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Sociedade & Natureza, Uberlândia, 20 (2): 177-198, DEZ. 2008 177 As unidades de paisagem como uma categoria de análise geográfica: o exemplo do município de São Vicente-SP Raul Reis Amorim, Regina Célia de Oliveira AS UNIDADES DE PAISAGEM COMO UMA CATEGORIA DE ANÁLISE GEOGRÁFICA: O EXEMPLO DO MUNICÍPIO DE SÃO VICENTE-SP The landscape units as a category of geographical analysis: the example of the municipality of São Vicente-SP Raul Reis Amorim Doutorando em Geografia, Departamento de Geografia, Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). [email protected] Regina Célia de Oliveira Professora Doutora, Departamento de Geografia, Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). [email protected] Artigo recebido para publicação em 04/03/08 e aceito para publicação em 07/08/08 RESUMO: O município de São Vicente objeto de estudo desta pesquisa, incluiu-se na Baixada Santista no domínio Geomorfológico da Província Costeira no Estado de São Paulo, caracteriza-se pela ocorrência de paisagens diversas sob domínio das zonas de Serranias e Planície Costeira. Apresenta um intenso uso urbano que se estabelece sob áreas de risco vulneráveis a eventos relacionados a movimentos de massa e inundações, fatos que se agravam em razão do crescente processo de ocupação. Tendo em vista o exposto, o objetivo principal desta pesquisa foi a identificação e caracterização dos agentes e processos físico-ambientais, atuantes na área costeira no Município de São Vicente, como subsídio para a efetivação da proposta de definição de unidades da paisagem que representem os diversos níveis de fragilidades ambientais acentuadas pelo modelo de uso em que se consolida a organização do espaço na área do município. Com o propósito de alcançar tal objetivo, foi realizada a caracterização fisiográfica e o levantamento de dados de campo que subsidiou a análise dos parâmetros geomórficos, climáticos e hidrodinâmicos. Palavras chave: Unidades de paisagem; Geomorfologia; planejamento ambiental. ABSTRACT: The municipality of São Vicente, object of study of this research, was included in Baixada Santista in the Geomorphologic Domain of the Coastal Province in the state of São Paulo, is characterized by the occurrence of several landscapes under the domain of zones of Range and Coastal Plains. It presents an intense urban use which is established under risk areas vulnerable to events related to mass movements and floods, facts which are aggravated due to the rising occupation process. Having in sight what was exposed, the main objective of this research was identifying and characterizing the physical and environmental agents and processes, which act on the coastal area linked to the municipality of São Vicente, as a subsidy to the actualization of the proposal of defining units of the landscape which represent the many different levels of environmental fragilities accentuated by the model of use in which the organization of the space in the area of the municipality is consolidated. Intending to achieve such

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Sociedade & Natureza, Uberlândia, 20 (2): 177-198, DEZ. 2008

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As unidades de paisagem como uma categoria de análise geográfica: o exemplo do município de São Vicente-SPRaul Reis Amorim, Regina Célia de Oliveira

AS UNIDADES DE PAISAGEM COMO UMA CATEGORIA DE ANÁLISE GEOGRÁFICA:O EXEMPLO DO MUNICÍPIO DE SÃO VICENTE-SP

The landscape units as a category of geographical analysis: the example of themunicipality of São Vicente-SP

Raul Reis Amorim

Doutorando em Geografia, Departamento de Geografia, Instituto de Geociências,

Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

[email protected]

Regina Célia de Oliveira

Professora Doutora, Departamento de Geografia, Instituto de Geociências,

Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

[email protected]

Artigo recebido para publicação em 04/03/08 e aceito para publicação em 07/08/08

RESUMO: O município de São Vicente objeto de estudo desta pesquisa, incluiu-se na Baixada Santista no domínio

Geomorfológico da Província Costeira no Estado de São Paulo, caracteriza-se pela ocorrência de

paisagens diversas sob domínio das zonas de Serranias e Planície Costeira. Apresenta um intenso uso

urbano que se estabelece sob áreas de risco vulneráveis a eventos relacionados a movimentos de massa

e inundações, fatos que se agravam em razão do crescente processo de ocupação. Tendo em vista o

exposto, o objetivo principal desta pesquisa foi a identificação e caracterização dos agentes e processos

físico-ambientais, atuantes na área costeira no Município de São Vicente, como subsídio para a efetivação

da proposta de definição de unidades da paisagem que representem os diversos níveis de fragilidades

ambientais acentuadas pelo modelo de uso em que se consolida a organização do espaço na área do

município. Com o propósito de alcançar tal objetivo, foi realizada a caracterização fisiográfica e o

levantamento de dados de campo que subsidiou a análise dos parâmetros geomórficos, climáticos e

hidrodinâmicos.

Palavras chave: Unidades de paisagem; Geomorfologia; planejamento ambiental.

ABSTRACT: The municipality of São Vicente, object of study of this research, was included in Baixada Santista in

the Geomorphologic Domain of the Coastal Province in the state of São Paulo, is characterized by the

occurrence of several landscapes under the domain of zones of Range and Coastal Plains. It presents an

intense urban use which is established under risk areas vulnerable to events related to mass movements

and floods, facts which are aggravated due to the rising occupation process. Having in sight what was

exposed, the main objective of this research was identifying and characterizing the physical and

environmental agents and processes, which act on the coastal area linked to the municipality of São

Vicente, as a subsidy to the actualization of the proposal of defining units of the landscape which represent

the many different levels of environmental fragilities accentuated by the model of use in which the

organization of the space in the area of the municipality is consolidated. Intending to achieve such

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1. INTRODUÇÃO

As Unidades de Paisagens se individualizampelo relevo, clima, cobertura vegetal, solos ou atémesmo pelo arranjo estrutural e o tipo de litologia ouexclusivamente por um desses elementos (ROSS,1992). As Unidades de Paisagem apresentamfronteiras de complexa delimitação (já que têm umespectro taxonômico variado), que ocupam umdeterminado espaço e certo período de tempo, cujaexistência é condicionada pelo funcionamento de seuselementos (MONTEIRO, 2000).

A categoria de análise das Unidades dePaisagem é definida como geossistemas. Osgeossistemas são definidos como fenômenos naturais(aspectos geomorfológicos, climáticos, hidrológicose fitogeográficos) que englobam os fenômenosantrópicos (aspectos sociais e econômicos). Somadosrepresentam a paisagem modificada ou não pelasociedade. O estudo sobre geossistemas requer oreconhecimento e a análise dos componentes danatureza, sobretudo através das suas conexões.Entendidos os geossistemas, como unidades naturaisintegrais, pode-se distinguir suas modificações etransformações como resultantes das ações dosdiferentes tipos de ocupação (GUERRA e MARÇAL,2006).

No estudo dos geossistemas o conceito depaisagem é a principal categoria de análise. Bertrand(1971) define a paisagem como certa porção doespaço, resultante da interação dinâmica e instávelde atributos físicos, biológicos e antrópicos, que,reagindo dialeticamente uns sobre os outros, fazemdela um conjunto único e indissociável. Christofoletti(1998) atribui à paisagem a concepção de conceito-chave da Geografia que possibilita a compreensão doespaço como um sistema ambiental, físico e

socioeconômico, com estruturação, funcionamento edinâmica dos elementos físicos, biogeográficos,sociais e econômicos. As relações e distribuiçõesespaciais desses fenômenos são compreendidas naatualidade com o estudo da complexidade inerenteas organizações espaciais.

Para Bolós apud Guerra e Marçal (2006), apaisagem em sua abordagem sistêmica e complexaserá sempre dinâmica e compreendida como osomatório das inter-relações entre os elementos físicose biológicos que formam a natureza mais asintervenções da sociedade no tempo e no espaço emconstante transformação.

Em uma abordagem sistêmica, as informaçõestemáticas como vegetação, relevo, aspectos edáficose pedológicos, substrato geológico, isoladamente, nãoajudam muito na compreensão das Unidades dePaisagem. Segundo Morin (1977) e Christofoletti(1979), a configuração da paisagem depende doselementos, relações, atributos, entradas (inputs) esaídas do sistema (output) considerando uma análiseespaço-temporal.

