As Pedagogias Do Aprender a Aprender... Newton Duarte Scielo

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    Revista Brasileira de Educao 35

    As pedagogias do aprender a aprender ealgumas iluses da assim chamada sociedadedo conhecimento*

    Newton DuarteUniversidade Estadual PaulistaPrograma de Ps-Graduao em Educao Escolar.

    Iniciarei este trabalho defendendo a tese de que aassim chamada pedagogia das competncias integran-te de uma ampla corrente educacional contempornea,a qual eu chamarei de pedagogias do aprender a apren-der. J h algum tempo venho desenvolvendo estudosacerca dessas pedagogias, por meio de uma pesquisade cunho terico-bibliogrfico que realizo com apoiodo CNPq, pesquisa essa intitulada O Construtivismo:suas muitas faces, suas filiaes e suas interfaces comoutros modismos.

    Philippe Perrenoud, em seu livro Construir ascompetncias desde a escola, afirma que a aborda-gem por competncias junta-se s exigncias dafocalizao sobre o aluno, da pedagogia diferenciadae dos mtodos ativos (1999, p. 53). Convm lembrarque a expresso mtodos ativos utilizada como refe-

    rncia s idias pedaggicas que tiveram sua origemno movimento escolanovista. Alguns pargrafos maisadiante, nesse mesmo livro, Perrenoud afirma que aformao de competncias exige uma pequena revo-luo cultural para passar de uma lgica do ensinopara uma lgica do treinamento (coaching), baseadaem um postulado relativamente simples: constroem-seas competncias exercitando-se em situaes comple-xas (idem, p. 54). Esse aprender a aprender , por-tanto, tambm um aprender fazendo, isto , learningby doing, na clssica formulao da pedagogia de JohnDewey. Perrenoud expressou-se da seguinte maneirana entrevista que deu Revista Nova Escola:

    Para desenvolver competncias preciso, antes de

    tudo, trabalhar por problemas e projetos, propor tarefas com-plexas e desafios que incitem os alunos a mobilizar seus co-

    nhecimentos e, em certa medida, complet-los. Isso pressu-

    pe uma pedagogia ativa, cooperativa, aberta para a cidade

    ou para o bairro, seja na zona urbana ou rural. Os professo-res devem parar de pensar que dar aulas o cerne da profis-

    so. Ensinar, hoje, deveria consistir em conceber, encaixar eregular situaes de aprendizagem seguindo os princpios

    * Trabalho apresentado na sesso especial Habilidades ecompetncias: a educao e as iluses da sociedade do conheci-mento, durante a 24 Reunio Anual da ANPEd, realizada emCaxambu (MG), de 8 a 11 de outubro de 2001.

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    pedaggicos ativos e construtivistas. Para os professores

    adeptos de uma viso construtivista e interacionista de apren-

    dizagem trabalhar no desenvolvimento de competncias no

    uma ruptura. (Perrenoud, 2000)

    Cito aqui essa passagem de Perrenoud para mos-trar que no se trata de uma rotulao apressada, deminha parte, a incluso da pedagogia das competn-cias no grupo das pedagogias do aprender a aprender,juntamente com o construtivismo, a Escola Nova, osestudos na linha do professor reflexivo etc. Ao in-vestigar em minha pesquisa as interfaces entre oconstrutivismo e outros modismos educacionais, tenhochegado ao estabelecimento de elos entre iderios pe-daggicos normalmente vistos por boa parte dos edu-cadores brasileiros como iderios pertencentes a uni-versos distintos. Mas essa uma questo para outromomento. Tendo em vista os objetivos deste trabalho,passarei diretamente ao seu tema central, isto , as re-laes entre as pedagogias do aprender a aprender ealgumas iluses da assim chamada sociedade do co-nhecimento.

