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Discricionariedade Administrativa e Conceitos Jurídicos Indeterminados sob a Ótica da Hermenêutica Filosófica.

Maria Fernanda Carli de Freitas**

Discricionariedade Administrativa e Conceitos Jurídicos Indeterminados...

336 ESAP-MS - Escola Superior de Advocacia Pública de Mato Grosso do Sul

O propósito deste artigo é contribuir para a melhor compreensão deum dos temas mais relevantes do Direito Administrativo, que consiste nofenômeno da discricionariedade administrativa e dos conceitos jurídicosindeterminados,apartirdospilaresdahermenêuticafilosófica.Aideiacentralquepermeiatodososquestionamentoslevantadosaolongodotextoconsisteemdestacarainfluênciadaconcepçãohermenêuticaadotadasobreoexercícioda competência discricionária administrativa. Procura-se revelar a estreitaconexãoguardadaentreaatividadeinterpretativaeadelimitaçãodadiscriçãoedamargemdeliberdadedoadministradornaconformaçãodanormaabstrataperanteoplanoconcretoeoseurespectivocontroleporpartedostribunais.

Para tanto, as primeiras linhas do presente dedicam-se ao tema dahermenêutica,comênfaseaomovimentodogirolinguístico,emquepassaamerecerespecialrealceaanálisedopróprioatodecompreendernoâmbitoda linguagem. Após essa digressão, volve-se a uma apreciação crítica nointuito de se declinar cultura ainda vigente, calcada emumpensamento

**ProcuradoradoEstadodeMatoGrossodoSul,desde2007;Pós-GraduadaemDireito “Latu Sensu”pelafaculdadeDamásioEvangelistadeJesusem2005;Pós-GraduadaemDireitoConstitucionalpelaPraetoruimem2013;Pós-GraduadaemDireitoAdministrativopelaPUC/SP.

Sumário

1. Introdução

1. Introdução; 2. Os giros hermenêutico e linguístico e a hermenêuticafilosófica de Hans-Georg Gadamer; 3. A repercussão da hermenêuticafilosófica na hermenêutica jurídica e constitucional; 4. DiscricionariedadeAdministrativa; 5. Conceitos Jurídicos Indeterminados; 6. A necessidadede releitura da discricionariedade administrativa a partir dos aportes dahermenêuticafilosófica; 7. Conceitos Jurídicos Indeterminadose a tesedaúnicarespostacorreta;8.ConsideraçõesFinais;9.ReferênciasBibliográficas.

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A essência da hermenêutica deita suas raízes na Grécia antiga,representada pelo verbo hermeneuein (interpretar) e pelo substantivo

2.Osgiroshermenêuticoelinguístico eahermenêuticafilosófica dehans-georggadamer

dogmáticoemetodológico,cujapretensãoconsisteematribuiraojuristaatarefadeapenasextrairsupostamenteumsignificadoúnicoeobjetivododireitoposto.

Na sequência, empreende-se uma abordagem acerca das noções dediscricionariedade administrativa e conceitos jurídicos indeterminados.São assinaladas as principais contribuições e também divergências entreos administrativistas nacionais a propósito do assunto, importandopara sitermoseteoriasquesefrutificaramesedesenvolveramemsoloestrangeiro,especialmentedosconceitosjurídicosindeterminados.

Busca-se ainda sedimentar que discricionariedade e vinculação nãosão realidades contrapostas de um ponto de vista qualitativo, havendoapenasumadistinçãosobumenfoquegradual.Mostra-setambémsalutarenfrentar a íntima relação entre discricionariedade administrativa econceitosjurídicosindeterminados.

O ensaio tenciona firmar a premissa de que é impossível se depurarumaunidadedesoluçãojustafrenteàhipótesefática.Sobessaperspectiva,argumenta-se que o controle judicial deve ser realizado pela análise dodemérito do ato administrativo, apenas na repreensão de condutas queestejamdesconformesàordemjurídica,nãoseencontrandoojulgadoraptoacensurar juízos legítimosefetuadosna searaadministrativa, sobpenademanifestavulneraçãoaoprincípiodaseparaçãodospoderes.

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hermeneia (interpretação), sob a perspectiva de “tornar algo compreensível”1.Nosseusprimórdiosahermenêuticafrutificou-senosoloda teologia e preordenava-se à decifração demitos e à identificação deelementossimbólicosedealegorias.

Com o florescimento do pensamento iluminista na cultura europeia,nosséculosXVIIeXVIII,buscou-serestauraraascendênciadarazãofrenteaopredomíniodascrençasemisticismovigentesdaIdadeMédia,pelaadoçãodométodocientífico,nointuitodepatentearaobjetividadedoconhecimentoeumpretensosaberabsolutoeatemporal.Noaltiplanojurídico,nocernedoideárioiluministaedaRevoluçãoFrancesa(1789-1799),surgeaEscoladeExegesedaFrança2,quepregavaainterpretaçãonoplanopuramentegramaticaldalei,deformapassivaemecânica,afimdesecaptarareal intençãodo legislador–voluntas legislatoris,servindo-seointérpretedalógicadedutiva.

ApartirdofinaldoséculoXIXaoiníciodoséculoXX,inspiradascomodesenvolvimentodenovasteoriashermenêuticas,outrasescolascontribuíramcom fórmulas metodológicas em busca do significado objetivo da norma,como,àguisadeilustração,aJurisprudênciadosInteressesgermânica.DaíéqueseavançouparaalçaroDireitoàcategoriadeciência,revestindo-odeuma formaedeumabaseobjetivadediscussão,mediante a captaçãodesentidodoseuprópriotextoenadamais.

Comisso,daposiçãode voluntas legislatoriscaminhou-seaoparadigmada voluntas legis (mens legis), que defendia que o direito não seria alvoda vontade de particulares (legislador), mas da convicção comum de umpovo (volksgeist) representada no sistema positivado. Como consectáriodireto dessa nova concepção, foram aperfeiçoados uma série demétodos

1 Háautores, comoPalmer (2011)eGrondin (1999),que remontama suaorigemetimológicaàmitologiagregaeaoDeusmensageiroHermes,mediadoraquemcompetiatransportaretraduzirmensagensdivinastornando-asinteligíveisaossereshumanos.

2 ComocorrespondenteàEscoladaExegesefrancesa,surgeo“Pandectismo”ouJurisprudênciadosConceitosnaAlemanhaeaEscolaAnalíticanaInglaterra.

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de interpretação na busca da verdade expressa no texto legal, sendo osprincipais:lógico-gramatical,sistemáticoeteleológico.

De qualquer sorte, ainda que com maior ou menor saliência, essasescolasaindaestavamaprisionadasànecessidadedeadoçãodeumalinharacionalista metodológica para solução dos problemas jurídicos. Dessarte,aindahaviao apegoà tradição clássica, à ideiadeautonomiadoobjetoeoregressoàtentativadepropormétodosparaelaboraçãodeinterpretaçãoobjetivamenteválida(PALMER,2011).

Nessaordemde ideias,ofilósofoalemãoHeidegger,pormeiodesuaobraSer e Tempo(1927),lançanovosmatizesnareflexãohermenêutica,aoconcebê-la,aforaoseuconhecidocorteepistemológico,comooestudodofenômenodacompreensãoporsimesmo.Énessepanoramaqueassinalaqueascoisasnomundonãosãosuscetíveisdeseremcompreendidasatravésdaapropriaçãointelectivahumana,deacordocomadicotomiasujeito/objeto,massimapartirdavisãodequesãofenômenosque, independentementedohomem,possuemapotencialidadedeseapresentarcomosão(PALMER,2011).Porintermédiodessabasefenomenológica,abdica-sedametafísica,para que seja ressuscitado o tema do “ser” (Dasein) e reconhecido que aessência do conhecimento é orientada pelo poder que a coisa tem de serelevar,conformesuascondiçõesdepossibilidadeeatravésdasalternativasquesedãoemcadatempohistórico(STRECK,2002).

A hermenêutica filosófica traz a lume uma nova maneira decompreender: nãomais voltada à busca de um conhecimento imaculado,mediantea captaçãodoespíritodo texto (mens legis) oudopropósitodeseuautor(voluntas legis),massimligadaàscondiçõesdepossibilidadeeàcondiçãoexistencialdohomemsituadonomundo,notadamenteapartirdahistoricidadedasuaexperiência.

Nesse panorama, a historicidade não se reporta à investigação dopassadoeàsubordinaçãoaideiasjásepultadas,emobediênciaadisposições

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científicas previamente estabelecidas,mas essencialmente à afirmação datemporalidade da vivência do homem. A verdade não é uma questão demétodo,masumimperativorelativoàmanifestaçãodoser(STRECK,2002).Acompreensãodosentidonotempopresenteampara-seprimordialmentenaprópriaexperiênciahumana,atravésdarecoleçãodohorizontedopassadoedaprojeçãodasexpectativasdofuturo(PALMER,2011).

O encontro do intérprete com a obra ou texto não sucede em umaconjuntura exterior ao tempo e ao espaço, ou indiferente ao seu própriohorizontedeexperiênciaseinteresses.Dondesepressupõequeacompreensãoorienta-seapartirdeumavisãoprévia,antecipaçõessubjetivasqueemergemdasituaçãoexistencialdohomem.ÉoqueacentuaStreck(2002,p.172):“Omundosósenosdánamedidaemquejátermoscertopatrimôniodeideias,édizer,certospré-juízosquenosguiamnadescobertadascoisas.”

Bemporisso,nadapodeseralvodacompreensãosenãoapartirdeummodoposicional,deumavisãopredispostasurgidadaprópriaexperiência,demoldequeopapeldointérpretenãoseresumeemimergirnoobjeto,deacordocom premissasmetodológicas, mas sim a de encontrarmeios de interaçãoviávelentreoseuhorizonteeohorizontedotexto(fusãodehorizontes).

A propósito da constatação da existência de uma inegável estruturaprévia de valoração já acometida pelo homem, Heidegger defende que atarefaprimordialdainterpretaçãoresideexatamentenaimportânciadequeointérpreteestejacientedesuapré-compreensão,tornando-a,tantoquantopossível,transparente.Apartirdeumesforçocríticodeautocompreensão,caber-lhe-á meditar acerca da legitimidade ou do equívoco de taisimpressõespessoaisdiantedaanálisedotexto,emvistadeumdiálogocomos acontecimentos atuais e das circunstâncias do caso, preservando-as ouconferindo-lhesnovossentidos(círculohermenêutico)(GRONDIN,1999).

Dissoresultaqueoconjuntodevaloreseconhecimentosdadosapriorinaestruturadoser(Dasein)podedilatar-seesofrermutaçõescomodecurso

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do tempo. O acúmulo de mais experiências proporciona uma ampliaçãodo horizonte de consciência do sujeito, que levará à captação de novascondicionantesemodosdecompreenderomundo.

Defato,oconhecimentonuncaéabsolutoe/ouinflexível;aocontrário,altera-se e expande-se ao longo do tempo. Por consequência, não sesustentampré-juízosouparadigmasimutáveis,hajavistaqueomundo,feitopelalinguagem,aconteceacadadia,semexistiramínimapossibilidadederepetições.

