AS EMPRESAS MILITARES PRIVADAS: UMA VISÃO DE SUA ... · Estados-membros contratando as EMP em nome...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS
DEPARTAMENTO DE ECONOMIA
CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
AS EMPRESAS MILITARES PRIVADAS: UMA VISÃO
DE SUA ATUAÇÃO NO CENÁRIO INTERNACIONAL
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
GABRIEL CORRÊA VASCONCELOS FONTES PEREIRA
Santa Maria, RS, Brasil
2014
AS EMPRESAS MILITARES PRIVADAS: UMA VISÃO
DE SUA ATUAÇÃO NO CENÁRIO INTERNACIONAL
Gabriel Corrêa Vasconcelos Fontes Pereira
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação de
Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria, como requisito
parcial para a obtenção de grau de Bacharel em Relações Internacionais.
Orientador: Igor Castellano da Silva
Santa Maria, RS, Brasil
2014
Universidade Federal de Santa Maria
Centro de Ciências Sociais e Humanas
Curso de Graduação
Bacharelado em Relações Internacionais
AS EMPRESAS MILITARES PRIVADAS: UMA VISÃO DE SUA
ATUAÇÃO NO CENÁRIO INTERNACIONAL.
Elaborado por
Gabriel Corrêa Vasconcelos Fontes Pereira
como requisito parcial para a obtenção do grau de
Bacharel em Relações Internacionais
COMISSÃO EXAMINADORA:
Igor Castellano da Silva
José Renato Silveira
Danielle Jacon Ayres Pinto
Santa Maria, 09 dezembro de 2014.
DEDICATÓRIA
Em memória a Leopoldo Ayres de Vasconcelos. (21/12/1932* - 14/09/2014†)
AGREDECIMENTOS
Ao meu orientador, a minha família pelo apoio incondicional dado na minha
graduação, a minha namorada pela paciência e para todos aqueles que contribuíram para
minha formação como caráter, em especial ao meu avô Leopoldo.
RESUMO
AS EMPRESAS MILITARES PRIVADAS: SUAS FORMAS DE
ATUAÇÃO NO CENÁRIO INTERNACIONAL.
AUTOR: GABRIEL CORRÊA VASCONCELOS FONTES PEREIRA
ORIENTADOR: PROFESSOR MESTRE IGOR CASTELLANO DA SILVA
Santa Maria, 09 de dezembro de 2014
O estudo terá como tema principal as Empresas Militares Privadas, entendendp como elas
atuam no cenário internacional e traçar quais são os principais benefícios e malefícios
percebidos na usa utilização. Para compreender esse fenômeno, é necessário entender o
surgimento dessas empresas no final da Guerra Fria como características únicas criaram um
novo mercado de segurança privada. As hipóteses principais do estudo são: (1) As Empresas
Militares Privadas atuam tanto em conflitos armados conflagrados quanto em processos de
resolução de conflitos. Na primeira situação, as EMPs podem ter uma participação tanto direta
como indireta. No apoio a processos de resolução de conflitos, as EMPs prestam serviços
secundários em missões de manutenção de paz como também tem uma participam de
processos de Reforma do Setor de Segurança (RSS). (2) O balanço dos benefícios e
malefícios está relacionado não apenas com os riscos que cada ator possui ao contratar as
EMPs, mas também com os impactos na sociedade em que elas atuarão. Os pontos positivos
podem ser destacados como a redução dos dispêndios militares no curto prazo, a mobilização
rápida para o cumprimento dos serviços e a prestação de serviços especializados. Aos pontos
negativos encontram-se a falta de controle que os contratantes têm sobre os contractors; a
dependência do Estado nas EMPs; e o peso político e social que abusos aos direitos humanos
por parte de funcionários das EMPs podem causar aos contratantes e a sociedade no seu local
de atuação. Uma atuação mais sustentável para a atuação de EMPs parece ocorrer em
processos de resolução de conflitos que não envolve emprego de força direto, mas a
construção de capacidades, como no caso da Reforma do Setor de Segurança.
Palavras-chave: Empresas Militares Privadas; Conflitos armados; Resolução de Conflitos.
ABSTRACT
The study will have as the main theme the Private Military Companies, trying to understand
their effect on the international scene and trace what are the main benefits and disadvantages
perceived in their use. To understand this phenomenon, it’s necessary to understand the
emergence of these companies at the end of the Cold War as unique features created a new
private security market. The main hypothesis of the study are: (1) The Private Military
Companies act both in armed conflict and in conflict resolution processes. In the first
situation, the PMCs may have an interest either directly or indirectly. In supporting the
processes of conflict resolution, the PMCs provide secondary services in peacekeeping
missions but also has a part in the Security Sector Reform process (SSR). (2) The balance of
benefits and harms associated not only with the risks that each actor has to hire PMCs, but
also the impacts on the society in which they will work. The strengths can be highlighted as
the reduction of military expenditures in the short term, the rapid mobilization for the
performance of services and the provision of specialized services. The negative points are the
lack of control that contractors have on contractors; the dependence of the state in PMCs and
the political and social impact that human rights abuses by officials of PMCs may cause to
contractors and society as a place of work. A more sustainable performance to the
performance of PMCs seems to occur in conflict resolution processes that do not involve
direct use of force, but capacity building, as in the case of Security Sector Reform.
Key words: Private Military Companies; Armed conflicts ; Resolving conflicts
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Imagem 1 – Operações da Executive Outcomes em Serra Leoa (1995-1997)
Figura 1 – Estratificação de Empresas Militares e Segurança por Nikolaos Tzifakis
Figura 2 – Número de contractors pelo número de tropas norte-americanas no Iraque (2007-
2011)
Figura 3 – Número de contractors por serviço no Iraque (2008-2011)
Figura 4 – Origem das Empresas Militares Privadas por país
Figura 5 – Histórico dos fundadores das EMPs
Figura 6 – Capacidades Dominantes das Empresas Militares Privadas (Baseado na
classificação de Avant)
Figura 7 – Relação Proximidade com a Capital (50 milhas) com a Receita Total das EMPs
(2006)
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................. 11
1. HISTÓRIA DA ASCENSÃO DAS EMPRESAS MILITARES
PRIVADAS: NOVOS ATORES, NOVOS CONTRATOS ........................... 15
1.1 Definição de mercenário e Empresas Militares Privadas (EMP) – suas principais
diferenças. ............................................................................................................................ 15
Mercenários ....................................................................................................................... 16
Empresas Militares Privadas ............................................................................................. 18
Diferenças entre Mercenários e Empresas Militares Privadas .......................................... 20
História dos mercenários. .................................................................................................. 21
1.2 Situação no pós-guerra fria – ambiente de expansão das EMPs. ............................. 23
Conclusão do capítulo ....................................................................................................... 25
2. AS EMPRESAS MILITARES PRIVADAS EM AÇÃO ........................... 26
2.1 Envolvimento direto nas operações de combate. ....................................................... 27
Executive Outcomes expulsa rebeldes de Angola e Serra Leoa ....................................... 27
O caso angolano a Executive Outcomes entra no mercado .............................................. 27
Serra Leoa, guerra dos “diamantes de sangue”, Executive Outcomes mostra sua
capacidade de combate ...................................................................................................... 28
2.2 Empresas Militares Privadas e seu envolvimento indireto nas ações de combate. . 31
Guerra do Iraque................................................................................................................ 31
Do ambiente favorável ao boom da indústria. ................................................................... 31
As Empresas Militares Privadas no Iraque e seus serviços ............................................... 32
Serviços de Segurança ....................................................................................................... 33
Serviços de apoio ao combate. .......................................................................................... 35
2.3 Envolvimento em missões de paz da ONU. ................................................................. 37
Estados-membros contratando as EMP em nome da ONU............................................... 38
Missões de paz .................................................................................................................. 38
2.4 Empresas Militares Privadas como atores na Reforma do Setor de Segurança. .... 40
Conclusão do capítulo ....................................................................................................... 43
3. PRINCIPAIS DEBATES SOBRE O USO DE EMPRESAS MILITARES
PRIVADAS ........................................................................................................ 44
3.1 A geografia das Empresas Militares Privadas ........................................................... 44
3.2 Empresas Militares Privadas e os impactos nas sociedades locais. .......................... 48
3.3 Questões legais ............................................................................................................... 51
3.4 Balanço sobre os benefícios e malefícios do uso de Empresas Militares Privadas. 54
Conclusão do capítulo ....................................................................................................... 57
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 58
ANEXOS ............................................................................................................ 61
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................... 65
11
INTRODUÇÃO
Em 1967, nasceu uma companhia mercenária, mas desta vez diferente daquelas
antigas tropas as quais Maquiavel1 descreveu no século XVI na obra O Príncipe. A Watch
Guard International tinha seus fundadores e funcionários sido formados na tropa de elite do
Reino Unido, a temida Special Air Service. Esta empresa tinha como intuito treinar militares
com as táticas e técnicas aprendidas durante o tempo que serviram à Rainha e ofertar aos
países que estivessem dispostos a pagar pelo treinamento (GARCIA, 2009, p.116-117). Estes
militares aposentados iniciariam um fenômeno que ficaria muito evidente, a partir do final da
Guerra Fria em 1991. Empresas Militares Privadas, como ficaram conhecidas, passaram a ter
muita relevância nos conflitos. A evolução de simples empresas de aconselhamento a
treinamentos militares esporádicos, como era o caso da Watch Guard International, para
empresas com um escopo que cobrisse praticamente todas as facetas de uma guerra deu-se
bastante rápido.
O final da Guerra Fria gerou um ambiente propício para a ascensão destas empresas no
mercado da guerra. O vácuo de poder deixado pelas grandes potências na periferia do mundo,
fez com que antigas tensões desses países viessem a se confrontar, este fato propiciou o
surgimento de vários conflitos interestatais e intraestatais nestas regiões. Aliados a isso,
outros fatores como o alto contingente militar que foi dispensado pelos exércitos das grandes
potências para a vida civil e a crença da efetividade dos mercados incentivada pelo
neoliberalismo foram o combustível para que empresas militares privadas fossem formadas e
crescessem. Esse ambiente conflituoso da década de 1990 fez com que muitos Estados
possuíssem uma carência por segurança, ou seja, alta demanda por serviços militares
especializados fizeram com que se criasse uma situação para essas empresas privadas que
desempenhavam um papel de segurança tivessem uma oportunidade de suprir essa demanda.
Não era a primeira vez que tal situação ocorria. Como mostra Tiago Borne (2008), em
outras ocasiões históricas o fim de um conflito central leva ao incremento da atividade
mercenária. Um exemplo pode ser visto na Guerra dos Cem Anos (1337-1453), quando ao
fim das hostilidades gerou o fluxo de os homens dispensados do conflito (tanto franceses
1 Nicolau Maquiavel (1469-1527) escreveu o Príncipe, considerado um dos mais importantes autores do realismo
político, escreve um capítulo sobre tropas mercenárias, a qual despreza profundamente: “As mercenárias e
auxiliares são prejudiciais e perigosas; e se um príncipe fundamenta o seu poder nas armas mercenárias, não terá
jamais sólido nem gozará de segurança, porque os soldados não se lhe afeiçoam, são ambiciosos, indisciplinados
e infiéis, animosos entre os amigos, vis diante do inimigo; e não temem a Deus nem usam de lealdade para com
os outros”. (MAQUIAVEL, 1982, p.87)
12
quanto ingleses) à Itália renascentista, uma zona conturbada da época. Lá eles se tornariam
condottiere2.
Diferentemente desses mercenários renascentistas que ofereciam seus serviços a quem
pagasse mais, as Empresas Militares Privadas (EMPs) são corporações que operam na
legalidade, mostram sua cartilha de serviços abertamente, têm acionistas e diretores,
objetivam o lucro e podem atuar de forma simultânea em várias partes do globo. Essa maior
institucionalização das atividades das atuais EMPs em comparação com os antigos
mercenários não significa que não haja controvérsias e questionamentos sobre o seu uso em
conflitos armados.
Mesmo que seus contratos continuem sinuosos as EMPs aparecem para os meios
midiáticos, muita das vezes como violadoras de direitos humanos. Há vários relatos de
contractors violando direitos humanos desde o abuso da força até prostituição.
Em grande parte, estes abusos são possibilitados pela falta de regulação tanto na esfera
nacional quanto na internacional. Apenas alguns países tem uma legislação nacional que leva
em conta a atuação dessas empresas ou que de alguma forma regulamente e restrinja suas
ações. Contudo, recentemente iniciativas vêm sendo criadas com o objetivo de reduzir os
abusos cometidos pelos contractors como o Documento de Montreux e o Código de Conduta
das Empresas Militares Privadas.
Este trabalho aborda o fenômeno da privatização da guerra, mais especificamente o
caso das Empresas Militares Privadas. A tendência de crescimento para essa movimentação
de “privatização da guerra” tem sido vital para se entender como os agentes vêm se
comportando diante dos conflitos nessas últimas duas décadas.
Enquanto que para a operação Desert Storm, realizada em 1991, somente um ente a
cada cinquenta membros do corpo expedicionário americano era contratado, em
2003, quando do início das novas operações no Iraque, a proporção passou a ser um
para cada dez. Em outras palavras, 10% das tropas passaram a ser compostos por
soldados contratados (BORNE, 2008, p.10-11).
O trabalho visa responder as seguintes perguntas de pesquisa: Como as Empresas
Militares Privadas atuam no cenário internacional? Quais são os principais benefícios e
malefícios percebidos na usa utilização? As hipóteses sugeridas são:
2 Nome dado aos mercenários do tempo da Renascença Italiana que formavam grandes companhias mercenárias.
(COURAU, 2004)
13
1) As Empresas Militares Privadas atuam tanto em conflitos armados
conflagrados quanto em processos de resolução de conflitos. Na primeira situação, as EMPs
podem ter uma participação tanto direta, atuando como tropas que empregam força, como
indireta, apoiando logisticamente os exércitos estatais e oferecendo segurança a terceiros em
zonas de conflito. No apoio a processos de resolução de conflitos, as EMPs prestam serviços
secundários em missões de manutenção de paz como também tem uma participam de
processos de Reforma do Setor de Segurança (RSS).
2) O balanço dos benefícios e malefícios está relacionado não apenas com os
riscos que cada ator que contrata as EMPs, mas também com os impactos na sociedade em
que elas atuarão. Os pontos positivos podem ser destacados como a redução dos dispêndios
militares no curto prazo e de eventuais pressões sociais no envio de tropas, a mobilização
rápida para o cumprimento dos serviços e a prestação de serviços especializados (como
segurança de pessoas e instalações em ambientes extremos). Aos pontos negativos encontram-
se a falta de controle que os contratantes têm sobre os contractors, podendo refletir
diretamente na qualidade dos serviços e em custos excedentes no médio e longo prazo; a
dependência do Estado nas EMPs, principalmente na questão tecnológica; e o peso político e
social que abusos aos direitos humanos por parte de funcionários das EMPs podem causar aos
contratantes e a sociedade no seu local de atuação. Uma atuação mais sustentável para a
atuação de EMPs parece ocorrer em processos de resolução de conflitos que não envolve
emprego de força direto, mas a construção de capacidades, como no caso da Reforma do Setor
de Segurança.
