As Margens da Cidade

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Trabalho de Conclusão de Curso de Arquitetura e Urbanismo, 2011.Estuda as ocupações urbanas à beira-rio e o caso do Rio Tamanduatehy em São Paulo.Apresentado junto à Universidade Católica de Santos.Autor: Paulo PetrucciOrientador: Gino Caldatto

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  • s Margens da CidadeReinsero do Rio Tamanduatehy na Urbanidade Paulistana

  • s Margens da Cidade:Reinsero do Rio Tamanduatehy na Urbanidade Paulistana

    Universidade Catlica de SantosCurso de Arquitetura e Urbanismo

    Trabalho Final de Graduao

    Paulo Roberto Santos PetrucciOrientador: Gino Caldatto BarbosaDezembro/2011

  • ACristina, minha me;Roberto, meu pai;

    Maria de Lourdes, minha av;

    Mariah, minha vida.

  • Agradeo ao orientador deste trabalho, Professor Gino Caldatto Barbosa, pela pacincia, dedicao e apoio;Aos mestres Jos Maria de Macedo Filho e Apoena Amaral e Almeida;

    Aos que sentiram minha ausncia e aos responsveis por ela.

    E profisso que escolhi.

  • sumrio

    Ref

    ern

    ci

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    ibliog

    rficas,

    82 Prlogo, 6

  • Ref

    ern

    ci

    as B

    ibliog

    rficas,

    82 Prlogo, 6

    1.1

    Ocup

    ao

    Bei

    ra-r

    io, 1

    21.2

    Mor

    fose

    , 14

    1.3 Ci

    nem

    tica,

    16

    1.4 Utopia Atpica, 25

    1.3.1 In

    rcia,

    16

    1.3.2 Dinmic

    a, 19

    1.3.3 Ao e Reao, 24

    2. Tamanduatehy, 28

    2.1 Percurso, 32

    2.1.1 1554, 32

    2.1.2 Do marasm

    o

    ao desarranjo, 34

    2.2

    .1 Bases, 52

    2.2

    Perm

    etro, 48

    4. Tudo que slido

    desmancha no ar, 76

    3. Es

    tudos

    de Ca

    so, 6

    8

    3.1 Eixo Tam

    anduatehy, 7

    0

    3.2 Cheonngyecheon, 724.1 Projeto, 82

    3.3 Landschaftspark, 74

    1. R

    ios,

    10

  • prlogo

  • Penso que qualquer espcie de estudo sob a tica da arquitetura e urba-nismo tem como objetivo principal o bem-estar dos usurios que se beneficia-ro do resultado obtido. A atuao do arquiteto e urbanista ocupa posio privilegiada na distri-buio de ofcios dentro da sociedade contempornea justamente por ser dota-da da percepo apurada sobre as necessidades impostas pelas atividades dos diversos setores. A pluralidade oferecida pela profisso resulta em um enorme leque de possibilidades que credenciam o arquiteto como agente da organizao social no desenho do espao. Nesse sentido procurei englobar em meu trabalho de concluso a maio-ria das disciplinas que compe a formao do arquiteto em aspectos tericos e projetuais, onde a discusso sobre a cidade caracteriza-se como centralidade do estudo, permeando o debate de causas especficas na aproximao do permetro trabalhado. O tecido urbano existente apresenta-se como territrio de anlise em diversos aspectos pertinentes a proposta de trabalhar temas singulares de forma coletiva e conectada s propostas atuais da arquitetura e do urbanismo. A ob-servao da macro-escala deve englobar disciplinas como patrimnio e histria, infra-estrutura social, urbanismo e planejamento, funcionalidade e mobilidade e insero do projeto equilibrando todos os assuntos de forma contextualizada. Pautado por essa reflexo considero cabvel o estudo apresentado por oferecer campo em todos os quesitos pertencentes e que caracterizam o exerc-cio do projeto arquitetnico e urbanstico, prezando a harmonia do meio urba-no e, principalmente, das pessoas.

    7

  • 8 Proponho-me a estudar aqui a situao em que se encontram os rios em meio a malha das cidades contemporneas, quais so suas necessidades e exigncias, a origem de motins e suas possibilidades. Como modelo de pesqui-sa e projeto me aproprio do rio Tamanduatehy, em trecho existente dentro da metrpole de So Paulo, capital de estado homnimo e a maior cidade deste continente: a Amrica do Sul. Chega a ser angustiante o modo que se d a presena dos rios no dia--a-dia das cidades, de todos os pontos de vista. Configura um espao pblico intil, um estorvo preservado a cu aberto apenas moralmente com respaldo legal. vislumbrando melhores condies de vida urbana que se deve tratar a recuperao deste bem, percebendo que as cidades que possuem rios como elementos integrantes de sua topografia so privilegiadas e no amaldioadas. Pretendo ilustrar as possibilidades oferecidas pelos waterfronts quando tratados em parceria interesses ambientais e urbanos, visando transformar a opnio pblica quanto urbanizao sem limites e a idia de que meios naturais configuram barreiras ante o desenvolvimento. Tem, portanto, pretenso de revitalizar a orla do rio Tamanduatehy abastecendo a populao que reside nas proximidades com equipamentos urba-nos necessrios e de qualidade inseridos na reconstruo da paisagem da qual o projeto piloto o prprio rio, considerando as cicatrizes adquiridas ao longo da histria de So Paulo, alm de livrar a cidade deste pesadelo que assombra toda poca de cheias, fenmenos que j estamos fartos de assistir bordo da cmera do cinegrafista que decola a capital paulistana buscando melhores n-gulos para serem exibidos em programas de tragdias urgentes. A busca para formular um modelo de interveno a ser reproduzido e adaptado no s ao restante da orla do rio Tamanduatehy, mas em todas as cidades e pases onde os valores dos recursos naturais so completamente desprezveis. O permetro estudado apresenta densidade elevada, fator que se agrava medida que so observados padres de ocupao que mergeiam cursos flu-viais. Apresenta constantemente os maiores problemas possveis ocasionados por rios urbanos: inundaes por guas contaminadas, que, alm das ameaas de danos materiais populao urbano-ribeira, acentua a proliferao de doen-as.

  • 9 Acredito que a cidade, em mutao permanente, nos faz vivenciar e re-construir sua histria atravs de seu prprio urbanismo e seus edifcios, sendo a preservao destes cones e smbolos aspecto de suma importncia e to fun-damental quanto o projeto de restauro urbano a ser realizado, tese que se en-caixa neste estudo ao passo que considera a permanncia de edifcios existentes caractersticos da ocupao exercida inicialmente s margens do rio Taman-duatehy, referente aos bairros Cambuci e Mooca, que se encontram em estado de obsolecncia, estando vagos ou no, agravando a condio de degradao e abandono que estes bairros rumam atualmente. Resulta na implantao de um CEU - Centro Educacional Unificado - distribudo entre tais edifcios, reutiliazando-os, em conjunto com novas arqui-teturas que procuram ter identificao com o rio, que servir de apoio e estrutu-rao a estes bairros, carentes apesar da proximidade com o centro paulistano, e tambm uma proposta de remodelao no sistema virio, desafogando o trn-sito hoje recebido pela Avenida do Estado, considerada a concluso de proje-tos em andamento pelo poder pblico, como o rodoanel, desviando transporte de cargas que destina-se ao interior paulista, estando a proposta de transporte coletivo urbano de acordo com a concretizao de novas linhas e estaes de Metr pulverizadas pela cidade. Organiza-se a pesquisa seguindo roteiro pertinente quando da feitura de projetos que intervm em stios naturais em situaes reais, conhecendo, primeiramente, o mecanismo de funcionamento dos elementos pertencentes configurao dos ciclos objetivando absorver informaes importantes e teis como ferramentas de projeto e desvendar a origem de possveis transtornos oriundos de reaes naturais, repetindo o modelo de estudo agora sobre o obje-to de interveno, suas relaes geolgicas e histricas, aqui representado pelo segundo captulo. Parte-se ento para estudos de referncia no assunto, suas crticas e semelhanas que possibilitam comparao tcnica e somam repert-rio para, finalmente, desenvolver o projeto de interveno, provando que recur-sos hdricos aceitam dividir seu habitat, porm de modo saudvel mutuamente.

  • Da nuvem at o cho,Do cho at o bueiro,Do bueiro at o rio,Do rio at a cachoeira,Da cachoeira at a represa,Da represa at a caixa dagua,Da caixa dagua at o cano,Do cano at a torneira,Da torneira at o filtro,Do filtro at o copo,Do copo at a boca,Da boca at a bexiga,Da bexiga at a privada,Da privada at o esgoto,Do esgoto at o rio,Do rio at outro rio,Do outro rio a outro rio,Outro rio outro rio.

    Toda gua a mesma gua,Cada gua uma gua s.Cada gua outra gua,Toda gua mesmo gua e s.

    Arnaldo Antunesgua

    10

  • Fundamentalmente, todo e qualquer ciclo existente neste planeta - seja ele natural ou estimulado - condicionado a presena da gua, em diversos es-tados prprios e etapas parciais ou em sua totalidade. Este elemento que compe aproximadamente 73%1 do planeta Terra se distribui entre os meios de distintas formas - subterrnea, de superfcie e mar-tima - buscando alcanar a maioria da superfcie terrestre, esta j dominada por atividade antrpica ou no. Seu ciclo vital para o existir de todas as espcies em atividade, ponto crucial para a manuteno da diversidade no mundo e im-portantssimo na configurao de todos os habitats, inclusive o urbano. Trata-se de um recurso em processo de deteriorao contnua afetando setores que extrapolam o campo do estudo sobre cidades ao passo que alcana assuntos relacionados saneamento bsico, e, por sua vez, sade pblica.2 Imprescindvel essa problemtica, a conscientizao sobre a valia da qualidade hdrica precisa se fazer presente e sua valorizao moral objeto de opnio comum de toda populao, alertando para os males extrados quando de sua depreciao em larga escala. Nesse sentido importante observar os limites impostos por barreiras naturais e pensar solues que atribuam harmonia na apropriao do meio na-tural, solucionando transposies necessrias enquanto garante-se conservao do ambiente a se intervir, mantendo, assim, alm de condies de salubridade em casos de corpos dagua, equilbrio entre o proposto e o original.

