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1 AS ATRIBUIÇÕES DO MINSTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO NA PREVENÇÃO E NO ENFRENTAMENTO AO TRABALHO ESCRAVO 1 Dr. LUIS ANTONIO CAMARGO DE MELO 2 1- INTRODUÇÃO. “Os 3 prisioneiros (...) viviam quatro em cada quarto fedido, dormindo sobre estrados de cama sem colchão. ‘As pessoas sabiam que seriam espancadas se tentassem fugir’, diz Ramirez, citando o boato a respeito de uma pessoa ‘cujos joelhos foram esmagados com uma marreta e que depois fora jogada de um carro a 100 quilômetros por hora’. ‘Os trabalhadores recebiam toda sexta-feira’, continua Ramirez, ‘mas logo eram conduzidos às lojas 4 (...), onde eram obrigados a repassar seus cheques. Depois de pagar o aluguel e a comida, sua dívida continuava tão alta quanto antes’. Uma dessas lojas (...), ficava a um quarteirão da delegacia. Em abril de 2001, uma equipe (...) ajudou quatro dos trabalhadores mantidos em condições de prisão (...) a fugir. Com o testemunho dos fugitivos (...) foram obrigados a organizar uma blitz. Os irmãos (...), junto com o primo (...), foram indiciados por tráfico de escravos, extorsão e posse de armas de fogo. Em junho de 2002, os três membros da família (...) foram condenados por todas as acusações. Suas penas totalizaram 34 anos e nove meses”. O trabalho escravo ocorre no mundo todo, inclusive nos países desenvolvidos (o episódio acima noticiado aconteceu nos EUA). Combater o trabalho escravo, até erradicá-lo, é uma tarefa reservada ao conjunto das instituições, governamentais e da sociedade civil, sem fogueira de vaidades. Nenhuma entidade sozinha, por mais poderosa que seja, conseguirá cumprir com esse desiderato. 2- DEFINIÇÃO DE TRABALHO ESCRAVO - DISTINÇÃO ENTRE TRABALHO ESCRAVO, FORÇADO E DEGRADANTE. 1 Palestra proferida no II Encontro Internacional Sobre Tráfico de Seres Humanos. Recife/PE, 18 de março de 2004. Promoção do ILADH- Instituto Latino-Americano de Direitos Humanos e do Governo de Pernambuco. 2 Subprocurador-Geral do Trabalho, em exercício. Coordenador Nacional de Combate ao Trabalho Escravo do Ministério Público do Trabalho. 3 Trecho recolhido na revista “National Geografic – Brasil”, matéria “Escravos do Século XXI”; edição de setembro de 2003, p. 74. 4 Tais lojas eram de propriedade dos próprios patrões. Fenômeno conhecido na doutrina como “ truck system ”. Ver em “Instituições de Direito do Trabalho” (Editora LTr; SP; 19ª Edição; VOL. 1; p. 483), a definição de Arnaldo Süssekind.

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AS ATRIBUIÇÕES DO MINSTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO NA PREVENÇÃO E NO ENFRENTAMENTO AO TRABALHO ESCRAVO1 Dr. LUIS ANTONIO CAMARGO DE MELO2 1- INTRODUÇÃO. “Os3 prisioneiros (...) viviam quatro em cada quarto fedido, dormindo sobre estrados de cama sem colchão. ‘As pessoas sabiam que seriam espancadas se tentassem fugir’, diz Ramirez, citando o boato a respeito de uma pessoa ‘cujos joelhos foram esmagados com uma marreta e que depois fora jogada de um carro a 100 quilômetros por hora’. ‘Os trabalhadores recebiam toda sexta-feira’, continua Ramirez, ‘mas logo eram conduzidos às lojas4 (...), onde eram obrigados a repassar seus cheques. Depois de pagar o aluguel e a comida, sua dívida continuava tão alta quanto antes’. Uma dessas lojas (...), ficava a um quarteirão da delegacia. Em abril de 2001, uma equipe (...) ajudou quatro dos trabalhadores mantidos em condições de prisão (...) a fugir. Com o testemunho dos fugitivos (...) foram obrigados a organizar uma blitz. Os irmãos (...), junto com o primo (...), foram indiciados por tráfico de escravos, extorsão e posse de armas de fogo. Em junho de 2002, os três membros da família (...) foram condenados por todas as acusações. Suas penas totalizaram 34 anos e nove meses”. O trabalho escravo ocorre no mundo todo, inclusive nos países desenvolvidos (o episódio acima noticiado aconteceu nos EUA). Combater o trabalho escravo, até erradicá-lo, é uma tarefa reservada ao conjunto das instituições, governamentais e da sociedade civil, sem fogueira de vaidades. Nenhuma entidade sozinha, por mais poderosa que seja, conseguirá cumprir com esse desiderato. 2- DEFINIÇÃO DE TRABALHO ESCRAVO - DISTINÇÃO ENTRE TRABALHO ESCRAVO, FORÇADO E DEGRADANTE.

1 Palestra proferida no II Encontro Internacional Sobre Tráfico de Seres Humanos. Recife/PE, 18 de março de 2004. Promoção do ILADH- Instituto Latino-Americano de Direitos Humanos e do Governo de Pernambuco. 2 Subprocurador-Geral do Trabalho, em exercício. Coordenador Nacional de Combate ao Trabalho Escravo do Ministério Público do Trabalho. 3 Trecho recolhido na revista “National Geografic – Brasil”, matéria “Escravos do Século XXI”; edição de setembro de 2003, p. 74. 4 Tais lojas eram de propriedade dos próprios patrões. Fenômeno conhecido na doutrina como “ truck system”. Ver em “Instituições de Direito do Trabalho” (Editora LTr; SP; 19ª Edição; VOL. 1; p. 483), a definição de Arnaldo Süssekind.