Nesseparticular,a linguagemassumeposiçãosobranceira,anteoseupoder comunicativo e sua flexibilidade, como o meio vivo e essencial àexpressãodarealidadesocial3.

Ruemospilaresdametafísicaedafilosofiadaconsciênciaque,duranteséculos, calcava-se na teoria objetivista de que o conhecimento seriameramenteareproduçãointelectualdosobjetosdeummundoexistenteporsi só, independentedequalquer formação linguística prévia.Nesse viés, alinguagemnãoeracondiçãodepossibilidadedoconhecimento,masapenasconsiderada como um instrumento designativo, de representação, simplesreflexo ou cópia da realidade, tal qual ela se apresentava para o sujeitocognoscente(CARVALHO,2013).

Nessalinhaderaciocínio,alinguagemnãoéumaterceiracoisainterpostaentresujeitoeobjeto,mascondiçãodepossibilidadeparaqueaqueletenhaacessoaomundoe ferramentadeterminanteda compreensão.Nãoexisteassimummundoemsiouumaessêncianascoisasparaserdesveladapelohomem,masapenasomundoeascoisasna linguagem.Aconstituiçãodesentido dá-se, por via de consequência, em um universo linguístico, pormediaçãodosujeito(PALMER,2011).

3 HádeseregistrarcomoexpoentedessaguinadapromovidapelafilosofiadalinguagemLudwigWittgenstein(1899-1951),notadamenteatravésdesuaobraTratado lógico-filosófico - investigações filosóficas (1921),quebemdelimitaapassagemdafilosofiadaconsciênciaparaafilosofiadalinguagem(GRONDIN,1999).

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Apóso inestimável aporte teóricodeHeidegger,Gadamer consagra afasedaHermenêuticaFilosófica,notadamentepormeiodesuaobrademaiorimpacto,Verdade e Método(1960).

De se notar que Gadamer (1997) não teve como escopo definiruma disciplina metodológica de problemas práticos e recursos formaisde interpretação; antes, pretendeu iluminar, como ponto preliminar eimprescindível, o próprio fenômeno da compreensão como experiênciado homem no mundo. Dessarte, dentro dessa concepção, o processointerpretativonãoderivadaextraçãodeumsentidoverdadeiroeabsolutodotexto,massimdaanálisemeticulosadascondiçõesessenciaisdequeemanaoatodecompreender.

Para tanto, avançando nas circunspecções já traçadas por Heidegger,Gadamer (1997) empreendeu um estudo acerca da historicidade dacompreensão,erigindo-aàcategoriadeprincípiohermenêutico,apartirdasseguintesestruturasfundamentais:ocírculohermenêuticoeoproblemadospreconceitos;adistânciatemporaleahistóriaefetual.

Gadamer (1997) apresenta como ponto de partida da consciênciahistórica o exame da estrutura prévia de sentido da compreensão esua interligação com a finitude e a historicidade da existência humana.Ao compartilhar da teoria de Heidegger, Gadamer (1997) revela que oindivíduonãocontemplaumtextocomumaconsciênciavazia,preenchidaprovisoriamentecomasituaçãoemcausa,masantesasuacompreensãoéinevitavelmente orientada por um conjunto de preconceitos e impressõesacumuladosaolongodesuavivência.

Na linhadeentendimentogadameriana,os juízospréviosnãofiguramcomoalgoquesedevaaceitarourecusar,porquantorepresentamaherançahistóricadosereoalicercedacapacidadequetemparacompreender.Dondeseconcluique,prima facie,nãohácomoinfligirataisantecipaçõesosentidopejorativo,dehostilàrazãoeàverdade,talcomoeraatribuídonoIluminismo.

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AssiméqueGadamer(1997)buscareabilitarospreconceitos,assentindoque,porvezes,podemserlegítimos,indicandoassuasduaspossíveisfontes:aautoridadeeatradição.DemaneiradiferenteaoIluminismo,emqueeraprotagonizada como submissão, obediência cega ao comando e violência,a essência da autoridade repousa no reconhecimento da superioridadedeoutrem,diantedesuavisãomaisamplaouconsagradaedeseumaiorconhecimento.Poroutrolado,atradiçãorepresentaofluxodeideias,praxes,costumes e de valores transmitidos pelo passado e que foi agregado àconsciênciahistóricadohomem(GADAMER,1997,p.419-421).

Fixada como premissa basilar que a compreensão não ocorre sempressupostos e antecipações de sentido, em meio à tradição em que seencontra situado o ser, cabe indagar sob um olhar crítico acerca de suaprodutividade hermenêutica, filtrando os que dão fruto daqueles outrosque aprisioname impedemo pensamento clarividente (GADAMER, 1997).Éimperiosoqueointérpretetomeconsciênciadosprópriospreconceitoseossubmetaaumaatuaçãorevisora,afimdevalidá-losousubstituí-losporoutrosmaisadequadosdiantedaconjunturaatualedocasoemapreciação.Eisqueexsurgeanoçãodecírculohermenêutico.

Sob essa ótica, há um processo de circularidade na abordagem doobjeto,daobra,traduzidopelointercâmbioentreomovimentodatradiçãoe o do intérprete. A partir de uma primeira leitura do texto, extrai-se umprojetointerpretativopreliminar,baseadonosconhecimentospréviosenasexpectativasprópriasdoleitoremrelaçãoaoseuconteúdo.

Noentanto,éindispensávelavançar,paraque,emumsegundomomento,o sujeito ratifique a interpretação inicialmente captada, submetendo-a aocrivodotextoedocontexto.Deveras,assoluçõesantevistaspelointérpreteapartirdesuasantecipaçõesdesentidoreclamamporumaconfirmaçãocríticaeumaconstanterevisão,nointuitodeseafastareventuaismal-entendidosouarbitrariedades.Paratanto,Gadamer(1997,p.405)argumentaquesedeveabrirespaçoparaaalteridadedoprópriotexto,deixandoqueeledigaalgumacoisa:

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Por consequência, a cada volta sobre suas concepções prévias,legitimando-as, no que alude à sua origem e validez, ou ajustando-as namedidaemqueocaso requeira,o sujeitoatuasobreo texto,moldando-oemummovimentoespiralformeàprocuradeumaautenticidadedesentido.

Trata-se o círculo hermenêutico de uma conexão dialética entre aconsciênciahistóricaeaspressuposiçõesdosujeitoeaaberturaconcedidapeloprópriomundodoobjeto.Todavia,nãosetratademovimentocircularvicioso e estéril, visto que, ao participar da reconstrução do texto, ointérpretenãosaidamesmamaneiraqueadentrouoenlace(comosmesmospreconceitos iniciais). O fenômeno da compreensão, consubstanciadonessamarchade irevir, torna-semaisricoefecundo,progressivamente,comaabsorçãodenovasabordagensa interpretaçõesanteriores,emumprocessodesuperaçãoe,aomesmotempo,deconservaçãoeacréscimodesignificados4(MENDESet.al.,2008).

4 Nessaproposta,Fernandes(2012)consignaquemuitomaiscorretoseriaoempregodaexpressão“espiralhermenêutica”.

Aquele que quer compreender não pode se entregar, já desde oinício,à casualidadede suasprópriasopiniõespréviase ignoraromais obstinada e consequentemente possível a opinião do texto– até que este, finalmente, já não possa ser ouvido e perca suasuposta compreensão. Quem quer compreender um texto, emprincípio, deve estar disposto a deixar que ele diga alguma coisaporsi.Porisso,umaconsciênciaformadahermeneuticamentetemque semostrar receptiva, desde o princípio, para a alteridade dotexto.Mas essa receptividade não pressupõe nem “neutralidade”com relação à coisa nem tampouco auto-anulamento [sic], masinclui a apropriação das próprias opiniões prévias e preconceitos,apropriaçãoquesedestacadestes.Oqueimportaédar-secontadasprópriasantecipações,paraqueoprópriotextopossaapresentar-seemsuaalteridadeeobtenhaassimapossibilidadedeconfrontarasuaverdadecomasprópriasopiniõesprévias.

Maria Fernanda Carli de Freitas

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Aquicumprereferenciarqueesseprocessodialógicodecompreensãodá-semedianteoqueGadamer(1997)denominoude“fusãodehorizontes”,detalartequesujeitoeobjetopassamadividirumhorizontecomum,apartirdocompartilhamentodalinguagem.Emtermosoperacionais,osconceitoseatradiçãohistóricadointérpretesãoiluminadosepassamaserquestionadosexatamente quando de seu confronto com o painel significativo do texto,levando-oaummomentoderevelaçãoontológica.

Hádesenotarquenãoháumvínculodesubserviênciadotextoaoseuintérprete,mas simumdiálogoseguidodeperguntase respostas,noqualesteparticipaatentando-separaoqueaqueletemaoferecer.“Atarefadahermenêutica é tirar o texto da alienação em que se encontra (enquantoforma rígida, escrita), recolocando-o no presente vivo do diálogo, cujaprimeirarealizaçãoéaperguntaearesposta.”(PALMER,2011,p.202).Nessediapasão,averdadeirainterpretaçãoresidiráemcompreenderainterrogaçãoem relaçãoàqual subjaz a resposta significativado texto, reconstruindo-oparaasituaçãopresenteeconcretadoindivíduo.

Écurialassinalarquedentrodaarquiteturagadameriana,éimpossívelao intérprete desprender-se da circularidade da compreensão, de sorteque se refuta a concepção clássica da divisão do problema hermenêuticoem três fases apartadas: subtilitas intelligendi (compreensão), subtilitas explicandi (interpretação) e subtilitas applicandi (aplicação) (GADAMER,1997).Comefeito,a interpretaçãoeaplicaçãonãosãoconsideradascomoatosposterioreseoportunamentecomplementaresàcompreensão,massimresultamdeumprocesso unitário. É o quedeixa claroGadamer (1997, p.460):“[...]nacompreensão,sempreocorrealgocomoumaaplicaçãodotextoasercompreendido,àsituaçãoatualdointérprete[...]”.

No cenário ora revelado, a interpretação deixa de ser um processoreprodutivooureconstitutivo(auslegung)etorna-seumprocessoprodutivo(sinngebung). De fato, se inexiste compreensão sem pressupostos, éinconcebível a noção de interpretação autossuficiente e correta por si só,porquanto sempreestá ligada aopresentee estenuncaépermanenteou

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rígido.Daísedepreendequenãoháumsignificadoimutável,umavezquenãoexistepontodevistasuperioràhistoricidadeeàfinitudeprópriasdoser.

Enfim, tudo aponta para o problema hermenêutico central, a saber,como alcançar uma interpretação legítima, como se pode divisar entreas verdadeiras antecipações de juízo, daquelas pressuposições falsas queconduzemaarbitrariedadeseequívocos.Emboranãohajacritériorealmenteseguroparadiscerni-los,Gadamer(1997)sobrelevaparaafecundidadedosintervalosdetempoedoolharretrospectivohistórico.

Para Gadamer (1997), o conhecimento objetivo somente pode seraspirado através de umdistanciamento histórico,malgrado a ressalva queestenuncaseexaure,jáqueinseridodentrodeumprocessocompreensivocirculareinfinitoquevisaacorrigirerrosedistorçõesdesentido.

