte ou do lugar do ato ou fato que deu origem à demanda, desde que não seja sede de Varas da Justiça Federal, para causas específicas dentre as previstas no inciso I do referido art. 109. No caso em tela, a permissão não foi utilizada pelo legislador que, ao revés, se limitou, no art. 2º da Lei n. 7.347/85, a estabelecer que as ações nele previstas "serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa". Considerando que o juiz federal também tem competência territorial e funcional sobre o local de qualquer dano, impõe-se a conclusão de que o afastamento da jurisdição federal, no caso, somente poderia dar-se por meio de referência expressa à Justiça Estadual, como a que fez o constituinte na primeira parte do mencionado § 3º em relação às causas de natureza previdenciária, o que no caso não ocorreu. Recurso conhecido e provido. (STF – RE 228955 – TP – Rel. Min. Ilmar Galvão – DJU 14.04.2000 – p. 56) CD Juris Síntese Millennium n. 43, jul./ago. 2004.

236 O que implica na impossibilidade de disposição ou prorrogação de competência e vicia de nulidade a decisão prolatada por juiz incompetente, diferentemente do que ocorreria em relação à competência territorial comum do art. 94 do Código de Processo Civil.

70

resolvendo-se eventual litispendência pelas regras gerais de prevenção do Código

de Processo Civil237.

Caso o dano seja de dimensão regional ou nacional, a ação deverá

ser proposta na capital do estado ou no distrito federal, a fim de que possa produzir

seus efeitos erga omnes238-239.

Questão pertinente quanto a fixação do juízo competente para o

julgamento da ação civil pública envolve as ações onde exista interesse ou

intervenção da União Federal.

É consenso na doutrina e na jurisprudência que, se na comarca do

local do dano, existir vara da justiça federal, a ela competirá decidir a causa em que

haja interesse da União ou das entidades federais mencionadas no art. 109 da

Constituição Federal de 1988.

O problema surge quando se verifica a inexistência de Vara Federal

na comarca do local do dano.

Inicialmente, o Superior Tribunal de Justiça fixou posicionamento no

sentido de que, mesmo com a ocorrência de interesse ou intervenção da União

Federal, a competência seria da Justiça Estadual, com recurso para o Tribunal

237 Acompanha-se a posição de NERY JÚNIOR, Nelson, op. cit., p. 1.421-1.422.238 A questão da nova redação do art. 16 da LACP, introduzida pela Lei n. 9.494/97 será tratada no

próximo tópico.239 Ressalve-se que o anteprojeto do Código Brasileiro de Processos Coletivos dá uma disciplina mais

detalhada e precisa, para a definição de competência territorial, em seu art. 20: “É absolutamente competente para a causa o foro: I – do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local; II – de qualquer das comarcas, quando o dano de âmbito regional compreender até 3 (três) delas, aplicando-se no caso as regras de prevenção; III – da Capital do Estado para os danos de âmbito regional, compreendendo 4 (quatro) ou mais comarcas; IV – de uma das Capitais do Estado, quando os danos de âmbito interestadual compreender até 3 (três) Estados, aplicando-se no caso as regras de prevenção; V do Distrito Federal, para os danos de âmbito interestadual que compreendam mais de 3 (três) Estados, ou de âmbito nacional. § 1º A amplitude do dano será aferida conforme indicada na petição inicial da demanda. § 2º Ajuizada a demanda perante juiz territorialmente incompetente, este remeterá incontinenti os autos ao juízo do foro competente, sendo vedada ao primeiro juiz a apreciação de pedido de antecipação de tutela.”.

71

Regional Federal240 quando não houvesse Vara Federal na comarca do local do

dano. Tal entendimento foi, inclusive, objeto da súmula STJ 183241.

Posteriormente, entretanto, o Supremo Tribunal Federal decidiu de

forma diferente, entendendo que a intervenção da união faz com que a competência

seja, mesmo, da Justiça Federal242. Uma vez que a questão envolve a interpretação

de dispositivos constitucionais, o posicionamento do STF levou ao cancelamento da

súmula STJ 183, fechando a questão sobre esta matéria.

2.2.3 Dos limites subjetivos da coisa julgada na ação civil pública

Diante de uma perspectiva clássica, aplicável às demandas em que

se discutam interesses individuais, os efeitos da coisa julgada, como regra, estarão

restritos aos sujeitos que participaram do processo, não atingindo terceiros

estranhos à causa243.

Entretanto, no que se refere às ações coletivas e, em especial à

Ação Civil Pública, tal premissa jamais poderia ser aplicada. Decorre da própria

natureza destas ações a possibilidade de, em único processo, solucionar lide que

envolva interesses de diversos sujeitos, muitas vezes de difícil ou impossível

240 Numa aplicação do art. 109, §§ 3º e 4º da Constituição Federal de 1988. Neste sentido: “A ACP proposta com base na LACP deve ser ajuizada no local onde ocorreu o dano (LACP 2º). Nas ações em que haja interesse da União Federal, em se tratando de comarca em que não há juiz federal, será competente o juiz de direito estadual em primeiro grau, para julgar a ação, conforme a regra excepcional da CF 109 §3º. Sendo o local sede de vara federal, aos juízes federais compete o processo e julgamento.” (Revista do Superior Tribunal de Justiça V. 50, p. 30).

241 STJ 183: “Compete ao Juiz Estadual, nas comarcas que não sejam sede de vara da Justiça Federal, processar e julgar ação civil pública, ainda que União Figure no processo”.

242 Firmou-se o entendimento de que o § 3º do art. 109 da Constituição Federal de 1988 contém um uma direção ao legislador ordinário, para que indique expressamente quando atribui a competência a justiça estadual, o que não ocorre no art. 2º da LACP. Neste sentido: “[...] o afastamento da jurisdição federal somente poderia dar-se por meio de referência expressa à Justiça Estadual, como a que fez o constituinte na primeira parte do mencionado § 3º da CF 109 em relação às causas de natureza previdenciária.” STF, j. 10.2.2000, DJU 24.3.2000, p. 70.

243 LIEBMAN, Enrico Túlio. Eficácia e autoridade da sentença e outros escritos sobre a coisa julgada. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 55-56.

72

individualização e que, dadas as limitações de legitimidade observadas em tópico

anterior, como regra não participarão diretamente do processo.

O regime da Coisa Julgada na Ação Civil Pública foi disciplinado nos

arts. 16244 da Lei n. 7.345/85 (Lei da Ação Civil Pública) e 103245 da Lei n. 8.078/90

(Código de Defesa do Consumidor) e repete a fórmula da coisa julgada secundum

eventum litis – de acordo com o resultado da demanda – anteriormente

experimentada na Lei n. 4.717/65 (Lei da Ação Popular), em seu art. 18246.

Neste regime, a coisa julgada sempre ocorrerá em caso de

procedência da ação247. Havendo improcedência, é preciso verificar os motivos que

a originaram: se o resultado negativo advier da ausência de provas, não ocorrerão

efeitos de coisa julgada material, podendo a demanda ser repetida248, com base em

novas provas; caso contrário – havendo conjunto probatório que evidencie ao

magistrado a improcedência da demanda – haverá a coisa julgada material de modo

a obstar a reapreciação da matéria em sede coletiva249.

244 Cuja redação, já alterada pela Lei n. 9.494/97 é: “Art. 16. A sentença Civil fará coisa julgada erga omnes nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por deficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.”.

245 “Art. 103. nas ações coletivas de que trata este Código, a sentença fará coisa julgada: I – erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81; II – ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81; III – erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.” Não obstante a expressão “ações coletivas de que trata este Código” este artigo tem aplicação a todas as ações civis públicas, inclusive aquelas que defendam interesses ambientais, em virtude do art. 21 da LAPC.

246 “Art. 18. A sentença terá eficácia de coisa julgada oponível erga omnes, exceto no caso de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência de prova; neste caso, qualquer cidadão poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova”.

247 Seja de forma erga omnes nos casos de direitos difusos ou individuais homogêneos ou ultra partes – limitada aos integrantes da categoria ou classe – no caso dos interesses coletivos, por força do inc. II do art. 103 do CDC.

248 Inclusive de forma idêntica, com as mesmas partes, causa de pedir e pedido, cf. NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade, op. cit., p. 1.455.

249 Titulares de direito individual são “atingidos” ou beneficiados em caso de demanda coletiva julgada procedente, entretanto, em caso de improcedência, mesmo que fundada em provas, mantêm a faculdade de propor demandas individuais para a defesa de seus interesses, por expressa disposição dos §§ 1º,2º e 3º do art. 103 do CDC. Em função disto a doutrina afirma que, em relação

73

Questão que se apresentou relevante, principalmente após a

alteração do art. 16 da Lei da Ação Civil Pública pelo art. 2º da Lei n. 9.494/97250 é

aquela referente a eventual limitação quanto ao alcance territorial abrangido pela

coisa julgada nas ações civis públicas.

Para alguns autores, a redação atual do art. 16 é inconstitucional251,

por ferir os princípios da ação, da razoabilidade e da proporcionalidade, além do fato

da modificação ter se originado em medida provisória, sem autorização

constitucional para tanto. Esta tese, entretanto, não se consolidou na

jurisprudência252.

Argumentam, ainda, que o art. 16 teria sido revogado tacitamente

pelo art. 103 do CDC253, e que a alteração em seu conteúdo teria sido ineficaz254 vez

que deixou de alterar o art. 103 do CDC, que se aplica às ações civis públicas por

expressa disposição do art. 21 da Lei n. 7.347/85.

aos legitimados individuais a coisa julgada se opera “secundum eventum litis, mas, ainda, in utilibus, isto é, só se for julgado procedente o pedido na ACP.” (NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade, op. cit., p. 1.455; no mesmo sentido: SMANIO, Gianpaolo Poggio, op. cit., p. 126 e VIGLIAR, José Marcelo Menezes, op. cit., p. 176-177).

250 Redação atual: art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.

251 Neste sentido, NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade, op. cit., p. 1.456; GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 921; MAIA, Anna Carolina Resende de Azevedo. A questão do art. 16 da Lei da Ação Civil Pública. Revista Eletrônica PRPE, nov. 2003; Neste sentido VIGLIAR, José Marcelo Menezes, op. cit., p. 177.

252 Sendo que o Supremo Tribunal Federal se manifestou, por maioria de votos:"... SENTENÇA - EFICÁCIA - AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Em princípio, não se tem relevância jurídica suficiente à concessão de liminar no que, mediante o art. 3º da Medida Provisória n. 1.570/97, a eficácia erga omnes da sentença na ação civil pública fica restrita aos limites da competência territorial do órgão prolator." (ADInMC 1.576/DF, rel. Min. MARCO AURÉLIO, j. em 16/04/1997, pub. no DJU de 06/06/2003, p. 29.).

253 Neste sentido NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade, op. cit., p. 1.456-1.457: “Pela superveniência do CDC, houve revogação tácita da LAPC 16 (de 1985) pela lei posterior (CDC, de 1990), conforme dispõe a LICC 2º § 1º. Assim, quando editada a L 9494/97, não mais vigorava o LACP 16, de modo que ela não poderia ter alterado o que já não existia.”.

254 SMANIO, Gianpaolo Poggio, op. cit., p. 126.

74

NELSON NERY JÚNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY255

afirmam, ainda, que a alteração empreendida ao art. 16 da LACP confundiu os

limites subjetivos da coisa julgada – isto é, quem são as pessoas atingidas pela

autoridade da coisa julgada com jurisdição e competência, que nada têm a ver com

o tema, sendo, portanto inaplicável às ações coletivas.

Os doutrinadores que se posicionam em favor da validade e eficácia

do dispositivo sustentam que a aplicação do CDC à LACP tem natureza subsidiária

e que, assim, havendo contradição entre o art. 16 da LACP e o art. 103 do CDC, o

primeiro teria primazia na disciplina das Ações Civis Públicas em geral256.

Entretanto, mesmo que se admita como válida e eficaz a alteração

empreendida no art. 16 da LACP, ainda há o argumento de que, restringido o

alcance da coisa julgada à área de competência territorial do órgão julgador, torna-

se necessário estabelecer qual é esta área, o que é feito pelo art. 93 do Código de

Defesa do Consumidor257, que estabelece que para danos de dimensão regional ou

nacional a ação deva ser proposta na capital do Estado ou do Distrito Federal.

255 Neste sentido, NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade, op. cit., p. 1.456;256 Neste sentido: BERNARDES, Juliano Taveira. Art. 16 da Lei da Ação Civil Pública e efeitos “erga

omnes”. UOL. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7791. Acesso em: 15 nov. 2006.

257 Neste sentido CAPPELLI, Sílvia. Ação Civil Pública Ambiental: a experiência brasileira, análise de jurisprudência. Revista de Direito Ambiental, v. 33, ano 9, jan./mar. 2004, p. 173-198, p. 183; BERTOGNA JÚNIOR, Oswaldo. Ação Civil Pública. legitimidade. principais aspectos. Revista de Processo, v. 133, ano 31, mar. 2006, p. 7-47, p. 41; LEONEL, Ricardo de Barros. Ações Coletivas: nota sobre competência, liquidação e execução. Revista de Processo, v. 132, ano 31, fev. 2006, p. 30-51, p. 40; e GRINOVER, Ada Pellegrini. A aparente restrição da coisa julgada na ação civil pública: Ineficácia da Modificação no art. 16 pela Lei n. 9.494/97. UOL. Disponível em: www.mp.sp.gov.br, Acesso em: 15 nov. 2006. Onde cabe destacar: “É que a competência territorial nas ações coletivas é regulada expressamente pelo art. 93 do CDC. E a regra expressa da lex specialis é no sentido da competência da Capital do Estado ou do Distrito Federal nas causas em que o dano ou perigo de dano for de âmbito regional ou nacional. Assim, afirmar que a coisa julgada se restringe "aos limites da competência do órgão prolator” nada mais indica do que a necessidade de buscar a especificação dos limites legais da competência: ou seja, os parâmetros do art. 93 CDC, que regula a competência territorial nacional e regional para os processos coletivos. E, acresça se a competência territorial nacional e regional tanto no âmbito da Justiça estadual como no da Justiça federal.”

75

Em síntese, afirma-se que a ação civil pública produzirá efeitos

secundum eventum litis e, ainda, in utilibus. Em caso de procedência, produzirá

coisa julgada erga omnes, favorecendo inclusive titulares de direitos individuais que

porventura estejam ligados à demanda, em caso de improcedência por falta de

provas, não produzirá coisa julgada material e, reputada infundada a pretensão, a

coisa julgada operará erga omnes em relação à propositura de outras demandas

coletivas, mas não impedirá a análise do judiciário de pretensões individuais ligadas

ao caso.

Quanto ao alcance dos efeitos da coisa julgada, aplica-se o disposto

no art. 93 do Código de Defesa do Consumidor, que estabelece a competência do

foro do Distrito Federal ou da Capital do Estado para os danos de âmbito regional ou

nacional258.

258 Posicionamento este que tem encontrado reflexo na jurisprudência: “Competência. Ação Civil Pública. Defesa dos Consumidores. Interpretação do art. 93, II, do CDC. Dano de âmbito nacional. Em se tratando de ação civil coletiva para o controle de âmbito nacional, a competência não é exclusiva do foro do Distrito Federal. Competência do juízo de direito da Vara Especializada na Defesa do Consumidor de Vitória/ES.” (STJ CComp. 26842-DF, DJ 05.08.2002, Rel. Min. Waldemar Zveiter); no mesmo sentido: (STJ, REsp. 294021-PR, 1ª T., Min. José Delgado, j.02.04.2001).

76

3 A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DE DIREITOS AMBIENTAIS

3.1 Noções Gerais

Para formar a sua convicção, o juiz conta em geral com o produto da

fase instrutória do processo259, ou seja, as provas produzidas dos fatos alegados

pelas partes260.

Não obstante vigore no processo civil pátrio o princípio da livre

investigação da prova261, existirão situações em que a prova produzida nos autos

não será suficiente para, por si só, formar a convicção do magistrado para o

julgamento da causa. Nestas situações, uma vez que é vedado ao magistrado omitir-

se em julgar, torna-se relevante saber a quem competia o ônus de produção da

prova ausente nos autos, para que se possa estabelecer quem deve sofrer o

prejuízo de uma decisão judicial contrária a seus interesses262.

O Código de Processo Civil de 1973, como regra geral, encarrega ao

autor pela demonstração dos fatos constitutivos de seu direito (art. 333, I do CPC); e

confere ao réu o fardo de comprovar os fatos extintivos, modificativos ou impeditivos

do direto do autor (art. 333, II do CPC)263.

259 Há exceções em que o magistrado proferirá uma decisão interlocutória ou mesmo definitiva sem a realização da fase instrutória, como ocorre com a antecipação de tutela concedida “inaudita altera parte” e com o julgamento antecipado da lide.

260 Como visto no tópico “momentos da prova” há provas que serão propostas, admitidas e mesmo produzidas fora da fase instrutória, como ocorre em regra com a prova documental.

261 Temperado com uma dose de dispositividade presente para resguardar a imparcialidade do magistrado, como verificado no capítulo I deste trabalho, o que pode ser observado, também, na lição de LOPES, João Batista. Os poderes..., op. cit., p. 26.

262 Apóia-se aqui o entendimento de que o ônus da prova constitui regra de julgamento a ser adotada pelo magistrado somente na falta de provas que permitam a formação de seu convencimento. Neste sentido RUIZ, Ivan Aparecido, op. cit., p. 17: “O art. 333 do Código de Processo Civil só deve ser aplicado no momento em que forem esgotados todos os esforços para a demonstração e o esclarecimento de um fato e, não ficando ele provado, então sim deverá o Magistrado, no momento do julgamento, aplicar a regra do ônus da prova insculpida no art. 333 citado”.

263 O que será mais bem explorado na seqüência deste capítulo.

Deve se destacar que o tradicional sistema de distribuição do ônus

da prova entre os litigantes, inscrito no art. 333 do CPC foi elaborado tendo em vista

lides onde os contendores se encontrariam numa situação de paridade de armas,

cada qual possuindo, à sua disposição, ferramentas técnicas e econômicas

adequadas e equilibradas para contrapor àquelas a disposição de seu adversário.

Com a revolução industrial, a evolução do capitalismo e o avançar

do século XX, entretanto, operaram-se drásticas transformações nos meios de

comunicação e transporte que implicaram em profundas alterações nas relações

econômicas.

A concentração dos meios de produção e a massificação das

relações sociais acarretaram o surgimento de graves desequilíbrios entre os

litigantes em determinadas relações jurídicas264, em especial no que se refere à

posse de meios econômicos e técnicos para a comprovação dos fatos pertinentes e

relevantes para a solução da causa265.

Este desequilíbrio, mantida uma visão privatista da prova, poderia

permitir a obstaculização ao efetivo acesso e aplicação do direito e um afastamento

do ideal de justiça, pois autorizaria que, num processo de fortes e fracos, uma das

partes assuma um comportamento de “omissão estratégica”, valendo-se das regras

264 Além das relações de consumo que imediatamente vêm à mente, pode se apresentar aqui, também, os litígios que versam sobre a tutela de interesses metaindividuais, em especial aqueles que tratem de interesses ligados ao meio ambiente. Neste sentido: SILVEIRA, Clóvis Eduardo Malinverni da. A Inversão do Ônus da Prova na Reparação do Dano Ambiental Difuso. in Aspectos Processuais do Direito Ambiental. José Rubens Morato Leite e Marcelo Buzagio Dantas (org.). Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 37.

265 Muitas vezes o litigante passivo, por ser “litigante habitual” nas demandas intimamente ligadas ao seu ramo de atuação se apresenta como detentor de um poder econômico e de um conhecimento técnico extremamente aprofundado sobre as ferramentas jurídicas e sociais adequadas à defesa de seus interesses, capaz de colocar em posição de hipossuficiência – seja técnica, informativa ou econômica – até mesmo o Ministério Público, ante a limitação na utilização de suas verbas institucionais. Neste sentido: SILVEIRA, Clóvis Eduardo Malinverni da, op. cit., p. 37.

78

de distribuição do ônus para simplesmente aguardar a improcedência da demanda

em razão das dificuldades de se provar o fato constitutivo266.

O legislador brasileiro, entretanto, atento à existência de

particularidades nos diversos ramos do direito aptas a justificar um desvio do

paradigma geral de distribuição do ônus da prova, estabeleceu em diversos

momentos, exceções ou regra particulares de distribuição.

O Diploma consumerista267 em especial, permitiu, excepcionalmente,

a inversão do ônus da prova. Esta inversão, entretanto, não é automática, nem se

aplica a todos os casos que se apresentam ao Judiciário. Sua utilização não ocorre

de forma aleatória e sem critérios, mas, sim, com a decisão expressa do juiz

consideradas as particularidades de cada caso e as condições estabelecidas no

Código de Defesa do Consumidor, mais precisamente, no inc. VIII, do art. 6º.

Neste capítulo, pretende-se abordar a questão do ônus da prova e

sua inversão, verificando a possibilidade de aplicação de tal inversão às demandas

que cuidem de interesses metaindividuais, em especial aqueles ligados ao meio

ambiente.

266 Com este mesmo entendimento ABELHA, Marcelo. Ação Civil Pública..., op. cit., p. 190-191.267 Cujas ferramentas processuais se aplicam às demandas coletivas em geral, e em especial às

ações civis públicas em defesa do meio ambiente por expressa disposição do art. 21 da Lei n. 7.347/85 (LAPC).

79

3.2 Do Ônus da Prova

Como bem destaca EDUARDO CAMBI “provar não é um dever

jurídico, mas uma condição para alcançar a vitória”268. Não há nada que obrigue a

parte a efetuar a prova das alegações que apresenta senão o risco de ver o juízo

chegar a uma decisão contrária a seus interesses pela falta de elementos

probatórios reputados necessários.

MOACYR AMARAL SANTOS define com propriedade o conceito de

ônus da prova:

Ônus – do latim onus – quer dizer carga, fardo, peso. Ônus probandi traduz-se apropriadamente como uma necessidade de provar269; necessidade em fornecer os elementos necessários à formação da convicção do juiz quanto aos fatos alegados pelas partes.

O direito se sustenta em fatos270, assim, a parte que afirma em juízo

possuir um direito assume, implicitamente, a responsabilidade de comprovar a

existência dos fatos em que tal direito se fundamenta.

A figura do ônus não se confunde com a de obrigação. A parte a

quem incumbe produzir a prova não tem uma obrigação, no sentido jurídico, de fazê-

lo271. Se não a produzir, sofrerá as desvantagens processuais decorrentes de sua

omissão, embora não esteja obrigado, como é natural, a usufruir das vantagens

processuais que o cumprimento desse encargo lhe traria. “Não se trata, certamente,

de uma obrigação porque não pode haver obrigação sem um direito correlato, e

ninguém tem direito a que outrem faça prova de fatos que lhe digam respeito”272 .268 CAMBI, Eduardo Augusto Salomão. A prova civil..., op. cit., p. 314.269 SANTOS, Moacyr Amaral dos. Primeiras linhas..., op. cit., p. 354.270 Cf. SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Teoria geral do Processo Civil. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2000, p. 299.271 Ou seja, a não observância dessa prática não pode ser considerada uma conduta ilícita e não

impõe prejuízo direto a terceiro, pelo contrário, sua omissão poderá favorecer a parte contrária.272 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da, op. cit., p. 299.

80

ARRUDA ALVIM273 destaca que as principais distinções a serem

levantadas entre obrigação e ônus envolvem o fato de que aquela determina uma

conduta cujo adimplemento ou cumprimento traz benefícios à parte que ocupa o

outro pólo da relação jurídica, o que pode levar a uma coerção do sujeito ativo em

adimpli-la, sendo possível, ainda, sua conversão em pecúnia de modo a permitir

uma reparação dos prejuízos decorrentes da omissão do agente. A figura do ônus,

ao contrário, estabelece prática que, se observada, favorecerá o próprio sujeito, não

sendo possível impor sua observância ou conversão em valor econômico a este274.

Neste mesmo sentido, CARNELUTTI275 ensina que:

A distinção entre o ônus e a obrigação se fundamenta na diversa sanção cominada a quem não realiza um ato: existe somente obrigação quando a inércia dá lugar à sanção jurídica (execução ou pena); entretanto, se a abstenção do ato faz perder somente os efeitos úteis do próprio ato, temos a figura do ônus. No fundo, a distinção entre ônus e obrigação se corresponde com a antítese kantiana entre imperativo hipotético e imperativo categórico. Por isso, se a conseqüência da falta de um requisito dado em um ato é somente sua nulidade, há ônus e não obrigação de efetuar o ato de cujo requisito se trata.

É possível, também, distinguir-se a idéia de ônus do dever em

sentido estrito, uma vez que este possui um caráter de perpetuidade276 e representa

273 ALVIM, Arruda, op. cit., p. 436.274 Arruda Alvim distingue, ainda, a idéia de ônus perfeito e ônus imperfeito: “Parece-nos, pois, cabível

a distinção, no sentido de que se terá ônus perfeito quando, do descumprimento de uma atividade processual, necessariamente decorrer uma conseqüência jurídica danosa. O indivíduo que perdeu a demanda tem o ônus de dela recorrer. Se não o fizer, fatalmente, como já se disse, consolidar-se-ão os efeitos da sentença, formando-se a coisa julgada. Já não se constitui em um exemplo de ônus perfeito a revelia: o réu tem o ônus de contestar a ação, mas, caso não a conteste, nem sempre se reputarão verdadeiros os fatos alegados pelo autor (art. 320 e suas exceções), como ainda os fatos constitutivos do pedido deverão ser críveis. Normalmente, porém, advirão daí conseqüências de transcendental importância no campo do processo. Já o ônus será imperfeito, quando, em verdade, a conseqüência danosa for possível, mas não necessária. É o caso, por exemplo, de a parte perder a oportunidade de provar; é possível que, a final, a prova resulte feita pelo adversário.” (op. cit. p. 436).

275 CARNELUTTI, Francesco. A prova civil..., op. cit., p. 255.276 Conforme ALVIM, Arruda, op. cit. p. 436.

81

um conceito transitivo vez que sempre existe perante alguém, representando uma

relação jurídica entre dois sujeitos, em que um deve uma prestação ao outro277.

Considerando todos os aspectos acima destacados, ECHANDIA

traça o seguinte conceito de ônus:

Poder ou faculdade (em sentido amplo) de executar livremente certos atos ou adotar certa conduta prevista na norma, para benefício e interesse próprios, sem sujeição nem coerção, e sem que exista outro sujeito que tenha o direito de exigir o seu cumprimento, mas cuja inobservância acarreta conseqüências desfavoráveis.278

EDUARDO CAMBI279, seguindo esta mesma linha destaca que o

“ônus da prova” possui uma especificidade em relação à categoria de “ônus” em

sentido geral por que:

[...] o seu simples cumprimento não assegura, necessariamente, uma conseqüência favorável; isto é, realizar a prova não é um dado decisivo ou o único meio para conseguir a obtenção da tutela jurisdicional plena.

A necessidade de regular-se minuciosamente o ônus da prova

decorre de um princípio geral do direito processual civil moderno, segundo o qual ao

Juiz, mesmo em caso de dúvida invencível, não é lícito eximir-se de decidir a causa.

Se ele deve decidir também sobre a existência ou veracidade dos fatos sobre os

quais não haja formado convicção, é necessário que a lei estabeleça qual das partes

277 ALVIM, José Eduardo Carreira, op. cit., p. 266.278 ECHANDIA, Hernando Devis, op. cit., p. 420-421.279 CAMBI, Eduardo Augusto Salomão. A prova civil..., op. cit., p. 315.

82

haverá de sofrer as conseqüências dessa insuficiência probatória280-281. Na verdade,

o onus probandi é uma conseqüência do ônus de afirmar 282-283

Dessa forma, aplica-se a teoria do ônus da prova a todos os

processos e ações, atendidas, certamente as peculiaridades de uns e de outros. As

regras do ônus da prova destinam-se aos litigantes no aspecto de como devem se

comportar, à luz das expectativas que o processo lhes enseja em decorrência da

atividade probatória, e ao juiz, ao determinar a conduta a ser por ele adotada em

caso de ausência de evidências quanto a um fato relevante e controverso284.