    Mas, para estabelecer relaes entre as ilusesda sociedade do conhecimento e as pedagogias doaprender a aprender, necessrio que primeiramen-te eu analise, ainda que de forma breve, qual a essn-cia desse to proclamado lema educacional. Para issoretomarei aqui algumas das consideraes que tecisobre esse tema em meu livro Vigotski e o aprendera aprender: crtica s apropriaes neoliberais e ps-modernas da teoria vigotskiana (Duarte, 2000). Nesselivro analisei a presena do lema aprender a apren-der em dois documentos da rea educacional: o pri-meiro, relativo educao em mbito mundial, o re-latrio da comisso internacional da UNESCO,conhecido como Relatrio Jacques Delors, presidenteda comisso (Delors, 1998); o segundo, o captuloPrincpios e fundamentos dos parmetros curricula-res nacionais, do volume I, Introduo, dos PCNdas sries iniciais do Ensino Fundamental (BRASIL,1997, p. 33-55). Neste trabalho no poderei, entretan-to, deter-me nos detalhes dessa anlise. Focalizareiapenas quatro posicionamentos valorativos contidos nolema aprender a aprender.

    O primeiro posicionamento pode ser assim for-mulado: so mais desejveis as aprendizagens que oindivduo realiza por si mesmo, nas quais est ausentea transmisso, por outros indivduos, de conhecimen-tos e experincias. O construtivista espanhol Csar Coll um dos autores que explicitam esse princpio. Esseautor chega mesmo a apresentar o aprender a apren-der como a finalidade ltima da educao numa pers-pectiva construtivista:

    Numa perspectiva construtivista, a finalidade ltima

    da interveno pedaggica contribuir para que o aluno

    desenvolva a capacidade de realizar aprendizagens signifi-

    cativas por si mesmo numa ampla gama de situaes e cir-

    cunstncias, que o aluno aprenda a aprender. (Coll, 1994,p. 136)

    Nessa perspectiva, aprender sozinho contribuiriapara o aumento da autonomia do indivduo, enquantoaprender como resultado de um processo de transmis-so por outra pessoa seria algo que no produziria aautonomia e, ao contrrio, muitas vezes at seria umobstculo para a mesma.

    No discordo da afirmao de que a educaoescolar deva desenvolver no indivduo a capacidade ea iniciativa de buscar por si mesmo novos conheci-mentos, a autonomia intelectual, a liberdade de pensa-mento e de expresso. Mas o que estou aqui procuran-do analisar outra coisa: trata-se do fato de que aspedagogias do aprender a aprender estabelecem umahierarquia valorativa na qual aprender sozinho situa-se num nvel mais elevado do que a aprendizagem re-sultante da transmisso de conhecimentos por algum.Ao contrrio desse princpio valorativo, entendo serpossvel postular uma educao que fomente a auto-nomia intelectual e moral atravs justamente da trans-misso das formas mais elevadas e desenvolvidas doconhecimento socialmente existente.

    O segundo posicionamento valorativo pode serassim formulado: mais importante o aluno desenvol-ver um mtodo de aquisio, elaborao, descoberta,construo de conhecimentos, do que esse aluno apren-der os conhecimentos que foram descobertos e elabo-rados por outras pessoas. mais importante adquirir o

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    mtodo cientfico do que o conhecimento cientfico jexistente. Esse segundo posicionamento valorativo nopode ser separado do primeiro, pois o indivduo spoderia adquirir o mtodo de investigao, s poderiaaprender a aprender atravs de uma atividade aut-noma. Piaget, numa conferncia proferida em 1947,intitulada O desenvolvimento moral do adolescenteem dois tipos de sociedade: sociedade primitiva e so-ciedade moderna, defendeu essa idia, ao contra-por a transmisso de conhecimentos existentes ao ofe-recimento de condies que permitam ao alunoconstruir suas prprias verdades:

    O problema da educao internacional , portanto,

    essencialmente o de direcionar o adolescente no para solu-

    es prontas, mas para um mtodo que lhe permita cons-

    tru-las por conta prpria. A esse respeito, existem dois prin-

    cpios fundamentais e correlacionados dos quais toda edu-

    cao inspirada pela psicologia no poderia se afastar: 1)que as nicas verdades reais so aquelas construdas livre-

    mente e no aquelas recebidas de fora; 2) que o bem moral essencialmente autnomo e no poderia ser prescrito. Desse

    duplo ponto de vista, a educao internacional solidria de

    toda a educao. No apenas a compreenso entre os povos

    que se v prejudicada pelo ensino de mentiras histricas oude mentiras sociais. Tambm a formao humana dos indi-

    vduos prejudicada quando verdades, que poderiam des-cobrir sozinhos, lhes so impostas de fora, mesmo que se-

    jam evidentes ou matemticas: ns os privamos ento deum mtodo de pesquisa que lhes teria sido bem mais til

    para a vida que o conhecimento correspondente!. (Piaget,1998, p. 166, grifo meu)

