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OLIVEIRA, Z. M. R. de. ; MELLO, A. M. ; VITORIA, T. ; ROSSETTI-FERREIRA, M. C. Creches: crianças, faz de conta & Cia. Petrópolis: Vozes, 1992. OLIVEIRA, Z. M. R. de. (org.).  Educação infantil : muitos olhares. São Paulo: Cortez, 1994. ROSEMBERG, F. ; CAMPOS, M. M. Creches e pré-escolas no  Hemisfério Norte. São Paulo: Cortez, Fundação Carlos Chagas, 1994. SOUZA, A. M. C. de.  Educação Infantil: uma proposta de gestão municipal . Campinas: Papirus, 1996. (Coleção Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico) OS MOVIMENTOS SOCIAIS E SUAS P ERSPECTIV AS EDUCATIVAS Fernando José Martins Dalva Helena de Medeiros FECILCAM - Campo Mourão - PR Enquanto a humanidade não resolver seus problemas básicos de desigualdades sociais, opressão e exclusão, haverá lutas, haverá movimentos. E deverá haver teorias para explicá-los: esta é a nossa principal tarefa e responsabilidade, como intelectuais e cidadãos engajados na luta por transformações sociais em direção a uma sociedade mais justa e livre GUAIRACÁ , 17 : 159-178, 2001.

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OLIVEIRA, Z. M. R. de. ; MELLO, A. M. ; VITORIA, T. ;ROSSETTI-FERREIRA, M. C. Creches: crianças, faz de conta &Cia. Petrópolis: Vozes, 1992.

OLIVEIRA, Z. M. R. de. (org.). Educação infantil : muitos olhares.São Paulo: Cortez, 1994.

ROSEMBERG, F. ; CAMPOS, M. M. Creches e pré-escolas no

 Hemisfério Norte. São Paulo: Cortez, Fundação Carlos Chagas, 1994.

SOUZA, A. M. C. de.  Educação Infantil: uma proposta de gestãomunicipal. Campinas: Papirus, 1996. (Coleção Magistério: Formaçãoe Trabalho Pedagógico)

OS MOVIMENTOS SOCIAIS E SUAS PERSPECTIVAS

EDUCATIVAS

Fernando José MartinsDalva Helena de Medeiros

FECILCAM - Campo Mourão - PR 

Enquanto a humanidade não resolver seus problemas básicos de

desigualdades sociais, opressão e exclusão, haverá lutas, haverá

movimentos. E deverá haver teorias para explicá-los: esta é a nossa

principal tarefa e responsabilidade, como intelectuais e cidadãos

engajados na luta por transformações sociais em direção a uma

sociedade mais justa e livreGUAIRACÁ , 17 : 159-178, 2001.

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Maria da Glória GOHN.

Resumo. Este artigo visa a refletir sobre a importância dosMovimentos Sociais para a dinâmica interna da sociedade,como agentes de mudanças sociais. Para a consecução dosobjetivos, os Movimentos Sociais apresentam característicasde aquisição de conhecimento e desenvolvimento depotencialidades, o que denota seu caráter educativo. São essascaracterísticas que estruturam este texto, que busca tambémconstatar se a prática desses movimentos colabora para aconstrução da cidadania.

Palavras-chave: Educação, Movimentos Sociais e Cidadania

 Abstract. This article aims at reflecting about the importanceof the social movements for the internal dynamic of society,as agents of social changing. To achieve their objectives, thesocial movements present characteristics of acquisition of 

knowledge and development of potentials, which show theireducational character. These are the characteristics that buildthis text, which also aims at checking whether the practice of the movements, cooperate with the building of citizenship.

Key-words: Education, Social Movements and citizenship

 Neste texto, pretende-se enunciar o resultado de uma pesquisabibliográfica realizada acerca dos Movimentos Sociais (MS).

A estrutura do texto se dará da seguinte forma: inicialmente é

abordado o significado de Movimentos Sociais (MS), bem como seusconceitos e principais teorias.Para uma aproximação da realidade nacional, discute-se o

paradigma latino-americano. São abordadas também questões comoa dependência dos países da América Latina e as particularidades deseus MS.