280 Cf. ROSENBERG, Leo. La carga de la prueba. Buenos Aires: Jurídicas Europa-America, 1956, § 1º, p. 15.

281 A relevância do ônus da prova se liga intimamente à ausência da prova pois, havendo prova suficiente para formar a convicção do magistrado, independentemente de quem a produziu (princípio da aquisição processual ou comunhão das provas) o juiz fundamentar-se-á nela, sendo irrelevante discutir em qual pólo processual esta se originou.

282 Cf. SANTOS, Moacyr Amaral dos. Primeiras linhas..., op. cit., p. 353-354.283 Uma vez que o autor só pode dar consistência objetiva à sua pretensão em juízo fazendo

afirmações sobre a existência de fatos e a pertinência deles a uma relação jurídica. E se o autor naturalmente torna-se necessária a prova das afirmações que faz. O mesmo ocorre com o réu se, em sua defesa, fizer afirmação sobre fatos novos, impeditivos, modificativos ou impeditivos do direito do autor (art. 333 do Código de Processo Civil).

284 Neste sentido, GRECO, Leonardo. A prova no processo civil: do Código de 1973 ao novo Código Civil. Revista Forense, v. 374, jul./ago. 2004, p. 183-199, afirma: “As regras de distribuição do ônus da prova têm duplo objetivo: primeiramente definir a qual das partes compete provar determinado fato, o chamado ônus subjetivo; em seguida, no momento da sentença, servir de diretriz no encadeamento lógico do julgamento das questões de fato, fazendo o juízo pender em favor de uma ou de outra parte conforme tenham ou não resultado provados os fatos que a cada uma delas interessam o chamado ônus objetivo”. No mesmo sentido, mas separando os aspectos de “regra de julgamento” e “regra de conduta” do ônus da prova MENDES JÚNIOR, Manoel de Souza. O momento para a inversão do ônus da prova com fundamento no código de defesa do consumidor. Revista de Processo, v. 114 mar./abr. 2004, p. 67-91, p. 91: “Em síntese, portanto, o ônus da prova tem dupla função: i) servir de regra de conduta para as partes, predeterminando quais são os fatos que devem ser provados por cada uma delas e, assim, estimulando suas atividades; ii) servir de regra de julgamento, distribuindo, entre as partes, as conseqüências jurídicas e os riscos decorrentes da suficiência ou da ausência da produção da prova, bem como permitindo que, em caso de dúvida quanto à existência do fato, o juiz possa decidir, já que não se admite que o processo se encerre com uma decisão non liquet. A partir dessa compreensão pode-se falar, no primeiro caso, em ônus da prova em sentido subjetivo e, no segundo caso, em ônus da prova em sentido objetivo”.

83

3.2.1 Dos fundamentos da distribuição do ônus da prova

A distribuição do ônus da prova repousa na premissa de que as

partes desenvolvem sua atividade probatória visando formar a convicção do juiz e,

assim, alcançar a vitória na causa.

Ao juiz não é permitido omitir-se em proferir uma decisão, ainda que

os fatos não se encontrem satisfatoriamente provados. Sendo inafastável a decisão,

e constituindo precioso elemento para a eliminação da insegurança jurídica, resta a

importante tarefa de estabelecer seu conteúdo na hipótese de, esgotada a atividade

probatória, não existirem elementos de prova suficientes para a efetiva formação de

sua convicção. Nestas situações, surge o ônus da prova como importante “regra de

julgamento” para a prolação da decisão ou, segundo ECHANDIA “A segurança

jurídica, a harmonia social, o interesse geral em que se realizem os fins próprios do

processo e a jurisdição exigem sua existência”285.

O ônus da prova está intimamente ligado ao exercício da jurisdição,

pois, viabiliza que nas hipóteses em que a fase probatória não tenha permitido ao

juiz alcançar suficiente convicção sobre os fatos relevantes e controvertidos, seja

prolatada sentença para o caso concreto.

Várias foram as teorias desenvolvidas a fim de explicar sobre quem

deve recair o risco da ausência (ou insuficiência) de prova.

CHIOVENDA baseia a distribuição em critérios de oportunidade e de

igualdade286. Inspirado na legislação revolucionária francesa, especialmente no art.

2.° da Declaração dos Direitos do Homem, o critério de igualdade foi adotado no

285 Cf. ECHANDIA, Hernando Devis, op. cit., p. 451.286 O pensamento de CHIOVENDA será mais bem explorado em tópico específico referente a sua

teoria sobre o ônus da prova.

84

Código Civil francês (art. 1.315), influenciando profundamente as codificações que

se seguiram287.

ROSENBERG288 afirma que exigências de conveniência e de justiça

impõem a distribuição. Deixar ao autor todo o encargo equivaleria a excluir

aprioristicamente a possibilidade de êxito de qualquer demanda judicial, entregando

o direito à boa vontade do demandado.

ECHANDIA289, partindo da premissa traçada por ROSENBERG

considera que o fundamento se encontra "nos princípios da lógica, da justiça

distributiva e da igualdade das partes diante da lei e do processo”.

Em síntese pode-se afirmar que a divisão do ônus da prova encontra

fundamento na impossibilidade de omitir-se o magistrado na falta de prova e na

necessidade de fixarem-se critérios que possam orientar seu julgamento de modo a

proferir uma sentença que se aproxime o máximo possível do que se poderia reputar

como “justo” ou pelo menos “adequado”, para o caso posto em julgamento.

3.2.2 Distribuição do ônus da prova no Código de Processo Civil e no Código de Defesa do Consumidor

3.2.2.1 Distribuição do ônus da prova no Código de Processo Civil de 1973

O Código de Processo Civil brasileiro distribui o ônus da prova pela

posição processual que a parte assume. Se no pólo ativo, compete-lhe provar os

fatos constitutivos de seu pretenso direito. Se no pólo passivo, somente deverá

provar se alegar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

287 MICHELI, Gian Antonio. L’onere della prova. 2. ed. Padova: Cedam, 1966. p. 49; ECHANDIA, Hernando Devis, op. cit., p. 451.

288 ROSENBERG, Leo, op. cit., p. 85.289 ECHANDIA, Hernando Devis, op. cit., p. 453.

85

O Código centra a disciplina da matéria no art. 333, que determina:

Art. 333. O ônus da prova incumbe: I – ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

Adotou o Código o critério material de distribuição do ônus

probatório, que pode ser deduzido do alcance jurídico que o direito substancial

atribui aos fatos e às circunstâncias que servem de fundamento à ação e à defesa.290

Por este critério, fatos constitutivos são aqueles que têm a eficácia

jurídica de constituir a relação jurídica litigiosa, ou seja, dão origem ao direito

pretendido pelo autor, sua prova, na sistemática processual civil, compete ao

demandante. Assim, por exemplo, a comprovação do domínio sobre imóvel em ação

reivindicatória constitui prova que compete ao autor.

Fatos impeditivos obstam que o fato constitutivo alegado pelo autor

produza os efeitos que normalmente lhe são próprios, como a comprovação da

qualidade de menor ou interdito, por aquele que excepciona a própria incapacidade

no momento do contrato, ou a alegação de não cumprimento da prestação atinente

à parte contrária, tornando inexigível a obrigação.

Fatos modificativos são os que operam uma modificação no fato

constitutivo invocado pelo autor; ou que possuem a eficácia de alterar o seu direito,

v.g. o pagamento parcial de uma dívida.

Por fim, fatos extintivos são aqueles que encerram, por completo, a

relação jurídica material ou o direito invocado pelo autor. O pagamento integral de

uma dívida, por exemplo, extingue a obrigação e determina a morte do direito de

cobrança pelo requerente.

290 ALVIM, José Eduardo Carreira, op. cit., p. 269.

86

Como dito anteriormente, compete ao réu a prova dos fatos

impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor. Como regra geral, se o

réu restringir-se a impugnar especificamente a veracidade dos fatos apresentados

pelo autor, sem opor a eles outros fatos, não terá nenhum encargo probatório sob

sua responsabilidade.291

De modo geral, pode-se afirmar que, recaindo sobre uma das partes

o ônus da prova relativamente a tais e quais fatos, não cumprindo esse ônus e

inexistindo nos autos quaisquer outros elementos, pressupor-se-á um estado de fato

contrário a essa parte. Por este paradigma, quem devia provar e não o fez perderá a

demanda.

Assim, tendo o réu negado a autoridade do fato do qual nasceria sua

obrigação, incumbe ao autor o ônus da prova, sob pena de, na ausência de

elementos que o fundamentem, presenciar o não reconhecimento da existência de

tal fato pelo juízo292.

Outrossim, havendo impugnação da validade de documento

particular, assinado em branco, ao impugnante compete o ônus da prova, sob pena

de não ser acolhida sua argüição.

3.2.2.2 Da convenção das partes na distribuição do ônus da prova

Além da regra geral para a distribuição do ônus da prova, o art. 333

do Código de Processo Civil, estabelece, em seu parágrafo único, a possibilidade

das partes convencionarem uma distribuição diversa daquela legalmente fixada;

desde que a demanda não verse sobre bem ou direito indisponível e, ainda, não 291 ALVIM, Arruda, op. cit., p. 442-443.292 STJ, Resp 759.056/PR, rel. Min. Luiz Fux, 1ª T., j. 06.09.2005, p. 255; TJSP, RT 181/323 (ALVIM,

Arruda, op. cit., p. 442).

87

haja a imposição de fardo probatório excessivo sobre uma das partes, tornando

extremamente difícil ou impossível que esta se desincumba do ônus atribuído.

ARRUDA ALVIM293 destaca que, no caso de direito indisponível,

“como a ordem jurídica só o vulnerará diante da verificação dos pressupostos da

legitimidade de tal ocorrência, não será possível que, não provados os

pressupostos, haja sentença contrária ao referido bem”. Assim, tratando-se de

direitos indisponíveis, caso não estejam evidenciados os pressupostos que

autorizem sua desconstituição, a sentença deverá ser contrária ao demandante que

busca tal intento.

O autor ilustra tal situação por meio de suposta demanda

envolvendo anulação de um casamento, afirmando que, neste caso, “não é possível

que o autor convencione com a ré que, alegados certos fatos, por ele, seriam tidos

por verdadeiros, salvo se a ré provasse que seriam inverídicos”294 pois, caso assim

fosse, a omissão da requerida poderia levar à anulação do casamento sem que

fossem efetivamente comprovados os pressupostos de direito material essenciais a

esta dissolução. Sendo o direito indisponível, impossível a convenção sobre o ônus

da prova, pois a mesma implicaria, indiretamente, em disposição deste direito.

Os direitos indisponíveis merecem tratamento diferenciado, pois não

admitem transação295, não se encontram sujeitos à confissão296 e não admitem

presunção de veracidade contrária a seu conteúdo297. “Com efeito, os direitos

indisponíveis não podem ser negociados pelas partes, porque estão subtraídos da

sua esfera de disposição”298

293 ALVIM, Arruda, op. cit., p. 438.294 ALVIM, Arruda, op. cit., p. 438.295 Art. 841 do CC.296 Art. 351 do CPC.297 Art. 302, inc. I e 320, inc. II do CPC.298 CAMBI, Eduardo Augusto Salomão. A prova civil..., op. cit., p. 407.

88

Por sua vez, no que se refere a direitos disponíveis, EDUARDO

CAMBI299 destaca que “a possibilidade de as partes modificarem o ônus da prova

não fere o princípio do livre convencimento do juiz (art. 131 do CPC), por que não

altera a apreciação judicial da prova, mas apenas quem deve assumir os riscos pela

ausência (incerteza) da prova em juízo”, exemplificando tal situação com eventual

convenção sobre o ônus da prova de ausência de suicídio premeditado na morte de

um segurado.

Havendo a prova, seja da existência ou inexistência de

premeditação, o juiz as apreciará livremente, de acordo com o art. 131 do Código de

Processo Civil. Somente na ausência de qualquer evidência neste sentido, entraria a

convenção das partes tornando mais fácil ou difícil a efetivação do direito material

para uma delas.

No que se refere ao inc. II do parágrafo único do art. 333, que tolhe a

possibilidade de convenção onde esta torne excessivamente difícil a uma das partes

a prova dos fatos, ARRUDA ALVIM lembra que esta permissão significaria:

[...] que a ordem jurídica estaria transigindo com convenções, que, em última análise, acabariam fazendo com que muitos direitos — mesmo disponíveis — perecessem em caso de litígio, afastando-se, assim, a verdade formal da substancial, o que não é desejável300.

O processo não pode servir de instrumento para maquiar e

reconhecer como verídicas situações flagrantemente fictícias sob pena de “quebra

da igualdade de tratamento entre as partes (paridade de armas), aumentando-se o

risco de injustiças”301. Se há a intenção das partes em transigir e dispor de seus

interesses, que o façam de maneira aberta e não por meio de subterfúgios e do

299 Ibidem, p. 405.300 ALVIM, Arruda, op. cit., p. 438.301 CAMBI, Eduardo Augusto Salomão. A prova civil..., op. cit., p. 407.

89

reconhecimento de convenções dificultadoras do exercício de direito, “pois isto

importaria usar, ou erigir, o processo, como elemento contributivo de álea, e, nessa

medida, até eventualmente obstativo do exercício de direito”302.

Na prática, entretanto, tem se revelado incomum a ocorrência de

convenções que modifiquem o ônus da prova.

3.2.2.3 Distribuição do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor

No que se refere ao Código de Defesa do Consumidor, em regra,

aplicam-se as normas gerais encontradas no Código de Processo Civil a respeito do

ônus da prova.

Há, todavia, nova hipótese de distribuição do “onus probandi”,

conforme dispõe o art. 38 do CDC.

Cuida-se de dispositivo referente aos fornecedores, prestadores de

serviço e ao meio publicitário, impondo o ônus da prova, relativa à veracidade e

correção da informação, bem como da comunicação publicitária, a quem a patrocina.

Ressalte-se que a distribuição desse ônus é automática, isto é, trata-

se de regra específica, desde que a demanda verse sobre a veracidade e correção

das informações, em sentido amplo.

Daí a afirmação que a divisão do ônus prevista no art. 38 do Código

de Defesa do Consumidor não está na esfera de discricionariedade do juízo, como a

hipótese de inversão descrita no art. 6°, inc. VIII, da lei consumerista303.

302 ALVIM, Arruda, op. cit., p. 438.303 Deve se destacar que se entende que a esfera de discricionariedade do magistrado deve ficar

restrita à apuração de existência dos requisitos para a inversão. Presente um dos requisitos legais para a inversão, deve o magistrado operá-la, pois o objetivo da lei é claramente o de proteger a parte vulnerável tida como tal pela própria natureza da relação de consumo.

90

A inversão do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor

surgiu da necessidade de superação das desigualdades, uma vez que, de um modo

geral, à evidência, consumidores e fornecedores estão em patamares diversos.

Com a inversão do ônus da prova ocorre uma facilitação da defesa

do consumidor em juízo, em razão de ser a parte mais fraca e, na maioria dos

casos, hipossuficiente quando confrontada com o fornecedor304.

3.2.3 Do fato negativo e da negativa de fato

Ao assumir o pólo passivo da relação processual, a parte passa a ter

a incumbência de impugnar os fatos trazidos pela petição inicial, sob pena de, não o

fazendo, serem os mesmos reputados verdadeiros, independentemente da prova

produzida, excetuando-se apenas os fatos que envolvem direitos indisponíveis (para

os quais não se admite a confissão), aqueles que requerem, para sua própria

existência, o documento público, e ainda quando há contradição com a tese

esposada pela defesa.

Com essa construção legislativa, a doutrina unanimemente se

posicionou contra a chamada "negativa geral", ou seja, não admitindo que o réu, ao

contestar, simplesmente afirme serem totalmente inverídicos os fatos alegados pelo

304 Assumindo uma posição mais moderada, GIDI, Antônio. Aspectos da inversão do ônus da prova no Código do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo. n. 13. p. 33-41. jan./mar. 1995, sustenta que: “É preciso reconhecer que, ao contrário do que comumente se vem afirmando, a inversão do ônus da prova não é um direito básico do consumidor. O direito outorgado ao consumidor pelo inc. VIII do art. 6° do CDC, como direito básico, é a facilitação da defesa de seus direitos em Juízo: a inversão é, tão-somente, um meio pelo qual é possível promover tal facilitação. Exatamente assim há de ser interpretado e aplicado o preceito. A inversão em favor do consumidor só se legitima como forma de facilitar a defesa de seu direito em juízo. É imperativo, pois, que, para facilitar a defesa do consumidor, seja necessária ou, pelo menos, extremamente útil, a inversão. O objetivo é, tão e exclusivamente, a facilitação da defesa de seu direito, e não privilegiá-lo para vencer a demanda, em detrimento das garantias processuais do fornecedor-réu.”

91

autor, sem, entretanto, dar as razões da negativa, ou afirmar qual a versão

verdadeira.

Assim é porque, para que se forme o contraditório, necessário se faz

que haja uma contraposição dos aspectos fáticos, para que o juiz, a quem a prova

se destina, possa extrair dos elementos probatórios o substrato de convencimento

suficiente para chegar à conclusão de qual das partes tem razão.

Ademais, ilógico seria admitir que o réu pudesse, mera e

simplesmente, dizer "não são verdadeiros os fatos", e deixar todo o encargo de

provar ao autor. Estando em Juízo, e buscando a satisfação de uma pretensão —

ainda que seja apenas a de não se atender a pretensão do autor — deve o réu ter

encargos equivalentes ao autor, em homenagem ao princípio da igualdade das

partes.

Por isso, não basta ao réu negar genericamente os fatos. Incumbe-

lhe a impugnação específica, sob pena de não se ter como válida a contestação,

para os fins que o réu busca. Ou, no dizer de CALMON DE PASSOS305:

A primeira conseqüência a retirar-se do dispositivo (art. 302) é a da impossibilidade da contestação por negação geral. Não só a tradicional contestação por negação geral, mas também a contestação que se limita a dizer não serem verdadeiros os fatos aduzidos pelo autor. Afirmar isso e não impugnar são coisas que se equivalerão. [...] A pura e simples negação pelo réu carece de eficácia para impedir que se estabeleça a presunção de verdade referida no art. 302, caput.

No entanto, se a negativa geral não é admissível, nada obsta que o

réu, ao contestar, negue especificamente a existência de um ou alguns dos fatos

alegados pelo autor. Ou seja, é admissível, porque perfeitamente lógico que o réu

305 PASSOS, José Joaquim Calmon de. Comentários ao Código de Processo Civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. v. 3, p. 280-281.

92

diga que tal fato (específico) não ocorreu ou não existiu. Alias, é bastante usual.

Veja-se MOACYR AMARAL SANTOS306:

A máxima de que a negativa não se pode provar enfraqueceu-se sobremaneira à observação de ser verdadeira apenas em relação às negativas indefinidas. Estas, com efeito, são de prova impraticável, tão-somente por serem indefinidas, como também é impraticável a prova de afirmações indefinidas. Dificílimo será a Caio provar que nunca foi a Santos, como lhe será dificílimo provar que permanentemente usou determinada jóia.

Nessas condições, ou seja, se o réu negar especificamente um fato

articulado na inicial, aplicando-se as regras do ônus da prova, caberá ao autor

totalmente o encargo de provar, posto que o réu não trouxe fato modificativo,

impeditivo ou extintivo do direito do autor. O fato alegado (pelo autor) é constitutivo,

motivo pelo qual caberá a ele o ônus da prova. Não provando, a improcedência do

pedido se impõe.

LUIZ RODRIGUES WAMBIER307 ressalta, entretanto que há clara

diferença entre a negativa de um fato e a alegação de um fato negativo:

Nestes, não há a afirmação da existência do fato pelo autor e a negativa pelo réu, mas apenas a afirmação de que um fato que deveria ter ocorrido e não houve. Afirma-se, portanto, um fato negativo, que não aconteceu, e dessa inexistência é que se busca a conseqüência jurídica pretendida.

Pode-se exemplificar a idéia acima por meio da noção de

inadimplemento. Como o próprio termo sugere, pelo prefixo "in", que significa

negação, trata-se de uma inação, ou seja, não ocorrência de um ato a que o

contratante se obrigou, ou que a norma jurídica impôs.

306 SANTOS, Moacyr Amaral. Comentários ao Código de Processo Civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. v. 4, p. 20.

307 WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, v. 1, p. 405-406.

93

Nesse caso, a conseqüência jurídica que se pretende (mora) não

decorre da prática de um ato, mas ao contrário, decorre da inação. Trata-se de ato

omissivo, o que não é estranho ao direito, mormente quando se trata de aferição de

conduta culposa, onde predomina a inação e não a ação.

Lógico e compreensível que a inação implemente uma conseqüência

jurídica, a questão que releva é quanto à prova do fato negativo. Conceitualmente, é

de se considerar como inviável tal prova posto que esta é a demonstração da

existência do fato. Se o fato não houve, não há como prová-lo. Prova-se o fato que

houve, não o que não houve.

Porém, parece ser viável a prova do fato negativo. Exemplos não

faltam: se o locatário não desocupa o imóvel locado quando notificado, basta que se

prove que ainda se encontra ocupando-o; se o empreiteiro não executou a obra

contratada, pode-se provar que o material foi entregue, mas a construção não se

realizou; se o alimentante não adimpliu, é viável (por testemunhas) provar-se que o

alimentando não recebeu.

Nesse sentido, HUMBERTO THEODORO JÚNIOR308:

A simples negação do fato constitutivo, naturalmente, não reclama prova de quem a faz. O fato negativo, porém, aquele que funciona como fato constitutivo de um direito, tem sua prova muitas vezes exigida pela própria lei. É o que ocorre, por exemplo, com a prova do não uso, por 10 anos, para extinguir-se a servidão (Código Civil de 1916, art. 710, III; CC de 2002, art. 1.389, III), ou da omissão culposa, em matéria de responsabilidade civil (CC de 1916, art. 159; CC de 2002, arts. 186 e 927). Em casos como esses, a parte que alega o fato negativo terá o ônus de prová-lo.

308 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 44. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. v. 1, p. 463.

94

Nesta linha, LUIZ RODRIGUES WAMBIER309, propõe a distinção

entre o fato negativo definido e o fato negativo indefinido, pois para ele, somente

este não pode ser objeto de prova310.

Assim, importante distinguir se ocorre no caso concreto uma

negativa de fato, caso em que a prova não é necessária, ou a afirmação de um fato

negativo, quando a prova não só é necessária, como, muitas vezes, imprescindível

para a obtenção da conseqüência jurídica pretendida.

3.2.4 Das teorias sobre o ônus da prova

3.2.4.1 Das teorias inspiradoras do art. 333 do Código de Processo Civil

3.2.4.1.1 Da teoria de Chiovenda

CHIOVENDA, depois de reconhecer as dificuldades de formulação

de regras rígidas sobre a repartição do ônus da prova, lembra que o problema está

ligado ao princípio dispositivo, ou de iniciativa da parte, porque, se ao juiz

incumbisse a investigação plena da prova, a questão não existiria.

O jurista considera que a distribuição do ônus da prova se baseia em

um princípio de oportunidade e de igualdade distributiva, afirmando, in verbis:

Freqüentemente, no caso concreto, sente-se a oportunidade de atribuir o ônus da prova a uma das partes, enquanto seria difícil

309 WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo, op. cit., p. 405-406.

310 Para o autor, é indefinido o fato negativo quando demonstra uma “universalidade de inocorrência”. Não se pode provar que alguém jamais viajou para determinada cidade, ou que nunca possuiu determinado bem. Nestes casos, seria a indefinição que não poderia ser provada, e não o fato negativo em si. Por outro lado, seria definido o fato negativo que, pudesse ser efetivamente comprovado por evidências ou circunstâncias passíveis de demonstração. Em seu entendimento, é possível comprovar-se que alguém não desocupou determinado imóvel simplesmente demonstrando sua continuada presença no local por meio de testemunhos, fotos, etc. É possível ilustrar a ausência de realização de determinada obra de forma semelhante.

95

formular uma razão geral para fazê-lo. Não é possível dizer a priori que a repartição da prova seja rigorosamente lógica e justa. Pode-se, talvez, afirmar que, a rigor, seria justo que o autor provasse tanto a existência dos fatos constitutivos do direito quanto a não existência dos fatos impeditivos ou extintivos. Mas essa prova seria, no mais das vezes, difícil para os fatos impeditivos, impossível para os fatos extintivos. Pretender tanto do autor equivaleria, quase sempre, a recusar-lhe, logo, a tutela jurídica. É portanto, antes de tudo, uma razão de oportunidade que compele a repartir o ônus da prova311.

O jurista frisa a importância do princípio da igualdade das partes

para a distribuição do onus probandi. Num contexto onde o princípio dispositivo

prevalece no processo civil312 conclui:

O encargo de afirmar e provar se distribui entre as partes, no sentido de deixar-se à iniciativa de cada uma delas fazer valer os fatos que ela pretende considerados pelo juiz ou, em outros termos, quem tem interesse em que sejam por ele considerados como verdadeiros.313

Para CHIOVENDA, se o réu simplesmente negar os fatos alegados

pelo autor, não lhe competira nenhum ônus probatório, enquanto o autor não os

provar (actore non probante reus absolvitur).314-315

Diante da freqüente dificuldade em estabelecer se determinado fato

alegado pelo réu é simplesmente a negação de outro fato afirmado pelo autor, ou se

constitui fundamento de um meio autônomo de defesa (exceção)316 adota o princípio

311 CHIOVENDA, Giuseppe. Principii di diritto processuale civile. 3. ed. Napoli: Jovene, 1965. p. 780.312 Competindo exclusivamente às partes trazer ao processo os elementos sobre os quais o

magistrado formará sua convicção.313 CHIOVENDA, Giuseppe. Principii di diritto..., op. cit., p. 780.314 Então, o interesse à prova surgiria, para o réu, somente quando os atos de não afirmar e de não

provar pudessem lhe acarretar prejuízo, isto é, quando provados os fatos idôneos a constituir o direito do autor. Provados os fatos constitutivos, aí sim haveria necessidade de prova por parte do réu e sob duas perspectivas: a) ou tende a provar a inexistência daqueles; b) ou sem excluir os fatos alegados pelo autor, se afirmou outro capaz de lhe elidir os efeitos jurídicos, deve prová-lo. Com base em tais considerações, o autor afirma que "a questão do ônus da prova reduz-se, portanto, no caso concreto, a estabelecer quais os fatos que, considerados existentes pelo juiz, devem bastar para induzi-lo a acolher a demanda (constitutivos).

315 CHIOVENDA, Giuseppe. Principii di diritto..., op. cit., p. 788.316 “Se o autor afirma que o réu se obrigou a dar 100, e o réu afirma tê-lo feito por pilhéria, a quem

incumbirá o ônus da prova? Terá o autor de provar somente que o réu se obrigou, ou também que se obrigou a sério? Deve-se considerar como fato constitutivo do direito o falar a sério, ou como fato impeditivo o falar por pilhéria?” (Ibidem, p. 788).

96

da normalidade como um critério geral de repartição do ônus da prova, fundado nas

condições de existência de uma relação jurídica.

De acordo com o referido princípio as condições específicas e

essenciais de uma determinada relação jurídica devem ser provadas pelo autor; já

as gerais, comuns a outros negócios, devem ser provadas pelo réu317.

CHIOVENDA sintetiza sua divisão do “onus probandi” nos seguintes

termos:

O autor deve provar os fatos constitutivos, isto é, os fatos que normalmente produzem determinados efeitos jurídicos; o réu deve provar os fatos impeditivos, isto é, a falta daqueles fatos que normalmente concorrem com os fatos constitutivos, falta que impede a estes produzir o efeito que lhes é natural. Outras formulações, ou coincidem com essa, ou são inexatas.318

Assim, pode-se afirmar que seu pensamento se baseia na resolução

do problema da repartição do ônus da prova pelo interesse que cada parte tem em

provar determinado fato, porque deseja que seja considerado pelo juiz como

verdadeiro, fixando critérios baseados em oportunidade.

