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1 AS RELAÇÕES DE TRABALHO NO ENSINO A DISTÂNCIA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Artigo escrito por ROBERTO NORRIS 1 . CONSIDERAÇÕES INICIAIS Trata-se, in casu, de se analisar as relações de trabalho mantidas entre as instituições de ensino e alguns profissionais que lhes prestam certos tipos de atividades, mormente no que diz respeito à coordenação, autoria de material didático e tutoria. Que se trata de situações caracterizadoras do gênero “relações de trabalho”, quanto a isto não se tem dúvida. A questão que ainda permanece duvidosa refere-se mais ao fato de ser, então, uma espécie de relação de trabalho prevista pela legislação civil (não nos interessa, no presente momento, discutir as questões concernentes a direitos autorais) ou se pela trabalhista. Em princípio, até mesmo em virtude da grande informalidade que se admite quanto à forma de sua contratação, existe uma tendência a se reconhecer a existência de vínculo empregatícios, mas, para tal, será necessário o preenchimento dos requisitos ensejadores de tal condição, e que se encontram abstratamente previstos no art. 3 o da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). No tópico seguinte, analisaremos, de uma maneira bastante sucinta, como nos foi solicitado, a relação de emprego, para, em seguida, verificarmos duas relações de trabalho que também guardam estreita ligação com as condições dos contratos celebrados com os supramencionados profissionais. Antes de adentrarmos na análise do tema, resta-nos prestar os seguintes esclarecimentos preliminares: a) considerando-se a atividade final da instituição contratante (ensino), no caso dos professores de aula presencial, existe uma predominância de entendimento no sentido de que são efetivamente empregados (não obstante muitos deles recebam por RPA, como se “autônomos” fossem). A estes aplicam-se, em regra, o que dispõem os artigos 317 a 323 da CLT, além das regras aplicadas a todos os empregados celetistas, bem como os acordos e convenções coletivas celebrados, no âmbito do direito coletivo do trabalho, pelos seus sindicatos profissionais; b) no que se refere às funções de coordenador e de tutor, relativamente aos caos envolvendo ensino à distância, a relação de trabalho existente diz respeito, na Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro (RJ), Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de diversos livros.

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AS RELAÇÕES DE TRABALHO NO ENSINO A DISTÂNCIA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Artigo escrito por ROBERTO NORRIS

1 . CONSIDERAÇÕES INICIAIS Trata-se, in casu, de se analisar as relações de trabalho mantidas entre as instituições de ensino e alguns profissionais que lhes prestam certos tipos de atividades, mormente no que diz respeito à coordenação, autoria de material didático e tutoria. Que se trata de situações caracterizadoras do gênero “relações de trabalho”, quanto a isto não se tem dúvida. A questão que ainda permanece duvidosa refere-se mais ao fato de ser, então, uma espécie de relação de trabalho prevista pela legislação civil (não nos interessa, no presente momento, discutir as questões concernentes a direitos autorais) ou se pela trabalhista. Em princípio, até mesmo em virtude da grande informalidade que se admite quanto à forma de sua contratação, existe uma tendência a se reconhecer a existência de vínculo empregatícios, mas, para tal, será necessário o preenchimento dos requisitos ensejadores de tal condição, e que se encontram abstratamente previstos no art. 3o da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). No tópico seguinte, analisaremos, de uma maneira bastante sucinta, como nos foi solicitado, a relação de emprego, para, em seguida, verificarmos duas relações de trabalho que também guardam estreita ligação com as condições dos contratos celebrados com os supramencionados profissionais. Antes de adentrarmos na análise do tema, resta-nos prestar os seguintes esclarecimentos preliminares:

a) considerando-se a atividade final da instituição contratante (ensino), no caso dos professores de aula presencial, existe uma predominância de entendimento no sentido de que são efetivamente empregados (não obstante muitos deles recebam por RPA, como se “autônomos” fossem). A estes aplicam-se, em regra, o que dispõem os artigos 317 a 323 da CLT, além das regras aplicadas a todos os empregados celetistas, bem como os acordos e convenções coletivas celebrados, no âmbito do direito coletivo do trabalho, pelos seus sindicatos profissionais;

b) no que se refere às funções de coordenador e de tutor, relativamente aos caos envolvendo ensino à distância, a relação de trabalho existente diz respeito, na

Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro (RJ), Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de

diversos livros.

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maioria absoluta dos casos, a emprego (com disciplina pela CLT) ou prestação de serviços (abstratamente prevista nos arts. 593 a 609, todos eles do Código Civil);

c) no que diz respeito aos casos de educação à distância e o exercício das funções de autoria, a situação também poderá gerar, em regra, uma relação de emprego ou de empreitada (prevista no Código Civil, em seus arts. 610 a 626); e

d) embora se trate, no que concerne às situações previstas nas letras “b” e “c” supra, de uma verificação de ordem genérica, é possível que, em certos casos concretos, se constate a existência de uma outra espécie de relação de trabalho, embora se trate de condição “excepcionalíssima”, e, como tal, não justifica aqui a sua análise.1

2 . RELAÇÃO DE EMPREGO

Conforme observamos anteriormente, deve-se, in casu, adotar, como ponto de partida, que a verificação sobre a existência, ou não, em uma determinada situação jurídica, de uma relação de emprego, refere-se à caracterização de um dos sujeitos da própria relação, o empregado, e que se encontra mencionada no art. 3o caput, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), in verbis:

“Art. 3º Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.”

Um fator que se verifica, no que diz respeito aos critérios de distinção entre os contratos de trabalho e as outras espécies contratuais, que serão analisadas mais adiante, diz respeito à subordinação como o método mais adequado para diferenciar todas aquelas espécies contratuais, relativamente aos contratos correspondentes à relação de emprego. Depois de longos debates, chegou-se, há muito, no Brasil, à conclusão de que se está a tratar da dependência jurídica (ou subordinação hierárquica, como também é denominada).. A identificação dessa característica apresenta evidente utilidade prática, uma vez que através dela é que será possível constatar, em cada caso concreto, quais as relações que estão submetidas à órbita do Direito do Trabalho. Da mesma forma, torna-se necessária uma análise acerca da subordinação, bem como das demais características que envolvem um contrato de trabalho. 2.1 SUBORDINAÇÃO OU DEPENDÊNCIA. É da essência do contrato de trabalho a existência de um estado de dependência em que permanece o empregado em face do seu empregador. A existência deste estado representa um traço característico do contrato de trabalho, consoante reconhece significativa parte da doutrina. No entanto, permanecem significativas divergências - atualmente com menor intensidade - no que concerne à qualificação dessa dependência, por parte dos doutrinadores. Estas

1 Para os interessados em um aprofundamento no estudo sobre o tema, recomendamos, além

das obra posteriormente citadas, a leitura de duas obras de nossa autoria: “Emenda

Constitucional n. 45 e as relações de trabalho no novo Código Civil”, Rio de

Janeiro:Forense, 2006 e “Curso de Direito do Trabalho”, vol.I, São Paulo: LTr, 1998.

