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  • 8/16/2019 Artigo_Recipiente Ou Abrigo

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    REC IPIEN TEO U A BRIG O ?ALGUMAS OBRAS FICAM ENTRE O OBJETO E A ARQUITETURA E, NA VERDADE, SÃO DESENHADAS NA FRONTEIRA DE

    ESCALA E NATUREZA QUE MAIS APROXIMA DO QU E DISTINGUE ESSAS ÁREAS. NESTE ARTIGO, ANALISAMOS PROJETOS

    COM ESSA NATUREZA HÍBRIDA POR M ARCELO OLIVEIRA, YOPAN AN C. P. REBELLO E M ARTA BOGÉA

    S

    e uma estante divide o espaço éparede ou objeto? Nesse caso aestante vira arquitetura e a parede,

    objeto? O projeto de Vinicius An-drade e Marcelo Morettin fica nesse

    limite.Um único elemento contínuo reorga-niza o espaço de uma unidade do edifícioPrudência, de Rino Levi. Ora porta, oraestante,ora armário de banheiro,esse mobi-liário único,como um enxerto preciso,defi-ne uma nova espacialidade no antigo prédioe estrutura,com competência e síntese,umaoutra arquitetura.Ao mesmo tempo em queé uma peça de mobiliário é, indiscutivel-mente,arquitetura.

    Na proposta de Andrade e Morettin, asestantes,armários e portas são pendurados emuma viga metálica apoiada em consoles inter-mediários,também metálicos,fixados na estru-tura existente. Uma solução estrutural seme-lhante à utilizada em cortinas cujo trilho é fixa-do à parede existente por barras chumbadas.

    Muitas vezes a versatilidade de um móvelque se transforma pelo movimento assegura avariabilidade de espaços.É o caso de Cook-lounge,peça que ganhou menção honrosa noconcursoTh e Kitchen is the heart of the house,promovido pela e-zine européia Design boo m(www.designboom.com),em 2005,e que ana-lisou produtos de 2.980 designers de 102 paí-ses. Proposto pelo trio alemão MichaelSchmidt, Dirk Bolduan e Marco Flaig, oCooklouge resolve a falta de espaço em peque-nos apartamentos.

    A R Q U I T E T U R A S E E S T R U T U R A S

    72 ARQ UITETURA&URBAN ISM O N OVEM BRO 2005

       A   r   q  u   i  v   o   A   n   d   r   a   d   e   M   o   r   e   t   t   i   n

    Projeto de Andrade e Morettin para reforma no Edifício Prudência, obra de Rino Levi

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    NO VEM BRO 2005 ARQUITETURA&U RBANISM O 73

    O móvel consiste em um monobloco queune pia,mesa e conjunto de sofá e poltronas.Pensado para três momentos,cobre o univer-so das atividades do lugar de morar:socializar,cozinhar e fazer as refeições. Tudo com umaboa dose de requinte e conforto (o que se per-

    cebe pelas imagens). Além de fogão elétrico,possui microondas,mesa de apoio,grelha parachurrasco e até uma lava-louças incorporada.Ao mesmo tempo em que é uma peça demobiliário,Cooklounge,ao ser ativado a par-tir dos movimentos possíveis que o transfor-mam,configura o espaço de uso e,assim,defi-ne espaços arquitetônicos.

    A variação no carregamento é um dadoimportante nessa natureza de projeto,em queo movimento transforma o elemento. Nessecaso,em determinado instante a carga é o peso

    de uma pessoa que, ao sentar, aplica certavibração, em outro é o peso próprio que seprojeta para fora da posição fechada,criandonovas solicitações estruturais. Ao dar contadessas variadas solicitações e sistemas estrutu-rais,o projetista deve ter a preocupação de não

    superdimensionar o mobiliário para não in-viabilizar o movimento pelo peso.