3.2.4.1.2 Da teoria de Carnelutti

Para CARNELUTTI, a divisão do ônus da prova deve envolver a

distribuição dos riscos da prova ausente ou deficiente. Em seu entendimento, se

determinado fato alegado no processo não resultar provado, alguém deve sofrer a

conseqüência dessa falta de convencimento do juiz e a individualização deste sujeito

é o ponto central a ser observado em qualquer critério de fixação do “ônus

probandi”319.

317 CHIOVENDA, Giuseppe. Principii di diritto..., op. cit., p. 789.318 Ibidem, p. 789.319 CARNELUTTI, Francesco. Sistema di diritto processuale civile. Padova: Cedam, 1936, v. 1, p. 424.

97

CARNELUTTI critica o “critério do interesse” por entender que este é

equívoco uma vez que, alegado um fato, ambas as partes têm interesse em direção

oposta sobre este320. Assim, o autor critica a doutrina de CHIOVENDA,

argumentando que o interesse à prova é bilateral, na medida em que, afirmado um

fato, ambas as partes têm interesse em fornecer provas a seu respeito321. Desse

modo, a distribuição do ônus da prova não poderia fundar-se no interesse de provar,

mas, sim, no interesse em afirmar certo fato322.

Em sua interpretação, a distribuição poderia ser feita mediante

critérios lógicos, nos quais se distinguisse a posição das partes em relação aos

fatos323. CARNELUTTI defende um critério teleológico, atrelado ao fim último do

processo – em sua teoria, a justa composição da lide:

Sob um perfil teleológico, levando em conta o escopo do processo, é claro que o critério deve ser escolhido não só tendo em vista a sua idoneidade para distinguir as partes em relação ao fato, mas tendo em vista também a conveniência de estimular à prova aquela entre as partes que esteja provavelmente em condições de dá-la, com base em uma regra de experiência que estabeleça qual das duas partes esteja em melhores condições para tanto. Somente assim o ônus da prova constitui um instrumento para atingir o escopo do processo, que não é a simples composição, mas a justa composição da lide324.

Com base neste raciocínio, CARNELUTTI propõe que a distribuição

do ônus da prova deve ocorrer tendo em vista o interesse à afirmação, este sim

320 O interesse na afirmação de certo fato é unilateral, só de quem serve de base para o pedido, mas o interesse na prova é bilateral: uma das partes quer fazer a prova e a outra deseja a contraprova.

321 Uma em favor de sua existência, outra em favor de sua inexistência (prova e contraprova). Enquanto o autor busca provar a realização de um contrato, o réu visa a provar a sua não celebração; enquanto o réu apresenta prova de pagamento da dívida cobrada, o autor oferece prova de que não houve tal pagamento e assim por diante.

322 Ao autor interessa afirmar os fatos constitutivos de seu direito e, portanto, compete prová-los, e ao réu interessa afirmar fatos extintivos, modificativos ou impeditivos do direito do autor, daí, também, o ônus de a estes provar.

323 Por exemplo, a ausência de provas prejudicaria a parte interessada em provar fato positivo, e não a parte interessada em provar fato negativo.

324 CARNELUTTI, Francesco. Sistema di diritto..., op. cit., p. 424.

98

unilateral, porquanto cada parte somente tem interesse em afirmar os fatos

constituintes de sua pretensão.

Tem o ônus de provar quem tem o interesse em afirmar; portanto, quem propõe a ação tem o ônus de provar os fatos constitutivos; e quem propõe a exceção tem o ônus de provar os fatos extintivos e as condições impeditivas ou modificativas.325.

Para CARNELUTTI, o critério legalmente estabelecido no art. 1.312

do CC italiano, e similarmente adotado pelo art. 333 do Código de Processo Civil

Brasileiro – segundo o qual quem propõe uma demanda tem o ônus de provar os

fatos constitutivos; e quem propõe uma exceção tem o ônus de provar os fatos

extintivos e as condições impeditivas ou modificativas – seria consentâneo ao

conteúdo da lide: de um lado, porque se baseia na distinção entre defesa e exceção;

e, de outro, porque é um critério baseado em regras de experiência, já que, quase

sempre, a parte a favor da qual certo fato constitui a base de um pedido ou de uma

exceção está em melhores condições de produzir a prova.

Todavia, CARNELUTTI adverte que essa regra não é absoluta, e

não raras vezes a lei distribui o ônus da prova diversamente, atribuindo o risco da

falta de prova ao réu, mesmo na hipótese de se tratar de um fato constitutivo, ou

vice-versa, atribuindo-o ao autor, com relação a fatos extintivos ou modificativos.

Nesses casos, observa que, em virtude de presunção de determinados fatos, se

daria a "inversão do ônus da prova"326.

325 CARNELUTTI, Francesco. Sistema di diritto..., op. cit., p. 424.326 Ibidem, p. 427.

99

3.2.4.2 Das teorias de Rosenberg e de Micheli

3.2.4.2.1 Da teoria de Rosenberg

LEO ROSENBERG construiu uma teoria em que o direito material

ocupa papel fundamental na distribuição do ônus da prova, contrariando a teoria

baseada na normalidade que mereceu sua crítica expressa.

Para ROSENBERG, o prisma de análise para a fixação do ônus da

prova não deve se encontrar nos fatos, mas, sim, nas normas jurídicas que

fundamentam a pretensão das partes. Assim, o ônus da prova se encontra dentro

dos domínios da aplicação do direito327.

O autor inicia sua obra com a afirmação de que a tarefa do juiz, em

cada processo, consiste na aplicação do direito objetivo ao caso concreto328. Ao

desincumbir-se desta tarefa, o magistrado desenvolve uma tríplice atividade:

conhece o direito objetivo; enquadra e correlaciona os fatos alegados pelas partes

aos pressupostos fáticos existentes nas normas invocadas, procurando identidade

entre ambos; e, por último, passa a analisar se os fatos afirmados são verdadeiros e,

dessa forma, capazes de autorizar os efeitos previstos nas normas abstratas.

Perceba-se que o foco central, ao contrário de teorias anteriores,

não se encontra no fato em si, mas no direito invocado. O ônus da prova deverá ser

distribuído não em função de fatos (constitutivos, impeditivos, modificativos ou

extintivos), mas em função das normas: cada parte deve produzir a prova dos fatos

que sirvam de pressuposto à norma que alicerça sua pretensão. Somente quando as

circunstâncias de fato afirmadas correspondem aos pressupostos legais da norma

327 ROSENBERG, Leo, op. cit., p. 5.328 Ibidem, p. 1.

100

invocada, e correspondem à realidade, o juiz pode acolher o pedido formulado pela

parte329.

ROSENBERG assume posição categoricamente contrária à

existência de critérios flexíveis, voltados ao caso concreto, para a divisão do ônus da

prova. Afirma que só é possível estabelecer uma regra de distribuição, abstrata, que

deve ter incidência geral, e sustenta que a cada parte deve competir o ônus de

afirmar e provar os pressupostos de fato da norma que lhe é favorável, deslocando a

relevância dos fatos (constitutivos, impeditivos etc.) às próprias normas, das quais

os fatos são os pressupostos de aplicação.

Com base neste raciocínio, o autor constrói o seguinte princípio: "A

parte cuja petição processual não pode ter êxito sem que se aplique um determinado

preceito jurídico suporta o ônus da afirmação e da prova de que as características

definidoras desse preceito estejam realizadas nos fatos”330.

ROSENBERG insiste que a “normalidade” não deve ter sua aferição

centrada no caso concreto, em regras de experiência, repelindo veementemente

qualquer posição baseada numa repartição caso a caso do ônus da prova. Para o

Autor, esta deve se encontrar consagrada nas próprias normas jurídicas; o juiz deve

considerar primeiramente as características abstratas das normas para,

posteriormente, verificar se os fatos alegados se enquadram a elas.

ROSENBERG vê a correlação entre ônus abstrato e concreto como

uma relação de dependência, de subordinação. As afirmações das partes somente

assumem relevância se e quando corresponderem ao conteúdo fático abstrato

329 ROSENBERG, Leo, op. cit., p. 5.330 Ibidem, p. 91.

101

previsto na norma; o processo concreto jamais poderá influir na divisão do ônus da

prova entre os litigantes. Para ele:

[...] se cada parte tem o ônus da prova com relação aos pressupostos da norma jurídica cujo efeito reclama, logicamente de ser indiferente o fato de que pretenda a realização desse efeito na qualidade de demandante ou de demandado; de outro modo, a situação casual da parte decidiria sobre a distribuição do ônus da prova, definindo muitas vezes a sorte do processo331.

Dessa forma, a posição do litigante, seja ela ativa ou passiva em

determinada demanda, não pode influir em seu ônus subjetivo de provar, assim

entendido como o encargo de subministrar a prova332.

Destarte, segundo ROSENBERG, cada parte deve comprovar o

estado de coisas do qual externam os pressupostos do preceito jurídico aplicável à

espécie. Ao demandante cabe provar os elementos da aplicação da norma

constitutiva do direito que ampara, enquanto que o demandado deve demonstrar os

elementos da aplicação de norma impeditiva, modificativa ou extintiva333. “Os fatos

produzem seus efeitos sobre as relações jurídicas não por si mesmos, mas sim em

virtude de preceitos jurídicos”334.

3.2.4.2.2 Da teoria de Micheli

Para MICHELI, a distribuição do ônus da prova entre as partes deve

ser definida pela sua posição em relação ao efeito jurídico que se pretende ver

331 ROSENBERG, Leo, op. cit., p. 158.332 Referente a qual litigante deve provar os fatos para se desincumbir de seu encargo.333 Sempre destacando que o objeto de fixação do ônus se desloca do fato para a norma.334 ROSENBERG, Leo, op. cit., p. 99.

102

conseguido, analisando como se manifesta o processo em concreto, posição que

contrasta diretamente com a visão de ROSENBERG335.

MICHELI evidencia que as regras do ônus da prova são, para o juiz,

regras práticas de julgamento, ou seja, para a resolução da demanda em face da

falta ou insuficiência de prova de algum fato336.

O jurista questiona a suficiência do critério proposto por

ROSENBERG, que se funda apenas nas normas de direito material e seus

pressupostos fáticos ignorando a posição assumida pela parte no processo.

Para MICHELI, é necessário apreciar a hipótese normativa de forma

concreta de acordo com a posição assumida pelos litigantes na relação jurídica

processual e com o efeito processual pretendido. Sustenta que é preciso definir a

posição real das partes, de acordo com o direito material (que disciplina a hipótese

legal), mas também considerando o direito processual (que traduz o efeito jurídico

pretendido pela parte)337.

Neste sentido é clara a sua lição:

A regra do ônus da prova no processo civil não é inteiramente independente da estrutura do processo concreto, não porque a perspectiva formal do fenômeno se distinga, contrapondo-se à perspectiva substancial, mas porque uma e outra se fundem na mesma consideração integral do processo, entendido como instrumento para a realização do direito objetivo.338

335 Como se verá na seqüência, o pensamento de MICHELI contrasta diretamente com o de ROSENBERG onde este propõe um sistema abstrato de divisão do ônus da prova, centrado exclusivamente na norma material que se ver aplicada, enquanto aquele defende um sistema concreto de divisão, onde além da norma material seja considerada a norma processual, e levem-se em conta particularidades da posição das partes dentro da demanda.

336 MICHELI, Gian Antonio, op. cit., p. 177.337 Ibidem, p. 437.338 Ibidem, p. 465.

103

MICHELI sustenta que é indispensável considerar-se as pretensões

deduzidas em juízo, sendo mais relevante a estrutura do processo concreto do que a

análise isolada da situação abstratamente regulada pela lei, afirmando:

A invocação da fattispecie da norma favorável não é suficiente para estabelecer um critério unívoco para a repartição do ônus da prova porquanto, desse modo, a um ônus concreto da prova se contrapõe um ônus abstrato, fixado com fundamento na norma de lei abstratamente considerada. Essa avaliação, por assim dizer, estática do fenômeno deve ser substituída, segundo meu modo de entender, por uma avaliação dinâmica do mesmo.339

Portanto, em seu entendimento, o ônus da prova não pode ser

fixado exclusivamente com base em critérios abstratos vinculados à norma

substancial que se quer ver aplicada. É necessário, ao contrário, a utilização de um

critério que incorpore o dinamismo do processo, levando em consideração o papel e

a posição do litigante dentro do processo.

3.2.4.3 Da teoria da carga dinâmica da prova

EDUARDO CAMBI340 comentando esta teoria, que foi incorporada

em 2004 ao Código Modelo de Processos Coletivos para a Ibero-América, menciona

que ela propõe a divisão do ônus da prova sem prender-se ao critério tradicional do

art. 333 do Código de Processo Civil341 ou mesmo à técnica adotada pelo art. 6º, inc.

VIII do Código de Defesa do Consumidor342.

A Teoria da Carga Dinámica distribui o ônus da prova de forma

diversa, ou seja, considerando o caso concreto e a natureza do fato a ser submetido

339 MICHELI, Gian Antonio, op. cit., p. 464.340 CAMBI, Eduardo Augusto Salomão. A prova civil..., op. cit., p. 340.341 Fatos constitutivos por responsabilidade do autor, os demais a cargo do réu.342 Que inverte o ônus do art. 333 com base em decisão judicial.

104

à prova, outorgando, então, o ônus de provar à parte que se apresenta em melhores

condições para produzi-la.

Assim, o ônus da prova competirá ao litigante que detiver

conhecimentos técnicos ou informações específicas sobre os fatos, ou maior

facilidade em sua demonstração, representando, em verdade, uma facilitação da

prova, não sendo necessário qualquer decisão judicial que inverta critérios pré-

estabelecidos do ônus da prova343.

EDUARDO CAMBI344 destaca que esta teoria parte da premissa de

que o sistema do art. 333 do CPC, fundado na posição da parte em juízo e na

espécie do fato a ser provado, está mais preocupada com a decisão judicial e a

prevenção do non liquet do que com a efetiva tutela do direito lesado ou ameaçado

de lesão e reforça que a adoção deste critério dinâmico facilitaria a existência de

uma isonomia real – e não simplesmente formal – no processo345.

Em síntese, em sua forma pura, a teoria prega a adoção de critérios

concretos ligados ao caso em tela para a distribuição do ônus da prova,

abandonando a pré-fixação de modelos abstratos para a divisão do ônus – como o

do art. 333 do CPC – em prol de um sistema dinâmico. Dessa forma, deixaria de

existir “inversão” do ônus por que deixa de haver um prévio critério a ser invertido346.

O Magistrado mantém sua posição de “gestor da prova” no

processo, mas com poderes instrutórios ainda maiores pois, ao invés de partir de um

modelo clássico (do art. 333 do CPC) para tão somente inverter o ônus probandi em

situações específicas, deverá em cada caso concreto avaliar quem está melhor

343 Cf. DALL’AGNOL JÚNIOR, Antônio Janyr. Distribuição dinâmica dos ônus probatórios. Revista dos Tribunais, v. 788, jun. 2001, p. 92-107, p. 98.

344 Cf. CAMBI, Eduardo Augusto Salomão. A prova civil..., op. cit., p. 340-341.345 Ibidem, p. 344.346 DALL’AGNOL JÚNIOR, Antônio Janyr, op. cit., p. 103.

105

amparado para a produção de uma prova específica, valendo-se para tanto das

maximas de experiência e do senso comum.

Como bem ilustra ANTÔNIO JANYR DALL’AGNOL JÚNIOR347:

Pela teoria da distribuição dinâmica dos ônus probatórios, portanto, a) inaceitável o estabelecimento prévio e abstrato do encargo; b) ignorável é a posição da parte no processo; c) e desconsiderável se exibe a distinção já tradicional entre fatos constitutivos, extintivos, etc.

Releva, isto sim, a) o caso em sua concretude e b) a “natureza” do fato a provar – imputando-se o encargo àquela das partes que, pelas circunstâncias reais, se encontra em melhor condição de fazê-lo. [...] O Que ocorre é uma flexibilização da doutrina tradicional, em homenagem ao princípio da efetividade da tutela jurisdicional, na medida em que essa objetiva, sem dúvida, garantir o direito a quem realmente o titule.

No Direito Brasileiro, a Teoria da Carga Dinâmica tem encontrado

suporte em algumas decisões judiciais que a utilizam como uma aplicação do

Princípio da Boa-Fé na seara do direito probatório, haja vista que a incumbência de

provar passa a tocar à parte que detém melhores condições348, mas, principalmente

fora do Rio Grande do Sul, sua aplicação ainda é tímida.

347 DALL’AGNOL JÚNIOR, Antônio Janyr, op. cit., p. 98.348 Neste sentido, colacionam-se as ementas a seguir: “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REVISÃO

CONTRATUAL GARANTIDA POR ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. A instituição financeira está obrigada à exibição do contrato celebrado entre as partes pela observância ao princípio da carga dinâmica da prova. Inteligência, ainda, do art. 355 do CPC. APELO PROVIDO.” (RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Ementa. Apelação Cível n. 70007827363. Relator Isabel de Borba Lucas. Julgado em 25/03/2004. www.tjrs.gov.br.); “Responsabilidade Civil. Médico. Clínica. Culpa. Prova. 1. Não viola regra sobre a prova o acórdão que, além de aceitar implicitamente o princípio da carga dinâmica da prova, examina o conjunto probatório e conclui pela comprovação da culpa dos réus. 2. Legitimidade passiva da clinica, inicialmente procurada pelo paciente. 3. Juntada de textos científicos determinada de oficio pelo juiz. Regularidade. 4. Responsabilização da clinica e do médico que atendeu o paciente submetido a uma operação cirúrgica da qual resultou a secção da medula. 5. Inexistência de ofensa a lei e divergência não demonstrada. Recurso Especial não conhecido”. (RESP. 69309, 1995/ 0033341-4. Fonte: DJ 26/08/1996 Relator Min. Ruy Rosado de Aguiar. Julgado em 18/06/1996 Órgão Julgador T4. www.stj.gov.br); no mesmo sentido: (STJ, REsp 69.309, 4ª T., j. 18.06.1996 in www.stj.gov.br) e TJRS ACs 70000618561, 70000703306, 70000706473 e 70000619924, todas de 09.03.2000, www.tj.rs.gov.br).

106

O Anteprojeto do Código Brasileiro de Processos Coletivos

(coordenado pela professora ADA PELLEGRINI GRINOVER) traz uma aplicação

desta teoria, mas de forma tímida e subsidiária ao art. 333 do Código de Processo

Civil349.

3.3 Aplicabilidade do CDC 6º à Ação Civil Pública em Defesa do Meio Ambiente

Com a introdução da Lei da Ação Civil Pública e do Código de

Defesa do Consumidor, cindiu-se, definitivamente, o processo civil brasileiro,

surgindo dois subsistemas processuais autônomos – embora interligados – um para

a tutela de interesses individuais e outro para a tutela coletiva de direitos350-351.

O legislador foi expresso em sua intenção de inter-relacionar as

ferramentas processuais existentes nestes dois diplomas – Lei n. 7.347/85 (LACP) e

Lei n. 8.078/90 (CDC) ao introduzir os arts. 21352 da LACP, 90353 do CDC e –

estivesse a inversão prevista no Título III do CDC – não haveriam maiores

questionamentos sobre sua aplicabilidade à Ação Civil Pública.

349 Em seu art. 10, §1º, in verbis: “Sem prejuízo do disposto no art. 333 do Código de Processo Civil, o ônus da prova incumbe à parte que detiver conhecimentos técnicos ou informações específicas sobre os fatos, ou maior facilidade em sua demonstração.”

350 Esta, aliás, é sua situação que tende a se evidenciar cada vez mais ao longo dos próximos anos, em especial com a eventual adoção do atual anteprojeto do Código Brasileiro de Processos Coletivos, que sistematizaria e reuniria os dispositivos processuais referentes a tutela coletiva – atualmente espalhados em diversas leis esparsas. No mesmo sentido: CAMBI, Eduardo Augusto Salomão. Inversão do ônus da prova e tutela dos direitos transindividuais. Revista de Direito Ambiental, ano 8, jul./set. 2003, p. 291-295, n. 31, p. 291.

351 A divisão destes subsistemas pode ser facilmente evidenciada pelas diferenças verificadas entre as “versões coletivas” e “individuais” de diversos institutos processuais como a legitimação ativa, a competência e a coisa julgada, que foram analisados no segundo capítulo deste trabalho.

352 “Art. 21. aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, no que for cabível, os dispositivos do Título III da Lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.” Destacando-se que este artigo foi acrescentado pelo art. 117 da Lei n. 8.078/85, com renumeração dos seguintes.

353 “Art. 90. Aplicam-se às ações previstas neste Título as normas do Código de Processo Civil e da Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, inclusive no que respeita ao inquérito civil, naquilo que não contrariar suas disposições”.

107

O Código de Defesa do Consumidor, entretanto, incluiu a inversão

do ônus da prova em seu art. 6º, inc. VIII, fora do Título III, o que levanta a questão:

a inversão do ônus da prova seria abrangida pelo art. 21 da LACP e – por

conseqüência, seria aplicável à tutela de outros interesses transindividuais, em

especial aqueles ligados ao meio ambiente?

A introdução do Código de Defesa do Consumidor veio polarizar o

subsistema processual coletivo, criando um subsistema de normas processuais a

ser imediatamente aplicado a todas as demandas coletivas, inclusive as que

envolvem interesses ambientais.

Por isso, uma interpretação sistemática do art. 21 da LACP, indica

que sua remissão ao Título III do CDC faz referência à adoção na Ação Civil Pública

das regras processuais previstas no Código de Defesa do Consumidor354. Sendo a

técnica da inversão inegavelmente uma regra processual, está ela incluída nas

normas do CDC cuja aplicação se estende à Ação Civil Pública355.

Os tribunais começam a sacramentar este entendimento,

destacando-se decisões proferidas no extinto Tribunal de Alçada do Paraná356, no

354 Sendo o inverso também verdadeiro, por meio do art. 90 do CDC.355 Com pensamento idêntico: ABELHA, Marcelo. Ação Civil Pública..., op. cit., p. 210: “Ora, vê-se

que, muito embora o art. 6º, VIII não esteja no título III, é fora de dúvidas que todos os dispositivos ali presentes contêm regras de direito processual civil, e que o art. 117 (art. 21 da LACP) manda aplicar a qualquer direito difuso (tutela do meio ambiente) tais dispositivos, deixando nítida a intenção de que fosse criado um plexo jurídico de normas processuais civis coletivas para ser imediatamente aplicado aos direitos coletivos lato sensu. [...] sendo o art. 6º, VIII, uma norma de direito processual civil, é ilógico que não se entenda como contida esta regra de inversão do ônus da prova na determinação do art. 21 da LACP.”

356 “AGRAVO DE INSTRUMENTO AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DO MEIO AMBIENTE E DA SAÚDE HUMANA. PEDIDO DE LIMINAR QUE OBJETIVA A INTERDIÇÃO DA ÁREA ONDE HOUVE O CULTIVO DE SOJA TRANSGÊNICA (SAFRA 2001/2002) E PROIBIÇÃO DE QUALQUER CULTIVO ATÉ QUE SE ATESTE A AUSÊNCIA DE CONTAMINAÇÃO DO SOLO E ÁGUAS SUBTERRÂNEAS. JUIZ DE PRIMEIRO GRAU QUE INDEFERE A LIMINAR E A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR [...] De início, mister se faz o esclarecimento de que, quanto à relação do Código de Defesa do Consumidor e as ações coletivas, surge uma compreensão de que a tutela do CDC não poderia mais ficar circunscrita aos direitos subjetivos. Para além dos direitos dos sujeitos, haveria interesses jurídicos mais amplos, coletivos, razão pela qual tanto a constituição do direito como sua tutela é feita individualmente ou coletivamente. [...] Logo, possível a inversão do ônus da prova na ação civil pública com base no Código de defesa do Consumidor” (TAPR, Processo: 275.271-8,

108

Tribunal de Justiça do Paraná357 e no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul358,

entretanto, a matéria não é pacífica, e ainda existem decisões que negam a

aplicabilidade da inversão a Ações Civis Públicas que não tratem de interesses

consumeristas359.

Agravo de Instrumento, Órgão Julg.: 1ª Câmara Cível, Relator: Juiz Rudimar Cezar Coan, v.u., p. 25.02.2005.

357 “O instituto da inversão do ônus da prova, independentemente do título em que está disposto no Código de Defesa do Consumidor, pode ser aplicado nas ações civis públicas, desde que as circunstâncias fáticas assim o autorizem” (TJPR, Processo: 334622-7/01, Agravo Regimental Cível, Órgão Julg.: 5ª Câmara Cível, Relator: Desembargador Leonel Cunha, v.u., p. 22.05.2006). No mesmo sentido as decisões, proferidas nos processos: 0162173-6, 0334622-7 e 0334578-4, todas disponíveis em www.tj.pr.gov.br.

358 Este o tribunal com mais farta jurisprudência a respeito, destacando-se as decisões: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. POSSIBILIDADE EM RELAÇÕES JURÍDICAS VINCULADAS A INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS OU INDIVIDUAIS E REFERENTES A DANOSIDADES AMBIENTAIS. [...] A inversão do ônus da prova é mecanismo que não só pode como deve ser utilizado pelo juiz não só em face de disposições infraconstitucionais, mas também as disposições constitucionais em relevo, devendo ser consideradas a natureza do direito protegido e eventualmente violado e as conseqüências disso caso não comprovado este e o respectivo dano – jurídico e social – conseqüente, mormente em se tratando de dano ambiental.” (TJRS, Processo n. 70011770716, Agravo de Instrumento, Órgão Julg.: 1ª Câmara Cível, Relator: Des. Roberto Canibal, v.u., j. 09.11.2005; “AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DANO AMBIENTAL - DESTRUIÇÃO DE FLORESTA NATIVA CONSIDERADA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - ANTECIPAÇÃO DE TUTELA QUE SE IMPÕE PARA EVITAR O AUMENTO DO JÁ DETECTADO DANO AO MEIO AMBIENTE - INVERSAO DO ÔNUS DA PROVA APLICÁVEL TAMBÉM NO ÂMBITO DE PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE” (TJRS, Processo n. 70012393203, Agravo de Instrumento, Órgão Julgador: 4ª Câmara Cível, Rel. Des. João Carlos Branco Cardoso, v.u., j. 11.01.2006) “AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DANO AMBIENTAL - DECISÃO AGRAVADA QUE ATENDEU AO DISPOSTO NO ART. 93, IX, DA CF/88 APONTANDO OS DISPOSITIVOS LEGAIS QUE A EMBASARAM - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA APLICÁVEL TAMBÉM NO ÂMBITO DA PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE” (TJRS, Processo n. 70015025562, Agravo de Instrumento, Órgão Julg.: 4ª Câmara Cível, Rel. Des. João Carlos Branco Cardoso, v.u., j. 19.07.2006); Ainda no mesmo sentido os Processos 70011843224 e 70011512522, todos disponíveis em www.tj.rs.gov.br

359 Ilustrativa a posição assumida, por maioria de votos, pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul no seguinte julgado: “EMENTA – AGRAVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL COM OBRIGAÇÃO DE FAZER E NÃO FAZER C⁄C INDENIZAÇÃO POR DANOS AO MEIO AMBIENTE [...] A prova em ação civil pública obedece a lei específica e, assim, prova técnica oficial não necessita de inversão de ônus.” (TJMS, Processo: 2005.006849-2⁄0000-00, Agravo de Instrumento, Órgão Julg.: Segunda Turma Cível, Rel. Des. Luiz Carlos Santini, v.m. j. 23.8.2005). O voto vencido neste julgado discordou do relator apenas quanto a inversão: “Divirjo do Relator quanto à inversão do ônus da prova, decretada pelo Juízo da causa. Isso porque a ação civil pública ambiental é o instrumento jurídico hábil a amparar interesses da comunidade, cujo exercício foi estimulado pelo legislador ao liberar todas as entidades legitimadas do pagamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas processuais, que serão suportadas pelo vencido. [...] Posto isso, dou parcial provimento ao agravo, mantendo a inversão do ônus da prova”.

109

Na doutrina, após a análise de diversos autores verificou-se que, em

geral, o posicionamento dominante é favorável a aplicação da inversão às

demandas ambientais360, sob uma série de fundamentos que se passa a explorar.