    1 VESENTINI, J, William, Sociedade & Espao - Geografia geral e do Brasil. So Paulo, tica, 2003.2 GORSKI, Maria Ceclia Barbieri. Rios e cidades: ruptura e reconciliao, ed. Senac, So Paulo, 2010

    Rios

    1.11

  • Ocupao Urbana Beira-Rio

    Claramente a insero de um embrio civilizatrio em stio virgem se embasa na observao do contexto natural existente, suas potencialidades e possibilidades de evoluo e desenvolvimento. Compreender a pretenso do processo inicial da ocupao fundamen-tal para entendimento da formao fsica e social da cidade contempornea, bem como as problemticas apresentadas. Os primeiros indcios de aglomeraes urbanas e civilizaes tm como elemento chave o sedentarismo, em detrimento ao nomadismo exercido at en-to, no perodo Neoltico. Essa intensa alterao do modo de viver dos seres humanos foi determinada principalmente pela mudana na realizao das ati-vidades sociais, que passaram a ter na produo agrcola seu principal meio de vida e, em seu aprimoramento tcnico, a necessidade de gerir o excedente desta produo. Nesse sentido, os rios aparecem como fortes agentes do surgimento das cidades na histria da humanidade, sendo a gua doce aspecto prioritrio nas consideraes quando da opo pela fixao em determinados locais3. A partir da observao da variao entre cheias e vazantes dos corpos hdricos, os Mesopotmicos desenvolveram um sistema hidrulico de controle das inundaes e de irrigao das guas dos rios Tigre, Eufrates e Nilo, possibi-litando o alcance das guas at reas desprovidas dos benefcios que as vrzeas propiciavam comunidade da Crescente Frtil4. O perodo de cheias destes rios resultavam em terras frteis para plantaes, que, em tempos de vazante, se transformavam em solos secos e de difcil colheita, solucionadas pela irrigao de outros campos agrcolas e tambm pela construo de grandes reservatrios de gua. A agricultura foi fator determinante para o nascimento de grandes civi-lizaes assim como, consequentemente, os cursos dgua que possibilitaram sua produo. Cita-se, alm da Mesopotmia, os primeiros povos americanos, derivados da regio do Mxico, o Imprio Olmeca prximo ao rio Coalzacoal-cos e o nicio da civilizao asitica, beira do rio Amarelo, atualmente solo chins. Alm do cultivo, os crregos tambm exerceram papel de rota comer-cial, transporte e fronteira, observando nesse caso o incio do Imprio Romano e seus rios Danbio e Tibre, hoje reas pertencentes Austria e Itlia, sucessi-vamente. Nesse momento indispensvel maior organizao na distribuio das atividades, alm da criao de lideranas, alguns dos tens que at hoje so in-solveis da estrutura da vida em sociedade. Percebe-se at o presente ponto tamanha importncia dos rios na evoluo no s urbana como tambm na evoluo humana. 3 http://www.comciencia.br/reportagens/aguas/aguas09.htm 4 MORAES, Jos Geraldo Vinci de. Caminhos das Civilizaes - Histria integrada: Geral e Brasil, ed. Atual, So Paulo, 1998. - Ver mapa ao lado.

    1.112

  • 13

    mar mediterrneo

    rio nilo

    mar vermelho

    golfoprsico

    oceano ndico

    mesopotmia

    rio tigre

    rio eufrates

    mar negro mar cspio

    crescente frtil

  • importante ressaltar que existiram agrupamentos onde foram ausen-tes no s os rios mas qualquer bacia hidrogrfica dominante, contudo, inter-preta-se que a estabilizao, o sustento e a manuteno da vida em povoados situados em territrios condizentes a estas circunstncias obtiveram xito de-frontando obstculos e dificuldades no vivenciados pelas civilizaes associa-das s margens ribeiras5.

    Morfose

    A evoluo da raa humana e sua hegemonia na Terra sempre esteve unida ao uso da gua, logo, prxima s fontes deste recurso essencial. medida que as civilizaes foram tomando corpo, pautadas pelo au-mento de sua populao, a gesto deste recurso foi se tornando paulatinamente mais complexa, considerando que um maior nmero de pessoas habita regies cada vez mais distantes, acompanhada pelo empenho para o abastecimento de gua j possibilitado por novas tecnologias e gerando mais resduos, que se tor-naram progressivamente menos biodegradveis, forando, tambm, a criao de sistemas de tratamento de rios e crregos. Percebe-se durante a anlise da histria dos povos a onipresena dos corpos dgua em todos os captulos, sendo interessante a observao das mu-danas nas aes que os humanos desenvolveram ao longo do tempo e suas relaes principalmente com os rios, inicialmente de maneira cordial, respeit-ando-se as imposies naturais que lhes eram apresentadas, talvez at por inca-pacidade de se impr perante estas, invertendo-se gradativamente de maneira agressiva e abusiva. Essa utilizao muitas vezes existiu em formas no vitais para a con-servao da espcie ou formao de cidades diretamente, como as citadas at aqui, mas tambm para fins de lazer e convenincia. Povoados instalados prxi-mos cursos hdricos desenvolveram a pesca como subsistncia e atividade de recreao, bem como a navegabilidade. Mineiraes se utilizavam da gua em margens ribeiras na realizao de seus processos enquanto lavadeiras tambm tornaram-se personagens desta convincia, exaltada nos banhos coletivos fre-quentes nas termas de Roma, no sc. III. Entretanto, a evoluo de sistemas de saneamento bsico no acom-panha o desenvolvimento do setor industrial, quando necessria a deposio em grande escala de materiais poluentes diretamente aos leitos dos rios, ponto inicial dos graves problemas que assistimos atualmente, em aspectos ambien-tais ou de rejeio urbana. Associamos ainda a figura do rio figura do meio natural, imaginando esses lugares construdos por guas limpas e florestas, teis e inofensivos s pessoas, porm a paisagem ribeira vem sofrendo mutaes extremas e nem sempre cabveis. 5 http://www.comciencia.br/reportagens/aguas/aguas09.htm

    1.2

    14

  • 15O uso do rio ao longo do tempo

  • Cinemtica

    Inrcia A estrutura fluvial possui seu prprio mecanismo, onde corre com sua prpria fora e exerce sua parcela no meio ambiente. Analisaremos aqui a vida dos rios sem a interveno humana que os afeta diretamente. Ser recorrente o clamor pela ateno importncia que o ciclo na-tural hidrolgico exerce sobre os objetivos deste trabalho. Os rios tem como funo desempenhar papel de agente deste pro-cesso perptuo do qual est inserido desde o afloramento dos lenis freti-cos at o desaguar em foz nos lagos ou mares. Ao longo deste percurso, os crregos sofrem alteraes em relao largura de seu leito, mudanas em sua agitao em funo das diferenas topogrficas de alguns trechos e principalmente em seu entorno, essas oca-sionadas, diversas vezes, pelo prprio rio mediante a eroses. importante entender sucintamente o sistema fluvial - suas fun-es e diferentes ambientes - para analisar com maior clareza os motivos que levaram a tomada de medidas de controle ou transposio dos rios alm de poder, quando da tentativa de resoluo dos problemas causados por tais intervenes, preservar as necessidades hidrolgicas naturais e espaciais conciliadas ao bom funcionamento cotidiano das cidades. A morfologia do rio e suas margens se d pela funo que o trecho em questo representa em todo trabalho fluvial. O transporte de detritos provenientes da eroso de reas elevadas para cotas mais rasas do continen-te configura uma das atividades mais esclarecedoras para o entendimento da formao de alguns meios. A deposio de intempries se deve, exceo do aumento do calibre detrtico, inclusive em nome da poluio, diminui-o da carga fluvial, causada pela reduo do volume hdrico, esta associa-

    1.3

    1.3.1 Gorski, Maria Ceclia Barbieri Rios e Cidades: ruptura e reconciliao

    Por um lado, em todo o mundo, ao longo do tempo, grande parte dos cursos dagua que se localizam no meio urbano sofreram um processo de degradao contnua, transformando-se em alvo de esquecimento e rejeio. Por outro, o meio urbano vem sendo constan-temente exposto a inundaes, carncia de manan-ciais adequados para abastecimento pblico, alm de sofrer a desqualificao da paisagem fluvial

    16

  • da reduo da declividade, interferindo na carga de movimentao das guas ao passo que torna algumas superfcies mais planas, onde, em poca de cheias, tal stio torna-se o prprio leito do rio em eventuais inunda-es. Adotamos a nomenclatura de plancies de inundaes para locais com estas caracte-rsticas, que do aos crregos a possibilidade de sedimentao dos detritos de maior gra-nulometria que ainda no foram depositados em trechos montante. So, de modo abran-gente, compostas por aluvies entre os quais inserem-se estas intempries sedimentares que se acumulam ao solo, bordejando o curso dagua. Dividem-se por classificao referente ao processo sedimentar que sofrem ou quanto aos prprios meandros, transformando-se em diques marginais, recebendo detritos mais grosseiros, bacias de inundao, abrigando sedimentos de menor granulometria e deltas, formadas quando do escoamento do rio para mares ou lagos. So superfcies mutantes que ocasionalmente podem ser abandonadas na-

    17

  • trecho anastomado

    trecho meandrante

    trecho retilneo

    turalmente motivadas por variao climtica ou aprofundamento/elevao to-pogrfica, devido a movimentao tectnica. Mutaes geolgicas conformam terrenos distintos entre os trechos de nascente e foz dos rios, como j dito, e so responsveis por gerar classificaes a estas fraes condizentes a estrutura do leito vigente, importantes para anli-se das necessidades deste recurso em determinados locais, tendo cada intervalo carncias vernaculares, se considerados os modelos meandrantes, retilneos e anastomados quanto a diviso dos tipos de canais. Desempenhando funo fundamental na configurao da atividade flu-vial, as matas ciliares ocupam as margens ribeiras fortalecendo o solo oferen-cendo a presena das razes, assegurando a permeabilidade da terra enquanto estabiliza o terreno e impede fenmenos como eroso em excesso causada pelo prprio fluxo dos rios, fato gerador de assoreamentos, compromentendo o nvel do canal e consequentemente reduo da correnteza em razo da obstruo por sedimentao das pores desagregadas do solo marginal. Ainda emprega-se no servio de reteno no s de partculas indesejadas ao leito como tambm de grandes volumes de gua em eventuais precipitaes, aptas a permitir enxurra-das possivelmente danosas carga dgua suportada nos canais existentes. Todo sistema participa diretamente na composio da biodiversidade peculiar presente tanto em meios lticos quanto em meios lnticos sendo, en-to, fauna e flora importante mutuamente inclusive no que se refere ao rio, onde preservam alm da temperatura evitando evaporao, a qualidade da gua. Vimos, portanto, que a interligao desses elementos formam uma es-trutura fluvial dependente de seus vrtices para o bom fluir dos rios e crregos. Que imprescindvel a manuteno de seus ciclos, seus meios e sua naturalida-de como um todo se pretende-se a preservao da condio saudvel dos recur-sos hdricos. preciso adequar-se a tal metodologia contrariando as diretrizes exercidas at entao, que, atualmente, nos apresentam apenas 40% dos rios com extenso superior a 1000 km ainda intactos de atitudes antrpicas.1

    1 www.wwf.org.br

    18

  • Numa manh, ao despertar de sonhos inquietantes, Gregrio Samsa deu por si na cama transformado num gigantesco inseto. Estava deitado sobre o dorso, to duro que parecia revestido de metal, e, ao levantar um pouco a cabea, divisou o arredondado ventre castanho dividido em duros segmentos arqueados, sobre o qual a colcha dificilmente mantinha a posio e estava a ponto de escorregar. Comparadas com o resto do corpo, as inmeras pernas, que eram miseravel-mente finas, agitavam-se desesperada-mente diante de seus olhos.Que me aconteceu ? pensou.No era nenhum sonho.