    Homeless Vehicle (1988-1989), carro dese-nhado por Krzysztok Wodiczko para morado-res de rua de Nova York, se transforma emabrigo ou cama ao ser aberto. As questõesestruturais de Cooklounge aqui também ocor-rem, entretanto, a adoção da abóbada comoforma da "cobertura" alia espaço mínimo auma estrutura mais favorável quanto aosesforços por não estar submetido à flexão.Assim, com menor consumo de material e

    peso próprio,resulta em um elemento estrutu-ral mais leve e favorável ao movimento.

    Cushicle, projetado entre 1966 e 1968 porMichael Webb, componente do lendárioArchigram, demonstra que essa natureza deproposta híbrida entre veículo e tenda não énova. Cushicle assume diferentes possibilida-des e posições quando aberto ou fechado.Aqui, como em Homeless Vehicle, a estruturaadotada assegura leveza: a cúpula constituiuma estrutura econômica facilmente trans-portável quando dobrada.

    Dentro do princípio de monta,desmonta etransporta,o banheiro encaixotável desenvol-vido pelo arquiteto britânico Arthur Quarmbyé um elemento que resolve,em torno de umtubo de instalação,as peças sanitárias necessá-rias. Cabe em uma caixa de 75 x 75 x 45 cmque contém um aquecedor e cisterna,além dabacia e do lavatório.

    Nesse limiar entre arquitetura e design, a

    estrutura deve ser leve considerando o trans-porte e a fabricação do objeto. Mas o quepode ser visto como uma grande vantagemprecisa ser visto também com cautela. Asestruturas leves podem facilmente deslocar-see, portanto, mais que à resistência, a atençãodeve estar voltada para a flambagem daspeças individuais e à rigidez global do con- junto.No cotidiano esse fator é conhecido naobservação das máquinas de lavar roupa que"andam" enquanto "trabalham", nas áreas deserviço, fruto da substituição dos materiaismetálicos (com maior peso próprio) pelosplásticos de engenharia.

    O desafio estrutural em absorver os esfor-ços, muitas vezes dinâmicos, com dimensõesmínimas faz com que nesta escala os materiaisconvencionais como concreto, aço e madeiracedam lugar àqueles mais próximos dos usa-

    dos em embalagens,como papelão,plásticos efibras, entre outros. Além disso, as composi-ções estruturais deixam de ser as necessaria-mente conhecidas em arquitetura – lajes,vigase pilares –,para contarem também com formascontínuas,em que não se distingue de maneiratão direta quem é apoio e quem é apoiado.

    Nessas estruturas a dobra é muitas vezesuma grande aliada do estruturista na obtençãode rigidez e resistência, lembrando que as trêsmaneiras de se obter maior resistência são:mudança da geometria do material, aumento

       R   e   p   r   o   d  u   ç   ã   o   d   e  D e s

      i g n  b o o m

       (  w  w  w .   d   e   s   i   g   n   b   o   o   m .   c   o   m   )

       R   e   p   r   o   d  u   ç   ã   o   d   e  V  i  t r  ú v  i u s

       (  w  w  w .  v   i   t   r  u  v   i  u   s .   c   o   m .   b   r   )

       R   e   p   r   o   d  u   ç   ã   o   d   e  M a  t e r

      i a  l e s p  l á s

      t  i c o s y a r q u

      i  t e c  t u r a

     e x p e r  i m e n

      t a  l ,   d   e   A   r   t   h  u   r   Q  u   a   r   m   b  y ,   G  u   s   t   a  v   o   G   i   l   i

    Cooklounge , de 2005, criação de Michael Schmidt, Dirk Bolduan e Marco Flaig, con siste em u m

    monobloco com cozinha , mesa e conjunto d e estar

    Homeless Vehicle, propo sta d e Krzyszto k Wodiczko pa ra m orad ores de rua d e Nova York, de 1989

    Cuchicle, híbrido d e veículo e t enda desenvolvido por Michael Webb e nte 1966 e 1968

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    da quantidade de material e,portanto de seção,e mudança no tipo de material.O conhecimen-to da relação entre as formas mais indicadas deseção e os esforços atuantes é de fundamentalimportância na obtenção de estruturas que aomesmo tempo sejam leves e eficientes.