A principal finalidade deste trabalho é estudar as EMPs, focando-se na sua atuação
estratégica, em como são efetuadas suas ações no cenário internacional atual e quais são as
consequências positivas e negativas de seu uso. Mais especificamente, objetiva-se: (1)
apresentar um histórico do uso de mercenários apontando as causas da ascensão das EMPs na
última década do século XX e o escopo de seus serviços prestados; (2) levantar estudos de
casos onde as Empresas Militares Privadas atuaram sob os diversos tipos de serviços em
conflitos armados e na resolução de conflitos; e (3) debater os dilemas que as EMPs trazem
para a comunidade internacional, discutindo pontos positivos e negativos no seu uso.
Trata-se de um fenômeno contemporâneo nas Relações Internacionais, que afeta de
forma significativa como os atores se comportam nos conflitos atuais. Entretanto, há escassez
de pesquisas desse tema em território nacional, comparando com a produção em países que
tem tradição na área. Além disso, importa problematizar o debate sobre o tema das EMPs e
14
seu emprego de sua força, uma vez que Estados e populações, contratantes e contratados,
podem ser profundamente afetados por essas empresas, dependendo do tipo de atuação que as
EMPs estejam executando.
Metodologicamente, este trabalho de conclusão de curso em Relações Internacionais
adotou o tipo de pesquisa descritiva que vai expor as características e a problemática
envolvida no fenômeno da ascensão das EMPs. A abordagem do trabalho é do tipo hipotético-
dedutivo. Também será utilizado o procedimento técnico de pesquisa bibliográfica mediante o
uso de fontes como pesquisas acadêmicas, dados nas Organizações Não-Governamentais,
grupos de estudos, Think Tanks e relatórios governamentais relacionados às EMPs.
Este trabalho divide-se em três capítulos. O primeiro capítulo trará a história da
ascensão das Empresas Militares Privadas, bem como mostrará como e porque essas empresas
diferem dos antigos mercenários e porque não devem ser tratados sob mesma ótica. O
segundo capítulo abordará como as Empresas Militares Privadas atuam durante e na resolução
dos conflitos, seu envolvimento direto e indireto nos combates e seu apoio a missões de paz e
nos projetos de Reforma do Setor de Segurança. No terceiro capítulo, o trabalho trará o
arranjo global das EMPs, quais sejam: os principais países aonde se encontram as iniciativas
de regulação da indústria, (i.e. Documento de Montreux e Código de Conduta), e, por fim, o
balanço sobre pontos positivos e negativos percebidos em sua utilização.
Há grandes incertezas sobre a viabilidade e sustentabilidade da utilização de EMPs em
conflitos armados, haja vista que a sua utilização pode implicar custos significativos no longo
prazo para contratantes e populações onde elas atuam. Já na esfera da resolução de conflitos
vislumbra-se possibilidades menos danosas, já que envolvem atuação prioritariamente
indireta. Contudo, essa participação é válida desde (1) que existam normas muito bem
estruturadas para que possa haver punições sobre o estabelecimento de algum excesso por
parte dos contractors e (2) envolva um direcionamento estatal adequado em processos de
reconstrução de Forças Armadas nacionais.
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1. HISTÓRIA DA ASCENSÃO DAS EMPRESAS MILITARES
PRIVADAS: NOVOS ATORES, NOVOS CONTRATOS
Mercenários são utilizados desde sociedades antigas. O primeiro registro histórico de
sua utilização remonta à Batalha de Kadesh, entre egípcios e hititas no ano de 1294 a.C. Ao
longo da história, os mercenários mostraram que, caso bem empregados, poderiam ser
decisivos no contexto dos conflitos armados.
Este primeiro capítulo buscará distinguir os mercenários clássicos na atuação das
Empresas Militares Privadas (EMP) e a ascensão dessas empresas. O período que compreende
esta ascensão começa ao final da Guerra-Fria e perdura na contemporaneidade.
As EMPs atuaram na década de 1990 principalmente no continente Africano. Mas é
possível verificar suas ações na Europa, em regiões de desintegração da União Soviética, e no
sudeste do continente asiático. Nos anos 2000, há uma mudança de cenário de atuação dessas
empresas. Com o ataque de 11 de setembro, as empresas passam a se concentrar no Oriente
Médio, especificamente no Iraque e no Afeganistão.
Houve uma escalada da demanda pelas Empresas Militares Privadas nos
acontecimentos após 11 de setembro, especialmente no Afeganistão e Iraque, e uma
conexão com a defesa de sua pátria (para empresas e/ou contractors
estadunidenses). A confluência de todas essas dinâmicas levou tanto o surgimento e
rápido crescimento da indústria militar privada. Não há sinais de que essas
tendências vão diminuir ou reverter no futuro previsível (SCHEIER; CAPARINI,
p.6)3.
O desempenho das EMPs se dá pelo intermédio de contratantes diretos dos governos, e
também por vários outros atores no cenário internacional como empresas multinacionais,
Organizações Não-Governamentais (ONGs) e Organizações Interestatais para diversos fins.
1.1 Definição de mercenário e Empresas Militares Privadas (EMP) – suas principais
diferenças.
Apesar de muitos não fazerem a distinção entre os contractors e mercenários, existe
uma diferença muito grande entre estes atores. Por isso, é necessário conceitua-los e mostrar
porque devem ser analisados diferentemente.
3 “Finally there has been the escalation in the demand for PMCs and PSCs in the wake of 9/11, particularly in
Afghanistan and Iraq, and in connection with homeland defence. The confluence of all these dynamics led to
both the emergence and rapid growth of the privatized military and security industry. There are no signs that
these trends will slow or reverse in the foreseeable future.”
16
Mercenários
O Grande Dicionário Unificado da Língua Portuguesa traz a definição de mercenário
como: “Aquele que trabalha por soldo, sem idealismo algum; ávido de ganho; soldado que
por dinheiro serve a um governo estrangeiro” (RIOS, 2010, p.451). Outra definição mais
recente e completa diz que o mercenário é “um indivíduo de organização financiada para agir
em uma entidade estrangeira dentro de um escopo de serviço militar, incluindo a condução de
operações de característica militar, sem levar em conta os ideais, compromissos legais ou
morais, e nacional e internacional" (GODDARD, 2001, p.8).
Conectando a uma definição mais normativa, pode-se retornar às conferências
diplomáticas de Genebra que aconteceram nos anos de 1974 e 1977. Essas conferências
resultaram de protocolos adicionais às Convenções de Genebra de 1949 em que foram
debatidos os assuntos relacionados com proteção de vítimas em conflitos armados
internacionais (protocolo I) e internos (protocolo II) (MIGUEL, 2011, p.14-15).
Assim, no que consta o Artigo 47° do Primeiro Protocolo Adicional das Convenções
de Genebra de 1949, intitulados Mercenários, pode-se ler o seguinte:
1) Um mercenário não terá direito da ser um combatente ou prisioneiro de guerra;
2) Um mercenário é qualquer pessoa que:
a. Seja especialmente recrutada localmente, ou no estrangeiro, para combater
num conflito armado;
b. Tenha, de fato, uma ação direta nas hostilidades;
c. Seja motivado para atuar nas hostilidades essencialmente pelo desejo de
ganhar proveitos pessoais e a quem, de fato, lhe tenha sido prometido por uma das partes
envolvidas no conflito, direta ou indiretamente, uma compensação material substancialmente
acima da que é prometida ou paga aos combatentes de suas forças armadas, de patentes e
funções idênticas, dessa mesma parte;
d. Não seja nem cidadão de uma das partes do conflito, nem reside nem território
controlado por um das partes em conflito;
e. Não seja membro das Forças Armadas de nenhuma das partes em conflito;
f. Não tenha sido enviado por um Estado, que não seja parte no conflito, para
cumprir uma missão oficial enquanto membro das suas Forças Armadas.
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A classificação de mercenário vai além da caracterização de pessoa ou entidade. É
necessário fazer uma melhor diferenciação entre estes atores e as Empresas Militares
Privadas. Para isso, destaca-se a colocação por Schreier e Caparini:
Tradicionalmente, os mercenários foram definidos como estrangeiros contratados
para tomar parte direta nos conflitos armados. As principais motivações sempre são
ditas ser os ganhos monetários, em vez da lealdade a um Estado. Por isso, que são
chamados de soldados da fortuna. (...) Às vezes, eles são veteranos de guerras
passadas ou insurgência que procuram por qualquer novo conflito para continuar o
que faziam antes: lutar (SCHEIER; CAPARINI, 2005, p.16)4.
No senso comum, a principal ideia sobre a atividade mercenária se resume no ganho
monetário. Essa superficialidade do termo não atinge a amplitude dos aspectos que
determinam a atividade em si. Muitas vezes, ex-combatentes não conseguem se habituar à
vida civil, e os programas de reingresso propostos por seus países não são eficazes, fazendo-
os voltarem para atividade que exerciam antes.
A maioria desses mercenários age de forma ad hoc. Eles advêm de várias
nacionalidades, incluindo ex-combatentes do bloco soviético como ucranianos, russos e
sérvios, de países sul-africanos, norte-americanos, israelenses, etc. Esses indivíduos lutam por
todo o globo, onde haja um conflito e possibilidade de emprego. São, muitas vezes, acusados
de banditismo e de quebra dos direitos humanos. Scheier e Caparini afirmam, por exemplo,
que “estes ‘cães de guerra’ são conhecidos por sua deslealdade e falta de disciplina”
(SCHEIER; CAPARINI, 2005, p.16). São, acima de tudo, soldados freelancer (autônomos),
sem residência fixa, que buscam grandes quantias em dinheiro, lutam por causas duvidosas,
jogam com os dois lados para ver quem consegue comprá-los ao preço mais alto, e, em função
disso, prolongam os conflitos com interesse em continuar obtendo ganhos.
Essas características parecem vir permeando a história. Desde os tempos de
Maquiavel, pelo menos, mercenários são descritos como homens com que se deve ter muito
cuidado, a priori evitados:
As mercenárias e auxiliares (tropas) são prejudiciais e perigosas; e se um príncipe
fundamenta o seu poder nas armas mercenárias, não terá jamais sólido nem gozará
de segurança, porque os soldados não se lhe afeiçoam, são ambiciosos,
indisciplinados e infiéis, animosos entre os amigos, vis diante do inimigo; e não
temem a Deus nem usam da lealdade para com os outros (MAQUIAVEL, 1982,
p.87).
4 “Traditionally, mercenaries have been defined as non-nationals hired to take direct part in armed conflicts. The
primary motivation is said to be monetary gain rather than loyalty to a nation-state. This is why they are also
called soldiers of fortune. Mercenaries can also be misguided adventurers, but often they are merely disreputable
thugs, ready to enlist for any cause or power ready to pay them. Sometimes, they are veterans of a past war or an
insurgency looking for whatever new conflict to continue in what they did before: fighting.”
18
É por isso que o termo “mercenário” ainda é carregado de estereotipagem e a primeira
vista, a própria definição de Empresas Militares Privadas implica em seu nome uma
conotação negativa. No entanto, “o rótulo de mercenário é inapropriado quando aplicado a
Empresas Militares Privadas.” (MAGALHÃES, 2005, p.159). As EMPs podem ser descritas
como uma nova realidade dentro do fenômeno histórico de uso de entidades privadas em
conflitos.
Empresas Militares Privadas
Antes de tecer uma definição mais clara das várias tipologias que autores adotam para
se referirem às Empresas Militares Privadas, vale notar que não existe uma normativa
internacional que expresse a diferenciação das EMPs da ação mercenária. Mesmo a ONU não
faz essa separação.
Existem poucos países que regulam essa atividade de serviços relacionados à guerra,
um exemplo é os Estados Unidos que têm a regulação mais complexa para a exportação e
contratação desses serviços. Por isso, não será usada uma normativa em especial para a
definição dos serviços dessas empresas, contemplando assim uma definição acadêmica dos
autores que dissertaram sobre o assunto.
Quando descreve-se o que são Empresas Militares Privadas, existe a dificuldade de
tentar classificá-las em certas categorias. Lueka Groga (2011) prefere a separação das
Empresas Militares Privadas em companhias que provêm suporte ao combate direto. Seriam
aquelas que atuam diretamente nas ações de combate com o objetivo de acabar com o
conflito, servem como complemento das forças nacionais, e podem funcionar como
substituição das forças nacionais.
Uma segunda classificação seriam as empresas prestadoras de apoio ao indireto ao
combate. Na verdade sob esta forma age a grande maioria das EMPs. Aqui o escopo de macro
serviços é maior e vai desde consultoria militar até a segurança de instalações, ou seja, não
participam diretamente do combate, mas influem nele através de serviços prestados de suporte
(GROGA, 2011, p.8-9).
Outro autor que faz a estratificação das Companhias Militares Privadas é Nikolaos
Tzifakis (2012). Para ele, pela diversidade de serviços e pelas características das operações
das diversas empresas se faz necessária uma especificação para um melhor entendimento do
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assunto. Além de diferenciar empresas de segurança privada, que prestam serviços de
segurança de instalações e pessoas, de empresas militares privadas, Tzifakis (2012) propõe
uma diferença entre Military Provider Companies (Companhias Prestadoras de Militares),
prestadoras de apoio direto de combate; Military Consulting Companies (Companhias de
Consultoria Militar), que provêm treinamento militar e consultoria militar; e Military Support
Companies (Companhias de Suporte Militar), companhias de logística que atuam em zonas de
conflito (ver figura abaixo).
Figura 1 – Estratificação de Empresas Militares e Segurança Privadas por Nikolaos Tzifakis (2012).
Autor: TZIFAKIS, 2012, p.11. Adaptação: PEREIRA, 2014.
Diferentemente dos autores que preferem essa classificação mais minuciosa Peter
Singer (2003), procura entender essas empresas como um complexo único. Ele reconhece que
existem diferenças, mas prefere colocá-las como Firmas Militares e englobá-las num espectro
maior. As delibera como:
“(...) organizações com fins lucrativos que oferecem serviços profissionais
intrinsecamente relacionados com conflitos. Elas são corporações que se
especializam na provisão de habilidades militares – incluindo operações em combate
tático, planejamento estratégico, análise e coleta de inteligência, suporte em
operações, treinamento de tropas e assistência técnica à militares” (SINGER, 2003,
p.8).
Continuando essa análise, Miguel (2011) referencia as EMPs num aspecto mais
amplo. Ele expõe que as EMPs são corporações multifacetadas não só no espectro do combate
Empresas Militares e Segurança Privadas
Empresas Militares Privadas
Military Provider Companies
Military Consulting Companies
Military Support Companies
Empresas de Segurança
Privada
20
direto; mas que também adicionam prestações de serviços diferenciados como consultoria
militar e apoio logístico militar:
Assim, considera-se que as EMP são organizações profissionais privadas legais, de
caráter permanente e transnacional, cuja estrutura corporativa assenta numa lógica
empresarial, que comercializam e competem num mercado aberto e global, e que
fornecem serviços intimamente relacionados com a guerra, nomeadamente no
âmbito de combate militar, consultoria militar e de apoio militar (MIGUEL, 2011,
p.14).
Diferenças entre Mercenários e Empresas Militares Privadas
Após essa discussão inicial, pode-se buscar uma melhor diferenciação entre as EMPs e
os mercenários. O primeiro módulo de diferenciação é a forma comercial. Os mercenários são
contratados em ad hoc, enquanto Empresas Militares Privadas “formam complexos
permanentes e claramente hierarquizados, capazes de competir e sobreviver no mercado
internacional” (BORNE, 2008, p.60). Outro ponto importante é que essas empresas buscam
lucros em longo prazo, não de forma imediatista que motivam mercenários (ROBERTS,
2007, p.2).
