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As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia e os diferentes discursos sobre a guerrilha*
Julio Cesar da Silva Lopes**
GT6: Estado, Meios de Comunicação e Movimentos Sociais.
Resumo:
Com a intervenção cada vez maior dos Estados Unidos na Colômbia apoiando o governo na luta contra as “narcoguerrilhas”, o papel da mídia torna-se relevante, visto que cada grupo molda seus ideais e discursos buscando maior legitimidade e apoio frente a população. Cada grupo constrói seu discurso baseado no que pode lhe render respaldo popular contra o grupo opositor, chegando muitas vezes a construir imagens totalmente idealizadas ou distorcer a imagem do grupo rival.
Introdução
Além da disputa bélica e estratégica, um fator determinante em
conflitos onde a população assiste a confrontos entre forças pró-governo e
grupos guerrilheiros é a disputa ideológica, ou seja, a tentativa de mostrar para
a população qual lado luta pelos seus interesses, buscando maior apoio e
apontando as possíveis fraquezas e defeitos do outro lado. A guerra de
informação ganha bastante destaque nesse contexto, onde cada um dos lados
dispõe de determinados meios (como a mídia cada vez mais presente) para
conseguir maior legitimidade das suas ações. A necessidade de “demonização”
do outro é um modo de distorcer a imagem do inimigo, na tentativa de se
conseguir mais apoio para o lado que acusa. Desde o período entre guerras,
nota-se um crescimento de construções de ícones do mal por parte do Estado
norte-americano, como os líderes nazistas, os socialistas soviéticos, os
traficantes no Pós-guerra Fria e depois dos atentados de 11 de setembro de
2001, o terrorismo árabe.
Tal idéia de utilização da mídia para fins “políticos” também
estaria ligada a uma tentativa de controle de massas, ou seja, a manipulação
do imaginário social da sua população, onde o governo, sustentado pelas suas
ideologias, poderia dar uma nova visão (ou interpretação) a determinados fatos
* Este artigo constitui-se em parte da monografia desenvolvida durante a Especialização, com várias
alterações e adaptações. ** Especialista em História Social e Ensino de História pela Universidade Estadual de Londrina. Contato:
2
e convenceria a população a apoiar seus atos, contando também com o
respaldo de órgãos como as polícias (por exemplo, no caso da Colômbia), que
justificariam suas ações violentas (desde La Violencia em 1948) como sendo
um mal necessário, uma ação de combate contra os inimigos do Estado. E
essa imagem pode ser percebida em vários estágios da trajetória norte-
americana no século XX, onde “a identidade totalitária, enfim, tinha base na
criação de ícones do mal que representariam tudo aquilo que não fazia parte
da ideologia oficial do Estado e que, por isso, deveria ser sumariamente
eliminado” (ARBEX JR. e TOGNOLLI, 1997: 201).
O tráfico e consumo de drogas ilícitas é uma dessas práticas,
reprovável em qualquer sociedade, portanto as pessoas ligadas a estas
atividades não seriam bem vistas tanto pela população, seguidora dos bons
costumes, quanto para o Estado, que se utiliza dessas pessoas como
exemplos a não ser seguidos pelos seus cidadãos, como pessoas cujo
comportamento é reprovável, pois iria contra os modelos de boa conduta dos
modelos de cidadãos ideais. Para a política norte-americana, a idéia de
associação do inimigo ao consumo e tráfico de entorpecentes é uma prática
comum desde a Guerra Fria, onde os dois lados trocavam acusações,
alegando que o lado inimigo estaria tentando alienar sua juventude e destruir
seus modelos de sociedade ideal através da introdução e do consumo de
drogas ilícitas no seu país, acirrando ainda mais a guerra ideológica entre as
potências de capitalistas e socialistas, com as suas propagandas contribuindo
para a afirmação e manutenção de seus modelos de sociedades ideais. Com o
colapso da união soviética nos anos 80 e 90 o narcotráfico agora era visto
como a mais nova ameaça à sociedade norte-americana, que no seu discurso
incluía a idéia de que este se constituiria em uma guerra revolucionária, visto
que os comunistas usariam o narcoterrorismo para provocar desequilíbrios
sociais e, conseqüentemente, destruir a sociedade ocidental, objetivo, aliás,
muito comum entre os supostos inimigos.
O discurso benevolente de que os Estados Unidos estariam
interessados somente no combate ao narcotráfico mundial passa a idéia de
que o total apoio das forças norte-americanas em combater o suposto inimigo
maior é mais um discurso para se garantir e justificar os financiamentos para
pesquisa bélica em seu país e o desenvolvimento de novas armas. É
3
importante lembrar que, para o governo colombiano, as guerrilhas e o seu
crescente apoio popular constituem-se em ameaças muito mais concretas e
imediatas do que o narcotráfico e, para os Estados Unidos, esse é somente
mais um pretexto para manter sua presença militar na América Latina. Noam
Chomsky defende que esta suposta ajuda na “guerra às drogas” não passa de
pretexto para intervenções militares (CHOMSKY, 1996: 107).