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Cumpre-nos, inicialmente, estabelecer uma clara definição do objeto de

nossa análise, promovendo, ainda, a distinção entre o que vem a ser trabalho

escravo, trabalho forçado e formas degradantes de trabalho.

Para tanto, partiremos da definição de trabalho escravo:

Quando se fala em trabalho escravo a primeira imagem que vem à mente

da maioria das pessoas é a do escravo negro, preso a correntes e vivendo em

senzalas. Situação comum na sociedade escravocrata do século XIX.

Tal impressão inicial, perfunctória, a respeito deste delicado tema, tem

causado sérias dificuldades na aplicação eficaz das medidas coercitivas aos

infratores, até mesmo por parte dos Agentes Públicos encarregados do combate a

esta aviltante forma de exploração do ser humano.

Ocorre que, ao associarmos a expressão trabalho escravo àquela figura

oitocentista, incorremos no grave risco de tornarmo-nos pouco sensíveis às

formas modernas de escravidão. Estas últimas travestidas das mais diversas

formas de “licitude”.

A propósito, vale transcrever a lúcida análise feita por João Carlos

Alexim5, in verbis:

“Como a escravidão, tal como é entendida regularmente, está proibida em

basicamente todos os países, surgem formas de dissimulação que causam efeitos

talvez menos escandalosos ou ostensivos, mas resultam na prática em formas

muito semelhantes. Existem muitas maneiras de impedir que um trabalhador

exerça seu direito de escolher um trabalho livremente ou, ainda, que abandone

seu emprego quando julgar necessário ou conveniente6.”

5 João Carlos Alexim é sociólogo. Foi diretor da OIT – Organização Internacional do Trabalho – no Brasil. 6 In, “Trabalho Escravo no Brasil Contemporâneo”, Comissão Pastoral da Terra – CPT – Edições Loyola, São Paulo: 1999, p. 44.

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Atento a esta dificuldade, o Ministério da Justiça, por meio da Secretaria

de Estado dos Direitos Humanos, promoveu, ainda no mês de novembro de 2001,

em parceria com o Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho,

Ministério do Trabalho e Emprego, Associação dos Juízes Federais e a

Organização Internacional do Trabalho, uma Câmara Técnica sobre as Formas

Contemporâneas de Escravidão. Na seqüência, várias outras atividades, no

mesmo sentido, foram realizadas (vide tópico 7 - Atuação Articulada).

Daí, muitos preferirem as expressões trabalho forçado ou formas

contemporâneas de escravidão para designarem o mesmo tipo de exploração do

trabalhador.

Aliás, a própria Organização Internacional do Trabalho – OIT, utilizou-se

da expressão trabalho forçado ou obrigatório na Convenção OIT nº 29, da qual o

Brasil é signatário7 conforme teor do art. 2º, da citada norma internacional, in

verbis:

“Artigo 2º

1. Para fins desta Convenção, a expressão “trabalho forçado ou

obrigatório” compreenderá todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a

ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente.”

Em nosso ordenamento jurídico, o trabalho escravo ou forçado é

considerado crime, nos termos do art. 149, do Código Penal8, in verbis:

“Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a

trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições

7 Convenção aprovada pelo Decreto Legislativo nº 4, de 29.05.1956, ratificada em 25.04.1957 e promulgada pelo Decreto nº 41.721, de 25.06.1957. 8 Redação na forma da Lei nº 10.803, de 11 de dezembro de 2003. Eis a redação anterior: “Art. 149 – Reduzir alguém a condição análoga à de escravo: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos”.

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degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em

razão de dívida contraída com o empregador ou preposto9:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa, além da pena correspondente

à violência10.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:

I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o

fim de retê-lo no local de trabalho;

II- mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos

ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.

§ 2º A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:

I- contra criança ou adolescente;

II- por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.”

Frise-se, por oportuno, não se tratar de incriminação de conduta proscrita

do ordenamento jurídico pátrio, desde a Lei Áurea de 1888, mas sim de redução

de uma pessoa a condição análoga à de um escravo.

O trabalho escravo ou forçado, contudo, segundo o conceito

hodiernamente adotado, não será somente aquele para o qual o trabalhador não

tenha se oferecido espontaneamente, porquanto há situações em que este é

9 Imperativo esclarecer que esta redação amplia o tipo penal, tornando imprescindível a garantia do trabalho digno. Diga-se também da possível, talvez inevitável, confusão, conceitual e prática, entre as formas contemporâneas de escravidão, o trabalho “meramente” degradante, o trabalho forçado e a jornada exaustiva. 10 Diferentemente do que todos pretendíamos, a pena mínima não foi aumentada, fato que mantém a sensação de impunidade.

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engodado por falsas promessas de ótimas condições de trabalho e salário. Esta

situação, inclusive, é a que mais se verifica atualmente.

Imprescindível, porém, para a caracterização do trabalho escravo ou

forçado, que o trabalhador seja coagido a permanecer prestando serviços,

impossibilitando ou dificultando, sobremaneira, o seu desligamento.

Esta coação poderá ser de três ordens: moral, psicológica e física.

Será moral quando o tomador dos serviços, valendo-se da pouca

instrução e do elevado senso de honra pessoal dos trabalhadores, geralmente

pessoas pobres e sem escolaridade, submete estes a elevadas dívidas,

constituídas fraudulentamente com o fito de impossibilitar o desligamento de

trabalhador.