    So, portanto, duas idias intimamente associa-das: 1) aquilo que o indivduo aprende por si mesmo superior, em termos educativos e sociais, quilo queele aprende atravs da transmisso por outras pessoase 2) o mtodo de construo do conhecimento maisimportante do que o conhecimento j produzido so-cialmente.

    O terceiro posicionamento valorativo seria o deque a atividade do aluno, para ser verdadeiramenteeducativa, deve ser impulsionada e dirigida pelos inte-resses e necessidades da prpria criana. A diferena

    entre esse terceiro posicionamento valorativo e os doisprimeiros consiste em ressaltar que alm do aluno bus-car por si mesmo o conhecimento e nesse processoconstruir seu mtodo de conhecer, preciso tambmque o motor desse processo seja uma necessidade ine-rente prpria atividade do aluno, ou seja, precisoque a educao esteja inserida de maneira funcionalna atividade da criana, na linha da concepo de edu-cao funcional de Claparde (1954).

    O quarto posicionamento valorativo o de que aeducao deve preparar os indivduos para acompa-nharem a sociedade em acelerado processo de mudan-a, ou seja, enquanto a educao tradicional seria re-sultante de sociedades estticas, nas quais atransmisso dos conhecimentos e tradies produzi-dos pelas geraes passadas era suficiente para asse-gurar a formao das novas geraes, a nova educa-o deve pautar-se no fato de que vivemos em umasociedade dinmica, na qual as transformaes em rit-mo acelerado tornam os conhecimentos cada vez maisprovisrios, pois um conhecimento que hoje tido comoverdadeiro pode ser superado em poucos anos ou mes-mo em alguns meses. O indivduo que no aprender ase atualizar estar condenado ao eterno anacronismo, eterna defasagem de seus conhecimentos. Uma ver-so contempornea desse posicionamento aparece nolivro do autor portugus Vitor da Fonseca, intituladoAprender a aprender: a educabilidade cognitiva. Aoabordar as mudanas na economia global e suas im-plicaes para uma formao de recursos humanos queesteja altura dos desafios do sculo XXI, esse autorafirma o seguinte:

    A miopia gerencial e arrogante e a resistncia mu-

    dana, que paira em grande parte no sistema produtivo, de-

    vem dar lugar aprendizagem, ao conhecimento, ao pensar,

    ao refletir e ao resolver novos desafios da atividade dinmi-

    ca que caracteriza a economia global dos tempos modernos.

    Tal mundializao da economia s se identifica com uma

    gesto do imprevisvel e da excelncia, gesto essa contra a

    rotina, contra a mera reduo de custos e contra a simples

    manuteno. Em vez de se situarem numa perspectiva de

    trabalho seguro e esttico, durante toda a vida, os empres-

    rios e os trabalhadores devem cada vez mais investir no de-

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    senvolvimento do seu potencial de adaptabilidade e de em-

    pregabilidade, o que algo substancialmente diferente do

    que se tem praticado. O xito do empresrio e do trabalha-

    dor no sculo XXI ter muito que ver com a maximizao

    das suas competncias cognitivas. Cada um deles produzir

    mais na razo direta de suas maior capacidade de aprender

    a aprender, na medida em que o que o empresrio e o traba-

    lhador conhecem e fazem hoje no sinnimo de sucesso nofuturo. [...] A capacidade de adaptao e de aprender a apren-der e a reaprender, to necessria para milhares de trabalha-

    dores que tero de ser reconvertidos em vez de despedidos, a

    flexibilidade e modificabilidade para novos postos de traba-

    lho vo surgir cada vez com mais veemncia. Com a redu-

    o dos trabalhadores agrcolas e dos operrios industriais,

    os postos de emprego que restam vo ser mais disputados, e

    tais postos de trabalho tero que ser conquistados pelos tra-

    balhadores preparados e diferenciados em termos cognitivos.