Formação de Identidades e Imaginários Sociais
Antoine Prost defende que se deve dar atenção ao discurso do
grupo social estudado pois é nele que encontra-se seus ideais, desejos, ou
seja, sua produção simbólica, o que define o grupo e o diferencia dos demais,
em outras palavras, sua identidade. “O grupo só existe na medida em que
existe voz e representação, quer dizer, cultura” (PROST, 1998: 129). Prost
completa dizendo que, ao se analisar textos criados por esse grupo, deve-se
atentar à sua função referencial, ou seja, “o que o texto diz, o que quer dizer, a
situação que pretende descrever, o acontecimento que entende contar”
(PROST, 1998: 129), buscando os interesses que move tal grupo, lembrando
do fato de que nenhuma produção textual é inocente, ou seja, o texto oculta um
discurso, uma idéia destinada a um leitor específico, elementos que podem ser
notados, por exemplo, na linguagem utilizada, nos termos empregados, o
sentido que certas palavras adquirem e sua ênfase em reforçar tais idéias. Por
ater-se a essas representações, Prost coloca a História Cultural como
intimamente ligada ao social, visto que é a cultura que diferencia e divide os
grupos sociais. Mais do que isso, Prost defende que a cultura é a mediação
entre o indivíduo, seu grupo e sua experiência (individual ou coletiva),
permitindo a esse indivíduo e seu grupo refletir sobre ela: “só existe cultura
partilhada, pois a cultura é a mediação entre os indivíduos que compõem o
grupo (...) Mas a cultura é também a mediação entre o indivíduo e a sua
experiência; é o que permite pensar a experiência, dizê-la a si mesmo,
dizendo-a aos outros (PROST, 1998: 135).
E é nessa troca de experiências que o grupo molda sua
identidade, que segundo Serge Berstein pode provocar o surgimento de uma
nova cultura política, que busque uma resposta ou uma reação aos problemas
4
enfrentados no presente, construindo uma nova visão do futuro a ser
conquistado. Berstein defende que cada grupo específico tem a sua cultura
política, que muitas vezes é influenciada por outras culturas políticas, inclusive
contemporâneas.
Roger Chartier, que define a leitura como uma prática cultural,
defende que todo escritor, todo texto escrito impõem uma certa ordem, uma
postura ou atitude de leitura, um protocolo. Ao se referir a esses protocolos de
leitura, o autor coloca que estes procuram definir a interpretação correta e uso
do texto, esboçando também seu leitor ideal. Porém, é preciso destacar que
cada leitor, a partir de suas referências individuais ou sociais, históricas, dá um
sentido mais ou menos singular aos textos que se apropria, e provavelmente
não terá uma leitura exatamente igual à do autor do texto, ou de outros leitores,
devido às particularidades de cada um, ou seja, é preciso atentar em
“reconhecer a pluralidade das leituras possíveis de um texto, em função das
disposições individuais, culturais e sociais de cada um dos leitores”
(CHARTIER, 2001: 100). Ao se referir às diferentes leituras possíveis, Chartier
escreve que mesmo diferenças sociais podem culminar em diferentes tipos de
leitores, assim como seu nível de alfabetização e sua capacidade de ler e
interpretar; problemas esses que não remetem apenas à sua posição social,
mas às particularidades individuais, do seu processo de aprendizagem, seus
interesses, dificuldades, entre outros aspectos.
Jean Marie Goulemot coloca que a prática de ler constitui-se
sempre em produção de sentidos. O autor defende que ler é uma situação de
comunicação, mas não significa que o leitor terá a mesma compreensão que o
autor supostamente pretendia que este tivesse. Em outras palavras, “ler é,
portanto, construir e não reconstruir um sentido” (GOULEMOT, 2001: 108).
Para Goulemot, o ato da leitura pode revelar uma certa polissemia do texto, ou
seja, revelar os vários sentidos diferentes presentes na leitura e interpretação
de um mesmo texto, lembrando-se que tais leituras (ou releituras) são distintas
e possuem influência do indivíduo que lê e do meio que este se encontra.
Goulemot defende que a leitura é influenciada, moldada, pelos valores da
sociedade, seus heróis e momentos, constituindo-se em uma diversidade de
códigos e narrativas.
5
Se por um lado, Goulemot defende o fato de que o texto tem
uma mensagem implícita e de certa forma destinada a um grupo que decifre a
mensagem (como coloca Chartier), por outro lado ele também evidencia a
pluralidade de interpretações que um mesmo texto pode ter dependendo do
tipo de leitor ou pela situação que um mesmo leitor entra em contato com o
texto em outras oportunidades, onde “a cada leitura, o que já foi lido muda de
sentido, torna-se outro” (GOULEMOT, 2001: 108).
Ao se analisar os textos produzidos por guerrilheiros são
importantes também buscar a sua singularidade, conforme Carlo Ginzburg
argumenta em “Mitos, Emblemas, Sinais”, é preciso apegar-se em pequenos
detalhes, indícios, que talvez possam revelar particularidades, aspectos de
determinados grupos ou mesmo da sociedade, como metáforas ou imagens
que identifiquem o grupo.
Na tentativa de aproximar a população às idéias e objetivos da
guerrilha, além de textos de caráter militante publicados pelas FARC-EP na sua
página on line e no seu periódico Resistencia1, são também publicados textos e
poemas escritos por guerrilheiros ou simpatizantes da guerrilha, numa tentativa
de mostrar o guerrilheiro como um ser humano, que, assim como a população
que este diz defender tem sentimentos e esperanças, afastando-se da imagem
construída pelo governo de que a guerrilha se constituiria por assassinos e
bandidos impiedosos. Os três textos analisados aqui buscam apagar essa
imagem “ruim” para os guerrilheiros.
Vários autores, entre eles Jean-François Sirinelli, argumentam
que a identidade de um grupo está na cultura que este produz e partilha, ou
seja, fazer parte de um grupo é partilhar uma mesma visão do seu passado e
também os mesmos sonhos ou expectativas para o seu futuro. Da mesma
maneira que ao se buscar legitimidade ou o poder (seja governantes ou grupos
opositores, como as guerrilhas) é preciso compreender a realidade da
população e adequar seu discurso às idéias de futuro que essa população (ou
grupo social) tem. Antoine Prost disserta sobre os meios de identificação entre
os indivíduos e o grupo a que pertencem, como por exemplo, a linguagem,
1 Respectivamente www.farcep.org e www.farcep.org/resistencia/internacional. Os dois endereços
contam com centenas de declarações e artigos escritos tanto pelo Estado Maior Central das FARC-EP
quanto por simpatizantes, historiadores e sociólogos entre outros sobre assuntos relacionados à guerrilha.