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Após a contextualização dos MS, deve ser clarificada a idéiade um caráter educativo no interior desses. Para tanto, a apresentaçãode alguns MS voltados para a questão educacional está integrando orelato. Os MS apresentados serão submetidos à análise quanto a suaestrutura interna, sua conduta educacional e os instrumentos didáticosde que lançam mão.

1 Movimentos sociais e suas conceituações

A história das diversas sociedades humanas está em constantemudança, transformações que se devem a uma série de fatoresestudados pela Sociologia.

Entre esses fatores, um dos que se fazem presentes nasmudanças das sociedades são os MS. Esses movimentos são dotadosde grande complexidade, devido às características que cada umapresenta. Contudo, em termos gerais, é possível elencar algunsaspectos presentes na maioria deles.

Embora a mudança seja fator inerente à sociedade e, na maioriadas vezes, se paute na ação dos MS, a discussão sobre o termo foi

inserida na sociologia no século XIX, aproximadamente em 1840 ,no livro de Lorenz von Stein, História do Movimento Social naFrança de 1789 aos dias de hoje (BOTTOMORE, 1981, p. 40)

Dentro da recente história dos MS, há uma extensa bibliografia versando sobre o tema, e várias tentativas de conceituação para osmovimentos. Entre essas conceituações, alguns elementos sãoencontrados em comum. Nesse rol, destaca-se o seguinte aspecto: atomada de posição frente a uma determinada situação social, sejacom intuito de transformá-la (mais comum) ou de mantê-la. Deve-selembrar que tal posicionamento se dá em termos coletivos. No que

diz respeito a conceito, a pesquisadora GOHN (1997, p.251-252),embasada no conjunto dos estudiosos sobre o tema, trata de formamais completa a essência dos MS da seguinte forma:

Movimentos Sociais são ações sociopolíticas construídas por atores

sociais coletivos pertencentes a diferentes classes e camadas sociais,

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articuladas em certos cenários da conjuntura socioeconômica e

política de um país, criando um campo político de força social na

sociedade civil. As ações se estruturam a partir de repertórios criados

sob temas vivenciados pelo grupo na sociedade. As ações

desenvolvem um processo social e político-cultural que cria uma

identidade coletiva para o movimento, a partir dos interesses em

comum. Esta identidade é amalgamada pela força do princípio da

solidariedade e construída a partir da base referencial de valores

culturais e políticos compartilhados pelo grupo, em espaços coletivos

não institucionalizados. Os movimentos geram uma série deinovações nas esferas pública (estatal e não-estatal) e privada;

participam direta ou indiretamente da luta política de um país, e

contribuem para o desenvolvimento e a transformação das sociedade

civil e política. Estas contribuições são observadas quando se

realizam análises de períodos de média ou longa duração histórica,

nos quais se observam os ciclos de protestos delineados. Os

movimentos participam portanto da mudança social de um país e o

caráter das transformações geradas pode ser tanto progressista como

conservador ou reacionário, dependendo, das forças sociopolíticas

a que estão articulados, em suas densas redes; e dos projetos políticos

que constróem com suas ações. Eles têm como base de suporte

entidades e organizações da sociedade civil e políticas, com agendas

de atuação construídas ao redor de demandas socioeconômicas ou

político-culturais que abrangem as problemáticas conflituosas da

sociedade onde atuam.

Para uma análise interna de um movimento, é necessáriosalientar alguns componentes dos MS, expostos por SCHERER-

  WARREN (1987). Tendo em vista a perspectiva dinâmica etransformadora, os MS trazem em seu bojo, como fatores constituintes:a  práxis, que seria a transformação a realizar nas condiçõessocialmente dadas, formada através da consciência crítica; o projeto,que pode ser transcrito como a possibilidade de realização da práxise está vinculado à determinação, aos objetivos, utopias e fins domovimento; a ideologia, que, segundo a autora, em se tratando deMovimentos Sociais são os princípios valorativos, as manifestaçõesculturais e as representações de caráter classista que orientam a práxis

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do grupo e a elaboração de seu projeto (p. 18), e, por fim, a direção

e a organização, que são de grande importância e que podem serdivididas em: a vanguardista e o basismo. A vanguardista, que dizrespeito a uma elite intelectual à frente dos movimentos e o basismo,que busca a maior divisão de lideranças, diminuindo a autoridade dealguns. Procura-se a superação desses dois opostos, equilibrando-sea relação entre base e vanguarda.