    (Fonseca, 1998, p. 307)

    O autor no deixa qualquer dvida nessa passa-gem quanto ao fato do aprender a aprender ser apre-sentado como uma arma na competio por postos detrabalho, na luta contra o desemprego. O aprender aaprender aparece assim na sua forma mais crua, mos-tra assim seu verdadeiro ncleo fundamental: trata-sede um lema que sintetiza uma concepo educacionalvoltada para a formao da capacidade adaptativa dosindivduos. No demais aqui recorrer novamentequela mencionada entrevista dada por Perrenoud, naqual a certa altura ele afirma o seguinte:

    A descrio de competncias deve partir da anlise de

    situaes, da ao, e disso derivar conhecimentos. H uma

    tendncia em ir rpido demais em todos os pases que se

    lanam na elaborao de programas sem dedicar tempo em

    observar as prticas sociais, identificando situaes na quais

    as pessoas so e sero verdadeiramente confrontadas. O que

    sabemos verdadeiramente das competncias que tm neces-

    sidade, no dia-a-dia, um desempregado, um imigrante, um

    portador de deficincia, uma me solteira, um dissidente,

    um jovem da periferia? (Perrenoud, 2000)

    O carter adaptativo dessa pedagogia est bemevidente. Trata-se de preparar aos indivduos forman-

    do as competncias necessrias condio de desem-pregado, deficiente, me solteira etc. Aos educadorescaberia conhecer a realidade social no para fazer acrtica a essa realidade e construir uma educao com-prometida com as lutas por uma transformao socialradical, mas sim para saber melhor quais competn-cias a realidade social est exigindo dos indivduos.Quando educadores e psiclogos apresentam o apren-der a aprender como sntese de uma educao desti-nada a formar indivduos criativos, importante aten-tar para um detalhe fundamental: essa criatividade nodeve ser confundida com busca de transformaes ra-dicais na realidade social, busca de superao radicalda sociedade capitalista, mas sim criatividade em ter-mos de capacidade de encontrar novas formas de aoque permitam melhor adaptao aos ditames da socie-dade capitalista.

    At aqui me referi sociedade capitalista e no sociedade do conhecimento. Passo a tratar, em segui-da, das relaes entre o aprender a aprender e algu-mas iluses da assim chamada sociedade do conheci-mento. O que seria essa tal sociedade do conhecimento?Seria uma sociedade ps-capitalista? Seria uma faseda sociedade capitalista? Nem sempre perguntas des-sa natureza tm sido respondidas, nem mesmo formu-ladas por aqueles que muito cultivam a idia de queestamos vivendo na sociedade do conhecimento. Poisbem, de minha parte quero deixar bem claro que deforma alguma compartilho da idia de que a sociedadena qual vivemos nos dias atuais tenha deixado de ser,essencialmente, uma sociedade capitalista. Sequer co-gitarei a possibilidade de fazer qualquer concesso atitude epistemolgica idealista para a qual a denomi-nao que empreguemos para caracterizar nossa so-ciedade dependa do olhar pelo qual focamos essasociedade: se for o olhar econmico, ento podemosfalar em capitalismo, se for o olhar poltico, deve-mos falar em sociedade democrtica, se for o olharcultural, devemos falar em sociedade ps-modernaou sociedade do conhecimento ou sociedade multicul-tural ou sei l mais quantas outras denominaes. Essa uma atitude idealista, subjetivista, bem a gosto doambiente ideolgico ps-moderno.