Será psicológica quando o trabalhador for ameaçado de sofrer violência, a

fim de que permaneça trabalhando. Tais ameaças dirigem-se, normalmente, à

integridade física do trabalhador, sendo comum, em algumas localidades, a

utilização de empregados armados para exercerem esta coação. Ameaças de

“surra” e de morte não são raras, estabelecendo-se um clima de terror entre os

trabalhadores

A ameaça de abandono do trabalhador à sua própria sorte, em

determinados casos, constitui -se em um poderoso instrumento de coação

psicológica. Muitas vezes o local da prestação dos serviços é distante e inóspito,

centenas de quilômetros da cidade ou distrito mais próximo, sendo certo que

diversos relatos dão conta de trabalhadores desaparecidos ao tentar fugir da

exploração.

Assim, além de sofrerem ameaças de violência física (o que, por si só,

exerce forte coação sobre muitos) os trabalhadores são, efetivamente, submetidos

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a castigos físicos e, não sendo estes “suficientes”, alguns deles são sumariamente

assassinados, servindo, então, como exemplo àqueles que pretendam enfrentar o

tomador dos serviços. É a coação de ordem física.

Portanto, ousamos estabelecer uma definição sobre trabalho escravo ou

forçado. Considerar-se-á trabalho escravo ou forçado toda modalidade de

exploração do trabalhador em que este esteja impedido, moral, psicológica e/ou

fisicamente, de abandonar o serviço, no momento e pelas razões que entender

apropriados, a despeito de haver, inicialmente, ajustado livremente a prestação

dos serviços.

Estabelecida a definição de trabalho escravo, bem assim sabedores de

que a expressão trabalho forçado guarda sinonímia com aquela expressão,

passemos a tratar do conceito de formas degradantes de trabalho.

Por vezes, podemos identificar péssimas condições de trabalho e de

remuneração sem que estejamos diante de mais um caso de trabalho escravo ou

forçado. Isto ocorrerá sempre que o trabalhador tiver garantida, no mínimo, sua

liberdade de locomoção e autodeterminação, podendo deixar, a qualquer tempo,

de prestar serviços ao seu empregador. Estaremos diante de uma das formas

degradantes de trabalho, dentre as quais destacamos as seguintes:

1- utilização de trabalhadores, através de intermediação de mão-de-obra pelos

chamados “gatos”;

2- utilização de trabalhadores, através de intermediação de mão-de-obra pelas

chamadas “fraudoperativas” (designação dada àquelas cooperativas de trabalho

fraudulentas);

3- utilização de trabalhadores, aliciados em outros Municípios e Estados, pelos

chamados “gatos”;

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4- submissão às condições precárias de trabalho pela falta ou inadequado

fornecimento de boa alimentação e água potável;

5- alojamentos sem as mínimas condições de habitação e falta de instalações

sanitárias

6- falta de fornecimento gratuito de instrumentos para a prestação de serviços;

7- falta de fornecimento gratuito de equipamentos de proteção individual (chapéu,

botas, luvas, caneleiras, etc.);

8- falta de fornecimento de materiais de primeiros socorros;

9- não utilização de transporte seguro e adequado aos trabalhadores;

10- não cumprimento da legislação trabalhista, desde o registro do contrato

na CTPS, passando pela falta de exames médicos admissionais e demissionais,

até a remuneração ao empregado.

3. ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO.

3.1. INTRODUÇÃO.

O Ministério Público, segundo dispõe o art. 127, da Constituição Federal

de 1988, é instituição permanente, essencial à prestação jurisdicional do Estado, a

quem incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos

interesses sociais e individuais indisponíveis.

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O Ministério Público abrange, segundo o art. 128, da CF/88, o Ministério

Público da União e o Ministério Público dos Estados. O primeiro compreende,

ainda, o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Trabalho, o Ministério

Público Militar e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.

Dentre as funções institucionais do Ministério Público, insculpidas no art.

129, da CF/88, podemos destacar aquelas que se aplicam, especialmente, ao

Ministério Público do Trabalho, a saber:

a) promover o inquérito civil e ação civil pública, para a proteção dos interesses

difusos e coletivos dos trabalhadores (art. 129, III);

b) defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas (art.

129, V);

c) expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência,

requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da Lei

Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993 (art. 129, VI);

d) requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial (art.

129, VIII); e

e) exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde compatíveis com sua

finalidade (art. 129, IX).

Por seu turno, a Lei Orgânica do Ministério Público da União (LC nº

75/93), após elencar suas funções institucionais (art. 5º), passa a especificar os

seus instrumentos de atuação, tratando, em seu art. 6º, das “competências”,

dentre as quais destacaremos aquelas que são mais afetas à atuação do

Ministério Público do Trabalho:

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a) impetrar habeas corpus e mandado de segurança (art. 6º, VI);

b) promover o inquérito civil e a ação civil pública para a defesa de outros

(trabalhistas) interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e

coletivos (art. 6º, VII, “d”);

c) promover outras ações, quando difusos os interesses a serem protegidos (art.

6º, VIII);

d) defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas,

propondo as ações cabíveis (art. 6º, XI);

e) propor ação civil coletiva para a defesa de interesses individuais homogêneos

(art. 6º, XII);

f) promover outras ações necessárias ao exercício de suas funções institucionais,

em defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais indisponíveis

(art. 6º, XIV);

g) manifestar-se em qualquer fase dos processos, acolhendo solicitação do juiz ou

por sua iniciativa, quando entender existente interesse em causa que justifique a

intervenção (art. 6º, XV); e

h) expedir recomendações, visando ao respeito, aos interesses, direitos e bens

cuja defesa lhe cave promover, fixando prazo razoável para a adoção das

providências cabíveis (art. 6º, XX).