Como está implícito na definição acima, também se faz

necessário considerar alguns fatores externos para a análise dos MS,como: ...contexto do cenário sociopolítico e cultural, opositores, redesexternas construídas por lideranças; relação do movimento com umtodo dos MS; relações com o Estado e demais agências da sociedadee relações com a mídia (GOHN,1997, p. 255).

Os MS, principalmente nos últimos séculos, estão presentesnas grandes e pequenas transformações da sociedade. Quanto àsgrandes transformações, deve-se ressaltar que as sensíveis mudanças,por exemplo no sistema econômico e no modo de produção, realizam-se através de uma série de fatores, dentre os quais estão os MS, quesão representativos dos anseios de diversos grupos formados na

sociedade, e que, por meio de seu movimento, buscam formas deatender suas demandas. Verificam-se pequenas mudanças nasconquistas junto ao poder público que são intercedidas, em sua grandemaioria, pelos movimentos sociais. Dessa forma, clarifica-se apresença e positividade destes, sobretudo na sociedade atual.

Considerando os posicionamentos expostos acima, que buscamexplicitar basicamente como e o que são os movimentos sociais, énecessário acenar para o movimento dialético que os constituem, ouseja, os movimentos como a própria palavra afirma não são rígidos,e apresentam características diferentes em cada momento histórico;

assim, surgem teorias que enfocam os diferentes momentos nos quaiseles se apresentam, o que será discutido na seqüência. Nos estudos mais aprofundados sobre os diversos momentos

teóricos das análises sobre os MS, os autores apontam para categoriascomumente divididas em: Paradigma Norte-Americano, ParadigmaMarxista e os Novos Movimentos Sociais (GOHN, 1997). Cada qual

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traz sua contribuição para a compreensão teórica do tema; no entanto,acredita-se que o Paradigma Marxista traga maiores contribuiçõespara o momento abordado, pois se trata de um momento histórico, noqual as lutas sociais ganham força. Pautados na luta das classes e nopoder revolucionário das massas, diversos autores, como Marx,Gramsci, Lênin, Trotski, Rosa Luxemburgo e Mao Tsé Tung teorizama já referida revolução e dissertam sobre a realidade cotidiana dasmassas operárias, resultante da transformação do modo de produção

capitalista, que introduz a produção em série, produzindo máscondições de trabalho, exorbitante exploração dos trabalhadores egerando MS. Oferecem até mesmo diretrizes para a construção doreferido conceito, que impera mesmo em obras desenvolvidas nosdias de hoje.

O Paradigma Norte-Americano tem algumas particularidadesque se distanciam do referencial estruturador da análise dos MS naAmérica Latina e no Brasil, tais como: seu caráter comportamentalista,centrado no indivíduo e sua dimensão de institucionalizador dosmovimentos. Para fundamentar essa crítica, seria necessário umespaço bem maior e uma outra abordagem, o que não é intuito deste

artigo; portando, não será feita uma discussão sobre o referidoparadigma.

1.1 Os novos movimentos sociais (NMS)

Os teóricos defensores do Paradigma dos Novos MovimentosSociais partem do princípio de inadequação do paradigma tradicionalmarxista para análise dos MS, pois assinalam características ortodoxasno mesmo. Na seqüência, serão levantadas características dos NMS,bem como seus principais autores, segundo GOHN (1997).

 Negando o conceito de cultura atrelada a valores herdados dopassado, propõem a construção de um modelo teórico baseado nacultura continuamente construída. Os NMS trazem a afirmação deque o marxismo não tem condições de explicar a coletividade e aação dos indivíduos na sociedade contemporânea.