    Kafka, Franz A Metamorfose

    19

    1.3.2 Dinmica Veremos agora que modalidades de interveno so exercidas nos cor-pos hdricos inertes, j analisadas suas naturalidades de funcionamento. Segundo Gorski1, o uso da gua pode ser dividido em consuntivo, onde h perda de volume entre o que se utilizado e o que retorna ao curso dgua, e uso no consuntivo, aque-le que no oferece perda do recurso. Exemplifica sua primeira nomenclatura atribuindo-a atividades in-dustriais, abastecimento pblico urbano, irrigao, minerao, comrcio e servios, estando a segunda classe vinculada transporte de esgoto, gerao hi-dreltrica, aquicultura, recreao, pesca e navega-o. A anlise dessa classificao nos auxilia na observao de que embora parea que o uso no con-suntivo no explore a natureza de modo a prejudica--la, pois devolve o recurso integralmente aos cursos hdricos quanto demandas de quantidade, pratica a degradao natural ao passo que contribui para acentuar nveis de insalubridade devido a deposio de matrias poluentes. Esses fatores contribuem para entender que usos podemos dispor de modo benfico para ambas as partes (cidades e recursos naturais) e que medi-das de retaliao devemos aplicar com base na atividade a se realizar. A principal ao humana que diz respeito utilizao da gua compe fator essncial da vida na Terra: O uso para fins de saneamento bsico. Ao abrir-mos o chuveiro ou a torneira assistimos o que pode ser classificado como a lti-ma etapa do ciclo de abastecimento de gua do qual temos (no todos) acesso. A partir da, segue-se o ciclo tambm construdo pelo homem onde essa mesma gua, aps ter sido guiada via sistema de esgotamento e lanada em sistemas de tratamento ou no, sofrer evaporao, precipitao, cair sobre corpos dgua e tudo que j estudamos quando da abordagem dos ciclos naturais hdricos. O que nos interessa nesse momento compreender que o percurso percorrido at o abastecimento residencial exige que se implante, obviamen-te, sistemas de captao, e, consequentemente, sistemas de distribuio, aps trabalhos de tratamento da gua em diversas etapas onde se utilizam produtos qumicos visando alcanar os padres de consumo exigidos pelo Ministrio da Sade2. Todas essas aes interferem no funcionamento natural principalmente dos rios, maiores prejudicados deste processo sendo utilizados inclusive como motor no processo de produo de energia em hidreltricas. Tais interferncias causam prejuzo medida que alteram os peculiares 1 GORSKI, Maria Ceclia Barbieri. Rios e cidades: ruptura e reconciliao, ed. Senac, So Paulo, 20102 www.sabesp.com.br

  • Av. do Estado

    Foto do Autor

  • micro-ambientes pertencentes ao rio, como os apresentados a pouco neste tra-balho, inclusive em alguns casos - como em So Paulo com os rios Pinheiros e Tiet - invertendo o fluxo natural com finalidade de maior abastecimento para as estaes. Estas solues esto ligadas necessidade humana de gerir a gua para sua utilizao, onde o principal objetivo no se refere a outro seno ela prpria, tendo, portanto, maior ateno para os possveis problemas ambientais que es-tas obras oferecem, principalmente pelo crescimento de leis e rgos competen-tes. Contudo, tambm so caractersticas intervenes humanas ao longo dos rios em nome da expanso e considerado desenvolvimento dos ncleos ur-banos fisicamente, ou seja, ambientes antes ocupados por vrzeas e plancies de inundao sofrem terraplenagem enquanto margens propensas receber pero-dos de cheia so ocupadas por habitaes subnormais, loteamentos regulares ou vias para trnsito de veculos, tornando estes lugares cada vez mais suscet-veis a processos de assoreamento, desta vez carregados, alm do solo natural, de produtos no biodegradveis, comprometendo paulatinamente a biodiversi-dade local. Podemos analisar as intervenes compondo-se em duas vertentes: di-reta ou indiretamente, sendo as intervenes diretas as que dizem respeito modificaes resultantes de obras no prprio canal fluvial, representadas por retificaes e consequentes canalizaes, objetivando estabilizao de margens e liberao de suas reas planas, atenuao de enchentes ou controle de vazo, ou ainda obras de tamponamento do leito para fins de mobilidade, o que acaba por decretar o sepultamento dos rios em nossas cidades3. Intituladas interven-es indiretas aquelas que ao realizadas alteram o comportamento da carga e descarga slida - mesmo que distncia - representadas pelas mudanas quan-to ao uso do solo traduzido em urbanizao e prticas agrcolas abusivas, sub-traindo a vegetao ribeira4, alm da ocorrncia em muitos casos, como o que se apresenta neste trabalho, dos rios existentes nas cidades, onde so recorrentes as obras para transposio dos leitos fluviais que segmentam o tecido urbano, intermediadas por pontes para pedestres ou automveis.

    3 GORSKI, Maria Ceclia Barbieri. Rios e cidades: ruptura e reconciliao, ed. Senac, So Paulo, 20104 UFRR. Aula de Geomorfologia Fluvial, PDF

    22

  • Tem dias que a gente se senteComo quem partiu ou morreuA gente estancou de repenteOu foi o mundo ento que cresceuA gente quer ter voz ativaNo nosso destino mandarMas eis que chega a roda-vivaE carrega o destino pra l

    A gente vai contra a correnteAt no poder resistirNa volta do barco que senteO quanto deixou de cumprirFaz tempo que a gente cultivaA mais linda roseira que hMas eis que chega a roda-vivaE carrega a roseira pra l

    Roda mundo, roda-giganteRoda-moinho, roda pioO tempo rodou num instanteNas voltas do meu corao

    Chico BuarqueRoda -Viva

    23

  • Ao e Reao

    Observadas as naturalidades fluviais e as medidas antrpicas para do-ma-las em prol de satisfazer suas vontades passemos a analisar os embates re-sultantes desta disputa prejudicial bilateralmente. Lawrence Halphin, arquiteto paisagista, defende a tese de que as cida-des mais interessantes so aquelas que transparecem sua relao com a paisa-gem onde esto inseridas2, reforando a importncia da continuidade dos ci-clos naturais dos ecossistemas e a idia de que quanto maior seu impedimento, maior tambm suas consequncias. Considerando o ciclo hdrico a centralidade deste assunto, temos como ponto mais importante nesse processo de degradao o declnio da qualidade da gua que utilizamos, devolvendo-a para a fonte carregada de sais, matria orgnica e resduos que acentuam sua poluio em guas superficiais ou sub-terrneas3, produzida por esgotos residenciais ou industriais, criando condies ambientais inadequadas e propcias para proliferao de doenas. A descaracterizao do canal natural, transformando curvas em retas e margens ocupadas pela flora peculiar da atividade fluvial em paredes de con-creto contribuem para acelerao da velocidade do fluxo, que j no encontra mais impedimentos para controle de sua vazo, fato que prejudica as regies jusante dos crregos, sempre afetada pelas aes realizadas montante. A perda da vegetao tambm siginifica perda na reteno dos resduos slidos, que, devido urbanizao, j atingem propores de at 80% maiores sobre as encontradas em locais antes no utilizados para deposies4. Alm da imper-meabilizao do solo, coberto por camadas de concreto, impedindo a infiltrao em pocas de chuva ou cheia, fator predominante para ocorrncia de enchentes que tambm se mostram presentes por causas indissociveis dos ciclos naturais e quase que insolucionveis pelos seres humanos, quando em situaes de per-manncia em reas j designadas receber inundaes peridicas, gozando de topografia apropriada para tal, causando danos sociais e materiais na popula-o moradora s margens dos rios, expostas a todos os problemas apresentados, que apesar da proximidade com esse recurso no mantm a menor relao afe-tiva com o prprio, impossibilitada de exercer prticas sempre associadas aos rios como pesca, nado, navegao, remo, mergulho e diversas outras, como se possussem frente de suas casas um playground em eterna manuteno.2 COSTA, Lucia Maria S Antunes. Rios e paisagens urbanas em cidades brasileiras, ed. Viana & Mosley, Rio de Janeiro, 2006.3 http://ambientes.ambientebrasil.com.br/agua/aguas_urbanas/aguas_urbanas_-_introducao.html4 http://ambientes.ambientebrasil.com.br/agua/artigos_aguas_urbanas/enchentes_e_inundacoes.html

    Uma das tendncias mais funestas do nosso tempo imaginar que a natureza devaneio, preguia, langor.

    1.3.3

    Michelet, JulesLa Montagne

    24

  • Utopia Atpica

    presente em qualquer produto de renovao urbana diretrizes para combate ao estado de obsolescncia que tal rea se encontra derivada de moti-vos diversos. Entre tais situaes, cabe anlise dos rios nas cidades sob a tica da improdutividade urbana e desfuno cotidiana para alm da atuao como receptor de esgoto sanitrio. O descaso involuntrio da populao em relao orla fluvial se deve tese de que a vida contempornea necessita de dinamis-mo, vitalidade, condio ativa, onde tudo exerce algum trabalho essencial no andamento coletivo, quando observado a partir desta escala, sendo o que for discordante a esse princpio totalmente descartvel e substituvel medida que novas solues surgem em velocidade acelerada e cada vez mais em reduzidas propores de tempo e espao, somando-se, ainda, aditivos estticos. Notriamente essa condio imposta condena os rios urbanos publica-mente de modo que a desconcientizada populao considere a extino deste que um recurso indispensvel ou, quando muito conservadora, se posicione a favor do tamponamento da maioria dos cursos dgua, acreditada de que escon-dendo-se a sujeira abaixo do tapete, literalmente, os problemas sero solucio-nados. O que dispomos uma paisagem desfavorvel qualquer atividade que no desligar-se do entorno em busca de locais mais agradveis enquanto permeia-se as vias marginais malcheirosas, em suma, seu nico servir. Kevin Lynch1 afirma que cenrios visuais atrativos, alm de prazerosos em situaes de deslocamentos rotineiros, tornam-se convidativos sua explorao, em de-trimento ao que somos forados a imaginar quando implantada essa averso entre os canais e as pessoas, logo que notificada a existncia de espaos banais como os que aqui esto em pauta. So lugares que traduzem perigo, transpiram inutilidade e segundo Carvalho2 so inatingveis e inspitos. Da mesma maneira que as margens ribeiras guiaram o processo de ex-panso e desenvolvimento das cidades, medida que configurou-se o declneo de alguns territrios na cidade ps-industrial, foi clamoroso e quase que auto-mtico o desfavorecimento plantas industriais inteiras motivadas pelo avano tecnolgico3, que j no precisava de tanto espao para abrigar suas etapas de

    1LYNCH, Kevin. A imagem da cidade, ed. Martins Fontes, So Paulo, 1997.2 PEREIRA, Rodrigo Carvalho. Vago. Trabalho Final de Graduao, Universidade Catlica de Santos, Santos, 2010.3 SOL-MORALES, Ignasi: A Forma da Ausncia: Terrain Vague

    Ao passar de carro a beira de uma estranha vastido, a imagem apenas uma imagem e a janela uma televiso. To perto e ao mesmo tempo to distante, inatingvel e inspito quando cogitada a hiptese de ir at l. O limite o carro, esses terrenos vagos parecem irreais.