Ainda dentro da Lei Orgânica do Ministério Público da União, merece

destaque o Capítulo II - Do Ministério Público do Trabalho, do Título II - Dos ramos

do Ministério Público da União, e em especial o art. 83, que assevera competir ao

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Ministério Público do Trabalho o exercício, dentre outras, das seguintes

atribuições:

a) promover as ações que lhe sejam atribuídas pela Constituição Federal e pelas

leis trabalhistas (art. 83, I);

b) manifestar-se em qualquer fase do processo trabalhista, acolhendo solicitação

do Juiz ou por sua iniciativa, quando entender existente interesse público que

justifique a intervenção (art. 83, II);

c) promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para a defesa

de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais

constitucionalmente garantidos (art. 83, III);

d) propor as ações cabíveis para declaração de nulidade cláusula de contrato,

acordo coletivo ou convenção coletiva que viole as liberdades individuais ou

coletivas ou os direitos individuais indisponíveis dos trabalhadores (art. 83, IV);

e) propor as ações necessárias à defesa dos direitos e interesses dos menores,

incapazes e índios, decorrentes das relações de trabalho (art. 83, V);

f) recorrer das decisões da Justiça do Trabalho, quando entender necessário,

tanto nos processos em for parte, como naqueles em que oficiar como fiscal da lei,

bem como pedir a revisão dos Enunciados da Súmula de Jurisprudência do

Tribunal Superior do Trabalho (art. 83, VI);

Incumbe, ainda, ao Ministério Público do Trabalho, no âmbito de suas

atribuições:

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a) instaurar o inquérito civil público e outros procedimentos administrativos,

sempre que cabíveis, para assegurar a observância dos direitos sociais dos

trabalhadores (art. 84, II);

b) requisitar à autoridade administrativa federal competente, dos órgãos de

proteção ao trabalho, a instauração de procedimentos administrativos, podendo

acompanhá-los e produzir provas (art. 83, III);

c) ser cientificado pessoalmente das decisões proferidas pela Justiça do Trabalho,

nas causas em que o órgão tenha intervindo ou emitido parecer escrito (art. 84,

IV).

Quanto à atuação do Parquet Trabalhista, esta se dará de duas formas:

como órgão interveniente (fiscal da lei) ou como órgão agente.

3.1.1. DA ATUAÇÃO COMO ÓRGÃO INTERVENIENTE (FISCAL DA LEI)

Conforme visto anteriormente, várias são as hipóteses em que o

Ministério Público do Trabalho estará atuando como custos legis, tanto em

primeira instância, como também nas instâncias superiores, podendo, inclusive,

aviar recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal, nas hipóteses de

violação à Constituição Federal.

Em primeira instância, a intervenção se dará, conforme previsto no art 6º,

XV, e art. 83, II, ambos da Lei Complementar nº 75/93, mediante solicitação do

Juiz ou por iniciativa própria, quando entender existente interesse público que

justifique a intervenção, notadamente quando presentes interesses de menores,

incapazes e indígenas.

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Já nos segundo e terceiro graus de jurisdição, a intervenção do Ministério

Público do Trabalho se dará mediante a emissão de parecer circunstanciado,

quando presente interesse público, podendo, inclusive, solicitar as requisições e

diligências que julgar convenientes, ou mediante simples cota (pelo regular

prosseguimento do feito), quando ausente aquele. Ressalte-se que ao Ministério

Público do Trabalho é garantida, ainda, a participação nas sessões dos Tribunais

Trabalhistas, manifestando-se verbalmente sobre a matéria em debate, conforme

art. 83, VII, da LC nº 75/93.

3.1.2. DA ATUAÇÃO COMO ÓRGÃO AGENTE.

A par da atuação como fiscal da lei, o Ministério Público do Trabalho

passou a atuar, após o advento da Constituição Federal de 1988, de forma mais

efetiva como órgão agente, conforme destacado, instaurando inquéritos civis e

propondo ações civis públicas, bem como outras ações, no âmbito da Justiça do

Trabalho, visando à defesa da ordem jurídica, dos direitos e interesses sociais dos

trabalhadores, dos menores, dos incapazes e dos indígenas.

No âmbito das Procuradorias Regionais, ressalvadas as diferentes

denominações, destacamos a atuação através da Coordenadoria da Defesa dos

Interesses Individuais, Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos - CODIN,

integrada por um Procurador do Trabalho, que a coordenará, e pelo demais

Procuradores do Trabalho lotados na Regional, que funcionarão como membros.

Recebida a denúncia na CODIN, o Coordenador a analisará e

determinará sua distribuição, como Representação, a um dos Procuradores do

Trabalho, conforme a ordem de distribuição, ou mediante compensação, caso

haja, em relação à referida denúncia, outro procedimento investigatório já em

andamento.

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Após a análise da Representação, o Procurador do Trabalho a quem

couber a distribuição, poderá instaurar Procedimento Preparatório de Inquérito

Civil, caso sejam necessárias algumas diligências preliminares, a fim de verificar a

procedência das informações contidas na Representação e, após, instaurar o

Inquérito Civil, para proceder às investigações que se fizerem necessárias.

Do contrário, convencendo-se da inexistência de fundamento para a

propositura da ação civil, o Procurador responsável promoverá o arquivamento

dos autos do inquérito civil ou das peças informativas, hipótese em que a referida

promoção de arquivamento estará sujeita à chancela do Conselho Superior do

Ministério Público do Trabalho, conforme preconizado pelo art. 9º, § 2º, da Lei nº

7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública).

Gize-se, por derradeiro, que a propositura da ação judicial cabível não

dependerá do exaurimento da fase administrativa. Vale dizer, caso o Procurador

do Trabalho, diante das peças informativas, que instruem a Representação a ele

distribuída, entender que se encontram presentes os elementos suficientes ao

ajuizamento da ação competente, assim procederá.