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códigos ou palavras utilizadas que podem ter um sentido mais específico (e de
certa forma particular) dentro do grupo, dando àquele que tem contato com
esses códigos e os identifica em textos ou em discussões orais a sensação de
pertencimento a determinado grupo.
Ao se pensar no caso colombiano, ao contrário do que coloca o
governo, as guerrilhas possuem apoio de certas instituições (como partidos e
movimentos de esquerda) e de parte da população, visto que sua idéia de luta
por justiça social e combate à corrupção continuam vivas devido à realidade de
abusos e violência contra a população que se encontra no país, quando ainda
nos dias atuais o discurso das guerrilhas ainda diz muito da realidade e das
esperanças dessa população, não se configurando, portanto, em uma cultura
política em contradição com a realidade e que, conseqüentemente, corra o
risco de deixar de existir.
Jean-François Sirinelli argumenta que pertencer a um mesmo
grupo é partilhar um mesmo conjunto de idéias, aceitando uma visão coletiva
de mesmo passado e as mesmas esperanças que constroem uma única noção
de futuro. Segundo o autor, cada grupo social tem uma idéia formada de seu
passado, e esta muitas vezes não reproduz fielmente os fatos ocorridos nesse
passado, pois essa nova leitura é de certo modo distorcida, alterada de acordo
com o que se passa no presente, assim como a concepção de um futuro ideal
a ser conquistado por esse grupo. Segundo Sirinelli, a visão que um grupo tem
do seu passado é essencial, pois é através dessa leitura (que já é parcial,
modificada ou manipulada para melhor adequar-se ao discurso presente e seus
objetivos) que a comunidade vive seu presente e molda a representação do
seu futuro, suas pretensões e esperanças. Nesse contexto, as representações
coletivas e os imaginários sociais misturam-se, tornando-se essenciais para a
análise e compreensão dos motivos pelos quais regimes ou determinadas
ações são legitimados ou não pela sociedade ou determinado grupo, desde
que tal análise seja devidamente reinserida no contexto histórico estudado para
melhor compreender o grupo.
Bronislaw Baczko analisa mais profundamente a idéia de
construção e manipulação dos imaginários sociais como determinantes para a
legitimação de um regime ou de um governante no poder. Baczko retoma o
discurso de Maquiavel em “O Príncipe” ao defender as ligações entre a
7
manutenção do poder e controle do imaginário, onde governar significa fazer
com que o povo acredite, veja aquele governante como legítimo, colocando a
idéia de que o que leva o homem (súditos, governados) a agir é “o coração”, ou
seja, suas paixões e desejos, cabendo a que detém o poder construir ou
modificar esse discurso e controlar seus governados através da manipulação
de seus desejos, símbolos e ilusões, em resumo “o poder deve apoderar-se do
controlo dos meios que formam e guiam a imaginação colectiva” (BACZKO,
1985: 302). Por outro lado, Baczko também dá ênfase ao imaginário social
construído pela população ou determinados grupos menores dentro dele, onde
os valores, desejos e objetivos colocados visam o bem-estar dessa população,
que também deve ser absorvido, compreendido, aceito pela sociedade para se
conseguir legitimidade e apoio para, por exemplo, a permanência de
determinado grupo no poder ou conseguir apoio para mudanças ou revoluções
propostas por outros grupos: “fazer a revolução implica necessariamente abrir-
se ao imaginário que ela produz, partilhar os mitos e as esperanças que dela
brotam, vive-la em um momento único em que tudo se torna possível”
(BACZKO, 1985: 302). Em outras palavras (e neste caso aplicando-se à
situação colombiana) mesmo grupos insurgentes como as FARC-EP
necessitam de apoio popular, legitimidade para suas ações, desenvolvendo um
discurso que evidencie as dificuldades que passa a população, construindo
uma imagem de futuro baseado nas idéias e esperanças desse povo. Para
Baczko, a permanência no poder e legitimidade frente a sociedade só se
consegue controlando o imaginário social, construindo um discurso que as
pessoas acreditem ser uma saída para as situações difíceis ou para se manter
o status quo. Portanto, todo poder deve impor-se como legítimo, mas para isso
precisa controlar (ou melhor, manipular) os sentimentos da sua população,
assim como atribuir ao seu discurso elementos que passem a idéia (ou a
ilusão) de que os detentores do poder governam baseados nas necessidades e
interesses dessa população, incorporando a esse mesmo discurso suas
relações simbólicas e seus ideais de futuro e vida melhor.
A Produção Cultural dos Guerrilheiros
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O discurso da guerrilha busca desenvolve-la culturalmente,
para que seus homens saibam os motivos pelos quais lutam e assim poder
conversar e convencer a população de que a guerrilha luta pelo bem da
Colômbia como um todo, buscando um futuro melhor para todos. Tal ênfase na
cultura pode ser notada em vários textos escritos por guerrilheiros e/ou
simpatizantes sobre o assunto e o apoio dado a essa iniciativa2, inclusive nas
capas do periódico Resistência que são, na sua maioria, fotos ou imagens
pintadas por integrantes da guerrilha.
Os três textos analisados aqui buscam aproximar a guerrilha da
população, mostrando que os guerrilheiros também têm sentimentos, sofrem, e
lutam para que a violência não seja mais um fato cotidiano dos colombianos.