Argumentam os autores que a técnica de distribuição do ônus da

prova prevista no Código de Processo Civil não foi concebida, nem é adequada,

para a tutela de direitos transindividuais, podendo redundar em um ônus diabólico

da prova capaz de inviabilizar a realização destes direitos361.

CELSO ANTÔNIO PACHECO FIORILLO362 lembra que oferecer

tratamento isonômico, importa em reconhecer a igualdade jurídica daqueles que,

sob o ponto de vista econômico/social/cultural são de fato iguais e a desigualdade

jurídica entre aqueles que sob o ponto de vista econômico/social/cultural são de fato

desiguais.

Com esta premissa, e levando em conta o tratamento diferenciado

que a Constituição Federal oferece ao bem ambiental, justifica a transferência, em

regra, do ônus probatório ao poluidor, numa aplicação do art. 6º, VIII do Código de

360 Neste sentido: FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Princípios do Processo..., op. cit., p. 98; ALONSO JÚNIOR, Hamilton. A Valoração Probatória do Inquérito Civil e suas Conseqüências Processuais. MILARÉ, Édis (Coord.). Ação Civil Pública. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 302; SILVEIRA, Clóvis Eduardo Malinverni da, op. cit., p. 31; ABELHA, Marcelo. A Prova nas demandas..., op. cit., p. 179-182; CAPPELLI, Sílvia, op. cit., p. 189-190; MARINONI, Luiz Guilherme. Reexame da prova diante dos recursos especial e extraordinário. Revista de Processo, ano 30, dez. 2005, p. 20-38, n. 130, p. 27; CAMBI, Eduardo Augusto Salomão. A prova civil..., op. cit., p. 422-423.

361 Neste sentido, CAMBI, Eduardo Augusto Salomão. A prova civil..., op. cit., p. 422-423; com posicionamento semelhante, afirmando que a técnica da inversão do ônus da prova constituiria verdadeiro “princípio processual”, com aplicação imediata à Ação Civil Pública por força do art. 21 da LACP (MARTINS, Plínio Lacerda. A inversão do ônus da prova na ação civil pública proposta pelo ministério público em defesa dos consumidores. Revista de Direito do Consumidor, v. 31, jul./set. 1999, p. 70-79, p. 75.

362 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco, op. cit. p. 66-67 e 98. No mesmo sentido, ALEXANDRIDIS, Georgios José Ilias Bernabé. Questionamentos sobre a Prova no Processo Coletivo. Revista de Direitos Difusos, v. 36 mar./abr. 2006, p. 55-70, p. 57 “deve-se romper com o tradicionalismo do processo clássico, para evitar cair num formalismo que se traduza em injustiça diante da amplitude da tutela almejada no processo coletivo, de forma que o tratamento dado às partes deverá refletir em uma isonomia real de condições, bem como evidenciar um papel diferenciado do magistrado na condução da demanda”.

110

Defesa do Consumidor, de modo a ‘‘‘equilibrar’ a relação poluidor/pessoa humana”363

.

Nesta mesma linha, há autores que se valem de características e

princípios oriundos do direito material, orientadores da tutela do interesse ambiental,

como justificativas para reflexos processuais como a inversão do ônus da prova de

forma subsidiária ou analógica. HAMILTON ALONSO JÚNIOR, por exemplo,

valendo-se da lição de EDIS MILARÉ364, sustenta que o aforisma in dúbio pro

ambiente justificaria a inversão do ônus da prova em demandas ambientais.365

MARCELO ABELHA366 destaca que a hipossuficiência não se

restringe ao aspecto econômico, pelo contrário, em tratando-se de demanda

ambiental a hipossuficiência se revelará, na maioria das circunstâncias no controle

das informações e no aspecto técnico-científico da produção da prova367 e, servindo-

se do princípio da precaução, aponta que em caso de dúvidas acerca de uma

possível lesão a interesse ambiental deve-se sempre assumir o pior e escolher o

caminho mais favorável ao ambiente, dada sua essencialidade para a vida humana

com qualidade.

LUIZ GUILHERME MARINONI368, analisando a inversão do ônus da

prova, destaca, ainda que “embora tais possibilidades tenham sido estabelecidas no

CDC, são aplicáveis a todas as situações de direito material que tenham as mesmas

363 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco, op. cit., p. 67.364 Que destaca que a primazia e indisponibilidade do interesse público, subjacentes à tutela do

ambiente, exigem que, na dúvida sobre a norma que deva ser aplicada, deva prevalecer aquela que privilegie os interesses da sociedade, in dúbio pro ambiente. MILARÉ, Edis, op. cit., p. 160.

365 ALONSO JÚNIOR, Hamilton, op. cit., p. 303. o Autor conclui que este aforisma serve para justificar a inversão do ônus da prova e o acolhimento do pedido de tutela ambiental, mesmo sem a prova convincente do nexo de causalidade e da atividade danosa do réu.

366 ABELHA, Marcelo. Ação Civil Pública..., op. cit., p. 207-210367 O que o autor chama de hipossuficiência científica.368 MARINONI, Luiz Guilherme. Reexame da prova..., op. cit., p. 27.

111

peculiaridades do direito do consumidor”, o que, claramente, é válido para o direito

ambiental.

Conclui-se, portanto, pela possibilidade de aplicação da inversão do

ônus da prova à Ação Civil Pública em defesa do Meio Ambiente, primeiro pelo

alcance que se atribui à interação entre as normas processuais contidas na LAPC e

no CDC e, além disso, pelas características e princípios que alicerçam o direito

ambiental de modo a permitir uma aplicação subsidiária do instituto.

3.4 Requisitos da Inversão do Ônus da Prova - Verossimilhança da Alegação ou Hipossuficiência

Estabelecida premissa de que a inversão do ônus da prova prevista

pelo Código de Defesa do Consumidor pode ser aplicada também às demandas

coletivas, em especial àquelas que buscam a tutela de interesses ambientais, resta

analisar os requisitos específicos para a sua concessão.

O Código de Defesa do Consumidor estabelece como requisitos

para uma inversão do ônus da prova a existência de verossimilhança da alegação

ou hipossuficiência do demandante (art. 6º, VIII do CDC). Assim, quando o

magistrado verificar que os fatos alegados forem verossímeis ou encontre-se o

demandante em posição de hipossuficiência perante o demandado, o ônus da prova

deverá ser transferido ao réu, que terá que provar que a alegação não é

verdadeira369.369 Neste sentido, os tribunais têm se manifestado: PROVA – ÔNUS – INVERSÃO – CABIMENTO –

[...] EXISTÊNCIA DE VERSOSSIMILHANÇA NAS ALEGAÇÕES DO AUTOR [...] INAPLICABILIDADE DO ART. 333, I, DO CPC, EM FACE DA PREVALÊNCIA DO ART. 6º, VIII, DO CDC, POR SER NORMA ESPECÍFICA. [...] Como bem salientou o meritíssimo juiz a quo “no caso vertente, aplica-se a regra da inversão do ônus da prova, visto que há verossimilhança nas alegações do autor [...] (TJSP, 9ª C. Civil, AC n. 240.757-2 j. em 22.09.94, rel. dês. Debatin Cardoso, v.u. JTJ-Lex 167/147-149). AGRAVO REGIMENTAL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – ART. 557, § 1º, DO CPC – AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – CABIMENTO – ART. 6º DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR –

112

Aspecto ainda controverso na doutrina é o referente à partícula “ou”

existente no inc. VIII do art. 6º do CDC. Discute-se a necessidade de estarem

presentes, ao mesmo tempo, a verossimilhança e a hipossuficiência do autor para

que fosse autorizada a concessão da inversão do ônus da prova.

Alguns autores370 entendem que a alegação sempre deverá ser

verossímil, caso contrário aceitar-se-ia de um demandante hipossuficiente qualquer

aberração alegada, mesmo que sem um mínimo de racionalidade, apenas em

decorrência de sua vulnerabilidade; de outro lado, não se autorizaria a inversão para

o autor que não é hipossuficiente, pois neste caso não existiria fraqueza técnica ou

econômica que justificasse a medida. Assim, entendem que a concessão da

inversão somente seria possível diante de uma presença conjunta dos requisitos

enumerados no inc. VIII do art. 6º do CDC.

Tratando especificamente da demanda ambiental, CLÓVIS

EDUARDO MALINVERNI DA SILVEIRA371 afirma que, neste tipo de lide, sempre

haverá hipossuficiência372, em maior ou menor grau, para o demandante, mesmo

RECURSO IMPROVIDO – Presentes os requisitos para a inversão do ônus da prova, quais sejam, a hipossuficiência do consumidor e a verossimilhança da alegação, esta consubstanciada na devolução indevida de cheques, impõe-se a inversão do ônus da prova, nos termos do art. 6º, do CDC. (TJMS – AgRg 68.877-1/01 – Bataiporã – 3ª T.Cív. – Rel. Des. Claudionor Miguel Abss Duarte – J. 13.10.1999). 17015220 – RESPONSABILIDADE CIVIL DE ADMINISTRADOR – CARTÃO DE CRÉDITO – COBRANÇA DE DESPESAS – APONTE DO NOME COMO DEVEDOR INADIMPLENTE – SERVIÇO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO (SPC) – CADASTRO DE INFORMAÇÕES BANCÁRIAS – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO – DANO MORAL – Civil. Processual. Ação de reparação de danos morais por cobrança de despesa, por Administradora de cartão de crédito, refutada, com a inclusão do nome de Autor no SPC e no SERASA. Sentença que a condenou com base na inversão do ônus da prova. Critério, porém, que, deixado à prudente discrição do Juiz (art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor), pressupõe um mínimo de elementos de convicção, a justificarem a verossimilhança das alegações.[...]. (TJRJ – AC 10.478/1999 – (Ac. 22101999) – 7ª C.Cív. – Rel. Des. Luiz Roldão F. Gomes – J. 16.09.1999).

370 Nesse sentido, GIDI, Antônio, Aspectos da inversão..., op. cit., p. 34.371 SILVEIRA, Clóvis Eduardo Malinverni da, op. cit., p. 38-39.372 Posicionamento que aqui se considera exagerado vez que, mesmo que se admita uma

conceituação mais ampla de “hipossuficiência”, não a restringindo ao aspecto econômico, certamente é possível a existência de situações em que o causador do dano ambiental possua recursos técnicos e econômicos equiparados ou mesmo inferiores aos do autor da demanda ambiental. Mais certo, talvez, fosse afirmar que o caráter constitucional de “bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida” conferido ao bem ambiental pela Constituição Federal de 88 fosse capaz de “suprir” a necessidade da hipossuficiência para a modificação do ônus da prova, o que já ocorre, em parte, com a existência da responsabilidade objetiva para o causador do dano

113

que este seja o representante do Ministério Público. Em função disso, o magistrado

deveria exigir um grau de verossimilhança das alegações do autor inversamente

proporcional a esta hipossuficiência – quanto mais frágil o representante do

interesse ambiental, menor o grau de probabilidade a ser exigido de suas alegações.

Em que pesem estes posicionamentos, entende-se que o mais

acertado, em especial no que se refere aos interesses ambientais é interpretar a

partícula “ou” em seu sentido literal, de alternatividade373. Estando presente a

verossimilhança ou a hipossuficiência do autor de demanda ambiental deve o

magistrado inverter o ônus probante.

Neste sentido, EDUARDO CAMBI374-375 destaca:

Atente-se que a conjunção ou designa alternatividade; logo, não expressa adição, mas opção entre duas coisas independentes e autônomas. O intuito de facilitar a defesa dos direitos transindividuais em juízo torna evidente essa exegese mais benéfica, bastando a presença de um dos dois requisitos.

É preciso destacar, entretanto, que a possibilidade de concessão da

inversão fundada exclusivamente na hipossuficiência do autor não deve ser utilizada

para a implementação de abusos como a imposição de prova impossível sobre fato

altamente improvável ao demandado.

ambiental. Vale ressaltar, entretanto, que, como se abordará em tópico posterior, é preciso cuidado para não se “universalizar” a aplicação de uma inversão do ônus da prova sem critério, sob pena de causar-se grave injustiça em situações onde demandados, como pequenos agricultores, porventura possuam recursos para produção probatória escassos em comparação ao demandante e, ainda, padeçam de verossimilhança as alegações do autor.

373 Defende-se que a partícula alternativa teve o condão de expressar a precisa vontade da lei, no sentido de permitir a concessão da medida na ocorrência isolada de verossimilhança ou hipossuficiência do demandante.

374 CAMBI, Eduardo Augusto Salomão. Inversão do ônus..., op. cit., p. 103. 375 No mesmo sentido: NERY JUNIOR, Nelson Nery e NERY, Rosa Maria de Andrade, op. cit., p

1.354: “A inversão pode ocorrer em duas situações distintas: a) quando o consumidor for hipossuficiente; b) quando for verossímil sua alegação. As hipóteses são alternativas, como claramente indica a conjunção ou expressa na norma ora comentada.”, e GRINOVER, Ada Pellegrini, et al, op. cit., p. 494.

114

A inversão do ônus da prova não deve ser vista como um

compartimento estanque, isolada de outros aspectos da atividade cognitiva no

processo. Quando aqui se levanta a possibilidade de inversão fundada em

hipossuficiência, sem verossimilhança, parte-se de duas premissas: a primeira é a

de que a produção da prova será, relativamente, mais fácil ao demandado do que ao

autor hipossuficiente, a segunda, é a de que o fato alegado, não obstante não goze

de verossimilhança – que, destaque-se, implica em alto grau de probabilidade, como

se abordará na seqüência – é, ao menos, possível e razoável diante do contexto

trazido a juízo376.

Ultrapassada a discussão quanto à necessidade de presença

simultânea dos requisitos de verossimilhança e hipossuficiência377, é interessante

que se passe a uma análise individual de seu conteúdo.

No que se refere à verossimilhança entende-se aquilo que é

provável diante de uma realidade fática. Não se trata de uma prova definitiva e sim

da chamada prova de primeira aparência decorrente das regras de experiência

comum378, permitindo um juízo de probabilidade379. “Alegação verossímil é aquela

376 Neste sentido a lição de MOREIRA, Carlos Alberto Barbosa, op. cit., p. 301-309, que se vale, como exemplo de situação despida de qualquer plausibilidade e/ou razoabilidade da situação de um indigente vir a juízo, pela via da justiça gratuita, pleitear farta indenização de um shopping center pelo furto de seu automóvel e de todos os presentes de natal que nele se encontravam, sem sequer demonstrar a existência e propriedade de referido veículo. Com igual posicionamento: CARVALHO FILHO, Milton Paulo de, op. cit., p. 66, que afirma: “Não se pode transferir para o fornecedor a demonstração de fatos que também não são possíveis para ele ou dos quais ele não tenha facilidade em produzir.”, ainda, GIDI, Antônio. Aspectos da inversão..., op. cit., p. 36: “Não é suficiente, todavia, que o consumidor seja hipossuficiente e suas alegações sejam verossímeis para que a inversão se legitime. A prova há que ser possível, em tese, para o fornecedor.”

377 E estabelecida a posição deste trabalho no sentido de ser possível a inversão com apenas um dos requisitos presente.

378 A verossimilhança deve ser envolvida pela "praesumptio hominis". Esta é alcançada pelas experiências anteriores de vida que vão se acumulando e formando um conjunto de conclusões previsíveis para determinadas situações quotidianas.

379 No que se refere a este juízo de probabilidade cabe um distinção entre a verossimilhança, que envolveria um alto grau de probabilidade, ao ponto de determinada circunstância ser provável, do fumus boni juris aplicado às cautelares, onde é suficiente a existência de simples possibilidade, mesmo que remota. Neste sentido THEODORO JÚNIOR, Humberto, op. cit., p. 475 e CARVALHO FILHO, Milton Paulo de, op. cit., p. 68.

115

que, mesmo não sendo apoiada em elementos probatórios, tem a aparência de ser

verdadeira”380.

O juízo de verossimilhança deve sempre ser sustentado numa

análise de probabilidade, resultando em uma abordagem dos fatos convergentes e

divergentes da relação jurídica. Em verdade, a verossimilhança somente se

configurará quando houver “uma probabilidade muito grande” de que sejam

verdadeiras as alegações do litigante381.

Assim, o que ocorre não é a busca de uma verdade absoluta e sim

de fortes indicativos que levem a conclusão de uma alta probabilidade de

determinada afirmação de fato corresponder à verdade382-383. Mesmo porque um fato

somente poderá ser admitido em definitivo como verdadeiro após ser reconhecido

pelo trânsito em julgado da decisão que o reconheceu 384.

380 CAMBI, Eduardo Augusto Salomão. Inversão do ônus..., op. cit., p. 103.381 ALVIM, José Eduardo Carreira. CPC Reformado. Belo Horizonte: Del Rey, 1995, p. 145. No

mesmo sentido DINAMARCO, Cândido Rangel. A Reforma do Código de Processo Civil, 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 143.

382 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da, op. cit., p. 71, coloca com propriedade que a própria sociedade clama pelo tratamento das lides com base “na aparência e na plausibilidade do direito obtidas com provas sumárias (prima facie)” e segue ao ponto de elevar a verossimilhança à categoria de princípio processual, a orientar a atividade do magistrado quando afirma: “O princípio da verossimilhança domina literalmente a ação judicial. É com base nele que o juiz profere a decisão de recebimento da petição inicial, dando curso à ação civil, assim como, igualmente, baseado em critério de simples verossimilhança, emite todas as decisões interlocutórias e, eventualmente – nos casos em que o direito o permite – profere sentenças liminares, provendo provisoriamente sobre o meritum causae, como nos interditos possessórios” (op. cit., p. 70).

383 Apresentar cunho altamente plausível não quer dizer, que seja exatamente a verdade real, visto que a verossimilhança é baseada nas afirmações da parte de conformidade com as regras impostas pela experiência; é perfeitamente possível que, em momento posterior, verifique-se que, embora verossímel, a alegação anterior não era verdadeira. A verossimilhança deve ser entendida como um juízo aparente da verdade, e não como uma verdade formal.

384 Neste pormenor, vale destacar a existência de posicionamentos que negam por completo a possibilidade de alcançar-se a verdade real no processo. Assim, todos os julgamentos se fundamentariam apenas em maiores ou menores graus de verossimilhança. Neste sentido, DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições..., op. cit., p. 115: “Todo o direito – e essencialmente o processual – opera em torno de certezas, probabilidades e riscos, sendo que as próprias ‘certezas’ não passam de probabilidades muito qualificadas e jamais são absolutas por que o espírito humano não é capaz de captar com fidelidade e segurança todos os aspectos das realidades que o circundam.” E BEDAQUE, José Roberto do Santos. Poderes instrutórios..., op. cit., p. 14: “Não pode o julgador, é óbvio, transformar a verdade no fim do processo e só decidir quando se sentir convicto de havê-la encontrado. Mesmo porque outro é o escopo a ser alcançado mediante a atividade jurisdicional, qual seja, a aplicação do direito ao caso concreto, com a conseqüente eliminação das controvérsias e a pacificação social. Além do mais, verdade e certeza são conceitos absolutos, dificilmente atingíveis”.

116

Quanto à hipossuficiência os dicionaristas traduzem este termo

como determinante de pessoa economicamente fraca, que não é auto-suficiente.

O Código de Defesa do Consumidor, entretanto, pretendeu estender

este significado para limites mais amplos e relativos, primeiro por que não se

restringiu ao aspecto econômico385 e, além disso, procurou estabelecer a idéia de

hipossuficiência do demandante sempre em contraste com a capacidade do

demandado386.

O demandante se apresentará como hipossuficiente na medida em

que seja econômica ou tecnicamente387 inferior ao demandado, necessitando de

uma vantagem processual a fim de equilibrar a vantagem fática possuída por este388.

385 SILVEIRA, Clóvis Eduardo Malinverni da, op. cit., p. 37 aponta a existência, dentre outras, além da hipossuficiência econômica, de hipossuficiência informativa – relacionada ao acesso às informações necessárias para a comprovação do nexo de causalidade que permitiria responsabilizar o poluidor, como a composição química de produtos utilizados industrialmente ou o destino dado a excedentes (lixo) por empresas e quais os procedimentos de segurança na sua manipulação; e hipossuficiência técnica, referente à manipulação dos dados de modo a dele obter um significado que possa ser traduzido em provas. O ponto central é que não é apenas no aspecto econômico que o demandante pode se encontrar em posição de flagrante desvantagem em relação ao demandado.

386 Vale destacar, num confronto direto com o demandado, e reconhecida a existência de critérios outros que não o econômico, a doutrina tem estabelecido que até mesmo o Estado pode ser visto como parte hipossuficiente em determinadas situações. Neste sentido, CAMBI, Eduardo Augusto Salomão. Inversão do ônus..., op. cit., p. 104: “A hipossuficiência, em tese, pode atingir qualquer dos legitimados na ação civil pública, inclusive o próprio estado.”. No mesmo sentido SILVEIRA, Clóvis Eduardo Malinverni da, op. cit., p. 37, reconhecendo até mesmo a possibilidade de hipossuficiência econômica do Ministério Público, “que não poderia comprometer seu orçamento institucional com o custeio de dispendiosas perícias”. Entende-se que, em tese, e em situações excepcionais, em especial no que se refere a pontos controvertidos que envolvam acesso e controle de informações os agentes do Estado, como o órgão do Ministério Público poderiam ser vistos como hipossuficientes.

387 O controle que o demandado costuma manter sobre o acesso à informação e às ferramentas técnicas apropriadas a sua manipulação tem sido utilizado como justificativa para reconhecer a hipossuficiência do demandante e autorizar a inversão do ônus probatório. Neste sentido: PROVA. ÔNUS. INVERSÃO. POSSIBILIDADE. INDÚSTRIA DE TABACO, RELAÇÃO ENTRE CIGARRO E DEPENDÊNCIA. DIFICULDADE DA PROVA DO ALEGADO. HIPOSSUFICIÊNCIA DO AUTOR. [...] Ementa: “O fornecedor está em melhores condições de realizar a prova de fato ligado à sua atividade” (TJSP, 4 Cam. de Direito Privado, Ai n. 24/820-5/6, j. em 14.11.96, rel. dês. Jacobina Rabello, v.u. JTJ-Lex 184/237-240 e RDC 22/193-195).

388 Vale ressaltar que, além do controle da informação, da perícia técnica e da maior capacidade econômica, alguns poluidores costumam contar, também, com um profundo conhecimento técnico-jurídico de seu nicho de mercado, e das ferramentas processuais e contratuais adequadas à defesa de seus interesses, configurando-se como “litigantes habituais”.

117

A hipossuficiência de que trata o art. 6º, inc. VIII, portanto, refere-se

não somente à capacidade econômica, podendo abranger qualquer aspecto

relevante à instrução da causa em que se verifique grave descompasso entre a

capacidade do demandante e do demandado na produção da prova, inclusive no

que se refere ao acesso, controle e manipulação das informações pertinentes.

3.5 Inversão Ope Legis e Ope Judicis

Antes de se afirmar a inversão do ônus da prova prevista no art. 6º,

inc. VIII do CDC opera ope legis ou ope judicis é preciso determinar-se claramente o

critério a ser adotado para esta afirmação.

Há quem sustente389 que a inversão prevista no art. 6.º, inc. VIII do

CDC seria ope legis, em virtude da ausência de real discricionariedade do

magistrado na aferição dos requisitos para a concessão da medida. Presentes os

requisitos, o juiz deve inverter o ônus probatório; ausentes, não pode fazê-lo.

A maioria dos autores390, entretanto, diferencia inversão ope legis de

ope judicis verificando se a inversão se opera automaticamente, por expressa

determinação legal – como ocorre no caso do art. 38 do Código de Defesa do

389 Neste sentido: ANDRADE, André Gustavo C. de. A inversão do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor – O Momento em que se Opera a Inversão e Outras Questões. Revista Forense, v. 371, jan./fev. 2004, p. 33-41, p. 39: “A despeito do que parece indicar, o texto do art. 6º, VIII, do CDC não está a conferir ao juízo um poder discricionário, de inverter ou não o ônus da prova. A inversão do ônus da prova é produzida ope legis, ou seja, decorre da própria lei, uma vez presentes os requisitos estabelecidos em lei, os quais são apenas reconhecidos no caso concreto pelo juízo”; no mesmo sentido GIDI, Antônio, Aspectos da inversão..., op. cit., p. 36.

390 Neste sentido: MOREIRA, Carlos Roberto Barbosa. Notas sobre a inversão do ônus da prova em benefício do consumidor. Revista de Processo, v. 86 abr./jun. 1997, p. 295-309, p. 299; SANSONE, Priscila David. A inversão do ônus da prova na responsabilidade civil. Revista de Direito do Consumidor, v. 40, ano 10, out./dez. 2001, p. 129-169, p. 150; CARVALHO FILHO, Milto Paulo de, op. cit., p. 64. Na jurisprudência: STJ, REsp. 171.988-RS, 3ª T., Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJU, 28.06.1999, JTJ 232/214; TJSP AgIn 113.590-4 3ª Cam. De Direito Privado, rel. des. Flávio Pinheiro, j. 25.05.1999, v.u.

118

Consumidor391, ou se esta dependeria de pronunciamento do juiz, critério este aqui

adotado.

Neste contexto, a inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, inc.

VIII do CDC não atua ope legis392, mas, sim, ope judicis, pois apenas terá incidência

no caso concreto quando assim determinado pelo magistrado.

O Fato de o magistrado analisar o caso e concluir ser ou não cabível

a inversão é que constitui uma novidade frente aos moldes tradicionais de direito

processual. Tem-se aqui uma ampliação dos poderes do magistrado, levando-se

menos em conta, se não substituindo, o tradicional princípio dispositivo, que o deixa

dependente da iniciativa das partes e que, ao invés de garantir sua imparcialidade

diante do litígio, “garante” sua imobilidade para agir mesmo em caso de visível

prejuízo de uma das partes, advindo da desigualdade desses litigantes393.

As inversões diretamente decorrentes da lei não constituem

novidade, pois outra coisa não ocorre nos tantos casos de presunção iuris tantum.

Na inversão ope judicis – por meio de um ato do magistrado – será a

partir da análise de cada caso concreto, de acordo com suas especificações, que o

julgador verificará se inverte ou não o ônus, cabendo ao juiz decidir se estão

presentes os requisitos legais para que se proceda esta inversão.

Essa decisão, que poderá ser uma das mais importantes do

processo394, fica entregue à análise do magistrado, pois os marcos referenciais que o

391 Art. 38. O Ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina.

392 Como ocorre na distribuição do ônus da prova previsto pelo CPC 333.393 Mas sem chegar, ainda, a uma distribuição dinâmica da carga da prova, que ocorreria em todos os

processos independentemente da presença de requisitos de admissibilidade.394 Vez que pode, em mais de um caso, determinar o rumo da sentença de mérito, eis que influencia

na produção das provas que a embasarão.

119

texto normativo oferece pouco ou nada têm de objetivos para que se possa

estabelecer parâmetros concretos e precisos.

Vale ressalvar, entretanto, a liberdade do magistrado existe apenas

na verificação de existência dos requisitos para a inversão no caso concreto.

Concluindo por sua existência, deverá o magistrado inverter o ônus probatório.

O Código de Defesa do Consumidor incluiu a inversão do ônus da

prova entre os direitos fundamentais do consumidor, mas isto não tira a

característica processual desta técnica, o que permite seja ela estendida às

demandas envolvendo interesses metaindividuais – e em especial ambientais395. E,

em virtude do caráter indisponível destes interesses, uma vez constatados pelo

magistrado os pré-requisitos da inversão, o juiz deverá conceder a medida, por

requisição da parte ou mesmo, se necessário, ex officio.

3.6 Limitações à Inversão do Ônus da Prova

Como apontado em tópico anterior, estando a relação jurídica

submetida às normas do Código do Consumidor, caberá ao juiz apreciar a presença

dos requisitos para a inversão do ônus da prova e, estando presentes, decretá-la.

Importa destacar, a inversão prevista no art. 6º, inc. VIII do CDC não

deve ser aplicada de forma objetiva, em todos os casos, uma vez que as regras

processuais objetivas, presunções ou restrições de direito, de acordo com o

ordenamento jurídico pátrio, sempre devem estar dispostas de maneira expressa, o

que não é o caso do art. 6º, inciso VIII.