4- DAS AÇÕES JUDICIAIS

O Ministério Público do Trabalho tem lançado mão de diversas ações

judiciais no combate ao trabalho escravo no Brasil, notadamente a ação civil

pública (Lei nº 7.343/85), as Ações Coletivas (Lei nº 8.078/90), bem como as

medidas cautelares.

4.1- AÇÃO CIVIL PÚBLICA.

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Após o encerramento das investigações, não tendo sido aceito pelo

inquirido o Termo de Ajuste de Conduta, o Procurador do Trabalho poderá/deverá

propor a Ação Civil Pública, tendente ao ajustamento compulsório da conduta do

infrator, requerendo a condenação deste nas obrigações de fazer e não fazer

suficientes à regularização da situação objeto de intervenção do Ministério

Público.

Aos infratores, condenados nas obrigações de fazer e não fazer, também

é cominada multa em caso de descumprimento da decisão (astreints), a qual vem

sendo revertida ao FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador).

Sobreleva em importância o fato de que a Justiça do Trabalho vem

deferindo o pleito referente ao “dano moral coletivo”, em face da exploração do

trabalho escravo. Nesse sentido é a ementa abaixo transcrita, extraída do v.

acórdão da 2ª Turma, do Eg. TRT/10ª Região, prolatado nos autos do Processo

TRT-00726-2001-016-10-00-2-RO, em que o Ministério Público do Trabalho-

Procuradoria Regional da 10ª Região recorreu contra o indeferimento dos danos

morais coletivos:

“EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INDENIZAÇÃO. O proceder patronal,

consistente em coagir os empregados à prática de atos divorciados do seu íntimo

querer, com o objetivo único de obter expressiva vantagem financeira, em

detrimento de direitos por ele próprio sonegados, mas reconhecidos aos

trabalhadores pelo Poder Judiciário, desafia a cominação de indenização revertida

ao FAT, obrigação que também contempla caráter pedagógico.”

Da mesma forma, o Eg. TRT/8ª Região, negando provimento ao apelo da

ré, manteve a condenação desta ao pagamento dos “danos morais coletivos”:

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“DANO MORAL COLETIVO - POSSIBILIDADE - Uma vez configurado que a ré

violou direito transindividual de ordem coletiva, infringindo normas de ordem

pública que regem a saúde, segurança, higiene e meio ambiente do trabalho e do

trabalhador, é devida a indenização por dano moral coletivo, pois tal atitude da ré

abala o sentimento de dignidade, falta de apreço e consideração, tendo reflexos

na coletividade e causando grandes prejuízos à sociedade.

(...)

De qualquer maneira, este juízo mantém a condenação imposta à ré, no

montante arbitrado pelo juízo de primeiro grau, pois se é certo que o dano moral

exige a caracterização de três elementos: impulso do agente, resultado lesivo e

nexo de causalidade entre o dano e a ação alheia. No caso dos autos, entendo

que todos os quesitos ficaram evidenciados, pois os empregados tiveram que se

desligar do emprego, de forma abrupta, por força de fiscalização que detectou

toda sorte de violência perpetrada contra as normas constitucionais que

resguardam a segurança, higiene e medicina do trabalho.

(...)

Todos os procedimentos adotados contra os trabalhadores conduzem a

que se reconheça o dano moral coletivo, porque atingido o complexo social em

seus valores íntimos, em especial a própria dignidade humana.

Dentro do poder discricionário para fixação do quantum a ser ressarcido à

vítima, entendo que as circunstâncias do caso concreto, a gravidade do dano, a

situação do lesante e a condição do lesado (a sociedade), e, ainda, pelo fato de

que o dano moral, no presente feito, assumiu intensa gravidade, eis que foi objeto

de divulgação e tornou-se conhecido para além daqueles que estiveram direta ou

indiretamente envolvidos nos fatos narrados nestes autos, levando em conta ainda

o fato de se tratar de uma empresa que vive da exploração da pecuária, sendo

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reincidente como atestam os vários autos de infração relacionados à fl. 13 dos

autos, onde os fatos descritos podem voltar a ocorrer, entendo que o valor

postulado na inicial apresenta-se razoável, mantendo-se o deliberado pela

sentença de origem.

Nega-se provimento ao apelo. (...)”

(Ac. TRT/1ª T/RO nº 5309/2002, prolatado nos autos do Processo TRT-00491-

2002-117-08-00)

Efetivamente, o dano moral coletivo tem se constituído em um poderoso

instrumento de repressão ao trabalho forçado, ao mesmo tempo em que exerce

forte influência pedagógica sobre outros infratores.

Acrescente-se que a quase totalidade das ações civis públicas propostas

pelo Parquet Trabalhista contém pedido de antecipação dos efeitos da tutela de

mérito pretendida, a fim de obstar, de imediato, qualquer prática abusiva contra os

trabalhadores.

É imperioso registrar que a Justiça do Trabalho tem se posicionado à

altura do desafio que se lhe apresenta, mostrando-se sensível à calamitosa

situação daqueles que são explorados e vilipendiados por seus algozes

(proprietários de terras e gatos, em sua maioria), não arrefecendo, assim, os

ânimos daqueles que se lançam no combate ao trabalho escravo.

Não poderíamos, portanto, deixar de realçar importante decisão proferida

pelo douto Juízo da Eg. Vara do Trabalho de Parauapebas (PA), que concedeu

liminar postulada em sede de ação civil pública proposta pelo Ministério Público do

Trabalho (Processo VT-PP-682/2003):

“Vistos etc

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Em resumo, estes são os fatos e pedidos formulados pelo Ministério

Público do Trabalho, em sede da presente provisional, que passo a DECIDIR.