Entre os textos publicados na página on line da guerrilha e no periódico
Resistencia, “Casa Verde” é o que mais chama a atenção, devido à
peculiaridade do momento desse ataque para as FARC-EP e à grande
quantidade de símbolos utilizados, tentando identificar e tocar o grupo através
da linguagem (ou dos códigos) utilizados. Segue-se dois poemas que parece
ter como público alvo a população colombiana, mostrando a indignação e
esperança dos guerrilheiros (adequando seu discurso aos sentimentos da
população) em um futuro melhor em “Colombia Entera” de Fernando Orti e o
sofrimento em se lutar, exaltando a liberdade em “Yo te Nombro” de Paul
Eluard. Embora não se tenha mais detalhes sobre esses autores, pressupõe-se
que também sejam guerrilheiros, visto que os textos enviados por poetas,
artistas e simpatizantes da guerrilha são identificados como sendo textos
enviados por amigos das FARC-EP. Vale lembrar que muitos desses autores
preferem deixar textos anônimos ou usar heterônimos temendo perseguições,
mas as publicações indicam se foi escrito por um guerrilheiro ou por um
“amigo”.
Nesse contexto de construção de imagens para a população e
a criação de imaginários sociais que coloquem essa população do lado da
guerrilha, a produção cultural dos guerrilheiros mostra-se como mais uma
importante arma. Mais do que documentos oficiais do Estado Maior Central,
2 Alguns textos que relatam o cotidiano dos guerrilheiros fazem menção à “Hora Cultural”, que seria uma
reunião obrigatória para todos os guerrilheiros para que estes possam estar sempre em contanto com
músicas, poemas, textos e pinturas, entre outros.
9
discursos ou comunicados à população, a produção cultural parece aproximar
mais a população com o guerrilheiro, produção essa que expressa seus
sentimentos, sonhos e dá relatos da sua realidade. Essa produção, que busca
um lado mais humano, abrange músicas, assim como textos ou poemas, que
tratam desde idéias e exemplos de luta, o cotidiano no acampamento, a visão
do guerrilheiro sobre determinados assuntos como a violência ou mesmo o
narcotráfico, além de outros temas, mas sempre respaldado por sentimentos
humanos, como tristeza, indignação e esperança3.
Um dos textos mais importantes escrito por um guerrilheiro
anônimo narra o ataque ao acampamento de Casa Verde em 1990, buscando
mostrar alguns aspectos dos homens que tiveram que defender o
acampamento. O episódio do ataque a Casa Verde possui grande significado
entre os guerrilheiros, transmitindo tanto um exemplo de luta, de bravura,
colocando o guerrilheiro como alguém que também sofre com a perda de
pessoas queridas. Simbolicamente, esse episódio também é considerado uma
repetição do ataque ao acampamento de Marquetalia em 1964 (o mito
fundacional do grupo), visto que mais uma vez o governo teria lançado um
ataque maciço contra a guerrilha em um período de trégua. Vale lembrar que
em 10 de agosto de 1990 morreu, vítima de um ataque do coração, o
comandante Jacobo Arenas, visto como um grande líder entre os guerrilheiros,
devido a várias de suas ações e reformas propostas para a constituição de um
guerrilheiro mais consciente, aproximando-se em muitos casos de uma figura
paternalista, por prezar certos valores entre os integrantes da guerrilha. Devido
ao seu carisma, sua morte teria sido um grande impacto entre os guerrilheiros.
A ofensiva final contra Casa Verde teria ocorrido em 9 de dezembro do mesmo
ano.
O texto intitulado “Casa Verde”4, que tem o mesmo nome do
acampamento atacado, procura mostrar que o ocorrido em Casa Verde deve
ser encarado como um exemplo de resistência para os guerrilheiros, que
devem sempre se espelhar e lembrar da bravura dos combatentes e a
crueldade dos militares em efetuarem um ataque tão violento e repentino. O
3 Tais textos e poemas podem ser encontrados facilmente na página eletrônica das FARC-EP no endereço
www.farcep.org/cultura, e outros na versão on line do periódico do grupo, chamado Resistencia no
endereço www.farcep.org/resistencia/internacional/. 4 Disponível em www.farcep.org/cultura/cuentos/casaverde.php
10
Estado Maior Central das FARC-EP consideram em vários de seus
documentos o ataque como uma traição, visto o contexto do processo de
pacificação de 1990, com a entrega das armas de vários outros grupos
guerrilheiros e um acordo de cessar-fogo entre o governo e as FARC-EP. Em
certos trechos do texto, pode-se notar a ênfase dada à bravura dos que
resistiram e à importância da imagem de Arenas para os combatentes:
Los pájaros, aunque acostumbrados a la magia, no entendían por
qué el Comandante Jacobo Arenas se había ido para estar por
siempre. La muerte acobardada lo sorprendió con su arma favorita:
un libro. Algunos dicen que desde el libro le sonrió; otros cuentan que
la muerte se sintió inútil: hay sonrisas que jamás se van. Ese diez de
agosto eran todos los días.
Esse trecho mostra o quanto os guerrilheiros (representados
por pássaros) teriam sentido a perda de seu comandante, engrandecendo a
sua imagem de homem culto, tendo como arma favorita um livro, e até mesmo
a morte teria hesitado em levá-lo. Arenas prezava por um guerrilheiro
alfabetizado e consciente do seu papel social. O trecho procura mostrar que a
imagem de um comandante sempre sorridente permanecia entre os
guerrilheiros nos dias seguintes e seu exemplo de vida, que deveria ser sempre
lembrado e seguido. Arenas também defendia que o sorriso, a cordialidade era
uma arma do guerrilheiro para conquistar a população que entra em contato
com os ideais da guerrilha. No trecho seguinte é possível ver a imagem da
bravura das pessoas que teriam defendido o acampamento:
Casa Verde nos previno; volaban halcones tapando el sol; el
bombardeo sorpresivo, traicionero, levantó la rabia del tigre; con
rugidos imposibles balaceaba a los helicópteros "black hawk".
Colaboramos con esa rabia y nueve dejaron de volar.