    Carvalho, Rodrigo Vago

    1.425

  • trabalho, tornando esses terrenos locais de abandono4, fator que desencadeia o processo de degradao urbana, estando a falta de uso do solo aliada a falta de vitalidade do meio urbano, contaminando grande parte dos elementos consti-tuintes da construo de uma regio, entre estes as margens fluviais, constante-mente utilizadas na implantao de vias de acesso. Fator chave na homologao destes terrenos vazios junto aos rios urba-nos foi a idia de que o desenvolvimento dos estados passava, obrigatriamente, pelo desafio da mobilidade urbana, como se considerado at os presentes dias, porm, de modo individualizado, a partir da valorizao da mquina e seu pro-duto protagonista: o automvel. Submete-se ento a cidade a todos os anseios da mquina, erguendo-a ao patamar mximo em escalas hierrquicas urbanas, acima, alm da natureza e seus consequentes impactos quando da construo de tneis, desmatamen-tos visando inseres de estradas e criao de transposies leitos de cursos hdricos e tudo que pode ser avaliado como limites5, da figura humana, que se v em situao de deslocamento e melancolia quando locais perenes so trans-formados em apenas meras passagens, informando-o a todo momento que no se deveria estar ali, que aquele ponto nada mais que uma poro de caminho ligando lugares de verdade, que, dependendo da situao, so distantes o sufi-ciente para pedestre algum se atrever a enfrentar. isso que se impe aplicando-se essa utopia de mobilidade via trans-porte individual, esta autopia, em nossas cidades: lugares-no-lugares, to-pos, e no s debaixo das pontes e passarelas, mas em toda extenso das pistas que visam formalizar a imagem de que a deteno de poder roga pela posse de um automvel, bem como seu direito de ir e vir. A cidade contempornea carece de espaos pblicos de qualidade, espa-os onde no seja prioritrio nenhum tipo de produo lucrativa6, espaos onde se possa somente estar. Lugares que criem vnculos afetivos e sejam presentes s lembranas das pessoas, onde possam desfrutar de um ambiente saudvel e que as oferea possibilidades de vivncia no s em perodos de recesso. atravs desses vnculos que teremos condies de valorizar nossos rios formando na prpria populao seu peloto de defensoria, articulando a idia de que a conscientizao ambiental, nos termos que se refere gua, tem seu incio no convvio harmnico entre a fonte e seu predador. Sendo as caractersticas diagnosticadas at aqui consistentes, claro o questionamento: Se adaptamos os rios, seja qual for o preo, ao cotidiano das cidades, e os resultados no favorecem, porque no adaptamos as cidades aos rios e suas necessidades?

    4 SANTORO, Paula. A Relao entre polticas territoriais e reestruturao econmica: a Operao Urbana Eixo Tamanduatehy, Santo Andr - So Paulo 5 LYNCH, Kevin. A imagem da cidade, ed. Martins Fontes, So Paulo, 1997.6 SOL-MORALES, Ignasi: A Forma da Ausncia: Terrain Vague

    26

  • 27

  • 1554Quando de um colgio deu-se a fundaoNasceu a capital de um estado dessa naoQue seria lder das demais...Hoje a cidade que mais cresce nesse mundo a cidade dos arranha-cusMaior centro cultural e industrialOnde o trabalho rende mais.

    Isso So Paulo, meu BrasilIsso So Paulo, meu Brasil

    Demnios da GaroaIsto So Paulo

    28

  • Ao se observar o funcionamento da cidade de So Paulo notrio o tratamento aos rios como elementos pr-existentes indiferentes e dispensveis vida urbana cotidiana. O descaso de seguidas frentes polticas perante esses corpos dgua que configuram a geomorfologia da capital - onde exercem prota-gonismo - reafirmou paulatinamente a rede hdrica paulistana como barreiras ao desenvolvimento urbano, o que acabou por construir forte rejeio popular a esse vilo indesejado que habita de modo invasivo o tecido urbano da cidade que ajudou a construir e desenvolver. A convivncia desarmnica entre rio e cidade acentua a opinio pblica de que a presena desses elementos naturais so os principais causadores de muitos problemas da metrpole, como falta de mobilidade, mau-cheiro, insalubridade e, principalmente, inundaes. Fica claro que as manobras utilizadas at hoje para vencer os obstcu-los que esse recurso impunha nunca incluiram o prprio nos planos, causando efeito contrrio aos resultados pretendidos histricamente, sejam eles de trans-posio ou de conteno de suas naturalidades espaciais e de vazo. Atualmente consequncias diversas envolvem cidades englobadas pela mancha metropolitana de atitudes de cunho paliativo e pontual que alm de no servir como medida de resoluo agravaram ou, ainda, criaram novos proble-mas urbanos que necessitam ser enfrentados de modo integrado com as regies afetadas e pautado pelas questes do urbanismo contemporneo. As reformas urbanas realizadas na cidade de So Paulo, sobretudo des-de o sculo XX, acabaram por designar aos rios a funo de barreira fsica a ser transposta dentro da cidade, o que desenvolveu a caracterstica de fratura urba-na, fortalecendo a deteriorizao dos ncleos de ocupao das margens fluviais.

    Tamanduatehy

    2.29

  • Atualmente, para contar a histria de So Paulo, fundamental iniciar ilustrando o stio urbano com os rios. necessrio esclarecer que uma cidade assentada sob 1500 km de rios e crregos, entremeados por colinas e vales.

    Raquel RolnikDocumentrio Sobre Rios e Crregos

    -

  • Percurso

    O primeiro captulo da histria de So Paulo tem como ponto principal sua conformao geolgica, composta por suas colinas, vales e rios. Faz parte deste contexto inicial os elementos que figuram neste trabalho, que desempe-nha funo de tentativa de reconciliao entre funcionamento urbano e stio natural, que como veremos, desde sempre motivo de embates nesta cidade. A So Paulo que conhecemos e que evoluiu ao longo do tempo pode ter sua expanso territorial dividia em trs vertentes: a inicial, que se extendeu at o sculo XIX e referente ao perodo de vila e cidade da capital, cujas interven-es, at por falta de aptides, adaptavam-se as imposies do terreno original, a intermediria, onde barreiras fsicas j no so consideradas impedimentos, e a existente, relativa aos tempos vivenciados atualmente, sob a titulao de metrpole, que, apesar de ainda repetir conceitos preponderantes na segunda vertente, procura solucionar os problemas causados pela mesma, em algumas ocasies contornando algo que interfere no cotidiano urbano porm criando outro aborrecimento para se resolver futuramente.

    1554 Os motivos da escolha do terreno onde fundou-se a vila de So Paulo se esclarecem medida que qualquer olhar mais atento percebe, ainda hoje, ao analisar tal lugar, sua privilegiada condio topogrfica. Trata-se de uma colina cercada pelas guas de dois rios: Anhangaba e Tamanduatehy, possuindo altura suficiente para se isentar dos corriqueiros perodos de cheia e confortvel distncia destes corpos dgua, frequentemente utilizados pelos primeiros povoamentos paulistanos. A So Paulo fundada pelo governo portugus, que visava controle desta regio de planalto em relao ao j ocupado litoral paulistano, liderado por Martim Afonso poucas dcadas atrs, leva em considerao estes prncipios

    2.1

    2.1.1

    750

    740

    730

    720

    0m100200300400500600700800900100011001200

    Crrego Anhangaba Colina Rio Tamanduatehy

    Seo do stio urbano original de So Paulo: uma colina de vertentes escarpadas e topo relativamente plano. Desenho adaptado de ABSBER, Aziz Nacib. So Paulo Ensaios Entreveros.

    32

  • geolgicos que lhes foram concebidos ao subir as escarpas da Serra do Mar, encontrando ocupao indgena das naes Guaian e Tupiniquins1 que j se utilizava destes benefcios oferecidos. Povoamentos esses que eram principal alvo de conquista dos jesutas, pretendendo conquist-los pela f. Liderados por Pe. Manuel da Nbrega, os colonos constroem uma pequena igreja e uma es-cola, prximas s aldeias indgenas, usufruindo de seus conhecimentos sob o territrio e captando alunos para aulas de catequese.2 O que interessa este estudo quanto ocupao inicial at aqui descrita entender que a presena da gua nesse primeiro momento foi ponto determi-nante na apropriao do territrio paulistano, procurando se desvencilhar de ocasionais movimentaes fluviais. Evidencia-se essa proposta quando anali-sada a forma que se compe a vila nos anos seguintes, tomadas precaues na conservao de fluxos de guas pluviais que corriam para os crregos, sendo proibidas edificaes nas vertentes mais importantes, e, onde elas aflorassem, deviam prever rotas de escoamento, preocupaes que evitam o desgaste do solo e possveis eroses.3 So Paulo estava j predestinada a tornar-se uma cidade diferenciada por apropriar-se geograficamente de uma situao at ento desconhecida pe-los exploradores do Brasil. Segundo Prado Jr.4 a Serra do Mar se dessemelha dos planaltos j explorados pela proximidade que mantm junto ao litoral, con-dio que confirma a rea de vrzea do rio Tamanduatehy, em frente a colina j ocupada, como porto de gua doce, ligao entre o mar e a elevao topogrfica. A pouca distncia a qual se mantinham litoral e interior, porm, no foi de todo ajuda. As encostas eram ngrimes o bastante para configurar uma bar-reira fsica de difcil transposio, e essas dificuldades impuseram um perodo de estagnao no crescimento urbano da cidade.5 Assim criava-se a vila de So Paulo, que apartir deste ncleo inicial ex-pande-se modestamente ocupando a rea que ilustra o que se tornou o famoso tringulo histrico, formado pelas ruas So Bento, XV de Novembro e Direita.

    1 ALMEIDA, Moaracy Amaral e. A vrzea Paulistana: Tamanduate - Vila Carioca e Bairro Fundao. Monografia de Graduao. So Paulo: Escola da Cidade, 20082 FILHO, Nestor Goulart Reis. So Paulo: vila, cidade , metrpole, ed. Takano Editora Grfica, So Paulo, 2004. 3 Idem 4 PRADO JR., Caio. A cidade de So Paulo: Geografia e Histriaa. So Paulo. Brasiliense, 1998 5 SOMEKH, Nadia, CAMPOS, Candido Malta. A cidade que no pode parar: planos urbansticos de So Paulo no sculo XX, ed. Mackpesquisa, So Paulo, 2002.

    Colina histrica ilustrando o stio inicial de So Paulo.Fonte: FILHO, Nestor Goulart Reis. So Paulo: vila, cidade , metrpole, ed. Takano Editora Grfica, So Paulo, 2004.

    33

  • Do marasmo ao desarranjo

    1

    O desenvolvimento urbano de So Paulo permaneceu paralisado du-rante aproximadamente trs sculos2 sendo habitada por, praticamente, portu-gues e ndios. O panorama se transforma ao passo que, depois de exercer papel importante sendo ponto de partida das exploraes em busca do ouro e articu-lar a produo do acar3, o ciclo do caf atinge o pice, na metade do sc. XIX, onde a cidade referncia por ser o primeiro ponto no planalto, onde o cultivo se expandira, que exerce funo de conexo entre regies produtoras, o porto de Santos e a capital do pas, conectada pela construo da ferrovia So Paulo Railway em 1867, ligando Santos Jundia. A juno desses acontecimentos, que so contemporneos implan-tao de um regime assalariado e uma nova repblica nacional, recebendo imigrantes para realizar servios de mo-de-obra, acabam por transformar o semblante da cidade em todos os quesitos.4 A implantao da ferrovia classifica-se como ponto importantssimo na histria dos rios urbanos paulistanos. Como j vimos, as caractersticas dos meios que compem a estrutura fluvial so, de fato, bastante peculiares, e, dentre estes aspectos, ressalta-se a presena de grandes superfcies planas que acompanham seu leito.5 Ao olhar dos responsveis, foi-se considerado este ter-reno prprio para instalao da estrada de ferro. Essa apropriao mudaria per-manentemente a paisagem ribeira de So Paulo, sendo este o ponto de partida para construo de diversas industrias ao longo dos trilhos, buscando proveito da proximidade com este que seria o principal vetor de escoamento da produo e formando, consequentemente, diversas vilas operrias, servindo de apoio aos trabalhadores destas indstrias, caracterizando o urbanismo desta regio.61 SEGAWA, Hugo. Preldio da Metrpole: arquitetura e urbanismo em So Paulo na passagem do sculo XIX ao XX, ed. Ateli Editorial, So Paulo, 20002 SOMEKH, Nadia, CAMPOS, Candido Malta. A cidade que no pode parar: planos urbansticos de So Paulo no sculo XX, ed. Mackpesquisa, So Paulo, 2002. 3 LINO, Anda da Costa et al. A vrzea paulista. Trabalhos de Graduao. So Paulo: Escola da Cidade, 20084 ROLNIK, Raquel. So Paulo, ed. Publifolha, So Paulo, 2009.5 Ver mapa ao lado6 ADORNO, Vicente. Tiet: uma promessa de futuro para as guas do passado, ed. Texto Art Grfica e Editora, So Paulo, 1999.