É através da distância temporal que o intérprete pode adquirir umavisãopanorâmicadopassado,nosentidodeeliminarjuízossubjetivosantesinsuspeitoseconfirmarpresentementeospré-conceitosquesobreviveramà passagem do tempo, levando a uma compreensão comprovadamenteverdadeira(GADAMER,1997).

Todo texto confeccionado em um momento pretérito reclama poruma leituraatualizadae renovadora.Nessepasso,depoisdeempreendidatal interpretação, em uma projeção futura, esta deixará de configurar umprodutodopresenteepassaráaserincorporadaàtradição,comoumadasdiversasversõesinterpretativasquejátenhamsidohistoricamenterealizadassobreotexto.Eéexatamenteanteaausênciadeumconhecimentoobjetivoesgotável, que avulta em importância o princípio da história efetual ouefeitual,consideradaemseusefeitosouefetividadesobreacompreensão.

Éahistóriaquecondicionaasvalorações,conhecimentosejuízoscríticosdohomem,conformandoohorizontedointérprete,asuaamplitudedevisão.Dessafeita,quemtemhorizontelimitadopossuiumasabedoriaatrofiadaesupervalorizaapenasaquiloqueestámaispróximoàsuacondiçãonomundo.

Maria Fernanda Carli de Freitas

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Poroutrolado,paraGadamer(1997,p.452),“[...]aquelequetemhorizontessabevalorizarcorretamenteosignificadodetodasascoisasquecaemdentrodeles,segundoospadrõesdepróximoedistante,degrandeepequeno.”

Contudo,aprópriamobilidadehistóricaeatemporalidadedaexistênciahumanafazcomquenãohajaumavinculaçãoabsolutaaumadadaposiçãoou a um horizonte fechado. Ao reverso, o horizonte é algo em constantedesenvolvimento, a ser ampliado pelo homem durante o trilhar de seucaminho(GADAMER,1997).

Por issoéqueseafigura imprescindívelasuperaçãodospreconceitosqueo intérprete traz consigo, já quenão se apresentam comoalgofixo edefinitivo, devendo-se ter emmente que a compreensão encontra-se emconstanteevolução,dentrodoprocessodefusãodehorizontes.

Apartirdoparadigmadahermenêuticafilosófica,deve-seabdicar,deumavezpor todas, dodiscurso ainda vigenteentreboapartedos juristaspautadonacrençadequeaaplicaçãodadisposiçãonormativaéautômatae redutível a um silogismo. Sob essa perspectiva, tem-se que atividadeinterpretativanãosecircunscreveaumaaveriguaçãodeumsignificadoúnicoeobjetivododireitoposto,tampoucoàinvestigaçãodopropósitosubjetivode seuautor (legislador). “Acompreensãonãoé jamaisunidirecional,poisohomemnãoéumserforadomundo,demodoquepossaconhecê-lodemodotécnicoouneutro[...]”(CRUZ,2011,p.184).

Háaindadeseteremcontaque,mesmoomaisimparcialdosaplicadoresdodireito5sofreoinfluxosilenciosodospré-juízosadvindosdatradiçãoeda

3.Arepercussãodahermenêuticafilosóficanahermenêuticajurídica

5 Aquiabarcadostantoomagistradoquantooadministrador.

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autoridade sobre seuentendimento.Dequalquer forma, issonão significaque não deva combatê-los permanentemente, tomando consciência dosmesmosevalidando-osounãodiantedasuasintoniacomocontextoemqueseencontrainseridoefrentesàspeculiaridadesdocasoconcreto.

Sob outro ângulo, firma-se entre o intérprete e o texto jurídico umarelaçãocirculareprogressiva,emmeioàtradição,aosseuspreconceitoseaomomentohistórico vivenciado,nabusca incessantepornovosmodelosnormativosqueseenriquecemeexpandempaulatinamente,comosecolhenovamentedaassertivadeMendes,CoelhoeBranco(2008,p.57)“[...]oscasosassimdecididospassamavalercomoprecedentesepontodepartidaparafuturasaplicações,semqueessemovimentojamaisseinterrompa[...]”.

Dentrodesseprocessodialéticocaracterísticodocírculohermenêutico,a compreensão é tida como atividade infinita, podendo as diferentesinterpretações de ummesmo preceito legal oscilarem conforme a época,a realidade social e amutaçãodos valores, semque aquelasmais antigaspossamsertachadasdeequivocadas.

Noutraspalavras,infere-sequeoresultadodeumesforçohermenêuticosempre revelará uma verdade contestável e nunca absoluta, já quecontinuamente haverá a possibilidade de se alterar a interpretação e acompreensãofeitadeumtexto,mormentenoterrenoaxiológicodaconsciênciajurídica.Portanto,aatividadeinterpretativaostentaumanaturezaconstrutivae não meramente reprodutiva de sentido, ou estandardizada. Daí que averdadenãorepresentaumaquestãodemétodo,massimdemanifestaçãodoseredeseudesvelamentoperanteointérprete(STRECK,2002).

Deresto,afeiçãoprodutivadainterpretaçãodosenunciadosjurídicos,nãoéapenasalgoconstatável,masabsolutamenteindispensávelemfacedoajustamentododireitoposto às peculiaridades da situaçãoemcausa.Orabem,arealizaçãomaterialdodireitopressupõeacriaçãodesoluçãonormativaconcretaàsparticularidadesdocaso.Daíadistinçãoencarecidaporalguns

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doutrinadoresentretexto(direitoposto)enorma(produtodacompreensãodotexto).Deveras,aindaquepossuísseodomprofético,olegisladorjamaispoderiacatalogardentrodotipolegaltodasashipótesesfáticaseacomplexarealidadesocial,dondesobressaianecessidadedeconferirumaliberdadedeaçãoaoaplicadordodireito,dentrodoslimitestraçadospelaConstituiçãoepelalei,àqualseencontrajungidootemadiscricionariedade.

Desde os primórdios de seu estudo, nunca houve um consensodoutrinário acerca da discricionariedade administrativa, sendo ainda hojealvo de diversos ensaios jurídicos. Na cadência do que restou assentadoanteriormente,écompreensívelqueareferidatemáticanãosejaenfrentadacom noções rígidas e imutáveis, visto que, enquanto obra do espírito ouobjeto cultural, está sujeita à historicidade e à finitude da compreensãohumana,cambiandooseuperfilesubstânciapróprios,conformeoespaçoondesesituaeotempoemquevivenciaocientistadoDireito.

Assim,nãosurpreendeaconstataçãodequeosdiferentesângulossobosquais foi focalizadoo instituto tenhamsofridoalteraçõesàmedidaquehouveaevoluçãonaconcepçãodeEstadovigente.AdependerdoarquétipodeEstadoadotado,porviadeconsequência,modificava-seoregimejurídicoda Administração, o que reclamava uma reconfiguração do novo papelassumidopeloPoderPúblico.

Nodenominado“EstadodePolícia”,quevigorounaEuropadosséculosXVIaXVIII,adiscricionariedadeeravislumbradacomoumaliberdadetotaleilimitadadaAdministraçãoparaatuar,semqualquerparâmetroouingerênciado Legislativo e do Judiciário, expressão última da soberania domonarca,bem caracterizada pelas imortalizadasmáximas the king can do no wrong (oreinãopodeerrar)oul’etat c’est moi(oEstadosoueu)(DIPIETRO,2012).Nãoobstante,aexperiênciaentãoamargadademonstrouqueseafigurava

3.Discricionariedadeadministrativa

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indispensável a fixação de balizas ao exercício de tal poder, impedindo-seabusosearbitrariedades.

Naquelecontextodeopressãopeloabsolutismoreal,anteainspiraçãodo ideário iluminista, sob as bases teóricas deMontesquieu (1694-1778),Voltaire (1694-1778), Rousseau (1712-1778), entre outros, eclodiu aRevoluçãoFrancesa,derrubandooregimemonárquicoesubstituindo-oporumEstadodeDireito,queselastreavaemrígidaseparaçãodepoderes,naproteçãodosdireitosindividuais,aindasobóticanegativaeliberal,contraascoaçõesporpartedosagentespúblicos.

Deveras,comumespectroevidentementeabstencionista,objetivava-seapartirdafilosofiailuministaodistanciamentodoPoderPúblicoemrelaçãoaquestõessociais, ligadasàrealizaçãodobem-estarcoletivodoscidadãos,de molde a salvaguardar os direitos fundamentais de primeira geraçãoconsubstanciadosnaigualdade,liberdadeepropriedade.

OEstadodeDireitoelevadonaFrançafundamentou-seessencialmentenalegalidade,demaneiraquealeialifoitidacomoumaverdadeabsolutae incontestável, independentemente de seu conteúdo, porque traduziaestabilidadeesegurançajurídica.Avontadedosreisviu-sesubstituídapelavontadegeraldopovo,assumindooparlamentoposiçãodehegemoniasobreosdemaispoderes.

Estabeleceu-se umparalelo entre a Administração propriamente dita,quedesempenhavaaatividadevinculadaàlei,eoGoverno,comopalcodedecisõespolíticas,blindadasdaapreciaçãojudicial.

No entanto, frente à promessa de resgate da justiça e da igualdadematerial e da insatisfatória postura não intervencionista, afigurava-seimprescindível uma conduta ativa da Administração na consecução daspolíticas públicas e dos direitos fundamentais a uma existência digna doscidadãos,sobumadimensãomaterial.SurgeentãooEstadoSocial,atravésdoqualavançaemconteúdoeimportânciaodogmadalegalidade.

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ApartirdoséculoXX,frenteaumnovomodelojurídicoconstitucionalinaugurado,advémoEstadoDemocráticodeDireito, inspiradona ideiadecidadania,pluralismoeparticipaçãopopularnagestãodacoisapública.Nessaperspectiva,oprincípiodalegalidadeganhanovosmatizes:aAdministraçãonãomaispoderiafazertudoaquiloquenãolheeraproibido–relaçãodenãocontradição–,mas sime tão somenteoque lheépermitido– relaçãodesubsunção(BANDEIRADEMELLO,2012).

ÉimperiosorealçarqueossupostospoderesdaAdministraçãoPúblicanadamaisrevelamsenãoacontrafacedecorrelatosdeveres,demodoqueseapresentamapenascomoinstrumentose/ouprerrogativasquedetémoEstadoparaaconsecuçãodointeressepúblico.PorissoéqueéassertivaaliçãodeBandeiradeMello(2012)nosentidodeque,emverdade,nãohásefalarem“poder”discricionário,masantesnoexercíciodeum“dever”discricionário,demarcadoporumafunçãoemqueseencontrainvestidooagentepúblico,paraasatisfaçãodointeressepúblico.Dondesobressaitambémaconclusãodequenãoserevelaapropriadofalarematosadministrativosdiscricionáriosouvinculados,mas simematosadministrativosexpedidosnoexercíciodecompetênciadiscricionáriaouvinculada.

Hodiernamente, umnúcleo de ação impenetrável ao controle judicialequeextravaseoslimitesimpostospelaleiequipara-seàarbitrariedade,aopassoqueadiscricionariedadepassasercompreendidacomoumaliberdadedeatuaçãoexercitadadentrodasfronteiraslegais.