Um símbolo interessante utilizado nessa passagem é o de
falcões tapando o Sol, como se fosse uma espécie de aviso, ou presságio
(figura muito presente nas culturas indígenas americanas, principalmente
11
Astecas e Incas), mas também remetendo aos modelos dos helicópteros
utilizados no ataque (Black Hawk) e pode ser visto com a imagem de dezenas
de helicópteros sobrevoando o acampamento, fazendo sombra. O tigre, com
sua fúria pode significar a força da guerrilha que estava adormecida (já que se
tratava de um período de cessar-fogo entre ambas as partes) e sua reação
contra um ataque considerado covarde, ou mesmo a incompreensão e revolta
da natureza com tal ofensiva. Colocar as forças da natureza ao seu favor é
também uma maneira de se convencer a população de que o lado mais justo é
o da guerrilha, visto que o governo estaria cedendo aos interesses de um
inimigo externo, como mostra a seqüência do texto:
Seis mil militares avanzaban con la tarea de borrar Casa Verde.
Habían cambiado de idioma: sus patrones ordenaban: "Kill, fucking
bastards, kill". Una bala de Susana terminó con la voz nacida en
Texas. -¿A qué vienen aquí?- se preguntó un pájaro.
Essa passagem busca denunciar o envolvimento dos Estados
Unidos em financiar o governo colombiano na sua luta contra as guerrilhas,
assim como a maior presença de oficiais norte-americanos nos postos de
comando do exército colombiano. A crítica que se faz é a de um exército que
muda seus patrões, ou seja, obedece a ordens de outro país, criticando o que
seria uma perda de soberania por parte do governo colombiano, entregando o
controle do país a um inimigo. Até mesmo o uso da palavra “patrões” ao invés
de “comandantes” passa uma imagem pejorativa do Exército, que parece agir
como grupos contratados, ou mesmo mercenários, lutando por dinheiro contra
as pessoas que representariam a resistência (e, para eles a vontade) do povo.
O trecho tem como contexto o estabelecimento do Plano Colômbia em 1991,
um acordo em que os Estados Unidos liberaria verbas para a luta contra o
narcotráfico na Colômbia, mas o dinheiro (e inclusive ajuda militar) estava
sendo empregado para eliminar os focos guerrilheiros, visto pelo governo como
um mal maior do que os cartéis de droga. Outro fator importante é a presença
de mulheres defendendo o local, e a incompreensão de um dos guerrilheiros
com o ataque, mais uma vez trazendo a imagem de um ataque infundado. Vale
notar também a imagem de tranqüilidade dada ao local antes do ataque e a
12
surpresa das pessoas que ali estavam, representados por pássaros, ao que
estava ocorrendo.
É interessante lembrar que a denominação pájaros era dada a
grupos armados e exércitos particulares nas décadas de 60 e 70 (por se
constituir em bandos), tornando-se sinônimo de guerrilheiros somente nas
décadas seguintes, quando os paramilitares passaram a ser denominados por
eles de galináceos (gallinazos). Tal diferenciação pode ser interpretada no
sentido de que o pássaro (o guerrilheiro) torna-se símbolo de liberdade, voando
mais alto, vendo o mundo de uma maneira mais ampla, global e “verdadeira”,
enquanto os galináceos (paramilitares), sinônimo de aves condicionadas, que
não voam alto, portanto têm uma visão mais parcial do mundo, seguindo as
ordens de seus patrões sem contestar ou pensar sobre o que estariam
fazendo.
O último parágrafo também dá ênfase à idéia de que os
guerrilheiros estariam lutando pelo bem do país e mesmo a morte de seu
Comandante não cessaria seu trabalho e luta: “Casa Verde es Colombia.
¿Quién puede matar ese corazón?- Y puedo jurar que vi la sonrisa del
Comandante Jacobo Arenas.” Tal trecho parece passar a idéia de que Arenas,
se estivesse vivo, aprovaria e se orgulharia da resistência do grupo, além da
simbologia da palavra coração, lembrando a perda do líder por ataque cardíaco
e ressaltando a idéia de um sentimento mais forte, como amor pelo seu país,
colocando a agressão à Casa Verde como uma agressão a todo o povo e seus
ideais.
Esses simbolismos, que muitas vezes podem passar
despercebidos, servem para transmitir à população as idéias da guerrilha.
Certamente um camponês mais humilde possa não identificar sozinho esses
elementos, mas a cultura popular, a convivência com outras pessoas que
conhecem tal texto, seja por via escrita ou oral, desperta no imaginário dessas
pessoas tais mensagens. Vale lembrar que nesses os poemas não devem ser
interpretados somente pelo que está escrito, mas sim pelo que essas pessoas
sentem ao ler e identificar determinados símbolos ou aspectos da sua cultura,
dando ao texto um significado mais amplo, permitindo que a mensagem seja
absorvida e interpretada inclusive por aqueles que não tem acesso ao texto
escrito, mas o conhece oralmente. “Casa Verde” parece ter sido escrito mais
13
especificamente para motivar os guerrilheiros e recordar-lhes de seus valores,
mas nada impede que a população também o interprete e tenha um contato
maior, interpretativo com o texto. A presença de guerrilheiros entre essa
população em suas missões de conscientização também é uma forma de
mostrar para essas pessoas que não se trata de uma história simples,
inocente, mas uma mensagem que deve ser interpretada por quem escuta tal
narrativa, aproximando ainda mais a guerrilha da população, seus medos e
anseios.