(...)

Pois presentes os requisitos para sua concessão, acima demonstrados.

Com base nos arts. 11 e 12, da Lei nº 7.347/85, determino ao réu que

cumpra as obrigações legais previstas nos dispositivos acima mencionados, e

abstenha-se de descumprir as normas protetivas do trabalho, conforme requerido

pelo Autor, nos termos da presente provisional, como a seguir:

Abster-se da prática de qualquer ato, comissivo ou omissivo, que importe na

coação, fraude, erro ou dolo, no sentido de compelir os trabalhadores que

mantenha em sua propriedade, ou que venha a manter, a utilizarem armazém,

cantina ou serviços mantidos pela fazenda a título oneroso;

Abster-se de impor qualquer sanção aos trabalhadores em decorrência de dívidas

ilegais contraídas em fraude contra aplicação de direitos trabalhistas;

Efetuar registro do contrato de trabalho de seus empregados em CTPS e

providenciar, para os que não tenham o documento em questão, sua expedição,

encaminhando o trabalhador que pretenda contratar, ou esteja contratado nestas

condições, aos Órgãos próprios para efe ito de expedição dos documentos

necessários ao registro do contrato de trabalho;

Abster-se de reter documentos dos trabalhadores por mais de 48 horas;

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Garantir aos empregados que tenha contratado, ou venha a contratar, todos os

direitos trabalhistas previstos em lei e, especialmente, atinentes a condições

dignas de emprego, higiene, segurança e medicina do trabalho;

Observar em suas ações à frente de sua atividade econômica os impedimentos

legais conforme o disposto nos arts. 13; 41; 74, §2º; 444, 459 da CLT e art. 13, da

Lei nº 5889/73 c/c NRR-4, 4.2, “a”;

Cumprir as obrigações de fazer que têm espeque legal nas Portarias Mtb

3.214/78 (NR 24) e 3.067/88 (NRR´s 2 e 4), relativas à adoção de medidas

necessárias e suficientes a dotar o estabelecimento de alojamentos com

instalações sanitárias adequadas (24.1.2); piso impermeável e não derrapante

(áspero – NR 24.5.8); estruturas de madeira ou metal, cobertos com telhas de

barro ou fibrocimento (24.5.9); fornecer água potável aos trabalhadores das

frentes de trabalho (24.7.1.2); fornecer EPI´s adequados e necessários aos

trabalhadores, de acordo com as atividades de cada um, desenvolvidas no

estabelecimento (NRR4); fornecer material necessário para primeiros socorros e

atendimento urgente aos trabalhadores (NRR 2, 2.8.1);

Observar as obrigações de não fazer referentes à abstenção de práticas em

contrário ao disposto na Lei 5.889/70, art. 9º, “b”, §1º e art. 462, §§ 2º a 4º, da

CLT (não fazendo nenhum desconto nos salários dos trabalhadores superior a

25%, se não atendidas as exigências legais para tanto); abster-se de contratar por

interposta pessoa (jurídica ou física), para atividades-fim da empresa, empregados

sem anotação de CTPS e em registros, ficha ou livro próprios (arts. 13, 29 e 41,

CLT).

Em caso de descumprimento das obrigações de fazer e não fazer

deferidas nesta liminar, e nos termos dos arts 11 e 12 da Lei nº 7.347/85 e 461, §§

4º e 5º, do CPC, fica estabelecida multa de R$5.000,00, por infração e por

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empregado, encontrado em situação trabalhista irregular, contrárias às obrigações

impostas pela presente decisão, a ser revertida em favor do FAT – Fundo de

Amparo ao Trabalhador.

Determino a quebra do sigilo fiscal do réu, devendo a Secretaria oficiar à Receita

Federal para o envio das declarações de renda do mesmo, dos últimos 5 (cinco)

anos, de acordo com o art. 461, §§ 3º e 5º, do CPC;

Determino a quebra do sigilo bancário do réu, através do Sistema BacenJud,

gerido pelo Banco Central do Brasil, devendo ser encaminhados aos autos todos

os extratos de movimentação financeira do réu, dos últimos 12 meses, em contas

e aplicações bancárias de qualquer natureza, também de acordo com o art. 461,

§§ 3º e 5º, do CPC;

Decreto a indisponibilidade dos bens pessoais do réu até posterior decisão neste

feito, ficando invalidada qualquer transação que importe em diminuição de seu

patrimônio, realizada a partir do ajuizamento da presente Ação Civil Pública, de

acordo com o previsto no art. 273, I, do CPC;

Por fim, defiro o bloqueio imediato e preventivo do valor de

R$280.000,00 (duzentos e oitenta mil Reais) que forem encontrados em contas

bancárias de qualquer espécie em nome do réu, quantia que deverá ser

indisponibilizada e bloqueada em conta remunerada, à disposição deste Juízo,

com base no art. 273, I, do CPC c/c o art. 588, do CPC.

Intime-se o réu desta Decisão.

Providenciar a expedição de Ordem à Receita Federal e Banco Central,

conforme acima determinado, para envio dos dados requisitados.

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Oficie-se aos Juízos Federais e Estaduais desta Jurisdição, com cópia da

presente Decisão, para ciência da indisponibilidade de bens decretada.

Oficie-se aos Cartórios e Instituições Bancárias desta Jurisdição para a mesma

finalidade e também com cópia desta Decisão.

O presente feito deverá tramitar em segredo de justiça eis que foi

determinada a quebra de sigilos bancário e fiscal do réu, informações protegidas

por garantia legal.

Oposta qualquer resistência contra esta Decisão e as determinações aqui

constantes fica autorizada a requisição de força policial para sua efetivação,

conforme o disposto no art. 461, § 5º, parte final, do CPC, com a redação dada

pela Lei nº 10.444/2002.