De qualquer sorte, ainda viceja na dinâmica do mundo moderno ogrande desafio em conciliar a obediência ao primado da legalidade comalgumespaçodeliberdadedecisóriadaAdministração,nointuitodehabilitá-laarespondercommaiseficiêncianaordenaçãodosserviçospúblicosenoatendimentoàsmúltiplas,complexaseimprevisíveisdemandassociais.

Daí é que, na atualidade, como lembraDi Pietro (2012), houve, porconsequência, o incremento de fórmulas legais genéricas e imprecisas,que relegam ao executor o papel de determinar-lhes o sentido preciso

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diantedocasovertente.Nessaórbitaéqueseinsereadiscricionariedadeadministrativa.

Certoéque,diantedosincretismodevaloresplasmadosnaConstituição,da imensa gama de exigências sociais, metas, resultados e fins a serembuscados,noseiodoEstadoDemocráticodeDireito,osparlamentarestêmsevalido cadavezmaisde textos legais compoucadensidade regulatória,sejaaoempregaremconceitosabertosevagos,queraoconcederemmaioresespaçosdeescolhaaoadministradordosmeiosválidosperanteodireitoparaasoluçãodocasoconcreto.

Sob o prisma material, por conseguinte, a discricionariedade é umarealidade irrefutável, porquanto é absolutamente impraticável ao legisladorreterodomdaprevidênciaedesceraminúciasemnormasgeraiseabstratasas infinitas, crescentes e heterogêneas ocorrências e necessidades coletivasquesurgematodomomento,sobrepossenasáreasdesaúdepública,proteçãoambiental,controleurbanísticoefomentoeconômico(DIPIETRO,2012,p.63).

Noutrogiro,ajustificativajurídicaresidenoimperativodequeainstânciaadministrativanãosejasuprimidaporumahipertrofiadoLegislativo,passandoaquela apenas a representar um singelo órgão executor de ordens legais,detalhadaseconcretasemanadasdesteúltimo,sobpenademalferimentoaoprincípiodaseparaçãodasfunçõesestatais.NãosedeveolvidartambémqueéaAdministraçãoexecutoraquedetémasmelhorescondiçõesdealcançaradecisãoestatalmaiscorretapossível,dentrodesuaorganizaçãoprópriadecompetênciascometidasaórgãosespecíficos,composiçãofuncional,modeloprocedimental,experiênciaecontatodiretocomomundosensível.

Dessailaçãoresultaqueafinalidadelegalsomenteserevelasaciada,acasosejaadotadapeloagentepúblicoasoluçãoótima.Deseuturno,aexcelênciadaprovidênciaadministrativaaseralcançadasomentepodesersondadafrenteàspeculiaridadesdecadacasosubmetidoàanálisedoadministrador.

É possível, com isso, prenunciar que a discricionariedade no nível danorma (estática) é consideravelmente superior à discricionariedade no

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planodocasosingular(dinâmica).Porvezes,podeacontecerdeadiscriçãoconferidanaabstraçãojurídicaserreduzidaazeronoplanofenomênico,vistoque,docotejodafinalidade legal comasparticularidadesdacircunstânciafática,àAdministraçãopodeserquesobejeapenasaadoçãodeumaúnicasoluçãoválida.Dessarte,“Adiscricionariedadenaregradedireitocontémin potentiaadiscricionariedadein actu,masnadamaisqueisto[...]”(BANDEIRADEMELLO,2012,p.37,grifodoautor).

Na esteira da distinção doutrinária clássica, há competência vinculadaquandoanormaaplicadadisciplinaumadadasituação,delimitandoobjetivae antecipadamente todos os pressupostos e o conteúdo para a prática doato, não restando à Administração margem de liberdade alguma. Frente àregulamentaçãocompleta,resultaaoadministradorperanteasituaçãosingularaadoçãodeumúnicocomportamentojuridicamentepossível,sendocertoqueoselementospresentesnotextolegalnãodevemoferecerqualquerdúvida.

Ao reverso, cogita-se de competência discricionária na hipótese de oenunciado legal apresentar certo campo de indeterminação, a relegar aoagente público algum espaço de liberdade de atuação. Viceja na norma asercumpridaapossibilidadedeadoçãodeduasoumaisdecisõeslegítimas,dentro de uma esfera de apreciação subjetiva do administrador, devendoprocederperanteocasovertentesegundosuaintelecçãoouàluzdecritériosdeconveniênciaeoportunidade.

Éimperiosoregistrarqueamargemdeliberdadecreditadanaleipoderemanesceremmenoramplitudeoumesmonãosefazerpresentefrenteàsnuancesepeculiaridadesdasituaçãoempírica.Deefeito,haveráhipótesesemque,segundoa inteligênciarazoávelextraídadeumhomemmédio,doconsensosocial6,eemfacedoscontornosdocasoprático,oatendimentodafinalidadelegalrestringiráo lequedeopçõesdoagentepúblicooumesmoexigiráaexpediçãodeumúnicoeespecíficoatoadministrativocomosoluçãoótimabuscadaparasatisfaçãodointeressepúblico.

6 ParautilizaraexpressãoadotadaporMartins(2008,p.183).

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Com efeito, não se deve olvidar da teoria da “redução dadiscricionariedadeazero” (Ermessensreduzierung auf Null),aqualconsisteprecisamente na eliminação da possibilidade de escolha entre diversasalternativas,apresentando-sejuridicamenteviávelapenasumaúnicamedidaadministrativa apta a cumprir a finalidade legal, ante as circunstânciasnormativasefáticasdocasoconcreto.

Essa atrofia do “poder” discricionário assume maior relevo quandose está em jogo o resguardo dos direitos fundamentais, bem como aobediênciaaoprincípiodaigualdadeedodeverdecoerência.Nesseúltimoaspecto, tem-se que há sempre uma autovinculação da Administraçãoao seu comportamento anterior, de molde que, frente a circunstânciasfáticasidênticasoubastantesemelhantes,sejadispensadoumtratamentoadministrativoisonômico.

Assiméqueoméritodoatoadministrativoresideexatamenteemumespaçodeliberdade“supostonaleieque,efetivamente,venhaaremanescernocasoconcreto,paraqueoadministrador,segundocritériosdeconveniênciae oportunidade, se decida entre duas ou mais soluções admissíveis”, emvista da finalidade albergada no texto legal e “[...] dada a impossibilidadede ser objetivamente reconhecida qual delas seria a única adequada [...]”(BANDEIRADEMELLO,2012,p.38).

Emremate,acondutaadministrativadeveenfeixar-senãoapenasdentrodas possibilidades conferidas na esfera da abstração legal (dever ser), mastambém,noplanoconcreto(ser),havendodecorresponderàscircunstânciasdocasoanalisadoeserobsequiosacomafinalidadealmejadapelodireitopositivo.

A teoria dos conceitos jurídicos indeterminados é alvo de granderepercussão doutrinária e recebe um tratamento bastante difuso entre os

5.ConceitosJurídicosIndeterminados

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estudiosos dodireito, revelando-se comoprincipal pontodedivergência asua proximidade como tema da discricionariedade administrativa e a suasindicabilidadepeloPoderJudiciário.

Cabeaquiregistrarquenãoháumacordosemânticoentreosjuristasapropósitodaterminologia“conceitosjurídicosindeterminados”7.Perceba-seque,paraGrau (2011),nãohá indeterminaçãodosconceitos,massimdostermos que os expressam. Em posição diametralmente oposta, BandeiradeMello(2012,p.20-21)argumentaqueaimprecisão,afluidezreside“nopróprioconceitoenãonapalavraqueosrotula”,esclarecendoque“[...]aspalavrasqueosrecobremdesignamcomabsolutaprecisãoalgoqueé,emsimesmo,umobjetomentadocujosconfinssãosimprecisos[...]”.

Oestudodosconceitosjurídicosindeterminados,segundoaconstruçãohistórica remontada por António Francisco de Souza, em Conceitos indeterminados no direito administrativo (1994),temcomoberçoaÁustria,noséculoXIX,aqualfoipalcodasprimeirasdiscussõesemtornodotema,acercadasuaidentificaçãocomadiscricionariedadeadministrativaeeventualsujeiçãoaocontroledosTribunaisAdministrativos(PIRES,2009).

Comoprecursoresdodebate,EdmundBernatzik(1854-1919)eTeznerapresentamaslinhasdianteirasdeabordagemdamatéria.Oprimeiroautor,em Rechtsprechung und materielle Rechtskraft: Verwaltungsrechtliche studien (1886),posicionou-seno sentidodequeos conceitosvagos, comoo de interesse público, implicamum complexoprocesso interpretativo emcadeia, que abre ensejo à discricionariedade, devendo ser definidos porórgãos administrativos especializados, livres do controle jurisdicional. É omarcoinicialdoqualprocedeateoriadaduplicidadeoumultivalência.

7 Adespeitodadivergênciaacimaesboçada,pareceprudente,mercêdeseualcanceenotoriedadeedamaiorreferênciapeladoutrina,empregar-sea terminologia “conceitos jurídicos indeterminados”,notadamenteporquenãohaveráprejuízoaoplanodopresentetrabalho.

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Tezner, contrariamente, manifestava-se no sentido de que existiriaapenasumadiferençadegraudeinsegurançadapalavraenãodequalidadeentre conceitos jurídicos determinados e indeterminados (PIRES, 2009).Pugnavaporumcontroleobjetivodetodososconceitosnormativos,medianteumprocessodeinterpretaçãoestritamentejurídica,aindaqueremissivosadadosdaexperiênciaouelementosfornecidosporoutrasciências.Nobojodesuasideias,quandoasdecisõesadministrativasversassemsobredireitosindividuais, os conceitos indeterminados, censuradospelo estudioso como“inimigos” do Estado de Direito, seriam passíveis de revisão pelo PoderJudiciário(DIPIETRO,2012).

Nesse ângulo, erige-se então a doutrina dos conceitos jurídicosindeterminados,reputadosnãocomoexpressãodediscricionariedade,mascomoalgoplenamentesindicávelpeloórgãojurisdicional.Trata-sedateoriadaunicidade,segundoaqualosconceitosvagosdevemsersubordinadosaumaatividadeinterpretativa,queconduziráaumaúnicarespostacorreta.

Em direção similar trilha o pensamento de Büller, que abstrai asconsequências jurídicas decorrentes das normas protetoras de direitosindividuais,daquelasqueecoamdasnormasprotetorasdeinteressepúblico.Dessafeita,entendequeasleisquegravitamemtornodedireitossubjetivos,dirigidas aos particulares, têm caráter vinculante perante a AdministraçãoPública, não lhe deixando margem para aferição da conveniência eoportunidade.Nesseterreno,osignificadodosconceitosfluidoséextraídoatravésdeinterpretação,àluzdasopiniõesdominantesnoseiodasociedade(DIPIETRO,2012).

Fatoéque,nodireitogermânico,emprincípio, forampotencializadasas técnicas tendentes à redução da discricionariedade administrativa,inclusivenoâmbitodarevisibilidadedosconceitosjurídicosindeterminados,notadamente no segundo pós-guerra em virtude dos dissabores sofridospelaAlemanhacomoregimenazistaeosentimentodedesconfiançaepesardepositadosobreosórgãosdaAdministraçãoPública(KRELL,2013).