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divergências provocaram o aparecimento de diversos critérios para a subordinação do trabalhador, podendo os mesmos preceitos serem reduzidos em quatro tipos básicos: a) dependência econômica; b) dependência técnica; c) dependência social; e d) dependência jurídica. Resta-nos a análise acerca da dependência jurídica ou subordinação hierárquica, como também pode ser denominada, dando a entender a suposição no sentido de que o empregado se integra na organização da empresa, a qual se ordena em níveis hierárquicos. A idéia de subordinação, in casu, encontra-se diretamente vinculada ao aspecto passivo do poder diretivo de que dispõe o empregador. Assim, à responsabilidade de condução da empresa, por parte do empregador, corresponde o dever correlato do empregado, no que concerne à obediência de suas diretivas, uma vez que, caso não existisse essa obrigação de seu cumprimento, o poder de direção seria meramente nominal, e, portanto, ineficaz. Ainda como consectário da subordinação hierárquica, temos o fato de que, na hipótese de não-cumprimento das ordens legítimas, emanadas pelo empregador, como, por exemplo, nos casos de inobservância de obediência, diligência ou fidelidade, o trabalhador estará sujeito ao poder disciplinar por parte do outro contratante. Importante observar que, mesmo não se utilizando, o empregador, de maneira efetiva, desses poderes, ainda assim continuará a existir uma relação de trabalho subordinado, uma vez que o importante é que esta faculdade esteja sempre à disposição daquele que dá emprego. A relação jurídica é formada por um complexo de poderes e deveres recíprocos, onde a principal obrigação do trabalhador é a de prestar serviços, ou, melhor ainda, colocar-se à disposição daquele com quem contratou, para fins de executar as tarefas, determinadas pelo empregador, e que lhe forem pertinentes. Por outro lado, surge a obrigação, por parte deste último, concretizada em um dare, ou seja, no pagamento de uma remuneração. Conforme se conclui do exposto supra, a todo contrato de trabalho se aplica o poder diretivo do empregador, com os seus respectivos consectários. Desta forma, pode-se afirmar que o contrato laboral gera o estado de subordinação, vinculado à própria relação jurídica empregatícia, surgindo, desta forma, o status subietionis do empregado. Assim, e em virtude desse status subietionis, que será menor quanto maior for a categoria do trabalhador no contexto da empresa, o empregado deve submeter-se, por força do contrato de trabalho, às disposições patronais quanto ao tempo, modo e lugar da prestação de serviços, bem como às disposições referentes aos métodos de execução, usos e modalidades, sempre que forem estabelecidos pelo empregador. 2. 2. BILATERALIDADE SINALAGMÁTICA. Outra característica a que podemos nos referir, no que diz respeito ao contrato de trabalho, é aquela relativa à sua bilateralidade. No que se refere à qualificação dos negócios jurídicos, a bilateralidade vem representar aquele ato para cuja execução ou realização se faz necessária a presença de no mínimo dois agentes, sendo indispensável a existência de pessoas em pólos opostos.

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A relação de sinalagma envolve o fenômeno da correspectividade, em virtude de um laço de interdependência, que emerge da existência de obrigações recíprocas entre as partes que integram os dois pólos da relação de emprego, denominadas de empregado e de empregador. O sinalagma pode apresentar-se de duas formas: a) genético, na hipótese em que a aludida correspectividade, ou seja, a reciprocidade de

obrigações, geradas pela celebração do negócio jurídico, verifica-se ab ovo; e b) funcional, quando se verifica já no desenvolvimento da relação jurídica onde o contrato

de projeta, ou a qual vem a dar lugar.2 Considerando-se a classificação supra, podemos afirmar que o contrato de trabalho possui a sua sinalagmaticidade genética, uma vez que, desde a sua formação, ambas as partes contraem obrigações. Como conseqüência da aludida sinalagmaticidade, é que se pode afirmar, também no que se refere às relações de emprego, que a inobservância das obrigações assumidas, pode dar azo ao recurso à exceptio non adimplecti contractus, ou, ainda, à rescisão contratual. Importante frisarmos, contudo, que não podemos falar, in casu, no que concerne especificamente às relações laborais, na existência de uma sinalagmaticidade perfeita, por esposarmos entendimento no sentido de que a principal obrigação do empregado não está em prestar serviços ao seu empregador, mas sim na disponibilidade de que trata o art.4º, caput, da CLT, verbis: "Art. 4º Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado

esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada”.3

2.3. CONSENSUALIDADE. Ao estabelecermos a consensualidade como uma das características do contrato de trabalho, estamos nos referindo à idéia de consentimento, uma vez que não surtirá qualquer efeito, quando ausente este último, por parte dos contratantes. Este consentimento, no que concerne ao contrato de trabalho, e tendo em vista a vertente quoad constitutionem, caracteriza-se pela regra geral de ausência de formalidades para que se manifeste. Assim, no caso da celebração de um contrato ensejador da relação de emprego, a exteriorização da vontade - respeitadas as exceções referentes a algumas modalidades especiais - pode estabelecer-se por qualquer modo, desde que se faça com a clareza necessária.4 A liberdade de forma, no que atine ao contrato de trabalho, encontra-se perfeitamente mencionada na CLT, em seu art.443, caput, que dispõe:

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Cfe. Mário Frota, Contrato de trabalho I : afinidades institucionais, recorte

constitucional, Coimbra: Coimbra Editora Limitada, 1978, p.39.

3 O contido neste art. 4o da CLT é que, em muitos dos casos, derruba argumentação no

sentido de que o principal dever do empregado seria o de prestar os seus serviços,

quando, na realidade, seria o de aguardar e cumprir as ordens emanadas do empregador ou

alguém por este último autorizado. 4

O princípio da liberdade de forma foi objeto de estudo em capítulo do nosso “Curso de

Direito do Trabalho”, cit., ao tratarmos da formação do contrato de trabalho, a cuja leitura

remetemos.

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"Art.443. O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito e por prazo determinado ou indeterminado."

Finalmente, podemos afirmar que, pela sua natureza consensual, aplica-se ao contrato de trabalho a regra no sentido de que solus consensus obligat. 2.4. ONEROSIDADE. A percepção da remuneração, pelo empregado, como contraprestação pela energia de trabalho colocada à disposição do empregador, constitui-se, na maioria das vezes, na própria forma de subsistência do trabalhador. Assim, se a prestação de serviço revestir feição de gratuidade, como, por exemplo, nas hipóteses de benevolência ou altruísmo, até poderemos ter uma projeção em outras espécies de relação jurídica, porém não será possível falar-se em relação de emprego. Porém não descaracterizará o contrato de trabalho o fato de a remuneração ser paga por alguém alheio à relação empregatícia em si, v.g. nos casos atinentes à percepção de gorjeta voluntária. Sob o aspecto do direito positivo, a onerosidade encontra-se expressamente mencionada no art.3º, caput, in fine, da CLT, quando, ao definir empregado, estatui que a prestação de serviços se dá "mediante salário". Este citado dispositivo, assim como aquele constante do art. 76 consolidado, bem demonstram o caráter de onerosidade do contrato de trabalho.5 2.4.1 . COMUTATIVIDADE. Dentre os contratos onerosos, duas modalidades se apresentam: os contratos comutativos e os aleatórios. Conseqüência da onerosidade do contrato de trabalho, a comutatividade vem representar, relativamente ao supramencionado contrato, a idéia no sentido de que os contratantes se obrigam ao cumprimento de obrigações recíprocas, em condições de equivalência entre as prestações. O contrato de trabalho manifesta a sua comutatividade "sob o aspecto sintético e tarifário das prestações e contraprestações, pelo seu valor global e estimativo do valor delas."6

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Dispõe o art.76, da CLT, verbis:

"Art.76. Salário mínimo é a contraprestação mínima devida e paga diretamente

pelo empregador a todo trabalhador, inclusive ao trabalhador rural, sem

distinção de sexo, por dia normal de serviço, e capaz de satisfazer, em

determinada época e região do País, as suas necessidades normais de

alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte."

No entanto, entendemos estar mais atualizada a conceituação de salário mínimo

constante do art.6º, da Lei nº8.419/92, que, considerando o estabelecido pelo art.7º, IV, da

Constituição Federal, dispõe ser o salário mínimo "a contraprestação mínima devida e paga

diretamente pelo empregador a todo trabalhador, por jornada normal de trabalho, capaz de

satisfazer, em qualquer região do País, as suas necessidades vitais básicas e às de sua

família, com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e

previdência social."