Para Rodriguez (1994), a análise sistêmica sebaseia no conceito de paisagem com um “todosistêmico” em que se combinam a natureza, aeconomia, a sociedade e a cultura, em um amplocontexto de inúmeras variáveis que buscamrepresentar a relação da natureza como um sistema edela com o homem. Os sistemas formadores dapaisagem são complexos e exigem uma multiplicidadede classificações que podem, segundo o autor,enquadrar-se perfeitamente em três princípios básicosde análise: o genético, o estrutural sistêmico e ohistórico, que se fundem numa classificaçãocomplexa.

objective, it was made the physiographic characterizing, the field data raising which subsided the analysis

of the geomorphic, climatic, hydrodynamic parameters.

Key-works: Landscape units; geomorphology; environmental planning.

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A delimitação de Unidades de Paisagemapresenta grande complexidade, pois a interação entreos diversos atributos do sistema natural e do sistemaantrópico permite a identificação dos atributosresponsáveis pela dinâmica da paisagem, comotambém identificar as principais fragilidadesambientais de cada unidade, elemento essencial nagestão do território.

Nesse sentido, a gestão territorial comomecanismo disciplinador das ações antrópicas nomeio ambiente tem reconhecidamente, nos estudosambientais vinculados ao planejamento, o principalmecanismo de efetivação das ações no espaçoterritorial, sejam, por meio de diagnóstico, estudosde impactos, levantamentos físicos e territoriais, sejapela análise sócio-econômica, enfim, por mecanismosque possibilitem antever quadros futuros deorganização territorial.

Dessa forma, a gestão territorial podeconstituir-se ainda, ferramenta que venha garantir aequidade da distribuição territorial comoprerrogativas para uma melhor qualidade de vida dasociedade.

As análises ambientais, alicerçadas emestudos setoriais ou integrando atributos físicos,econômicos e sociais de dado espaço, permiteassinalar, em escalas locais ou mesmo regionais,categorias específicas de identificação e avaliação deimpactos ambientais, avaliação de recursos naturais,reconhecimento de áreas de riscos geoambientais,avaliação da vulnerabilidade da área à ocorrência deeventos naturais que possam resultar em quadros deimpactos catastróficos.

O município de São Vicente situa-se na regiãoda Baixada Santista, porção central do Estado de SãoPaulo. A dinâmica entre os componentes naturaisnesta área é bastante complexa, já que os fluxosnaturais entre o ambiente serrano e o domínio dasplanícies são bastante intensos, ou seja, no municípiode São Vicente, ação continental e a ação marinhaexercem grande influência na dinâmica da paisagem.

Afonso (2006) afirma que na zona costeira,as características de transição entre o oceano e ocontinente configuram um sistema natural ao mesmotempo complexo e frágil, já que os rios, mar, praias ematas interagem, criando condições especiais.

Ainda segundo a autora, em estuários,lagunas, manguezais e praias, a interação oceano-continente é mensurável a tal ponto que tornapraticamente impossível a delimitação precisa do quese convencionou chamar de linha de costa.

Na Baixada Santista, região onde se situa omunicípio de São Vicente, a serrania acompanha acosta, formando um grande anfiteatro, quepossibilitou a formação de uma planície sedimentar.A disposição do modelado influencia diretamenteaspectos ligados à dinâmica climática, à coberturavegetal, aos processos erosivos e deposicionais, aosprocessos pedogenéticos e ao escoamento flúvio-pluvial.

Tendo em vista o exposto, o objetivo principaldesta pesquisa foi a identificação e caracterização dosagentes e processos físico-ambientais, atuantes na áreacosteira no Município de São Vicente, como subsídiopara a efetivação da proposta de definição de unidadesda paisagem que representem os diversos níveis defragilidades ambientais acentuadas pelo modelo deuso em que se consolida a organização do espaço naárea do município.

2. MATERIAL E MÉTODO

2.1. Área de Estudo

A cidade de São Vicente está situada a 24°00’S e 46°30’ W, no centro do litoral paulista, com umadistância de aproximadamente 71 km da capital e comaltitude em torno de 10 m na área urbana, atingindocotas altimétricas acima dos 1000 m na área domunicípio que abrange o Parque Estadual da Serrado Mar (Figura 01). Ao integrar a RegiãoMetropolitana da Baixada Santista, limita-se com osseguintes municípios: ao extremo oeste com osmunicípios de Itanhaém e Mongaguá, ao noroeste com

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São Paulo, ao norte com São Bernardo do Campo eCubatão ao nordeste-leste com Santos, ao sul com o

Oceano Atlântico e ao sul-sudeste com Praia Grande.

Figura 01: Localização da área de estudo.

Organização: Raul Reis Amorim.

Fonte: IBGE (2006).

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2.2. Pressupostos Teóricos na Análise da Paisagem:a proposta de Rodriguez, Silva e Cavalcanti (2002).

A proposta idealizada proposta por Rodriguez,Silva e Cavalcanti (2002) fundamenta-se numa análiseintegrada dos componentes antrópicos e naturais apartir de uma caracterização socioeconômica egeoecológica.

Rodriguez, Silva e Cavalcanti (2002) propõemidéias, conceitos e métodos de estudo para a análiseda paisagem, abrangendo os enfoques estrutural,evolutivo-dinâmico, antropogênico, integrativo daestabilidade e sustentabilidade e o funcional dapaisagem.

O enfoque adotado na realização destetrabalho é o enfoque funcional na análise da paisagem.Tal enfoque segundo Rodriguez, Silva e Cavalcanti(2002) tem por finalidade esclarecer como a paisagemé estruturada, quais são as relações funcionais de seuselementos, por que está estruturada de determinadamaneira (relações genéticas ou casuais) e para queesteja estruturada de certa forma (quais as funçõesnaturais e sociais).

Este enfoque sustenta-se na necessidade deesclarecer os elementos substanciais dos subsistemas,que refletem o sistema das inter-relações externa daspaisagens, que dominam sua essência e sua vida.Devido a isto, as diversas unidades das paisagenstornam-se independentes do fundo físico-geográficocomum.

Para este enfoque, a gênese da paisagemocorre no processo de formação do geocomplexo eda determinação das relações genéticas entre seuselementos estruturais, ou seja, a forma ou modo deaparecimento da paisagem é condicionado por umdeterminado tipo de processo e de fatores.

A gênese paisagística é um processo queocorre nos limites da fronteira superior da paisagemna atmosfera até o limite inferior da camada dealteração do intemperismo. Nestes limites muda aestrutura da paisagem, o regime de seu funcionamento

e ocorrem os processos evolutivos. Entre os elementosestruturais dos geocomplexos, nestes limites realiza-se o intercambio de energia e substâncias ativas.

A ação conjunta dos fatores, componentes eprocessos no tempo é uma condição necessária parao efeito na formação e funcionamento da paisagem,ou seja, a gênese da paisagem propriamente dita comofenômeno. Os mencionados fatores (componentes),ao interatuar de forma permanente, formam umaunidade natural (ou seja, o fenômeno paisagísitico)que se controla pelas funções de cada um dos fatoresem uma determinada medida de suas magnitudes.

O funcionamento concebe como uma dasprincipais propriedades do complexo geográficocomo geossistema que determina sua integridade esua existência independente. É um processo geral,inerente a cada geocomplexo em qualquer períodode sua existência.

Define-se como funcionamento da paisagema seqüência estável de processos que atuampermanentemente e que consistem na transmissão deenergia, substâncias e informação, garantindo aconservação de um estado da paisagem, característicopara um tempo dado (ou seja, um determinado regimede funcionamento) (DIAKONOV, 1988).

O funcionamento da paisagem constitui umprocesso mediante o qual se cumprem funções, açõese determinado trabalho. É um processo de intercambiode substancias e energia que ocorre na interação doscomponentes na própria paisagem com o exterior.

A função geoecológica do geossistema pode-se definir como objetivo que cumpre o sistema emgarantir a estrutura e funcionamento, tanto do própriogeossistema, como do sistema superior ao que pertence.