Às multas aqui cominadas fica aplicado o disposto no § 6º, do citado art.

461, do CPC (Lei nº 10.444/2002).

Notifique-se o Órgão do Ministério Público do Trabalho da 8ª Região,

pessoalmente.

Cumpra-se.

Parauapebas, PA, 22 de maio de 2003.

Juiz JORGE ANTÔNIO RAMOS VIEIRA

Titular da MM Vara do Trabalho de Parauapebas/PA”

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A atuação profícua dos Procuradores do Trabalho se deve, em grande

parte, ao fato de os mesmos participarem diretamente das operações do Grupo

Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego, possibilitando, assim, a coleta de

dados e informações úteis à instrução das ações judiciais propostas.

De outro viso, a participação dos Procuradores tem possibilitado aos

mesmos a rara oportunidade de estar em contato real e imediato com as mazelas

que, por força de imperativo constitucional, comprometeram-se a combater. Isto

vem redundando, indubitavelmente, no engajamento de um número cada vez

maior de Procuradores na luta contra o trabalho escravo.

Os Procuradores do Trabalho acompanham as diligências do Grupo

Móvel, munidos de diversas minutas de ações judiciais (ações civis públicas,

ações civis coletivas, medidas cautelares, mandados de segurança, etc.),

garantindo, dessarte, maior agilidade na atuação.

5- COORDENADORIA NACIONAL DE COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO -

CNCTE.

Em junho de 2001, por meio das Portarias nºs 221 e 230, da lavra do

Exmo. Sr. Procurador-Geral do Trabalho, institui-se, no âmbito do Ministério

Público do Trabalho, uma Comissão Temática destinada a elaborar estudos e

indicar políticas para atuação do Parquet Trabalhista no combate ao trabalho

forçado e à regularização do trabalho indígena.

Os trabalhos realizados desde então tiveram como ponto de partida o

documento intitulado “Carta de Belém”, o qual representa a síntese do Seminário

Internacional realizado naquela cidade, em novembro de 2000, sob o título de

“Trabalho Forçado - Realidade a Ser Combatida.”

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Os pontos prefaciais analisados pela Comissão coincidiram com aqueles

gizados na Carta de Belém, a seguir arrolados:

a) Utilização de trabalhadores, através de intermediação de mão de obra por meio

dos chamados “gatos” e pelas cooperativas fraudulentas;

b) Utilização de trabalhadores aliciados em outros Municípios ou Estados, pelos

próprios tomadores de serviços ou através de interposta pessoa, com promessas

enganosas e não cumpridas;

c) Servidão de trabalhadores por dívida, com cerceamento de liberdade de ir e vir

e o uso de coação moral ou física, para mantê-los no trabalho;

d) Submissão de trabalhadores a condições precárias de trabalho, pela falta ou

inadequado fornecimento de alimentação sadia e farta e de água potável;

e) Fornecimento aos trabalhadores, de alojamentos sem condições de

habitabilidade e à míngua de instalações sanitárias adequadas;

f) Falta de fornecimento gratuito aos trabalhadores, de instrumentos para

prestação de serviços, equipamentos de proteção individual e materiais de

primeiros socorros;

g) Não utilização de transporte seguro e adequado aos trabalhadores;

h) Não cumprimento da legislação trabalhista, desde o registro do contrato na

CTPS, passando pela falta de cumprimento das normas de proteção à saúde e

segurança dos trabalhadores, até a ausência de pagamento da remuneração a

eles devidas;

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i) Coação ou, no mínimo, indução de trabalhadores no sentido de que se utilizem

de armazéns ou serviços mantidos pelos empregadores ou seus prepostos;

j) Aliciamento de mão-de-obra feminina para fins de exploração sexual, tolhendo-

lhes a liberdade de ir e vir.

Assim, alicerçados nas situações fáticas apresentadas, e sem

desconsiderar outras detectadas ao longo dos trabalhos, foram discutidas

soluções e definições de políticas institucionais com o objetivo de otimizar os

serviços prestados à sociedade, tornando mais efetiva a atuação do Parquet

Laboral.

Concluídos os trabalhos da Comissão Temática sobre o Trabalho Escravo

e considerando as conclusões insertas no respectivo Relatório Final, o Exmo. Sr.

Procurador-Geral do Trabalho, em 12 de setembro DE 2002, por meio da Portaria

nº 231, decidiu criar a COORDENADORIA NACIONAL DE COMBATE AO

TRABALHO ESCRAVO - CNCTE, a fim de harmonizar a ação desenvolvida no

âmbito do Ministério Público do Trabalho no combate ao trabalho escravo,

inclusive no relacionamento com outros órgãos dedicados ao tema.

Observe-se, por oportuno, que a citada Coordenadoria atuará não só no

combate ao trabalho forçado ou escravo, mas também nas hipóteses em que for

detectada qualquer uma das formas degradantes de trabalho.

6- OPERAÇÕES CONJUNTAS COM O GRUPO MÓVEL DO MTE – MINIETÉRIO

DO TRABALHO E EMPREGO.

Outro importante ponto a ser destacado é a atuação conjunta entre o

Ministério Público do Trabalho e o Grupo Móvel do Ministério do Trabalho e

Emprego.

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Como resultado da pressão exercida pela sociedade, imprensa e diversas

entidades não-governamentais, nacionais e estrangeiras, o Governo Brasileiro

decidiu criar, em junho de 1995, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel,

subordinado diretamente à Secretaria de Fiscalização do Trabalho. A propósito,

relatam Ruth Beatriz Vasconcelos Vilela11 e Rachel Maria Andrade Cunha12, in

verbis:

“Visava-se, assim, centralizar o comando para diagnosticar e dimensionar

o problema; garantir a padronização dos procedimentos e supervisão direta dos

casos fiscalizados; assegurar o sigilo absoluto na apuração das denúncias; deixar

a fiscalização local livre de pressões e ameaças....”