As EMPs competem no mercado internacional de forma aberta. Em países onde
exigem certa legislação são obrigadas a prestarem contas e a fornecer relatórios de suas
atividades e de seus contratantes. Os mercenários, por sua vez, são “atores internacionais
marginalizados, (...) geralmente devem atuar na sombra da lei.” (BORNE, 2008, p.60).
Outra diferença entre estes dois atores reside nos seu escopo de serviços, sendo que os
contractors podem oferecer uma gama de serviços muito maior e complexa que serviços
oferecidos por mercenários. Sobre os tipos de clientes que cada um pode possuir Borne
exemplifica:
A própria clientela dessas empresas tende a ser muito mais diversificada do que
aquela que recorre aos soldados da fortuna. Não apenas Estados, mas também
Organizações Internacionais como as Nações Unidas, Organizações Não-
Governamentais (ONGs) e mesmo empresas comumente alugam os Serviços das
EMPs. Dessa sorte, muitas delas são capazes de trabalhar para múltiplos clientes em
múltiplos mercados e teatros de operação simultaneamente (BORNE,2008, p. 61).
Os integrantes das EMPs são contratados de forma aberta como qualquer outro
emprego no setor privado, os contractors são constituídos de ex-militares competentes, que
geralmente já passaram por operações de combate ou que possuem uma habilidade específica.
Como não há necessidade de treinamento pesado, apenas uma adequação à realidade da
empresa, se faz com que a empresa não precise desprender muito recursos para programas de
21
treinamento. Esse tipo de seleção proporciona aos empregados dessas firmas níveis de
disciplina e coesão dificilmente encontrados em forças mercenárias (BORNE, 2008, p.61).
Pode-se visualizar na tabela abaixo um resumo das principais diferenças:
Tabela 1 – Mercenários x Empresas Militares Privadas
Mercenários EMPs
Organização Individual
Temporal ou Ad Hoc
Corporativa
Hierarquizada
Permanente
Eficiente
Competitiva
Motivação Remuneração
Individual com lucro em curto
prazo
Pensamento empresarial
com lucro em longo prazo
Serviços Operações
exclusivamente de combate
direto para um único cliente por
vez.
Escopo diversificado
(treinamento, logística,
inteligência) atuando com vários
clientes, simultaneamente.
Recrutamento Pouco transparente Público e especializado
Autor: BORNE, Thiago (UFRGS), 2008.
Fonte: SINGER, 2008.
Adaptação: PEREIRA, 2014.
História dos mercenários.
A ideia de olhar para o setor privado fornecendo proteção e defesa para os Estados
está longe de ser um fenômeno novo. De fato, pode-se argumentar a suposição que o
fornecimento de defesa nacional através das Forças Armadas é principalmente, se
não exclusivamente, a responsabilidade do Estado, setor público, tem sido mais a
exceção do que a regra (EDMONDS, 1999, p.115) 5.
5 “The idea of looking to the private sector to provide for the defense and protection of the state is far from being
a new phenomenon. Indeed, it might be argued that the assumption that armed forces and the provision of
22
Singer (2003) aponta para o fato dos mercenários estarem sempre presentes na história
das guerras. O autor divide o histórico de conflitos em alguns períodos que acompanham a
história, comprovando que houve mudanças da dinâmica de como operavam os mercenários,
e que características permearam cada período (SINGER, 2003, p.19-39).
O primeiro período se refere à Antiguidade, com exemplos como a Batalha de Kadesh,
em 1294 A.C., situação onde o Faraó Ramsés II do Egito usou tropas núbias contra os hititas.
Cartago é outro exemplo, sua formação e expansão foi o alto uso de seus mercenários. Tal
dependência motivou uma revolta durante a Primeira Guerra Púnica (264-241 A.C.), naquela
que ficou conhecida como Guerra dos Mercenários. Roma também tinha em sua política o
alto uso de mercenários, utilizou-os por quase toda sua existência, tanto que ao final do século
I, existam mais soldados germânicos em suas fileiras do que romanos.
Na segunda fase, no período medieval, o sistema feudal impunha um tipo de serviço
militar que não possuía uma qualidade boa. Desse ambiente, surgiram condições propícias
para que mercenários se especializassem em algum tipo de arte militar. Essas artes requeriam
um elevado grau de especialização e treinamento. Como exemplo, pode-se referir ao manejo
do arco e flechas e das bestas. Os mercenários ofereciam os seus serviços pelo valor mais alto,
o que fazia com que a contratação de seus serviços fosse realizada com extrema atenção.
A Itália renascentista foi outro um dos palcos principais destes soldados da fortuna.
Muitas cidades-estados estavam dispostas a pagar uma quantia atrativa para esses homens.
Esse marco profissionalizou a arte da guerra através de contratos chamados de condotta entre
os líderes italianos e as companhias mercenárias, implementando assim, os conhecidos
condottieri.As primeiras companhias que prestavam serviços militares privados surgiram
quando os mercenários e as tropas dispensadas de outras partes da Europa, principalmente da
Guerra dos Cem Anos, perceberam que ganhariam mais se trabalhassem em grupos
organizados. A partir disso, nasceram companhias como Compagnia Bianca del Falco (1338-
1354), que chegou a compor um contingente de mais de 10.000 homens que atuavam em toda
a região da atual Itália, e a Gran Compañia Catalana (1302 a 1388), que desenvolveu parte de
suas atividades em Atenas, onde governou por mais de 60 anos (HOLMILA, 2012, p.50-54).
A Guerra dos 30 anos marcou um turning point no sistema político internacional.
Apesar de grande contratação de mercenários, consolida-se o princípio da soberania estatal e
national defense is primarily, if not exclusively, a state/public sector responsibility has been more the exception
than the rule.”
23
os Estados passam a gradualmente exercer o monopólio da força e formarem exércitos
permanentes. Por conseguinte, a paz de Vestefália, em 1648, impôs uma diminuição da
necessidade de recrutar mercenários.
Contudo, essa nova dinâmica demoraria a se consolidar, a atividade mercenária
continuaria a desempenhar um papel importante como contingente de exércitos europeus. “O
exército típico em 1700 refletia esta mistura e era verdadeiramente uma força multinacional.
As forças contratadas constituíam ente 25 a 60 por cento de todas as forças terrestres”
(SINGER, 2003, p. 32). Essa mudança acelerou a partir da Revolução Francesa, em 1789,
pela forte ideia de que um exército estatal é o exército do povo, e que soldados contratados só
são contratados para a defesa da nobreza (OSTELLS, 2012, p.7-9).
O sétimo período marcou a emergência de grandes organizações militares privadas
como parte da prática de prioridades da política externa que detinha o monopólio do comércio
em regiões controladas por Estados colonizadores. Nesse caso, as empresas de segurança
foram utilizadas principalmente para garantir segurança das províncias ultramarinas.
Destacam-se, dentre elas, a Companhia Holandesa das Índias Orientais (CHIO) e a
Companhia Britânica das Índias Orientais (CBIO). Os lucros que essas companhias obtinham,
transformaram-nas em empresas altamente rentáveis com forças mercenárias próprias.
Por final, os mercenários só voltaram a atuar de uma forma mais relevante após a
Segunda Guerra Mundial, mais nitidamente na fase de descolonização do terceiro mundo. A
atuação destes “cães de guerra” foi muito intensa no continente africano. Tanto Bob Denard,
quanto Mike ‘Mad’ Hoere destacaram-se principalmente pela intensa atividade dos dois
mercenários, mas também pelo seu histórico vasto de clientes.
Com o final da Guerra Fria, estes mercenários clássicos perderam espaço frente às
Empresas Militares Privadas. Essas empresas entenderam as novas dinâmicas que estavam
surgindo, deixando estes agentes cada vez mais marginalizados.
1.2 Situação no pós-guerra fria – ambiente de expansão das EMPs.
O final da Guerra Fria gerou uma série de modificações que propiciaram o elevado
crescimento das Empresas Militares Privadas no cenário internacional. Dentre os principais
fatores podem-se apontar três grandes evidências para a escalada do mercado de segurança
24
privada: redução dos contingentes militares, vácuo de poder deixado pelas potências centrais,
e crença na efetividade do mercado (neoliberalismo).
O primeiro fator, redução dos contingentes militares, é significativo para o aumento da
atividade das EMPs, pois saídos de duros combates bélicos ou preparação para tanto, quando
se remete à Guerra Fria, os mercenários perderam espaços no seu campo de trabalho e
passaram a qualificar o quadro da mão-de-obra das empresas privadas. Com a redução da
competição estratégica, desde o fim da Guerra-fria mais de sete milhões de militares foram
dispensados de suas atividades, muitos com alta capacidade de combate (SCHEIER;
CAPARINI, 2005, p.3). Esse fenômeno veio junto com uma profissionalização maior das
Forças Armadas, assim os exércitos focaram em “core competencies”: combater, fazendo
outsourcing de todas outras atividades (MAGALHÃES, 2010, p.162).
Essa grande diminuição das tropas, aliada a uma significativa reestruturação
organizacional militar, leva a uma alta disponibilidade não somente de
equipamentos bélicos, mas também de mão-de-obra altamente qualificada no
mercado internacional, ambas as parte dos quadros militares dos Estados nacionais
no passado (BLANCO, 2010, p.178).
Vale ressaltar que muitos destes indivíduos desmobilizados, a maioria oriunda de
unidades de elite, utilizaram a estrutura que exista no exército para formarem suas próprias
companhias (MAGALHÃES, 2005, p. 164). Um exemplo a se destacar é a Executive
Outcomes formada por ex-combatentes das forças especiais do South African Defence Force
que atuou em todo continente africano.
O segundo fator centra-se no vácuo de poder deixado pelas potências centrais. Isso
reduziu a sua participação e engajamento em zonas periféricas, dando liberdade para
mudanças de correlações de forças e ascensão de tensões não revolvidas e novos atritos.
Somou-se ainda a alta oferta de armamentos dos arsenais da Guerra Fria que fizeram
proliferar as zonas de conflito (SCHEIER; CAPARINI, p.4). Assim, Estados fracos ficaram
incapazes de conseguir prover segurança a sua população e como as grandes potências não
desprendiam muito esforço em ajudar, muitos chefes de estados, empresas e organizações
passaram a contratar Empresas Militares Privadas para exercer esse tipo de serviço.
Essa mudança de comportamento deu abertura para o mercado de segurança. Se antes
eram as grandes potências a darem aconselhamento militar, agora, seriam as EMPs, e, para
isso, a diversificação dos serviços dessas empresas deveria ser amplificada.
25
Para entender o último fator se faz necessário explicar a chamada modernização das
Forças Armadas. Após a Guerra Fria, o conceito da Revolução nos Assuntos Militares que
integra a crença do futuro da arte da guerra com a utilização intensiva de tecnologia. Tal
paradigma tornaria as Forças Armadas mais dependentes das tecnologias, sendo um peso para
os Estados custearem tal dinâmica. Por isso, a arte da guerra se fez conglomerada na
privatização, onde se transfeririam os custos do público para o privado abrindo amplo espaço
para as EMPs (BLANCO, 2010, p.178).
Após descrição, entende-se porque a privatização é um elemento que ajuda a
desenvolver a indústria do setor de segurança privado. Para Magalhães (2005), a
mercantilização da esfera pública é o principal fator para o aumento recente da indústria de
segurança. Ou seja, no contexto da ascensão do neoliberalismo, a entrega de serviços antes
realizados pelos Estados para o mercado, poderia maximizar a eficiência. Na esfera militar,
não foi ser diferente, as grandes potências focaram nas atividades de combate apenas, as
atividades de logística foram privatizadas abrindo um grande leque de oportunidades para
EMPs atuarem.
Em virtude desse ambiente favorável, as Empresas Militares Privadas começam a ter
uma relevância muito pertinente nos conflitos que sucederam na década de 1990 e mais ainda
nos anos 2000. Comparando a ação do contingente desses contractors nos conflitos
posteriores à virada do milênio, Guerra do Iraque e Afeganistão, as mais significativas para as
EMPs, houve determinados momentos que os números chegaram a ultrapassar o de soldados
regulares.
Conclusão do capítulo
Neste capítulo foi mostrado como as EMPs são diferentes dos mercenários comuns,
muito pelo fato de sua lógica empresarial institucionalizada. Também apresentou-se um breve
histórico do uso de mercenários e como tiveram seu auge e declínio. Posteriormente foram
abordados os principais fatores de crescimento das EMPs. Atualmente, se pode dizer que os
principais fatores para a expansão das EMPs ainda reside no fato que alguns exércitos estatais
privatizam suas esferas não militares.
No próximo capítulo será exposto os vários tipos de atuação que as EMPs
desempenham.
26
2. AS EMPRESAS MILITARES PRIVADAS EM AÇÃO
Para um melhor entendimento da atuação das Empresas Militares Privadas no cenário
internacional, separam-se as atuações em duas situações: Empresas Militares Privadas
prestando seus serviços durante um conflito armado e na resolução dos conflitos armados.
Será apresentado o amplo escopo de serviços que as EMPs são capazes de executar e
posteriormente a realidade de utilização dos seus serviços pelos diversos atores nos conflitos.
As duas primeiras seções do capítulo apontarão a atuação das Empresas Militares
Privadas durante o período dos combates. A primeira seção explanará a ação dessas
companhias atuando de forma direta no envolvimento do combate e a segunda seção tratará
das EMPs atuando de forma indireta nos conflitos armados. No primeiro, trata-se do
envolvimento direto nas ações de combate, mediante a participação junto aos exércitos ou até
mesmo liderando o combate para um dos lados da situação. Para evidenciar esse
envolvimento será apontado o caso da Executive Outcomes e sua participação em Angola e
em Serra Leoa, onde de fato liderou as ações como um exército regular privado do governo da
época.
O segundo caso mostrará como as Empresas Militares Privadas tem envolvimento
indireto na participação do combate. Diferentemente da Executive Outcomes, algumas EMPs
não oferecem seus serviços como exércitos regulares privados, mas prestam serviços de
segurança e de apoio logístico em operações de combate. Nos serviços de segurança, as
empresas se aproveitam da vulnerabilidade causada pelo conflito e pela incompetência do
Estado em oferecer proteção aos agentes que vão ao seu país. Nos serviços de apoio às
operações de combate, as empresas não participam das operações como exércitos regulares,
mas como empresas de suporte dessas que o exército executa, que podem ir desde
monitoramento aéreo e serviços de inteligência até tradução de interrogatórios e lavanderia.
Após a Guerra Fria, alguns exércitos estatais tratariam apenas das “core
compitencies”, deixando outras áreas de apoio com a iniciativa privada, como foi falado no
capítulo anterior. Para ambas as situações, os serviços de apoio ao combate e de segurança às
EMPs se envolvem indiretamente no conflito. O caso que será estudado para revelar o
trabalho das EMPs em um envolvimento indireto do combate será o da Guerra do Iraque. Não
será feito um estudo aprofundado de uma empresa em específico, mas sim de todo o
27
complexo da indústria de segurança que essas empresas criaram e seguiram durante as
hostilidades encontradas.