    Buckminster Fuller, arquiteto, engenheiro ematemático norte-americano,em suas investi-

    gações já havia projetado módulos sanitárioscomo uma espécie de insert,banheiro pré-fabri-cado patenteado entre 1938 e 1940.O monoblo-co sanitário projetado por Mario Schei-chenbauer e construído em GRP (glass reinfor-ced plastic) nos faz lembrar dos enxutos sanitá-rios de avião,onde o objeto define o espaço.Hoje a versão de mercado do banheiro-pronto

    não tem a sofisticação de desenho desses proje-tos, mas revela o quanto essa proposta tidacomo utópica é,mais do que factível,desejável.

    O anacronismo no desenho dos contêineresquando comparado ao projeto de Fuller de 60anos atrás é surpreendente.Situada entre objetoe arquitetura,a idéia do visionário norte-ameri-cano trabalha com uma liberdade típica das

       R   e   p   r   o   d  u   ç   ã   o   d   e  M a  t e r

      i a  l e s p  l á s

      t  i c o s y a r q u  i

      t e c  t u r a

     e x p e r  i m e n

      t a  l ,   d   e   A   r   t   h  u   r   Q  u   a   r   m   b  y ,   G

      u   s   t   a  v   o   G   i   l   i

       R   e   p   r   o   d  u   ç   ã   o   d   e  M a  t e r

      i a  l e s p  l á s

      t  i c o s y

     a r q u

      i  t e c

      t u r a

     e x p e r  i m e n

      t a  l ,   d   e   A   r   t   h  u   r   Q  u   a   r   m   b  y

     ,   G  u   s   t   a  v   o   G   i   l   i

       R   e   p   r   o   d  u   ç   ã   o   d   e  A  i r c r a  f

      t   I n  t e r  i o r s

      I n  t e r n a  t

      i o n a

      l ,   U   K   I   P   M   e   d   i   a   &   E  v   e   n   t   s

    O banheiro encaixotável, do arquiteto britânico Arthur Quarmby, cabe em uma caixa

    de 75 x 75 x 45 cm

    Construído em GRP, o monobloco sanitário de Mario Scheichenbauer lembra os enxutos

    sanitários de avião

    O típico banheiro de avião é um exemplo

    de objeto q ue def ine o espaço

    A – tração simples, massa concentrada junto

    ao centro de gravidade

    B – compressão simples, massa afastada do

    centro de gravidade em to das as di reções

    C – momento f le tor, massa a fastad a do centro

    de gravidade na di reção do momento

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    situações que se sabem fronteiriças, o que nãoocorre no projeto "arquitetônico" do contêiner.

    Os espaços mínimos, investigados desde aprimeira metade do século passado se organi-zavam a partir de um enxugamento de áreas detal sorte que a nomenclatura coloquial "kitche-nette" tornou-se indissociável do mobiliário

    com o mesmo nome que define num móveltodos os equipamentos de uma cozinha. Essetermo é definido pelo dicionário Aurélio como"cozinha pequena ou reduzida,ou parte de umcompartimento ou armário dispostos comocozinha,ou característica dos apartamentos dequarto e sala ou conjugados".

    Em função do tamanho,esse tipo de mora-dia, que mais se assemelha a uma caixa de

    morar, deve incorporar e condensar váriosespaços em um só ambiente.Começa,então,odesafio do projeto em apresentar o menorvolume exterior com a maior capacidadeinterna,e a programação do espaço para con-seguir ser suporte de atividades tão variadasquanto a lição das crianças,o café da manhã ea feijoada do sábado.

    A cápsula-escritório BC-25 de KishoKurokawa,um dos fundadores do metabolis-mo japonês, se consolida na Torre-cápsulasNagakin,de 1971.Aqui a competência do dese-nho em resolver espaços mínimos compreendeobjeto e arquitetura como um único elemento.As cápsulas são moldadas em um corpo otimi-zado onde mobiliário e arquitetura são um só eremetem diretamente aos recintos arquitetôni-cos dos equipamentos de transporte,como ascabines-dormitório dos trens ou navios.