    2.1.2Transformar a cidade no era apenas substituir a vetusta taipa pelo tijolo, trocar o beiral aparente pela platibanda or-nada. A metamorfose pressupunha romper os limites do stio de fundao da urbe, transpor as vrzeas que cercavam o tringulo e irradiar a cidade sulcando as periferias com ruas, avenidas e construes, multiplicando a riqueza que circu-lava com a pujana proporcionada pela preciosa rubicea1

    34

    Ed. Martinelli e o Zeppelin, em 1928Fonte: Folha Explica So Paulo

  • Geo

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  • 36Planta da cidade de So Paulo em 1855.Ilustra as intervenes j criadas para transpor a Vrzea do Carmo e a retificao do trecho das 7 voltas do rio Tamanduatehy, alm da ocupao limitada entre a colina inicial e o vale do Anhangaba.

  • 37

    Fonte: Site Prefeitura Municipal de So Paulo

  • Se antes enxergava-se a Vrzea do Carmo como barreira a se transpor, ocorrendo, inclusive, subtrao de meandros do rio Tamanduatehy - conhecidos como trecho das 7 voltas - prximos colina histrica em tentativa de sanear, em vo, esta plancie, agora surgia um novo obstculo na paisagem urbana que se encontrava em processo de mutao: a ferrovia se impe perante a populao que deseja transitar entre o centro e a poro leste da cidade.7

    A retificao do trecho das 7 vol-tas do rio Tamanduatehy possibili-tou a ocupao da vrzea para fins de construo civil de edifcios p-blicos e criao de sistema virio, visando conexo com as regies para alm da rea de transbordo, apesar dos problemas de inunda-o e saneamento no se mostra-rem solucionados. Esta interven-o datada de 1849 marca o incio da administrao de uma cidade que no poupa esforos em nome de seu desenvolvimento e sua ur-

    banizao, sejam quais forem os obstculos encontrados. No tardou a existir, tambm, a proposta para transposio dos terreno de fundo de vale do crrego do Anhangaba, em sentido oposto ao rio Taman-duatehy, sendo construdo o Viaduto do Ch, em 1896, que valoriza a regio Oeste da cidade e abre novas possibilidades de abairramento na primeira liga-o entre os vales deste acidentado ncleo urbano.8

    7 MEYER, Maria Regina Prosperi, GROSTEIN, Marta Dora. A leste do centro: territrios do urbanismo, Impressa Oficial do Estado de So Paulo, So Paulo, 2010.8 SEGAWA, Hugo. Preldio da Metrpole: arquitetura e urbanismo em So Paulo na passagem do sculo XIX ao XX, ed. Ateli Editorial, So Paulo, 20009 FRANCO, Fernando de Mello. A construo do Caminho: A Estruturao da Metrpole pela Conformao Tcnica das Vrzeas e Plancies Fluviais da Bacia de So Paulo. Tese de Doutoramento. So Paulo: FAUUSP, 2005. p. 62

    Quadro de Benedito CalixtoA Vrzea do Carmo durante a enchente de 1892

    A inaugurao do Viaduto do Ch em litografia de Jules MartinFonte: Prestes Maia e as Origens do Urbanismo Moderno em So Paulo

    As razes para a escolha das vrzeas pode ser explicada principalmente pelas questes eco-nmicas, tcnicas e funcionais relacionadas com a prpria lgica de produo industrial: sistema hdrico para o abastecimento de gua e descarga de dejetos; energia hidro-eltrica para as mqui-nas; locais de moradia barata para a mo-de-obra; meios fluidos para circulao de mercadorias.3

    38

  • Fonte: So Paulo. Vila Cidade Metrpole Nestor Goulart Reis Filho

    Torna-se necessrio, para estas novas aglomeraes, maior servios de utilidade pblica, bem como estrutura urbana, que se vem atendidas durante o governo de Joo Theodoro que oferece populao situada leste do rio Ta-manduatehy servios de produo e distribuio de gs encanado, iluminao pblica, uma srie de obras virias j simulando um circuito urbano10 e princi-palmente transporte coletivo, em um primeiro momento realizado por veculos de trao animal que seriam substitudos por bondes eltricos, cujos trilhos fo-ram agente de estruturao fsico-espacial da cidade.11 Grande parte desses servios pblicos - energia, telefonia e transporte pblico - eram controlados por uma empresa privada chamada The So Paulo Tramway Light and Power Co. que tambm detinha poder de deciso quanto aos locais de expanso da infra-estrutura urbana em terrenos ainda virgens, o que credenciou esta empresa gerar valorizaes urbanas em prol do mercado com quem mantinha tima relao.12 A So Paulo que se apresenta nesse momento constri um cenrio de presso em busca de um plano urbano em grande escala. O que se assistia era a expanso da cidade, segundo Luiz Ackel e Candido Malta Campos13 de forma tentacular atravs dos eixos de transporte pblico criados pela Companhia Li-ght, milhares de imigrantes aportando e seguindo para o planalto e um urbanis-mo sem o menor adestramento. Em funo desta preocupao, os arquitetos da secretaria de obras mu-nicipais, Freire e Bouvard, elaboram um relatrio de intenes que prezava o urbanismo nos moldes do que se era articulado nas teorias de Camillo Sitte: conectado ao stio natural, possuindo presena paisagstica mesclada urbana e mantendo a memria da cidade, viabilizando a permanncia de seus edifcios significativos, em detrimento s afirmaes haussmanianas que se firmaram na europa na concepo de princpios de ortogonalidade e uniformidade. Bouvard implanta na cidade o conceito da harmonia entre espaos ur-banos e parques, implantando, em uma iniciativa que agrada tambm empre-endedores, um parque no vale do Anhangaba, permitindo a construo de dois 10 TOLEDO, Benedito Lima de. Prestes Maia e as Origens do Urbanismo Moderno em So Paulo, ed. Empresa das Artes, So Paulo, 1996.11 MEYER, Maria Regina Prosperi, GROSTEIN, Marta Dora. A leste do centro: territrios do urbanismo, Impressa Oficial do Estado de So Paulo, So Paulo, 2010.12 ROLNIK, Raquel. So Paulo, ed. Publifolha, So Paulo, 2009.13 SOMEKH, Nadia, CAMPOS, Candido Malta. A cidade que no pode parar: planos urbansticos de So Paulo no sculo XX, ed. Mackpesquisa, So Paulo, 2002.

    39

  • edifcios emblemticos emoldurando esta paisagem. Formula tambm duas propostas de parque para a Vrzea do Carmo, sendo a primeira um projeto que considera como parque a totalidade do espao e a segunda j admitindo a cesso de aproximadamente metade do terreno para empreendimentos imobilirios.14 apartir deste projeto que se desenvolve alguns anos depois a proposta de Francisque Couchet, se aproximando bastante das intenes de transformar este que era um estorvo dentro da cidade em pleno crescimento em um espao pblico, integrado com os equipamentos pblicos instalados e que prope reas para recreao.15 A realizao deste projeto foi possvel devida interveno no chamado perodo higienista sofrida pelo Rio Tamanduatehy que tinha este terreno como rea de inundao. Este local de vrzea era alvo de preocupaes de toda cida-de, motivada principalmente pelas frequentes enchentes que se apropriam do espao, que alm da proliferao de doenas havia se tornado depsito de lixo, paradoxalmente s atividades de lavagem de roupas ainda exercidas ali. Deram-se, ento, os trabalhos de canalizao do rio em trecho limitado entre a foz do rio Ipiranga e sua prpria foz, no rio Tiet, aumentando sua vazo e retificando consideravelmente o leito do rio que abandona alm de seu curso meandroso e at anastomado nas reas mais planas, todos os seus meios natu-rais, livres para o processo de urbanizao.16 Os conceitos implantados por Freire e Bouvard so derrubados pelo novo Cdigo de Obras da cidade, em 1920, por no contemplar os interesses da populao que salta de 23 mil pessoas em 1874 para 580 mil no presente ano17 e pressionava por resolues quanto salubridade das vrzeas, vista como plo 14 SOMEKH, Nadia, CAMPOS, Candido Malta. A cidade que no pode parar: planos urbansticos de So Paulo no sculo XX, ed. Mackpesquisa, So Paulo, 2002.15 MEYER, Maria Regina Prosperi, GROSTEIN, Marta Dora. A leste do centro: territrios do urbanismo, Impressa Oficial do Estado de So Paulo, So Paulo, 2010.16 Idem17 COSTA, Lucia Maria S Antunes. Rios e paisagens urbanas em cidades brasileiras, ed. Viana & Mosley, Rio de Janeiro, 2006.

    40

    1554

    1895

    1849

    1930

    O leito do Rio Tamanduatehy ao longo da histria de So Paulo

    Desenho adaptado de: MEYER, Maria Regina Prosperi, GROSTEIN, Marta Dora. A leste do centro: territrios do urbanismo

  • 41

    Projeto de Couchet para o Parque da Vrzea do Carmo

    Fonte: SARA BRASIL/DPH-SP

  • gerador e difusor de doenas na capital e da Cmara que abre caminho para a cons-truo de altos arranha-cus e o sistema de urbanismo rodoviarista, implantados pelo Plano de Avenidas em 1930.18 O Plano de Avenidas proposto e construdo por Prestes Maia, quando assu-me sua gesto na prefeitura de So Paulo, prope um modelo radio-concntrico de avenidas, tneis e viadutos tomando como primeiro ncleo o tringulo histrico, j afogado pelo trnsito. Suas avenidas ra-diais ditam o que seria o traado urbano da metrpole atualmente, hierarquizando os percursos e seus transeuntes, idolatrando o modelo individual de transporte, smbolo de modernidade e imagem do progresso: o carro. Respaldado por experincias j concludas em cidades europias como Moscou, Viena e Paris, Maia pula etapas importantes da composio do urba-nismo destas cidades, como os anis hidrovirios e ferrovirios antecedentes implantao do sistema rodovirio radial.19 A estruturao deste plano se baseia na rede fluvial paulistana para im-plantao de suas principais avenidas, percebendo que os custos de desapro-priao seriam baixssimos, logo, valorizando muito aps as obras, alm de ter a populao em seu favor j que os fundos de vale eram julgados como vazios urbanos, j que eram imprprios para edificaes. nesse cenrio que surgem as Marginais Tiet e Pinheiros, a Avenida do Estado ao Longo do rio Tamanduatehy, a Avenida 23 de Maio e a Avenida 9 de Julho sob os crregos Itoror e Anhangaba, respectivamente. Integra esse plano o modelo de circulao batizado de Sistema Y, for-mado pelas avenidas Tiradentes, 23 de Maio e 9 de Julho, alm dos anis virios em volta do ncleo central, representados por avenidas como Ipiranga e So Lus, o segundo abrangendo a Avenida Duque de Caxias e a Rua Amaral Gurgel e o terceiro entre as Marginais dos rios Tiet e Pinheiros20, confirmando a tese de Aziz AbSber que afirma quea cidade colonial nasceu entre o Tamandua-tehy e o Anhangaba. E a metrpole tem sua poro central entre o Tiet e o Pinheiros.21 So Paulo assiste ento seu primeiro processo de deteriorao de reas urbanas, a ocorrer nos bairros operrios prximos s regies industriais, por caracterizarem-se, tambm como bairros de comrcio popular e intenso fluxo, agravado ainda pela inaugurao de diversas vias radiais que ora prejudicavam 18 SOMEKH, Nadia, CAMPOS, Candido Malta. A cidade que no pode parar: planos urbansticos de So Paulo no sculo XX, ed. Mackpesquisa, So Paulo, 2002.19 Declarao do Arq. Alexandre Delijaicov em entrevista ao documentrio Entre Rios20 Informaes retiradas do site http://vejasp.abril.com.br/revista/edicao-2211/prefeitos-transito-sao-paulo21 ADORNO, Vicente. Tiet: uma promessa de futuro para as guas do passado, ed. Texto Art Grfica e Editora, So Paulo, 1999.