Feita a apresentação destes dois casos que evidenciam o trabalho das EMPs durante o
andamento do conflito, as duas seções seguintes tratarão de casos onde essas empresas
atuaram em situações de resolução de conflitos. Para apontar como se dá a atuação das EMPs
em um ambiente de resolução de conflitos, primeiramente será exposto como essas empresas
participam de missões da paz da ONU, e posteriormente como as EMPs atuaram nos projetos
de Reforma do Setor de Segurança. As EMPs tiveram uma participação secundária nessas
missões: seu escopo em grande parte é para apoio logístico e prestando serviços de segurança,
e é disso que tratará a terceira seção do capítulo.
A quarta seção deste capítulo tratará do caso referente à situação onde há ausência de
conflito. Evidenciará as EMPs atuando na Reforma do Setor de Segurança, exemplificado
pelo caso da Executive Outcomes participando da Reforma do Setor de Segurança em Angola.
Por final, serão mostrados alguns desafios que as EMPs trazem quando participam desses
projetos.
2.1 Envolvimento direto nas operações de combate.
Executive Outcomes expulsa rebeldes de Angola e Serra Leoa
A Executive Outcomes (EO) foi fundada em 1989 por EebenBarloe - um militar que
serviu nas forças especiais do South African Defense Force (SADF). A essência da atividade
da empresa se configurava em operações táticas altamente especializadas de combate militar
(MIGUEL, 2011, p.9), e essa característica se deve pelo retrospecto de seus contractos,
oriundos do 32° Batalhão, aos quais serviram no conflito de Angola (OSTELLS, 2012,
p.195).
A EO tinha basicamente dois tipos de contratos celebrados, e eles poderiam ser mais
amplos ou mais detalhados: no primeiro caso, a empresa disponibilizaria todos seus esforços e
recursos necessários para definir o conflito. No segundo caso, a empresa complementaria as
operações do cliente através de tarefas especializadas (MIGUEL, 2011, p.10).
O caso angolano a Executive Outcomes entra no mercado
A primeira ação importante que a EO realizou foi para o governo de Angola, mais
especificamente para o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA).
28
A ex-colônia portuguesa obteve sua independência em 1975, após uma descolonização
brutal por parte de Portugal. Sem um período de transição, o país passou a ser dirigido pelo
MPLA, antigo partido que havia se formado pela guerrilha marxista contra os colonizadores
portugueses. Logo após a independência de Angola, a MPLA confrontou-se com o partido
anticomunista, a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), entrando
numa guerra civil. Durante a Guerra Fria, os dois lados receberam armas e financiamento de
seus apoiadores, MPLA da União Soviética e a UNITA dos EUA e África do Sul aliado local
(OSTELLS, 2012, p.196).
Com o fim da Guerra Fria, veio o fim do apoio de armas e dinheiro de ambos os lados.
As partes envolvidas no conflito precisavam de alguma forma para financiar suas operações.A
UNITA preferiu extrair diamantes da região sul de Angola. O MPLA, por outro lado obteve
seu financiamento através das jazidas de petróleo, ao largo da costa da capital Luanda. Estas
novas fontes, deram uma continuidade para a guerra civil, no caso da MPLA possibilitou até a
contratação da Executive Outcomes:
Fragilizado pela queda de seu protetor soviético, o MPLA decide recrutar novos
soldados de fortuna para garantir sua vitória. O dinheiro do petróleo permite pagar
os soldos desses mercenários estrangeiros. Uns cinquenta combatentes, que, em sua
maioria, tinham combatido antes pela UNITA, passam assim a servir o MPLA na
primavera de 1993 (OSTELL, 2012, p. 196).
Neste contexto, foi construída a reputação da EO, mais precisamente na batalha nas
instalações de petróleo de Soyo na boca do Rio Congo situada no norte de Angola. Entre
Março e Abril de 1993, as forças da Executive Outcomes, representando as forças da MPLA,
entraram em combate contra os rebeldes da UNITA, lideradas por Jonas Savimbi. Os 28
combatentes por parte da EO demonstraram “capacidade de combate fora do vulgar,
morreram apenas três sul-africanos do lado da EMP e várias centenas de guerrilheiros da
UNITA.” (MIGUEL, 2011, p.9). Essa batalha representou a reconquista dessas áreas
petrolíferas por parte do governo, antes nas mãos de Savimbi. Pelos resultados positivos, o
governo de Luanda estendeu o contrato com a empresa até 1996 onde a “EO tem que se retirar
sob pressão exercida pelos EUA e pela ONU sobre a MPLA.” (OSTELL, 2012, p.196).
Apesar deste afastamento, a consolidação da empresa em operações na África se fez evidente.
Serra Leoa, guerra dos “diamantes de sangue”, Executive Outcomes mostra sua
capacidade de combate
29
De 1991 a 2002, Serra Leoa enfrentou uma guerra civil. Apoiada pelo líder rebelde
liberiano Charles Taylor, a Frente Revolucionária Unida (RUF sigla em inglês para
Revolutionary United Front) organização liderada por Foday Sankoh, ex-cabo do exército
serra-leonês, teve por objetivo derrubar o governo estabelecido, se concentrando nas
fronteiras perto da Libéria, onde se marginalizaram e perpetuaram ações violentas em sua
totalidade.
Em 1992, os militares que lutaram contra a RUF realizaram um golpe de estado e
destituíram o governo do poder. Essa nova junta foi liderada por Valentina Strasser, que
diante de pressões internacionais prometeu realizar eleições democráticas em três anos, ao
final de 1995.
Muito desse conflito advêm da riqueza de recursos naturais que Serra Leoa possui -
em especial, diamantes. Contudo, essa riqueza não permanecia no país, pois Serra Leoa estava
presa a licenças internacionais confiadas a estrangeiros que corrompiam o poder vigente.
Sabendo desse valor a RUF aspirava primeiramente às áreas diamantíferas, pois essas serviam
para financiar o tráfico de armas e drogas na região. (OSTELLS, 2012, p.196-197)
A RUF, depois que roubou as áreas produtoras de diamantes, avançou cada vez mais.
Quando os rebeldes estavam às portas de Freetown, a capital de Serra Leoa, o governo de
Strasser recorreu a Executive Outcomes, e em maio de 1995, fechou um contrato que
primeiramente enviou 50 contractors. Nos seis meses seguintes chegariam mais 130.
Depois da liberação de Freetown pela EO, o alvo da empresa voltou-se para a retomada
das áreas diamantíferas Kono-Koidu. Em poucos dias a EO expulsou os rebeldes da região de
Kono com poucas baixas, tendo como o saldo mais importante que os rebeldes perderam sua
forma de financiamento mais produtiva.
Em janeiro de 1996, a Empresa Militar Privada EO estava se preparando para fazer o
ataque final à base da RUF. As eleições livres puderam ser realizadas e Ahmed TejanKabbah
foi eleito. Com ele no comando, o contrato com a empresa foi postergado até o fim daquele
ano.
Imagem 1 – Operações da Executive Outcomes em Serra Leoa 1995-1997.
30
Fonte: CIA World Factbook6, Adaptação: PEREIRA,2014.
Os combates continuaram por mais um ano, quando o presidente Kabbah rescindiu o
contrato com a EO, para dar lugar ao ECOMOG (sigla em inglês para Economic Community
Monitoring Group) que passou a combater os rebeldes da RUF.
Às vésperas do fechamento da empresa sul-africana parece estar, então no topo de
seu poder. Ela conta com uma equipe de 2 mil contractors e um armamento
impressionante: três Boing 727, os helicópteros usados em Serra Leoa, aviões leves,
mas também caças. A EO oferece uma gama de serviços de excelência: tiro de
precisão a longa distancia formação em contra insurreição urbana ou rural (o forte da
experiência do 32° Batalhão), paraquedismo, etc. (OSTELL, 2012, p.197).
Pode-se dizer que o saldo das operações da EMP foi positivo mesmo em curto prazo,
porque expulsou os rebeldes de sua fonte de financiamento. Contudo, a EO era uma tropa
pequena, não possuía a mesma estrutura de um exército regular. Adicionado a isso,
consequências negativas foram que o governo ao contratar a EO só aumentou ainda mais sua
dependência por forças externas. Isto deixou o Estado serra-leonês ainda muito fragilizado, só
conseguindo atingir a paz em 2002, após várias intervenções no país.
6 Imagem original disponível em: https://www.cia.gov/library/publications/the-world-
factbook/geos/sl.html acesso em 12/09/2014.
31
2.2 Empresas Militares Privadas e seu envolvimento indireto nas ações de combate.
Guerra do Iraque
Desde os atentados de 11 de setembro, o governo dos Estados Unidos aumentou o
combate contra o terrorismo. Invadiu o Afeganistão em 2001, atrás dos responsáveis pelo
ataque terrorista às Torres Gêmeas, Osama Bin Laden e o grupo terrorista Al Qaeda. Invadiu
também o Iraque atrás de Saddam Husseim sob o pretexto que ele seria uma ameaça global.
Em ambos os conflitos a participação das Empresas Militares Privadas foi
imprescindível para os ataques norte-americanos, como conta Ostells (2012): “(...) a
mobilização necessária aos EUA seria considerável e inflaria seus efetivos para além do
período do conflito” (OSTELLS, 2012, p.200).
Para evidenciar esses casos de envolvimento indireto das EMPs nos combates, foi
escolhida a Guerra do Iraque como corpus investigativo dessa proposta de estudo. Ao invés
da perspectiva da seção anterior, esta não se limitará a remontar a ação de uma empresa
isolada, mas sim, de todo um complexo que foi formado pelas EMPs no país do Oriente
Médio.
Do ambiente favorável ao boom da indústria.
A Guerra do Iraque em 2003 foi junto a Guerra do Afeganistão, um dos conflitos
armados com maior número de contractors estrangeiros. Durante o período, estrangeiros,
empresas multinacionais, organizações não governamentais, agências estatais e a própria
ONU utilizaram em algum momento Empresas Militares Privadas para garantir a segurança
de pessoas e bens e para de executar funções de apoio militar.
A presença das EMPs aumentou de forma expressiva no Iraque depois de uma política
clara dos Estados Unidos afirmando que não iriam garantir a segurança pública dos agentes
estrangeiros durante o conflito. Inclui-se o fato do vácuo de poder no governo iraquiano e a
ineficácia do governo de transição em segurança; e proteção aos empreendimentos
estrangeiros.
Esses agentes estrangeiros garantiram a sua segurança através de contratos com
Empresas Militares Privadas. Em 2007, o número de funcionários das EMPs superou o da
tropa dos EUA no Iraque (PALOU-LOVERDOS; ARMENDÁRIZ, 2011, p.31). Em
32
comparação com a primeira Guerra do Golfo, a proporção de pessoal contratado era 10 vezes
maior (SCHEIER; CAPARINI, 2005, p.1-2).
Essa presença estrangeira, principalmente de empreiteiros civis dedicados a investir
seus recursos no Iraque, não só resultou em um número crescente de Empresas Militares
Privadas, como foi um dos maiores fatores que impulsionou o crescimento das EMPs. Mesmo
com crescimento de oferta dos contractors a dependência pela segurança privada causou uma
inflação nos preços cobrados pelas companhias.
Em pouco tempo, os salários dos contractors passaram de 300 dólares por dia por
agente a uma faixa salarial entre 500 a 1.500 dólares. As EMPs de renome como a Blackwater
conseguiam faturar cerca de 1.500 a 2.000 dólares por pessoa / dia (SCHAHILL, 2007, p.28).
Esse “boom” da indústria cresceu de uma maneira tão rápida que as próprias EMPs no
Iraque fundaram um grupo comercial. Esse grupo deveria, além de representar tal parcela
industrial/comercial de serviços, regular esse mercado em ascensão. Tal junta denominou-se
Private Security Company Association of Iraq (PSCAI, em português Associação Iraquiana
Companhias Privadas de Segurança) e dissolveu-se em 31 de dezembro de 2011, quando as
tropas regulares do exército dos Estados Unidos deixaram a região. “Naquela época, o jornal
londrino The Times se refere ao mercado de segurança privada no Iraque, nos seguintes
termos: ‘No Iraque, a expansão dos negócios pós-guerra não é o petróleo. É a segurança”
(PALOU-LOVERDOS; ARMENDÁRIZ, 2011, p.32).
Estas empresas que trabalharam na reconstrução do Iraque estavam dispostas a
contratar as EMPs. Apesar de esta indústria ter crescido de forma abrupta no Iraque, a
segurança era um privilégio de poucos, grande parte da população iraquiana não usufruiu
dessa segurança (PALOU-LOVERDOS; ARMENDÁRIZ, 2011, p.32).
As Empresas Militares Privadas no Iraque e seus serviços
Palou-Loverdos e Armendáriz(2011) discutem principalmente os dados apresentados
por agências que cuidaram de levantar os relatórios de autoridades norte-americanas do
Departamento de Defesa e da Autoridade Provisória da Coligação (CPA sigla em inglês para
Coalition Provisional Authority), sobre a estimativa de cerca de 60 empresas que atuaram
com cerca de 20 a 25 mil contractors no Iraque. O levantamento feito pela Associação de
33
Companhias Segurança Privada do Iraque estimou que em 2006 mais de 181 empresas de
segurança privada estavam trabalhando com pouco mais de 48 mil funcionários.
Periodicamente, dados computados pelo Congresso Americano mostraram que o
número de contractors foi decaindo a partir de 2007 até o meio de 2011, ano de término da
permanência das tropas oficiais do exército americano.
Figura 2: Número de Contractors pelo número de tropas norte-americanas no Iraque (2007-2011).
Fonte: CENTCOM Quarterly Census Reports; Joint Staff, Joint Chiefs of Staff, “Boots on the Ground” monthly
reports to Congress. Adaptação: PEREIRA, 2014.
Percebe-se que o número de tropas regulares associa-se diretamente ao número de
contractors. Isso se relaciona à questão de que muitas EMPs oferecerem seus serviços ao
governo estadunidense. Quando o governo diminuiu seu efetivo, a demanda por serviços de
terceirização e segurança também baixou. Essa queda também se deu pela ocorrência das
empresas empreiteiras já terem executado seus projetos no país.
Em relação aos serviços, as principais atividades macro realizadas pelas Empresas
Militares Privadas no Iraque foram: suporte às ações militares e desempenhando papeis de
segurança privada.
Serviços de Segurança
34
Em relação aos serviços de segurança, as Empresas Militares Privadas tinham um
escopo bastante amplo. Seus contratantes eram os mais diversos, não exclusivamente os
Estados, mas também governos, organizações internacionais, humanitárias, mídia e empresas
transnacionais eram seus clientes mais comuns. Na tabela abaixo, são mostrados alguns de
seus serviços de segurança:
Principais atividades de segurança realizadas no Iraque.
Serviços que incluem armas:
1. Segurança de instalações. Proteção de estabelecimentos fixos: como
áreas de habitação, locais de trabalho,
prédios do governo.
2. Segurança de comboios. Proteção de comboios que viajam através
do Iraque.
3. Escolta de segurança. Proteção de indivíduos que viajavam em
áreas não seguras no Iraque; segurança e
proteção a indivíduos especiais.
Serviços de segurança que não incluem armas:
1. Coordenação operacional. Estabelecimento e gerência de comando,
controle e comunicações nos centros de
operações.
2. Análise de inteligência. Coleta de informações e desenvolvimento
de análise de ameaças.