Podem-se definir de maneira qualitativa, asfunções geoecológicas, agrupadas em três grandesclasses:

• Áreas Emissoras: são aquelas que garantemo fluxo de matéria e energia para o restante

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da área, sendo, portanto, os níveis maiselevados do terreno;

• Áreas Transmissoras: são aquelas em queocorrem os fluxos de matéria e energia dasáreas mais elevadas para as áreas mais baixas,sendo um exemplo as encostas;

• Áreas de Acumulação: são locais onde ocorrea coleta da matéria e energia provenientes dasáreas mais elevadas e, a partir daí, sãonovamente transmitidas de forma concentradaou seletivamente através dos canais fluviais.

Estes, segundo Rodriguez (1994), se insereno contexto de paisagens dinâmicas recentes ou emestado evolutivo. São exemplos destes ambientes, osfundos de vale e as planícies.

Tal enfoque também propõe estudosreferentes à dinâmica funcional e os processosgeoecológicos degradantes. Nesta perspectiva deanálise, verifica-se que o conjunto dos processos quegarantem o funcionamento dos geossistemas é aqueleque se define como dinâmica funcional. Cadapaisagem tem sua própria dinâmica funcional, que ésustentada por mecanismo e balanços de fluxos deenergia, matéria e informação específicos e por umacadeia de relações reversíveis (homeoestáticas) queasseguram a integridade e coerência do sistema(DIAKONOV, 1988).

As alterações no funcionamento e nosmecanismos das relações de auto-regulação conduzema um processo de degradação que dá lugar adesequilíbrios na dinâmica funcional, dando comoresultado uma dinâmica funcional degradante.

A degradação geoecológica define-se como aperda de atributos e propriedades sistêmicas quegarantem o cumprimento das funções geoecológicase a atividade dos mecanismos de auto-regulação.Nesta direção, a degradação tem um papel antagônicoá atividade dos processos geoecológicos degradantes,que são aqueles vinculados ao funcionamento, pois

conduzem á alteração dos mecanismos de auto-regulação, da circulação de fluxos de energia, matériae informação e, por conseguinte, á perda dospotenciais naturais e da capacidade produtora dossistemas.

Os processos geoecológicos degradantes sãoconsiderados problemas ambientais. Por problemaambiental subentende-se a combinação dos diferentesobjetos da racionalidade ambiental, manifestam-se osprocessos que desarticulam a estrutura efuncionamento dos geossistemas naturais, tendo comoconseqüência dificultar o cumprimento das funçõessocioeconômicas e as deficiências gerais desustentabilidade em grupos sociais.

Entre os processos geoecológicos naturais,podem-se distinguir os seguintes: erosão, deflação,perda da biodiversidade, degradação das pastagens,degradação do solo (perda do horizonte húmico,compactação), salinização, redução do nível de águasubterrânea, laterização, inundações, etc.

Entre os processos geoecológicos de interação(formados pela influência decisiva da ação antrópica)podem-se distinguir os seguintes: contaminação (dosolo, atmosférica e da água), alteração dos recursoshídricos etc.

Em dependência da alteração dos mecanismosde formação e regulação sistêmica das paisagens edo grau e amplitude dos processos degradantes e donível de degradação, pode-se determinar o estadoambiental dos geossistemas. Por estado ambiental,considera-se a situação geoecológica da paisagemdada, determinada pelo tipo e grau de impacto e acapacidade de reação e absorção dos geossistemas.Pode-se representar no Mapa de Estado Ambientalas seguintes classes do estado ambiental dosgeossistemas nas classes definidas no Quadro 01(RODRIGUEZ e MARTINEZ, 1998 eGLAZOVSKIY, 1998).

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Fonte: Rodriguez, Silva e Cavalcanti (2002).

Quadro 01 - Seqüência do processo de degradação dos Geossistemas.

CLIMAProcesso

Climabiogenético

VegetaçãoClimax

→ Desflorestamentodesaparecimento davegetação natural

Cultivo incontroladoAparecimento de pragas e

enfermidadesPerda do umbral e

→ → capacidade produtiva e depotencial genético

RELEVOMorfogênese

Morfogênese Atenuada

→ →Maior escoamentoMenor infiltração

Erosão hídrica e eólica Desequilíbrio hidrológico,desertificação e outros

processos

SOLOPedogênese

PedogêneseAtiva

Degradação físico-biológico

Perda de nutrientes Salinização Hidromórfica eoutros processos

PAISAGEMGênese e

desenvolvimentoda paisagem

Paisagem emestabilidadehomeostática

Paisagem no primeiroestágio de alteração dasrelações homeoestáti-cas. Ainda está quase

intacto o potencialnatural e a integridade.A estabilidade natural

se modificaantropogeneticamente

Paisagem instável à críticaque experimentou a perda

parcial da estruturaespacial e funcional e daintegridade que dá lugar

à destruturação (alteraçãodas relações homeostáticas

Paisagem esgotada emestado muito crítico que

perdeu a estrutura espacial efuncional. Os mecanismos

da estabilidade naturalforam eliminados.

SISTEMAAGRÍCOLA

GeossistemaNatural

Sistema agrícolaadaptado.

Produtivamente alta oubaixa (em dependênciado ingresso de energia

externa).

Sistema agrícola decompromisso.

Produtividade média amuito alta (em dependência

do ingresso de energiaexterna)

Sistema agrícoladesintegrado. Produtividade

baixa ou muito baixa(inclusive em dependência

de ingresso de energiaexterna)

NÍVEL DEDEGRADAÇÂO

Semdegradação

Pouco degradada Degradada Muito degradada

→ → →

→→→

→→→

→→→

2.3. Procedimentos Metodológicos

Considerando as proposições apresentadaspela Metodologia adotada nessa pesquisa(RODRIGUEZ, SILVA e CAVALCANTI, 2002), foipossível, a partir da integração dos componentesnaturais e elementos dos sistemas antrópico, elaborara documentação cartográfica síntese, denominadaMapa de Unidades Geoambientais do município deSão Vicente-SP (Figura 02).

Considerou-se para tal a discussão dadinâmica que rege a organização da paisagem, tendocomo norteador de análise os parâmetros físicos e adinâmica de uso do solo como prerrogativas para adiscussão das fragilidades ambientais decorrentes de

fenômenos naturais ou agilizados pela ação antrópica.

Cumprindo as etapas propostas porRodriguez; Silva e Cavalcanti (2002), para arealização da fase de inventário, foram utilizadas dediversas fontes de dados coletadas in locu e eminstituições de pesquisa como a UniversidadeEstadual de Campinas (UNICAMP), Universidade deSão Paulo (USP), Universidade Estadual PaulistaJúlio de Mesquita Filho, Campus Rio Claro (UNESP)e Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). Também,recorreu-se a órgão de políticas públicas, como naPrefeitura do Município de São Vicente, Defesa Civil,CETESB, DAEE e o Centro de Memória de SãoVicente, conhecido como Casa de Martim Afonso.

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A análise da documentação cartográfica e aminuciosa correlação destas informações permitirama particularização de áreas que apresentavam certahomogeneidade dos aspectos físicos da paisagem.Como critério básico de definição e mapeamento dasUnidades Geoambientais, foi considerado emprimeiro plano a Mapa de CompartimentosGeomorfológicos (Figura 03), entendendo esta comoo documento que encerra para a área de pesquisa, aleitura dos principais domínios morfológicos. Talmapa é resultante da análise visual de imagens desatélite CBERS de 2004 e da análise e interpretaçãode fotografias aéreas de 1962 e 1994, com escala de1:25.000, fornecidas pelo Laboratório deSensoriamento Remoto e Aerofotogrametria daUniversidade de São Paulo (USP), e fotografias aéreasde 2002 adquiridas pelo Núcleo de Estudos

Ambientais Litorâneos (NEAL) do Laboratório deGeomorfologia do Instituto de Geociências daUniversidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Aproposta deste mapa foi à delimitação dos principaiscompartimentos geomorfológicos da área em questão,enquadrando-os dentro de dois grandes DomíniosMorfoestruturais: Domínio Morfoestrutural PlanaltoAtlântico (Serra do Mar) e o Domínio MorfoestruturalPlanície Costeira. Verificada as diferentes feiçõesexistentes em cada Domínio Morfoestrutural,delimitaram-se também os DomíniosMorfoesculturais existentes em cada DomínioMorfoestrutural: No Planalto Atlântico (Serra do Mar)delimitou-se os seguintes Domínios Morfoesculturais:(a) Topos de Interflúvios da Serra do Mar, (b)Encostas, (c) Planície Fluvial, e (d) RampasColuvionares, e para a Planície Costeira delimitou-

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se (a) Planície Flúvio-Marinha, (b) Terraços Marinhose (c) Planície Marinha. O mapa foi digitalizado com

o uso do software Arc GIS 9.1 e organizado na escala1:50:000.