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Comonaquelaépocafloresciamleisconcebidasaoamparodedireitosfundamentais,nalinhadepensamentodeTeznereBüller,foi-serestringindopaulatinamenteocampodediscricionariedadeedilargando-seaesferadevinculaçãoadministrativa,emreforçoaoprincípiodareservalegal8.

SoboinfluxodadoutrinaalemãdeTeznereBüller,ateoriadosconceitosjurídicos indeterminados veio a ser introduzida na Espanha por EduardoGarcia de Enterría, em La lucha contra las inmunidades del poder en el Derecho administrativo (poderes discrecionales, poderes de gobierno, poderes normativos)(1962).OjuristaveiotambémaexplanaroseuposicionamentoquantoaotemaemobraelaboradaemparceriacomRamónFernández(DIPIETRO,2012).

Segundo o pensamento dos mestres suprarreferenciados, nãohá identificação entre conceitos indeterminados e discricionariedadeadministrativa. Para eles, embora esteja presente umamaior plasticidade,flexibilidade nas aludidas noções legais, sejamde experiência ou de valor,estascomportamadevidaprecisãoporocasiãodesuaaplicaçãoaumadadarealidadefática(PIRES,2009).

Sobremais, dentro dessa concepção, os conceitos jurídicosindeterminadosrepresentamtécnicaquepermitiriaaeliminaçãodequalquerespaçodeimunidadedoPoderExecutivo,medianteaobtençãodeunidadedesoluçãojusta,atravésdeprocessointelectivodecompreensãovinculado,emquenãoháelementovolitivodeseuaplicador.Entendemque,diantedeumcasoconcreto,porjuízosdisjuntivos,ousedáounãosedáaaplicaçãodoconceitoimpreciso,v.g.,ouháounãoháboa-fé(tertium non datur),postoque seria impossível algo ser, a um só tempo, duas coisas opostas (PIRES,

8 Todavia,convémcolacionarque,apartirdadécadade1980,ajurisprudênciaetambémadoutrinaalemãtentouabrandaro rigor e ampliar a discricionariedade, namedidaemque, ao reconhecer a falibilidadede fórmulas legais abstratas na regulamentação das vicissitudes da vida, relegou à Administração umamaior flexibilidade decisória, na hipótese de avaliações emeditaçõesmais complexas e dinâmicas paraacomodaçãodeconceitosdevaloreprognose,alcunhadade“margemde(livre)apreciação”,evitando-seasubstituiçãodedecisõesdoExecutivopeloJudiciário(KRELL,2013).

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2009).ConsequênciadissoéquehaveriaplenapossibilidadederevisãodaaplicaçãodossobreditosconceitosporpartedoPoderJudiciário.

Todavia,evidenciamosmesmosautoresquenemsempreéumatarefafácilaextraçãodeumaúnicarespostacorreta,aceitandoqueosconceitosjurídicos indeterminados podem ostentar três zonas distintas: a zona decertezapositiva,emqueestãopresentes;azonadecertezanegativa,naqualéseguraasuaexclusão;eazonaintermediáriadeincerteza(haloconceitual),mais ou menos imprecisa. Nessa zona medianeira de penumbra, há umaatividade interpretativaemqueéconfiadoàAdministraçãoobenefíciodadúvida,desdequerespeitadoonúcleodoconceito(KRELL,2013).

Nadoutrinanacional,deoutroquadrante,pareceprevaleceraproposiçãoquanto à existência de algum vínculo entretido entre discricionariedadee conceitos jurídicos indeterminados. Nesse norte acenam as posiçõesexteriorizadas por Germana de Oliveira Moraes, Dinorá Adelaide MusettiGrotti,ReginaHelenaCosta,AlmirodoCoutoeSilva,MariaSylviaZanellaDiPietro,RicardoMarcondesMartinseCelsoAntônioBandeiradeMello.

Na preleção de Di Pietro (2012), nos conceitos de experiência ouempíricos, a discricionariedade é obliterada, haja vista a existência decritériosobjetivos,práticos,colhidosdaexperiênciacomum,quecomportamoalcancedeumaúnica soluçãopossível antea realidade fática (v.g., casofortuito ou forçamaior).Nos conceitos de valor, a atividade interpretativapode não resultar emumadefinição comacuidade de sentido, sobejandoumafraçãonebulosa,quehabilitaráoPoderPúblicoadecidirconformeseujuízodiscricionário.

Martins(2008)pauta-sepelaexistência,porvezes,deumaincompletudenormativa, e, por corolário, de uma remissão à apreciação administrativa.Ensina que há hipóteses legais de remissão expressa e de remissão tácitaàanáliseadministrativa.Naquelas,o legisladorconferemanifestamenteaoagentepúblicoresolversobreomomento,omeioouaformadesuaatuação.

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Noâmbitodaremissãotácitaparlamentar,recorreasignosvagosedeixaadecisão ao encargo daAdministração. Acrescenta ainda o professor que acompetênciapararevelaçãodosignificadodoconceitonazonaondepairadúvidacompeteaoórgãoexecutorenãoaomagistrado.

Bandeira de Mello (2012) envida seus esforços ao sustentar que,mesmo defronte o caso singular, no plano dinâmico, alguns enunciadoslegais que veiculam signos fluidos não ganham densidade suficiente paradissipartodasasambiguidadesesuspeitassobreasuaaplicabilidadeounão,sendodefensávelmaisdeuma intelecção razoável.Valeo registrodesuaspercucientesobservaçõesbastanteilustrativas:

Daí decorre a ilação, segundo o precitado mestre, de que umentendimentorazoávelextraídopeloadministradordoconceitonormativovago, dentro dos limites de sua moldura significativa, é obediente aosditameslegais,nãosendofacultadaaojulgadorasuacorreção,eisquelheincumbeapenas“[...]repararviolaçõesdedireitoenãoprocedimentosquelhesejamconformes[...]”(BANDEIRADEMELLO,2012,p.24,grifodoautor).Nessa toada, é reservada ao órgão judicante somente a competência de

Noções como “pobreza”, “velhice”, “notável saber”, “boa ou máreputação”, “urgência”, “tranquilidade pública” – como quaisqueroutras suscetíveis de existir em graus e medidas variáveis–ensejarão,emcertoscasos,objetiva certeza de que in concreto,forambemoumalreconhecidos.Istoem alguns casos, não porém em todos.Édizer:emdadassituações,nasparadigmáticasoutípicas,poder-se-ádizer,emnomedeumaverdadeobjetivamenteconvinhável,quealguéminduvidosamenteépobreouqueévelhoouentãoquenãooé(eassimpordiantenoexemplárioreferido),porém,emoutrastantas,mesmo recorrendo-se a todos osmeiosmais além aduzidos paradelimitaroâmbitodeumaexpressãovaga,ter-se-ádereconhecerquenãosepoderiarechaçarcomonecessariamentefalsanenhumadentreduasopiniõesconflitantessobreomesmotópico.(BANDEIRADEMELLO,2012,p.22-23,grifodoautor).

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aferirseoExecutivoatuoudentrodasfronteirasdoconteúdodeterminável,ou seja, da densidade mínima de significação que as noções imprecisascomportam.

Asseveraoautor,porconseguinte,queotemadadiscricionariedadenãogravitaapenasemtornodoméritoadministrativo,sobocrivodoscritériosda conveniência e oportunidade, encontrando-se também atrelado aosconceitosjurídicosindeterminados,ponderandoque,porvezes,aqualificaçãodeumatocomoconvenienteeoportunotemcomoexameprejudicialojuízosobreaaplicabilidadeounãodeconceitoimprecisomencionadonahipótese(pressupostos)ounafinalidadedanorma.

BandeiradeMello(2012)ressaltaaindaqueaimprecisãodessesconceitosnuncaseráabsoluta,havendosempreumazonadecertezapositivaeoutranegativa,quelhedelimitamumcamposignificativopossível,estimadoapartirda concepção corrente emdadomeio social e de seu enfoque contextualno sistemanormativo.Nessesmoldes, asdúvidas só teriamcabimentonointervaloentreambas,nachamadaregiãocinzenta(haloconceitual).

Porfim,obtemperaqueameraconstataçãodequeossignosvagossãocaptados por operaçãomental interpretativa não leva à conclusão de queessaseriaumamatériaestranhaàpotestadediscricionária.Malgradoassintaqueoatovolitivo–inerenteàdiscriçãoadministrativa–eoatointelectivo– próprio dos conceitos jurídicos indeterminados – sejam realidadeslogicamentedistintas,refletequeosmesmosnãoapresentamressonânciasdistintas para o Direito. Deveras, ambos repercutem nos mesmos efeitosjurídicos,consistentesemumaaberturadeliberdadeàAdministraçãoeumalimitaçãodaintervençãojudicial(BANDEIRADEMELLO,2012).

DestoamdessepensamentoGrau(2011)ePires(2009),paraosquaisadiscricionariedadeéassuntoestranhoaosconceitosjurídicosindeterminados.

Grau(2011)pronuncia-senosentidodequeadiscriçãoéumaliberdadede escolha entre alternativas igualmente justas ou indiferentes jurídicos,

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configurandoum juízo de oportunidade, ao tempoemqueo empregodeconceitosimprecisoséhipótesedeaplicaçãodalei,repousandoemumjuízodelegalidade.Dequalquerforma,aindaquepartidáriodeumdiscursomaisrestritivo, o jurista emapreçoopõe-se à teseda existência deunidadedesoluçãoexata,justa.

Pires(2009)constróiasualinhaderaciocínio,apartirdademarcaçãodadiscricionariedadeedosconceitosjurídicosindeterminadoscomocategoriasdiversas,propugnandoqueestesúltimosnadamaissãodoqueumaquestãode atividade interpretativa. Para o autor, a interpretação dos conceitosjurídicos indeterminadosdeve comportar apenasumaúnica solução justa,a qual se encontra sujeita a irrestrito controle pelo Judiciário. Atenta quea proposição de um sentido unívoco justo não se trata, necessariamente,daquelaquedecorredeumjuízodeverdade–aseuver,impraticávelnoâmbitodasciênciasculturais–,masdamaisadequada,persuasivaouopinável,porjustificativas e argumentos expostos, segundoaproposta interpretativadalógicadorazoáveloudopreferíveldeLuisRecasénsSiches.

Dessemarco, parte para a afirmação de que não é a constatação doelementovolitivoquedistinguediscriçãoadministrativadainterpretaçãodosconceitosindeterminados,porquantoapresençadoserécomumemambasasatividades.

Naesferadacompetênciadiscricionária,oautorsustentaqueháumapluralidade de decisões legítimas, sendo que a escolha é um indiferentejurídico,podendodar-seentreduasoumaissoluções,quenãosepautaporum juízodeconvencimentooupersuasão.Afirmaaindaqueelaéexaradapara aquele único momento e pode não se repetir em situação similarpouco adiante, salvo eventual ofensa a princípios jurídicos como o daisonomia.Noutrovértice,odimensionamentodeconceitosvagospodelevarà disparidade de intelecções ou convicções, mas a decisão administrativasempre será suscetível de revisão judicial, desde que o magistrado sejaconvencidoporentendimentodiverso.