395 Como já abordado em tópico anterior.

120

Em especial quando se discute a possibilidade de inversão em

ações coletivas, como é o caso da Ação Civil Pública, por vezes será possível

encontrar-se o réu, demandado, em posição de hipossuficiência diante do autor, e

não o contrário.

Em situações assim, onde não estejam presentes os requisitos

justificadores da inversão do ônus da prova, o juiz deverá manter o ônus probatório

previsto no Código de Processo Civil.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, não obstante mantenha

posicionamento fortemente favorável à inversão do ônus da prova em ações

coletivas reconhece esta realidade, e já decidiu:

DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LOTEAMENTO. DEFESA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO, CULTURAL, URBANÍSTICO E O MEIO AMBIENTE. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. IMPOSSIBILIDADE. 1. O pedido de inversão do ônus da prova embasado no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor não deve ser acolhido, uma vez que os loteadores são carentes, descaracterizando a hipossuficiência dos adquirentes dos lotes, substituídos pelo Ministério Público.396

Com efeito, a aplicação objetiva da regra de inversão do ônus da

prova pode levar à disparidades tão grandes quanto as que se visa evitar,

potencialmente ocasionando uma lesão a direito consagrado constitucionalmente

como garantia fundamental, o contraditório e a ampla defesa (art. 5º, LV, CF/88)397.

Como regra geral, a legislação processual, em especial o art. 333 do

Código de Processo Civil, encarrega o autor do ônus de provar os fatos constitutivos

do direito que alega.

396 (TJRS, processo 70013970884, Agravo de Instrumento, Órgão Julg.: 3ª Câmara Cível, Rel. Des. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, v.m., j. 06.04.2006).

397 Neste sentido o posicionamento de GRECO, Leonardo. As Provas no Processo Ambiental. Revista de Processo, ano 30, out-2005, n. 128, p. 40-58.

121

O objetivo desta atribuição é evitar a utilização indevida do processo

para obtenção de vantagem indevida, pois, se assim não fosse, bastaria ao autor

alegar falsamente um fato cuja inexistência não possa ser comprovada pela parte

contrária para obter um título judicial lícito, porém, sustentado em intenções ilícitas.

No caso do art. 6º, inciso VIII do Código de Proteção e Defesa do

Consumidor, o legislador partiu do pressuposto de que, cumpridos seus requisitos, o

fardo da prova deveria pesar sobre os ombros da parte contrária398.

Assim, o simples requerimento de inversão sem a presença de seus

requisitos não deve ser atendido, sob pena de desequilibrar-se indevidamente a

relação processual.

LONARDO GRECO aponta que o objetivo da inversão é o de

transferir a responsabilidade da prova ao sujeito processual melhor aparelhado para

sua produção. A utilização leviana do instituto sem se considerar seus requisitos

“pode representar a escolha ideológica do perdedor, o que compromete

irremediavelmente a imparcialidade do juiz”399.

É para evitar este tipo de situação que a lei exige requisitos

subjetivos para a inversão do ônus da prova, de modo a evitar, no caso concreto,

violação frontal à garantia fundamental do demandado disposta na Constituição

Federal de 1988.

398 Seja pela verossimilhança, ou pela hipossuficiência que colocaria o demandado em melhores condições de produzir provas sobre determinados fatos, em especial aqueles ligados à sua atividade. Com este posicionamento a seguinte decisão: “PROVA. ÔNUS. INVERSÃO. POSSIBILIDADE. INDÚSTRIA DE TABACO, RELAÇÃO ENTRE CIGARRO E DEPENDÊNCIA. DIFICULDADE DA PROVA DO ALEGADO. HIPOSSUFICIÊNCIA DO AUTOR. [...] O fornecedor está em melhores condições de realizar a prova de fato ligado à sua atividade” TJSP, 4 Cam. de Direito Privado, Ai n. 24/820-5/6, j. em 14.11.96, rel. dês. Jacobina Rabello, v.u. JTJ-Lex 184/237-240 e RDC 22/193-195.

399 GRECO, Leonardo. As provas no Processo Ambiental..., op. cit., p. 48.

122

Ainda quanto aos limites à inversão do ônus da prova é preciso

destacar-se que a inversão deverá como regra, se referir a fatos específicos, e não a

quaisquer fatos que ao autor interesse demonstrar400. Se o reconhecimento judicial

de seu direito depender de uma pluralidade de fatos, uns extremamente verossímeis

ou cuja prova seja mais fácil à parte contrária em virtude da hipossuficiência do

autor, e outros, não, a inversão só poderá abranger aqueles que, por se

enquadrarem diretamente em seus requisitos justifiquem sua incidência.

3.6.1 Da inversão do ônus da Prova e as despesas com sua produção

Outro aspecto que se revela relevante quanto ao alcance da

inversão do ônus da prova é o relativo à responsabilidade quanto aos custos da

produção da prova. Seria possível transferir-se a responsabilidade pelo pagamento

das despesas para a realização de uma prova requerida exclusivamente pela parte

contrária?

400 Neste sentido CARVALHO FILHO, Milton Paulo de, op. cit., p. 66: “A inversão se refere a fato específico, e não a quaisquer fatos que ao consumidor interesse demonstrar. Somente aqueles fatos diretamente relacionados com a hipossuficiência do consumidor autorizam a inversão”. No mesmo sentido: MOREIRA, Carlos Roberto Barbosa, op. cit., p. 309 e ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 80.

123

Há posicionamento401 no sentido de que seria sim possível requerer-

se a inversão do ônus pelos custos da produção da prova, fazendo com que o réu

fosse obrigado a arcar com as despesas de perícia requerida pelo autor, por

exemplo.

Em se tratando de prova requerida exclusivamente por uma das

partes, entende-se que esta transferência de responsabilidade, feita de forma

isolada, não é devida. A inversão do ônus da prova, em verdade, deve transferir o

interesse na produção da prova. A partir do momento que a parte esteja ciente de

que, na falta de determinada evidência, haverá julgamento contrário a seus

interesses, irá requerer a produção das provas necessárias à sua comprovação e,

de conseqüência, arcará com o pagamento das despesas com sua produção.

Se, entretanto, a parte a quem passa a incumbir o ônus probatório,

não tem intenção de ver produzida a prova, ciente de que sua ausência pode

implicar em julgamento desfavorável, não pode ser obrigada a pagar para a

produção de provas requeridas exclusivamente por seu adversário. Este é o

401 Neste sentido, no Superior Tribunal de Justiça: “INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. Cartão de crédito. A inversão do ônus da prova em ação revisional ajuizada contra administradora de cartão de crédito autoriza o juiz a determinar à ré a antecipação dos honorários do perito, em perícia requerida pelo autor. Recurso conhecido e provido.” (STJ Processo REsp 436731 / RJ ; RECURSO ESPECIAL 2002/0064129-3 Relator(a) Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR (1102) Órgão Julgador T4 - QUARTA TURMA Data do Julgamento 26/11/2002 Data da Publicação/Fonte DJ 10.02.2003 p. 221 RSTJ vol. 175 p. 444); no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. (ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. DANO AMBIENTAL. ATERRO SANITÁRIO DA EXTREMA, BAIRRO LAMI, MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE. INQUÉRITO CIVIL. AÇÃO CAUTELAR DE VISTORIA “AD PERPETUAM REI MEMORIAM”. ASSOCIAÇÃO COMUNITÁRIA DA EXTREMA ADMITIDA COMO LITISCONSORTE. [...] INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA PARA IMPOR AOS REQUERIDOS OS CUSTOS DA PERÍCIA. PEDIDO CONSTANTE DA INICIAL. PREVISÃO LEGAL (ART. 6º, VIII, DA LEI N. 8078-1990 E ART. 18 DA LEI N. 7.347-1985). [...] é cabível a inversão do ônus da prova e a atribuição dos custos da perícia. [...]é cabível a inversão do ônus da prova, bem como a atribuição dos custos da perícia aos demandados, nos termos do pedido inicial e do que prescreve o ordenamento jurídico específico.”(TJRS, processo 70002338473, Embargos de Declaração, Órgão Julg.: 4ª Câmara Cível, Rel. Des. Wellington Pacheco Barros, v.u., j. 04.04.2001).

124

posicionamento dominante no Superior Tribunal de Justiça402 e que encontra

bastante reflexo na doutrina403.

O demandado, atingido pela inversão, teria, então, a opção de

produzir as provas que julgar necessárias, ou de arcar com as conseqüências de

sua omissão e sofrer os resultados de uma decisão fundada na ausência de

evidências que a ele competia produzir.

A questão se torna mais complexa quando a prova é requerida por

ambas as partes, ou determinada de ofício pelo juiz da causa, que a reputa

essencial. Nestas situações, a jurisprudência se divide, encontrando-se diversos

julgamentos favoráveis e contrários à inversão da responsabilidade pelos custos da

produção da prova404.402 “Consumidor. Recurso especial. Inversão do ônus da prova. Responsabilidade pelo custeio das

despesas decorrentes de sua produção. Precedentes. Prova pericial requerida apenas pelo consumidor. Ônus pelo adiantamento do pagamento dos honorários do perito. Art. 33 do CPC. - Conforme entendimento da 3.ª Turma, a inversão do ônus da prova não tem o efeito de obrigar a parte contrária a arcar com as custas da prova requerida pelo consumidor. No entanto, sofre as conseqüências processuais advindas de sua não produção. Se a prova pericial foi requerida apenas pelo autor, é apenas ele quem deve adiantar o pagamento dos honorários periciais, conforme determina o art. 33 do CPC, ainda que à demanda seja aplicável o Código de Defesa do Consumidor. Recurso especial conhecido e provido.” (STJ Processo REsp 661149 / SP ; RECURSO ESPECIAL 2004/0063487-0; Relator(a) Ministra NANCY ANDRIGHI (1118) Órgão Julgador T3 - TERCEIRA TURMA Data do Julgamento 17/08/2006 Data da Publicação/Fonte DJ 04.09.2006 p. 261). No mesmo sentido: STJ REsp 637608/SP ; RECURSO ESPECIAL 2004/0040369-9 Relator(a) Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO (1108) Órgão Julgador T3 - TERCEIRA TURMA Data do Julgamento 23/11/2005 Data da Publicação/Fonte DJ 10.04.2006 p. 174; STJ Processo REsp 583142/RS; RECURSO ESPECIAL 2003/0113241-9 Relator(a) Ministro CESAR ASFOR ROCHA (1098) Relator(a) p/ Acórdão Ministro FERNANDO GONÇALVES (1107) Órgão Julgador S2 - SEGUNDA SEÇÃO Data do Julgamento 09/11/2005 Data da Publicação/Fonte DJ 06.03.2006 p. 148 RDDP vol. 38 p. 131; STJ Processo REsp 639534/MT; RECURSO ESPECIAL 2004/0011957-1 Relator(a) Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO (1108) Órgão Julgador S2 - SEGUNDA SEÇÃO Data do Julgamento 09/11/2005 Data da Publicação/Fonte DJ 13.02.2006 p. 659; STJ Processo AgRg no Ag 634444/SP; AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 2004/0143178-9 Relator(a) Ministro BARROS MONTEIRO (1089) Órgão Julgador T4 - QUARTA TURMA Data do Julgamento 11/10/2005 Data da Publicação/Fonte DJ 12.12.2005, p. 391).

403 Neste sentido: ANDRADE, André Gustavo C. de., op. cit., p. 38: “Não há confundir a inversão do ônus da prova com a simples inversão do ônus financeiro, para impor ao fornecedor o pagamento das despesas relacionadas com a prova que somente o consumidor requereu ou que só a este interesse”; com mesmo posicionamento: CARVALHO, José Carlos Maldonado de, op. cit., p. 249-250.

404 No Tribunal de Justiça do Paraná, por exemplo, há julgados entendendo que, mesmo no caso de inversão do ônus da prova, o Autor deve arcar com a antecipação dos honorários do perito (TJPR – AI 83.886-6 – 4ª C.C. – Ac. 16685 – Rel. Des. Otávio Valeixo – j. 01.03.2000 – DJPR 27.03.2000; TJPR AI 108.471-3 – 1ª C.C. – Ac. 20923 – Rel. Des. Ulysses Lopes – J. 16.10.2001 – DJPR 17.12.2001; TJPR – AI 117.989-9 – 6ª C.C. – Ac. 8.693 – Rel. Des. Cordeiro Cleve – J. 27.03.2002

125

Concorda-se, aqui, com o posicionamento de EDUARDO CAMBI405

no sentido de que deve prevalecer a corrente jurisprudencial que entende que, com

a inversão do ônus da prova, inverte-se, também, o ônus do pagamento antecipado

das despesas com a produção de prova determinada de ofício pelo juízo ou

requerida por ambas as partes406, pois ela vem de encontro com a tentativa do

legislador de facilitar o exercício de defesa do autor hipossuficiente, bem como

reflete diretamente o interesse na produção da prova.

3.7 O Momento Apropriado para a Ocorrência da Inversão

Existe controvérsia na doutrina e na jurisprudência sobre o momento

mais apropriado para a inversão do ônus da prova. Podem-se encontrar três

– DJPR 22.04.2002), bem como julgados entendendo que, com a inversão do ônus da prova, inverte-se a responsabilidade pela antecipação dos honorários prevista no art. 33 do CPC (TJPR – AI 106.154-9 – 5ª C.C. – Ac. 7498 – Rel. Des. Ivan Bortoleto – J. 04.09.2001 – DJPR 24.09.2001; TJPR – AI 107.869-9 – 3ª C.C. – Ac 20.388 – Rel. Des. Ruy Fernando de Oliveira – J. 18.09.2001 – DJPR 01.10.2001; TJPR – AI 115.655-0 – 4ª C.C. Ac. 20.175 – Rel. Des. Dilmar Kessler – J. 27.03.2002 – DJPR 05.04.2002; TJPR – AI 117.616-1 – 4ª C.C. – Ac. 20.252 – Rel. Des. Wanderlei Resende – J. 03.04.2002 – DJPR 22.04.2002). Sobre esta questão, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu: “PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. EXTENSÃO. HONORÁRIOS PERICIAIS. PAGAMENTO. PERÍCIA DETERMINADA DE OFÍCIO. AUTOR BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA. [...] 2. Esta Corte já decidiu que a ‘regra probatória, quando a demanda versa sobre relação de consumo, é a da inversão do respectivo ônus. Daí não se segue que o réu esteja obrigado a antecipar os honorários do perito; efetivamente não está, mas, se não o fizer, presumir-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor’ (REsp n. 466.604/RJ, Relator o Ministro Ari Pargendler, DJ de 2/6/03). No mesmo sentido, o REsp n. 443.208/RJ, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, DJ de 17/3/03, destacou que a ‘inversão do ônus da prova não tem o efeito de obrigar a parte contrária a arcar com as custas da prova requerida pelo consumidor. No entanto, sofre as conseqüências processuais advindas de sua não produção’. Igualmente, assim se decidiu no REsp n. 579.944/RJ, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 17/12/04, no REsp n. 435.155/MG, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 10/3/03 e no REsp n. 402.399/RJ, Rel. o Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, DJ de 18/4/05. 3. No caso concreto, configurada a hipossuficiência do consumidor, inclusive com o reconhecimento do benefício de assistência judiciária gratuita em seu favor, e sendo imprescindível a produção de prova pericial para a solução da lide segundo o juízo que a designou, de ofício, não deve a parte autora arcar com as despesas de sua produção. 4. Recurso especial provido.” (STJ Processo REsp 843963 / RJ; RECURSO ESPECIAL 2006/0091163-8 Relator(a) Ministro JOSÉ DELGADO (1105) Órgão Julgador T1 - PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento 12/09/2006 Data da Publicação/Fonte DJ 16.10.2006 p. 323).

405 CAMBI, Eduardo Augusto Salomão. Divergência jurisprudencial: inversão do ônus da prova e o ônus de antecipar o pagamento dos honorários periciais, Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, ano IV, v. 23, maio/jun. 2003, p. 15-23, p. 22.

406 Especialmente quando se tratar de despesas que não possam ser afastadas pela concessão de justiça gratuita, como eventuais gastos com transporte e hospedagem com perito.

126

posicionamentos bastante distintos, defendendo momentos diferentes como os mais

adequados à inversão do ônus da prova: o despacho inicial, o saneamento do

processo, ou a sentença.

O primeiro entendimento se fixa no sentido de que a inversão do

ônus da prova representaria, exclusivamente, uma regra de julgamento para o

magistrado, e não uma regra de procedimento. Assim, a inversão deveria ser

anunciada apenas no momento da sentença e, ainda assim, apenas se permanecer

o non liquet sobre o direito407.

Para esta corrente, apenas após a instrução da causa e

permanecendo fatos não pertinentes e relevantes sem demonstração deve o

magistrado anunciar se irá operar-se ou não a inversão do ônus da prova em

benefício do consumidor, como fundamento para o dispositivo da sentença408-409.

Data vênia, discorda-se deste posicionamento, pois se entende que

as partes devem ter conhecimento prévio, anterior à fase instrutória, dos critérios a

serem adotados pelo juiz para a distribuição do ônus probatório410.

Entende-se, ainda, que as normas sobre ônus da prova não

constituem exclusivamente regras de julgamento, indicam também regras de

comportamento dirigidas aos litigantes411 que devem ter ciência prévia dos encargos

processuais dos quais lhes compete eximir-se.

407 Neste sentido, NERY JÚNIOR, Nelson. Aspectos do Processo Civil no Código de Defesa do Consumidor, Revista de Direito do Consumidor. v. 1. p. 200-221, p. 217-218; DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito..., op. cit., p. 81; MATOS, Cecília. O ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor, v. 11, p. 161-189, p. 167.

408 Controversos, pertinentes e relevantes, que não sejam notórios nem objeto de presunção legal, como visto no Capítulo I.

409 Neste sentido: “INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – REGRA DE JUÍZO – A regra do ônus da prova só tem pertinência como regra do juízo que é, aos casos em que, encerrada a instrução, fique ao julgador a dúvida intransponível acerca da existência de fato constitutivo ou liberatório.” TJSP-RT 706/67.

410 Sob pena de não terem a oportunidade de provar suas alegações no momento ideal, bem como, por conseqüência, serem, ao final, surpreendidos por um provimento favorável ao seu adversário.

411 Com igual posicionamento: MOREIRA, Carlos Alberto Barbosa, op. cit., p. 305.

127

Admitir que as partes somente tenham acesso aos critérios adotados

para a distribuição do ônus após a instrução da causa representaria um

cerceamento do direito de defesa, pois a parte já não poderá, na sistemática

processual vigente, produzir novas provas412-413-414.

Assim, aplicar e anunciar a inversão somente na fase decisória

constitui um verdadeiro atentado ao princípio da ampla defesa, pois, para os

litigantes, enquanto não se dispuser do contrário, cabe o ônus de produzir as provas

412 Salvo nos termos do art. 303 do Código de Processo Civil.413 Neste sentido: BUCK, Márcio Antônio Scalon. Ônus da Prova. Revista dos Tribunais. v. 796 fev.

2002, p. 753-768, p. 765: “Se entender-se que a distribuição do ônus da prova são apenas regras de julgamento, destinadas apenas ao juiz, ao inverter o ônus da prova, sem qualquer informação ao litigante, estar-se-ia ferindo o princípio constitucional da ampla defesa, pois teria a parte um lugamento desfavorável sem que fosse observado seu direito de apresentar provas”. Com igual posicionamento: MOREIRA, Carlos Alberto Barbosa, op. cit., p. 306; MORAES, Voltaire de Lima. Anotações sobre o ônus da prova no Código de Processo Civil e no Código de Defesa do Consumidor. Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 20, p. 309-319, 1999, p. 318; NASCIMENTO, Tupinanbá Miguel Castro do. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. Rio de Janeiro: Aide, 1991, p. 91; NICHELE, Rafael. A inversão do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor. Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 18, p. 209-225, 1997, p. 222; GIDI, Antônio. Aspectos da inversão..., op. cit., p. 39; NUNES, Luiz Antônio Rizzato. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 126; PEDRASSI, Cláudio Augusto. O ônus da prova e o art. 6º, VIII, do CDC. Revista da Escola Paulista da Magistratura, São Paulo, v. 2, n. 2, jul./dez. 2001, p. 71; ALMEIDA, João Batista de, op. cit., p. 80; DALL’AGNOL JÚNIOR, Antônio Janyr, op. cit., p. 96.

414 Há corrente jurisprudêncial acompanhando este entendimento, como se depreende da ementa a seguir: “CONSUMIDOR – CÓDIGO DE DEFESA – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – NECESSIDADE DE EXPRESSA DETERMINAÇÃO JUDICIAL. Quando, a critério do juiz, configurar-se a hipótese de inversão do ônus da prova, nos termos do art. 6º, VIII, do CDC, sob pena de nulidade, é mister a prévia determinação à parte, em desfavor de quem se inverte o ônus, para que prove o fato controvertido. A inversão sem esta cautela processual, implicará e, surpresa e cerceamento de defesa.” (TARS, 4ª Cam. Cível, APC. n. 194110664 de 18.08.1994. no mesmo sentido: TJSP, AgIn 108.602.4/0 6ª Câm., rel. Dês. Antônio Carlos Marcato, j. 18.03.1999, v.u.; TJSP, JTJ 194/237; AgIn 113.590-4, Osasco, 3ª Câm. de Direito Privado, rel. Des. Flávio Pinheiro, j. 25.05.1999, v.u.); este posicionamento também se reflete na jurisprudência do Paraná, o que se vislumbra dos acórdãos: “Compromisso de compra e venda. Rescisão. Inversão do ônus da prova. Deferimento na sentença. Momento processual inoportuno. Inovação e surpresa processual. ... 1. o momento processual adequado para a decisão sobre a inversão do ônus da prova é o situado entre o pedido inicial e o saneador. Sua utilização na sentença, sem qualquer manifestação judicial anterior neste sentido, causa surpresa processual à parte e fere o principio da ampla defesa”.(6a. Câmara Cível; Des. Airvaldo Stela Alves; julg: 01/09/2004; ac. 12911); “Inversão do ônus da prova efetivada somente na sentença. Cerceamento de defesa configurado. Anulação do julgado. Recurso de apelação provido parcialmente e recurso adesivo prejudicado. Verificando-se a verossimilhança da alegação ou sendo hipossuficiente o consumidor, imperiosa é a inversão do ônus da prova em seu favor. Entretanto, o momento oportuno para tal deliberação judicial é antes do término da instrução processual, e não na sentença, sob pena de cerceio do direito de defesa do fornecedor e anulação do julgado. (5a. Câmara Cível; Des. Domingos Ramina; julg: 04/11/2003; ac. 10946)”.

128

que lhes interessam dentro da sistemática processual da regra geral prevista no art.

333 do Código Processual Civil415-416.

Defendendo um segundo posicionamento, TÂNIA LIZ TIZZONI

NOGUEIRA417 aponta como melhor opção que, ao receber a inicial, e esta estando

em termos, o magistrado, ao determinar a citação do réu, deve conceder ou não a

inversão sobre o ônus da prova418-419.

Com efeito, não haveria sequer a necessidade de ser requerida a

inversão no pedido inicial, pois enseja matéria de ordem pública a qual compete ao

juiz declarar de ofício, quando atendidos os pressupostos legais.

Entretanto, é o entendimento deste trabalho que a decretação da

inversão do ônus da prova nesta fase do procedimento é prematura. Ela não deve

ser decretada ab initio420, pois sequer houve manifestação do demandando, não se

podendo precisar a dimensão de sua resposta e, muito menos, os pontos que

efetivamente se tornarão controvertidos421.

415 Assim, desenvolvendo-se toda instrução probatória sobre a regra geral, não poderá o juiz, agora na fase decisória, alterar as “regras do jogo”, sob pena de cercear as possibilidades de defesa do demandado. Deve-se dizer, entretanto, que não existe norma legal expressa que proíba o magistrado de operar a inversão do ônus da prova no momento da sentença; este, entretanto, não é o momento mais oportuno, pois implicará, provavelmente, em alegações de cerceamento de defesa, causando turbulências processuais desnecessárias.

416 Deve-se dizer, entretanto, que não existe norma legal expressa que proíba o magistrado de operar a inversão do ônus da prova no momento da sentença; este, entretanto, não é o momento mais oportuno, pois implicará, provavelmente, em alegações de cerceamento de defesa, causando turbulências processuais desnecessárias.

417 NOGUEIRA, Ana Liz Tizzoni. A prova no Direito do Consumidor. Curitiba: Juruá, 1998.418 Assim, quando o réu é citado para defender-se, é também intimado da decisão que inverteu o ônus

probante, iniciando-se, por conseguinte, o prazo para apresentação de agravo, que ficará prejudicado caso não haja defesa em tempo hábil (revelia).

419 Os defensores deste posicionamento sustentam que, na maioria dos casos o magistrado disporá de elementos suficientes para verificar hipossuficiência ou verossimilhança apenas de posse da petição inicial, razão pela qual este poderia ser um momento adequado para a concessão da medida.

420 Quando o juiz analisa a petição inicial.421 Lembrando que, somente sobre os fatos relevantes, pertinentes e controvertidos deve ser

desenvolvida a atividade instrutória.

129

O entendimento que parece mais adequado é o de que a inversão

seja decretada no saneamento do processo, ao final da fase postulatória e

precedendo a fase instrutória.

Defende-se este momento processual diante do fato de que o

mesmo oferece ao magistrado um acesso mais amplo aos argumentos de ambas as

partes sem, entretanto, cercear-lhes o conhecimento dos ônus probatórios que lhes

são impostos durante a oportunidade de produção de provas para influir na

formação do convencimento do juiz.

Conclui-se, portanto, que o momento mais apropriado para o

magistrado declarar invertido o ônus de prova é o do saneamento do processo, não

existindo, entretanto, impeditivos legais que obstruam a concessão da medida em

outras fases processuais.

130

CONSIDERAÇÕES FINAIS CONCLUSIVAS

1. A concentração dos meios de produção e a massificação das

relações sociais acarretaram o surgimento de graves desequilíbrios entre os

litigantes em uma série de relações jurídicas, inclusive naquelas que envolvem

interesses ambientais, em especial no que se refere à posse de meios econômicos e

técnicos para a comprovação dos fatos pertinentes e relevantes para a solução da

causa.

2. Atento a estas transformações sociais, o legislador tem proposto

alterações drásticas nas ferramentas processuais. Instaurou-se na mentalidade do

processualista moderno um foco voltado para ao acesso e a efetividade da tutela

jurisdicional, onde o demandante deixa de se apresentar como um “suplicante” e

passa a exigir do Estado uma manifestação célere e eficaz sobre as lides que lhe

são apresentadas.

2. A entrada em vigor da Lei n. 7.347/85 – Lei da Ação Civil Pública

– seguida da Lei n. 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor – representou um

marco na evolução histórica das ações coletivas no ordenamento jurídico brasileiro,

pois disciplinou, de forma sistematizada, a tutela coletiva, empreendeu uma

ampliação do leque de legitimados para a propositura de ações coletivas e pôs em

destaque a discussão sobre direitos transindividuais e os aspectos processuais de

sua tutela.

3. Entretanto, o litigante passivo nas lides ligadas a interesses

ambientais costuma se apresentar como detentor de um poder econômico e de um

conhecimento técnico extremamente aprofundado sobre as ferramentas jurídicas e

sociais adequadas à defesa de seus interesses, capaz de, em situações

excepcionais, colocar em posição de hipossuficiência – seja técnica, informativa ou

econômica – os autores legitimados à propositura da ação civil pública em defesa de

interesses ligados ao meio ambiente.

4. Este desequilíbrio, mantida uma visão privatista da prova, poderia

permitir a obstaculização ao efetivo acesso e aplicação do direito e um afastamento

do ideal de justiça, pois autorizaria que, num processo de fortes e fracos, uma das

partes assumisse um comportamento de “omissão estratégica”, valendo-se das

regras de distribuição do ônus para simplesmente aguardar a improcedência da

demanda em razão das dificuldades de se provar o fato constitutivo.

5. Neste contexto, a apreciação da prova – cuja função é servir de

meio para a formação da convicção do julgador acerca da veracidade das

afirmações de fato feitas pelas partes, fundamentando o provimento jurisdicional a

ser entregue – e as conseqüências de sua ausência também foram submetidas a

uma reavaliação.