A idéia de insatisfação e necessidade de luta por um futuro
melhor também pode ser vista em um outro poema chamado Colombia Entera,
assinado por Fernando Orti, publicado na 18ª edição do periódico Resistencia5,
que utiliza uma linguagem mais coloquial, popular, além de versos curtos que
facilitam a memorização. A imagem da dura realidade que se queixa o autor e
toda a população colombiana pode ser encontrada logo na primeira estrofe:
Tus hombres y mujeres
Presencian la injusticia
La vida vale poco
dentro de tus fronteras
Nesses versos fica clara a idéia de que a violência extrema
presente há décadas no país parece ter acabado com certos valores como
justiça (principalmente social), além da banalização da vida, pois a violência, já
cotidiana, parece ter imposto tantos as centenas de assassinatos e as mortes
por motivos banais como algo comum para essas pessoas. Na segunda
estrofe, o autor já chama a população para que esta mostre sua insatisfação e
com a violência e sofrimento cotidianos, buscando um outro caminho a ser
seguido:
Grita Colombia entera
5 Disponível em www.farcep.org/resistencia/internacional/18/Sentimiento_de_Solidaridad.htm
14
Por um futuro humano
Que acabe el genocídio
De todos tus hermanos
Esses quatro versos demonstram claramente a insatisfação
com a violência que sofre a população, aparecendo mais uma vez a idéia de
mobilização por um futuro melhor, por uma outra realidade, construindo já um
discurso que mostre que este futuro é possível, mas é preciso acreditar e lutar
por ele:
Y así comiecen a brillar
De nuevo sus colores
Los pájaros, las flores
Borrar la realidad.
Nesses versos, mais uma vez surge a analogia entre os
pássaros e a guerrilha, como agentes que ajudariam a modificar e apagar a
realidade violenta do país, mesmo nesse trecho isolado o termo parece não
remeter ao pássaro como guerrilheiro, sua presença pode configurar em uma
espécie de código, que identifique a idéia de associação entre o futuro
promissor e a guerrilha (o verso poderia ser mais abrangente, como “los
animales, las flores”, mas o autor deu preferência à palavra “pájaros” pelo seu
duplo sentido no contexto). As flores também podem passar a mensagem de
ternura presente nas pessoas de bem, trazendo novamente o brilho de suas
cores, podendo significar uma vida mais alegre, sem violência e preocupação
para o povo que lê e interpreta esse texto. Na quarta estrofe ainda há uma
crítica à intervenção norte-americana e a política oligarca, que só pioram a
situação do país:
Interés extranjero
Junto a las amenazas
Corrompen a tu pueblo
mutilan esperanzas.
15
Nesse trecho o autor parece resumir bem o discurso
empregado por vários movimentos de esquerda no país, inclusive as FARC-
EP, que alegam que os interesses norte-americanos não se importam com o
povo, e somente os corruptos se sujeitariam a tais interesses, como o próprio
autor coloca, mutilando esperanças, ou seja, não melhorando em nada as
condições de vida da sua população, não se importando com suas
necessidades e não lhes dando condições para uma vida melhor. Finalmente,
na quinta estrofe, tem-se mais uma vez a imagem da esperança em um futuro
melhor, que pode ser alcançado no tão esperado dia da vitória final:
Cuando llegara el día
De que este mundo cambie
De hundir al poderoso
Y que seamos iguales.
Mais uma vez a idéia de que somente a mudança traria uma
vida melhor para a população, onde essa mudança significaria a não
submissão ao mais forte (como os interesses de grandes empresários, e dos
Estados Unidos), enaltecendo a vontade de igualdade, que para a guerrilha e o
povo colombiano é uma vida mais justa, segura e menos miserável. Igualdade
nesse contexto pode significar, por exemplo, uma lei que se cumpra, onde os
responsáveis pagam pelos seus crimes, e a população não precise mais viver
com medo de ameaças e da violência.
Esse poema de Fernando Orti possui uma linguagem simples,
sem muitas complicações e termos específicos que possam remeter a outras
idéias ou interpretações. Tal produção visa não só a fácil compreensão mesmo
pelas pessoas mais simples e menos alfabetizadas, mas também seus versos
curtos e rimas podem ser mais facilmente lembrados e memorizados por quem
os lê ou escuta. O objetivo desses textos sempre é atingir a população e fazer
com que ela pense, se coloque ao lado da guerrilha, e uma linguagem simples
e direta contribui para que essas palavras cheguem mesmo a analfabetos ou
pessoas que não leram esses versos. Ao contrário de “Casa Verde”, que tem
uma carga emotiva maior e vários símbolos da guerrilha presentes, o público
alvo de Orti parece ser a população colombiana, e não os guerrilheiros.
16
Um terceiro texto é o poema Yo te Nombro assinado por Paul
Eluard6, que pode ser encontrado na página on line da guerrilha. A exemplo do
poema de Fernando Orti, esse texto também possui uma linguagem simples,
compreensível para a maioria das pessoas, porém contém algumas idéias nas
entrelinhas que são notadas com uma leitura mais atenciosa, mais uma vez
contendo os códigos que identificam a guerrilha e os aproxima da população. A
idéia central do texto é mostrar que o a guerrilha luta pela liberdade do povo.
Ao fim de cada estrofe, encontra-se um verso isolado que se repete em todo o
poema (“Yo te nombro... Libertad!”), que enfatiza a idéia de que todas as
dificuldades enfrentadas, a violência, enfim, a luta da guerrilha é pela liberdade,
que por estar escrita com letra maiúscula e o ponto de exclamação, pode
passar a impressão que a liberdade alcançada é um sonho maior, mais forte,
uma idéia que mereça ser pronunciada com letra maiúscula, como um nome
próprio, e com a devida emoção, tão presente entre aqueles que lutam por ela.
A primeira estrofe remete à violência que o Estado impõe à população e à
guerrilha:
Por el pájaro enjaulado
por el pez en la pecera
por mi amigo que está preso
porque ha dicho lo que piensa
por las flores arrancadas
por la yerba pisoteada
por los árboles podados
por los cuerpos torturados
Yo te nombro... Libertad!