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Frente à exposição até então desenvolvida, conclui-se que, no atualestágio de Estado Democrático de Direito, já não mais se compadece daideiadeatuaçãoadministrativacomoumredutolivredequalquercontrolejurídico,sobpenadeserequiparadaàarbitrariedade.

Daíéqueseerigeadoutrinaquepretendeerradicarqualquerespaçode imunidade do Poder Executivo porventura ainda remanescente, sendoumadasbandeirasdesfraldadasexatamenteaconcepçãodequenãohaveriaidentidade entre discricionariedade e conceitos jurídicos indeterminados,ao argumento de que a configuração destes últimos apenas demandariaatividadedeinterpretação.

Já se demonstrou que a discrição administrativa envolve uma fraçãodeliberdaderelegadaaoadministrador,porexpressadeliberaçãolegislativaou mesmo, implicitamente, diante da falta de um regramento exaustivoou de um campo de imprecisão constante do enunciado prescritivo. Adiscricionariedade,portanto,éconsectárionecessáriodaaberturadosistemajurídico,representandoapossibilidadedemoldá-loemconcretosegundoascontingênciassociaisquevenhamaseapresentar,insuscetíveisdecaptaçãopelageneralidadeeabstraçãodasregrasjurídicas.

Todavia,hádeseponderarqueaesferadeliberdadedaAdministraçãoPública não se encerra somente dentro da compreensão estrita e típicade discricionariedade administrativa, mas se faz presente igualmente nopróprioprocessointerpretativo.Eassimocorreporqueainterpretação,aforao aspecto cognoscitivo, também ostenta o caráter volitivo, que envolve aparticipaçãodogêniodointérprete.

Assentado isso, tem-se que qualquer postura ou teoria predispostaasuprimiraesferade liberdadedoagentepúblicona interpretação,aindaque nobre em seus propósitos, priva o direito de sua própria essência econservação,nãosendodiferentedadogmáticajurídicaclássicaqueapregoaasuaaplicaçãosilogísticaeautômata,semqualquerelementodecriatividade.

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Como já explicitado, é certo que o elemento axiológico não podeser decotado da experiência jurídica. Nas preleções de Reale (1994, p.171), asnormas jurídicas, comobens culturais que são, “[...] transcendemevidentementeoplanológico-formal,referindo-seàexistênciahumanaeàsalvaguardadeseusvalores[...]”.Aindanaspalavrasdessejuristaefilósofo,inevitavelmente “[...] interpretar o Direito é trabalho axiológico, e nãopuramentelógico,comosedesenrolassemasconsequênciasdasleismercêdesimplesdedução[...]”(p.201).Ointérprete,pois,nãodevesepostaremuma posição de passividade diante do texto,mas antes desempenhar umlaborconstrutivodefeiçãoaxiológica.

Enfim, a natureza e a riqueza expressiva da linguagem jurídica,sobremodo na província do direito constitucional, veiculadora de normasprincipiológicas, faz com haja maior abertura e grau de abstração e, porvia reflexa,menordensidade jurídica, oque lhe confere adaptabilidade àsmudanças operadas na realidade e ao intérprete um significativo espaçode liberdade para conformação e reconstrução do direito, sempre sob asdiretrizesdasituaçãoempírica(LARENZ,1997).

Noquetocaaotemacentralpropostonesseensaio,constata-seque,adespeitodealiberdadenainterpretaçãoeadiscricionariedadeadministrativanão corresponderem a uma identidade conceitual, visto que esta nãose resume naquela, mantém elas um vínculo íntimo, porquanto ambasfavorecemoaparecimentodeummomentodesubjetividade,deliberdadedoadministradorpúblico.

Porcontadisso,aindaquehajaumatendênciaatualemexorcizarfraçõesdediscricionariedadenaatuaçãodaAdministraçãoPública,reconduzindo-a

6.Anecessidadedereleituradadiscricionariedadeadministrativaapartirdosaportesdahermenêuticafilosófica

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aos termos de uma legalidade estrita, não há como cindir do processointerpretativo a presença humana, a alma do exegeta como positivador evivificadordoDireito,mesmodiantedeenunciadosdescritosexaustivamente.

Em harmonia com os contributos da hermenêutica filosófica para otema,hádeseatentarqueosvaloresnãoseprendemaohomememsuasingularidade,mas ao ser histórico e finito em sua constante procura poraprimoramento.Écerto,comojásedeclinou linhasatrás,queo intérpretenãoseapresentaemfacedotextocomoumafolhaembranco,porquantojá se encontra munido das impressões e das antecipações de sentido desuaexperiênciapessoal, fatoque jádenotaa impossibilidadedeseatingirum ideal de objetividade. Outrossim, a circularidade da compreensão e oreconhecimentodahistóriadosefeitospermiteaindarecordarqueoesforçohermenêuticoéumaatividadeinfindável,podendoasdiferentesacepçõesdeummesmopreceitolegaloscilaremconformeaépoca,arealidadesocialeamutaçãodosvalores,sempreembuscadeumenriquecimento,deevoluçãoeatualização,sem,contudo,queaquelasmaisantigaspossamsercensuradashajavistaopapelhistóricoporelascumprido.

Fácil perceber que uma das tônicas da filosofia da linguagem resideprecisamenteemrefutarodogmadeumaverdadeabsolutaeincontrastável,conclusãoessaquelevaaumdospontoscentraisdopresentetrabalhovoltadoàcríticaàpretensãodeexistênciadeumavinculaçãoplenanaediçãodoatoadministrativo,passíveltãosomentedeumaatividadedesubsunçãolegal.

Pois bem, quer-se com isso sustentar que a vinculação e adiscricionariedade administrativas não podem ser encaradas como noçõesfixasedíspares,havendoentreambasapenasumadiferençaquantitativaenãoqualitativaouontológica(FREITAS,2009).

Cumpre meditar que não há uma contraposição plena entre atosadministrativos emanados no exercício de competência vinculada oudiscricionária, namedida em que é inviável cogitar-se de uma vinculação

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Ostextos jurídicossãoproblematizáveisdestemodoporqueestãoredigidos em linguagem corrente, ou então numa linguagemespecializadaaelesapropriada,cujasexpressões–comressalvadenúmeros,nomesprópriosedeterminantes técnicos–apresentamuma margem de variabilidade de significação que torna possívelinúmeros cambiantesde significação. Éprecisamentenaprofusãodetaiscambiantesqueseestribaariquezaexpressivadalinguagemeasuasusceptibilidadedeadequaçãoacadasituação.Seriadestemodo um erro aceitar-se que os textos jurídicos só carecem deinterpretação quando surgem como particularmente <obscuros>,<pouco claros> ou <contraditórios>; pelo contrário, em princípiotodosostextosjurídicossãosusceptíveisecarecemdeinterpretação.

Por mínima que pareça ser qualquer possibilidade de divergência,consideremosumagentepúblicoqueao completar setentaanosédeclaradaasuaaposentadoria,maselerecorreàJustiçaesustentaqueaoseprescreverqueeledeveaposentar-secomsetentaanosanormanãodizquedevenecessariamentesernadatadeseuaniversário,eporissoatéavésperadeseussetentaeumanoseleaindaterásetentaanos,eportanto,prossegueargumentandooimpetrante,tendoele

inflexíveloudeumadiscriçãosemconfins,queestejamimunesaumprocessodemediaçãointerpretativa.ComodestacaLarenz(1997,p.283-284):

Nesse passo, entre vinculação e discricionariedade há de se firmarsimplesmenteumadistinçãodegradaçãoe intensidadequantoàesferadeliberdadedoadministradornaaplicaçãoenaconformaçãododireitopositivoàhipótesesingular(KRELL,2013).

Àguisade ilustraçãodecomoavontadedo intérpreteoperadasobreum texto, mesmo que considerado com grau expressivo de objetividade,pode gerar divergentes orientações semânticas para a construção de umanorma individual no plano prático, Pires (2009, p. 100) cita a hipótese daaposentadoriacompulsóriaaossetentaanosdeidade,sempreindicadapeladoutrinacomoregravinculadaporexcelência:

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odesejodepermanecerintegradonoserviço,eaindacontandocomsetentaanosduranteospróximostrezentosesessentaecincodias,enãohavendorazãoparaqualquerinterpretaçãorestritivadestanormajurídica,teriaeleodireitodepermanecernoserviçoatéodiaanterioracompletarsetentaeumanosdeidade.

Outrosexemplosdenormastradicionalmenteentendidascomoregrasvinculadas que se desfazemdiante da participação do elemento volitivo edasconvicçõesdointérpretepodemsermencionados,sendorepresentativoaqueleprescritonaredaçãodoartigo37,incisoII,daConstituiçãoFederalde1988,quefixaqueo“[...]prazodevalidadedoconcursopúblicoserádeatédoisanos,prorrogávelumavez,porigualperíodo.”Adespeitodaindicaçãode um critério temporal, de suposta exatidão, sua aplicação em situaçõesreaispodedesvelarapossibilidadedeumapluralidadedesentidos.Ésaber:otermoinicialdacontagemdoprazodar-se-áapartirdahomologaçãooudadatadapublicaçãodoconcurso?Possívelaindadiscutir,anteaambiguidadedaexpressão“porigualperíodo”,seaprorrogaçãosempredeveráserdedoisanos,aindaqueoprazoinicialdevalidadedocertamein concretotenhasidodeseismeses(CRUZ,2011).

Veja-secomissoquenãohánormadesconectadadesuafaticidade;nãoháanálisede textos legais forado contextodeaplicaçãoemqueoexegetaencontra-seinserido.Deigualbanda,àluzdomovimentodogirohermenêutico,éde se refutar adistinçãoexibidaporHart (2012)entreeasy e hard cases,hajavistaqueinexisteinterpretaçãoprimafacie,emabstrato,anteriormenteaoenfoquedarealidadeprática.Talsedeveporquesempreháumresíduodevontadequeseimprimesobreanormaindividuallucubradapelointérprete,emfacedalinguagemprópriadoDireitoedaspeculiaridadesdasituaçãofática.

Emsuma,trata-sedeumaquestãodeaferiçãodaintensidadecomqueháasubordinaçãoàregulaçãonormativaeacorrelatamargemdeliberdadequeé creditadaaoadministrador, demoldequehaverá circunstâncias emque o balizamento quase rematará o quadro semântico da norma ou, ao

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[...]adiscriçãonasceprecisamentedopropósitonormativodequesósetomeaprovidênciaexcelente,enãoaprovidênciasofríveleeventualmente ruim, porque, se não fossepor isso, ela teria sidoredigidavinculadamente[...].

contrário, em que a franquia ao elemento volitivo beirará o absoluto; noentanto,oquesedeverepudiarsãooslimitesextremosdaplenaadstriçãooudainteiraautonomia.

Assim,aopassoque inexistevinculaçãoplena, instatambémsalientarcomo inaceitável uma esfera de liberdade irrestrita ou destemperada,porquantooespaçodeatuaçãoadministrativadevesempresenortear,aindaquenasearadopoderdiscricionário,pelaescolhadaprovidênciaótima,queestejaemsintoniacomosditameslegaisecomosistemaconstitucional.