    Esquema terico do Plano de Avenidas de Prestes MaiaFonte: A Leste do Centro: Territrios do Urbanismo

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  • as regies j consolidadas por transformar-se em barreira ao sistema virio pr--existente, ora valorizam novas reas incentivando a migrao das camadas de elite.

    O modelo que crescimento urbano continua conectado ao carter ro-doviarista nos prximos planejamentos importantes que existiram na capital. Vemos nos planos Moses (1950) Sagmacs (1957) e no Plano Urbanstico Bsico (1969) a confirmao desta regra de ocupao dos fundos de vale por vias de transporte sobre pneus, sempre motivada pelos baixos custos de implantao e topografia considerada apropriada para tal. resultado desses princpios a maior ocupao de vrzea de So Paulo, referente aos rios Tiet e Pinheiros em 1970, bem como sua canalizao e consequente retificao e, ainda, fruto da homologao do Plano Diretor de 1971, o tamponamento de importante trecho do rio Tamanduatehy, onde se encontra o permetro de atuao deste trabalho, fazendo parte de um sistema de vias expressas22. Aes como tamponamento de rios contribuem para o total desconhecimento e identificao da populao em relao a este recurso, alm da crescente degradao da paisagem que se 22 COSTA, Lucia Maria S Antunes. Rios e paisagens urbanas em cidades brasileiras, ed. Viana & Mosley, Rio de Janeiro, 2006.

    Cidade de So Paulo, 1810Tringulo Formado pelos rios Tamanduatehy e Anhangaba

    Cidade de So Paulo, 1897Tringulo Formado pelos rios Tiet e Pinheiros

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  • instala paulatinamente em So Paulo. A rede hdrica da cidade, que no se re-duz somente aos 3 maiores rios que ainda marcam presena na cena urbana, encontra-se soterrada, confinada em galerias no subsolo das vias de automvel que dominam a capital. Avenidas Pacaembu, 23 de Maio, 9 de Julho, Sumar, Aricanduva, Salim Farah Maluf, Anhaia Melo, Eliseu de Almeida, Caetano Al-ves, Pompia e diversas outras desempenham papel de tmulo desta rede hdri-ca capilar que se faz conhecer em ocasies de enchentes23. No cabe este trabalho apontar qualquer culpado pela situao la-mentvel que se encontra atualmente os rios urbanos paulistanos. sabido que a cidade um organismo vivo e em eterno processo de transformao, seja ela favorvel ou no no contexto coletivo. Sabemos tambm que a forma de recupe-rar o dano ambiental que ns mesmos causamos a partir do conhecimento dos acontecimentos que contriburam para o estgio que atingimos. Vendo com bons olhos a resoluo de dois problemas imediatos (sa-neamento e mobilidade), a administrao paulistana se acostumou a decretar os talvegues como linhas de fluxo, desprezando sua funo junto paisagem e pouco se importando com os problemas que apareceriam anos frente, quando esses ainda eram desconhecidos ou quando j aparentes. Consolida-se desta maneira a nica pretenso de So Paulo no que se refere ao funcionamento de seus rios, aliado ao carregamento de esgoto sanitrio para longe da cidade. Seus canais so insuficientes para fora hdrica que foram forados suportar, quan-do da subtrao de seus meios por estreitas paredes de concreto que aumentam sua vazo. Sem seus locais de alagamento, tm de se conformar com bacias de inundao controlada. Sua fauna e flora hoje so detritos e suas atividades so indignas. Ao olhar popular so obstculo e sinnimo de sujeira. Sua ira no lhe d frutos alm da submisso. Em So Paulo, o credo nessa relao proibida e de fronteira torna mito as relaes que em outros tempos existiram entre pessoas e rios. inimaginvel algum sujeito canoar, nadar, pescar, lavar, lavar-se, sentar beira ou captar gua dos crregos. A populao paulistana, apesar de contar com uma rede hdrica riqussima, no sabe o que um rio de verdade.

    23 BERTALINI, Vladimir. Os crregos ocultos e a rede de espaos pblicos urbanos, in Ps - Revista do Programa de Ps-Graduao em Arquitetura e Urbanismo da FAU-USP, no 16, dez. 2004, p.82-96. Disponvel em: www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/09.106/64

    44

  • rio aricanduva

    rio tamanduate

    tatuap

    nadir figueiredo

    novo mundo

    biquinha

    carandiru

    mandaqui

    lauzane

    garau

    cabuu de baixo

    rio das pedras

    congo

    tanque

    pirituba

    vila anastcio

    tiburtino

    curtume

    cintra

    verde

    gua preta

    rio pinheiros

    Cemitrio Hdrico Paulistano

    rio tiet

    gua branca

    saracura

    bixiga

    pacaemb

    luz

    souza

    itoror

    anhangaba

    canind

    cabu de cima

    tiquatira

    cursos dgua a cu abertocursos dgua em canais subterrneosrodovias/ avenidaslinha metrovirialinha ferroviria

    Desenho adaptado de: ADORNO, Vicente. Tiet: uma promessa de futuro para as guas do passado

  • So Paulo

    Foto: Carlos Namba

  • Madrugada, janeiro, vero de 2003. Um carro sai do estacionamento no subsolo de um prdio e, enquanto espera o sistema eletrnico acionar grades e portes, seu proprietrio olha para cima e v ainda alguns andares iluminados pela luz dos computadores. Na calada, duas pessoas esto remexendo o lixo procura de latas, comida e papelo. O carro acelera rapidamente, temendo a aproximao de um adolescente, cabelo pixaim quase branco, que caminha em sua direo. Percorrendo as ruas estreitas do bairro, o carro detido pela enorme fila de txis e pelo movimento dos manobristas na sada de uma casa noturna. As mulheres loiras com vestidos brilhantes justssimos e saltos agulha se misturam por um timo aos homens e mulheres vestidos de jeans e camiseta e carregando sacolas de plstico que acabam de desembarcar do nibus. Finalmente o carro atinge a avenida. Surpresa: congestionamento s seis e meia da manh? No rdio, o reprter no helicptero avisa: caminho tombado em tal lugar, rvores cadas e pontos de alagamento que sobraram da tempestade do dia anterior; evitar rua tal, caminho tal. Da janela do carro parado, o motorista observa homens e mulheres vestidos com roupas esportivas, correndo ou caminhando rapi-damente pelo canteiro central, parecem estar envoltos por sua utopia de sade, lon-gevidade e beleza, uma espcie de paisagem subjetiva que os desconecta do cenrio real. So sete e meia da manh quando ele entra finalmente na estrada que o le-var ao condomnio onde mora. Do outro lado da pista, a fila de caminhes e carros entrando na cidade imensa e os vendedores de gua, suco, eletrnicos e bonecos gigantes de plstico j instalaram seu drive-in comercial. Quilmetro 30 - o motorista para no estacionamento de uma das megalojas da estrada e, atravessando corredores, chega padaria em estilo country. Entre ces-tinhas decoradas com renda e flores do campo, ele escolhe baguettes e croissants. E lembra-se por um segundo de sua av materna, nascida em casa de cho batido no meio do serto, e da av de sua mulher, que nunca esqueceu do poro do navio que a arrancou, menina, da aldeia beira-mar do Japo. Oito e meia, passa pelos controles da guarita, guarda o carro no estaciona-mento de casa. Ao lado de sua xcara de caf na mesa j posta, a pilha de contas para pagas: luz, gua, lixo, telefone, internet, celular, bip, escola, escola de ingls, aca-demia, natao, prestao do carro, IPVA, seguro... Na TV, j ligada pela empregada na cozinha, v a mesa arrumada do caf da manh e a famlia que acorda feliz por poder passar no po aquela maravilhosa margarina. Enquanto limpa o barro do sapato, a empregada faz as contas de quanto vai precisar para comprar a laje para cobrir o cmodo que acabou de levantar no Jardim Progresso. Fica ali perto, do outro lado da pista e a apenas 15 minutos de caminhada at o ponto por onde passa o perueiro que a conduz ao condomnio.

    Suburbia, Sprawling City, Metrpole Policntrica, Megametrpole, Megalpole, Megacidade, Edge City, Cidade Dispersa, Cidade Global, Cidade Mundial, Cidade-Regio, Cidade-Mundo, Cidade Informacional, Cidade-Fluxo, Rede de Cidades, Cidade-Mosaico, Cidade Caleidoscpica, Cidade Fractal, Cidade Fragmentada, Ci-dade Neobarroca, Cidade Neogtica, Cidade-Tela, Cidade Partida, Cidade Fechada, Cidade-Fortaleza, Cidade Sitiada, Cidade Vertical, Cidade Ps-Moderna, Cidade Mutante, Generic City, Cidade-Congesto, Cidade-Estado. Dentre as expresses forjadas nas teorias do urbanismo contemporneas, nas letras da msica popular, nas histrias em quadrinhos, nos filmes, instalaes artsticas, poemas, novelas e romances para designar o fenmeno urbano na virada do milnio, qual se aplicaria melhor So Paulo dos 450 anos? Todas. - Raquel Rolnik

  • Permetro

    Este estudo abrangue pores de dois bairros que tem como limite a Avenida do Estado, so eles: Cambuci e Mooca. O foco principal se concentra s margens e leito fluvial ao longo do tre-cho delimitado, porm considera a ocupao industrial relativa essa regio assunto insolvel de qualquer proposta que objetive a revitalizao do rio. Cambuci e Mooca so bairros tradicionalmente compostos por vilas operrias do perodo industrial de So Paulo, como observado no captulo an-terior, e ainda mantm caractersticas prprias desta ocupao na observao de suas arquiteturas e estruturas urbanas. Ainda so presentes dezenas de con-juntos arquitetnicos em estado de conservao variados que convivem com edifcios abandonados de antigas fbricas desativadas, criando em alguns locais situaes de obsolescncia e cenrio de abandono e degradao. visvel a transformao destes bairros em condio de perder suas simbologias paulatinamente, sendo alvo de especulao imobiliria ou de forte adensamento na construo de altos edifcios sem a menor relao com seu rico entorno, muito em funo do estado em que se encontra. A margem fluvial abri-ga os edifcios mais emblemticos e de maior porte, alguns deles desativados e alguns outros sendo utilizados de forma que no atribuem qualidade urbana para a regio. O permetro delimitado pelas vias: Av. Pref. Passos R. Junqueira Freire R. dos Lavaps R. Climaco Barbosa R. Alexandrino da Silveira Bueno R. Pres. Almeida Couto Av. Pres. Wilson R. da Mooca Vd. Roberto Abreu Sodr Apresenta intenso fluxo em sua via principal, a Avenida do Estado, que recebe os transeuntes originrios da regio do ABC paulista que destinam-se ao centro ou regio norte da capital. Para tal, conta com trs pistas com acesso local, duas pistas expressas locadas sobre o leito fluvial e uma pista exclusiva para o corredor de nibus denominado Expresso Tiradentes, espelhando-se no sentido oposto. Mantm em sua rea de abrangncia edifcios caractersticos deste tre-cho que atualmente desempenha papel de passagem como os blocos de habita-o do IAPI, o primeiro edifcio pr-moldado em concreto do Brasil, a fbrica da da cervejaria Antarctica alm da antiga loja Mesbla.