Logo no primeiro verso já aparece a analogia entre pássaros e
guerrilheiros, onde nos parece que a idéia que se busca passar é a dos
guerrilheiros que são presos pela polícia nacional e pelo exército. É importante
também notar o sentido pejorativo do termo enjaulado, remetendo à idéia que
estão sendo tratados como animais, assim como os peixes no aquário,
6 Disponível em www.farcep.org/cultura/cuentos/tenombro.php
17
igualmente prisioneiros e vivendo em um ambiente limitado, de falsa liberdade,
que é evidenciada em outros versos. A imagem da censura como agressão
também aparece no terceiro e quarto versos, representada pelo amigo que está
preso por dizer o que pensa. Nos versos seguintes, mais uma vez a idéia de
agressão e de certa forma limitação de ações, onde as flores arrancadas,
grama pisoteada e árvores podadas remetem à censura não permitindo a
propagação, desenvolvimento (ou florescimento) de novas idéias, que no
contexto configuram-se nas idéias de justiça e liberdade que a guerrilha prega.
No último verso, a agressão física, os corpos torturados, a violência do
governo. Finalmente, o verso isolado, enfatizando que a guerrilha luta em
busca da liberdade para acabar com todos esses problemas que a população
enfrenta. Na segunda estrofe, está mais presente o sentimento de sofrimento e
revolta dessas pessoas:
Por los dientes apretados
por la rabia contenida
por el nudo en la garganta
por las bocas que no cantan
por el beso clandestino
por el verso censurado
por el joven exiliado
por los nombres prohibidos
Yo te nombro... Libertad!
Nesses versos o autor busca o sentimento popular, a revolta, a
raiva contida pela incapacidade de muitos de presenciar agressões, abusos e
não poder fazer nada a respeito. Vale lembrar nesse caso a pressão sofrida
principalmente pela população rural que apóia a guerrilha, onde a simples
desconfiança desse apoio aos ideais e ações guerrilheiras pode culminar em
torturas e assassinatos por parte de grupos paramilitares. As bocas que não
cantam, ou o verso censurado podem dar mais ênfase a essa idéia de censura
e repressão, assim como a imagem do beijo clandestino, que pode significar a
necessidade de segredo da ligação entre essas pessoas e a guerrilha para sua
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própria segurança, e os nomes proibidos, ou seja, assuntos que devem ser
evitados por se relacionar à guerrilha e conseqüentemente aqueles que os
pronunciam poderiam ser perseguidos por se envolver com a guerrilha. A
terceira estrofe continua a mostrar essa imagem de clandestinidade por parte
dos que lutam pela liberdade:
Te nombro en nombre de todos
por tu nombre verdadero
te nombro y cuando oscurece
cuando nadie me ve
escribo tu nombre
en las paredes de mi ciudad
escribo tu nombre
en las paredes de mi ciudad
tu nombre verdadero
tu nombre y otros nombres,
que no nombro, por temor.
Vale lembrar que o termo nombro, além de nomear, pode
significar citar ou mencionar, portanto pode-se interpretar o primeiro verso
dessa estrofe como “te menciono (ou falo de você) em nome de todos”. O
caráter da clandestinidade, da luta por uma idéia, mesmo que proibida ou
perseguida está mais presente nesses versos. O primeiro verso mostra que a
luta é por todos, pela população. Os próximos versos evidenciam a
perseguição e a necessidade de propagar as idéias de liberdade, onde
“escrever seu nome verdadeiro” (Liberdade) nas paredes da cidade mostra a
insatisfação e a impressão de que é preciso propagar tais idéias, evidenciando
sua insatisfação com a situação atual e de certa forma, mostrar para aqueles
que tem medo da violência de que é possível lutar e resistir. Esses outros
nomes que o autor diz não citar por temor podem remeter a palavras e idéias
como revolução, justiça, entre outros. Essa estrofe configura-se na idéia central
do poema e não é por acaso que é repetida no fim do poema, para que seja
mais marcante para os que lêem esses versos. A quarta estrofe além de citar a
violência, tenta passar a mensagem de que se luta pela liberdade de todos,
mesmo aqueles que tem medo de lutar:
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Por la idea perseguida
por los golpes recibidos
por aquél que no resiste
por aquellos que se esconden
por el miedo que te tienen
por tus pasos que vigilan
por la forma en que te atacan
por los hijos que te matan
Mais uma vez evidencia-se a violência aplicada contra a
população em geral, inclusive aqueles que apóiam a guerrilha ou almejam um
futuro melhor. Ao ler ou ouvir tais versos, certamente a população os assimila à
sua realidade, seja por conhecer alguém que lutou e foi morto pelos
paramilitares, seja pelo medo que sentem das reações do exército ou polícia
nacional que muitas vezes investigam e vigiam a vida de certas pessoas
quando essas são suspeitas de envolvimento com a guerrilha, ou
simplesmente pela violência que essa população sofre desses grupos. O último
verso busca atingir os pais, que perderam seus filhos, seja por apoiar a
guerrilha, seja por levantar a voz para um paramilitar ou simplesmente
assassinado por diversão destes, o que infelizmente acontece em muitas áreas
do país em conflito ou sob controle do exército, paramilitares ou mesmo das
guerrilhas, porém, em seus textos, certamente a guerrilha vai associar todas as
mortes ocorridas ao inimigo. Finalmente, a penúltima estrofe resgata a imagem
das injustiças cometidas:
Por las tierras invadidas
por los pueblos conquistados
por la gente sometida
por los hombres explotados
por los muertos en la hoguera
por el justo ajusticiado
por el héroe asesinado
por los fuegos apagados
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Os primeiros versos dessa estrofe remetem aos abusos e
violência ocorridos no campo desde o período de La Violencia (1948-1954) e
que ainda ocorre nos dias atuais, com pequenos proprietários tendo suas terras
invadidas e tomadas por grandes proprietários, que nas últimas décadas virou
costume entre os “barões da droga” para conseguir mais terras e mão-de-obra
barata, pra não dizer semi-escravizada para trabalhar no cultivo da coca e
refino da cocaína. Os versos seguintes falam da injustiça que essas pessoas
sofrem, onde os mortos na fogueira podem significar tanto a tortura que muitos
desses homens sofrem, quando aqueles condenados e mortos cruelmente por
acuações falsas. O herói assassinado pode remeter a Jorge Eliécer Gaitán, o
carismático líder político e defensor do povo, assassinado em 1948 pela
oligarquia colombiana, mas também pode significar todos aqueles que deram
exemplo de luta e acabaram mortos pelos inimigos, seja pelo governo ou pelos
traficantes. Os fogos apagados podem ser vistos como uma analogia às vidas
que se dissipam, ou aqueles que perderam suas vidas pelos abusos ou
violência desses homens.