6. A “verdade real” passa a ser vista, também no processo civil,

como um ideal – que embora se apresente por vezes inalcançável – deverá ser

sempre buscado, à exaustão, pelo magistrado, independentemente da natureza do

direito em jogo – se disponível ou indisponível. Surge uma tendência de se oferecer

cada vez mais poderes instrutórios ao juiz.

7. Com isso, o processo civil contemporâneo não se apresenta mais

eminentemente dispositivo, como foi outrora. Impera, hodiernamente, a livre

investigação das provas pelo magistrado, temperada com pequena dose de

dispositividade, existente para assegurar sua imparcialidade.

132

8. Não obstante predomine hoje a livre investigação da prova,

existirão situações em que, apesar do esforço do magistrado e das partes, as

evidências produzidas nos autos serão insuficientes para, por si só, formar a

convicção do julgador. Nestas situações, uma vez que é vedado ao magistrado

omitir-se em julgar, torna-se relevante saber a quem competia o ônus de produção

da prova ausente nos autos, para que se possa estabelecer quem deve sofrer o

prejuízo de uma decisão judicial contrária a seus interesses.

9. Neste pormenor, os direitos indisponíveis – como o direito a um

meio ambiente equilibrado, garantido pela CF/88 em seu art. 225 – merecem

tratamento diferenciado, pois não admitem transação, não se encontram sujeitos à

confissão e não admitem presunção de veracidade contrária a seu conteúdo.

10. A inversão do ônus da prova – que se aplica às demandas

coletivas ambientais por disposição expressa do art. 21 da Lei da Ação Civil Pública

e pelas características e princípios que alicerçam o direito ambiental – se apresenta

então como importante forma de equilíbrio da relação jurídica processual, que se

encontrava desbalanceada devido a fatores externos ao processo, oferecendo ao

magistrado meios para transferir à parte econômica e tecnicamente mais forte um

ônus proporcionalmente mais pesado do que aquele suportado pela parte

hipossuficiente.

11. Quanto aos requisitos da inversão – hipossuficiência e

verossimilhança – em especial no que se refere aos interesses ambientais, o mais

correto é interpretar a partícula “ou” em seu sentido literal, de alternatividade.

Estando presente a verossimilhança ou a hipossuficiência do autor de demanda

ambiental deve o magistrado inverter o ônus probante.

133

12. A Verossimilhança não se refere à existência de uma verdade

absoluta, irrefutável, mas, sim, a indicativos que levem a conclusão de uma alta

probabilidade de determinada afirmação de fato corresponder à verdade. Quanto à

hipossuficiência, esta não se restringe ao aspecto econômico, abrangendo qualquer

aspecto relevante à instrução da causa em que se verifique grave descompasso

entre a capacidade do demandante e do demandado, inclusive no que se refere ao

acesso, controle e manipulação das informações pertinentes.

A inversão prevista no art. 6º, inc. VIII do CDC, entretanto, não deve

ser aplicada de forma objetiva em todos os casos, uma vez que as regras

processuais objetivas sejam elas presunções ou restrições de direito sempre devem

estar dispostas de maneira expressa, o que não é o caso de referido dispositivo. A

inversão deve ser manejada com cautela pelo operador do direito sob pena de seu

uso indiscriminado determinar injustiças tão graves quanto aquelas que se propõe

solucionar.

13. A apreciação de seus requisitos, que se desenvolve por meio de

critério e ato do juiz, podendo inclusive ser concedida ex officio, deve ser feita em

um momento processual no qual o magistrado já teve condições de estabelecer os

pontos controvertidos da demanda, restando às partes, ainda, a oportunidade de

produzir provas para influenciar em seu convencimento, para evitar distúrbios

processuais desnecessários, como alegações de cerceamento de defesa e

concretizar uma prestação jurisdicional justa e equilibrada.

Por isso, o momento mais apropriado para o juiz declarar invertido o

ônus de prova é o do saneamento do processo, não existindo, entretanto,

impeditivos legais que obstruam a concessão da medida em outras fases

processuais.

134

14. Em demandas ambientais, o ponto central das controvérsias

existentes quanto à prova residirá normalmente na demonstração ou não do nexo

de causalidade entre o dano e a conduta de seu suposto causador em razão das

dificuldades geralmente ligadas a sua produção.

Em função disso, e do fato de que na maioria dos casos, será mais

fácil para o réu em uma demanda ambiental, demonstrar a ausência deste nexo do

que para o autor evidenciar sua existência, revela-se esta matéria como sendo

especialmente propícia à inversão do ônus probatório, constituindo mesmo aplicação

do princípio da prevenção.

135

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ANEXOS

Anexo A – Código Modelo de Processo Coletivo Ibero-América

INSTITUTO IBERO-AMÉRICANO DE DIREITO PROCESSUAL

Capítulo I – Disposições geraisArt 1o. Cabimento da ação coletiva - A ação coletiva será exercida para a tutela de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular um grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas por circunstâncias de fato ou vinculadas, entre si ou com a parte contrária, por uma relação jurídica base; II - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendido o conjunto de direitos subjetivos individuais, decorrentes de origem comum, de que sejam titulares os membros de um grupo, categoria ou classe.Art 2o. Requisitos da ação coletiva - São requisitos da demanda coletiva:I – a adequada representatividade do legitimado;II – a relevância social da tutela coletiva, caracterizada pela natureza do bem jurídico, pelas características da lesão ou pelo elevado número de pessoas atingidas.Par. 1o. Para a tutela dos interesses ou direitos individuais homogêneos, além dos requisitos indicados nos n. I e II deste artigo, é também necessária a aferição da predominância das questões comuns sobre as individuais e da utilidade da tutela coletiva no caso concreto.Par.2o. Na análise da representatividade adequada o juiz deverá analisar dados como:a – a credibilidade, capacidade, prestígio e experiência do legitimado;b – seu histórico na proteção judicial e extrajudicial dos interesses ou direitos dos membros do grupo, categoria ou classe;c – sua conduta em outros processos coletivos;(suprimir: d – sua capacidade financeira para a condução do processo coletivo;)d – a coincidência entre os interesses dos membros do grupo, categoria ou classe e o objeto da demanda;e – o tempo de instituição da associação e a representatividade desta ou da pessoa física perante o grupo, categoria ou classe.Par. 3o – O juiz analisará a existência do requisito da representatividade adequada a qualquer tempo e em qualquer grau do procedimento, aplicando, se for o caso, o disposto no parágrafo 4o do artigo 3o.Art. 3o. Legitimação ativa. São legitimados concorrentemente à ação coletiva:

I – qualquer pessoa física, para a defesa dos interesses ou direitos difusos de que seja titular um grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas por circunstâncias de fato;II – o membro do grupo, categoria ou classe, para a defesa dos interesses ou direitos difusos de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base e para a defesa de interesses ou direitos individuais homogêneos;III - o Ministério Público, o Defensor do Povo e a Defensoria Pública;IV – as pessoas jurídicas de direito público interno;V - as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código; VI – as entidades sindicais, para a defesa dos interesses e direitos da categoria;VII - as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos neste código, dispensada a autorização assemblear. VIII - os partidos políticos, para a defesa de direitos e interesses ligados a seus fins institucionais.Par. 1°. O requisito da pré-constituição pode ser dispensado pelo juiz, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido. Par. 2o. Será admitido o litisconsórcio facultativo entre os legitimados.Par. 3o. Em caso de relevante interesse social, o Ministério Público, se não ajuizar a ação ou não intervier no processo como parte, atuará obrigatoriamente como fiscal da lei.Par.4o. Em caso de inexistência do requisito da representatividade adequada, de desistência infundada ou abandono da ação por pessoa física, entidade sindical ou associação legitimada, o juiz notificará o Ministério Público e, na medida do possível, outros legitimados adequados para o caso a fim de que assumam, querendo, a titularidade da ação.Par.5o. O Ministério Público e os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso administrativo de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.

Capítulo II – Dos provimentos jurisdicionaisArt. 4o. Efetividade da tutela jurisdicional - Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela. Art. 5o. Tutela jurisdicional antecipada - O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, com base em prova consistente, se convença da verossimilhança da alegação e

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I - haja fundado receio de ineficácia do provimento final ouII – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do demandado.Par. 1o. Não se concederá a antecipação da tutela se houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado, a menos que, num juízo de ponderação dos valores em jogo, a denegação da medida signifique sacrifício irrazoável de bem jurídico relevante.Par. 2o. Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões de seu convencimento.Par. 3o. A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada.Par. 4o. Se não houver controvérsia quanto à parte antecipada na decisão liminar, após a oportunidade de contraditório esta se tornará definitiva e fará coisa julgada, prosseguindo o processo, se for o caso, para julgamento dos demais pontos ou questões postos na demanda. Art. 6o. Obrigações de fazer e não fazer - Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. Par. 1°. O juiz poderá, na hipótese de antecipação de tutela ou na sentença, impor multa diária ao demandado, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito. Par. 2o. O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva.Par. 3°. Para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial. Par. 4°. A conversão da obrigação em perdas e danos somente será admissível se por elas optar o autor ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente. Par. 5°. A indenização por perdas e danos se fará sem prejuízo da multa. Art. 7o. Obrigações de dar - Na ação que tenha por objeto a obrigação de entregar coisa, determinada ou indeterminada, aplicam-se, no que couber, as disposições do artigo anterior.Art. 8o. Ação indenizatória - Na ação condenatória à reparação dos danos provocados ao bem indivisivelmente considerado, a indenização reverterá ao Fundo dos Direitos Difusos e Individuais Homogêneos, administrado por um Conselho Gestor governamental, de que participarão necessariamente membros do Ministério Público, juízes e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados ou, não sendo possível, à realização de atividades tendentes a minimizar a lesão ou a evitar que se repita, dentre outras que beneficiem o bem jurídico prejudicado.

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Par. 1o . O Fundo será notificado da propositura de toda ação coletiva e sobre as decisões mais importantes do processo e poderá intervir nos processos coletivos em qualquer tempo e grau de jurisdição para demonstrar a inadequação do representante ou auxiliá-lo na tutela dos interesses ou direitos do grupo, categoria ou classe;Par. 2o. O Fundo manterá registros que especifiquem a origem e a destinação dos recursos e indicará a variedade dos bens jurídicos a serem tutelados e seu âmbito regional;Par.3o. Dependendo da especificidade do bem jurídico afetado, da extensão territorial abrangida e de outras circunstâncias consideradas relevantes, o juiz poderá especificar, em decisão fundamentada, a destinação da indenização e as providências a serem tomadas para a reconstituição dos bens lesados, podendo indicar a realização de atividades tendentes a minimizar a lesão ou a evitar que se repita, dentre outras que beneficiem o bem jurídico prejudicado;Par. 4o. A decisão que especificar a destinação da indenização indicará, de modo claro e preciso, as medidas a serem tomadas pelo Conselho Gestor do Fundo, bem como um prazo razoável para que tais medidas sejam concretizadas;Par. 5o. Vencido o prazo fixado pelo juiz, o Conselho Gestor do Fundo apresentará relatório das atividades realizadas, facultada, conforme o caso, a solicitação de sua prorrogação, para complementar as medidas determinadas na decisão judicial.

Capítulo III – Dos processos coletivos em geralArt. 9o . Competência territorial - É competente para a causa o foro:I – do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local;II – da Capital, para os danos de âmbito regional ou nacional, aplicando-se as regras pertinentes de organização judiciária.Art. 10. Pedido e causa de pedir - Nas ações coletivas, o pedido e a causa de pedir serão interpretados extensivamente.Par. 1o. Ouvidas as partes, o juiz permitirá a emenda da inicial para alterar ou ampliar o objeto da demanda ou a causa de pedir.Par. 2o. O juiz permitirá a alteração do objeto do processo a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição, desde que seja realizada de boa-fé, não represente prejuízo injustificado para a parte contrária e o contraditório seja preservado. Art. 11. Audiência preliminar - Encerrada a fase postulatória, o juiz designará audiência preliminar, à qual comparecerão as partes ou seus procuradores, habilitados a transigir.Par.1o. O juiz ouvirá as partes sobre os motivos e fundamentos da demanda e tentará a conciliação, sem prejuízo de sugerir outras formas adequadas de solução do conflito, como a mediação, a arbitragem e a avaliação neutra de terceiro.Par. 2o - A avaliação neutra de terceiro, obtida no prazo fixado pelo juiz, é sigilosa, inclusive para este, e não vinculante para as partes, sendo sua finalidade exclusiva a de orientá-las na tentativa de composição amigável do conflito.

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Par.3o. Preservada a indisponibilidade do bem jurídico coletivo, as partes poderão transigir sobre o modo de cumprimento da obrigação.Par. 4o. Obtida a transação, será homologada por sentença, que constituirá título executivo judicial.Par. 5o. Não obtida a conciliação, sendo ela parcial, ou quando, por qualquer motivo, não for adotado outro meio de solução do conflito, o juiz, fundamentadamente:I – decidirá se a ação tem condições de prosseguir na forma coletiva;II - poderá separar os pedidos em ações coletivas distintas, voltadas à tutela, respectivamente, dos interesses ou direitos difusos e individuais homogêneos, desde que a separação represente economia processual ou facilite a condução do processo;III - fixará os pontos controvertidos, decidirá as questões processuais pendentes e determinará as provas a serem produzidas, designando audiência de instrução e julgamento, se for o caso;IV – esclarecerá os encargos das partes quanto à distribuição do ônus da prova, de acordo com o disposto no parágrafo 1o do artigo 12.Art. 12. Provas - São admissíveis em juízo todos os meios de prova, desde que obtidos por meios lícitos, incluindo a prova estatística ou por amostragem.Par. 1o. O ônus da prova incumbe à parte que detiver conhecimentos técnicos ou informações específicas sobre os fatos, ou maior facilidade em sua demonstração. Não obstante, se por razões de ordem econômica ou técnica, o ônus da prova não puder ser cumprido, o juiz determinará o que for necessário para suprir à deficiência e obter elementos probatórios indispensáveis para a sentença de mérito, podendo requisitar perícias à entidade pública cujo objeto estiver ligado à matéria em debate, condenado-se o demandado sucumbente ao reembolso. Se assim mesmo a prova não puder ser obtida, o juiz poderá ordenar sua realização, a cargo ao Fundo de Direitos Difusos e Individuais Homogêneos.Par. 2o – Durante a fase instrutória, surgindo modificação de fato ou de direito relevante para o julgamento da causa, o juiz poderá rever, em decisão motivada, a distribuição do ônus da prova, concedido à parte a quem for atribuída a incumbência prazo razoável para a produção da prova, observado o contraditório em relação à parte contrária.Par. 3o - O juiz poderá determinar de ofício a produção de provas, observado o contraditório.Art.13. Julgamento antecipado do mérito - O juiz decidirá desde logo a demanda pelo mérito, quando não houver necessidade de produção de prova.Parágrafo único. O juiz poderá decidir desde logo parte da demanda, quando não houver necessidade de produção de prova, sempre que isso não importe em prejulgamento direto ou indireto do litígio que continuar pendente de decisão, prosseguindo o processo para a instrução e julgamento em relação aos demais pedidos nos autos principais e a parte antecipada em autos complementares.Art. 14. Legitimação à liquidação e execução da sentença condenatória - Decorridos 60 (sessenta) dias da passagem em julgado da sentença de procedência, sem que o autor promova a liquidação ou execução, deverá fazê-lo o Ministério Público, quando

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se tratar de interesse público relevante, facultada igual iniciativa, em todos os casos, aos demais legitimados.Art. 15. Custas e honorários - Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença condenará o demandado, se vencido, nas custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, bem como em honorários de advogados.Par. 1o. No cálculo dos honorários, o juiz levará em consideração a vantagem para o grupo, categoria ou classe, a quantidade e qualidade do trabalho desenvolvido pelo advogado e a complexidade da causa.Par. 2o. Se o legitimado for pessoa física, sindicato ou associação, o juiz poderá fixar gratificação financeira quando sua atuação tiver sido relevante na condução e êxito da ação coletiva.Par. 3º - Os autores da ação coletiva não adiantarão custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem serão condenados, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogados, custas e despesas processuais.Par. 4o. O litigante de má-fé e os responsáveis pelos respectivos atos serão solidariamente condenados ao pagamento das despesas processuais, em honorários advocatícios e no décuplo das custas, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos.Art. 16. Prioridade de processamento - O juiz deverá dar prioridade ao processamento da ação coletiva, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão do dano ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.Art. 17. Interrupção da prescrição - A citação valida para ação coletiva interrompe o prazo de prescrição das pretensões individuais e transindividuais direta ou indiretamente relacionadas com a controvérsia, retroagindo o efeito à data da propositura da demanda.Art.18. Efeitos da apelação – A apelação da sentença definitiva tem efeito meramente devolutivo, salvo quando a fundamentação for relevante e puder resultar à parte lesão grave e de difícil reparação, hipótese em que o juiz pode atribuir ao recurso efeito suspensivo.Art.19. Execução definitiva e execução provisória – A execução é definitiva quando passada em julgado a sentença; e provisória, na pendência dos recursos cabíveis.Par.1o – A execução provisória corre por conta e risco do exeqüente, que responde pelos prejuízos causados ao executado, em caso de reforma da sentença recorrida.Par.2o – A execução provisória permite a prática de atos que importem em alienação do domínio ou levantamento do depósito em dinheiro.Par.3o – A pedido do executado, o juiz pode suspender a execução provisória quando dela puder resultar lesão grave e de difícil reparação.

Capítulo IV – Da ação coletiva para a defesa de interesses ou direitos individuais homogêneos

Art 20. Ação coletiva de responsabilidade civil - Os legitimados poderão propor, em nome próprio e no interesse das vítimas ou seus sucessores, dentre outras (art.4o),

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ação civil coletiva de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos, de acordo com o disposto nos artigos seguintes. Parágrafo único. A determinação dos interessados poderá ocorrer no momento da liquidação ou execução do julgado, não havendo necessidade de a petição inicial estar acompanhada da relação de membros do grupo, classe ou categoria. Conforme o caso, o juiz poderá determinar, ao réu ou a terceiro, a apresentação da relação e dados de pessoas que se enquadram no grupo, categoria ou classe.Art. 21. Citação e notificações - Estando em termos a petição inicial, o juiz ordenará a citação do réu e a publicação de edital no órgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir no processo como assistentes ou coadjuvantes.Par. 1o – Sem prejuízo da publicação do edital, o juiz determinará sejam os órgãos e entidades de defesa dos interesses ou direitos protegidos neste Código notificados da existência da demanda coletiva e de seu trânsito em julgado a fim de que cumpram o disposto no caput deste artigo. Par. 2o – Quando for possível a execução do julgado, ainda que provisória, ou estiver preclusa a decisão antecipatória dos efeitos da tutela pretendida, o juiz determinará a publicação de edital no órgão oficial, às custas do demandado, impondo-lhe, também, o dever de divulgar nova informação pelos meios de comunicação social, observado o critério da modicidade do custo. Sem prejuízo das referidas providências, o juízo providenciará a comunicação aos órgãos e entidades de defesa dos interesses ou direitos protegidos neste código, para efeito do disposto no parágrafo anterior.Par. 3o -. Os intervenientes não poderão discutir suas pretensões individuais no processo coletivo de conhecimento.Art. 22. Sentença condenatória - Em caso de procedência do pedido, a condenação poderá ser genérica, fixando a responsabilidade do demandado pelos danos causados e o dever de indenizar.Par. 1o. Sempre que possível, o juiz calculará o valor da indenização individual devida a cada embro do grupo na própria ação coletiva Par. 2o. Quando o valor dos danos individuais sofridos pelos membros do grupo for uniforme, prevalentemente uniforme ou puder ser reduzido a uma fórmula matemática, a sentença coletiva indicará o valor ou a fórmula de cálculo da indenização individual.Par.3o - O membro do grupo que considerar que o valor da indenização individual ou a fórmula para seu cálculo diverso do estabelecido na sentença coletiva, poderá propor ação individual de liquidação.Art. 23. Liquidação e execução individuais - A liquidação e a execução de sentença poderão ser promovidas pela vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados à ação coletiva.Parágrafo único. Na liquidação da sentença, que poderá ser promovida no foro do domicílio do liquidante, caberá a este provar, tão só, o dano pessoal, o nexo de causalidade e o montante da indenização.Art 24. Execução coletiva - A execução poderá ser coletiva, sendo promovida pelos legitimados à ação coletiva, abrangendo as vítimas cujas indenizações já tiverem sido fixadas em liquidação, sem prejuízo do ajuizamento de outras execuções.

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Parágrafo único. A execução coletiva far-se-á com base em certidão das decisões de liquidação, da qual constará a ocorrência , ou não, do trânsito em julgado.Art. 25. Do pagamento. O pagamento das indenizações ou o levantamento do depósito será feito pessoalmente aos beneficiários.Art. 26. Competência para a execução. É competente para a execução o juízo: I - da liquidação da sentença ou da ação condenatória, no caso de execução individual; II - da ação condenatória, quando coletiva a execução. Art 27. Liquidação e execução pelos danos globalmente causados - Decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados do artigo 3o promover a liquidação e execução coletiva da indenização devida pelos danos causados.Parágrafo único. O valor da indenização será fixado de acordo com o dano globalmente causado, que será demonstrado por todas as provas admitidas em direito. Sendo a produção de provas difícil ou impossível, em razão da extensão do dano ou de sua complexidade, o valor da indenização será fixado por arbitramento.(Suprimir - Par. 2o. Quando não for possível a identificação dos interessados, o produto da indenização reverterá para o Fundo de Direitos Difusos e Individuais Homogêneos.)Art 28. Concurso de créditos - Em caso de concurso de créditos decorrentes de condenação de que trata o artigo 6o e de indenizações pelos prejuízos individuais resultantes do mesmo evento danoso, estas terão preferência no pagamento. Parágrafo único. Para efeito do disposto neste artigo, a destinação da importância recolhida ao fundo ficará sustada enquanto pendentes de decisão de segundo grau as ações de indenização pelos danos individuais, salvo na hipótese de o patrimônio do devedor ser manifestamente suficiente para responder pela integralidade das dívidas. Par. 2o. O produto da indenização reverterá para o fundo previsto no artigo 6o.

Capítulo V – Da conexão, da litispendência e da coisa julgadaArt. 29. Conexão - Se houver conexão entre as causas coletivas, ficará prevento o juízo que conheceu da primeira ação, podendo ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar a reunião de todos os processos, mesmo que nestes não atuem integralmente os mesmos sujeitos processuais.Art. 30. Litispendência - A primeira ação coletiva induz litispendência para as demais ações coletivas que tenham por objeto controvérsia sobre o mesmo bem jurídico, mesmo sendo diferentes o legitimado ativo e a causa de pedir.Art. 31. Relação entre ação coletiva e ações individuais - A ação coletiva não induz litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada coletiva (art. 33) não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da ciência efetiva da ação coletiva.Parágrafo único – Cabe ao demandado informar o juízo da ação individual sobre a existência de ação coletiva com o mesmo fundamento, sob pena de, não o fazendo,

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o autor individual beneficiar-se da coisa julgada coletiva mesmo no caso da demanda individual ser rejeitada.Art. 32. Conversão de ações individuais em ação coletiva. O juiz, tendo conhecimento da existência de diversos processos individuais correndo contra o mesmo demandado, com o mesmo fundamento, notificará o Ministério Público e, na medida do possível, outros representantes adequados, a fim de que proponham, querendo, ação coletiva, ressalvada aos autores individuais a faculdade prevista no artigo anterior.Art. 33. Coisa julgada - Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova. Par. 1o. Mesmo na hipótese de improcedência fundada nas provas produzidas, qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento, quando surgir prova nova, superveniente, que não poderia ter sido produzida no processo.Par. 2° - Tratando-se de interesses ou direitos individuais homogêneos, em caso de improcedência do pedido, os interessados poderão propor ação de indenização a título individual. Par. 3°. Os efeitos da coisa julgada nas ações em defesa de interesses ou direitos difusos não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos artigos 22 a 24.Par. 4º. Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal condenatória. Par. 5º. A competência territorial do órgão julgador não representará limitação para a coisa julgada erga omnes.Art. 34. Relações jurídicas continuativas - Nas relações jurídicas continuativas, se sobrevier modificação no estado de fato ou de direito, a parte poderá pedir a revisão do que foi estatuído por sentença.

Capítulo VI – Da ação coletiva passivaArt. 35. Ações contra o grupo, categoria ou classe - Qualquer espécie de ação pode ser proposta contra uma coletividade organizada ou que tenha representante adequado, nos termos do parágrafo 2o do artigo 2o deste código, e desde que o bem jurídico a ser tutelado seja transindividual (artigo 1o) e se revista de interesse social.Art. 36 – Coisa julgada passiva: interesses ou direitos difusos - Quando se tratar de interesses ou direitos difusos, a coisa julgada atuará erga omnes, vinculando os membros do grupo, categoria ou classe.Art. 37. Coisa julgada passiva: interesses ou direitos individuais homogêneos - Quando se tratar de interesses ou direitos individuais homogêneos, a coisa julgada atuará erga omnes no plano coletivo, mas a sentença de procedência não vinculará os membros do grupo, categoria ou classe, que poderão mover ações próprias ou defender-se no processo de execução para afastar a eficácia da decisão na sua esfera jurídica individual.

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Parágrafo único – Quando a ação coletiva passiva for promovida contra o sindicato, como substituto processual da categoria, a coisa julgada terá eficácia erga omnes, vinculando individualmente todos os membros, mesmo em caso de procedência do pedido.Art. 38 – Aplicação complementar às ações passivas – Aplica-se complementariamente às ações coletivas passivas o disposto neste Código quanto às ações coletivas ativas, no que não for incompatível.

Capítulo VII – Disposições finaisArt. 39. Princípios de interpretação - Este código será interpretado de forma aberta e flexível, compatível com a tutela coletiva dos interesses e direitos de que trata.Art. 40. Especialização dos magistrados - Sempre que possível, as ações coletivas serão processadas e julgadas por magistrados especializados.Art. 41. Aplicação subsidiárias das normas processuais gerais e especiais - Aplicam-se subsidiariamente, no que não forem incompatíveis, as disposições do Código de Processo Civil e legislação especial pertinente.

Agosto de 2004

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Anexo B - Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos

Exposição de Motivos

1 – A Lei n. 7.347/85 – a denominada lei da ação civil pública - acaba de completar 20 anos. Há muito com o que se regozijar, mas também resta muito a fazer. Não há dúvidas de que a lei revolucionou o direito processual brasileiro, colocando o país numa posição de vanguarda entre os países de civil law e ninguém desconhece os excelentes serviços prestados à comunidade na linha evolutiva de um processo individualista para um processo social. Muitos são seus méritos, ampliados e coordenados pelo sucessivo Código de Defesa do Consumidor, de 1990. Mas antes mesmo da entrada em vigor do CDC, e depois de sua promulgação, diversas leis regularam a ação civil pública, em dispositivos esparsos e às vezes colidentes. Podem-se, assim, citar os artigos 3º, 4º, 5º, 6º e 7º da Lei n. 7.853, de 24 de outubro de 1989; o artigo 3º da Lei n. 7.913, de 7 de dezembro de 1989; os artigos 210, 211, 212, 213, 215, 217, 218, 219, 222, 223 e 224 da Lei n. 8.069, de 13 de junho de 1990; o artigo 17 da Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992; o artigo 2º da Lei n. 9.494, de 10 de setembro de 1997; e os artigos 80, 81, 82, 83, 85, 91, 92 e 93 da Lei n. 10.741, de 1º de outubro de 2003.

Outras dificuldades têm sido notadas pela concomitante aplicação à tutela de direitos ou interesses difusos e coletivos pela Ação Civil Pública e pela Ação Popular constitucional, acarretando problemas práticos quanto à conexão, à continência e à prevenção, assim como reguladas pelo CPC, o qual certamente não tinha e não tem em vista o tratamento das relações entre processos coletivos. E mesmo entre diversas ações civis públicas, concomitantes ou sucessivas, têm surgido problemas que geraram a multiplicidade de liminares, em sentido oposto, provocando um verdadeiro caos processual que foi necessário resolver mediante a suscitação de conflitos de competência perante o STJ. O que indica, também, a necessidade de regular de modo diverso a questão da competência concorrente.