    O atual momento do conhecimento acabapor exigir do mercado não só elementoshumanos dotados de conhecimentos específi-cos,mas profissionais com visões multidisci-plinares, capazes de transitar pelas diversasáreas sem interferir em seus conceitos,viabili-zando e otimizando a noção de uso,espaço eescala.Entre o mobiliário e a arquitetura,essanatureza de espaço pressupõe profissionaisque também se reconheçam entre o arquitetoe o designer, e um raciocínio estrutural queconsidere a escala intermediária entre objetoe edifício. Nem caixa nem casa: simultanea-mente,casa-caixa.

    Marcelo Silva Oliveira é d esigner industrial ,

    mestre em Engenharia dos Materiais pela

    Universida de Presbiteriana Mackenzie,

    inst i tuição o nde a tua como professor-

    coordena do r de TGI da Faculda de de

    Comunicação e Artes.

    Yopanan C. P. Rebell o é e nge nheiro civil ,

    dou tor p ela FAUUSP e professor nos cursos de

    gradua ção e pós-gradua ção em Arquite tura e

    Urbanismo da Universida de São Juda s Tad eu,

    a lém de di retor pedagó gico da YCON

    Formação Cont inuada .

    Marta Bogéa é arqui te ta , doutoranda pela

    FAUUSP e professora no s cursos de gra dua ção

    e pós-gradua ção em Arqui te tura e Urbanismo

    da Universida de São Juda s Tad eu.

       R   e   p   r   o   d  u   ç   ã   o   d   e

      w  w  w .   b   a   n   h   e   i   r   o   p   r   o   n   t   o .   c   o   m

       R   e   p   r   o   d  u   ç   ã   o   d   e  T e r c e r a g e n e r a c  i o n :   l a

     s  i g n

      i  f  i c a c  i o

     n c a m

      b  i e n

      t e  d e  l a

     a r q u

      i  t e c

      t u r a ,   d   e   P   h   i   l   i   p

       D   r   e  w ,   G  u   s   t   a  v   o   G   i   l   i

       R   e   p   r   o   d  u   ç   ã   o   d   e  D e s p u é s

      d e  l  m o v

      i m  i e n  t o m o  d e r n o :  a r q u  i

      t e c  t u r a

      d e  l a s e g u n  d a

     m  i  t a  d

      d e  l  s  i g  l o  X  X ,   d   e   J   o   s   e   p   M   a   r   i   a   M   o   n   t   a   n   e   r ,   G  u   s   t   a  v   o   G   i   l   i

       B   a   n   h   e   i   r   o   c   á   p   s  u   l   a ,   B  u   c   k   m   i   n   t   e   r   F  u   l   l   e   r ,   c   h   a   s   s   i   e   d   e

       s   e   n   h   o .   R   e   p   r   o   d  u   ç   ã   o   d   e  S  i s  t e m a s

      d e s  i g n

      i  f  i c a c c  i

      ó n e m a r q u

      i  t e c

      t u r a :   U m

     e s  t u  d  i o

      d e  l a a r q u

      i  t e c

      t u r a y s u

      i n  t e r p r e

      t a c  i

      ó n ,   d   e   J  u   a   n   P   a   b   l   o   B   o   n   t   a ,   G  u   s   t   a  v

       o   G   i   l   i   e   R   e   p   r   o   d  u   ç   ã   o   d   e  H  i s  t o r  i a

     c r  i  t  i c a

      d e  l a a r q u

      i  t e c

      t u r a m o  d e r n a ,   K

       e   n   n   e   t   h   F   r   a   m   p   t   o   n ,   G  u   s   t   a  v   o   G   i   l   i

    Situado entre objeto e arqui te tura , o módulo sani tár io

    de Buckminster Fuller foi patenteado entre 1938 e 1940

    Nos banheiros-pronto s

    produzidos pela indústria

    hoje , não se nota a

    liberdade típica dos

    projetos fron teiriços

    Na Torre Naga kin, de Kisho Kurokaw a, a s unidade s

    são moldada s em um corpo ot imizado onde

    mobi liár io e a rqui te tura são um só