3. Negociação de reféns. Investigação, negociação e resgate de
civis e outros contractors.
4. Treinamento de segurança. Treinamento para a Segurança Iraquiana.
Autor: PALOU-LOVERDOS; ARMENDÁRIZ, 2011, p. 44
Adaptação: PEREIRA, 2014.
É difícil, porém, elencar maiores informações dessas atividades, pois a maioria dos
contratos se firmava sob um pacto de confidencialidade. Até em caso de contratação pelo
35
Congresso norte-americano, os detalhes permaneciam em âmbito sigiloso (DCAF, 2008, 17).
Contudo, um relatório do Congresso Americano publicado em 2008, revelou alguns dos
acordos que o Departamento de Defesa (DoD sigla em inglês de Department of Defence) e o
CPA com EMP durante o período do conflito.
Em 2005, o Departamento de Defesa inaugurou uma categoria de contrato conhecida
como Worldwide Personal Protective Services II (WPPS II). Nessa categoria as empresas
contratavam e mantinham um relacionamento próximo com as agências e seus diretores.
No ano de 2008, o número de contractors a serviço tanto DoD e quanto do CPA
passavam de 9.000. Os laços dessas agências com as Empresas Militares Privadas se fizeram
cedo, no meio dos anos 90 com a Guerra da Bósnia. Contudo, foi somente a partir de 2004
que esse relacionamento se estreitou.
Os contratos com a Blackwater para vistoriar e fazer a segurança da embaixada dos
EUA em Bagdá em 2004; ou com o contrato com a Dyn Corp por suporte aéreo e treinamento
policial das Forças Iraquianas; passando pela análise de risco feita pela Aegis Defence
Services em 2005; mostram como existe uma política estadunidense para procurar no setor
privado soluções em segurança.
Serviços de apoio ao combate.
Além do desenvolvimento sem precedentes da indústria de segurança privada, as
EMPs também tiveram participação em serviços de apoio militar. Há assim como nos serviços
de segurança, um amplo escopo de serviços de apoio ao combate.
Os serviços ofertados incluíam planejamento estratégico, reconhecimento aéreo,
operações de voo, serviços de inteligência. Mas não só estes serviços eram considerados de
suporte ao combate, e sim todo serviço prestado que serviam os militares foi registrado como
de suporte ao combate, como apoio na logística de armamentos e suprimentos para os
quartéis-generais, além de trabalhos como lavanderia e de refeição.
Provavelmente um dos exemplos mais conhecidos a respeito da privatização das
atividades militares esteja relacionado com o desempenho dos serviços de inteligência, que
aumentaram desde o início da "guerra ao terror". Durante a guerra e a ocupação do Iraque, o
desempenho desses serviços por Empresas Militares Privadas incluíram atividades como
36
interrogação prisional, tradução de documentos estrangeiros e gerenciamento de outros
sistemas de inteligência (ELSEA; SERAFINO, 2004, p.4-7)
Além disso, parte do treinamento militar para as forças armadas nacionais e policiais
locais foi realizada em conjunto com algumas empresas. Estava incluso aí um treinamento
tático especial para situações críticas, planejamento estratégico e suporte para treinamento
com armas e equipamentos. Outros serviços realizados exclusivamente por militares, como
depuração de minas terrestres, foram transferidos às atividades das EMPs (GAO, 2005, p.13-
17).
Em relação à dimensão e ao risco que cada serviço ocupa, foi traçado um panorama
como base o relatório do Congresso Americano sobre o número de contractors por serviço
prestado no Iraque. O gráfico ilustra como a variação dos serviços “Base Support”,
terceirizados e militares relacionavam-se com a segurança e o número de contratantes:
Figura 3: Número de contractors por serviço no Iraque 2008-2011:
Fonte: DoD US CENTCOM 2nd Quarter FY2011 Contractor Census Report.. Adaptação por PEREIRA, 2014.
Em 2011, percebe-se que o número de contractors relaciona-se com o outsourcing, ou
seja, a terceirização de algumas funções que antes eram realizadas pelo exército americano,
37
confirmando os números de queda apresentados que acompanham a diminuição do número de
tropas regulares. Os outros serviços se mantiveram estáveis no encaminhamento final do
conflito.
Visto isso, pode-se dizer que os resultados das ações das EMPs foram múltiplos e
merecem uma análise diferenciada em comparação a ação da EO nos anos 1990. Para as
empresas e agentes que as contrataram aparentemente foi uma relação muito positiva, pois as
EMPs conseguiram prestar seus serviços em um ambiente que necessitava de segurança ou
outsourcing. às empresas, governos, OIs e ONGs que as contrataram, as EMPs eram a solução
possível, pois os Estados Unidos não garantiram segurança para agentes terceiros. Estes
quando viram que não encontrariam segurança acharam nas EMPs uma forma de poder atuar
no Iraque.
Para a população a presença das EMPs não causou uma segurança de fato. As
empresas não se envolviam com a população com este propósito. Inclusive esse
relacionamento possuía vários atritos, como em situações onde os direitos humanos foram
violados pelos contractors na população como abuso de força, assassinatos e tortura.
A situação que ocorreu no Iraque e Afeganistão pode ser uma amostra de como serão
os conflitos futuros envolvendo uma grande potência e as EMPs. A possibilidade de essas
potências utilizarem essas empresas é bastante alta, sobretudo aquelas originárias de seu
próprio país.
2.3 Envolvimento em missões de paz da ONU.
As discussões sobre o envolvimento das EMPs em operações da ONU geralmente
abarcadas de um entendimento errôneo do papel desempenhado por essas empresas. Como
bem mostra Ostensen (2011) as Empresas Militares Privadas não desempenham serviços de
segurança somente. Frequentemente o que mais fornecem são serviços logísticos em áreas de
conflito.
O trabalho dessas EMPs não substitui o trabalho a ser realizado numa missões de paz
da ONU, pois as empresas são contratadas para tarefas específicas como logística em locais
de difícil acesso. Os contractors não participam das forças de paz como soldados efetivados
em situações de manutenção de paz, (OSTENSEN, 2011, p.11).
38
Estados-membros contratando as EMP em nome da ONU
As Nações Unidas são clientes regulares das EMPs buscam, diferentes serviços
dependendo da agência ou programa como o Fundo das Nações Unidas para a Infância
(UNICEF), World Food Programme (WFP) e o Programa de Desenvolvimento das Nações
Unidas (PNUD).
As EMPs também se envolvem frequentemente em operações da ONU através de
alguma contratação de seus Estados-membros. Essa prática, por exemplo, é rotineira para os
Estados Unidos. Desde que o DoD estabeleceu que sua polícia federal não participa-se em
missões internacionais, os Estados Unidos faz um contrato com alguma EMP para integrar
estas missões como representante de sua força policial (OSTENSEN, 2011, p.12). O exemplo
disso, em abril de 2004 a Dyn Corp foi a empresa que forneceu seu pessoal para integrar as
forças de policial civil dos Estados Unidos, o que significa que todos os policiais
estadunidenses da Polícia Civil das Nações Unidas (UNCIVPOL sigla em inglês) eram
contractors. Desde então, o contrato é segue com outras EMPs. A Pacific Architects &
Engineers fez parte da contribuição nas Missões de Paz no Haiti e na Libéria.
A Dyn Corp firmou em 2003 outro grande contrato com o Departamento de Defesa
norte americano. Desta vez, a companhia deveria dar suporte à manutenção de paz na África,
onde a empresa poderia executar qualquer serviço possível de peacekeeping, capacidade de
vigilância e outros esforços no continente africano.
Países em desenvolvimento também buscam soluções junto as Empresas Militares
Privadas para realizar algum trabalho nas operações de peacekeeping. A Paramount Group
exerceu trabalhos de treinamento e logística, Aegis e a Global Risk foram contratadas pelos
Estados Unidos para dar proteção aos seus funcionários das Nações Unidas no Iraque.
Missões de paz
Nas operações humanitárias, as Empresas Militares Privadas atuam prestando serviços
de proteção a funcionários e instalações da missão, na avaliação de riscos no planejamento da
missão e oferecem treinamento de segurança tanto para os agentes da missão quanto para os
militares que vão acompanhar o trabalho deles. As agências das Nações Unidas interessadas
39
na contratação de alguma Empresa Militar Privada precisaram procurar autoridade específica
do United Nations Procurement Division (Divisão de Aquisições das Nações Unidas) para tal
finalidade.
A empresa Defence Systems Limited, por exemplo, forneceu agentes de segurança
para a UNICEF no Sudão e na Somália. Os serviços comprados com mais frequência das
EMPs por agências da ONU são segurança física de instalações, seguido de treinamento de
segurança. A ArmorGroup também realizou para o Alto Comissariado das Nações Unidas
para os Refugiados (ACNUR) serviços de segurança de escritório em 2008
(OSTENSEN,2011, p.14-15).
As tarefas realizadas por atores privadas em operações de peacekeeping são
normalmente restrito para funções de suporte e algumas relacionadas com segurança, (LILLY,
2000, p. 53-64). A ONU contrata as EMPs durante as operações de manutenção de paz para
serviços variados como guarda estática de segurança, apoio logístico e de desminagem e
destruição de material explosivo (OSTENSEN, 2011, p.15-17).
Exemplos de EMPs que prestam serviços de apoio às operações de paz incluem a Dyn
Corp, com o fornecimento de transporte de aéreo e controle de redes de comunicações via
satélite para a missão no Timor Leste. A Defence Systems Limited também prestou serviços de
logística e inteligência para as forças que participaram desta missão (SINGER, 2003, p.182-
186). A Pafic Architects & Engineers, por exemplo, também proveu apoio logístico à Missão
das Nações Unidas em Serra Leoa entre 2000 e 2003 e vários serviços de logística para a
Missão das Nações Unidas na República Democrática do Congo (MONUSCO) em
2001(CHATTERJEE, 2004).
Em muitos casos, os serviços parecem ser adquiridos em combinação: os serviços de
logística são muitas vezes combinados com a segurança, que por sua vez pode implicar na
coleta de informações ou serviços de inteligência semelhantes. Este parece ter sido o caso na
MONUSCO, quando a Armor Group prestou serviços de segurança e logística para a missão
(ALVES et al, 2014, p.17-18).
Contudo, a contratação dessas EMPs por parte das Nações Unidas pode levar a
questionamento do interesse dessas empresas como em 2010, quando a EMP ugandense
Saracen Uganda foi contratada pelas ONU para prover serviços de segurança não armada
para a MONUSCO. Tal contratação levantou polêmicas após a empresa ter sido acusada de
40
um envolvimento ilegal de recursos naturais na República Democrática do Congo e no
treinamento de um grupo paramilitar no país em parceria com o General Salim Saleh, irmão
do presidente ugandense Yoweri Museveni, o qual possui 25% da empresa (ALVES et al,
2014, p.24).
Ultimamente a utilização das Empresas Militares Privadas em missões de paz tem sido
significativa. De 2009 até 2013 foram feitas 31 contratações de empresas, sob diversos tipos
em serviços com uma faixa de orçamento bem diversificada também; desde U$ 54,517 mil em
serviços de segurança apresentados pela G4S Security Services na Sérvia entre 2010 e 2011,
até os U$ 2.761,213 mil da Asia Pafic Assurance Company Unipessoal (APAC) para os
mesmos serviços de segurança pessoal e de instalações no Timor Leste entre 2009 e 20107.
Como cada contratação e cada Missão de Paz têm suas próprias características, é
difícil apontar para uma situação onde a participação das Empresas Militares Privadas seja
decisiva ou não. A ONU não parece ter uma política clara em relação de como esses contratos
devem ser estabelecidos e não possui um protocolo claro de como essas EMPs devem operar.
Constata-se, portanto, que mesmo sem uma política clara a ONU continuará a usufruir dos
serviços das Empresas Militares Privadas em suas missões de paz desde que regulamentadas
para evitar qualquer desvio no eventual uso da força.
2.4 Empresas Militares Privadas como atores na Reforma do Setor de Segurança.
O papel das Empresas Militares Privadas na Reforma do Setor de Segurança (RRS)
pode ser melhor entendido no contexto de uma nova estratégia para o desenvolvimento que
ocorreu nos países em desenvolvimento.
A ideia de incluir o setor de segurança no âmbito dos programas para o
desenvolvimento de países do terceiro mundo foi encabeçada pelos países da Escandinávia e
Holanda. Este grupo de países via a reestruturação do setor de segurança como parte
importante para alcançar resultados significativos na melhoria da resolução de conflitos
(WILLANS apud KINSEY, 2000, p.2), principalmente porque não se tratava apenas de um
reforma nas forças policiais, mas sim de um processo mais amplificado que buscaria reformar
todo o sistema de justiça criminal, além de uma reestruturação militar ligada a uma gestão de
defesa nacional que também incluía reformas no legislativo e executivo (KINSEY, 2006,
p.123-124).
7 Verificar Anexo 1.
41
As evidências que provam esta mudança conceitual podem ser identificadas nos
diferentes cursos ofertados para os países africanos por parte dos governos doadores. Os times
de instrutores estadunidenses, por exemplo, começaram a enfatizar a importância de se
estabelecer relações civis-militares para gerenciar as forças de defesa nacional. Os cursos
oferecidos eram diversificados abrangendo um escopo grande como treinamento militar,
orçamento de defesa, compreensão do papel dos militares dentro de democracias, gestão de
logística entre outros.
No caso do Reino Unido, o ministro da defesa britânico estendeu o mandato do Time
Britânico de Treinamento e Assistência Militar (TBTAM) na África do Sul para ajudar o país
na criação e consolidação de seus mecanismos executivos de supervisão civis sobre as forças
armadas, enquanto o Departamento de Desenvolvimento Internacional colocou a questão da
RSS na agenda internacional em 1999 (HENDRICKSON, 2002, p.10-11). Sua inclusão na
área de desenvolvimento foi resultado deste doador pensar sobre a relevância da SSR em
questões de desenvolvimento.
A partir dos anos 1980, algumas firmas de segurança e consultoria começaram a
mover-se para as áreas de aconselhamento e consultoria em segurança. A EMP Control Risk
Group começou a atuar com consultorias de segurança para países desenvolvidos desde 1982.
A MPRI, também realizou programas de reforma militar nos Balcãs na virada do milênio,
também empreendendo reformas na área da justiça e aplicação da lei.
Empresas como a Atos Consulting, tem se envolvido na reforma dos sistemas de
segurança e justiça nos países em desenvolvimento. Um dos maiores projetos da empresa
nesta área específica foi realizado na Jamaica, onde a empresa foi convidada a rever e prestar
um relatório de três grandes ministérios, entre eles o da Segurança Nacional e o da Justiça
(KISNEY, 2006, p.125). Esta experiência no setor público deu a habilidade para trabalhar em
projetos na Reforma do Setor de Segurança, pois apesar da RSS ter uma característica
holística, muitas das pautas que estes projetos possuem se remete a ajustes no setor de justiça.
Grande parte do trabalho realizado por essas empresas de consultoria focadas a atender
o setor público está na contribuição para a construção das competências e capacidades locais.
Neste quesito reside uma diferença entre EMPs e forças de segurança privada locais no
tocante a tarefas de pós-conflito. Em grande parte as EMPs irão prestar seus serviços ao setor
público e as forças de segurança privadas locais irão prestar serviços ao setor privado, não
42
impactando de forma tão significativa para o projeto da RSS (WILLIANS; ABRAHMSEN,
2006, p.5-16).