A definição dos compartimentosgeomorfológicos na delimitação das UnidadesGeoambientais neste trabalho se deu considerandoos apontamentos de Ross (1990, p. 12) onde “o

entendimento do relevo passa, portanto pela

compreensão de uma coisa maior que é a paisagem

como um todo”. Para o autor, não é possível abrangera gênese e a dinâmica das formas do relevo sem quese entendam os mecanismos motores de sua geração,sem que se percebam as diferentes interferências dosdemais componentes em uma determinada Unidade

Geoambiental. Existe relação estreita entre tipos deformas do relevo com os solos e estes com a litologiae o tipo climático atuante.

Em segundo plano, foram consideradas osMapas de Níveis de Ocupação (Figura 04), EstadoAmbiental (Figura 05) e Uso e ocupação das Terraselaboradas para o ano de 2002 (Figura 06), sendo estesfundamentais para a análise das alteraçõesantropogênicas na paisagem do município.

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O Mapa de Níveis de Ocupação, na escala 1:50.000 articulou informações referentes ao grau deocupação, obtido no software Arc Gis 9.1 a partir dadefinição da densidade demográfica das regiõescensitárias do IBGE (2000) e no tipo de ocupação,definido com base em imagens de satélites disponíveisno software Google Earth, e trabalhos de campo quepercorram toda a área do município.

Também foi elaborado o Mapa de EstadoAmbiental, na escala 1: 50.000 que apresenta asclasses qualitativas de Estado Ambiental propostasna metodologia de Rodriguez, Silva e Cavalcanti(2002) que define o Estado Ambiental como (a)Estável, (b) Medianamente Estável (sustentável), (c)Instável (insustentável), d) Crítico e (e) Muito Crítico.Este mapa também indica os problemas ambientaispara cada classe de Estado Ambiental.

O Mapa de Uso e Ocupação das Terras foielaborado a partir da interpretação de paresestereoscópicos de fotografias aéreas na escala1:25.000 do Núcleo de Estudos Ambientais

Litorâneos (NEAL) do Laboratório de Geomorfologiada UNICAMP.

Ao analisar esses mapas pode-se compreendera dinâmica da ocupação antrópica e a sua ação sobreos sistemas naturais, principalmente ocasionando ouacelerando impactos.

Para subsidiar as discussões, foram utilizadosoutros mapas que contemplam a área de estudo comoo Mapa Geológico elaborado por Martin e Suguio(1978), o Mapa de Formações Superficiais (MACIEL,2001), Pedológico adaptado de IAC (1999), Maciel(2001) e Amorim (2007), Mapa Topográfico (IGG-SP, 1971), e os Mapas Hipsométrico, Clinográfico,Cobertura Vegetal Natural, Distribuição Anual deChuvas e Geomorfológico elaborados por Amorim(2007).

O Quadro 02 mostra a regionalização domunicípio de São Vicente a partir da delimitação deUnidades Geoambientais.

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Domínio Unidade Sub-Unidade Geoambiental Área ÁreaMorfoestrutural Geoambiental (km²) Total(%)

Planície Planície Planície Flúvio-Marinha com ocupaçãoCosteira Flúvio- consolidada 10,51 7,07

Marinha Planície Flúvio-Marinha com ocupação 1,85 1,25não-consolidada

Planície Flúvio-Marinha com manguezal 29,27 20,15preservado

Terraço Terraço Marinho com ocupação verticalizada 1,22 0,82

Marinho Terraço Marinho com ocupação horizontal 4,00 2,69

Terraço Marinho parcialmente urbanizado 10,26 6,90

Planície Planície Marinha 0,23 0,15Marinha

Planalto Serra do Mar Topos de Interflúvios da Serra do Mar 12,55 8,44

Atlântico Encostas da Bacia do Rio Cubatão 25,99 17,48

(Serra do Mar) Encostas da Bacia do Rio Conceição 11,26 7,57

Encostas da Bacia do Rio Branco 16,92 11,38

Planície Fluvial da Bacia do Rio Cubatão 2,82 1,90

Planície Fluvial da Bacia do Rio Conceição 1,39 0,93

Depósitos Coluvionares 4,03 2,71

Morros Morros Residuais Florestados 0,69 0,46

Residuais Morros Residuais com urbanização consolidada 3,88 2,61

Quadro 02 – Delimitação das Unidades Geoambientais e das Sub-Unidades Geoambientais do município deSão Vicente-SP.

Elaboração: Raul Reis Amorim

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES: AnáliseGeoambiental do Município de São Vicente-SP

Foram delimitadas cinco Unidades Geoambi-entais, sendo que estas foram divididas em Sub-Unidades Geoambientais.

A Unidade Geoambiental Planície Flúvio-Marinha está situada no domínio morfoestruturalPlanície Costeira e no domínio morfoesculturalPlanície Flúvio-Marinha. Esta Unidade Geoambientalé constituída por rochas oriundas de depósitosHolocenos de origem marinha e lagunar,predominando sedimentos flúvio-lagunares e de baías,e também sedimentos de mangue e de pântano (areiase argila). A cobertura superficial da área é alóctone

profundo, oriundo de depósitos flúvio-marinho e

lagunares, com textura argilo-siltosa. Tais sedimentosao serem pedogenizados dão origem a Espodossolose Gleissolos (AMORIM, 2007).

Nesta Unidade Geoambiental predominam asáreas planas e suavemente onduladas, onde escoamcanais de primeira ordem, apresentando baixa energiae pequena velocidade de escoamento. A influênciadas marés ao longo dos canais fluviais favorece amanutenção de áreas permanentemente alagadas,onde se desenvolve a vegetação de Mangue.Apresenta amplitude altimétrica variando entre 0 e19 m, com declividades inferiores a 2%, definindoassim a baixa energia de relevo, com baixa dissecação(MARTIN e SUGUIO, 1978; IAC, 1999; MACIEL,2001 e AMORIM, 2007).

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Devido às características morfológicasobservam-se, diferentes tipos de Uso da Terra, Níveisde Ocupação, Estado Ambiental e EstadoGeoecológico, a Unidade Geoambiental PlanícieFlúvio-Marinha que totaliza uma área de 42,33 km² e28,46% da área total do município, é dividida em trêsSub-Unidades Geoambientais: Planície Flúvio-Marinha com ocupação consolidada, Planície Flúvio-Marinha com ocupação não-consolidada e PlanícieFlúvio-Marinha com manguezal preservado.

A Sub-Unidade Geoambiental PlanícieFlúvio-Marinha com ocupação consolidarepresenta 24,82% da área da Unidade GeoambientalPlanície Flúvio-Marinha. Esta Sub-Unidade situa-sena porção insular do município de São Vicente,abrangendo uma área de 29,27 km² e um percentualde 7,07% da área total do município.

Nesta Sub-Unidade Geoambiental a ocupaçãoé consolidada com urbanização horizontal, que atendea população satisfatoriamente com infra-estruturabásica, como ruas pavimentadas, ligação de rede deágua, coleta de esgoto e iluminação pública. A áreaapresenta grau de ocupação variado. Nas áreaspróximas ao Jóquei-Clube, o grau de ocupação é debaixo, pois apresenta de 0 a 1.000 hab./km². No geral,predominam os graus, alto (entre 5.001 e 10.000 hab./km²) e muito alto (acima de 10.0001 hab./km²).