Além disso, as ações de Fiscalização Móvel, sendo extra-rotineiras,

possibilitam o levantamento preliminar de dados para depurar o conteúdo das

denúncias, permitindo um planejamento e uma execução mais cuidadosos,

sempre em parceria com a Polícia Federal - parceria que, em alguns casos, inclui

os ministérios públicos, o Ibama e Funai. (...)

A Fiscalização Móvel constitui a estrutura operacional do Grupo Executivo

de Repressão ao Trabalho Forçado (Gertraf) no combate ao trabalho escravo.

Subordinado à Câmara de Política Social do Conselho de Governo13...”

A experiência vem mostrando a importância da presença física de um

Procurador do Trabalho durante as inspeções do Grupo Móvel. Além de dar

suporte aos Auditores Fiscais do Trabalho, o Procurador do Trabalho poderá

promover, in loco, a coleta de dados indispensáveis à propositura de eventual

ação para a tutela dos interesses envolvidos.

11 Secretária de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego. 12 Coordenadora do Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado. 13 In, “Trabalho Escravo no Brasil Contemporâneo”, Comissão Pastoral da Terra – CPT, Edições Loyola, São Paulo: 1999, pp. 36 e 37.

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Ademais, a presença de um Procurador do Trabalho durante as inspeções

pode tornar-se essencial, porquanto, não raras vezes, há a necessidade de que

sejam propostas medidas judicias urgentes.

Muitos depoimentos dão conta de que a simples presença de um

Procurador do Trabalho nas inspeções tem servido para reforçar a atuação dos

Auditores Fiscais do Trabalho, tendo em vista as prerrogativas constitucionais e

legais de que são investidas aquelas autoridades.

7 - ATUAÇÃO ARTICULADA.

É certo, porém, que a atuação do Parquet Trabalhista não se dá de forma

isolada. Ao contrário, muitas das denúncias chegadas às diversas Procuradorias

são oriundas de nossos parceiros, dentre os quais destacamos o Ministério do

Trabalho e Emprego, a Comissão Pastoral da Terra - CPT, a Federação dos

Trabalhadores na Agricultura - FETAGRI’s, o Ministério Público Federal, a Polícia

Federal e a OIT.

Outra importante forma de atuação do Ministério Público do Trabalho é a

articulação visando à alteração da Constituição Federal, de nossa legislação penal

e trabalhista, a fim de imprimir maior efetividade ao combate ao trabalho forçado.

A propósito, o Ministério Público do Trabalho participou da CÂMARA TÉCNICA -

FORMAS CONTEMPORÂNEAS DE ESCRAVIDÃO, realizada no período de 28 a

30 de novembro de 2001, na sede da Organização do Trabalho - OIT, em Brasília

(DF).

Objetivou o referido evento o estímulo à discussão sobre as dificuldades

de tipificação do crime de trabalho escravo, em função, em função da

generalidade do Art. 149, do Código Penal, e sobre o conceito que define as

formas modernas de escravidão.

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O evento contou com a participação de Juízes Federais, Juízes do

Trabalho, Procuradores do Trabalho, Procuradores da República, representantes

do Ministério da Justiça, do Ministério do Trabalho e Emprego, de outros órgãos

que integram o Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado - GERTRAF,

do Poder Legislativo (Comissão de Direitos Humanos e Comissão de Trabalho,

Administração e Serviços Públicos), da Polícia Federal, da Comissão Pastoral da

Terra - CPT, da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura -

CONTAG, do Centro de Justiça e o Direito Internacional - CEJIL e da OAB.

Outro evento que merece destaque é a oficina de trabalho denominada

APERFEIÇOAMENTO LEGISLATIVO PARA O COMBATE AO TRABALHO

ESCRAVO, realizada nos dias 18 e 19 de junho de 2002, em Brasília. Organizada

pela Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e pela Organização Internacional

do Trabalho, contou com a participação efetiva do Ministério Público do Trabalho,

da Secretaria de Inspeção do Trabalho (M T E), do Ministério Público Federal, da

Polícia Federal, do Centro pela Justiça e o Direito Internacional, da Comissão

Pastoral da Terra, da Confederação Nacional da Agricultura, da Confederação

Nacional dos Trabalhadores na Agricultura e da Ordem dos Advogados do Brasil.

Desta oficina e dos debates que se seguiram ao longo do ano de 2002,

coordenados pela COMISSÃO ESPECIAL DO CONSELHO DE DEFESA DOS

DIREITOS DA PESSOA HUMANA14, saiu o PLANO NACIONAL PARA A

ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO, entregue ao Sr. Presidente da

República no mês de março de 2003, sendo certo que o atual Governo elegeu

“como uma das principais prioridades a erradicação de todas as formas

contemporâneas de escravidão15”.

14 Comissão criada pela Resolução nº 05/2002, do CDDPH do Ministério da Justiça. 15 Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo; Apresentação; p. VII.

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Cioso da importância das parcerias, o Ministério Público do Trabalho tem

buscado integrar ativamente diversos fóruns, conselhos e comissões - nacionais,

estaduais e municipais - voltados para a defesa dos interesses e direitos da

pessoa humana e, em especial, dos trabalhadores, sendo merecedora de nota a

participação do Ministério Público do Trabalho junto à CONATRAE16 – Comissão

Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, da Secretaria Especial de

Direitos Humanos.

16 A criação da CONATRAE é meta nº 13 do Plano Nacional acima citado.