Aocontráriodoraciocíniopositivista,apartirdaguinadahermenêutica,nãomais sepodeconceberaescolha,dentreos resultadosabstratamentecompatíveis com a moldura do direito, como um indiferente jurídico,aindaquediantedoméritodoatoadministrativo,apoiadoemcritériosdeconveniênciaeoportunidade.

Com respaldo na doutrina de Bandeira de Mello (2012, p. 35), adiscricionariedadecontempladanopreceitolegalfoiarquitetadajustamentenointuitodequesejaadotadaasoluçãoótimaeadequada,frenteaocarátermultifáriodosfatosdavida,hajavistaquesomentecomaoutorgadeparcelade liberdadeaoadministradorpúblico,emcontatocoma realidadesocial,pode-sedarverdadeiraconsecuçãoàfinalidadelegal:

Conquantonãosejapermitidocogitardeumaúnicarespostacorretaaserapreendidadaprescrição legal, é imperiosaumaanálisehermenêuticaquepossadescortinarasoluçãoque,paraoexecutor,manifeste-senaquelemomentocomoaquemaissecoadunacomascircunstânciasfáticasecomasatisfaçãodointeressepúblicoaseralcançado.

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Paratanto,afimderevelartodooiterdoprocessodecompreensãopercorrido pelo intérprete, notadamente diante da constatação de queamelhor escolha poderá variar segundo as suas convicções e ideologiaspessoais (autênticas ou não), faz-se imprescindível a motivação do ato,com reflexa justificação dos pressupostos de fato e de direito eleitos, afimdequediscricionariedadenãoseconvertaemarbitrariedade.NaatualconfiguraçãodeEstadoDemocráticodeDireito,érepreensívelaexistênciadeumazonajuridicamenteirrelevante,interditadaaocontroleinternoouexternodaAdministração.

Cabeponderarquetalposicionamentodemodoalgumesgotaamargemde livre apreciação do agente público. Ao contrário, a noção de méritoadministrativo afigura-se imprescindível para que seja afiançado o direitofundamentalàboaadministraçãopública,aumagestãoeficazesubservienteàsatisfaçãodascomplexasdemandasdasociedade(FREITAS,2009).

De efeito, não há um “poder” discricionário, e sim um “dever”discricionárioinfligidoaoagentedaAdministraçãoinvestidonomúnusdebematenderaointeressepúblico.Adiscricionariedadelegítima,porconseguinte,nãoéapenasaquelaque semostra vassala à lei e ao cumprimento literaldosmisteresalipreconizados,massobremodoaquesemostracompatívelcom o sistema jurídico como um todo, rendendo obediência aos direitosfundamentais, princípios e valores espraiados pelo texto constitucional(princípiodajuridicidade).

Doquejárestouexplicitado,épossívelanteciparqueapropostadesteartigovisaainfirmaraalegaçãoquantoàexistênciadeunidadedesoluçãocorretaoujusta,diantedoempregodosconceitoslinguisticamentevagos.

7.Conceitosjurídicosindeterminados eatesedaúnicarespostacorreta

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Orabem,édeseponderarqueaescolhalegítimarealizadapeloagentecompetente,deantemão,jáseencontraafuniladapelasfronteirasfornecidaspelaprópriafórmulaabertadoenunciadolegal,masnãoengessadaaumasoluçãounívoca.Comoasseveradoanteriormente,aindeterminaçãodetaisnoçõesjamaisseráabsoluta,existindosempreumazonadecertezapositivaeoutranegativa,aferidasemsintoniacomaconcepçãosocialdominante,quelhedemarcamumaesferadesignificadospossíveis,ondeaindasobejaumresquícioenevoadodedúvida.

Aimprecisãodosentidonãoéaessência,acaracterísticaintrínsecadeumdadoconceitojurídicoindeterminado,massimoresultadodadimensãolinguísticaqueesseobtémemdadacadeiacomunicativa,quando,noseuusocomunitáriohabitual,háumareduzidataxadeconsensoentreosmembrosdasociedadeacercadeseusignificadoexato(LARENZ,1997).

Veja-se, pois, que não há como abraçar a tese da única vertenteinterpretativa, uma vez que inexiste vagueza per se ou indeterminaçãosemântica a priori de um vocábulo legal. Vale trazer à memória que atémesmo os positivistas normativistas como Kelsen (1998) e Hart (2012)professavam que a interpretação, a partir da leitura dos textos jurídicos,ofertava possibilidades cambiantes de significados, acomodados em umamoldura (zonacinzentaouhalo conceitual).Ainda,deve ser superado, vezportodas,oparadigmadalógicadotudoounada(tertium non datur),dadoque trabalhaapenascom juízosdedutivos,afastandooaspectovolitivodainterpretação,representadopelapsiquedointérprete.

É importante anotarquenão seestá aqui nesta abordagema refutara ideiadequeos conceitos jurídicos indeterminadosdevemsubordinar-seaumprocesso interpretativo.Dequalquerpasso,comosalientadoalhures,discricionariedadeeinterpretaçãoguardamumaestreitaafinidade,hajavistaqueambasdoamaoaplicadordodireitomargemdelivreapreciaçãoparasuaadequaçãoàrealidadedocasoconcreto,notadamenteemsituaçõesemque

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hámaiorgraudeindeterminaçãonoenunciadoprescritivo.Daíseconcluiquemesmoaatividadeinterpretativapodeadmitirumapluralidadedepossíveissignificadosaosconceitosjurídicoselásticos,emvistadaaberturaaxiológicaprópriadosistemajurídico.

A partir dessa nova e complexa configuração do direito positivo éinadmissívelaoseuaplicadorqueadotedecisõessobopáliodepreferênciaspessoais ou a pretexto de valores supostos com base em uma sociedadehegemônica.NoatualmodelodeEstadoDemocráticodeDireito,representadopelo pluralismo e sincretismo de ideias e pela convivência de concepçõesheterogêneas,afiguram-sedescabidosstandardsvalorativos,sejadopontode vista social ou coletivo. A nova ordem constitucional tem a virtude deincorporarcontradições,quepropulsionamointérpreteaencontrarsoluçõesproporcionaisejustas.

Naarenajurídica,asrespostasnãopodemserobtidasmediantemétodosdeobservaçãoexperimentalouatravésdemediçãoequantificação;nãoháfalar-seemenunciadosverdadeirosoufalsos,masapenasemalternativasdeinterpretações corretas aceitáveis, justificáveis, não sepodendonegligenciarquesubsistiráumresíduoúltimodeincerteza.SegundoLarenz(1997,p.282-283),interpretarumtextoéumaatividadedemediaçãodointérprete,medianteaqualdeverá“[...]decidir-seporumaentremuitaspossíveis interpretações,combaseemconsideraçõesquefazemparecertalinterpretaçãoacorreta[...]”.

Portanto, da interpretação de um enunciado normativo podem sersacadosmúltiplos sentidos, sendo facultadoao intérpreteelegerumdelespara a hipótese singular, devendo essa escolha ser apresentada comorazoavelmenteadequada,porumprocessode justificação.ÉoquesinalizaGrau(2011,p.206,grifodoautor):

[...]ainterpretação(quejáéaplicaçãododireito)éumaprudência,eestanãoéciência,nemarte.Aprudênciaérazãointuitiva,quenãodiscerneoexato,porémocorreto–nãoésaberpuro,separadodoser.

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Édesepontuaraindaqueatesedeumadimensãounívocaparacadasituaçãoesbarraaindanodomíniodosconflitosdosdireitosfundamentais,onde não há verdades marmóreas ou certezas absolutas, mas apenasrelatividade(FREITAS,2009).

É iniludível que o meio social em que está inserido, sua origem eformaçãomoldam,emalgumaspecto,oatodejulgar.Cônsciodessaafetação,deveráoaplicadordaleipassarporumpermanenteprocessodeautoexame,para aferir se o pré-juízo se coloca negativamente como uma barreira aoconhecimento ou se é legitimadoperante a alteridadedo texto e o planofenomênico, conduzindo-o a uma convicção de acerto e justeza em suadecisão.“Aimpossibilidadedechegar-seàobjetividadeplenanãominimizaanecessidadedesebuscaraobjetividadepossível”.(BARROSO,1996,p.256).

Ainda que brevemente, quer-se com isso chamar a atenção para afragilidadedasconstruçõesdoutrináriasquepropõemaadoçãodemétodosdeinterpretaçãoparaobtençãodaobjetividadealusivaàunidadedesoluçãoválida. Embora imbuídas de boas intenções, ao invocarem uma pretensaracionalidade negando a sensibilidade do sujeito cognoscente, é bemprovávelqueométodoporelasdefendidosirvamesmoparaconferir“aresdelegitimidade”aumjulgamentopreviamentetomadonamentedointérprete,disfarçandodecisionismosorientados.Emcompassocomalinhagadameriana,reputa-sequeosmétodos,porvezescontraditórios,nãorepresentam,porsisó,umpapelconstitutivonoresultado interpretativo,porquantonãoestãocompreendidosemumadimensãoa-históricaeuniversal,válidaemqualquercontextonormativoecircunstânciasfáticas.Ademais,impossívelapurarummetamétodoqueviesseaesclarecerqualdosmétodosseriamaisadequadodiantedeumproblemajurídicoposto.

Por isso também insisto na inexistência de uma única respostacorreta(verdadeira,portanto)paratodososcasosjurídicos–aindaque,repita-se,ointérpreteesteja,atravésdosprincípios,vinculadopelosistemajurídico.

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Enfim, há de se levar em conta que inexiste verdade absoluta ouinquestionável, mas proposições construídas a partir de um referencialcultural do intérprete, constituído pela vivência na linguageme assentadonascoordenadasdeumdadotempoeespaço.

A percepção do mundo jamais se dará através de uma experiênciasensorialdiretaefidedignadarealidade,sendoantessempremoldadapelalente do sujeito cognoscente e pelo conjunto de premissas de que partepara determinar o objeto do seu conhecimento. Dessarte, tudo pode sermodificado em razão da variação do sistema referencial, sendo bastanteilustrativooexemploindicadoporCarvalho(2013,p.27):

Emparalelo,nãosedeveolvidardahistoricidadeeacircularidadedacompreensão e o reconhecimento de que, ao longo do tempo, diferentessignificaçõespodemsersobrepostasàinterpretaçãodecasossemelhantes,nãohavendonenhumadelasdeserreputadascomoerradasou indevidas,vistoquecaptadascadaumadelasdeacordocomasuacontextualidadeereferencial cultural. A capacidade de revisão de um argumento é sempreinfinitaeotemposempretraránovasmaneirasdeencarar,porconsecutivassuperações, umamesma questão submetida a exame, fator que denota aprovisoriedade da resposta correta9. Cruz (2011) bem explana a presente

Opôrdosol,porexemplo,háalgoquenosparecemaisverdadeiro,doqueobservarosolbaixar-senohorizonteeafirmarqueelesepõequandonãomais o enxergarmos?Considerando, no entanto,quealuzdosoldemoraoitominutosparachegaraténós(naterra),quandodeixarmosdeenxergá-loestamosatrasados,elejátranspôsa linhahorizonte (oitominutosatrás). Eentão,emquemomentoo sol se põe? Amelhor resposta novamente será dependente doreferencialadotado.