6 Cfe.Evaristo de Moraes Filho e Antonio Carlos Flores e Moraes, “Introdução ao Direito do

Trabalho”. São Paulo: LTr, 1993, p.228.

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Adotamos na íntegra o mesmo entendimento, pelo fato de que o mesmo vem apresentar a justificativa para as hipóteses de interrupção nas prestações de trabalho, v.g. nos casos de férias. No entanto, permitimo-nos apresentar duas espécies diversas de comutatividade, caracterizadas pelos fatores a seguir aduzidos: a) a comutatividade real ou absoluta, como sendo aquela representativa da perfeita

equipolência entre as prestações advindas do pacto, comutatividade esta bastante desejada, quando da celebração dos negócios jurídicos, porém de difícil constatação, pois seria consectária de uma idêntica condição, na relação jurídica, relativamente a partes que se encontram em condições desiguais; e a

b) a comutatividade presumida ou relativa, que, embora reconheça a diferença de

condições entre as partes, não somente quando da celebração do contrato, mas, e sobretudo, quando da sua execução - dentre outros fatores, como conseqüência da variação de interesse, relativamente a cada contratante, o que colocaria o mais interessado na celebração do contrato em condição de inferioridade quando do estabelecimento de suas cláusulas - presume a assim aludida igualdade formal, de maneira a possibilitar a celebração de negócios jurídicos.7

No caso específico do contrato de trabalho, a comutatividade, normalmente observada, é aquela presumida, considerando-se a questão envolvendo oferta e procura por postos de trabalho (é bem superior o quantitativo representante da segunda). A diferença, observada na aludida demanda, tem colocado o empregado, na maioria absoluta das vezes, sem qualquer condição de participar da elaboração das cláusulas contratuais, até mesmo quando estas são estabelecidas por instrumentos consectários de acordo ou convenção coletiva. Ainda como efeito do que foi mencionado no parágrafo anterior, podemos mencionar a comutatividade como sendo a idéia de correspondência, no sentido de que, para cada prestação ou direito, haverá uma contraprestação ou dever equivalente. 2.5 . TRATO SUCESSIVO. O contrato de trabalho possui traços de sua normal intenção de continuidade, até mesmo em virtude de encontrar-se diretamente ligado à idéia de subsistência do trabalhador e de sua família. Desta forma, pode-ser afirmar que o decurso do tempo é que produzirá diversos dos efeitos desejados pelas partes, atendendo às principais necessidades que as teriam induzido à contratação. Comprovação, do que foi aduzido no parágrafo anterior, encontra-se perfeitamente consubstanciada na existência de diversos benefícios trabalhistas que pressupõem o decurso de um certo lapso temporal, como é o caso das férias, indenizações, dentre outras. A não-eventualidade encontra-se, inclusive, mencionada no conceito de empregado, constante do art.3º, da CLT, o que bem demonstra não se poder falar em relação empregatícia quando se estiver tratando de trabalho eventual.

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Apresentando outra diferenciação, porém com idêntico objetivo, Orlando Gomes

(“Contratos”, Rio de Janeiro:Forense, 2003) apresenta duas formas de equivalência: a objetiva

e a subjetiva. Assim, e levando-se em consideração que "cada qual é juiz das suas

conveniências e interesses", será perfeitamente possível a contraprestação ser

desproporcional ao valor da prestação, posição que adotamos ao estabelecer o nosso critério

distintivo.

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Acerca da regra da continuidade ou da duração do contrato de trabalho, faz-se mister a transcrição das palavras de Orlando Gomes, ao comentar acerca do entendimento doutrinário alemão envolvendo as relações de débito permanente e o estado de poder daí surgido. Eis as palavras de Orlando Gomes sobre o tema: "Os autores alemães completam a explicação acima, referindo-se, como o fez

Gierke, às "relações de débito permanente", nas quais a prestação deve ser cumprida num espaço de tempo. Estas relações de débito permanente produzem um "estado de poder", cuja manutenção é essencial ao cumprimento da obrigação contratual. O "estado de poder" pode ser conferido sobre uma coisa ou sobre uma pessoa. No primeiro caso, entram as relações de locação, de custódia, etc. Um poder sobre a pessoa do devedor do trabalho produz-se, ao contrário, na relação de trabalho. Por isso, essa relação se enquadra na categoria das relações de débito permanente com "estado de poder" a favor da pessoa do credor sobre a pessoa do devedor do trabalho."8

Ainda a respeito da não-eventualidade, importante mencionar a síntese apresentada por José Antônio R. de Oliveira Silva no que diz respeito as quatro principais teorias existentes para explicar tal fenômeno:

“Em breve síntese são estas: a) teoria do evento – eventual é o trabalhador que é contratado para se ativar em determinado evento (acontecimento, obra, serviço específico; b) teoria dos fins da empresa – eventual é trabalhador que é contratado para desempenhar uma atividade que não coincide com os fins normais do estabelecimento do tomador dos serviços; c) teoria da descontinuidade – eventual é o trabalhador ocasional, esporádico, ao contrário do empregado, que é um trabalhador permanente; teoria da fixação jurídica na empresa – eventual é o trabalhador que não se fixa a um tomador de serviços, a uma fonte de trabalho.”9

A importância prática do caráter de trato sucessivo, relativamente ao contrato de trabalho, verifica-se em face das alterações que o seu conteúdo pode apresentar, ocasionadas por motivos supervenientes à constituição do negócio jurídico. 2.7 . PESSOALIDADE. Embora a pessoa concreta do contratante seja, na maioria das vezes, juridicamente indiferente, em alguns outros casos, este fator assume papel decisivo, onde a consideração das qualidades de certa pessoa passa a representar o elemento determinante da conclusão de um negócio jurídico. Este é o caso, inclusive, que envolve boa parte das contratações do Ensino à Distância (EAD). No que concerne especificamente ao Direito do Trabalho, podemos constatar a pessoalidade como regra, quanto àquele que presta os serviços (empregado), embora também se

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Cfe. Orlando Gomes e Elson Gottschalk, ob.cit., p.122. Apenas à guisa de lembrança, cabe

acrescentar que a idéia de poder permanente encontra-se intimamente vinculada ao período em

que se verificar a relação de emprego, uma vez que seria absurda a conclusão no sentido de

uma vinculação do empregado após o término da vigência do contrato de trabalho.

9 José Antônio R. de Oliveira Silva, “Relação de Trabalho – em busca de um critério

científico para a definição das relações de trabalho abrangidas pela nova competência

da Justiça Especializada”, in Revista LTr, vol.69, n. 03, Março de 2005, p.316. A

exemplo do mencionado autor, também entendemos ser a teoria dos fins da empresa aquela

que melhor atende à verificação da eventualidade na relação de trabalho.