O poema termina, como já foi dito, com a repetição da terceira
estrofe, mostrando a importância de se continuar acreditando e lutando,
mesmo na clandestinidade. A idéia desses versos é enaltecer a luta da
guerrilha pelo propagado futuro melhor para todos, defendendo que se luta
contra os abusos, injustiças e violência impostos pelo governo, buscando um
bem maior, a liberdade para todos. A idéia de liberdade que aparece nesses e
outros textos remete à liberdade de ir e vir, liberdade de pensamento e idéias,
onde um futuro livre significa para eles um futuro sem violência, medo, abusos,
assassinatos e uma vida mais humana.
Considerações Finais
Desde o período de La Violencia e a formação das primeiras
guerrilhas na Colômbia a partir da década de 1950, a violência parece estar
sempre presente no cotidiano das pessoas. Apesar dos discursos do governo
em defender a população das guerrilhas (que para eles seriam formadas por
assassinos e criminosos da pior espécie), do governo norte-americano (em
combater uma suposta narco-guerrilha para assim livrar o mundo todo desse
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mal), e das guerrilhas (que dizem lutar pelos seus ideais e por uma Colômbia
mais justa), o que se pode constatar é que a população (principalmente nas
áreas próximas a conflitos) se vê desnorteada, sofrendo abusos de todos os
lados, sem saber ao certo em quem acreditar ou quem apoiar, tendo
consciência que o apoio a um dos lados resultará em retaliações dos outros
lados. Como defendem vários dos autores citados como Sirinelli e Baczko, todo
grupo social precisa de apoio popular, e este só é conseguido através da
adequação do seu discurso às necessidades e anseios do grupo que se busca
apoio (no caso Colombiano, a população civil) para poder se manter ou
alcançar o poder ou qualquer outro objetivo, em outras palavras, conseguir
apoio popular para que esta população veja seus atos como lícitos.
Nesse sentido, a situação colombiana se coloca como bastante
complexa, na medida em que a disputa no país não abrange a disputa de dois
lados antagônicos, mas os interesses de vários outros grupos que almejam
alcançar maior representatividade, poder ou seus interesses. Resumidamente,
as diferentes forças que atuam no país são: as classes dirigentes do país, que
procuram manter seu status quo de uma política oligarca, colocando as
guerrilhas e os traficantes como sendo uma única coisa, visando apoio militar e
financeiro de uma segunda força, os Estados Unidos, que buscam manter sua
presença militar na América Latina com o pretexto de estar combatendo o
narcotráfico mundial. Nesse caso, a associação da guerrilha ao narcotráfico
mostra-se vantajosa, pois o governo colombiano tem apoio e dinheiro para
combater o que realmente lhe incomoda e pode oferecer perigo: as guerrilhas.
Um terceiro grupo, já citado, é dos narcotraficantes ou barões da droga, que
sofrem extorsão de vários grupos guerrilheiros, dizimando-os para manter o
controle sobre a população local subempregada no cultivo da coca e refino da
cocaína, buscando apoio do governo por combater a guerrilha, visando um
certo “relaxamento” no combate ao tráfico. Um quarto grupo configura-se em
exércitos particulares e paramilitares, que fazem o “trabalho sujo” do exército
regular, assassinando povoados inteiros e também combatendo as guerrilhas.
Finalmente, os grupos guerrilheiros, que buscam - cada um ao seu modo –
alcançar seus objetivos, alegando que lutam para defender essa população e
garantir seus direitos. O fato é que, em muitos casos, as FARC-EP acabam
sendo responsabilizadas por atos de outros grupos como os radicais do extinto
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M-19 (que depôs suas armas em 1990), ou mesmo do rival Ejército de
Liberación Nacional (ELN), além de vários outros grupos guerrilheiros
espalhados pelo país (o que não absolve as FARC-EP de efetuar ataques
contra grupos rivais ou pessoas que os apoiariam). E como já foi dito, a
população civil fica no meio dessas disputas, sem saber a que lado recorrer.
Nesse aspecto, os textos produzidos pelos próprios
guerrilheiros das FARC-EP pretendem mostrar para essa população que o
guerrilheiro não é um traficante, assassino e impiedoso como é taxado pelos
grupos rivais, mas tem sentimentos, esperanças e sonhos de uma Colômbia
mais justa, sem se esquecer de que esses também são as esperanças da
população colombiana. A presença de textos carregados de emoção seja amor
ou revolta e mesmo simbologias identificam ainda mais a população ao grupo,
como se partilhassem de um mesmo ideal, de um mesmo objetivo. Essa
imagem mais humanizada do guerrilheiro é mais uma arma para se conseguir o
apoio popular frente os inimigos da guerrilha.
Portanto, mesmo que seja um discurso idealizado, como a
princípio, todos são por ter que se adequar à realidade e anseios de uma
população que se pretende ter apoio ou legitimidade. O trabalho das FARC-EP
em identificar e aproximar o guerrilheiro do povo mostra-se como uma
poderosa arma no contexto em que se insere, onde a disputa ideológica é
intensa e o imaginário popular é um campo importante a ser conquistado, pois
é onde é possível criar heróis, monstros, e principalmente destruir (ou
deformar) a imagem dos grupos rivais. Retomando Baczko, nenhum grupo se
mantém no poder sem o controle do imaginário social, ou seja, sem que sua
população veja seus atos como legítimos.
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