Uma das principais regiões onde houve projetos de Reforma no Setor de Segurança foi
o continente africano. Os Estados africanos passaram por processos de reestruturação na
segurança, envolvendo políticas de reformatação das forças e profissionalização. Contudo,
muitos dos militares que compunham esses Estados precisavam ser democratizados e entender
que eles eram responsáveis pelo Estado, e não por algum indivíduo que ocupa o cargo de
Estado (BRYDEN, 2010, p.3).
As dificuldades de envolvendo recursos para essas tarefas acabaram sendo partilhadas
com doares internacionais(KISNEY, 2006, p.126).
Neste contexto africano, algumas agências internacionais e locais se aliaram às EMPs
para ofertar treinamento militar dirigidos por ex-militares.
A Executive Outcomes, por exemplo, se envolveu na reciclagem de militares africanos,
realizando contratos para treinar parte de militares angolanos.
Estas novas táticas de contra insurgência, um dos serviços mais bem executados da
antiga empresa sul-africana, fez com que a MPLA criasse os “grupos táticos”, todos com uma
doutrina altamente especializada com a experiência que a Executive Outcomes pôde
primeiramente treinar e aperfeiçoar.
A EO foi utilizada pelos militares angolanos devido à experiência prévia dos
contractors da empresa. Os militares que fundaram a EO tinham participado da guerra de
independência angolana, apoiando junto ao exército sul-africano e as forças da UNITA. Este
conhecimento do modus operandi da UNITA deu uma vantagens substancial para a formação
de grupos táticos treinados das Forças Armadas Angolanas (FAA) treinadas pelas Executive
Outcoems. Além disso, a EO sensibilizou o governo Angolano, ao usar seu conhecimento
para ajudar a população local a superar o problema da falta de saneamento. Isso ocorreu por
meio de purificação de água à população, serviço que não foi cobrado.
A Executive Outcomes contribuiu, assim para mudanças que ocorreram nas FAA entre
1993 e 1995. Um dos serviços prestados foi o aconselhamento de estratégia e doutrina. Dentre
as novas táticas que a EMP treinou os recrutas angolanos formando pequenos batalhões. Com
isso a FAA conseguia ter maior flexibilidade nos combate, aliada à competência histórica em
43
guerra convencional (CASTELLANO, 2012, p.32-33). Isso contribuiu para que a UNITA
tivesse de retomar antigas táticas de guerrilha perto da virada do ano 2000 (JANES, 2009,
p.83). Outra Empresa Militar Privada que participou também dos treinamentos e
aperfeiçoamento de doutrina e táticas, foi a Military Professional Resources Inc (MPRI), som
sede nos Estados Unidos, que seguiu a mesma linha que a EO praticava até 2002 (JANES,
p.51).
Entretanto, existem limites para a atuação das EMPs em RSS. Um desses limites
reside no fato que as EMPs não têm competências para doutrinar um exército inteiro em todas
as sua complexidade. No caso angolano, a EO só treinou parte de alguns batalhões, enquanto
reformas mais amplas ocorriam direcionadas pelo Estado angolano com parceria de forças
estrangeiras. O caso das RSS na República Democrática do Congo demonstra como este
modelo não é necessariamente favorável à capacitação das forças nacionais, sobretudo quando
está ausente um projeto mais amplo de reformulação doutrinária e de estabelecimento de um
sistema efetivo de comando e controle (CASTELLANO, 2014, 163-164). Outro limite que as
EMPs enfrentam quando participam de projetos de RSS é a capacidade que burlar o sigilo de
aspectos do emprego de força. Os exércitos, sobretudo de países em desenvolvimento, que
passam por processos de RSS correm o risco de uma empresa privada obter informações
sobre sua doutrina e procedimentos, fato que pode incrementar a sua vulnerabilidade.
Enfim, as EMPs podem, com apoio e controle adequados, gerenciar programas de RSS
mais específicos. Também é visto que é necessário que a Reforma no Setor de Segurança
desses países seja de forma holística, ou seja, que abranja todos os pontos para melhorar a
segurança e consequentemente o desenvolvimento do país. Por fim, é necessário que se
entendam os limites dessa atuação se ela quiser manter seu objetivo que é o desenvolvimento
de países desestabilizados.
Conclusão do capítulo
Este capítulo abordou várias formas de atuação das Empresas Militares Privadas.
Primeiramente, tratou-se da atuação dessas empresas em conflitos armados, de forma direta
como no caso de Serra Leoa e de forma indireta como na Guerra do Iraque. Posteriormente,
evidenciou-se que a atuação das EMPs na resolução dos conflitos, em missões de paz e nos
projetos de Reforma no Setor de Segurança.
No próximo capítulo serão debatidos os dilemas envolvidos na atuação das Empresas
Militares Privadas.
44
3. PRINCIPAIS DEBATES SOBRE O USO DE EMPRESAS MILITARES PRIVADAS
Dando continuidade as explicações sobre as Empresas Militares Privadas, se faz
necessário, definir, classificar e apresentar os serviços de tais empresas a fim de verificar a
sua forma de atuação no mercado de trabalho.
Primeiramente, será exposta a localização geográfica das empresas e, posteriormente,
a relação dos seus fundadores com os governos e com a opinião pública. Na segunda seção do
capítulo será explanada casos de abusos de direitos humanos por parte dos contractors. Ainda
nesta parte cerceará pontos sobre a legalidade das empresas. Informará, também, dentre os
países que mais possuem EMPs e os que mais receberam sua atuação que tipo de legislação
possuem sobre as Empresas Militares Privadas. Seguindo essa seção serão evidenciadas
algumas iniciativas internacionais como o estabelecimento de parâmetros de controle e
qualidade, e iniciativas internacionais sobre o regulamento das EMPs por parte dos Estados.
Por fim, sucede-se um balanço sobre a utilização incluindo os positivos e negativos das
Empresas Militares Privadas.
3.1 A geografia das Empresas Militares Privadas
Ter acesso a um banco de dados sobre as Empresas Militares Privadas é dificultoso,
principalmente pelos parâmetros que cada censo é realizado e por ser um mercado muito
fechado. Geralmente, as pesquisas são sobre um acontecimento mais especifico como o
levantamento realizado pelo Congresso estadunidense, da atuação das EMPs nos conflitos do
Iraque e Afeganistão.
Apesar disso, para mostrar como as Empresas Militares Privadas estão dispostas
geograficamente foi utilizado o estudo de Dunar, Mitchell e Robbins em 2007. Nesse trabalho
os autores apresentam dados sobre as Empresas Militares Privadas. Escolheu-se a pesquisa
mencionada pela quantidade de dados obtida.
Em relação ao posicionamento geográfico das Empresas Militares Privadas espalhadas
pelo globo é interessante notar que quase metade das 486 pesquisadas tem suas bases
principais instaladas nos Estados Unidos com a porcentagem de 46%. Os números seguem os
do Reino Unidos com 19% e África do Sul e Europa com 6% cada.
Figura 4: Origem das Empresas Militares Privadas por país.
45
Fonte: DUNAR, MITCHELL, ROBBINS, 2007, p. 16 Adaptação: PEREIRA, 2014.
Apesar da maioria das EMPs aturem mais em Estados fracos, suas bases se encontram
nos países centrais. Muito desse fato, mostra a necessidade dos exércitos desses países na
privatização de características antes feitas por militares. Em alguns casos reside no fato destes
países possuírem um histórico de atividades mercenárias, como a África do Sul e Reino
Unido.
Outra análise interessante que Dunar, Mitchell e Robbins (2007) trazem é a origem
dos fundadores dessas Empresas Militares Privadas. Essa informação é um indicador de como
essas empresas podem se relacionar com seus governos. Caso os seus fundadores tenham
advindo do exército ou de agências de inteligência, por exemplo, isso pode gerar a companhia
vantagens perante as outras empresas em virtude de alguma conexão que obtiveram no meio
público.
Segundo Dunar, Mitchell e Robbins 86% das empresas tiveram seus fundadores
militares aposentados, ex-agentes oficiais de defesa, inteligência ou segurança.
Figura 5: Histórico dos fundadores das EMPs
Localização das EMP por país
Estados Unidos (46%)
Reino Unido (19%)
África do Sul (6%)
Europa (sem Reino Unido) (6%)
Oriente Médio (5%)
África (1%)
Outros (5%)
Desconhecido (12%)
46
Fonte: DUNAR, MITCHELL, ROBBINS, 2007, p. 14 Autor: PEREIRA, 2014.
Outro fator que evidencia o arranjo global das Empresas Militares Privadas relaciona-se
às capacidades quanto ao exercício de suas atividades. Assim, baseado na classificação de
Avant (2005) percebe-se que as empresas têm um escopo bastante diversificado quanto as
suas capacidades profissionais.
Figura 6: Capacidades Dominantes das Empresas Militares Privadas (Baseado na classificação de Avant)
Fonte: DUNAR, MITCHELL, ROBBINS, 2007, p.28 Autor: PEREIRA, 2014.
Histórico dos Fundadores das EMP
Ex militares, CIA, FBI, Serviço
Secreto e ex-policias (86%)
Sem ter passado por algum
ambiente militar ou político
(14%)
Capacidades Dominantes
Suporte Logístico (172)
Treinamento e Aconselhamento
Militar (113)
Segurança Pessoal e de
Instalações (40)
Suporte Operacional (15)
Prevenção de Crime e
Inteligência (4)
Sem uma Capacidade
Dominante (55)
47
O gráfico mostra como o Suporte Logístico (43%), o Treinamento e Aconselhamento
Militar (28%) são as capacidades dominantes na maioria das EMPs. Esse fato vislumbra como
as Empresas Militares Privadas focam-se nas atividades de apoio às tropas estatais.
A relação das Empresas Militares Privadas com os governos onde ficam suas sedes é
importante, pois evidencia em parte como os próprios governos demandam serviços das
EMPs.
Numa comparação entre as duas capitais dos dois países que concentram o maior
número de Empresas Militares Privadas, Washington e Londres, a porcentagem das EMPs
que tem suas bases próximas a centros políticos (50 milhas) chegou a 39% em 2007. Deve-se
esse fato pelo motivo que as empresas ficam próximas às decisões governamentais,
possibilitando um contato proximal com aqueles que vão decidir os contratos de prestação de
serviços das empresas.
Essas empresas, quanto mais próximas das cidades capitais, detém mais renda, tanto que
representam 58,3% da receita total de produção no ano de 2007.
Figura 7: Relação Proximidade com a Capital (50 milhas) com a Receita Total das EMPs (2006).
Fonte: DUNAR, MITCHELL, ROBBINS, 2007, p. 60 Adaptação: PEREIRA, 2014.
Contudo, a percepção pública norte-americana sobre o uso de Empresas Militares
Privadas no apoio ao combate do exército tem sido negativa principalmente pelas fontes
midiáticas (KORNBURGER, DOBOS, 2007, p. 35). Casos como o da Blackwater (ver seção
0
1
2
3
4
5
6
7
8
EMP longe das cidades capitais EMP próximas das cidades capitais
US$ 7,149 bi
US$ 5,11 bi
48
3.2) no Iraque só corroboram essa nuvem crescente de negatividade, diminuindo ainda mais o
apoio ao público para as EMPs.
Não é somente só nos Estados Unidos que a opinião pública tem uma conotação
negativa do uso de EMPs. Em uma pesquisa de opinião realizada na Rússia (INSENBERG,
2014), a porcentagem de pessoas que responderam negativamente foi de 78%, contra as
pessoas que responderam positivamente foi de 18% para questionamento sobre a necessidade
de utilização de EMPs pelo exército russo. Há bastante tempo, as autoridades russas desejam
legalizar suas EMPs.
É difícil determinar especificamente qual a totalidade de países aonde as Empresas
Militares Privadas já atuaram. Contudo, se for separado de forma mais ampla os locais de
atuação das EMPs verifica-se que grande parte foi Estados fracos. Nos anos 1990, o alto
índice de conflitos nos países periféricos se mostrou um ambiente onde as EMPs exerceriam
suas maiores atuações. Mesmo com a virada no milênio, a configuração de países não mudou,
continuaram sendo Estados periféricos com alto nível de instabilidade onde as Empresas
Militares Privadas mais atuaram.
3.2 Empresas Militares Privadas e os impactos nas sociedades locais.
O impacto que as Empresas Militares Privadas causam nas comunidades locais é
profundo. Os contractors fazem uso de práticas de abuso de força com frequência como visto
no Iraque e Afeganistão. O impacto na população dar-se-á de forma muito negativa para as
comunidades locais na maioria dos casos.
Problemas como a definição correta do que seriam as EMPs, e a falta uma legislação
efetiva foram fatores que propiciaram certas situações em que os direitos humanos foram
transigidos por parte das EMPs, sendo que em muito dos casos não houve qualquer tipo de
penalidade para os seus funcionários.
Os contractors, independente do tipo de empresa, irritam de muitas formas as
populações locais. Em sua maioria não respeitam a população quando as encontram
diariamente. Forçam os civis a desviar-se da estrada, dirigem na contra mão sem
constrangimento, ameaçam os civis com armas quando não dão passagem. Mesmo os
funcionários das EMPs que trabalham desarmados irritam a população, pois a percepção dos
49
locais é que estas pessoas retiram as oportunidades de emprego e mesmo quando as EMPs
contratam alguém local, o tratam eles com desrespeito (HAMMES, p.6, 2010).
Abusos em relação ao uso da força são, talvez, os maiores problemas que as
comunidades podem enfrentar com a atividade das Empresas Militares Privadas. No Iraque,
por exemplo, há grandes relatos em relação ao abuso da força por parte das EMPs. Em
novembro de 2005, por exemplo, funcionários da Aegis International deliberadamente
atiraram contra carros civis perto de uma rodovia do aeroporto de Bagdá (MATHIEU,
DEARDEN, 2006, p.14).
Outro caso notório é da empresa Blackwater. Em setembro 2007, ocorreu o incidente da
Praça Nissour. Funcionários da companhia entraram em um tiroteio, perto da Praça em Bagdá
e deixaram um saldo de 17 civis mortos e em torno de 20 feridos. Segundos relatos os
contractors se encontravam em quatro carros quando foram surpreendidos por insurgentes
que atiraram contra o comboio. A partir desse fato, os funcionários das EMPs começaram a
atirar indiscriminadamente (PALOU-LOVERDOS, ARMENDÁRIZ, 2011, p.54). Os
contractors foram julgados e considerados culpados por crimes de guerra, após sete anos de
investigações dentro dos Estados Unidos e somente após pressões socias (APUZZO, 2014).
Apesar dessa condenação a percepção que os iraquianos possuíam sobre os contractos
era de “desgosto”. Muitos iraquianos se voltavam até contra os Estados Unidos que, para a
visão da população dava legitimidade para os excessos cometidos pelos contractors.
Houve ainda mais raiva com as ações dos contractors. Os iraquianos notaram que os
Estados Unidos deram aos contractors autoridade para usar força letal em seu nome.