O Estado Geoecológico da área é definidocomo alterado em toda a sua extensão. Este é resultadodo Estado Ambiental Instável (insustentável), emdecorrência da intensa interferência antrópica quevem provocando impactos ambientais associados àurbanização consolidada da área. Dentre os problemasidentificados destaca-se a impermeabilização do soloe a contaminação do lençol freático por fossasacepticas.

A Outra Sub-Unidade Geoambientaldelimitada é Planície Flúvio-Marinha comocupação não-consolidada, que representa 4,37%da área da Unidade Geoambiental Planície Flúvio-Marinha. Esta Sub-Unidade também se situa naporção insular do município de São Vicente,

abrangendo uma área de 1,85 km² e um percentual de1,25% da área total do município.

Esta Sub-Unidade teve sua ocupação de formaexpontânea, ou seja, a área foi loteadadesconsiderando em muito um nível de planejamentocriterioso. Desta forma, a ocupação expontânea, dotipo invasão levou a formação de grandes favelas queapresentam grandes deficiências de infra-estruturabásica.

Desde o final da década de 1990 o programade habitação do Estado de São Paulo, vem realizandoa construção de Conjuntos Habitacionais nasproximidades da favela do México 70, visando àremoção da população que ocupa as margens domanguezal em construções de palafitas.

O grande contingente populacional na área acompreende o grau de ocupação dessas Sub-Unidadescomo alto (entre 5.001 e 10.000 hab./km²) e muitoalto (acima de 10.0001 hab./km²). Tal pressãodemográfica faz com que nessas áreas predominem oEstado Geoecológico alterado, em decorrência dasedificações, e também apresenta um Estado AmbientalMuito Crítico, pois o atual tipo de uso leva a perdaparcial da estrutura espacial e funcional comeliminação paulatina das funções ecológicas. Oimpacto humano nesta área excedeu a capacidade desuporte dos geossistemas.

Tal ocupação sem a devida infra-estruturacausa um número significativo de problemasambientais de forte intensidade, como as epidemiasdecorrentes da emissão de efluentes e do acúmulo delixo. Estas Sub-Unidades Geoambientais necessitamda aplicação de medidas de mitigação urgentes eimediatas para recuperar o potencial natural.

E por fim, a Sub-Unidade GeoambientalPlanície Flúvio-Marinha com manguezalpreservado representa 70,81% da área da UnidadeGeoambiental Planície Flúvio-Marinha. Esta Sub-Unidade situa-se na porção continental do municípiode São Vicente, abrangendo uma área de 29,27 km² eum percentual de 20,15% da área total do município.

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Esta Sub-Unidade apresenta áreapredominantemente não ocupada. Na área identificou-se com análise de fotografias aéreas a presençaocupação pontual (casebres construídos no meio domanguezal) que não são atendidos por nenhum serviçode infra-estrutura básica.

O Estado Ambiental é definido como PoucoDegradado, pois a área apresenta apenas algunspoucos pontos de desmatamento com manchas de soloexposto. O Estado Geoecológico da área écaracterizado predominantemente como compensado,pois predomina a preservação da cobertura vegetalnatural. Pontualmente, nesta Sub-Unidade, verifica-se um Estado Geoecológico Medianamente Estávelnas áreas ocupadas por casebres e/ou desmatadas.

Em âmbito geral, as variáveis morfométricasda Unidade Geoambiental Planície Flúvio-Marinhaa caracteriza como uma área acumuladora de matériae energia. Na sua totalidade apresenta elevadaFragilidade Ambiental, principalmente emconseqüência da baixíssima declividade (inferior a2%), elevado volume pluviométrico e interferênciaconstante das marés, o que deixa a área susceptível aenchentes e inundações.

A Unidade Geoambiental Terraço Marinhosituada sobre o compartimento dos Terraços Marinhosé formada por depósitos de origem PleistocenoMarinho (Formação Cananéia) e por depósitosHolocenos de origem marinha e lagunar, onde asareias marinhas foram retrabalhadas na superfície(SUGUIO e MARTIN, 1978). A cobertura superficialda área é alóctone profundo, oriundo de depósitosmarinhos recentes, com textura arenosa (MACIEL,2001). A ação dos processos pedogenéticos na área levaa gênese dos Espodossolos e Neossolos Quartzarênicos.Esta unidade se situa no domínio morfoestruturalPlanície Costeira e no domínio morfoesculturalTerraços Marinhos (AMORIM, 2007).

A área coberta apresenta como coberturavegetal natural a Vegetação de Restinga, em quepredominam as áreas planas e suavemente onduladas,drenadas por canais de primeira ordem, que,

periodicamente recebe influência direta das marés,apresentam baixa energia e pequena velocidade deescoamento (AMORIM, 2007). Essa UnidadeGeoambiental é dividida em três Sub-UnidadesGeoambientais em virtude dos seguintes critérios:localização, diferentes Níveis de Ocupação, Uso daTerra e Estado Ambiental.

A Sub-Unidade Geoambiental TerraçoMarinho com ocupação verticalizada situa-se naárea insular, abrigando os bairros mais próximos daorla (bairros Gonzaguinha e Itararé). Essa Sub-Unidade Geoambiental tem área de 1,22 km² querepresenta 0,82% da área total do município. EssaSub-Unidade Geoambiental é totalmente urbanizadae seu processo de ocupação é antigo e remete aonúcleo inicial de povoamento. A área apresentaocupação consolidada, apresentando variações quantoa seu grau de ocupação. A presença de áreas em quepredomine um grau médio de ocupação (1.001 a 5.000hab./km²) se dá devido o elevado número de imóveisdestinados a segunda residência. Nas áreas ondepredomina residência da população local verifica-seque o grau de ocupação varia entre alto (entre 5.001e 10.000 hab./km²) e muito alto (acima de 10.0001hab./km²). Esta Sub-Unidade é atendidasatisfatoriamente por infra-estrutura básica.

A outra Sub-Unidade Geoambiental situadana porção insular do município é o Terraço Marinhocom ocupação horizontal. Esta Sub-Unidade abrigaos bairros centrais como o Bairro Beira Mar, Bitaru,Centro, Vila Valença, Vila Melo, Catipõa e ParqueSão Vicente. Apresenta área de 4 km² que representa2,69% da área total do município.

Esta Sub-Unidade é atendida satisfatoria-mente por infra-estrutura básica, pois tambémapresenta ocupação consolidada, com variaçõesquanto a seu grau de ocupação, como na Sub-UnidadeGeoambiental Terraço Marinho com ocupaçãoverticalizada. Podem-se encontrar porções doterritório com um grau médio de ocupação (1.001 a5.000 hab./km²) e predomínio do grau alto (entre5.001 e 10.000 hab./km²) e muito alto (acima de10.0001 hab./km²) de ocupação.

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Em ambas Sub-Unidades Geoambientais sãocortadas por rede de drenagem que devido àimplantação dos sistemas de engenharia, foramcanalizados. Outra característica da área é o grandeadensamento populacional e a grande infra-estruturainstalada para atender ao turismo, principal atividadeeconômica do município e quase que totalmentedesenvolvida nessas Sub-Unidades Geoambientais.

O Estado Ambiental da Unidade é classificadoem Instável (insustentável), conseqüência dainterferência antrópica secular. Os principaisproblemas ambientais encontrados são aimpermeabilização do solo, a contaminação do lençolfreático por fossas acépticas, e a poluição sonora evisual.