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possa verificar, em determinados casos, a relação intuitu personae no que diz respeito ao empregador. Porém, não é a segunda hipótese - que representa entendimento consectário do que dispõe o art.483, §2º, da CLT - que nos interessa nesta análise, mas sim da pessoalidade do empregado como característica que é do próprio contrato de trabalho. Os contratos de trabalho, assim como os demais denominados de intuitu personae, originam, geralmente, uma obrigação consistente em um facere, e, portanto, cuja obrigação representa um serviço fungível, revestindo-se de foros de intransmissibilidade.10 Orlando Gomes, embora não considere a pessoalidade como da natureza do contrato, menciona-a como um dos requisitos da prestação do trabalho. No entanto, deixa bem claro o seu entendimento, no mesmo sentido em que a matéria foi abordada supra, no que atine ao fato de que, não se tratando de obrigação fungível, esta não pode ser satisfeita por outrem, mas apenas por quem a contraiu. E, ratificando o seu posicionamento, no sentido de que a obrigação de prestar serviços é personalíssima, afirma que, tanto isso é verdade, que a morte do empregado dissolve, ipso facto, o contrato.11

3 . RELAÇÕES DE TRABALHO NO NOVO CÓDIGO CIVIL

Conforme já tivemos oportunidade de mencionar, o contrato de trabalho apresenta-se bastante complexo, tendo em vista os seus traços essenciais. Esta complexidade advém, na maioria dos casos, do fato de que a relação, mantida entre os contratantes, normalmente surge envolta de certa nebulosidade, chegando a parecer que partilha de mais de um regime jurídico.12 No caso das relações de trabalho previstas no Código Civil, o que se observa é que sempre existiu, entre estas e a relação de emprego, uma zona fronteiriça, e também bastante cinzenta, cujo estudo da mesma vem há muito se constituindo em objeto do estudo por parte de diversos juristas, e, no estudo propriamente dito do Direito do Trabalho, normalmente vinha sendo analisada sob a expressão de “contratos afins” ao contrato de trabalho. A respeito do tema, faz-se interessante mencionar as palavras de Plá Rodriguez, in verbis:

“esta comparación, además del interes teórico expresado, presenta un interés práctivo derivado no sólo de la complejidad de lavida real, que no está

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Levando em consideração o objeto da obrigação, por parte do empregado, que consiste em

um facere, Octavio Bueno Magano (Manual de Direito do Trabalho: direito individual do

trabalho, v.II, 3ª ed., São Paulo : LTr, 1992, p.49) apresenta, como um dos elementos

constitutivos do contrato de trabalho, aquele atinente à "Facienda necessitas".

No entanto, Magano afirma, ao tratar do supramencionado tópico, que a idéia do

contrato de trabalho intuitu personae vem perdendo o seu rigor, em virtude da prática do job-

sharing, segundo o qual se permite a substituição de um empregado ausente por outro que

compartilhe o mesmo posto de trabalho. Data venia do ilustre mestre, permitimo-nos discordar

de sua opinião. Isto se faz necessário porque a obrigação, correspondente a determinado

contrato de trabalho, possui, como já se teve a oportunidade de mencionar, características de

intransmissibilidade, o que faz com que não possa ser cumprida por outrem, levando-se em

conta o contexto exclusivo daquele contrato. Desta forma, e por não poder o contrato de

trabalho se constituir em hipótese de cessão, a substituição do devedor - in casu, do

empregado - envolverá a celebração de novo contrato entre o seu "substituto" e o seu

empregador.

11 Cf. Orlando Gomes e Elson Gottschalk, “Curso de Direito do Trabalho”. Rio de Janeiro:

Forense, 2000, p.77.

12 No mesmo sentido, Mário Frota, Contrato de Trabalho I, Coimbra, Coimbra Editora

Limitada, 1978, p.53.

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encuadrada ni compartimentada en marcos rígidos, sino también de la frecuencia con que los interesados pretenden disimular un auténtico contrato de trabajo, presentándolo bajo la forma de una figura vicina.”13

4 . CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS O Novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 11.01.2002) estabelece, em seu art. 594, que “toda a espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser contratada mediante retribuição”, repetindo, desta maneira, o que já estabelecia o art.1.216 do Código Civil de 1916. Este dispositivo vem tendo a sua redação criticada, diante da alegação de que estaria ultrapassada, tendo em vista a amplitude que o tema “prestação de serviço” apresenta na atualidade, e que mereceria ser alterada diante dos elementos característicos do instituto.14 Em virtude das críticas apresentadas, atualmente encontra-se em tramitação o Projeto de Lei n.7.312, de 07.11.2002, que propõe, como nova redação, o seguinte:

“ A prestação de serviço compreende toda atividade lícita de serviço especializado, realizado com liberdade técnica, sem subordinação e mediante certa retribuição.”

4 . 1 CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS E CONTRATOS AFINS O contrato de prestação de serviços, anteriormente denominado de locação de serviços15, apresenta-se com as características de ser consensual, impondo obrigações recíprocas, comutativo em suas prestações, oneroso, não solene, e, de regra, personalíssimo. Esta sua caracterização, bem como a sua origem na locatio romana, vem fazendo com que o contrato de prestação de serviços venha se caracterizando como um ponto bastante controvertido, quando da sua comparação ao contrato de trabalho, e que gerou grande discussão até mesmo no que diz respeito, na época, quanto à redação a ser dada ao atual art.593 do Código Civil.16 Por ocasião de votação do texto na Câmara dos Deputados, em 1984, o então Deputado Tancredo Neves chegou a propor a supressão de todo o Capítulo VII, sob a argumentação de que as hipóteses de prestação de serviços estariam todas abrangidas pelas normas trabalhistas ou por aquelas que regiam o contrato de empreitada. A proposição, contudo, foi rejeitada com a alegação, por parte do então relator geral, o Deputado Ernani Sátyro, no sentido de que entre as atividades caracterizadoras do vínculo empregatício e aquelas executadas em decorrência de um contrato de empreitada, ainda restaria um vasto campo de atividades autônomas irredutíveis àquelas duas.17 Situações como as mencionadas no parágrafo anterior, aliadas à terminologia usada no contrato de prestação de serviços, acabam por gerar uma dificuldade ainda maior na identificação, em uma dada situação concreta, se está se tratando de contrato de prestação de serviços ou de contrato de trabalho. Apenas à guisa de exemplificação, podemos mencionar a utilização do termo “aviso prévio” (art.599, caput, do CC), “salário” (art.599, parágrafo único, incisos I e II,do CC),

13 Américo Plá Rodriguez, Curso de Derecho Laboral, vol.I, t.II, Montevidéo, Acali

Editorial, 1978, p.43. 14 Cf. Jones Figueiredo Alves, Novo Código Civil comentado / Ricardo Fiúza (coord.), 4a

ed. atual., São Paulo: Saraiva, 2005, p.542. 15 Cf. Caio Mário da SilvaPereira, Instituições de direito civil, v.III, Rio de Janeiro,

Forense, 2005, atual.por Regis Fichtner, quando afirma que “o direito moderno não mais

considera o trabalho humano uma coisa suscetível de dar-se em locação e tem procurado

dissociar a prestação de serviços das outras espécies de locações” (p.375),

17 Cf. Jones Figueiredo Alves, ob.cit., p.540.

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“despedir sem justa causa” (art.602 a 604, do CC) e “despedido por justa causa” (art.602, parágrafo único, do CC). Para solucionar os problemas decorrentes dessas utilizações, algumas delas inclusive inapropriadas, v.g. “aviso prévio” quando deveria ser “denúncia imotivada”, e “salário” no lugar de “retribuição”, o atual Projeto de Lei n.6.960, de 2002, propõe inclusive a sua substituição, sendo que a proposta trata da alteração de “salário” por “remuneração”, o que poderá ainda gerar alguma confusão, mas, ainda assim, representa, in casu, termo melhor do que “salário”.18 A seguir, e por se tratar de aspecto muito importante, passamos a tratar dos critérios de diferenciação entre o contrato de prestação de serviços (outrora denominado de locação de serviços) e o contrato de trabalho. Para tal, utiizaremos os critérios de diferenciação apresentados por Plá Rodriguez, entre o que este denominou de "arrendamiento de servicios" e o contrato de trabalho. O autor mencionado aludiu à possibilidade de se distinguir sete correntes, as quais nos referimos abaixo, de forma sucinta: a) a primeira delas estaria caracterizada por aqueles que afirmam ser a locação de

serviços um gênero, enquanto que o contrato de trabalho se constituiria em uma de suas espécies. Este seria o posicionamento, dentre outros, de Krotoschin;

b) pelo entendimento da segunda corrente, ocorreria exatamente o fenômeno

inverso, ou seja: teríamos o contrato de trabalho como gênero, enquanto que a locação de serviços seria uma de suas espécies. Segundo Plá Rodriguez, esse teria sido o posicionamento esposado por Mario Deveali;