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    Reconheo, e no poderia deixar de faz-lo, queo capitalismo do final do sculo vinte e incio do scu-lo vinte e um passa por mudanas e que podemos simconsiderar que estejamos vivendo uma nova fase docapitalismo. Mas isso no significa que a essncia dasociedade capitalista tenha se alterado, isso no signi-fica que estejamos vivendo uma sociedade radicalmentenova, que pudesse ser chamada de sociedade do co-nhecimento. A assim chamada sociedade do conheci-mento uma ideologia produzida pelo capitalismo, um fenmeno no campo da reproduo ideolgica docapitalismo. Assim, para falar sobre algumas ilusesda sociedade do conhecimento preciso primeiramenteexplicitar que a sociedade do conhecimento , por simesma, uma iluso que cumpre uma determinada fun-o ideolgica na sociedade capitalista contempornea.

    Quando uma iluso desempenha um papel na re-produo ideolgica de uma sociedade, ela no deveser tratada como algo inofensivo ou de pouca impor-tncia por aqueles que busquem a superao dessasociedade. Ao contrrio, preciso compreender qual opapel desempenhado por uma iluso na reproduoideolgica de uma formao societria especfica, poisisso nos ajudar a criarmos formas de interveno co-letiva e organizada na lgica objetiva dessa formaosocietria.

    E qual seria a funo ideolgica desempenhadapela crena na assim chamada sociedade do conheci-mento? No meu entender, seria justamente a de enfra-quecer as crticas radicais ao capitalismo e enfraque-cer a luta por uma revoluo que leve a uma superaoradical do capitalismo, gerando a crena de que essaluta teria sido superada pela preocupao com outrasquestes mais atuais, tais como a questo da ticana poltica e na vida cotidiana, pela defesa dos direitosdo cidado e do consumidor, pela conscincia ecolgi-ca, pelo respeito s diferenas sexuais, tnicas ou dequalquer outra natureza.

    Para no me alongar, passarei diretamente apre-sentao de cinco iluses da assim chamada socieda-de do conhecimento. Elas sero aqui apenas enuncia-das e anunciadas. Seu detalhamento foge aos limitesdesta apresentao.

    Primeira iluso: O conhecimento nunca esteveto acessvel como hoje, isto , vivemos numasociedade na qual o acesso ao conhecimentofoi amplamente democratizado pelos meios decomunicao, pela informtica, pela Internetetc.

    Segunda iluso: A capacidade para lidar de for-ma criativa com situaes singulares no coti-diano ou, como diria Perrenoud, a habilidadede mobilizar conhecimentos, muito mais im-portante que a aquisio de conhecimentos te-ricos, especialmente nos dias de hoje, quandoj estariam superadas as teorias pautadas emmetanarrativas, isto , estariam superadas astentativas de elaborao de grandes sntesestericas sobre a histria, a sociedade e o serhumano.

    Terceira iluso: O conhecimento no a apro-priao da realidade pelo pensamento mas, sim,uma construo subjetiva resultante de proces-sos semiticos intersubjetivos nos quais ocor-re uma negociao de significados. O que con-fere validade ao conhecimento so os contratosculturais, isto , o conhecimento uma con-veno cultural.

    Quarta iluso: Os conhecimentos tm todos omesmo valor, no havendo entre eles hierar-quia quanto sua qualidade ou quanto ao seupoder explicativo da realidade natural e social.

    Quinta iluso: O apelo conscincia dos indiv-duos, seja atravs das palavras, seja atravsdos bons exemplos dados por outros indivduosou por comunidades, constitui o caminho paraa superao dos grandes problemas da huma-nidade. Essa iluso contm uma outra, qualseja, a de que esses grandes problemas exis-tem como conseqncia de determinadas men-talidades. As concepes idealistas da educa-o apiam-se todas nessa iluso. nessadireo que so to difundidas atualmente pelamdia certas experincias educativas tidas comoaquelas que estariam criando um futuro me-lhor por meio da preparao das novas gera-

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    es. Assim, acabar com as guerras seria algopossvel atravs de experincias educativas quecultivem a tolerncia entre crianas e jovens.A guerra vista como conseqncia de pro-cessos primariamente subjetivos ou, no mxi-mo intersubjetivos. Nessa direo, a guerraentre os Estados Unidos da Amrica do Nortee Afeganisto, por exemplo, vista como con-seqncia do despreparo das pessoas para con-viverem com as diferenas culturais, como con-seqncia da intolerncia, do fanatismoreligioso. Deixa-se de lado toda uma comple-xa realidade poltica e econmica gerada peloimperialismo norte-americano e multiplicam-se os apelos romnticos ao cultivo do respeitos diferenas culturais.