Enquanto os iraquianos não confiavam que as foças estadunidenses iriam punir eles
por mortes da população, acreditavam ao mesmo na possibilidade. (HAMMES, p.6,
2010)
Esses eventos de contractors atirando e ameaçando de forma aleatória com o pretexto
de autodefesa não discriminando civis de insurgentes parece ser uma prática comumente
usada no Iraque:
(...) foi relatado que o procedimento operacional padrão das EMP foi muitas vezes
para atirar primeiro, perguntar depois. Alguns casos também foram identificados,
onde teve o tiroteio de civis foi justificado com o argumento que eles considerados
(perigosos) por estarem dirigindo perto demais de seu comboio (PALOU;
ARMENDÁRIZ, 2011, p.55)8.
8 “For example, at least one case has been reported where the PMSC’s standard operating procedure ‘was often
to shoot first, ask questions later’ Some cases have been also identified where the shooting of civilians was
justified on the grounds that they were deemed to have been driving too close to their convoy under protection.”
50
Um caso como as EMPs podem prejudicar não só a população, mas também seu
contratatantes foi o incidente em Fallujah. Onde quatro contractors da Blackwater foram
mortos, mutilados e expostos pela mídia mundial. Devido a esse fato, o exército americano
fez uma das maiores operações de combate de toda a Guerra do Iraque (RICKS, p.399, 2007).
Esta ação resultada de um ato falho da EMP fez com que muitos civis iraquianos, e militares
americanos fossem mortos, ou seja, os custos tanto políticos quanto financeiros que a
Blackwater causou ilustra como as EMPs podem ser perigosas.
Além do abuso de força cometido pelos contractors, principalmente no Iraque e
Afeganistão, houve também abusos de direitos humanos9. Em 2001 na Bósnia, vários
colaboradores da Dyn Corp foram acusados de participar de uma rede de prostituição que
usava garotas menores de idade, além de compra de armas ilegais e de forjar passaportes.
Um dos supervisores da EMP foi acusado de estupro. Ele filmou a cena incluindo duas
jovens, suas vítimas, que não se sabe se eram menores de idade. Embora os funcionários
envolvidos tenham sido demitidos, nenhum enfrentou um processo criminal, perante alguma
corte internacional ou do próprio país. Kathryn Bolkovac, o empregado que fez a denuncia,
também foi demitido.
Outro episódio notório que chocou a opinião pública mundial foram os abusos
cometidos nas prisões de Abou Garaib (DEL PRADO, 2010). Nesse episódio, participaram
não só militares nas torturas dos prisioneiros de guerra, mas também os funcionários da L-3
Communication-Titan e da CACI.
Em relação à Dyn Corp, há ainda, duas acusações envolvendo atividades sob
contratação dos Estados Unidos no Plano Colômbia, em que no início dos anos 1990 a EMP
foi contratada para jogar agentes químicos antidrogas nas plantações de cocaína. O uso
desenfreado e não correto desses produtos resultou a contaminação de uma parte da população
que morava perto das plantações (DEL PRADO, 2007).
Existem inúmeros casos de funcionários de Empresas Militares Privadas que
cometeram abusos durante a prestação de seus serviços. Em muitos desses episódios isso
aconteceu pela falta de uma estrutura estatal forte para regulá-los e julgá-los quando
9 O abuso de força ocorre quando os efeitos de se buscar certo objetivo afetam de forma direta terceiros, onde
não se tem essa intenção, mas o excesso de força e a transgressão ocorrem da mesma forma. Já a violação dos
direitos humanos diz respeito é uma consequência direta do objetivo visado.
51
necessário. Contudo, trata-se de uma responsabilidade que envolve igualmente contratante e
Estados sede das EMPs.
3.3 Questões legais
As leis nacionais que regem o uso de Empresas Militares Privadas variam muito em
extensão e complexidade. Os Estados Unidos têm o sistema de regulação mais complexo
implementado (DCAF, 2008, p.7). Em vários sistemas nacionais, as EMPs que prestam
serviços militares e /ou de segurança estão sujeitas a requisitos de licenciamentos e de
habilitação. Contudo, em muitos estados, ainda existe a exploração comercial desses serviços
que são realizados de forma obscura e sem regulação.
Foi feita a análise dos três principais países onde se originam as EMPs que são os
Estados Unidos, Reino Unido e África do Sul. Também serão mostrados os dois países que
mais receberam contractors, que são o Iraque e Afeganistão que tipo de mudanças esses dois
grupos de países possuem. Por final, será colocada como andam as iniciativas internacionais
encabeçadas pela Suíça.
Em ambos os países Afeganistão e Iraque, essa regulação está diretamente relacionada
às invasões lideradas pelos Estados Unidos. Como foram os maiores palcos para a atuação das
Empresas Militares Privadas. Fez-se necessário uma legislação que atentasse para a atuação
das EMPs. Quando esses dois países tiveram certa independência política em relação às
coalizões que as invadiram, além da alta regulação das EMPs, começou um processo de
restrição das ações das Empresas Militares Privadas.
A situação no Afeganistão ficou crítica. O governo tolerou a presença das EMPs a até
2010, quando o governo afegão anunciou uma política de dissolver EMPs locais e proibir
outras de operar. Esse processo ainda está em andamento, as lacunas de proteção e segurança
agora estão sendo fornecidas pelas forças afegãs (PSM, 2014). No caso do Iraque, o turning
point foi em 2007 quando ocorreu o incidente da praça Nissour, envolvendo os contractors da
Blackwater, A partir desse fato, cada vez mais o parlamento iraquiano considera novas
normas para uma regulação maior sobre as EMPs (HAMMES, 2010, p.5-7).
Na África do Sul, os serviços de segurança e serviços militares têm crescido nos últimos
anos, principalmente pelas altas taxas de criminalidade do país. Outro fator que faz com que
esse país tenha uma legislação mais intensa e uma regulação alta sobre essas empresas deriva
52
pelo fato da África do Sul ter um histórico de atividades mercenárias desde a extinção do
apartheid, vide Executive Outcomes.
Com a preocupação que isso poderia causar para a paz e segurança no continente
africano, o governo de Pretória preferiu restringir fortemente as operações dessas empresas e
criar um quadro regulamentar interno sofisticado para reger o setor.
O Reino Unido, como segundo país que mais concentra Empresas Militares Privadas,
possui uma legislação para empresas de segurança que atua domesticamente, e outra
legislação que regula as empresas que atua externamente. As EMPs que atuam no exterior não
possuem muita restrição em suas atividades. Devido ao escopo internacional de operações do
Reino Unido, o governo de Londres opta por uma abordagem de autorregularão dessas
empresas com base na assinatura de acordos internacionais.
Os Estados Unidos são o maior consumidor mundial de serviços militares e de
segurança privada, além disso, é o país que concentra o maior número de Empresas Militares
Privadas. Pelo fato do governo americano utilizar excessivamente essas empresas, sua
regulação e supervisão ficam difusas e divididas entre o Congresso, as agências federais.
Empreiteiros militares e de segurança privadas estão sujeitos a um conjunto complexo
de leis e regulamentos, e suas atividades são analisadas e relatadas por mais de 20 órgãos de
fiscalização federal e comitês.
Frente à insuficiência das legislações locais, a Suíça é um dos principais apoiadores nos
esforços para uma regulação internacional sobre as Empresas Militares Privadas. Está na
liderança patrocinando duas iniciativas para as duas partes mais interessadas nesse processo,
os governos e as empresas signatárias normas e regulamentos para a indústria de segurança
privada.
O documento Montreux (FDFA, 2008) é uma iniciativa intergovernamental, com o
objetivo dos estados signatários se comprometerem a defender o direito humanitário
internacional e dos direitos humanos. Atualmente, o número total de países signatários10
é 51,
mais a União Europeia, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e a
Organization for Security and Co-operation in Europe (OSCE).
10
Ver Anexo B.
53
A segunda iniciativa encabeçada pela Suíça em 2013 é em relação ao Código
Internacional de Conduta (ICOC sigla em inglês para International Code of Conduct), essa
iniciativa buscou uma alta definição dos padrões de conduta utilizados pelas Empresas
Militares Privadas. As empresas signatárias do ICOC concordaram em aderir a um conjunto
de práticas para suas operações baseados nos direitos humanos, bem como para melhorar a
prestação de contas da indústria e estabelecer um mecanismo de supervisão independente
externo. Presentemente, o número de EMPs participantes é de 708 (ICOC, 2008) 11
espalhadas pelo globo, mas com uma concentração maior na Europa e América do Norte.
Apesar dos suíços terem uma tradição mercenária medieval, o país não sofreu os efeitos
que propiciaram a ascensão das Empresas Militares Privadas em suas terras com o fim da
Guerra Fria. Mesmo assim, esse país tem se esforçado para criar normativas interessantes para
a regulação das EMPs e a receptividade das iniciativas estão dando resultados, visto a alta
aderência de Estados, no Documento de Montreux, e das Empresas Militares Privadas, na
ICOC, em tão pouco tempo.
A ONU tem uma participação mais discreta nesse processo. Como comentado no
primeiro capítulo, sua legislação e definição sobre as Empresas Militares Privadas ainda são
desatualizados. O debate das EMPs está contido no Conselho de Direitos Humanos. A
organização não possui uma diretriz formal perante os Estados sobre o uso de mercenários ou
agentes de segurança privados como os trabalhados pelo Documento de Montreux.
Recentemente, foram anunciados relatórios através do Grupo de Trabalho das Nações
Unidas sobre o uso de Mercenário, tanto que em 2013 o próprio grupo fez um apelo (UNRIC,
2013) à instituição que realmente faça um debate sobre o as violações de direitos humanos
cometidos pelos contractors.
Apesar dessas movimentações, para a regulação dessas empresas, houve uma demora
em se pensar em um ordenamento jurídico. Desde a ascensão das EMPs no início dos anos
1990 até o final dos anos 2000 com o Documento do Montreux (2008) e o Código
Internacional de Conduta (2013), a aplicação do direito internacional sobre os contractors era
difusa.
54
Isso não significa que, pelo fato de existir uma normativa sólida, esse acordo terá
efetividade. A mudança dos signatários deve se fazer presente também na prática de suas
ações, não apenas para uma aceitação de opinião pública.
3.4 Balanço sobre os benefícios e malefícios do uso de Empresas Militares Privadas.
Como o assunto Empresas Militares Privadas são de certa forma bastante plural,
estabelecer os pontos positivos e negativos de seu uso torna-se essencial para fazer o
balanceamento de seu uso. Isso, pois existem muitas variáveis que devem ser consideradas
como tipo de atuação, serviços, perfil e histórico das empresas entre outros.
Contudo, um dos pontos de destaques evidenciados, por aqueles que defendem a
utilização de EMPs enfatiza que o uso das EMPs gera uma redução de gastos militares em
curto prazo. Essa argumentação tem como base que as EMPs podem representar uma
diminuição de custos em curto prazo para os governos. Embora, os custos de salários dos
contractors sejam maiores custos que dos soldados, todos os equipamentos e outros gastos
aparentes que o Estado gasta com seus militares, não precisam desprender como moradia para
militares, auxílio médico, pagamento de pensões etc. Também o emprego dos contractors
retira certo peso político, em curto prazo, pois a morte de um combatente recai sob a
responsabilidade do governo, diferentemente se fosse um combatente privado.
As EMPs, que prestam serviços de terceirização para os Estados, diminuem a
quantidade de funcionários convocados, o tempo de especialização e gerenciamento desse
pessoal. Além disso, essas empresas responsabilizam-se para certos serviços que o exército
teria que dispor não referente ao combate, como alimentação, lavanderia, entre outros. Este
fato deixa os exércitos exclusivamente a cargo das competências militares, há menos
burocracia e menos gasto de dinheiro para o Estado.
Outro fator positivo é a mobilização rápida. A habilidade na rapidez em mobilizar um
grande número de especialistas em um curto espaço de tempo é algo característico em
Empresas Militares Privadas. Como muitas vezes é necessário algum tempo de treinamento,
instrução e todo um planejamento de adequação param se mobilizar uma tropa até seu destino,
ao contratar as EMPs esse tempo restringido pela bagagem e experiências eu apresentam os
contractors.
55
Serviços especializados com resultados significativos também podem ser considerados
vantagens das Empresas Militares Privadas. Esse ponto está relacionado com os serviços de
segurança, quando empresas multinacionais, organizações não governamentais ou
intergovernamentais precisam de um serviço de segurança rápido e confiável.
Os pontos negativos geralmente apontados no uso de EMPs estão relacionados
principalmente pela falta de controle dos contrates sobre essas empresas. Abusos cometidos
por contractors, podem gerar altos custos políticos para os contratantes, sobretudo os Estados.
Estes custos podem redundar em custos militares, caso a ação de contractors gere reações
locais e acabe agravando e estendendo a complexidade do conflito armado, como ocorrido no
caso do Iraque.
Outros pontos negativos relacionam-se à transparência de negociações e contratos.
Apesar de o governo americano, por exemplo, publicar relatórios sobre o uso de contractors
regularmente no Iraque e Afeganistão, não chegam a dar detalhes sobre como os contratos de
fato que foram acordados com as EMPs. Assim, permanecem ocultos detalhes que poderiam
esclarecer o relacionamento destas empresas com os governos e qual a responsabilidade que
cada parte tem a cumprir.
Outro ponto discutido sobre a utilização apontado pelos críticos das EMPs é o fato de
muitas vezes o contratante não ter o controle de quem realmente irá fazer o serviço, ou seja,
não se sabe a qualidade desses funcionários. O Estado não tendo o controle das pessoas que
estão executando as operações, não tem o controle do que está sendo executado diariamente,
nem da interação com a população local. Não possui relatórios para reavaliação de sua
doutrina, aperfeiçoamento de seu treinamento. Este conhecimento não permanece no exército
e mantem-se na empresa contratada.
Além dos impactos nos direitos humanos existe outro fator ligado a isso que é um
ponto negativo ao usar EMPs. Na existência de algum abuso por parte de algum funcionário
da empresa, geralmente a população local associa este abuso como responsabilidade do seu
contratante. Este fato pode dar ao seu contratante uma consequência política indesejada,
muitas vezes negativa. Muito disso explica grande parte da mídia frisar tanto os episódios de
abusos de direitos humanos, acusando não só as EMPs, mas os atores que algum dia a
contrataram. O caso mais notório deste fato sucedeu-se no incidente de Fallujah, quando
contractors da Blackwater foram mortos, mutilados e expostos nos noticiários mundiais, tal
56
reverberação do caso que houve uma ação de combate do exército americano na cidade, sendo
uma das maiores batalhas ocorridas no conflito.
Por último, um ponto que está intimamente ligado ao debate do uso de EMPs é o
aumento da dependência do Estado pelos serviços dessas empresas. Com o aumento da
terceirização feita pelos exércitos, muitos daqueles que fazem críticas apontaram para a
crescente dependência que os exércitos podem ter quando terceirizam parte de suas
capacidades e competências. Sistemas de satélites, manutenção de drones, sistemas de
inteligência, por exemplo, todas estas capacidades em parte tem alguma participação das
EMPs. Essa interação entre governos e EMPs cria uma dependência por parte do Estado em
áreas estratégicas e logística. Essa situação é ainda agravada no caso de Estados fracos.
Por fim, o risco que algum contratante possui ao contratar uma Empresa Militar
Privada é relativo. Dependendo dos tipos de atuação que esta empresa vai prestar seu serviço
pode ter um risco maior ou menor. Quando as EMPs tem uma atuação durante o
acontecimento de um conflito, seja por envolvimento direto ou indireto, o risco que
aconteçam com mais frequência os pontos negativos é maior, principalmente pela falta de
controle que seus contratantes irão ter e pelo peso político que eventuais abusos cometidos
pelos contractors podem trazer. Mesmo com a mobilização rápida e custos reduzidos
decorrente do uso das EMPs, os benefícios seriam reduzidos se o conflito estendesse como
ficou claro no caso do Iraque e Afeganistão.