c) aqueles que acreditam que o contrato de trabalho e o de locação de serviços

estão relacionados porque coincidem parcialmente em alguns casos; contudo, não vêem qualquer relação entre gênero e espécie. Como defensor dessa teoria, temos, v.g. Garcia Martinez;

d) existem, ainda, os que esposam entendimento no sentido de que locação de

serviços e contrato de trabalho representam a mesma coisa. In casu, o contrato de trabalho seria o nome atual do antigo contrato de locação de serviços, entendimento adotado por Unsain, que utilizava os dois termos como equivalentes;

e) aqueles, como, por exemplo, Ludovico Barassi, que afirmam a não-coincidência

entre os dois contratos, bem como a inexistência de relacionamento entre si. Dito de outra forma, seriam os que não consideram que um seja parte do outro;

f) os que consideram a locação de serviços como um contrato de trabalho, de

inferior categoria, que pode ser submetido a normas diversas daqueles concernentes ao contrato de trabalho. Quanto a essa corrente, Plá Rodriguez afirma que, embora não tenha sido defendida por algum doutrinador, a mesma se observou na prática, podendo-se citar, à guisa de exemplificação, a despedida de empregados de instituições financeiras em liquidação, pelo Banco Central do Uruguai, uma vez que, naquela oportunidade, foi oferecido, aos mesmos, um contrato de locação de serviços de duração de seis meses; e

18 É de se lamentar, contudo, que, se for o Projeto aprovado na maneira em que atualmente redigido, algumas

expressões ainda permanecerão incorretas. Isto porque, embora o Código Civil/2002 tenha acertado na redação dada ao

seu art.475 – aperfeiçoando o texto do art.1.092 do Código Civil revogado/1916 -, permanece o equívoco no que

concerne, por exemplo, à “resolução” do seu art.589, caput, ou, ainda, à “rescisão por inadimplemento” do seu art.607. A

respeito das imprecisões conceituais, ver Araken de Assis, Resolução do contrato por inadimplmento, 4a ed. rev. e atual.,

São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, pp.78-95.

11

g) finalmente, a corrente representada pelos que entendem que os contratos de

trabalho e de locação de serviços são substancialmente diferentes, cujo defensor mais expoente teria sido De Ferrari, que remontou à origem romana dos institutos para fins de melhor diferenciá-los.19

Conforme já tivemos a oportunidade de manifestar, em momento anterior desta obra, esposamos entendimento no sentido de que o contrato de prestação de serviços e o contrato de trabalho correspondem a uma divisão da espécie locatio conductio operarum, e que teriam, como critério distintivo, a dependência jurídica (ou subordinação hierárquica, existente no contrato de trabalho, e não observada no que atine à prestação de serviços). Se as considerações anteriores eram suficientes, para os que militam perante a Justiça do Trabalho, até o advento da Emenda Constitucional n. 45, de 08 de dezembro de 2004 – uma vez que a preocupação na época limitava-se, relativamente ao contrato de prestação de serviços, a verificar critérios para a sua diferenciação diante do contrato de trabalho -, hodiernamente o estudo tem de ir mais além. Isto porque, considerando-se que a Justiça do Trabalho atualmente é competente para a apreciação de “relações de trabalho”, faz-se mister, tendo em vista semelhanças entre o contrato de prestação de serviços e outras espécies contratuais, a análise de critérios de diferenciação da espécie contratual ora estudada com outro contrato (o de empreitada, considerando-se a importância que isto representa para a nossa análise), e não apenas com o contrato de trabalho. Assim é que, relativamente ao contrato de empreitada, o contrato de prestação de serviços se distingue pelo fato de que, quando a este último, o trabalho é realizado sob as ordens e fiscalização do tomador de serviço. No que se refere à empreitada, uma vez definida a obra a ser realizada e ajustado o seu preço, a responsabilidade é exclusiva do prestador, que atua com independência.20 Outra questão que se apresenta como bastante controvertida, e cuja dificuldade de distinção pode ser perfeitamente observada nos artigos escritos sobre o tema, diz respeito ao contrato de prestação de serviços do Código Civil/2002 em cotejo com a prestação de serviços objeto de disciplina no art.3o , § 2o, da Lei n.8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), quando a execução de serviços se dá por profissionais liberais, matéria que será objeto de tópico específico em outro capítulo deste livro.

4 . 2 . PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS E RELAÇÃO DE CONSUMO. Uma questão que vem gerando uma considerável controvérsia diz respeito às relações jurídicas de prestação de serviços que envolvam uma situação jurídica de consumo. A questão que se levanta é se tais relações teriam tido, ou não, transferida a sua competência para a Justiça do Trabalho a partir da Emenda Constitucional n. 45. A resposta afirmativa parece-nos a mais conveniente.

19

Cf. Américo Plá Rodriguez, “Curso de Derecho Laboral”, vol. I, t. II, Montevideo: Acali

Editorial, pp.55-56.

20 Cf. Paulo Nader, Curso de direito civil, v.3: Contratos, Rio de Janeiro: Forense,

2005, p.361, que acrescenta: “Importante distinção é dada pela espécie das obrigações:

a do prestador é de meio e a do empreiteiro, de resultado”.

12

Em primeiro lugar, cabe observar que a prestação de serviços, de que trata o Código Civil, apresenta-se com caráter de generalidade no que diz respeito à matéria. Pode-se observar, contudo, que determinadas relações jurídicas de prestação de serviços revestem-se de certas peculiaridades, como, à guisa de exemplificação, podemos mencionar aquelas que se caracterizam como situações jurídicas de emprego ou de consumo. Nestes casos, a estas relações devem ser aplicadas normas específicas (CLT e CDC, além de leis extravagantes), considerando-se que o legislador nacional entendeu da necessidade de tutelar o interesse de hipossuficientes que participam dessas relações, in casu, empregados e consumidores, respectivamente. Tratando especificamente das relações de consumo, o que nos interessa neste momento da obra, temos que, por força do que dispõe o caput do art. 3o da Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), estas se caracterizam pelo “desenvolvimento das atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”. No que concerne aos produtos, nada impede que a matéria continue a ser da competência da Justiça Estadual, da maneira em que estabelecerem os Códigos de Organização Judiciária21. Diversa, contudo, é a destinação a ser dada à questão da competência no que se refere aos serviços, pelos motivos que trataremos nos parágrafos seguintes. Precedendo a qualquer análise, faz-se mister mencionar o conceito dado a serviço pelo Código de Defesa do Consumidor, em seu art.3o , § 2o :

“Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.

Do conceito acima infere-se que as relações de caráter trabalhista, por força de disposição legal, e embora não caracterizadoras da relação de consumo, também se operam no mercado de consumo. Se assim não fosse, não haveria razão para uma expressa exclusão na parte final do art.3o , § 2o , do Código de Defesa do Consumidor (CDC). E deve-se, ainda, observar que as relações de caráter trabalhista aí mencionadas não são aquelas cuja competência foi recentemente transferida para a Justiça do Trabalho. Está-se falando aí daquelas relações que já encontram a sua proteção em outras normas tutelares, dentre elas, porque não dizer principalmente, as que se encontram albergadas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Aduza-se, ainda, que, em casos que tais, não se pode utilizar sequer aqueles fracos argumentos da limitação da nova competência da Justiça do Trabalho por força de sua “tradição histórica”. Isto porque ninguém tem mais “tradição” e mais “história” em lidar com interesses de hipossuficientes em uma relação jurídica do que a Justiça do Trabalho!!! Importante observar que, em seu art.4o, inciso I, o Código de Defesa do Consumidor “pressupõe a vulnerabilidade do consumidor, partindo do princípio de que ele, por ser a parte econômica mais fraca, nas relações de consumo, encontra-se, normalmente, em posição de inferioridade, na administração de seus interesses com o fornecedor.”22 Isto bem demonstra as similitudes existentes entre princípios do Direito do Trabalho e do assim denominado Direito do Consumidor, e que serve para fortalecer o nosso entendimento acerca do tema. Acrescente-se, finalmente, que reduzir sensivelmente o âmbito de competência da Justiça do Trabalho, por exclusão das hipóteses de aplicabilidade do Código de Defesa do

21 Cf. em uma outra nossa obra, denominada “Responsabilidade civil do fabricante pelo

fato do produto. Rio de Janeiro: Forense”, 1996, 108 p. 22 Jorge Alberto Q. de Carvalho Silva, Código de Defesa do Consumidor anotado e

legislação complementar, 5a ed,, São Paulo: Saraiva, 2005, p.17.