Assim, não se pode desconhecer que 20 anos de aplicação da LACP, com os aperfeiçoamentos trazidos pelo Código de Defesa do Consumidor, têm posto à mostra não apenas seus méritos, mas também suas falhas e insuficiências, gerando reações, quer do legislativo, quer do executivo, quer do judiciário, que objetivam limitar seu âmbito de aplicação. No campo do governo e do Poder Legislativo, vale lembrar, por exemplo, medidas provisórias e leis que tentaram limitar os efeitos da sentença ao âmbito territorial do juiz, que restringiram a utilização de ações civis públicas por parte das associações – as quais, aliás, necessitam de estímulos para realmente ocuparem o lugar de legitimados ativos que lhes compete. E, no campo jurisdicional, podemos lembrar as posições contrárias à legitimação das defensorias públicas, ao controle difuso da constitucionalidade na ação civil pública, à extração de carta de sentença para execução provisória por parte do beneficiário que não foi parte do processo coletivo, assim como, de um modo geral, a interpretação rígida das normas do processo, sem a necessária flexibilização da técnica processual.

E ainda: a aplicação prática das normas brasileiras sobre processos coletivos (ação civil pública, ação popular, mandado de segurança coletivo) tem apontado

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para dificuldades práticas decorrentes da atual legislação: assim, por exemplo, dúvidas surgem quanto à natureza da competência territorial (absoluta ou relativa), a litispendência (quando é diverso o legitimado ativo), a conexão (que, rigidamente interpretada, leva à proliferação de ações coletivas e à multiplicação de decisões contraditórias), a possibilidade de se repetir a demanda em face de prova superveniente e a de se intentar ação em que o grupo, categoria ou classe figure no pólo passivo da demanda.

Por outro lado, a evolução doutrinária brasileira a respeito dos processos coletivos autoriza a elaboração de um verdadeiro Direito Processual Coletivo, como ramo do direito processual civil, que tem seus próprios princípios e regras, diversos dos do Direito Processual Individual. Os institutos da legitimação, competência, poderes e deveres do juiz e do Ministério Público, conexão, litispendência, liquidação e execução da sentença, coisa julgada, entre outros, têm feição própria nas ações coletivas que, por isso mesmo, se enquadram numa Teoria Geral dos Processos Coletivos. Diversas obras, no Brasil, já tratam do assunto. E o país, pioneiro no tratamento dos interesses e direitos transindividuais e dos individuais homogêneos, por intermédio da LACP e do CDC, tem plena capacidade para elaborar um verdadeiro Código de Processos Coletivos, que mais uma vez o colocará numa posição de vanguarda, revisitando a técnica processual por intermédio de normas mais abertas e flexíveis, que propiciem a efetividade do processo coletivo.

2 – Acresça-se a tudo isto a elaboração do Código Modelo de Processos Coletivos para Ibero-América, aprovado nas Jornadas do Instituto Ibero-americano de Direito Processual, na Venezuela, em outubro de 2004. Ou seja, de um Código que possa servir não só como repositório de princípios, mas também como modelo concreto para inspirar as reformas, de modo a tornar mais homogênea a defesa dos interesses e direitos transindividuais em países de cultura jurídica comum.

Deveu-se a Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe e Antonio Gidi a elaboração da primeira proposta de um Código Modelo, proposta essa que aperfeiçoou as regras do microssistema brasileiro de processos coletivos, sem desprezar a experiência das class-actions norte-americanas. Muitas dessas primeiras regras, que foram apefeiçoadas com a participação ativa de outros especialistas ibero-americanos (e de mais um brasileiro, Aluísio de Castro Mendes), passaram depois do Código Modelo para o Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos.

3 - O Código Modelo foi profundamente analisado e debatido no Brasil, no final de 2.003, ao ensejo do encerramento do curso de pós-graduação stricto sensu da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, por professores e pós-graduandos da disciplina “Processos Coletivos”, ministrada em dois semestres por Ada Pellegrini Grinover e Kazuo Watanabe, para verificar como e onde suas normas poderiam ser incorporadas, com vantagem, pela legislação brasileira. E daí surgiu a idéia da elaboração de um Código Brasileiro de Processos Coletivos, que aperfeiçoasse o sistema, sem desfigurá-lo. Ada Pellegrini Grinover coordenou os trabalhos do grupo de pós-graduandos de 2.003 que se dispôs a preparar propostas de Código Brasileiro de Processos Coletivos, progressivamente trabalhadas e melhoradas. O grupo inicialmente foi formado pelo doutorando Eurico Ferraresi e pelos mestrandos Ana Cândida Marcato, Antônio Guidoni Filho e Camilo Zufelato. Depois, no encerramento do curso de 2004, outra turma de pós-graduandos,

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juntamente com a primeira, aportou aperfeiçoamentos à proposta, agora também contando com a profícua colaboração de Carlos Alberto Salles e Paulo Lucon. Nasceu assim a primeira versão do Anteprojeto, trabalhado também pelos mestrandos, doutorandos e professores da disciplina, durante o ano de 2.005. O Instituto Brasileiro de Direito Processual, por intermédio de seus membros, ofereceu diversas sugestões. No segundo semestre de 2.005, o texto foi analisado por grupos de mestrandos da UERJ e da Universidade Estácio de Sá, sob a orientação de Aluísio de Castro Mendes, daí surgindo mais sugestões. O IDEC também foi ouvido e aportou sua contribuição ao aperfeiçoamento do Anteprojeto. Este foi apresentado ao Ministério Público do Estado do Paraná e ao Ministério Público da União, cujos membros colaboraram com suas idéias. O Ministério Público dos Estados de São Paulo e do Paraná já constituíram comissões encarregadas de examinar oficialmente o Anteprojeto e de oferecer sugestões. Enfim, tudo está pronto para que o trabalho seja submetido a ampla consulta pública.

4 – Em síntese, pode-se afirmar que a tônica do Anteprojeto é a de manter, em sua essência, as normas da legislação em vigor, aperfeiçoando-as por intermédio de regras não só mais claras, mas sobretudo mais flexíveis e abertas, adequadas às demandas coletivas. Corresponde a essa necessidade de flexibilização da técnica processual um aumento dos poderes do juiz – o que, aliás, é uma tendência até do processo civil individual. Na revisitação da técnica processual, são pontos importantes do Anteprojeto a reformulação do sistema de preclusões – sempre na observância do contraditório -, a reestruturação dos conceitos de pedido e causa de pedir – a serem interpretados extensivamente – e de conexão, continência e litispendência – que devem levar em conta a identidade do bem jurídico a ser tutelado; o enriquecimento da coisa julgada, com a previsão do julgado “secundum eventum probationis”; a ampliação dos esquemas da legitimação, para garantir maior acesso à justiça, mas com a paralela observância de requisitos que configuram a denominada “representatividade adequada” e põem em realce o necessário aspecto social da tutela dos interesses e direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, colocando a proteção dos direitos fundamentais de terceira geração a salvo de uma indesejada banalização.

5 – O Anteprojeto engloba todos os atuais processos coletivos brasileiros – com exceção dos relativos ao controle da constitucionalidade, que não se destinam à defesa de interesses ou direitos de grupos, categorias ou classes de pessoas -, sendo constituído de VI Capítulos.

O Capítulo I cuida das demandas coletivas em geral, aplicando-se a todas elas e tratando de manter diversos dispositivos vigentes, mas também regrando matérias novas ou reformuladas – como o pedido e a causa de pedir, a conexão e a continência, a relação entre ação coletiva e ações individuais, a questão dos processos individuais repetitivos. Também novas são as normas sobre interrupção da prescrição, a prioridade de processamento e a utilização de meios eletrônicos para a prática de atos processuais, a preferência pelo processamento e julgamento por juízos especializados, a previsão de gratificação financeira para segmentos sociais que atuem na condução do processo. A questão do ônus da prova é revisitada, dentro da moderna teoria da carga dinâmica da prova. As normas sobre coisa julgada, embora atendo-se ao regime vigente, são simplificadas, contemplando, como novidade, a possibilidade de repropositura da ação, no prazo de 2 (dois) anos contados da descoberta de prova nova, superveniente, idônea para mudar o resultado do primeiro processo e que neste não foi possível produzir, bem

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como a atenuação da coisa julgada “secundum eventum litis”, quando autor da demanda é o sindicato, legitimado pela Constituição como substituto processual. Os efeitos da apelação e a execução provisória têm regime próprio, adequado às novas tendências do direito processual.

O Capítulo II, dividido em duas seções, trata da ação coletiva. Preferiu-se essa denominação à tradicional de “ação civil pública”, não só por razões doutrinárias, mas sobretudo para obstar a decisões que não têm reconhecido a legitimação de entidades privadas a uma ação que é denominada de “pública”

A Seção I deste Capítulo é voltada às disposições gerais, deixando-se expresso o cabimento da ação como instrumento do controle difuso de constitucionalidade. A grande novidade consiste em englobar nas normas sobre a legitimação ativa, consideravelmente ampliada, requisitos fixados por lei, correspondentes à categoria da “representatividade adequada”. A representatividade adequada é, assim, comprovada por critérios objetivos, legais, para a grande maioria dos legitimados, com exceção da pessoa física – à qual diversas constituições ibero-americanas conferem legitimação – em relação a quem o juiz aferirá a presença dos requisitos em concreto. Por outro lado, a exigência de representatividade adequada é essencial para o reconhecimento legal da figura da ação coletiva passiva, objeto do Capítulo III, em que o grupo, categoria ou classe de pessoas figura na relação jurídica processual como réu.

A regra de competência territorial é deslocada para esse Capítulo (no CDC figura indevidamente entre as regras que regem a ação em defesa de interesses ou direitos individuais homogêneos, o que tem provocado não poucas discussões), eliminando-se, em alguns casos, a regra da competência concorrente entre Capitais dos Estados e Distrito Federal ou entre comarcas, motivo de proliferações de demandas e de decisões contraditórias. Para as demandas de índole nacional é fixada a competência territorial do Distrito Federal, único critério que possibilitará centralizá-las, evitando investidas do Legislativo atualmente consubstanciadas em proposta de Emenda Constitucional que pretende atribuir ao STJ a competência para decidir a respeito do foro competente.

O inquérito civil é mantido nos moldes da Lei da Ação Civil Pública, mas se deixa claro que as peças informativas nele colhidas só poderão ser aproveitadas na ação coletiva desde que tenha havido participação do investigado na sua colheita, com exclusão das provas periciais, em que o contraditório poderá ser diferido. Afinal, a Constituição federal garante o contraditório no processo administrativo, conquanto não punitivo, em que haja “litigantes” (ou seja, titulares de conflitos de interesses) e o investigado tem direito a um contraditório adequado ao processo administrativo: o que não deixa de ser conveniente para o Ministério Público, uma vez que no processo judicial o juiz poderá antecipar a tutela com base nos dados colhidos no inquérito.

Deixa-se ao Ministério Público maior liberdade para intervir no processo como fiscal da lei. A audiência preliminar é tratada nos moldes de proposta legislativa existente para o processo individual, com o intuito de transformar o juiz em verdadeiro gestor do processo, dando-se ênfase aos meios alternativos de solução de controvérsias; deixa-se claro, aliás, até onde poderá ir a transação – outra dúvida que tem aparecido nas demandas coletivas - bem como seus efeitos no caso de acordo a que não adira o membro do grupo, categoria ou classe, em se tratando de direitos ou interesses individuais homogêneos. O Fundo dos Direitos Difusos e

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Coletivos, dividido em federal e estaduais, é regulamentado de modo a resguardar aderência à destinação do dinheiro arrecadado, cuidando-se também do necessário controle e da devida transparência. Além disso, norma de relevante interesse para os autores coletivos atribui ao Fundo a responsabilidade pelos custos das perícias.

A Seção II do Capítulo II trata da ação coletiva para a defesa de interesses ou direitos individuais homogêneos. E, com relação à ação de responsabilidade civil reparatória dos danos pessoalmente sofridos, inova no regime das notificações, necessárias não só no momento da propositura da demanda – como é hoje – mas também quando houver decisões que favoreçam os membros do grupo: com efeito, o desconhecimento da existência de liminares ou da sentença de procedência tem impedido aos beneficiados a fruição de seus direitos. Outra novidade está na sentença condenatória que, quando possível, não será genérica, mas poderá fixar a indenização devida aos membros do grupo, ressalvado o direito à liquidação individual. Estabelecem-se novas regras sobre a liquidação e a execução da sentença, coletiva ou individual, ampliando as regras de competência e a legitimação, tudo no intuito de facilitar a fruição dos direitos por parte dos beneficiários. É mantida a fluid recovery.

O Capítulo III introduz no ordenamento brasileiro a ação coletiva passiva, ou seja a ação promovida não pelo, mas contra o grupo, categoria ou classe de pessoas. A jurisprudência brasileira vem reconhecendo o cabimento dessa ação (a defendant class action do sistema norte-americano), mas sem parâmetros que rejam sua admissibilidade e o regime da coisa julgada. A pedra de toque para o cabimento dessas ações é a representatividade adequada do legitimado passivo, acompanhada pelo requisito do interesse social. A ação coletiva passiva será admitida para a tutela de interesses ou direitos difusos ou coletivos, pois esse é o caso que desponta na “defendant class action”, conquanto os efeitos da sentença possam colher individualmente os membros do grupo, categoria ou classe de pessoas. Por isso, o regime da coisa julgada é perfeitamente simétrico ao fixado para as ações coletivas ativas.

O Capítulo IV trata do mandado de segurança coletivo, até hoje sem disciplina legal. Deixa-se claro que pode ele ser impetrado, observados os dispositivos constitucionais, para a defesa de direito líquido e certo ligado a interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, espancando-se assim dúvidas doutrinárias e jurisprudenciais. Amplia-se a legitimação para abranger o MP, dentro do permissivo constitucional do art. 129, IX, CF, e a Defensoria Pública. De resto, aplicam-se ao mandado de segurança coletivo as disposições da Lei n. 1.533/51, no que não forem incompatíveis com a defesa coletiva, assim como o Capítulo I do Código, inclusive no que respeita às custas e honorários advocatícios.

O Capítulo V trata das ações populares, sendo a Seção I dedicada à ação popular constitucional. Aplicam-se aqui as disposições do Capítulo I e as regras da Lei n. 4.717/65, com a modificação de alguns artigos desta para dar maior liberdade de ação ao Ministério Público, para prever a cientificação do representante da pessoa jurídica de direito público e para admitir a repropositura da ação, diante de prova superveniente, nos moldes do previsto para a ação coletiva.

A Seção II do Capítulo V cuida da ação de improbidade administrativa que, embora rotulada pela legislação inerente ao MP como ação civil pública, é, no entanto, uma verdadeira ação popular (destinada à proteção do interesse público e não à defesa de interesses e direitos de grupos, categorias e classes de pessoas),

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com legitimação conferida por lei ao Ministério Público. Esta legitimação encontra embasamento no art.129, IX, da Constituição. Aqui também a lei de regência será a Lei n.8.429/92, aplicando-se à espécie as disposições do Capítulo I do Código.

Finalmente, o Capítulo VI trata das disposições finais, criando o Cadastro Nacional de Processos Coletivos, a ser organizado e mantido pelo Conselho Nacional de Justiça; fixando princípios de interpretação, determinando a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, no que não for incompatível, independentemente da Justiça competente e notadamente quanto aos recursos e dando nova redação a dispositivos legais (inclusive em relação à antecipação de tutela e à sua estabilização, nos moldes do référé francês e consoante Projeto de Lei do Senado). Revogam-se expressamente: a Lei da Ação Civil Pública e os arts. 81 a 104 do Código de Defesa do Consumidor (pois o Anteprojeto trata por completo da matéria); o parágrafo 3o do art. 5o da Lei da Ação Popular, que fixa a prevenção da competência no momento da propositura da ação, colidindo com o princípio do Capítulo I do Anteprojeto; bem como diversos dispositivos de leis esparsas que se referem à ação civil pública, cujo cuidadoso levantamento foi feito por Marcelo Vigliar e que tratam de matéria completamente regulada pelo Anteprojeto.

A entrada em vigor do Código é fixada em cento e oitenta dias a contar de sua publicação.

6 - Cumpre observar, ainda, que o texto ora apresentado deve ser amplamente divulgado e discutido, não só por especialistas e operadores do direito mas também pela sociedade civil, com o intuito de aperfeiçoá-lo. Por ora, pode-se afirmar que o Anteprojeto representa um esforço coletivo, sério e equilibrado, no sentido de reunir, sistematizar e melhorar as regras brasileiras sobre processos coletivos, hoje existentes em leis esparsas, às vezes inconciliáveis entre si, harmonizando-as e conferindo-lhes tratamento consentâneo com a relevância jurídica, social e política dos interesses e direitos transindividuais e individuais homogêneos. Tudo com o objetivo de tornar sua aplicação mais clara e correta, de superar obstáculos e entraves que têm surgido na prática legislativa e judiciária e de inovar na técnica processual, de modo a extrair a maior efetividade possível de importantes instrumentos constitucionais de direito processual.

São Paulo, outubro de 2005Ada Pellegrini GrinoverProfessora Titular de Direito Processual da USPPresidente do Instituto Brasileiro de Direito Processual

ANTEPROJETO DE CÓDIGO BRASILEIRO DE PROCESSOS COLETIVOSCapítulo I – Das demandas coletivas

Art. 1º. Da tutela jurisdicional coletiva – A tutela jurisdicional coletiva é exercida por intermédio da ação coletiva ativa (Capítulo II, Seções I e II), da ação coletiva passiva (Cap. III), do mandado de segurança coletivo (Capítulo IV) e das ações populares (Capítulo V, Seções I e II), sem prejuízo de outras ações criadas por lei.

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Art. 2o. Efetividade da tutela jurisdicional – Para a defesa dos direitos e interesses indicados neste Código são admissíveis todas as espécies de ações e provimentos capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela, inclusive os previstos no Código de Processo Civil e em leis especiais.

Art. 3º. Objeto da tutela coletiva – A demanda coletiva será exercida para a tutela de:

I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular um grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas, entre si ou com a parte contrária, por uma relação jurídica base;

III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Parágrafo único. Não se admitirá ação coletiva que tenha como pedido a declaração de inconstitucionalidade, mas esta poderá ser objeto de questão prejudicial, pela via do controle difuso.

Art. 4º - Pedido e causa de pedir – Nas ações coletivas, a causa de pedir e o pedido serão interpretados extensivamente, em conformidade com o bem jurídico a ser protegido.

Parágrafo único. A requerimento da parte interessada, até a prolação da sentença, o juiz permitirá a alteração do pedido ou da causa de pedir, desde que seja realizada de boa-fé, não represente prejuízo injustificado para a parte contrária e o contraditório seja preservado, mediante possibilidade de nova manifestação de quem figure no pólo passivo da demanda, no prazo de 5 (cinco) dias.

Art. 5º. Relação entre demandas coletivas – Observado o disposto no artigo 20 deste Código, as demandas coletivas de qualquer espécie poderão ser reunidas, de ofício ou a requerimento das partes, ficando prevento o juízo perante o qual a demanda foi distribuída em primeiro lugar, quando houver:

I – conexão, pela identidade de pedido ou causa de pedir, conquanto diferentes os legitimados ativos, e para os fins da ação prevista no Capítulo III, os legitimados passivos;

II – continência, pela identidade de partes e causa de pedir, observado o disposto no inciso anterior, sendo o pedido de uma das ações mais abrangente do que o das demais.

Par. 1º. Na análise da identidade do pedido e da causa de pedir, será considerada a identidade do bem jurídico a ser protegido.

Par. 2º. Na hipótese de conexidade entre ações coletivas referidas ao mesmo bem jurídico, o juiz prevento deverá obrigatoriamente determinar a reunião de processos para julgamento conjunto.

Par. 3º. Aplicam-se à litispendência as regras dos incisos I e II deste artigo, quanto à identidade de legitimados ativos ou passivos, e a regra de seu parágrafo 1º, quanto à identidade do pedido e da causa de pedir.

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Art. 6º. Relação entre demanda coletiva e ações individuais – A demanda coletiva não induz litispendência para as ações individuais em que sejam postulados direitos ou interesses próprios e específicos de seus autores, mas os efeitos da coisa julgada coletiva (art. 12 deste Código) não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da ciência efetiva da demanda coletiva nos autos da ação individual.

Par. 1o. Cabe ao demandado informar o juízo da ação individual sobre a existência de demanda coletiva que verse sobre idêntico bem jurídico, sob pena de, não o fazendo, o autor individual beneficiar-se da coisa julgada coletiva mesmo no caso de a ação individual ser rejeitada.

Par. 2o. A suspensão do processo individual perdurará até o trânsito em julgado da sentença coletiva, facultado ao autor requerer a retomada do curso do processo individual, a qualquer tempo, independentemente da anuência do réu, hipótese em que não poderá mais beneficiar-se da sentença coletiva.

Par. 3º. O Tribunal, de ofício, por iniciativa do juiz competente ou , após instaurar o, em qualquer hipótese, o contraditório, poderá determinar a suspensão de processos individuais em que se postule a tutela de interesses ou direitos individuais referidos a relação jurídica substancial de caráter incindível, pela sua própria natureza ou por força de lei, a cujo respeito as questões devam ser decididas de modo uniforme e globalmente, quando houver sido ajuizada demanda coletiva versando sobre o mesmo bem jurídico.

Par. 4º. Na hipótese do parágrafo anterior, a suspensão do processo perdurará até o trânsito em julgado da sentença coletiva, vedada ao autor a retomada do curso do processo individual.

Art. 7o. Comunicação sobre processos repetitivos. O juiz, tendo conhecimento da existência de diversos processos individuais correndo contra o mesmo demandado, com identidade de fundamento jurídico, notificará o Ministério Público e, na medida do possível, outros legitimados, a fim de que proponham, querendo, demanda coletiva, ressalvada aos autores individuais a faculdade prevista no artigo anterior.

Parágrafo único. Caso o Ministério Público não promova a demanda coletiva, no prazo de 90 (noventa) dias, o juiz, se considerar relevante a tutela coletiva, fará remessa das peças dos processos individuais ao procurador-geral, e este ajuizará a demanda coletiva, designará outro órgão do Ministério Público para fazê-lo, ou insistirá, motivadamente, no não ajuizamento da ação, informando o juiz.

Art. 8o. Efeitos da citação –A citação válida para a demanda coletiva interrompe o prazo de prescrição das pretensões individuais e transindividuais direta ou indiretamente relacionadas com a controvérsia, retroagindo o efeito à data da propositura da ação.

Art. 9o. Prioridade de processamento e utilização de meios eletrônicos – O juiz deverá dar prioridade ao processamento da demanda coletiva, servindo-se preferencialmente dos meios eletrônicos para a prática de atos processuais do juízo e das partes, observados os critérios próprios que garantam sua autenticidade.

Art. 10. Provas – São admissíveis em juízo todos os meios de prova, desde que obtidos por meios lícitos, incluindo a prova estatística ou por amostragem.

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Par. 1o. Sem prejuízo do disposto no artigo 333 do Código de Processo Civil, o ônus da prova incumbe à parte que detiver conhecimentos técnicos ou informações específicas sobre os fatos, ou maior facilidade em sua demonstração.

Par. 2º. O ônus da prova poderá ser invertido quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação, segundo as regras ordinárias de experiência, ou quando a parte for hipossuficiente.

Par. 3o. Durante a fase instrutória, surgindo modificação de fato ou de direito relevante para o julgamento da causa (parágrafo único do artigo 4º deste Código), o juiz poderá rever, em decisão motivada, a distribuição do ônus da prova, concedendo à parte a quem for atribuída a incumbência prazo razoável para sua produção, observado o contraditório em relação à parte contrária.

Par. 4º. O juiz poderá determinar de ofício a produção de provas, observado o contraditório.

Art. 11. Motivação das decisões judiciárias. Todas as decisões deverão ser especificamente fundamentadas, especialmente quanto aos conceitos jurídicos indeterminados.

Parágrafo único. Na sentença de improcedência, o juiz deverá explicitar, no dispositivo, se rejeita a demanda por insuficiência de provas.

Art. 12. Coisa julgada – Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova.

Par. 1º. Tratando-se de interesses ou direitos individuais homogêneos (art. 3º, III, deste Código), em caso de improcedência do pedido, os interessados poderão propor ação a título individual, salvo quando a demanda coletiva tiver sido ajuizada por sindicato, como substituto processual da categoria.

Par. 2º. Os efeitos da coisa julgada nas ações em defesa de interesses ou direitos difusos ou coletivos (art. 3º, I e II, deste Código) não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 28 e 29 deste Código.

Par. 3º. Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal condenatória.

Par. 4º. A competência territorial do órgão julgador não representará limitação para a coisa julgada erga omnes.

Par. 5o. Mesmo na hipótese de sentença de improcedência, fundada nas provas produzidas, qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento, no prazo de 2 (dois) anos contados da descoberta de prova nova, superveniente, que não poderia ser produzida no processo, desde que idônea, por si só, para mudar seu resultado.

Par. 6º - A faculdade prevista no parágrafo anterior, nas mesmas condições, fica assegurada ao demandado da ação coletiva julgada procedente.

Art. 13. Efeitos do recurso da sentença definitiva – O recurso interposto contra a sentença tem efeito meramente devolutivo, salvo quando a fundamentação

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for relevante e puder resultar à parte lesão grave e de difícil reparação, hipótese em que o juiz pode atribuir ao recurso efeito suspensivo.

Art. 14. Legitimação à liquidação e execução da sentença condenatória – Na hipótese de o autor da demanda coletiva julgada procedente não promover a liquidação ou execução da sentença, deverá fazê-lo o Ministério Público, quando se tratar de interesse público relevante, facultada igual iniciativa, em todos os casos, aos demais legitimados (art. 19 deste Código).

Art. 15. Execução definitiva e execução provisória – A execução é definitiva quando passada em julgado a sentença; e provisória, na pendência dos recursos cabíveis.

Par. 1.º. A execução provisória corre por conta e risco do exeqüente, que responde pelos prejuízos causados ao executado, em caso de reforma da sentença recorrida.

Par. 2o. A execução provisória permite a prática de atos que importem em alienação do domínio ou levantamento do depósito em dinheiro.

Par. 3o. A pedido do executado, o tribunal pode suspender a execução provisória quando dela puder resultar lesão grave e de difícil reparação.

Art 16. Custas e honorários – Nas demandas coletivas de que trata este código, a sentença condenará o demandado, se vencido, nas custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, bem como em honorários de advogados.

Par. 1o O Poder Público, quando demandado e vencido, incorrerá na condenação prevista neste artigo.

Par. 2o. No cálculo dos honorários, o juiz levará em consideração a vantagem para o grupo, categoria ou classe, a quantidade e qualidade do trabalho desenvolvido pelo advogado e a complexidade da causa.

Par. 3o. Se o legitimado for pessoa física, entidade sindical ou de fiscalização do exercício das profissões, associação civil ou fundação de direito privado, o juiz, sem prejuízo da verba da sucumbência, poderá fixar gratificação financeira quando sua atuação tiver sido relevante na condução e êxito da demanda coletiva.

Par. 4o. Os autores da demanda coletiva não adiantarão custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem serão condenados, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogados, custas e despesas processuais.

Par. 5o. O litigante de má-fé e os responsáveis pelos respectivos atos serão solidariamente condenados ao pagamento das despesas processuais, em honorários advocatícios e em até o décuplo das custas, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos.

Art 17. Juízos especializados – Sempre que possível, as demandas coletivas de que trata este Código serão processadas e julgadas em juízos especializados.

Capítulo II – Da ação coletiva ativaSeção I – Disposições gerais

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Art. 18. Cabimento da ação coletiva ativa. A ação coletiva ativa será exercida para a tutela dos interesses e direitos mencionados no artigo 3º deste Código.