    Para concluir, esclareo que tenho conscincia daslimitaes deste trabalho. Afirmar que as idias aci-ma enunciadas constituem-se em iluses da sociedadedo conhecimento gera a necessidade de apresentar umaanlise detalhada, bem fundamentada em teorias e emdados empricos, de maneira a justificar tal afirmao.No difcil perceber que isso exigiria bem mais doque uma tarde de debates, por mais rica que ela fosse.Entretanto, mesmo tendo conscincia desse fato, opteipor ao menos iniciar o debate usando o recurso da pro-vocao. Essas idias, acima apresentadas na formade cinco iluses, tm sido to amplamente aceitas, tmexercido um tal fascnio sobre grande parcela dos in-telectuais dos dias de hoje, que o simples fato de ques-tionar a veracidade das mesmas talvez j produza umefeito positivo, qual seja, o de fazer com que a adesoa essas idias ou a crtica s mesmas deixe o terrenodas emoes que sustentam o fascnio e a seduo epassem ao terreno da anlise propriamente intelectual.

    preciso, porm, estar atento para no cair naarmadilha idealista que consiste em acreditar que ocombate s iluses pode, por si mesmo, transformar arealidade que produz essas iluses. Como escreveuMarx: conclamar as pessoas a acabarem com as ilu-

    ses acerca de uma situao conclam-las a acaba-rem com uma situao que precisa de iluses.

    NEWTON DUARTE livre-docente em Psicologia da Educa-o, na UNESP, campus de Araraquara e coordenador do Programade Ps-Graduao em Educao Escolar. Publicou: Vigotski e oaprender a aprender: crtica s apropriaes neoliberais e ps-modernas da teoria vigotskiana (Campinas: Editora Autores Asso-ciados, 2001, 2 ed.); A Individualidade para-si: contribuio a umateoria histrico-social da formao do indivduo (Campinas: EditoraAutores Associados, 1999, 2 ed.); Educao escolar, teoria do co-tidiano e a escola de Vigotski (Campinas: Editora Autores Associa-dos, 2001, 3 ed.); organizou o livro: Sobre o construtivismo: contri-buies a uma anlise crtica (Campinas: Editora Autores Associa-dos, 2000). Pesquisa atual, apoiada pelo CNPq: O Construtivismo:suas muitas faces, suas filiaes e suas interfaces com outros modis-mos. E-mail: [email protected]

    Referncias Bibliogrficas

    BRASIL, (1997). Parmetros Curriculares Nacionais: Introduo.Braslia: MEC/SEF.

    CLAPARDE, E., (1954). A educao funcional. 4 ed. So Pau-lo: Companhia Editora Nacional.

    COLL, C. S., (1994). Aprendizagem escolar e construo do co-nhecimento. Porto Alegre: Artes Mdicas.

    DELORS, J., (org.) (1998). Educao: um tesouro a descobrir. SoPaulo: Cortez, Braslia, DF: MEC: UNESCO.

    DUARTE, N., (2000). Vigotski e o aprender a aprender: crticas apropriaes neoliberais e ps-modernas da teoria

    vigotskiana. Campinas: Autores Associados.

    FONSECA, V., (1998). Aprender a aprender: a educabilidadecognitiva. Porto Alegre: Artes Mdicas.

    PERRENOUD, P., (1999). Construir as competncias desde a es-cola. Porto Alegre: Artes Mdicas.

    , (2000). A Arte de construir competncias. RevistaNova Escola. So Paulo, Abril Cultural, set.

    PIAGET, J., (1998). Sobre a pedagogia (textos inditos). So Pau-lo: Casa do Psiclogo.

  • Resumos/Abstracts

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    ferido a que es quien ms educacintiene, ms educacin demanda y seapropia). Los avances obtenidosdevelan adems, el entramado de as-pectos subjetivos y objetivos de lasdistintas trayectorias de vida (familiar,laboral, de participacin social) quepuede dar cuenta de las decisioneseducativas, as como aspectos crticosde la formacin de los educadores. Alfinal del artculo se presentan aportespara una poltica educativa desde laperspectiva de la educacin perma-nente.