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Outra característica é a de superação das grandes figuras edas vanguardas, tanto partidárias como de movimentos. Apresentamcomo protagonista um novo sujeito, difuso, que tende a assumir umaidentidade coletiva. Com isso, a questão política ganha nova roupageme é de fundamental importância na nova abordagem. No que dizrespeito aos atores sociais, integrantes dos movimentos, são analisadossob dois aspectos: suas ações coletivas e identidade coletiva criadano processo.

Em síntese, a teoria dos NMS visa à micro ao invés da macroestrutura, valorizando muito as questões individuais, culturais, oindivíduo e suas forças, embora essas características se flexibilizeme sejam utilizadas em maior intensidade entre alguns autores. Umponto a ser destacado é a centralidade das correntes européias paraos limites deste trabalho, pois toda a discussão sobre a América Latinae, conseqüentemente, a abordagem que cobrirá o caráter educativodos MS, tem suas aproximações com esta vertente teórica.

Entre as principais correntes teóricas européias, destacam-setrês autores: Alain Touraine, Alberto Melucci e Claus Offe. O francêsAlain Touraine associa os MS às relações de dominação e conflitos

de classe, primando sempre pelo fator coletivo. Ao amadurecer desua obra, Touraine faz menção ao fator cultural e mostra a utilidadedos MS como fator de pressão social e não de transformação por sisó. Ficam explícitas suas diferenças em relação a Marx quando afirmaque:

... a noção de movimento social deve tomar o lugar da noção de

classe social por que atualmente não se trata mais de lutar pela

direção dos meios de produção e sim das finalidades das produções

culturais, que são a educação, os cuidados médicos e a informação

de massa. As novas contestações não visam criar um novo tipo de

sociedade, menos ainda libertar as forças de progresso e de futuro,mas mudar a vida, defender os direitos do homem, assim como o

direito a vida dos que estão ameaçados pela fome e pelo extermínio,

e também direito à livre escolha de um estilo e de uma história de

 vida pessoais (GOHN, 1997, p. 152).

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Alberto Melucci (Itália), um dos fundadores do paradigma daidentidade coletiva, propõe que a análise coletiva pode se dar emcinco níveis: definição, formação de estrutura social, componentes,formas e campos onde ocorre. A identidade coletiva tem comodefinição a união de vários tipos de conflitos baseados nocomportamento dos atores num sistema social. Melucci define MScomo uma construção analítica e não um objeto empírico ou umfenômeno observável, ela designa formas de ação coletiva que

invocam uma ruptura nos limites de compatibilidade dos sistema ondea ação tem lugar. (GOHN, 1997, p. 155). Defende que os MS sempresurgem de determinada necessidade e nunca do espontaneísmo eacredita nas lideranças para construir e manter a identidade coletiva.

Claus Offe (Alemanha) faz críticas tanto a liberaisconservadores como aos marxistas ortodoxos, pois procura conciliaras relações de teorias macro e micro. Essa abordagem se tornafundamental para a discussão atual sobre os MS, principalmente frenteao bombardeio pós-moderno, que prega o abandono às metanarrativas(teorias de macro).

Em termos práticos, os NMS assumem um caráter de maior

heterogeneidade do que o paradigma marxista, pois tendem a rompercom a tradição que busca a mobilização de uma classe social querepresente os trabalhadores. Muitos aspectos dos NMS estão presentesna configuração da realidade latino-americana e brasileira, portanto,algumas particularidades merecem maior profundidade, o que éefetuado com a discussão do capítulo seguinte.

2 Dependência da América Latina

Realizado o mapeamento sobre os paradigmas europeus, é

chegado o momento de focalizar a realidade latino-americana dosMS. Antes, porém, faz-se necessária uma introdução àsparticularidades desta abordagem, considerando a questão de suadependência, fundamental para a compreensão dos MS. Essareferência será explicitada a partir da obra de CARDOSO e FALETTO(1981).

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Uma característica comum dos países da América Latina é afase em que se tinha um modelo econômico de caráter agro-exportador,constituído durante o processo de sua conquista, no qual as colôniaseram organizadas para produzir alguns poucos produtos agrícolastropicais de exportação e/ou a produção de metais preciosos, gerandosua dependência para com as metrópoles conquistadoras.