Art. 19. Legitimação. São legitimados concorrentemente à ação coletiva ativa:I – qualquer pessoa física, para a defesa dos interesses ou direitos difusos,

desde que o juiz reconheça sua representatividade adequada, demonstrada por dados como:

a – a credibilidade, capacidade e experiência do legitimado;b – seu histórico na proteção judicial e extrajudicial dos interesses ou direitos

difusos e coletivos;c – sua conduta em eventuais processos coletivos em que tenha atuado;II – o membro do grupo, categoria ou classe, para a defesa dos interesses ou

direitos coletivos e individuais homogêneos, desde que o juiz reconheça sua representatividade adequada, nos termos do inciso I deste artigo;

III - o Ministério Público, para a defesa dos interesses ou direitos difusos e coletivos, bem como dos individuais homogêneos de relevante interesse social;

IV – a Defensoria Pública, para a defesa dos interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, neste último caso quando os membros do grupo, categoria ou classe de pessoas forem predominantemente hipossuficientes;

V – as pessoas jurídicas de direito público interno, para a defesa dos interesses ou direitos difusos e, quando relacionados com suas funções, dos coletivos e individuais homogêneos;

VI - as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos indicados neste Código;

VII – as entidades sindicais e de fiscalização do exercício das profissões, restritas as primeiras à defesa dos interesses e direitos ligados à categoria;

VIII - os partidos políticos com representação no Congresso Nacional, nas Assembléias Legislativas ou nas Câmaras Municipais, conforme o âmbito do objeto da demanda, para a defesa de direitos e interesses ligados a seus fins institucionais;

IX - as associações civis e as fundações de direito privado legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses ou direitos indicados neste Código, dispensadas a autorização assemblear ou pessoal e a apresentação do rol nominal dos associados ou membros.

Par. 1°. Na defesa dos interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, qualquer legitimado deverá demonstrar a existência do interesse social e, quando se tratar de direitos coletivos e individuais homogêneos, a coincidência entre os interesses do grupo, categoria ou classe e o objeto da demanda;

Par. 2º. No caso dos incisos I e II deste artigo, o juiz poderá voltar a analisar a existência do requisito da representatividade adequada em qualquer tempo e grau de jurisdição, aplicando, se for o caso, o disposto no parágrafo seguinte.

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Par. 3º. Em caso de inexistência do requisito da representatividade adequada (incisos I e II deste artigo), o juiz notificará o Ministério Público e, na medida do possível, outros legitimados, a fim de que assumam, querendo, a titularidade da ação.

Par. 4º. Em relação às associações civis e às fundações de direito privado, o juiz poderá dispensar o requisito da pré-constituição, quando haja manifesto interesse social evidenciado pelas características do dano ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.

Par. 5o. Será admitido o litisconsórcio facultativo entre os legitimados.Par. 6o. Em caso de relevante interesse social, o Ministério Público, se não

ajuizar a ação ou não intervier no processo como parte, atuará obrigatoriamente como fiscal da lei.

Par. 7o. Havendo vício de legitimação, desistência infundada ou abandono da ação, o juiz aplicará o disposto no par. 3º deste artigo.

Par. 8o. Em caso de inércia do Ministério Público, aplica-se o disposto no parágrafo único do art. 7º deste Código.

Par. 9º. O Ministério Público e os órgãos públicos legitimados, agindo com critérios de equilíbrio e imparcialidade, poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de conduta às exigências legais, mediante cominações, com eficácia de título executivo extrajudicial, sem prejuízo da possibilidade de homologação judicial do compromisso, se assim requererem as partes.

Art. 20. Competência territorial – É absolutamente competente para a causa o foro:

I – do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local;II – de qualquer das comarcas, quando o dano de âmbito regional compreender

até 3 (três) delas, aplicando-se no caso as regras de prevenção; III - da Capital do Estado, para os danos de âmbito regional, compreendendo 4

(quatro) ou mais comarcas;IV – de uma das Capitais do Estado, quando os danos de âmbito interestadual

compreenderem até 3 (três) Estados, aplicando-se no caso as regras de prevenção; IV- do Distrito Federal, para os danos de âmbito interestadual que comprendam

mais de 3 (três) Estados, ou de âmbito nacional.Par. 1º. A amplitude do dano será aferida conforme indicada na petição inicial

da demanda.Par. 2º. Ajuizada a demanda perante juiz territorialmente incompetente, este

remeterá incontinenti os autos ao juízo do foro competente, sendo vedada ao primeiro juiz a apreciação de pedido de antecipação de tutela.

Art. 21. Inquérito civil. O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, nos termos do disposto em sua Lei Orgânica.

Par. 1o – A eficácia probante, em juízo, das peças informativas do inquérito civil dependerá da participação do investigado, em sua colheita, ressalvadas as perícias, que poderão ser submetidas a contraditório posterior.

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Par. 2.º. Nos casos em que a lei impuser sigilo, incumbe ao Ministério Público, ao inquirido e a seu advogado a manutenção do segredo.

Par. 3.º Se o órgão do Ministério Público, esgotadas todas as diligências, se convencer da inexistência de fundamento para a propositura de ação coletiva, promoverá o arquivamento dos autos do inquérito civil ou das peças informativas, fazendo-o fundamentadamente.

Par. 4.º Os demais legitimados (art. 21 deste Código) poderão recorrer da decisão de arquivamento ao Conselho Superior do Ministério Público, conforme dispuser o seu regimento.

Par. 5º. O órgão do Ministério Público que promover o arquivamento do inquérito civil ou das peças informativas encaminhará, no prazo de 3 (três) dias, sob pena de falta grave, os respectivos autos ao Conselho Superior do Ministério Público, para homologação e para as medidas necessárias à uniformização da atuação ministerial.

Par. 6º. Deixando o Conselho de homologar a promoção do arquivamento, designará, desde logo, outro órgão do Ministério Público para o ajuizamento da ação.

Par. 7º. Constituem crime, punido com pena de reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, mais multa de 10 (dez) a 1.000 (mil) Obrigações do Tesouro Nacional, a recusa, o retardamento ou a omissão de dados técnicos indispensáveis à propositura da ação coletiva, quando requisitados pelo Ministério Público.

Art. 22. Da instrução da inicial – Para instruir a inicial, o legitimado poderá requerer às autoridades competentes as certidões e informações que julgar necessárias.

Par. 1º - As certidões e informações deverão ser fornecidas dentro de 15 (quinze) dias da entrega, sob recibo, dos respectivos requerimentos, e só poderão ser utilizados para a instrução da ação coletiva.

Par. 2º - Somente nos casos em que a defesa da intimidade ou o interesse social, devidamente justificados, exigirem o sigilo, poderá ser negada certidão ou informação.

Par. 3º - Ocorrendo a hipótese do parágrafo anterior, a ação poderá ser proposta desacompanhada das certidões ou informações negadas, cabendo ao juiz, após apreciar os motivos do indeferimento, requisitá-las; feita a requisição, o processo correrá em segredo de justiça, que cessará com o trânsito em julgado da sentença.

Art. 23 - Audiência preliminar – Encerrada a fase postulatória, o juiz designará audiência preliminar, à qual comparecerão as partes ou seus procuradores, habilitados a transigir.

Par. 1o. O juiz ouvirá as partes sobre os motivos e fundamentos da demanda e tentará a conciliação, sem prejuízo de sugerir outras formas adequadas de solução do conflito, como a mediação, a arbitragem e a avaliação neutra de terceiro.

Par. 2º. A avaliação neutra de terceiro, de confiança das partes, obtida no prazo fixado pelo juiz, é sigilosa, inclusive para este, e não vinculante para as partes, sendo sua finalidade exclusiva a de orientá-las na tentativa de composição amigável do conflito.

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Par. 3o. Preservada a indisponibilidade do bem jurídico coletivo, as partes poderão transigir sobre o modo de cumprimento da obrigação.

Par. 4º. Obtida a transação, será homologada por sentença, que constituirá título executivo judicial.

Par. 5º. Não obtida a conciliação, sendo ela parcial, ou quando, por qualquer motivo, não for adotado outro meio de solução do conflito, o juiz, fundamentadamente:

I – decidirá se a ação tem condições de prosseguir na forma coletiva, certificando-a como coletiva;

II – poderá separar os pedidos em ações coletivas distintas, voltadas à tutela, respectivamente, dos interesses ou direitos difusos e coletivos, de um lado, e dos individuais homogêneos, do outro, desde que a separação represente economia processual ou facilite a condução do processo;

III – fixará os pontos controvertidos, decidirá as questões processuais pendentes e determinará as provas a serem produzidas, designando audiência de instrução e julgamento, se for o caso;

IV – esclarecerá as partes sobre a distribuição do ônus da prova, de acordo com o disposto no par. 1º do artigo 10 deste Código, e sobre a possibilidade de ser determinada, no momento do julgamento, sua inversão, nos termos do par. 2º do mesmo artigo.

Art. 24. Ação ressarcitória – Na ação ressarcitória dos danos provocados ao bem indivisivelmente considerado, a reparação consistirá na prestação de obrigações específicas, destinadas à compensação do dano sofrido, ou em indenização voltada à reparação do dano, a qual reverterá ao Fundo dos Direitos Difusos e Coletivos, de natureza federal ou estadual, de acordo com o bem jurídico prejudicado (artigo 25 deste Código).

Par. 1o. Dependendo da especificidade do bem jurídico afetado, da extensão territorial abrangida e de outras circunstâncias consideradas relevantes, o juiz poderá especificar, em decisão fundamentada, a destinação da indenização e as providências a serem tomadas para a reconstituição dos bens lesados, podendo indicar a realização de atividades tendentes a minimizar a lesão ou a evitar que se repita, dentre outras que beneficiem o bem jurídico prejudicado;

Par. 2o. A decisão que especificar a destinação da indenização indicará, de modo claro e preciso, as medidas a serem tomadas pelo Conselho Gestor do Fundo, fixando prazo razoável para que as medidas sejam concretizadas;

Par. 3o. Vencido o prazo fixado pelo juiz, o Conselho Gestor do Fundo apresentará relatório das atividades realizadas, facultada, conforme o caso, a solicitação de sua prorrogação, para complementar as medidas determinadas na decisão judicial.

Par. 4º. Aplica-se ao descumprimento injustificado dos par.s 2º e 3º deste artigo o disposto no par. 1º.

Art. 25. Do Fundo dos Direitos Difusos e Coletivos. O Fundo será administrado por um Conselho Gestor federal ou por Conselhos Gestores estaduais, dos quais participarão necessariamente membros do Ministério Público, juízes e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição

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dos bens lesados ou, não sendo possível, à realização de atividades tendentes a minimizar a lesão ou a evitar que se repita, dentre outras que beneficiem o bem jurídico prejudicado, bem como a custear as perícias necessárias à defesa dos direitos ou interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Par. 1o. Além da indenização oriunda da sentença condenatória, prevista no caput do artigo 24, e da execução pelos danos globalmente causados, de que trata o par. 3º do artigo 33, ambos deste Código, constituem receita do Fundo o produto da arrecadação de multas e da indenização devida quando não for possível o cumprimento da obrigação pactuada no compromisso de ajustamento de conduta.

Par. 2º. O representante legal do Fundo, considerado funcionário público para efeitos legais, responderá por sua atuação nas esferas administrativa, penal e civil.

Par. 3o. O Fundo será notificado da propositura de toda ação coletiva e sobre as decisões mais importantes do processo, podendo nele intervir em qualquer tempo e grau de jurisdição na função de “amicus curiae”.

Par. 4º. O Fundo manterá e divulgará registros que especifiquem a origem e a destinação dos recursos e indicará a variedade dos bens jurídicos a serem tutelados e seu âmbito regional;

Par. 5º. Semestralmente, o Fundo dará publicidade às suas demonstrações financeiras e atividades desenvolvida.

Seção II – Da ação coletiva para a defesa de interesses ou direitos individuais homogêneos

Art. 26. Da ação coletiva para a defesa de interesses ou direitos individuais homogêneos – A ação coletiva para a defesa de interesses ou direitos individuais homogêneos será exercida para a tutela do conjunto de direitos ou interesses individuais, decorrentes de origem comum, de que sejam titulares os membros de um grupo, categoria ou classe.

Par. 1o. Para a tutela dos interesses ou direitos individuais homogêneos, além dos requisitos indicados no artigo 19 deste Código, é necessária a aferição da predominância das questões comuns sobre as individuais e da utilidade da tutela coletiva no caso concreto.

Par. 2o.. A determinação dos interessados poderá ocorrer no momento da liquidação ou execução do julgado, não havendo necessidade de a petição inicial estar acompanhada da relação de membros do grupo, classe ou categoria.

Art. 27. Ação de responsabilidade civil – Os legitimados poderão propor, em nome próprio e no interesse das vítimas ou seus sucessores, dentre outras (art. 2.º deste Código), ação coletiva de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos, de acordo com o disposto nos artigos seguintes.

Art. 28. Citação e notificações – Estando em termos a petição inicial, o juiz ordenará a citação do réu e a publicação de edital no órgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir no processo como assistentes, observado o disposto no par. 5º deste artigo.

Par. 1º. Sem prejuízo da publicação do edital, o juiz determinará sejam os órgãos e entidades de defesa dos interesses ou direitos indicados neste Código notificados da existência da demanda coletiva e de seu trânsito em julgado.

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Par. 2º. Concedida a tutela antecipada e sendo identificáveis os beneficiários, o juiz determinará ao demandado que informe os interessados sobre a opção de exercerem, ou não, o direito à fruição da medida.

Par. 3º. Descumprida a determinação judicial de que trata o parágrafo anterior, o demandado responderá, no mesmo processo, pelos prejuízos causados aos beneficiários.

Par. 4º. Quando for possível a execução do julgado, ainda que provisória, o juiz determinará a publicação de edital no órgão oficial, às custas do demandado, impondo-lhe, também, o dever de divulgar, pelos meios de comunicação social, nova informação, compatível com a extensão ou gravidade do dano, observado o critério da modicidade do custo. Sem prejuízo das referidas providências, o juízo providenciará a comunicação aos órgãos e entidades de defesa dos interesses ou direitos indicados neste Código.

Par. 5º. Os intervenientes não poderão discutir suas pretensões individuais no processo coletivo de conhecimento.

Art. 29. Efeitos da transação - As partes poderão transacionar, ressalvada aos membros do grupo, categoria ou classe a faculdade de não aderir à transação, propondo ação a título individual.

Art. 30 - Sentença condenatória – Sempre que possível, o juiz fixará na sentença o valor da indenização individual devida a cada membro do grupo, categoria ou classe.

Par. 2o. Quando o valor dos danos individuais sofridos pelos membros do grupo, categoria ou classe for uniforme, prevalentemente uniforme ou puder ser reduzido a uma fórmula matemática, a sentença coletiva indicará o valor ou a fórmula de cálculo da indenização individual.

Par. 3º. O membro do grupo, categoria ou classe que divergir quanto ao valor da indenização individual ou à fórmula para seu cálculo, estabelecidos na sentença coletiva, poderá propor ação individual de liquidação.

Par. 4º. Não sendo possível a prolação de sentença condenatória líquida, a condenação poderá ser genérica, fixando a responsabilidade do demandado pelos danos causados e o dever de indenizar.

Art. 31. Competência para a liquidação e execução – É competente para a liquidação e execução o juízo:

I - da ação condenatória ou da sede do legitimado à ação de conhecimento, quando coletiva a liquidação ou execução.

I – da ação condenatória ou do domicílio da vítima ou sucessor, no caso de liquidação ou execução individual.

Parágrafo único. O exeqüente poderá optar pelo juízo do local onde se encontrem bens sujeitos à expropriação.

Art. 32. Liquidação e execução individuais. A liquidação e execução serão promovidas individualmente pelo beneficiário ou seus sucessores, que poderão ser representados, mediante instrumento de mandato, por associações, entidades sindicais ou de fiscalização do exercício das profissões e defensorias públicas, ainda que não tenham sido autoras no processo de conhecimento, observados os requisitos do artigo 15 deste Código.

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Par. 1o. Na liquidação da sentença caberá ao liquidante provar, tão só, o dano pessoal, o nexo de causalidade e o montante da indenização.

Par. 2º. A liquidação da sentença poderá ser dispensada quando a apuração do dano pessoal, do nexo de causalidade e do montante da indenização depender exclusivamente de prova documental, hipótese em que o pedido de execução por quantia certa será acompanhado dos documentos comprobatórios e da memória do cálculo.

Par. 3o. Os valores destinados ao pagamento das indenizações individuais serão depositados em instituição bancária oficial, abrindo-se conta remunerada e individualizada para cada beneficiário, regendo-se os respectivos saques, sem expedição de alvará, pelas normas aplicáveis aos depósitos bancários.

Par. 4o. Na hipótese de o exercício da ação coletiva ter sido contratualmente vinculado ao pagamento de honorários por serviços prestados, o montante destes será deduzido dos valores destinados ao pagamento previsto no parágrafo anterior, ficando à disposição da entidade legitimada.

Par. 5º. A carta de sentença para a execução provisória poderá ser extraída em nome do credor, ainda que este não tenha integrado a lide no processo de conhecimento.

Art. 33. Liquidação e execução coletivas – Se possível, a liquidação e a execução serão coletivas, sendo promovidas por qualquer dos legitimados do artigo 19 deste Código.

Art. 34. Liquidação e execução pelos danos globalmente causados – Decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados do artigo 19 deste Código promover a liquidação e execução coletiva da indenização devida pelos danos causados.

Par. 1o. Na fluência do prazo previsto no caput deste artigo a prescrição não correrá.

Par. 2o. O valor da indenização será fixado de acordo com o dano globalmente causado, que poderá ser demonstrado por meio de prova pré-constituída ou, não sendo possível, mediante liquidação.

Par. 3o – O produto da indenização reverterá ao Fundo (art. 26 deste Código), que o utilizará para finalidades conexas à proteção do grupo, categoria ou classe beneficiados pela sentença.

Art.35. Concurso de créditos – Em caso de concurso de créditos decorrentes de condenação de que trata o artigo 26 deste Código e de indenizações pelos prejuízos individuais resultantes do mesmo evento danoso, estas terão preferência no pagamento.

Parágrafo único. Para efeito do disposto neste artigo, a destinação da importância recolhida ao Fundo ficará sustada enquanto pendentes de decisão de recurso ordinário as ações de indenização pelos danos individuais, salvo na hipótese de o patrimônio do devedor ser manifestamente suficiente para responder pela integralidade das dívidas.

Capítulo III – Da ação coletiva passiva

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Art. 36. Ações contra o grupo, categoria ou classe – Qualquer espécie de ação pode ser proposta contra uma coletividade organizada, mesmo sem personalidade jurídica, desde que apresente representatividade adequada (art. 19, I, “a”, “b” e “c”), se trate de tutela de interesses ou direitos difusos e coletivos (art. 3º) e a tutela se revista de interesse social.

Art. 37. Coisa julgada passiva –A coisa julgada atuará erga omnes, vinculando os membros do grupo, categoria ou classe e aplicando-se ao caso as disposições do artigo 12 deste Código, no que dizem respeito aos interesses ou direitos transindividuais.

Art. 38. Aplicação complementar às ações coletivas passivas – Aplica-se complementarmente às ações coletivas passivas o disposto no Capítulo I deste Código, no que não for incompatível.

Parágrafo único. As disposições relativas a custas e honorários, previstas no art. 16 e seus parágrafos, serão invertidas, para beneficiar o grupo, categoria ou classe que figurar no pólo passivo da demanda.

Capítulo IV - Do mandado de segurança coletivoArt. 39. Cabimento do mandado de segurança coletivo – Conceder-se-á

mandado de segurança coletivo, nos termos dos incisos LXIX e LXX do artigo 5o da Constituição federal, para proteger direito líquido e certo relativo a interesses ou direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos (art. 3º deste Código).

Art. 40 – Legitimação ativa – O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:

I – Ministério Público;II – Defensoria Pública;III – partido político com representação no Congresso Nacional;IV – organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente

constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados, dispensada a autorização assemblear.

Parágrafo único – O Ministério Público, se não impetrar o mandado de segurança coletivo, atuará como fiscal da lei, em caso de interesse público ou relevante interesse social.

Art. 41. Disposições aplicáveis - Aplicam-se ao mandado de segurança coletivo as disposições do Capítulo I deste Código, inclusive no tocante às custas e honorários (art. 16 e seus parágrafos) e as da Lei n.º 1.533/51, no que não for incompatível.

Capítulo V - Das ações popularesSeção I – Da ação popular constitucional

Art. 42 - Disposições aplicáveis – Aplicam-se à ação popular constitucional as disposições do Capítulo I deste Código e as da Lei n. 4.717, de 29 de junho de 1965.

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Seção II – Ação de improbidade administrativaArt. 43 – Disposições aplicáveis – A ação de improbidade administrativa

rege-se pelas disposições do Capítulo I deste Código e pelas da Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992.

Capítulo VI – Disposições finaisArt. 46 – Do Cadastro Nacional de Processos Coletivos – O Conselho

Nacional de Justiça organizará e manterá o Cadastro Nacional de Processos Coletivos, com a finalidade de permitir que todos os órgãos do Poder Judiciário e todos os interessados tenham acesso ao conhecimento da existência de ações coletivas, facilitando a sua publicidade.

Par. 1º. Os órgãos judiciários aos quais forem distribuídos processos coletivos remeterão, no prazo de 10 (dez) dias, cópia da petição inicial ao Cadastro Nacional de Processos Coletivos.

Par. 2º. O Conselho Nacional de Justiça, no prazo de 90 (noventa) dias, editará regulamento dispondo sobre o funcionamento do Cadastro Nacional de Processos Coletivos, incluindo a forma de comunicação pelos juízos quanto à existência de processos coletivos e aos atos processuais mais relevantes, como a concessão de antecipação de tutela, a sentença e o trânsito em julgado, a interposição de recursos e seu andamento, a execução provisória ou definitiva; disciplinará, ainda, os meios adequados a viabilizar o acesso aos dados e seu acompanhamento por qualquer interessado.

Art. 47. – Instalação de órgãos especializados - A União, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, e os Estados criarão e instalarão órgãos especializados, em primeira e segunda instância, para o processamento e julgamento de ações coletivas.

Art. 48 - Princípios de interpretação – Este Código será interpretado de forma aberta e flexível, compatível com a tutela coletiva dos direitos e interesses de que trata.

Art. 49 - Aplicação subsidiária do Código de Processo Civil – Aplicam-se subsidiariamente às ações coletivas, no que não forem incompatíveis, as disposições do Código de Processo Civil, independentemente da Justiça competente para o processamento e julgamento.

Parágrafo único – Os recursos cabíveis e seu processamento seguirão o disposto no Código de Processo Civil e legislação correlata, no que não for incompatível.

Art. 50. Nova redação – Dê-se nova redação aos artigos de leis abaixo indicados:

a – O artigo 273 do Código de Processo Civil passa a vigorar com a seguinte redação, acrescidos os arts. 273-A, 273-B, 273-C e 273-D:

“Art.273 ..............................................................................................................................

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§4ºA tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada, fundamentadamente, enquanto não se produza a preclusão da decisão que a concedeu (§1° do art. 273-B e art. 273-C)”.

§5 “Na hipótese do inciso I deste artigo, o juiz só concederá a tutela antecipada sem ouvir a parte contrária em caso de extrema urgência ou quando verificar que o réu, citado, poderá torná-la ineficaz”.

Art.273-A. “A antecipação de tutela poderá ser requerida em procedimento antecedente ou na pendência do processo”.

Art.273-B. “Aplicam-se ao procedimento antecedente, no que couber, as disposições do Livro III, Título único, Capítulo I deste Código”.

§1“Concedida a tutela antecipada, é facultado, até 30 (trinta) dias contados da preclusão da decisão concessiva:

a– ao réu, propor demanda que vise à sentença de mérito;b – ao autor, em caso de antecipação parcial, propor demanda que vise à satisfação integral da pretensão.”§ 2º “Não intentada a ação, a medida antecipatória adquirirá força de coisa

julgada nos limites da decisão proferida”.Art. 273-C.“Concedida a tutela antecipada no curso do processo, é facultado à

parte interessada, até 30 (trinta) dias contados da preclusão da decisão concessiva, requerer seu prosseguimento, objetivando o julgamento de mérito.”

Parágrafo único.“Não pleiteado o prosseguimento do processo, a medida antecipatória adquirirá força de coisa julgada nos limites da decisão proferida”.

Art. 273-D. “ Proposta a demanda (§ 1° do art. 273-B) ou retomado o curso do processo (art. 273-C), sua eventual extinção, sem julgamento do mérito, não ocasionará a ineficácia da medida antecipatória, ressalvada a carência da ação, se incompatíveis as decisões.”

b – O artigo 10 da Lei n. 1.533, de 31 de dezembro de 1951, passa a ter a seguinte redação:

Artigo 10: “Findo o prazo a que se refere o item I do art. 7º e ouvido, dentro de 5 (cinco) dias, o representante da pessoa jurídica de direito público, responsável pela conduta impugnada, os autos serão conclusos ao juiz, independentemente de solicitação da parte, para a decisão, a qual deverá ser proferida em 5 (cinco) dias, tenham sido ou não prestadas as informações pela autoridade coatora”.

c - O artigo 7o, inciso I, alínea “a”, da Lei n. 4717, de 29 de junho de 1965, passa a ter a seguinte redação:

Art. 7o – “.............................................................................................I – ......................................................................................................a – além da citação dos réus, a intimação do representante do Ministério

Público, que poderá intervir no processo como litisconsorte ou fiscal da lei, devendo fazê-lo obrigatoriamente quando se tratar de interesse público relevante, vedada, em qualquer caso, a defesa dos atos impugnados ou de seus autores.”

d - Acrescente-se ao artigo 18 da Lei n. 4717, de 29 de junho de 1965 um parágrafo único, com a seguinte redação:

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Art. 18 - “............................................................................................Parágrafo único – Mesmo na hipótese de improcedência fundada nas provas

produzidas, qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento, no prazo de 2 (dois) anos contados da descoberta de prova nova, superveniente, que não poderia ser produzida no processo, desde que idônea, por si só, para mudar seu resultado.”

e - Acrescentem-se ao artigo 17 da Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992, dois parágrafos, numerados como 1o e 2o, renumerando-se os atuais parágrafos 1o , 2o e 3o como 3o , 4o e 5o:

Art.17 – “......................................................................................Par. 1o – Nas hipóteses em que, pela natureza e circunstâncias de fato ou pela

condição dos responsáveis, o interesse social não apontar para a necessidade de pronta e imediata intervenção do Ministério Público, este poderá, inicialmente, provocar a iniciativa do Poder Público co-legitimado, zelando pela observância do prazo prescricional e, sendo proposta a ação, intervir nos autos respectivos como fiscal da lei, nada obstando que, em havendo omissão, venha a atuar posteriormente, inclusive contra a omissão, se for o caso.

Par. 2º - No caso de a ação principal ter sido proposta pelo Ministério Público, a pessoa jurídica interessada integrará a lide na qualidade de litisconsorte, cabendo-lhe suprir as omissões e falhas da inicial e apresentar ou indicar os meios de prova de que disponha.

Par.3o..........................................................................................................

Par.4o...........................................................................................................Par.5o.......................................................................................................”.f – O artigo 80 da Lei n. 10.741, de 1º de outubro de 2003, passa a ter a

seguinte redação:Artigo 80: “As ações individuais movidas pelo idoso serão propostas no foro de

seu domicílio, cujo juízo terá competência absoluta para processar e julgar a causa”.Art. 51. Revogação – Revogam-se a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985; os

artigos 81 a 104 da Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990; o parágrafo 3o do artigo 5o da Lei n. 4.717, de 29 de junho de 1965; os artigos 3º, 4º, 5º, 6º e 7º da Lei n. 7.853, de 24 de outubro de 1989; o artigo 3º da Lei n. 7.913, de 7 de dezembro de 1989; os artigos 210, 211, 212, 213, 215, 217, 218, 219, 222, 223 e 224 da Lei n. 8.069, de 13 de junho de 1990; o artigo 2º da Lei n. 9.494, de 10 de setembro de 1997; e os artigos 81, 82, 83, 85, 91, 92 e 93 da Lei n. 10.741, de 1º de outubro de 2003.

Art. 52 - Vigência - Este Código entrará em vigor dentro de cento e oitenta dias a contar de sua publicação.

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