    The situation of adult and youtheducation in the ArgentinePresents the design and presentprogress in the research projectentitled Structure of power,participation and education: a studyof the situation of Adult and YouthEducation in the context ofneoconservatism, policies ofadjustment and poverty, directed byMara Teresa Sirvent. The objective ofthe research is to analyse the demandand supply of Adult and YouthEducation in selected regions of theArgentine. Three regional researchteams are engaged in the study. Thepurpose of the research is to describeand interpret the demand, to elaborateessential features for educationalpolicy and pedagogicalrecommendations. The methodologicalapproach combines the quantitativeand qualitative with participativemechanisms. The development of theresearch process has allowed attentionto be concentrated on the possibilityof reproduction or of rupture in a) thesituation of profound educationalpoverty (level of educational risk) inwhich 75% of the population over 15years of age which has attended butno longer attends school finds itselfand b) the principle of accumulativeadvance in education (referring to thefact that those who have mosteducation, demand more education

    and make use of the opportunitiescreated). The findings obtained alsoreveal the interaction of subjectiveand objective aspects of distinct lifepaths (family, work and socialparticipation) which can account foreducational decisions in addition tocritical aspects in the formation ofeducators. In conclusion,contributions for an educationalpolicy based on the perspective oflifelong education are presented.

    Newton Duarte

    As pedagogias do aprender aaprender e algumas iluses da as-sim chamada sociedade do conheci-mento.O artigo considera a pedagogia dascompetncias como uma das pedago-gias do aprender a aprender e apre-senta quatro posicionamentosvalorativos contidos no lema apren-der a aprender: 1) mais desejvel aaprendizagem que ocorra sem a trans-misso de conhecimentos por algum;2) o mtodo de construo do conheci-mento mais importante do que o co-nhecimento j produzido socialmente;3) a atividade do aluno deve ser im-pulsionada pelos interesses e necessi-dades do indivduo; 4) a educaodeve preparar os indivduos para umconstante processo de adaptao ereadaptao sociedade em aceleradoprocesso de mudana. Defende que aspedagogias do aprender a aprenderpertencem a um universo ideolgicocarregado de iluses acerca da assimchamada sociedade do conhecimento econclui apresentando cinco dessas ilu-ses.

    The pedagogy of learning tolearn and some illusions of the so-called knowledge societyThis article considers the pedagogy ofcompetencies as one of the pedagogiesof learning to learn and presentsfour valuational propositions

    contained in the slogan learning tolearn: 1) learning which occurswithout the transmission of knowledgeby someone is the most desirable; 2)the method by which knowledge isconstructed is more important thanthat knowledge already sociallyproduced; 3) student activities shouldbe inspired by the needs and interestsof the individual; 4) education oughtto prepare individuals for a constantprocess of adaptation andreadaptation to a society inaccelerated process of change. Thearticle defends the position that thelearning to learn pedagogiesbelong to an ideological universecharged with illusions about the so-called knowledge society andconcludes by presenting five of theseillusions.

    Mrcio da Costa

    Criar o pblico no-estatal ou tor-nar pblico o estatal? Dilemas daeducao em meio crise do EstadoPresentemente, diversificam-se as for-mas de distribuio de recursos e res-ponsabilidades no que concerne s po-lticas educacionais. Particularmentenos pases com menor grau de desen-volvimento econmico, tal mbito detradicional ao estatal tem sido obje-to de apelos destacados e polticas deestmulo expressivo participao co-munitria. So programas de extensoao acesso da escolaridade para popula-es at ento privadas de tal benef-cio, enfatizando as alteraes na formade gesto, com base na participaocomunitria. Tais programas alteram atrajetria cumprida pelos sistemas es-colares em sua expanso em todo omundo, no que diz respeito concep-o de atividade essencialmente esta-tal. A partir da reflexo sociolgica, se-ro debatidas as argumentaes quesustentam tal tipo de programa, supos-tamente mais democrtico e includente.