 No início do século XIX, houve a emancipação dos paíseslatino-americanos em relação às metrópoles, mas não sua

independência em relação ao mercado externo. Tal situação vai sofreruma mudança significativa somente no século XX, com a GrandeDepressão, que, além de levar a crise para as elites latino-americanas,que até então haviam garantido suas fortunas com o mercado deexportação de produtos agrícolas, vai mostrar a essas mesmas elitesque não poderiam, em um mercado mundial tão instável,permanecerem na dependência de poucos produtos de exportação.

Tem início, então, um processo de mudança estrutural emmuitos dos países latino-americanos. Projetos de industrialização sãolevados a cabo, como o efetuado pelo Estado populista no Brasil. A modernização dos países latino-americanos foi marcada por

contradições, por diferenciações no tempo e no espaço, só podendoser percebida como um movimento contínuo de transformação quando

 vista na longa duração. Os projetos de industrialização nacionaiscausaram convulsões sociais nas quais vários MS foram sujeitos deação e reação. Todavia, por mais ou menos vitoriosos que algunspaíses tenham sido em seu processo de industrialização, e naconseqüente constituição de mercados internos integrados, nãoeliminaram sua dependência em relação ao centro do sistemacapitalista, em especial aos Estados Unidos. Tal relação dedependência assume novas formas, pois, para que os processos de

industrialização ocorressem, foram realizados grandes investimentosde capitais internacionais, os quais passaram a exercer um certo podersobre os rumos desses países. Um fator estruturante de tal relaçãocentro/periferia é a diferença tecnológica que continua a manter aAmérica Latina na periferia do sistema capitalista, em uma posiçãodependente do centro do sistema.

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3 Paradigma latino-americano

Além da teoria da dependência destacada anteriormente, paraanálise do paradigma latino-americano, devem ser lembradas ainda,algumas particularidades, como o passado colonial dos paísesestudados, bem como sua natureza escravocrata ou de servidãoindígena, com exploração externa dos recursos naturais e base emmonoculturas.

Mediante as diferenças assinaladas, alguns pontos merecemser considerados na formulação desse paradigma que, segundo GOHN(1992), são: diversidade de MS existentes; hegemonias dosmovimentos populares diante de outros tipos de MS; presença maciçade novos MS (de mulheres, ecológicos, de negros), destaqueinternacional dos movimentos, principalmente os ligados à igrejacatólica, como a teologia da libertação; ausência de significação dosmovimentos de imigrantes; questão indígena; presença singular doracismo, com uma espécie de racismo velado; Estado como uminimigo diante dos MS; ideologias presentes; partidos políticoscomo parceiros; presença de intelectuais no cenário, recente integração

entre movimentos e lutas, por intermédio de ONGs e associaçãodestas; questão agrária gritante; heterogeneidade.

Dentre esses aspectos, é importante deixar claro que aheterogeneidade traduz melhor as considerações sobre a diversidadedos movimentos, pois possibilita a presença de várias característicasarticuladas em uma só realidade. Portanto, para análise dos MS naAmérica Latina, deve-se manter sempre um enfoque multidisciplinar,característica dos chamados NMS.1

4 Movimentos sociais no Brasil

1Para maiores detalhes sobre os NMS, ver o artigo: RIBEIRO, M. O caráter pedagógico dosMovimentos Sociais. In: Serviço Social & Sociedade. São Paulo: Cortez, Ano XIX, nov.,1998.

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Desde a colonização estão presentes as lutas sociais noterritório brasileiro. Durante um período que vai da colonização até adécada de 70, as lutas sociais se dão de forma ambígua, ou seja, emdois extremos.

Enquanto temos lutas que buscam assegurar a conquista dacidadania, como por exemplo: a luta pela abolição da escravatura oudo direito ao voto, temos também a presença de MS com um cunhonão popular, como movimentos de independência, republicanos,

movimentos rurais ligados às oligarquias, cuja atuação estava voltadaaos interesses particulares.Devido à complexidade da história dos MS no Brasil, este

artigo atém-se ao período que corresponde à década de 90, que incluirealidades que vêm ao encontro da pesquisa realizada.