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Consumidor, poderá abranger não apenas prestações de serviços, mas também outras típicas situações de relações de trabalho, v.g. aquelas envolvendo contratos de transporte, apenas para se citar um outro exemplo.

5 . DA EMPREITADA 5 . 1 CONCEITUAÇÃO DE EMPREITADA Derivada da locatio-conductio operis, o que significa afirmar que os romanos já a distinguiam da locatio-conductio operarum, de onde derivaram os contratos de trabalho e e prestação de serviços, a empreitada recebeu, no Código Civil de 2002, disciplina própria que também a apartou do gênero locação. Os dispositivos, a ela concernentes no novo Código Civil, também foram objeto de aprimoramento de linguagem, v.g.no caso de seu art.613, sobre o qual não cabem as críticas anteriormente feitas ao contrato de prestação de serviços, uma vez que ainda no período inicial de tramitação do projeto foi alterada a palavra “salário” por “retribuição”. Não obstante se possa verificar uma preocupação, in casu, por parte dos elaboradores da Lei n. 10.406/02, quanto à terminologia a ser utilizada, observa-se, também, que o legislador optou por não conceituar o contrato de empreitada, seguindo, desta maneira, um caminho distinto daquele adotado na Itália, cujo Codice Civile apresenta uma conceituação em seu art.1.655. Assim, tendo em vista o mencionado no parágrafo anterior, faz-se necessário que se apresente uma conceituação para o contrato de empreitada. Para tal, utilizamos-nos, inicialmente, do conceito apresentado por Jones Figueiredo Alves, para quem

“ a empreitada é o contrato em que se convenciona a execução de uma determinada obra, obrigando-se o executante, denominado empreiteiro, por seu trabalho ou de terceiros, com ou sem os materiais a ela necessários, perante o empreitante, dono da obra, e de acordo com as instruções deste, que por ela fica obrigado a remunerá-la, independente do tempo necessário, por valor certo ou proporcional aos níveis do seu perfazimento. É contrato bilateral, consensual, comutativo, oneroso e não solene.”23

Á esta conceituação, que, além de abranger boa parte dos dispositivos legais do Código Civil / 2002 dedicados ao tema, também apresenta as características do contrato de empreitada, divergimos da utilização, por parte do mencionado doutrinador, do termo “remunerar” ao invés de “retribuir”. Uma outra observação diz respeito à expressão “de acordo com as instruções deste”, que deve ser interpretada em consonância com o que dispõe o art.610, § 2o, do CC, no sentido de que “o contrato para elaboração de um projeto não implica a obrigação de executá-lo, ou de fiscalizar-lhe a execução.” E, finalmente, não se pode deixar de mencionar as considerações, apresentadas por Caio Mário da Silva Pereira, de que a comutatividade é a regra, mas que o contrato de empreitada também pode ser objeto de ajuste com caráter aleatório.24

5 . 2 MODALIDADES DECORRENTES DOS CRITÉRIOS DE DETERMINAÇÃO DO PREÇO Quanto às modalidades de empreitada tendo em vista os critérios de determinação do preço, Caio Mário da Silva Pereira menciona a existência de uma empreitada em

23 Jones Figueiredo Alves, ob. cit., p.556. 24 Cf. Caio Mário da Silva Pereira, ob. cit., p.316.

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que a retribuição é estipulada para a integralidade da obra, e, portanto, sem considerar o fracionamento da atividade ou do resultado. À essa modalidade, denominada pelos franceses de marché à forfait, o autor civilista acrescentou não ser “incompatível com o parcelamento das prestações, nem deixa de ser global ou forfaitário o preço pelo fato de ficar ajustado seu pagamento escalonadamente, desde que determinado em função da obra como conjunto”25 Também tratando das modalidades, a que denomina de espécies, Jones Figueiredo Alves informa existir a de “preço fixo (marché ao forfait), que compreende valor prefixado pela obra em sua totalidade, sem segmentar as atividades de sua execução. A de preço fixo absoluto, que não admite variação remuneratória da mão-de-obra ou do preço dos materiais empregados na obra. A de preço fixo relativo, que permite quantia variável em face do valor de componentes da obra.”26 A segunda modalidade, de que tratou Caio Mário da Silva Pereira, diz respeito à empreitada na qual a fixação do valor considera o fracionamento da obra, levando-se em conta, em casos que tais, ou as partes em que a obra se divide, ou, ainda, a sua medida27. Trata-se da hipótese à qual os franceses denominaram de (marché sur devis), e que se encontra prevista no art.614 do Novo Código Civil (2002). Em comentários ao art.614 do CC, Jones Figueiredo Alves, afirma que a primeira hipótese (em que a obra se divide) se daria no caso em que a independência das partes distintas faria equivaler a obras autônomas, enquanto que, no segundo caso (a que denominou de “empreitada ad mensuram”), existiria a presunção de que o que se mediu resultou verificado, estando em conformidade com as expectativas do dono da obra se, em trinta dias após a verificação, não forem por ele (dono da obra), ou por quem estiver incumbido da fiscalização, denunciados os vícios ou defeitos que a obra possa apresentar.28 Quanto ao tema, deve-se observar o que estabelece o art.618 do CC/2002.

5 . 3 ESPÉCIES DE EMPREITADA. A respeito das espécies de empreitada, o art.610, caput, do Código Civil de 2002, estabelece que o “empreiteiro de uma obra pode contribuir para ela só com seu trabalho ou com ele e os materiais”. Da sua leitura facilmente se pode depreender que a norma cogita de duas espécies de empreitada, a saber:

a) a de mão-de-obra, também denominada de lavor, onde o executante participa apenas com o seu trabalho, situação em que, quanto aos efeitos, se aplica o disposto no art.612 do CC; e

b) a empreitada mista, prevista na segunda parte do dispositivo supra, e que envolve as situações em que o executante também concorre com o fornecimento de materiais usados na obra, observado o que dispõe o § 1o do art.610 do CC, e para cujos efeitos se aplica o que estabelece o art.611 do Código Civil.

A respeito da obra em si, e tendo em vista o constante no art.610, caput, do Código Civil de 2002, importante questão foi objeto da análise por parte de Paulo Nader, e que se refere ao fato de que a utilização do vocábulo “obra” e a referência a “materiais” poderiam sugerir que o contrato de empreitada se restringiria às coisas corpóreas. Afirma Paulo Nader:

25 Caio Mário da Silva Pereira, ob. cit., p.317. 26 Jones Figueiredo Alves, ob.cit., pp.556-557. À empreitada de preço fixo relativo,

Caio Mário da Silva Pereira denominou de “empreitada com reajustamento” (ob.cit.,

p.317). 27 Caio Mário da SilvaPereira, ob. cit., p.317. 28 Jones Figueiredo Alves, ob. cit., p.561.