Por outro lado, quando se tenta fazer esse balanço para a atuação das EMPs na
resolução de conflitos os possíveis riscos são diminuídos, e a utilização dessas empresas como
apoiadoras parece ser mais positiva. Isso, desde que haja uma regulamentação das suas
operações e que se tenha muito bem definido os controles para seus abusos. Ter o know-how
logístico, a rápida mobilização, o apoio à segurança de forma eficiente sugerem o potencial
grande das Empresas Militares Privadas em auxiliar organizações como a ONU a aperfeiçoar
seu serviço de missões de paz. Isso, desde que não sejam os atores principais da missão como
capacetes azuis, por exemplo. Em Reformas do Setor de Segurança, as EMPs podem ser
aliado para estabilização de países. Muito embora, haja riscos significativos, relacionados ao
sigilo e informações doutrinárias e à atomização do processo, caso não seja direcionado por
um modelo estratégico de fortalecimento das forças armadas nacionais. A transformação do
exército angolano utilizou parte dos conhecimentos da EO direcionado à formação de um
Exército nacional robusto com grandes funções sociais (educação e reintegração nacional).
57
Conclusão do capítulo
Este capítulo trouxe alguns dilemas envolvendo a utilização de Empresas Militares
Privadas. Primeiramente, foi feita a colocação espacial destas empresas no globo.
Posteriormente, foi visto como as EMPs em maioria impactam negativamente as populações
locais, muito advento do excessos cometidos pelos funcionários dessas empresas. As novas
iniciativas internacionais podem ajudar neste sentido, já que muito desses abusos são
decorrentes da falta uma legislação que responsabilize corretamente estes atores.
Por fim, foram demonstrados alguns pontos positivos e negativos da utilização das
EMPs. Como pontos positivos em grande parte estão relacionados a diminuição de custos e de
burocracia no curto prazo. Contudo, se os contratos se estenderem por um longo período o
balanço de seu uso pode se tornar negativo, pela falta de controle por parte dos contratantes
sobre as EMPs e os possíveis custos políticos que os contractors podem gerar se houver
algum incidente grave envolvendo a população. Os benefícios maiores, embora com ressalvas
importantes, podem ser verificados na utilização de EMPs em processos de resolução de
conflitos armados.
58
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho tratou sobre a atuação das Empresas Militares Privadas no cenário
internacional. O objetivo da pesquisa foi focado na sua atuação estratégica dessas empresas e
nas consequências positivas e negativas de seu uso. O trabalho teve por finalidade também
apresentar o histórico da ascensão das EMPs, evidenciar os tipos de serviços prestados e
debater os principais dilemas que as EMPs trazem para a comunidade internacional.
No primeiro capítulo foi mostrado porque as EMPs devem ser consideradas diferentes
de mercenários comuns. Sua principal diferenciação dá-se pela institucionalização e pela
lógica comercial que as EMPs possuem. Logo após esta explicação, relatou-se de um breve
histórico do uso de mercenários e como tiveram seu auge e declínio. Por fim, foram expostos
os principais fatores da ascensão das Empresas Militares Privadas. Atualmente, se pode dizer
que os principais fatores para a expansão das EMPs ainda residem no fato que alguns
exércitos estatais estão privatizando cada vez mais suas esferas não militares.
O capítulo 2, pretendeu responder a primeira pergunta de pesquisa. Para um melhor
entendimento de como poderia ser apresentado os vários tipos de atuação das Empresas
Militares Privadas o capítulo foi dividido em duas situações. A primeira situação mostrou as
principais formas de atuação das EMPs durante um conflito armado. Para isso, mostrou-se
tanto o envolvimento direto das EMPs, como no caso da Executive Outcomes em Serra Leoa,
e um envolvimento indireto nas ações de combate, sendo o caso exposto a Guerra do Iraque.
Como resultado, em ambos os casos a atuação das EMPs não ajudaram na estabilização dos
conflitos elas participaram. Já a segunda na situação expôs a atuação das EMPs nas resoluções
de conflitos armados. Avaliou-se, portanto, o envolvimento das Empresas Militares Privadas
em missões de paz e atuando nos projetos de Reforma do Setor de Segurança. Nestes casos o
balanço de sua atuação foi mais positivo, mas esse tipo de atuação tem seus condicionantes.
As empresas não devem ser os principais atores nessas missões e deve-se ter algum tipo de
apoio jurídico, caso haja algum abuso. Além disso, os processos de RSS precisam ser
direcionados por modelos de reconstrução de doutrina, unidade e comando e controle para
poderem se valer positivamente dos serviços das EMPs.
O capítulo 3 trouxe alguns desafios enfrentados pela comunidade internacional
dilemas envolvendo o uso de Empresas Militares Privadas. A geografia das EMPs é singular,
pois majoritariamente se encontram nos países centrais ou nos Estados que possuem um
59
histórico em atividade mercenária. Contudo, essas empresas atuam em regiões de periferia do
globo, em sua maioria em Estados fracos. O relacionamento que essas empresas possuem com
a população local gera quase sempre atritos, muito pelo fato dos contractors. Muito desses
abusos são decorrentes da falta uma legislação que responsabilize estes atores. Foi debatido o
balanço do uso de EMPs e em que condições se poderia ter um saldo positivo ou negativo. Os
argumentos positivos estão em grande parte relacionados à diminuição de custos e de
burocracia, fazendo destas empresas uma opção possível alternativa no curto prazo.
Entretanto, no longo prazo o balanço de seu uso pode se tornar negativo, pela falta de controle
por parte dos contratantes sobre as EMPs e os possíveis custos políticos que os contractors
podem gerar se houver algum incidente grave envolvendo a população.
Em ambos os casos evidenciados na pesquisa expressam que as EMPs não trouxeram
resultados positivos para a resolução do conflito. A Executive Outcomes teve um bom papel
desempenhado na guerra civil serra-leonesa, mas falhou, pois deixou Serra Leoa dependente
cada vez mais de agentes externos sem uma estrutura estatal para a formação de um exército
que pudesse dar autonomia para o país, deixando o país muito vulnerável. O conflito no
Iraque também provou ter sido um ambiente de alto risco no uso de EMPs, apesar da redução
aparente nos gastos militares, o prolongamento do conflito, a falta de controle que os agentes
tinham em relação às Empresas Militares Privadas, mais o ônus que os abusos cometidos
pelos contractors, levaram grandes constrangimentos de contratantes e população local.
Houve em custos políticos quanto custos financeiros o retorno que essas empresas deram a
população foi nulo em relação a uma ação efetiva a resolução do conflito.
Já os casos que obtiveram menores riscos e maiores vantagens foram justamente
aqueles que foram à atuação das EMPs deu-se na resolução dos conflitos, prestando auxílio
para as missões de paz, e quando as EMPs participaram dos projetos de Reforma do Setor de
Segurança. Nos casos citados os benefícios do uso de EMPs podem ser notados, ambos os
agentes receptores dos serviços das EMPs obtém um escopo especializado que muitas vezes
militares convencionais já não executam, como serviços de segurança. A rápida mobilização
em casos de missões humanitárias se faz interessante para as Nações Unidas. Para os países
que desejam passar pelo processo de RSS as EMPs podem representar um poder de escolha
frente a sua realidade, como mostrado em Angola, a Executive Outcomes trouxe benefícios as
FAA, muito pelo conhecimento prévio pelo trabalho altamente especializado que foi proposto
e pelo direcionamento dado pelo Estado.
60
As recomendações para políticas públicas do uso das EMPs são diversas. Como visto
sua utilização em situações de resolução de conflito armados, mostrou-se ser um caminho
interessante para a estabilização do país. Mesmo assim são necessárias restrições para que não
ocorram abusos por partes dos contractors. Neste sentido as iniciativas como o Documento de
Montreux e da ICOC parecem práticas bem-vindas na regulação por parte dos Estados e de
empresas. Além disso, iniciativas nacionais também são necessárias, uma legislação que se
atente para esse fato.
Pesquisas futuras poderiam avaliar como os Militares se relacionam com os
contractors e qual a visão deles em relação a essa maciça privatização de alguns serviços
antes realizados pelas forças estatais. Outra necessidade é tentar entender como as EMPs
estão operando no processo de segurança marítima, um dos mercados de segurança que mais
crescem atualmente.
61
ANEXOS
Anexo A:Missões das Nações Unidas que já Fizeram Uso de Entidades Privadas (2009 –
2013).
Empresa: País da
Missão:
Tipo de serviço: Dat
a de Início:
Data de
Término:
Custo (US$)
Sogafer Costa do
Marfim
Serviços de Segurança 1-Set-09 31-Ago-10 $288,129
Laavegarde Costa do
Marfim
Serviços de Segurança 1-Set-09 31-Ago-10 $565.036
EPSS Costa do
Marfim
Serviços de Segurança 1-Set-09 31-Ago-10 $384,172
Asia Pafic
Assunrance
Company
Unipessoal
Timor Leste Serviços de Segurança
para escritório para a
Missão e residências
oficiais
1-Set-09 31-Ago-10 $2,761,213
Securitas
Seguridad
España
Espanha Serviços de Segurança
para a Base das Nações
Unidas em Valência
1-Mar-10 28-Fev-11 $357,002
G4S Security
Service
Sérvia Serviços de Segurança
desarmada para o
escritório das Nações
Unidas em Belgrado
1-Mai-10 30-Abr-11 $54,517
Saracen
Uganda
Uganda Serviços de Segurança
desarmada em Entebbe
e Kampala
1-Ago-10 31-Jul-11 $170,685
Global Shield
For Trade &
Security
Jordânia Serviços de Segurança
desarmada para a base
regional da UNAMI
em Amman
7-Set-10 6-Set-11 $320,339
IDG Security Afeganistão Serviços de Segurança
armada para a
UNAMA
6-Nov-10 31-Out-11 $9,314,486
Tariq Yousafzai
Construction
Company
Afeganistão Trabalho de Reforço
na Segurança do
Escritório de Khost
2-Dez-10 16-Fev-11 $66,897
Kuw Ait Al
Soqoor For
Security and
Protection
Kuwait Guarda desarmada
para a UNAMI
1-Abr-11 31-Mar-12 $229,995
Segurisa,
Servicios
Integrales de
Seguridad
Espanha Serviços de Segurança
desarmada para a Base
das Nações Unidas em
Valência
1-Abr-11 31-Mar-14 $2,265,046
62
Security &
Safety
Solutions SAL
Líbano Serviços de Reparo e
manutenção
25-Ago-11 31-Jul-14 $252,000
Secur ity &
Safety
Solutions SAL
Líbano Serviços de Reparo e
manutenção
1-Ago-11 31-Jul-14 $84,000
Hart Security
Limited
Chipre Treinamento (SAIT)
para a UNAMI
1-Ago-11 31-Out-12 $1,143,682
G4S Security
Services
Santo Domingo Guarda Armada 1-Nov-11 31-
Out-12
$141,676
IDG Security Afega
nistão
Serviços de Segurança
Desarmada para a
UNAMA
1-Jan-12 30-Abr-12 $191,407
G4S Security
Services
Quênia Serviços de Segurança
para UNSOA
1-Mar-12 28-Fev-13 $205,153
Sogafer Costa do
Marfim
Serviços de Segurança
desarmada para a
ONUCI
1-Mai-12 30-Abr-15 1,937,440
Inter-Com
Security
Systems Of
Liberia
Libéria Serviços de Guarda
Desarmada para a
UNMIL
11-Mai-12 10-Mai-13 $1,466,423
Executive
Security
Consultancy
(EXSECON)
Libéria Serviços de Guarda
Desarmada para a
UNMIL
11-Mai-12 10-Mai-13 $864,942
Vigassistance Costa do
Marfim
Serviços de Segurança
desarmada para
ONUCI
1-Mai-12 30-Abr-15 $1,939,075
Henderson
Asset
Protection
Sérvia Serviços de Segurança
para UNMIK
1-Ago-12 31-Jul-13 $271,925
Askar Security
Services
Limited
Uganda Serviços de Segurança
desarmada em Entebbe
e Kampala
1-Out-12 30-Set-13 $254,880
S.L.S. For
Security and
Logistics
Services
Iraque Serivços de Guarda
desarmada para
UNAMI em Erbil
7-Dez-12 6-Mar-13 $64,829
Wackenhut
Pakistan
Paquistão Serviços de Segurança
para UNMOGIP em
Islamabad
16-Jul-13 15-Jul-16 $600,847
KK Security
Rwanda Sarl
Ruanda Serviços de Segurança
para o escritório da
7-Jul-13 06-Jul-15 $55,118
63
MONUSCO em Kigali
Fonte: Divisão de Aquisições das Nações Unidas
(United Nations Procurement Division, 2014)
Autor: Comissão de Construção da Paz
(CCP), 2014.
Adaptação: PEREIRA, 2014.
Anexo B - Países signatários do Documento do Montreux
País Data de assinatura:
1. Afeganistão 17-Set-2008
2. Angola 17-Set-2008
3. Austrália 17-Set-2008
4. Áustria 17-Set-2008
5. Canada 17-Set-2008
6. China 17-Set-2008
7. França 17-Set-2008
8. Alemanha 17-Set-2008
9. Iraque 17-Set-2008
10. Polônia 17-Set-2008
11. Serra Leoa 17-Set-2008
12. África do Sul 17-Set-2008
13. Suécia 17-Set-2008
14. Suíça 17-Set-2008
15. Reino Unido 17-Set-2008
16. Ucrânia 17-Set-2008
17. Estados Unidos 17-Set-2008
18. Macedônia 3-Fev-2009
19. Equador 12-Fev-2009
20. Albânia 17-Fev-2009
21. Holanda 20-Fev-2009
22. Bósnia e Herzegovina 9-Mar-2009
23. Grécia 13-Mar-2009
64
24. Portugal 27-Mar-2009
25. Chile 6-Abr-2009
26. Uruguai 22-Abr-2009
27. Liechtenstein 27-Abr-2009
28. Qatar 30-Abr-2009
29. Jordânia 18-Mai-2009
30. Espanha 20-Mai-2009
31. Itália 15-Jun-2009
32. Uganda 13-Jul-2009
33. Chipre 29-Set-2009
34. Georgia 22-Out-2009
35. Dinamarca 9-Ago-2010
36. Hungria 1-Fev-2011
37. Costa Rica 25-Out-2011
38. Finlândia 25-Nov-2011
39. Bélgica 28-Fev-2012
40. Noruega 8-Jun-2012
41. Lituânia 13-Jun-2012
42. Eslovênia 24-Jul-2012
43. Islândia 22-Out-2012
44. Bulgária 8-Jan-2013
45. Kuwait 2-Mai-2013
46. Croácia 22-Mai-2013
47. Nova Zelândia 14-Out-2013
48. República Tcheca 14-Nov-2013
49. Luxemburgo 17-Nov-2013
50. Japão 6-Fev-2014
51. Irlanda 13-Nov-2014
Fonte: Federal Department of Foreign Affairs.
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Autor: PEREIRA, 2014.
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