A Sub-Unidade Geoambiental TerraçoMarinho parcialmente urbanizado tem 10,26 km²,o que corresponde a 6,9% da área municipal, situa-sena área continental e abrange parte dos bairros NovaSão Vicente, Parque das Bandeiras, Jardim RioBranco, Parque Continental, Boa Vista, Humaitá eQuaternário. Essa Unidade Geoambiental tem partede seu território ocupado por bairros de formaçãorecente que vem sofrendo ocupação desordenada aolongo das últimas três décadas. O grau de ocupaçãoque varia de alto (entre 5.001 e 10.000 hab./km²) amuito alto (acima de 10.0001 hab./km²), acarretaproblemas infra-estruturais. Nesta Sub-Unidadeapresentam áreas que não são ocupadas, desta formaestando preservados fragmentos da Vegetação deRestinga, que são intercaladas com alguns pontosdesmatados com solo exposto devido à extraçãomineral de areia.

O Estado Ambiental dessa Sub-UnidadeGeoambiental é definido como Instável(insustentável), nas áreas onde se verifica uma intensainterferência antrópica, tanto decorrentes daimplantação dos equipamentos urbanos, comotambém referente da ocupação desordenada, feita semnenhum auxílio técnico do poder público. Osprincipais problemas ambientais encontrados na áreasão: a impermeabilização, contaminação do lençolfreático por fossas acepticas, a emissão de efluentes

em canais e a céu aberto, o acúmulo de lixo, aremobilização de material nos campos de dunasdecorrentes do desmatamento. Nas áreas onde ocorrea contaminação da área por dejetos químico-industriais o define-se como Estado Ambiental MuitoCrítico.

Maciel (2001) relata que durante a década de1970, a empresa francesa Rhonê-Poluente (Rhodia-Brasil) utilizou setores da porção continental domunicípio de São Vicente para depositar resíduosindustriais sólidos constituídos por organocloratos,substância que, novos estudos realizados, alojam-seno organismo, preferencialmente no tecido adiposo.

O depósito localizado no Bairro Quaternáriocaracteriza-se por ser um dos mais graves, devido àintensa urbanização ao seu entorno. Segundo a autora,em meados da década de 1980, ao descobrir os pontosde depósitos dos resíduos organoclorados, a CETESBexigiu que a Rhodia removesse o materialcontaminado. Após a sua retirada, restou no local umacava de aproximadamente 10 metros de extensão e 2metros de profundidade. A partir de 1997, a cava vemsendo isolada, com a finalidade de impedir a ocupaçãodesses setores e a contaminação das áreas adjacentes(MACIEL, 2001).

Os fatores naturais, como a baixa declividade(inferior a 2%), a topografia plana com baixaamplitude altimétrica caracterizam essa área comoacumuladora de matéria e energia. Outro fator a serconsiderado é o elevado volume pluviométrico e ainterferência constante das marés associados à intensaocupação relacionada com o alto índice deimpermeabilização, deixa a área com elevadaprobabilidade a enchente e inundações o que elevama Fragilidade Ambiental dessa UnidadeGeoambiental.

A Unidade Geoambiental Planície Marinhalimita-se com o Oceano Atlântico e o TerraçoMarinho. Apresenta área de 230 m², correspondendoa 0,15% da área total do município. É constituída pordepósitos de origem Pleistoceno Marinho. Talmaterial é remobilizado continuamente pela ação da

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dissipação das ondas marinhas (SUGUIO eMARTIM, 1978).

Segundo Amorim (2007), a Planície Marinhaé parcialmente coberta por uma vegetação rasteira,típica do extrato herbáceo da Vegetação de Restinga.Geomorfologicamente, a Planície Marinha situa-seno domínio morfoestrutural Planície Costeira,apresentando como fisionomia característica apresença de praias dissipativas com baixíssimadeclividade (inferior a 2%).

O autor ressalta que a área é intensamenteexplorada para atividades turísticas. Nas praias ocorreo estabelecimento de cabanas, bares, restaurantes queatendem a demanda dos banhistas e esportistas quefreqüentam as praias do município. Sendo assim,podemos afirmar que a Unidade Geoambiental temuma ocupação sazonal, pois o número de pessoas queocupam este espaço varia de acordo com a época doano.

Esta Unidade Geoambiental apresenta EstadoAmbiental Crítico. Tal Estado Ambiental é decorrenteda intensa interferência antrópica que tem geradoimpactos provenientes das edificações implantadasna área que levam a impermeabilização, o despejo deesgoto e acúmulo de lixo. A Balneabilidade das praiasé um parâmetro a ser utilizado para a definição doEstado Ambiental dessa Unidade Geoambiental.

As praias do município de São Vicenteparticiparam do programa de Balneabilidade daspraias, desenvolvido pela CESTESB, com o respaldolegal junto à Resolução CONAMA n°. 20/86, quedefine critérios para a classificação das águasdestinadas à recreação de contato primário.

De acordo com esta Resolução, até o ano de2005, as praias são classificadas em quatro categoriasdiferenciadas: excelente, muito boa, satisfatória eimprópria, conforme a densidade de coliformes totaisou fecais resultantes de análises feitas em cincoamostragens consecutivas. As categorias denominadasde excelente, muito boa e satisfatória podem ser agrupa-das numa única classificação denominada própria.

A partir de 2006 a CETESB reformulou ocritério de qualificação anual das praias, com o intuitode discriminar melhor as praias, aumentando onúmero de categorias de 4 para 5. Essa alteraçãodecorreu do fato de que a categoria regular abrangiauma faixa muito ampla de qualidade das praias,englobando em uma mesma qualificação praias dequalidade distintas. Por exemplo, as praias eramclassificadas como Regular, quando apresentavamcondições impróprias uma única vez por ano, e atépraias que estiveram impróprias entre 40% e 50% dotempo. Deste modo a categoria Regular foi divididaem duas (REGULAR e RUIM) e a categoria Má foirenomeada para PÉSSIMA.

Desta forma, densidades de coliformes fecaissuperiores a 100NMP/100 mL em duas ou maisamostras de um conjunto de cinco amostragensconsecutivas, em um período igual ou superior a cincosemanas, caracterizam a impropriedade da praia paraa recreação de contato primário.

A balneabilidade das praias constitui um fatorindicativo das condições de saneamento básico de umdeterminado local. No caso específico do municípiode São Vicente, fica claro que essas condiçõesrefletem um sistema de infra-estrutura deficitário, quevem perdurando ao longo dos anos. A falta de açãodo poder público com a aplicação de investimentos,principalmente ligados ao saneamento básico,comprometendo assim o Estado Geoecológico dessaUnidade Geoambiental.

Deixando as Unidades Geoambientaissituadas no domínio morfoestrutural PlanícieCosteira, e analisando as Unidades Geoambientaissituadas no domínio morfoestrutural PlanaltoAtlântico (Serra do Mar), compartimentou-se duasUnidades Geoambientais: A Unidade GeoambientalSerra do Mar e a Unidade Geoambiental MorrosResiduais.

A Unidade Geoambiental Serra do Marabrange a área do Parque Estadual da Serra do Mar,criado em 1977. Apresenta uma área de 74,96 km²,abrangendo 50,41% da área total do município.

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Constitui-se por do Pré-Cambriano que forammetamorfizadas ganhando grande resistência aosprocessos intempéricos. Há predomínio dosmigmatitos de estrutura complexa (policíclicos) depaleossoma predominantemente gnássico (MARTINe SUGUIO, 1978). A ação dos agentes intempéricosassociados aos processos pedogenéticos dá gênese naárea Cambissolos Háplicos e Neossolos Litólicosintercalados por afloramentos rochosos que estãocobertos pela Floresta Ombrófila Densa (MataAtlântica) (IAC, 1999 e AMORIM, 2007).

Esta Unidade Geoambiental foicompartimentada em sete Sub-UnidadesGeoambientais considerando-se a dinâmica dosfatores naturais, dentre eles a função Geoecológica,as condições da drenagem, os aspectosmorfométricos, as formações superficiais e o domíniomorfoescultural em que se situam. As Sub-UnidadesGeoambientais delimitadas são: Topos de Interflúviosda Serra do Mar, Encostas da Bacia do Rio Conceição,Encostas da Bacia do Rio Cubatão, Encostas da Baciado Rio Branco, Planície Fluvial da Bacia do RioConceição, Planície Fluvial da Bacia do Rio Cubatãoe Depósitos Coluvionares.