9 NessesentidoéaexposiçãodeGrau(2011,p.199):“[...]anoçãojurídicadeveserdefinidacomoaideiaque se desenvolve a simesma por contradições e superações sucessivas e que é, pois, homogênea aodesenvolvimentodascoisas(Sartre)[...]”.

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colocaçãoaoabordarassucessivasconfiguraçõesatribuídasàinstituiçãodafamília.Assim,observaque,emgeraçõesanteriores,seriaelementoessencialàsuacaracterizaçãotantoapessoadomaridocomodamulher.Todavia,aConstituiçãode1988veioaampliartalconceitoparaabraçartambémaideiade famíliamonoparental (art. 226,§4º).Aofinal,naatualidade, tal comojá se depreende do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.4.27710,aconstituiçãodafamíliapoderesultardeumauniãohomoafetiva,ouseja,porumcasaldomesmosexo.

Por isso é que deverão ser consideradas corretas tantas respostasquantassecontenhamdentrodeumespaçodemarcadodealternativas,queserevelemrazoáveisin concreto.

Não obstante, ainda que não se possa compactuar com a teoria daunivocidade, a discricionariedade administrativa e amargem de liberdadena conformaçãodos conceitos jurídicos indeterminadosnão seencontramimunesaocontrolejudicial,muitoemboraojulgadornãoestejasempreemcondiçõesdefirmar,comtotalconvicçãoesemresistências,seadecisãodaautoridadepúblicaestáounãoemharmoniacomoordenamento.Eassimoé,porque,entreasáreasdecertezajurídicapositivaenegativa,mensuradasapartirdaconcepçãosocialdominante,emquesereconhece,respectivamente,umaatuaçãoemcompassoounãocomoDireito,háumazonacircundante,emquepairamdúvidasquantoàscondiçõesdepossibilidadedaprescriçãonormativa,sendorelegadaàAdministraçãomaiormargemdeliberdade.

Logo,nasearaderevisãojudicial,hásecogitardojulgadorapenascomoum“administradornegativo”,emanalogiaàexpressãocunhadaporKelsen(1998) atinente ao “legislador negativo”. Com efeito, passa-se a defendera fiscalização do demérito do ato administrativo. Esse demérito resultacaracterizado,nahipótesedeexercíciodacompetênciadiscricionária,como

10 ADIn.4277,Relator:Min.AyresBritto,TribunalPleno,julgadoem05/05/2011,DJe-198Divulg.13-10-2011,Public.14-10-2011,Ement.VOL-02607-03,PP-00341,RTJVOL-00219,PP-00212.

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aqueledesconformeaosditames impostospelaordem jurídica,nadamaisrepresentando senão arbitrariedade do agente público, de sorte que se oméritonãoédiretamentecontrolável,odeméritoeaantijuridicidadeoserãoinescapavelmente(FREITAS,2009).

Nesseaspecto, é importantepontuar, apartirdoparadigmadoEstadoDemocráticodeDireitoedoprocessodeconstitucionalização,queacondutaadministrativadeveamoldar-senãoaotextodaleiformal,masaoordenamentocomo um todo, ao conjunto de regras e princípios que informamo regimejurídico-administrativo,maiormenteosdetimbreconstitucional(princípiodajuridicidade). Impõe-se, portanto, uma filtragem constitucional11 do DireitoAdministrativonointuitodeabandonarodogmadaonipotênciadaleiporumaleituraqueperpassetodaaordemdedisposiçõesdaConstituiçãoFederal.

ParaMartins(2008),emsituaçõesemquenãoháconsensosocialsobreamelhor formade se atingir o interessepúblico, sobressaindoum campode incerteza,vicejaráadiscricionariedadeeaescolhadoadministrador,serealizadadentrodosparâmetrosderazoabilidade,devendoprevalecersobrea opinião domagistrado, por força do princípio formal que dá primazia àponderaçãoadministrativa,decorrentedaseparaçãodePoderes.

Sublinhe-se que essa primazia creditada à solução eleita no planoadministrativodeve-setambémaofatodequeéaAdministraçãoquedetémamelhorexpertiseeosconhecimentosespecíficosenvolvidospara,atravésdoaparelhamentodosseusórgãoscompetentes,realizarjuízosprospectivosdecarátertécnicoetomarasdecisõesestataismaiscorretasesensíveisàsnecessidadesdomundoexterior.

Portaisrazões,nessascircunstânciasmarginaiseperiféricas,aatuaçãoadministrativanãopodeserpositivamentecolocadasobocrivodoJudiciário,já que não lhe é facultado, a pretexto de haver encontrado uma solução

11 NaterminologiaempregadaporSchier(1999).

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Opresentetrabalhofoiconduzidopelapropostadeumanovavisãodahermenêuticajurídica,estranhaàsmetodologiasformalistasepositivistas.Émomentodeseabandonarodiscursoaindavigentedequeaconformaçãodanormaabstrataaocasoconcretoéautômataeredutívelaumaoperaçãosilogística,circunscritaàaveriguaçãodeumsignificadoúnicoeobjetivododireitoposto(voluntas legis)oudopropósitosubjetivodolegislador(mens legis).Ainterpretaçãodotextolegalnãoéalgoasséptico,representadopeloempregodeumconjuntodetécnicasemétodos.Ointérprete,porseencontrarinserido dentro meio social e histórico, é sempre integrante do objetoculturalaserinvestigado,demodoqueoresultadodesuacompreensãojáse

8.Consideraçõesfinais

[...]seostribunaisconstitucionaiseseusjuízes[...]sevissemcomoaserviçodassociedadesedavontadeconstitucionalmentearticulada,abandonassemelestalvezatentaçãodeseremdeusescomolembraAntônioVieira:“(...) porque nenhum se contenta com crescer dentro da espécie: a andorinha que subir a águia; a rêmora quer crescer a baleia; a formiga quer inchar a elefante; (...) desenganemo-nos que o crescer fora da própria espécie, não é aumento, é monstruosidade; ao menos benção não é”[...].

que reputemais correta, suplantaravaliaçõesadministrativas inteiramentedefensáveis,penadeafrontaàrelativaindependênciaeautonomiaentreosPoderes.Aliás,éoqueprenotaLima(2003,p.211-212,grifodoautor),aorecordardeumapassagemdosermãodopadreAntônioVieira(1608-1697):

Assim,tãonocivoquantoaausênciadecontrolejurisdicionaléoexcessodeste, fazendo, frequentemente, o Judiciário as vezes de Poder Executivo.O que se anseia é a existência de uma sindicabilidade apta a atestar alegitimidadedaescolhaadministrativa,emvistadesuacompatibilidadecomoDireitocomoumtodo.

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encontrapré-moldadoaumhorizontedesignificadoseintençõesjáaceitespelomesmodentrodasuarealidadeedesuasexperiências.

Ponderou-se que o resultado de um esforço hermenêutico semprerevelará uma verdade contestável, já que continuamente haverá apossibilidade de se alterar a interpretação e a compreensão feita de umtexto,mormenteno terrenoaxiológicoda consciência jurídica.Dessarte, aatividadeinterpretativaédeordemconstrutivaenãoreprodutivadesentidoou parametrizada, havendo de se conferir uma margem de livre ação aoaplicadordodireito,dentrodoslimitestraçadospelocomandolegal.

Percebeu-se, na dinâmica domundo jurídicomoderno, que o grandedesafioconsisteemconciliaraobediênciaàlegalidadecomalgumespaçodeliberdadedecisóriaaoagentepúblico,pararespondercommaiseficiêncianaordenaçãodosserviçospúblicosenoatendimentoàsmúltiplaseimprevisíveisdemandassociais.

Foipossíveltambémprenunciarqueadiscricionariedadenoníveldanorma(estática)éconsideravelmentesuperioràdiscricionariedadenoplanosingular (dinâmica). A propósito dos conceitos jurídicos indeterminados,demonstrou-se a existência de duas grandes vertentes teóricas entre osjuristas: a da multivalência, para aqueles que pregam que estes podemfranquear discricionariedade à Administração, quando de sua aplicaçãonaesferafactual;eadaunivocidade,paraosconvencidosdeque,diantedeles,sóhásefalaremlaborinterpretativo,quelevaaumaúnicarespostaválidafrenteàsnuancesdahipóteseprática.Orabem,obtemperou-sequea escolha legítima realizada pelo agente competente, de antemão, já seencontraafuniladapelasfronteirasfornecidaspelaprópriafórmulaabertadoenunciado legal,masnãoengessadaaumasoluçãounívoca,devendosersuperadaalógicadotudoounada(tertium non datur).Assim,imperiosofoireconhecerqueaatividadeinterpretativasobretermosimprecisospodenão resultar emumadefinição exatado seu sentido, restandouma zonacinzentaemqueéforçosooreconhecimentodecertamargemdeliberdade

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decisória para Administração, não se podendo demarcar onde terminaa interpretação e começa a discricionariedade. Nessa oportunidade,constatou-se o vínculo íntimo entretido entre liberdade na interpretaçãoeadiscricionariedadeadministrativa,porquantoemambassefazpresenteaalmadoexegetacomopositivadorevivificadordoDireito,mesmodiantedeenunciadosdescritosexaustivamente.Bempor isso, sustentou-sequeascompetênciasvinculadaediscricionárianãopodemserencaradascomonoçõesfixasedíspares,havendoentreambasmeradiferençaquantitativaenãoqualitativa,porquantonenhumadasduasestáimuneaumprocessodemediaçãohermenêutica.

Inferiu-seque,nas circunstânciasmarginais emquepairamdúvidasenão há consenso social, não pode a avaliação administrativa plenamentelegítimaeplausívelsercolocadasobocrivopositivodoJudiciário,apretextode suplantá-la por outra que repute melhor, pena de afronta à relativaindependência e autonomia entre os Poderes. Na revisão judicial, há dese fiscalizar o demérito do ato administrativo, representado como aquelearbitrárioedesarmônicocomosditamesimpostospelaordemjurídica.

ReferênciasBibliográficasBANDEIRADEMELLO.Discricionariedade e controle jurisdicional. 2. ed. São Paulo:Malheiros,2012.

.Curso de direito administrativo.28.ed.SãoPaulo:Malheiros,2011.

BARROSO,LuizRoberto. Interpretação e aplicação da constituição: fundamentosdeumadogmáticaconstitucionaltransformadora.SãoPaulo:Saraiva,1996.

BONAVIDES,Paulo.Curso de direito constitucional.SãoPaulo:Malheiros,2003.

BRASIL.PresidênciadaRepública.Lein.12.527,de18denovembrode2011.RegulaoacessoainformaçõesprevistonoincisoXXXIIIdoart.5o,noincisoIIdo§3odoart.37eno§2odoart.216daConstituiçãoFederal;alteraaLeino8.112,de11dedezembrode1990;revogaaLeino11.111,de5demaiode2005,edispositivosdaLeino8.159,

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378 ESAP-MS - Escola Superior de Advocacia Pública de Mato Grosso do Sul

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Maria Fernanda Carli de Freitas

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