A análise aqui se volta para a categoria dos Novos MovimentosSociais (NMS). Entre outras características, pode-se salientar odistanciamento do objetivo de construção de classe social, a luta porcidadania coletiva, a ênfase nas bandeiras de lutas ligadas à identidade,como movimentos feministas, de gênero e ecológicos. Outro marco éa era da globalização e o surgimento das ONGs Organizações Não-

Governamentais.Para a compreensão dessa nova realidade dos Movimentos

Sociais, faz-se necessária uma contextualização da situação demercado.

Um dos fatores constituintes da nova realidade é o mercadoinformal de trabalho, que seria uma opção de trabalho diferenciada,sem vínculos empregatícios ou normatizações legais. Essa novamodalidade, nesse contexto, traz algumas mudanças nas demandassociais, tal como a prioridade na manutenção de empregos emdetrimento das conquistas de melhores condições de trabalho e de

salários. Há, também, uma quebra na organização dos trabalhadores,pois essa nova modalidade não oferece possibilidades de participaçãoem entidades organizacionais.

2 É necessário salientar que o MST traz em si muitas características do Paradigma Marxista,preserva princípios de classe social e em suas matrizes teóricas conserva autores do referidoparadigma.

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As conseqüências das mudanças nas relações de trabalho, quese tornam cada vez mais seletivas, são de exclusão social. Bolsões depobreza intensificados com a globalização, compostos por umapopulação de trabalhadores não qualificados ao redor dos grandescentros urbanos, formam uma problemática social que engrossa osíndices de criminalidade e violência.

Problemas sociais, como fome e miséria, cada vez maisgritantes na sociedade brasileira, sensibilizam a questão de cidadania

e surgem organizações de pressões junto ao Estado para busca dosdireitos e soluções para as problemáticas sociais. Bandeiras e lutassão levantadas com características próprias. Às vezes aparecem comocampanhas com temas cada vez mais direcionados.

Há um rompimento com o conceito de classe social, que foidestacado nas teorias anteriores: os MS atuais respondem, cada vezmais, a interesses individualizados, relações de gênero - como são osmovimentos feministas - de liberdade sexual (gays e lésbicas),movimentos ecológicos, movimentos de bairros e a causas específicas.

Também se encontram movimentos que buscam, além da suameta, transformações sociais mais amplas, como é o caso do MST,

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra2 .Com a explicitação dessas características dos MS, desde sua

conceituação até a contextualização atual em nosso país, acredita-seque estão oferecidos os subsídios necessários para a compreensão doelo apresentado a seguir entre os MS e a Educação.

5 Educação e movimentos sociais

Diante da questão, faz-se mister evidenciar se há um carátereducativo nos MS. A resposta a esse questionamento é afirmativa.

Sustentando essa afirmação, serão expostas duas formas como esseelo da Educação com os MS se realiza: de forma intrínseca eextrínseca.

Para caracterizar a forma extrínseca, serão expostos os MScujos objetivos e fins já fazem alusão à educação. Esse procedimentose dará no tópico sobre os grandes MS educativos, onde serão

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abordados alguns movimentos com demandas referentes à educação,encontradas na história recente do Brasil.

Quanto à forma intrínseca de educação nos MS, submeter-se-ão à análise seus dispositivos internos de efetuar a educação, ou seja,o caráter educativo dos MS, caracterizando entre outros aspectos seupotencial didático.

Desde a educação jesuítica datada do século XVI, houvemovimentos relacionados à questão educacional.

Devido à ausência de material que caracterize os MS anterioresao século XX, pode-se citar, para ilustrar, movimentoscontemporâneos, como o Movimento da Escola Nova, composto poreducadores com idéias contrárias às correntes pedagógicas vigentes,no caso, a pedagogia tradicional. Esse movimento, ocorrido na décadade 30 deste século culminou com o Manifesto dos Pioneiros da Escola

 Nova. Entre seus líderes, destacaram-se Fernando Azevedo e AnízioTeixeira. No entanto, a grande época dos movimentos ligados àeducação foi a década de 60, voltados à promoção da cultura popular.