A Sub-Unidade dos Topos de Interflúvios daSerra do Mar têm 12,55 km², o que corresponde a8,44% da área municipal e 16,44% da área total daUnidade Geoambiental Serra do Mar.

Esta Sub-Unidade Geoambiental situa-se nodomínio Morfoescultural dos Topos de Interflúviosda Serra do Mar, onde a ação intempérica forma umacobertura superficial autóctone pouco profundo,oriundo de rochas cristalinas intemperizadas in situ,com textura areno-argilosa (MACIEL, 2001). Na áreapredominam os topos aguçados cobertos por FlorestaOmbrófila Densa que dão origem as nascentes dosrios que drenam as Bacias dos Rios Conceição,Cubatão e Branco. A área situa-se nos pontos maiselevados do município, variando entre 725 a 1020 m.Tal posição na paisagem somada ação da gravidade,faz com que nessa Sub-Unidade Geoambientalpredominem os processos erosivos superficiais eescoamento superficial das águas das chuvas, o que

caracteriza a área como emissora de matéria e energia

(AMORIM, 2007).

Outras Sub-Unidades Geoambientaisdelimitadas foram as Encostas da Bacia do RioBranco, Encostas da Bacia do Rio Conceição eEncostas da Bacia do Rio Cubatão. Estas Sub-Unidades apresentam características semelhantes,embora se devam considerar os desníveis altimétricosque correspondem às respectivas bacias hidrográficas.

As três Sub-Unidades são transmissoras de

matéria e energia. Apresentam a cobertura superficialdo tipo autóctone pouco profundo, oriundo de rochascristalinas intemperizadas in situ, com textura areno-argilosa (MACIEL, 2007). Tal cobertura superficialao sofrer processos pedogenéticos dá gênese aCambissolos Háplicos e Neossolos Litólicosintercalados por afloramentos rochosos (AMORIM,2007). Estes solos são cobertos pela FlorestaOmbrófila Densa (Mata Atlântica).

A Sub-Unidade Encostas da Bacia do RioBranco os desníveis altimétricos variam de 100 a 500metros com declividades superiores a 30%, ondepredominam canais de primeira ordem. Na área adrenagem escoa no sentido SO-NE. Verifica-setambém que há a presença de inúmeros canaistemporários formados em decorrência das grandestorrentes. Esta Sub-Unidade apresenta uma área de16,92 km², o que corresponde a 11,38% da área totaldo município e 22,57% da área total da UnidadeGeoambiental Serra do Mar.

A Sub-Unidade Encostas da Bacia do RioConceição apresenta uma área de 11,26 km², o quecorresponde a 7,57% da área total do municípioenquanto a Sub-Unidade Encostas da Bacia do RioCubatão tem área de 25,99 km², o que equivale a17,48% da área total do município.

A principal característica que difere a Sub-Unidade Geoambiental Encostas da Bacia do RioConceição da Sub-Unidade Geoambiental Encostasda Bacia do Rio Cubatão são as maiores amplitudesnas cotas altimétricas na primeira Sub-Unidade (varia

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de 180 a 900m) e o sentido da drenagem, que escoano sentido NE-SO. Já a segunda Sub-Unidadeapresenta menor amplitude altimétrica, pois suas cotasoscilam entre 120 e 600m e a sua rede de drenagemescoa no sentido oposto, ou seja, no sentido SO-NE.

Outras Sub-Unidades delimitadas são aPlanície Fluvial da Bacia do Rio Conceição ePlanície Fluvial da Bacia do Rio Cubatão. Aprimeira tem área de 1,39 km², o que corresponde a1,39% da área total da Unidade Geoambiental Serrado Mar, enquanto a segunda apresenta área de 2,82km², o equivalente a 3,76% da área total da UnidadeGeoambiental em estudo.

A posição na paisagem faz dessas duas Sub-Unidades Geoambientais áreas acumuladoras de

matéria e energia, pois elas recepcionam todo omaterial emitido e transportado pelas Sub-UnidadesGeoambientais a montante.

Uma característica importante dessasunidades é o modelado bastante dissecado eentalhado, observa-se a ocorrência de vales em “V”,o que acentuam as declividades sempre superiores a30%. Nestas áreas ocorre a confluência entre osafluentes perenes e temporários com os rios principais(AMORIM, 2007).

A última Sub-Unidade Geoambientaldemarcada a ser estudada é a DepósitosColuvionares. Esta situa-se no contato entre o setorserrano (Sub-Unidade Encostas da Bacia do RioBranco), marcado por declives acentuados, e aUnidade Geoambiental da Planície Flúvio-Marinhaparcialmente preservada, com declives muito baixos.Esta Sub-Unidade representa 5,38% da área total daUnidade Geoambiental Serra do Mar, pois apresentauma área de 4,03 km², o que equivale a 2,71% daárea total do município.

Esta Sub-Unidade Geoambiental é formadapor rampas coluvionares de procedência alóctonepouco profundo, com textura areno-argilosa, Seumaterial é de origem clástica, de naturezadiversificada, mal selecionados do ponto de vista

granulométrico e mineralógico, com morfoscopia degrande irregularidade (MACIEL, 2001).

Nesta Sub-Unidade escoam canais de primeiraordem em direção a Unidade Geoambiental PlanícieFlúvio-Marinha. Existência de inúmeros canaistemporários formados em decorrência das grandestorrentes, que predominantemente seguem o sentidoW-E (AMORIM, 2007).

Assim como as Sub-Unidades GeoambientaisEncostas das Bacias do Rio Branco, Conceição eCubatão, a Sub-Unidade Geoambiental DepósitosColuvionares é transmissora de matéria e energia,uma vez que, os fluxos gravitacionais a montante,fazem com que a matéria e a energia que sãotransportados por essas áreas acumulem-se nas áreasmais rebaixadas (a Planície Fluvial, a Planície Flúvio-Marinha e o Terraço Marinho).

Toda a Unidade Geoambiental Serra do Marapresenta elevada Fragilidade Ambiental Natural, poismesmo com Estado Ambiental Estável (não alterado),pois segundo Rodriguez (1994) as característicasdessa Unidade Geoambiental conserva a estruturaoriginal. Não existem problemas ambientaissignificativos que deteriorem a paisagem. O nível dosprocessos geoecológicos tem um caráter natural. Ainfluência antropogênica é muito pequena. Sãonúcleos de estabilidade ecológica, principalmentepaisagens primárias ou paisagens naturais comlimitado uso antropogênico.

Desta forma, nesta Unidade Geoambiental,verifica-se que os processos morfogenéticospredominam sobre os processos pedogenéticos. Estepredomínio da morfogênese sobre a pedogênese,decorrente da elevada energia do relevo e sua intensadissecação. Isso se dá principalmente pela elevadaamplitude altimétrica com as cotas variando dos 60 a1.020 m, as declividades superiores a 30%, a composi-ção do modelado, caracterizado por vales encaixadose encostas bastante escarpadas, que somadas aoselevados índices pluviométricos, à ação da gravidadee à estrutura falhada e fraturada propiciam a ocorrênciade movimentos de massa (AMORIM, 2007).

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Toda a área dessa Unidade Geoambiental sesitua em uma Unidade de Conservação, o ParqueEstadual da Serra do Mar, criado em 1997. A áreanão apresenta ocupação, pois a entrada e uso na áreasão restritos. Nos limites do Parque Estadual da Serrado Mar, no contato com Unidade Geoambiental daPlanície Flúvio-Marinha parcialmente preservada,existem algumas pequenas propriedades rurais que,segundo a COMDEC, são propriedades ilegais,oriundas de invasão.

A última Unidade Geoambiental a seranalisada é a Unidade Geoambiental dos MorrosResiduais. Esta apresenta formação geológicasemelhante à Unidade Geoambiental da Serra do Mar,isto é, é composta por rochas formadas no Pré-Cambriano que foram metamorfizadas ganhandogrande resistência aos processos intempéricos, ondepredominam os migmatitos de estrutura complexa(policíclicos) de paleossoma predominantementegnássico (SUGUIO e MARTIN, 1978).