    48

    2.2

  • 49

  • 50

    PermetroEstudado

    Edifcios Vagos

  • 51

    Resqucios da Ocupao Inicial

    Leito Soterrado

    Terrenos VagosFonte das Imagens: Google Street View

  • bases

    52

  • Observamos a partir da anlise das bases do permetro de estudo, alm do bom nmero de comrcios e servios locais, a predominncia de usos resi-denciais sobretudo unifamiliar, ainda resultantes das primeiras ocupaes ur-banas que tomaram esse territrio em funo da proximidade oferecida junto linha de trem e, consequentemente, s fbricas instaladas ao redor. Refora essa tese a grande maioria de tipologias que indicam gabarito de 2 pavimentos, tpico desta ocupao, muitas vezes possuindo comrcios ou servios em seu pavimento trreo. Essas caractersticas configuram um modelo de ocupao re-ferente s vilas operrias, assegurando densidade menos elevada ao comportar um nmero menor de habitantes por lote. A persistente morfologia urbana ca-racteriza a base de arquiteturas de interesse, onde o conjunto arquitetnico re-sidencial pea marcante, bem como os conjuntos industriais, ainda presentes em boa parte deste territrio urbano. Entre as arquiteturas de interesse presentes esto o Conjunto Habita-cional da Vrzea do Carmo de autoria do arquiteto Attlio Correia Lima, para o Instituto de Aposentadoria e Penses dos Industririos (IAPI) e o edifcio tom-bado que abriga um posto municipal de sade, projetado por Eduardo Kneese de Mello. visvel tambm o processo de adensamento que os bairros esto so-frendo atualmente se considerada a implantao de edifcios com mais de 15 pavimentos nessa malha urbana, transformando constantemente a paisagem histrica que as ruas ainda guardam, como pode-se notar na base de gabaritos. A regio possui nmero relativamente elevado de vazios urbanos, con-tribuindo para degradao da rea, que conforme ilustra o mapeamento de es-tado de conservao, possui muitos edifcios descaracterizados ou em pssimas condies.

    53

  • 54

    Uso do Solo

    comrcioresidencial multifamiliarresidencial unifamiliar

    servios

    institucional pblicoinstitucional privadorea verde

    uso pblico

  • 55

    institucional pblicoinstitucional privadorea verde

    uso pblico

    edificao abandonada - residencialterreno vagoindstria/ galpo

    edificao abandonada - diverso

  • 56

    Equipamentos Pblicos

    escola municipal de ensino fundamentalprevidencia socialposto de atendimente mdico

    escola municipal de ensino infantil

    centro de assistncia social

  • 57

  • 58

    Gabarito

    10 - 20 pav7 - 10 pav4 - 6 pav

    21 ou mais pav

    2 pav1 pavtrreo

    3 pav

  • 59

    10 - 20 pav7 - 10 pav4 - 6 pav

    21 ou mais pav

  • 60

    Arquiteturas de Interesse

    edificao isolada - residencialconjunto arquitetnico - diversoconjunto arquitetnico - residencial

    edificao isolada - diverso

  • 61

  • 62

    Estado de Conservao

    descaracterizado/ pssimo estado

    reparos necessriosconservado/ restaurado

  • 63

  • Bloco de edifcios IAPI

    Foto do Autor

  • Antiga cervejaria Antarctica

    Foto do Autor

  • 66

    Vazios Urbanos

  • 67

  • 68

  • Os trs estudos de caso aqui apresentados pretendem analisar manei-ras de interveno no meio natural que pertencem um entorno j edificado e ocupado pela urbe. So perspectivas e problemticas distintas porm mantm relao pr-xima uns aos outros no propsito de reestruturar regies degradadas, obsoletas e no utilizadas dentro da cidade, transformando-as em reas de uso pblico e coletivo, agregando valores afetivos aos lugares antes nomeados como frontei-ras e vetores de desclassificao urbana. O primeiro tm como cenrio de atuao uma zona muito semelhante deste trabalho, por se tratar da mesma orla fluvial, o rio Tamanduatehy, porm em sua poro pertencente ao ABC paulista, fruto de estudo de grandes equipes de arquitetos e urbanistas encomendados pela prefeitura de Santo Andr e re-ferncia para projetos urbanos em grande escala. O segundo se trata da revitali-zao do rio Cheonggyecheon, em Seul, cuja paisagem se assemelha cidade de So Paulo principalmente por seus nveis de adensamento prximo s margens fluviais, bem como suas vias, prioritrias na disputa pelo espao, e por ltimo o projeto referente reforma de uma grande planta fabril desativada, o Lands-chaftspark, na cidade de Duisburg, na Alemanha, que serve de modelo levados em considerao os princpios de projeto de restaurao de edifcios industriais que trazem consigo carga simblica de memria do espao.

    Estudos de Caso

    3.69

  • Eixo Tamanduatehy A anlise dos projetos que participaram dos estudos para renovao do Eixo Tamanduatehy importante para observar propostas prximas realidade vivenciada neste trabalho alm da diferente viso de quatro equipes de arqui-tetos de diversos lugares do mundo sobre o tema, quais so suas prioridades, metodologias e distribuio de funes. Se So Paulo apresenta problemticas referentes vazios urbanos cau-sados pelo declnio industrial, a cidade de Santos Andr tambm os possui e de maneira potencializada, visto que no abastecida pela mesma infra-estrutura da capital. O processo de desconcentrao industrial foi letal para as margens do rio Tamanduatehy, povoado por indstrias obsoletas e um cenrio de total abandono. O projeto pretende reestruturar as reas de margem do rio e servir como articuladores da reestruturao urbana da cidade, inserida na metrpole paulista. A pesquisa elaborada por Raquel Rolnik e Jordi Borja abasteceu as equipes do material necessrio para desenvolver a proposta, considerando sete temas essenciais: educao e tecnologia, sustentabilidade das reas de manan-ciais, acessibilidade e infra-estrutura, fortalecimento e diversificao das ca-deias produtivas, ambiente urbano de qualidade, identidade regional e incluso social. notrio o complemento que as propostas se fazem umas s outras, observando que cada equipe direcionou o trabalho para enfoques diferentes, estando a equipe de Busquets guiado os projetos criao do espao pblico e recuperao de reas verdes, Portzamparc voltado s atenes para a relao entre os lotes e a cidade, Eduardo Leira abordando a questo do transporte me-tropolitano e Cndido Malta apostando na criao de alguns edifcios cones. Dentre as quatro propostas vejo meu trabalho mais prximo ao da equi-pe de Juan Busquets, Jorge Wilhem, Jos Francisco Xavier, Jos Magalhes Jr., Maristela Faccioli, Luciana Machado e Hector Vigliecca. O projeto tem como elemento articulador o leito do rio despoludo, ele-mento chave na concepo de um parque marginal integrado aos edifcios de diversos usos espalhados por toda extenso da proposta.

    3.170

  • 71

  • 3.2 Cheonggyecheon O estudo de caso referente reformulao urbana realizada em Seoul representa ateno s operaes macro-ambientais as quais me disponho a de-senvolver no permetro a ser estudado. Quando presentes, os rios so pea fundamental para entendimento da evoluo das cidades, seja pelo abastecimento de gua que oferece, pelo trajeto e destino de seu curso ou pelas barreiras que impe. Ao analisarmos a histria das grandes cidades percebemos que esse elemento influente no desenvolver de seu entorno acompanha todas as etapas da vida urbana paralelamente, tendo seu prprio percurso afetado por toda e qualquer deciso humana. Seoul exemplo de grandes cidades definidas pela natureza local, e principalmente pelos cursos dgua mais prximos. A beira de seu permetro margeia o Rio Han, desaguando no Mar Amarelo, muito importante para a his-tria de toda Coria. Seus afluentes percorrem o traado da cidade e fazem parte da vida local, convivendo com seus mais de 10 milhes de habitantes. Objeto de estudo deste trabalho, o rio Cheonggyecheon tornou-se refe-rncia mundial em matria de convvio harmnico entre rios e cidades. A exemplo do quadro atual vivenciado no cotidiano paulistano, o rio Cheonggyecheon teve atuao notabilssima na evoluo de Seoul, participando inicialmente como barreira urbana segregando parte da populao menos abas-tecida, que se instalou em palafitas a beira do crrego no perodo ps-guerra da Coria, na dcada de 1950, perodo que se alongou durante 20 anos, quando as moradias foram realocadas para a construo de um viaduto acima de seu leito, visto como grande progresso por todo pas na poca. Percebe-se aqui grande similaridade entre Seoul e So Paulo na instalao de grandes eixos virios ao longo das margens dos rios Pinheiros e Tiet, que sofreram tambm inverso de curso, alm do tamponamento dos rios Tamanduatehy e Anhangaba, a retifi-cao de todos eles, entre outros casos. A soluo implantada do viaduto sobre o leito do Cheonggyecheon no foi capaz de resolver as problemticas de acessibilidade da cidade e acentuou a degradao no local, situao que levou as autoridades coreanas a restabelece-rem a natureza do rio e a conseqentemente insero do espao na cidade, de modo que o que significava um rio morto e canalizado simboliza atualmente um grande parque que revitalizou todo seu entorno abrangente. Cheonggyecheon hoje sinnimo de espaos pblicos de qualidade e um forte ponto turstco de Seoul, representando um grande exemplo de reforma urbana sustentvel podendo perfeitamente ser implantado em outras cidades do mundo.

    72

  • Landschaftspark

    Trata-se de um parque de lazer distribudo entre diversos equipamen-tos dispostos em edifcios industriais antes desativados na densa cidade de Duisburg, na Alemanha, que tambm aparenta So Paulo em seu potencial in-dustrial. Alm da proximidade projetual na escala do edifcio, Landschaftspark se assemelha a este trabalho quando participa do projeto de recuperao do rio Rhur, que mantm relao direta com o parque. O local exerceu pleno funcionamento - extrao de minrio e ferro - at a paralisao em 1985, vtima do declnio industrial europeu no mercado do qual a antiga fbrica participava: o ao. Esse fato acabou por abandonar, princi-palmente em Duisburg, paisagens ferrovirias e industriais, j degradadas am-bientalmente. premissa do escritrio responsvel, Latz and Partner, preservar os edifcios remanescentes deste perodo que faz parte da histria da cidade, bem como valoriza-los como testemunhas da memria urbana. Os equpamentos se distribuem formando um centro cultural que conta com um centro de eventos, adaptado em uma casa de mquinas, um teatro, disposto nas antigas casa de ventilao, casa de bombas e casa do compressor e um palco ao ar livre que possui a flexibilidade de um tetomvel onde so exibidos shows, peas teat-rais e sesses de cinema. Foi ainda encorporado um abergue com 140 leitos onde se localizava o escritrio da indstria, ficando a cafeteria/bar instaladas no armazm.