Esses movimentos surgiram da preocupação de intelectuais,políticos e estudantes com a participação popular, tanto política como

cultural. A Igreja Católica, por meio da postura social adotada nessaépoca, com a denominada Teologia da Libertação, também contribuiupara essas iniciativas, que viam na educação um instrumentofundamental para a consecução de seus objetivos de resgate da culturapopular. As considerações sobre os movimentos da década de 60 aseguir serão feitas à luz de PAIVA (1987).

5.1 Os Movimentos em Prol da Educação

A partir de 1962, os Centros Populares de Cultura (CPC)começam a se estender por todo o país, ligados à UNE União Nacional dos Estudantes. Tinham como base o teatro popular e ainiciativa dos estudantes preocupados com a participação popular nacultura. Suas mensagens teatrais eram relacionadas ao cotidiano do

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povo, buscando, assim, por intermédio da percepção da realidade, asua transformação.

Esse resgate da cultura popular visava a um despertar para ocompromisso político, viabilizando formas de participação popularpara as classes privadas do acesso à cultura elitizada. O movimentopercebeu a esterilidade da metodologia aplicada, haja vista que elanão completava seu círculo de conscientização e caía no ativismo.Dessa forma, buscaram-se alternativas de atuação que surtissem mais

efeito, iniciando um trabalho com alfabetização que tinha por objetivoum desenvolvimento continuado e permanente.Os Movimentos de Cultura Popular (MCP) foram criados em

parceira com o Estado, representado pela prefeitura de Recife. A iniciativa já nasceu como forma de combate ao analfabetismo.Também eram desenvolvidas atividades artísticas, como canto, dançae música popular. O objetivo era valorizar as expressões artísticas eculturais populares.

Entre as atividades que o movimento difundiu, surgiu omovimento De pé no chão também se aprende a ler no Rio Grandedo Norte que, valorizando a cultura popular nacional, estimulava a

luta para o rompimento da dependência econômica e cultural paracom os países centrais. Como estratégias didáticas, o movimentoutilizou-se de programas de rádio e material didático próprio. Salasde aula comunitárias, improvisadas em galpões construídos emterrenos baldios, também eram utilizadas.

Acerca do referencial teórico, é necessário ressaltar a utilizaçãodas obras de Paulo FREIRE, cujos ideais de libertação de umacategoria oprimida está presente, tanto na metodologia educacionaladotada no período mencionado, como nos objetivos gerais traçadospelos MS latinos. Em termos científicos, essa metodologia de

participação social é evidenciada na proposta de Pesquisa Participante,de Carlos Rodrigues BRANDÃO, que atinge vários países da AméricaLatina.

O Movimento de Educação de Base (MEB) estava ligado àCNBB, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Em sua essência,era uma movimento de educação voltado à população rural,

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preparando o homem do campo para aquisições de conhecimento quecontribuíssem para sua formação integral, desenvolvendo suasensibilidade para questões sociais como a reforma agrária, porexemplo.

Entre suas estratégias didáticas, ressalta-se também a utilizaçãode programa de rádio e a elaboração da cartilha Viver é Lutar.

Quanto ao fim dos MS acima citados, destaca-se a implantaçãodo regime militar com golpe de 64, que indicou o término de uns,

como é o caso dos CPCs, ou mudança radical nas estruturas e objetivosde outros, como é o caso dos MEBs, cuja orientação foi assumidapelo estado a partir do golpe. Um exemplo concreto dessa dissoluçãodas iniciativas populares em favor do controle do Estado totalitárioestá no MOBRAL Movimento Brasileiro de Alfabetização, que seautodenominou movimento popular, de iniciativa do Estado, seapropriando de alguns elementos da metodologia de Paulo FREIRE,mas se distanciando completamente dos objetivos traçados pelos MS.O MOBRAL assume um caráter de veiculação ideológica do regimemilitar, podando a discussão e a participação popular.

Além dos movimentos destacados, deve-se salientar o debate

e a prática a respeito da educação popular em âmbito nacional, que,durante esse período, teve seu apogeu no país.