A cobertura superficial da área é autóctone

pouco profundo, oriundo de rochas cristalinasintemperizadas in situ, com textura areno-argilosa,onde os processos pedogenéticos desenvolvem osCambissolos Háplicos e Neossolos Litólicosintercalados por afloramentos rochosos (IAC, 1999 eMACIEL, 2001).

Uma característica marcante dessa UnidadeGeoambiental é a baixa densidade de drenagem. Nãose visualizam canais fluviais estabelecidos, masapenas canais temporários que escoam água dastorrentes. Seu relevo é intensamente dissecado,apresentando elevada energia, e sendo caracterizadacomo morros isolados, com encostas bastanteescarpadas, com predomínio de vertentes retilíneas econvexas, que apresentam altitudes de no máximo 219m com declives superiores a 30% (AMORIM, 2007).

Esta Sub-Unidade Geoambiental foicompartimentada em duas Sub-Unidades Geoambien-tais: a primeira, a Sub-Unidade Geoambiental MorrosResiduais Florestados, apresenta área de 3,88 km², oque satisfaz a 2,61% da totalidade da área municipal

e 84,97% da área total da Unidade GeoambientalMorros Residuais, e, a segunda a Sub-UnidadeGeoambiental Morros Residuais com ocupaçãoconsolidada tem área de 690 m², o que corresponde a0,46% da área municipal e 15,03% da área total daUnidade Geoambiental em estudo.

A Sub-Unidade Geoambiental MorrosResiduais Florestados é coberta pela FlorestaOmbrófila Densa (Mata Atlântica). Esta Sub-UnidadeGeoambiental não é ocupada por residências eestabelecimentos comerciais, e apresenta áreas em queo acesso e uso são restritos (Parque Estadual doXixová-Japuí). O Estado Ambiental Estável, e oEstado Geoecológico da área é compensado, poismantém a cobertura vegetal natural.

A Sub-Unidade Geoambiental MorrosResiduais com ocupação consolidada écaracterizada por apresentar uma ocupação urbanaclassificada como consolidada, ocorrendo de formahorizontal e vertical com grau de ocupação variandode média (1.001 e 5.000 hab./km²) e alto (5.001 a10.000 hab./km²). A área apresenta Estado Ambiental

Crítico, pois a ação antrópica acelera e acentua osprocessos desencadeadores de Movimentos de Massa.O Estado Geoecológico desta Sub-Unidade é o maiscomplexo para a totalidade do município, pois seuterritório apresenta áreas totalmente alteradas comocupação urbana, vários pontos de esgotamento, quecoincidem com as cicatrizes de Movimentos de Massae áreas de compensação, que são as áreas isoladascom preservação da cobertura vegetal natural.

Esta Unidade Geoambiental apresentaelevada Fragilidade Ambiental, decorrente das suascaracterísticas naturais como a elevada declividade,morfoestrutura falhada e fraturada, pacote sedimentarpouco espesso e intenso volume pluviométrico. Taiscaracterísticas associadas à ação antrópica aumentamos riscos a processos erosivos, a Movimentos deMassa em geral como queda de blocos, deslizamentos,desabamentos e rastejamentos.

Amorim e Oliveira (2007) ao realizar uminventário das ocorrências de Movimentos de Massa

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realizado entre 1989 e 2007 no Laboratório de RiscosAmbientais do IPT, verificaram a ocorrência de 44Movimentos de Massa, sendo que 61,37% foramclassificados como Escorregamentos Planares. Outrotipo de movimento de massa expressivo nesta UnidadeGeoambiental são as Quedas de Bloco que entre 1989e 2007, representaram 22,73% das ocorrências.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados obtidos na delimitação dasUnidades Geoambientais mostram que, no municípiode São Vicente, que tem um contingente populacionalsituado acima dos 303 mil habitantes, ocupam cerca25% da área total do município. Verificou-se que asatividades rurais não apresentam expressividade nomunicípio, pois estas se restringem a pequenaspropriedades rurais situadas no limite do ParqueEstadual da Serra do Mar.

O sitio urbano assenta-se predominantementena Planície Flúvio-Marinha e no Terraço Marinho.As demais áreas, cerca de 75%, são ocupadas porUnidades de Conservação, como o Parque Estadualda Serra do Mar e o Parque Estadual Xixová-Japuíque tem como principal objetivo proteger a MataAtlântica, a vegetação de mangue e os campos dedunas, que segundo a legislação Federal, Estadual eMunicipal também deveriam está sobre proteção.

O estudo dos atributos naturais do municípiopossibilitou identificar que na área predomina amorfogênese sobre pedogênese, pois no ambienteserrano o relevo é intensamente dissecado pela açãodos agentes intempéricos, enquanto na zona deplanície o que predomina são os processosdeposicionais, oriundos de diferentes mecanismos(deposição fluvial, eólica e marinha).

Existe uma desproporcionalidade entre asáreas onde predominam os sistemas naturais e as áreasonde predominam os sistemas antrópicos. Nas áreasonde predominam os sistemas naturais a delimitaçãode Unidades de Conservação objetiva a sua proteção.Nas áreas ainda não protegidas por tal mecanismolegal, como as áreas de encostas florestadas,

vegetação de Restinga e vegetação de Mangueapresentam forte tendência a transformaçõesambientais decorrente do crescimento populacional,da expansão urbana e do uso dos recursos naturais.

Os sistemas ambientais do município de SãoVicente apresentam fragilidade a processos dedegradação natural, como os Movimentos de Massanos setores de encosta e as enchentes e inundaçõesnas áreas planas.

A fragilidade ambiental é acentuada nas áreasurbanizadas pelo grande adensamento demográfico.A ocupação concentrada e desordenada gera oesgotamento dos recursos naturais, desequilibrandoos fluxos de matéria, energia e informação nasUnidades Geoambientais.

Nas Unidades Geoambientais PlanícieCosteira e Terraço Marinho ocupadas pela expansãourbana levam a impermeabilização do solo queimpede a infiltração da água, como também ocasionoua canalização dos cursos d’água. Tais fatorescorrelacionados as baixas declividades, a dinâmicapluviométrica e a influência das marés ocasionam naárea enchentes e inundações.

A forma como se instalam e se distribuem ainfra-estrutura nestas Unidades Geoambientaisocasionam impactos como a contaminação dos níveisfreáticos pelas fossas acépticas, o acúmulo de lixo, apoluição das águas, do ar e visual, prejudicando assima qualidade de vida da população.

Nas áreas onde a ocupação não é consolidada,a presença de favelas formadas de maneiraexpontânea, concentra mais de 10.000 hab./km² emcasas de madeira (muitas delas palafitas), nãoatendidas por infra-estrutura básica, o que leva aconstante presença de epidemias na área.

Na Unidade Geoambiental Morros Residuais,em especial a Sub-Unidade Geoambiental MorrosResiduais com ocupação consolidada a fragilidadeambiental natural é acentuada pelo processo deocupação secular da área. Mesmo apresentando

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apenas 0,46% da área total do município, a áreaapresenta graves problemas ambientais, decorrentesda própria morfologia natural e acentuados pela açãoantrópica.

Os Movimentos de Massa são processosnaturais que juntamente com os processos erosivossão responsáveis pela evolução das encostas. Ossetores de encosta do município de São Vicenteapresentam elevada susceptibilidade a Movimentosde Massa, destacando os EscorregamentosTranslacionais com transporte de solos e detritos e aQueda de Blocos. Essa susceptibilidade estádiretamente vinculada aos elevados índicespluviométricos, à acentuada declividade e estado domaterial (área intensamente fraturada, com coberturadetrítica superficial e material rochoso exposto).

O processo de ocupação dos setores deencosta da área urbana do município de São Vicenteocasionou a insustentabilidade quanto ao uso, gerandocomo conseqüência um sério comprometimento dosfluxos de matéria e energia dos sistemas ambientais.Torna-se necessário o constante acompanhamentodessas áreas, seguidos de novos estudos criteriososque venham contribuir com a tomada de decisões esubsidiar a gestão desses espaços minimizando osimpactos ambientais.

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