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“... Clóvis Bevilaqua afirma neste sentido: “O que caracteriza a empreitada é o seu fim, que consiste na produção de uma obra material ou certa porção dela; seja, por exemplo, a construção de um edifício, seja o preparo dos móveis com que lhe guarnecer uma das salas.” O texto legal, porém, não é incompatível com a extensão do objeto às coisas incorpóreas, tanto que Washington de Barros Monteiro atribui ao contrato um amplo caráter de abrangência:”...Também os trabalhos intelectuais são suscetíveis de empreitada, como a confecção de uma ópera ou o comentário de determinada obra jurídica”. Em igual sentido a posição de Caio Mário da Silva Pereira, para quem o objeto da empreitada “é o mais amplo e variado,compreendendo toda espécie de produções, seja a clássica construção de uma obra material, seja a criação intelectual, artística ou artesanal.”29

O entendimento, hoje predominante entre muitos civilistas, de que é perfeitamente possível a celebração de contrato de empreitada envolvendo coisas incorpóreas30, pode gerar uma possibilidade ainda maior de se confundir, em determinados casos concretos, a espécie de contrato ora examinada, por exemplo, com os contratos de trabalho e principalmente aqueles de prestação de serviços, razão pela qual se passará a analisar, no próximo tópico, a questão relativa aos contratos afins (contrato de trabalho, prestação de serviços e empreitada).

6 CONTRATOS AFINS. Inicialmente cabe-nos analisar os elementos de distinção entre o contrato de empreitada e aquele que mais nos interessa: o contrato de trabalho. Como critérios de diferenciação, vários foram os apresentados, considerando-se o sucessivo aparecimento dos mesmos, para fins de se corrigir imperfeições, verificadas relativamente aos seus antecessores. O primeiro dos critérios foi representado por aquele atinente à remuneração. Assim é que, enquanto o contrato de empreitada teria a retribuição estabelecida em função da obra realizada, no caso do contrato de trabalho levar-se-ia em consideração o fator tempo. A fundamentação para este critério encontra-se no fato relativo ao deslocamento do risco, no sentido de que quem se compromete a realizar uma obra deve entregá-la para que possua o direito a cobrar algo, sem interessar, na maioria das vezes, se levou muito ou pouco tempo para a sua conclusão. O critério, ora sob comento, apresenta diversas falhas. À guisa de ilustração, podemos mencionar o fato de que a distinção leva em consideração um elemento acessório do contrato de trabalho, ou seja, a remuneração. Acrescente-se, ainda, que a remuneração no contrato de trabalho pode ser fixada, em alguns casos, por unidade de obra, o que retiraria qualquer valor relativamente ao supramencionado critério.31 A esse respeito, dispõe o art.78, caput, da CLT, verbis:

29 Paulo Nader, ob. cit., p.372 (tendo em vista a utilização de itálico para a citação

do mencionado autor, e para fins de diferenciação quanto ao que foi escrito pelos

doutrinadores ali apontados, utilizamos do texto em letras sem itálico para indicar as

palavras de autoria destes últimos). 30 Entendemos ser possível, mas não como empreitada mista, uma vez que se trataria,

neste caso, de empreitada de lavor. Assim, adotamos o posicionamento apresentado por

Clovis Bevilaqua relativamente ao tema. 31

Cf. Orlando Gomes e Elson Gottschalk, ob.cit., p.147. Nesse mesmo sentido, Américo Plá

Rodriguez, ob.cit., pp.44/45.

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"Art.78. Quando o salário for ajustado por empreitada, ou convencionado por tarefa ou peça, será garantida ao trabalhador uma remuneração diária nunca inferior à do salário mínimo por dia normal."

Acrescente-se, ainda, que, na realidade, não se pode afirmar que o trabalho por tempo não leve em conta o resultado, uma vez que, no trabalho por tarefa tem-se em conta, para fins de se determinar a remuneração, o tempo necessário para a obtenção do resultado desejado.32 O segundo critério parte da análise do objeto da prestação. Segundo ele, no contrato de trabalho o objeto da força de trabalho constitui-se em uma obrigação de meio, enquanto que, na hipótese do contrato de empreitada, o objeto é o próprio fruto do trabalho, ou seja, a obra produzida. Neste segundo caso, teríamos uma obrigação de resultado. Trata-se, como já se pôde observar, de critério derivado das idéias romanas, concernentes à distinção entre a locatio conductio operis e a locatio conductio operarum, e que foi objeto de ampla aceitação por diversos autores alemães.33 As críticas, apresentadas ao critério relativo ao objeto da prestação, são basicamente as mesmas formuladas relativamente ao critério referente à remuneração. Por oportunas, cabe mencionar as críticas apresentadas por Orlando Gomes e Elson Gottschalk: "Pode haver contrato de trabalho no qual o trabalhador se obrigue, dentro em certo

tempo, a cumprir tarefas que sejam obras feitas. O principal fim do empregador ao contratar tal empregado é o produto do trabalho, produto este que deve ser realizado no decurso de certo prazo. São tarefas que o empregado deve cumprir dentro de horário preestabelecido, como, por exemplo, a do empregado na manufatura do fumo que deve produzir número certo de charutos, por hora de serviço. Não é, portanto, o fim visado pelas partes que distingue a empreitada do contrato de trabalho."34

Em conformidade com o terceiro critério, no contrato de trabalho se exigiria que a prestação de serviços fosse sempre efetuada pelo empregado, enquanto que, na hipótese atinente à empreitada, não restaria caracterizada a espécie de prestação intuitu personae, relativamente ao obreiro. Como conseqüência, enquanto que, na hipótese de contrato de trabalho, teríamos a extinção da obrigação por morte do empregado, no contrato de empreitada o serviço poderia ser continuado por outro, na hipótese de falecimento do prestador de serviços. Plá Rodriguez afirma, com base no entendimento de Mario De la Cueva, que esse critério não se constitui de muita solidez, diante da possibilidade de existência de contratos de empreitada em que a obra deva ser realizada pelo contratante, v.g. na hipótese de trabalhos artísticos, enquanto que, de forma inversa, o empregado pode requerer a existência de outras pessoas, que trabalhem sob suas ordens, sem que isto tenha o condão de transformar a natureza contratual.

32

Idem, ibidem.

33 Cf. Américo Plá Rodriguez (ob.cit., p.45), que faz expressa menção a Gierke, enquanto

que Orlando Gomes e Elson Gottschalk (ob.cit., p.148) fazem expressa menção a outro autor

(Jacobi), em cuja teoria teria se baseado o critério do fim do contrato.

34 Orlando Gomes e Elson Gottschalk, ob.cit., p.148.

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Outro critério apresentado ainda para fins de distinção entre os contratos de empreitada e de trabalho foi aquele referente à profissionalização do empregador, segundo o qual existirá contrato de trabalho sempre que o contrato for celebrado com um empregador profissional. No que se refere ao contrato de empreitada, este se verificaria sempre que a oferta fosse apresentada ao público em geral. Assim como os critérios supramencionados, este se afigura de profunda imprecisão, uma vez que leva em consideração a qualidade de uma das partes contratantes (quem dá os serviços), além de se basear em critério econômico ao invés de jurídico. A adoção deste critério como válido levaria ao absurdo de não se considerar, v.g. em hipóteses caracterizadoras de serviços em atividade-meio da empresa, a possibilidade de terceirização. O último dos critérios mais difundidos, e que se nos afigura como o mais adequado, encontra-se representado pelo critério do vínculo de subordinação. Segundo ele, existirá contrato de trabalho quando o trabalhador encontrar-se hierarquicamente subordinado ao empregador, enquanto que se verificará hipótese caracterizadora de contrato por empreitada quando observada a autonomia do prestador de serviços. Em outras palavras, haverá contrato de trabalho sempre que o trabalhador estiver subordinado ao poder diretivo de quem abona os seus serviços, dependendo de suas ordens para a realização dos mesmos, considerando-se que o empregado se encontra em dependência jurídica em face do empregador, diante do risco, assumido por este último, na atividade econômica empreendida. No que concerne ao tema, J. Lescudier estabelece as seguintes formas de diferenciação: a) no contrato laboral, a força de trabalho do empregado, assim como a sua

habilidade, encontram-se à disposição do empregador, que tem a liberdade de dirigi-lo na forma que melhor lhe aprouver. Assim, existe uma tal situação de subordinação, que leva o empregado à obediência das ordens que recebe; e

b) no contrato de empreitada, o contratante está simplesmente obrigado a

apresentar a obra acabada, enquanto que o dono da obra não tem ordem alguma a lhe dar sobre o modo de sua execução.35