    3.3

    O parque no um parque comum, no fcil fazer um levantamento do stio de forma clara por este no ser reconhecvel como um todo. De acordo com sua situao em meio a caticas aglomeraes e linhas de infra-estrutura ele aparece como uma figura rasgada com vrios aspectos diferentes.

    Arq. Peter Latz

    74

  • 75

  • Ao fim desta pesquisa concluo que o rio Tamanduatehy desde sempre esteve em pauta nas discusses sobre melhoramentos e reformas urbanas da cidade de So Paulo, fato que no se traduz em harmonia nessa convivncia. Presente em todos os epsodios da histria desta cidade, precisa se rela-cionar de forma mais prxima com a populao, de modo que seja tratado com a importncia que merece e os cuidados que exige. Para tal, este projeto visa pri-meiramente, satisfazer feies necessrias para o bom funcionamento fluvial, como um canal confortvel que suporte sua vazo natural, reas de transbordo, buscando devolver ao rio a atividade que o permetro oferecia e que possam ser utilizadas pela populao enquanto no funcionam como ferramentas para re-teno de guas, e possveis recuperaes de meandros naturais (representados aqui por uma bifurcao no curso fluvial em aluso a um trecho retificado do rio), integrados por um grande parque marginal proteger o curso hdrico. Claramente preciso que a existncia destes elementos estejam inte-grados usos que se tornem rotineiros populao, e para tal considera-se aqui o sucesso em processos de despoluio da gua, bem como tratamento idntico em trechos tanto montante quanto a jusante do rio, consolidando este projeto como um modelo de interveno a se reproduzir ao longo de todo recurso, prin-cipalmente onde haja possibilidade de gerar novas situaes urbanas como nos encontros entre afluentes e tambm em locais onde atualmente as margens se encontrem vagas ou obsoletas, se apresentando como territrio de projeto de uso pblico e servio cidade. A proposta tambm se embasa na diminuio considervel do fluxo de veculos que transita na Avenida do Estado, apoiando-se na tese da existncia de um transporte coletivo de qualidade que d opes de mobilidade urbana para alm do automvel, situao que possibilita a subtrao das vias expressas que tampam o rio e a manuteno de pistas enterradas durante o trajeto neste trecho de interveno.

    76

  • O destamponamento do canal fluvial sugere nova condio para o trans-porte efetuado atualmente pelo Expresso Tiradentes, que utiliza este trecho como rampa at seu imponente viaduto, problemtica solucionada pela trans-formao deste meio de locomoo em um trem de superfcie, menos agressivo a paisagem, adaptvel ao passeio pblico criado e suficiente para a demanda cotidiana. Preocupa-se com a transposio de pedestres de maneira mais integra-da com a paisagem, anexando aos edifcios decks que servem de pontes e ligam os equipamentos mesmo em margens opostas do leito fluvial possibilitando si-tuaes desconhecidas pela populao paulistana na relao com seus rios. A manuteno das caractersticas dos bairros envolvidos so garantidas na permanncia de seus edifcios emblemticos e que suportam reconverses, abrigando um novo modelo de CEU - Centro Educacional Unificado, que distri-bui entre estes prdios equipamentos de educao e lazer, se colocando como uma nova centralidade para os moradores mais prximos ao passo que oferece opes de atividade tambm aos fins de semana. Apesar da proposta dos CEUs paulistanos preverem implantaes em regies perifricas, considero cabvel sua presena neste local pela integrao que teriam edifcios destinados ao lazer e cultura com o parque marginal e o lei-to utilizvel do rio, visto que estes bairros, apesar da proximidade com o centro paulistano, so desabrigados de equipamentos como esse. Acredito que propostas de melhorias no espao urbano que possuem estas caractersticas no devam se sentir oprimidas pelos obstculos encontra-dos ao realizarem-se esses projetos. Chegamos em um ponto to absurdo no que se refere a intervenes em meios naturais que nada pode ser to inimaginvel, ainda mais quando o que se preza bem estar pblico urbano. preciso acredi-tar que tudo que slido desmancha no ar.

    Tudo que slido desmancha no ar

    4.77

  • A proposta deste trabalho mira estabelecer forte identificao dos habi-tantes da cidade com sua rede hdrica, como j dito, atravs da insero dos rios no dia-a-dia das pessoas, fazendo-as perceber sua importncia e sentir sua uti-lidade. No bastaria este projeto introduzir na cidade um equipamento pblico que atingisse apenas uma parcela da populao ou ainda somente a vizinhana, deveria ter um poder de alcance metropolitano e ao mesmo tempo se adequar a usos locais, sendo utilizado diariamente por alguns, constantemente por outros e de tempos em tempos por outros. A implantao do CEU se encaixa perfeita-mente nesse perfil por suprir estas necessidades ao passo que oferece a constn-cia de aulas dirias, a periodicidade de cursos paralelos e tambm se apresenta como espao livre de encontro inclusive em perodos no-letivos, abrindo-se toda populao que dispe de um equipamento pblico completo. importante ressaltar que as escolas tm um papel importante nesse processo de transformao da viso popular, e nesse caso o apelo ainda maior estando a prpria escola fazendo parte de um projeto de formao de uma op-nio pblica favorvel sobre um recurso to presente nas cidades. O projeto CEU Tamanduatehy se divide em 3 ncleos, visando ocu-par locais que forcem o usurio a transitar pela orla para atingir seus destinos, sempre se deparando com novas perspectivas ao longo do percurso. A diviso e segregao do programa segue os ciclos de aprendizagem do ensino pblico paulistano, estando dispostos da seguinte maneira:

    Ncleo 1 - Nascente Sedia os alunos da rede pblica de ensino infantil e fundamental, desde o berrio at o nono ano. Procura relacionar-se com o entorno assumindo a forma de uma represa sobre um espelho dgua, ilhando as salas de aula e apro-veitando a cobertura inclinada como p-direito duplo para reas de mltiplo uso. Dotada de um aqurio subterrneo, a escola apresenta espaos ldicos, agradveis principalmente s crianas, pblico principal do edifcio. Ncleo 2 - Foz Referente aos cursos de ensino mdio, adulto e tcnico profissionali-

    78

    Comecemos pelas escolas, se alguma coisa deve ser feita para reformar os homens, a primeira coisa form-los.

  • zante, o segundo ncleo reserva os auditrios do CEU, de modo que, se houver necessidade, podem transformar-se em uma nica sala com capacidade para mais de 600 pessoas. Complemento do passeio, mantm o pavimento trreo livre para o pblico que dispe de um espao para exposies temporrias rela-cionando-se diretamente com a cobertura inclinada, que atinge o nvel dgua e transforma-se em atracadouro para todos as pessoas que usufruam do rio. Conta com um cinema a cu aberto, podendo ser alcanado pela rampa em seu acesso principal ou pela prpria cobertura, critrio do usurio. As salas de aula esto isoladas nos pavimentos superiores e o ltimo andar oferece um mi-rante e uma cantina. Ncleo 3 - Vrzea Recebe esse nome por se firmar como constante na vida das pessoas, estando os outros dois ncleos caracterizando etapas da vida, como suas respec-tivas nomenclaturas representam fragmentos de incio e fim do ciclo fluvial. Acolhe a maioria das necessidades extra-classe presentes na vida acadmica, como laboratrios tcnicos, laboratrios de informtica, oficinas, biblioteca e atividades extra-curriculares que so colocados disposio dos alunos do CEU. Exerce papel de articulador da paisagem por, primeiramente, estar instalado sob as estruturas de um edifcio antigo e de forte relao com o entorno e unir usos insolveis das atividades exercidadas nos edifcios comple-mentares, impondo a necessidade de transitar entre todos os ncleos. O programa se adapta forma arquitetnica existente e se distribui en-tre o complexo procurando isolar os setores pblicos dos setores pertencentes ao CEU e administrao de todo o complexo. A instalao de restaurante e casa noturna independentes do funcio-namento do nleo refora a intenso de promover maior vida urbana para a regio e a vocao de lazer proposta pelo trabalho, bem como a implantao do Museu Hidrolgico Paulistano, idealizado com o objetivo de disseminar o trajeto percorrido pelos rios de So Paulo at os dias atuais, forando percurso do usurio a contornar o espelho dgua baseado no desenho dos cursos fluviais mais importantes da cidade: Tiet, Pinheiros e Tamanduatehy.

    79

    Lina Bo Bardi

    Comecemos pelas escolas, se alguma coisa deve ser feita para reformar os homens, a primeira coisa form-los.

  • Situao Atual

    Avenida do Estado(Sentido Centro Paulistano)

    Resqucios Industriais

    80

  • Canal do Rio Tamanduatehy Transposio Impossvel

    nicos Pedestres da Imagem

    Via Elevada de nibusExpresso Tiradentes

    Verticalizao de Bairros Vizinhos

    Foto do Autor

    81

  • projeto

    82

    Foz do rio Tamanduatehy, desaguando no rio Tiet

    Foz do crrego do Ipiranga

    Orla ferroviria da Mooca

    Parque D. Pedro II

    Foz do rio Anhangaba

    (Projeto Desenvolvido)Trecho tamponado do rio abri-gando elevao da linha de nibus Expresso Tiradentes

    Trecho onde as margens so ocupadas por grandes plantas fabris desativadas, possibili-tando espraiamentos

  • ANLISE DAS BASES

    83

    Territrios passveis de implantao do modelo de projeto proposto

  • 84

  • 85

    Hipteses de Implantao de Projeto

    As primeiras diretrizes de projeto, resultantes do trabalho de pesquisa, atentavam para im-portncia das pr-existncias na insero do novo desenho urbano, na tentativa de integra-o entre edifcios com caractersticas verna-culares, alm de garantir a transposio das margens junto ao nvel do solo, defendendo a permeabilidade entre os dois lados do leito flu-vial. Porm, ainda se limitava malha urbana e o desenho do canal, impostos pela cidade existente, o que no propiciava perspectivas interessantes ou inusitadas ao pedestre que desfrutaria dos parques e equipamentos ur-banos.

  • 86

    Hipteses de Implantao de Projeto

    Leito

    Calha do rio Tamanduatehy se faz presente e conta com pontos de extravasamento e reteno de cheias, utilizveis pela populao quando no ocupadas pelas guas.

    Mobilidade

    Avenida do Estado tem fluxo poro do fluxo desviado para a avenida Alcntara Machado, alm de pistas subterrneas, livrando o panorma da inconveniencia oferecida pelos veculos atualmente. Expresso Tiradentes transformado em VLT, oferecendo presena menos agressiva se comparado situao atual, onde estabelece a implantao de um viaduto para seu nico usufruto

    Permanncias

    Edifcios mantm forte identificao com ocu-pao inicial do territrio e conservam presen-te a histria da cidade.

  • 87

    Parques Urbanos

    Se apropriam de terrenos abandonados ou subutilizados s margens do rio abrindo pos-sibilidade de criao de novas perspectivas junto ao curso fluvial, unindo transposies agradveis e espaos de estar pblico.

    Converso

    Dispostos sob as estruturas existentes, alguns equipamen-tos urbanos integram-se ao urbanismo ao passo que se adaptam as condies ofere-cidas por galpes industriais que j no oferecem servios populao.

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    Hipteses de Implantao de Projeto

    Sees Transversais do Deck e Avenida Subterrnea

    Seo longitudinal da rampa de mergulho - Avenida do Estado

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  • Hipteses de Implantao de Projeto

    Estudo para implantao do deck interligando os edifcios, de forma excessivamente marcante na paisagem.

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    Hipteses de Implantao de Projeto

    So Paulo, 1905 - Curso Original do Rio Taman