Sob o aspecto das conseqüências práticas da distinção entre contrato de trabalho e aquele referente à empreitada, podemos afirmar que, além da sua incontestável importância doutrinária (v.g. no que concerne à diferenciação entre a locatio conductio operis e a locatio conductio operarum), esta possui também enorme significado prático, uma vez que a sua diferenciação apresentará diversas conseqüências, a saber: a) no que se refere à aplicação do direito do trabalho, uma vez que somente o

contrato de trabalho estará submetido às suas regras protetivas. Relativamente à empreitada, esta se regerá pelo direito comum, inclusive com a aplicação dos princípios concernentes ao Direito Civil;

b) relativamente aos riscos. No que diz respeito ao contrato de empreitada, os

riscos estão a cargo do que realiza a obra, logicamente observado o disposto nos

35

Cf. J.Lescudier, Le salarié. Notion Juridique, Paris, 1952, p.42. No mesmo sentido, Plá

Rodriguez, ob.cit., pp.47/48, e Orlando Gomes e Elson Gottschalk, ob.cit., pp.149/150.

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arts.611 e 612 do Código Civil, e que poderá cobrar todo o pagamento quando do término da mesma. Já na hipótese do contrato de trabalho, os riscos correm por conta do empregador, uma vez que o empregado possui direito à percepção do seu salário, inclusive prescindindo de qualquer resultado obtido com o seu labor; e

d) quanto à prescrição. No contrato de empreitada aplica-se o disposto no art.618

do Código Civil de 2002, relativo à prescrição e decadência. No contrato de trabalho, regem os prazos estabelecidos em matéria laboral, que, além de geralmente serem distintos daqueles relativos ao direito comum, são regidos, em muitas das vezes, por critérios diferentes, no que se refere ao cômputo dos prazos. No caso do direito laboral brasileiro, os prazos são aqueles constantes do art.7º, XXIX, da Constituição Federal.36

Relativamente ao contrato de prestação de serviços, o contrato de empreitada se distingue do mesmo, além do aspecto já analisado quando se tratou do contrato de prestação de serviços e contratos afins, também pelo fato de que na empreitada a retribuição se dá pela extensão da obra, enquanto que naquela outra espécie de contrato (prestação de serviços) a retribuição decorre do tempo gasto na atividade produtiva. Aduza-se, ainda, que no contrato de empreitada o proprietário não teria qualquer ingerência sobre o andamento dos trabalhos, segundo, por exemplo, Paulo Nader.37 Outro contrato que em muito se assemelha com a empreitada é o contrato de compra e venda, que se assemelha à empreitada mista, nas hipóteses38 em que existe o fornecimento de material pelo executante. Tratando do tema quando da vigência do Código Civil anterior (de 1916), Manoel Inácio Carvalho de Mendonça distinguia da seguinte maneira: se o comitente fornecesse o material, ter-se-ia a empreitada; no caso de o material ser encargo do executor, estaria caracterizada afigura da venda condicional, ressalvada a hipótese em que o proprietário fornecesse o terreno no qual se operariam as atividades, e que também, neste último caso, caracterizaria a empreitada.39 Ainda relativamente ao estudo dos elementos de diferenciação entre os contratos de empreitada e de compra e venda, Clóvis Bevilaqua apresentou o critério da finalidade, afirmando que a finalidade da empreitada não seria a de alienação de coisa existente ou futura, mas sim a criação de uma coisa pelo trabalho do empreiteiro ou de seus operários.40 Embora referente ao contrato de empreitada, deve-se mencionar, ainda, as alterações que tal contrato sofre quando utilizado pela Administração Pública para a execução de alguns dos seus serviços. Enquanto na empreitada entre particulares, geralmente os empreiteiros se sujeitam apenas à entrega da obra no prazo e condições anteriormente ajustadas, a administração pública, aplicando princípios peculiares aos contratos administrativos, poderá até

36

Guillermo A. Borda, El contrato de trabajo y su diferencia con la locación de obra, in

rev. La Ley, T.I, p.109, Sec.Doct.

37 Paulo Nader, ob. cit., p.373. Citando Hedemann, aquele autor aduz que enquanto a

prestação de serviços representa “um obrar”, a empreitada é “uma obra”. 38 Fazemos alusão a hipóteses, diante do acolhimento doutrinário relativamente às

empreitadas referentes a bens incorpóreos. 39 Manuel Inácio Carvalho de Mendonça, Contratos no Direito Civil Brasileiro, v.II, 4a

ed., Rio de Janeiro: Edição Revista Forense, 1957, p.104, apud Paulo Nader, ob.cit.,

p.373. 40 Cf. Clovis Bevilaqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado, v.IV, 11a

ed., Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves – Editora Paulo de Azevedo, 1958, p.342.

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mesmo aplicar multas e determinar/impor a substituição de pessoas que estão trabalhando na execução da obra contratada.41

7 . CONSIDERAÇÕES FINAIS Nas páginas anteriores, analisamos os principais aspectos relacionados com as três espécies contratuais que mais comumente se poderá vislumbrar nos casos concretos que envolvem as situações de EAD: contrato de trabalho, contrato de prestação de serviços e contrato de empreitada. Em princípio, é possível concluir este estudo afirmando que, em primeiro lugar, há de se verificar o preenchimento, ou não, dos requisitos ensejadores de uma relação empregatícia. Ausente qualquer um deles, e automaticamente se poderá concluir pela inexistência de um contrato de trabalho, quando, então se passará à análise das espécies de relações de trabalho abstratamente previstas no novo Código Civil brasileiro. Segundo o nosso entendimento, a espécie contratual, a ser observada em um determinado caso concreto, derivará dos cuidados adotados quando da formalização do negócio jurídico, entre as instituições de ensino e os diversos profissionais que lhes assistirão nas diversas modalidades, v.g. na condição de coordenador, tutor, monitor, autor, etc... Para tal, deve-se fazer mencionar – considerando-se, até mesmo, estar se tratando com profissionais que possuem um considerável grau de conhecimento e entendimento - em uma das cláusulas do contrato a natureza jurídica do mesmo, bem como se deverá proceder aos encargos e recolhimentos legais cabíveis e pertinentes à espécie. Não que isto vá necessariamente retirar, em algum caso específico (principalmente no caso de prestação presencial), a caracterização, como sendo uma relação de emprego, ainda quando se faça mencionar expressamente que se refere a contrato de prestação de serviços, por exemplo, mas sim porque está menção em contrato possui o importante papel de impor segurança às relações jurídicas estabelecidas. Isto porque, por exemplo, até mesmo em virtude da qualificação pessoal do contratante que prestará os seus serviços, será muito difícil, na prática, ao mesmo alegar ignorância quanto ao fato de que o contrato celebrado não foi o de trabalho. São estas as considerações que me cabem fazer no presente artigo,que, muito mais do que apenas sanar algumas dúvidas, objetiva analisar alguns pontos de inquietação por parte dos que contratam sob essas modalidades.

41 Cf. Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 27a ed., São Paulo:

Malheiros Editores, 2002, p.246.