Entre os movimentos educacionais da atualidade, podemoscitar o Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública - FNDEP, criadoem 1986, em função da Constituição Brasileira, que se encontravaem fase de discussão. Educadores de todo o país mobilizaram-se,representando suas entidades de classe, para discutir propostas sobreeducação, priorizando seu caráter público. O movimento seintensificou após a aprovação da constituição, pois esta previa aelaboração de uma nova Lei de Diretrizes e Bases para Educação

 Nacional - LDB. Assim, os educadores apresentaram projetos para anova LDB e mantiveram o movimento durante o processo detramitação da mesma.

Também se destaca outra forma de organização doseducadores, bem mais recente, que é o Congresso Nacional de

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Educação - CONED, que existe desde a década de 90, reunindoeducadores para elaboração de propostas pertinentes à educação. Frutodesse trabalho é o Plano Nacional de Educação - PNE - da sociedadecivil, elaborado em Belo Horizonte, e que tramitou paralelamente aoPNE desenvolvido pelo Ministério da Educação - MEC até o final dadécada de 90.

Ao elencar essas iniciativas sociais, pretende-se dar solidez àidéia de vínculo existente entre os MS e a Educação.

5.2 Características Educativas Intrínsecas aos Movimentos Sociais

 No que diz respeito à estrutura interna dos movimentos, sãoperceptíveis mecanismos de grande significação pedagógica, com altoteor educativo.

Entretanto, para assimilar o conceito de educativo, faz-senecessário ter em mente que a educação supera o conceito datransmissão de conteúdos determinados, condizentes com acapacidade cognitiva do educando. Currículos, programas e conteúdos

são alguns fatores que constituem a educação, bem como asinstituições de ensino, porém não são os únicos. A educação aquireferida visa a proporcionar o pleno desenvolvimento das capacidadeshumanas, envolvendo aspectos como educação humanista, cidadaniae liberdade. Também não é um fenômeno que ocorre somente dentroda escola, como afirma CALDART (2000, p. 60): ... novamenterompendo com toda uma tradição no pensamento educacional é a denão confundir educação com escola. A escola não é o único espaçode formação humana .

Com esse conceito amplo de educação, pode-se compreender

como educativos elementos que compõem a organização dos MS. No cotidiano desses movimentos, há uma série de contatos comassessorias, sejam técnicas, políticas ou religiosas, as quais transmiteminformações sobre o funcionamento da demanda assumida pelomovimento, gerando assim aprendizado sobre determinado assunto.

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Essa relação de aprendizado não ocorre somente dasassessorias para os membros do movimento, mas também no sentidoinverso, pois é o contato entre agentes internos dos movimentos, ocotidiano de luta, que incita a participação ativa de quem os assessora.

Destaca-se, na prática dos MS, a aquisição de um senso dereflexão sobre a realidade, suscitada pelo acúmulo de experiênciasde opressão, negação de direitos e manipulação de informações.GOHN (1992, p. 50-51) cita algumas fontes de onde a educação é

construída nos MS:1) da aprendizagem gerada com a experiência de contato com asfontes de poder;

2) da aprendizagem gerada pelo exercício repetido das açõesrotineiras que a burocracia estatal impõe;

3) da aprendizagem das diferenças existentes na realidade sociala partir da percepção das distinções nos tratamentos que osdiferentes grupos sociais recebem de suas demandas;

4) da aprendizagem gerada pelo contato com a assessoriascontratadas ou que apóiam o movimento;

5) da aprendizagem da desmistificação da autoridade como

sinônimo de conhecimento.Outro fator a ser considerado é o desenvolvimento das

capacidades de liderança gerado dentro dos movimentos. A sociabilização, a partilha e a comunicação, presentes nos MS,fomentam iniciativas de liderança.

São consideráveis os instrumentos didáticos utilizados nos MS,tais como: discussão em grupo, debates, dinâmicas de grupo, elo entreteoria e prática e, principalmente, partilha de experiências, o queproporciona um aprendizado coletivo, construindo, assim, também,uma cidadania coletiva.

6 Movimentos sociais: educação para cidadania

Este tópico justifica-se na seguinte premissa defendida por WEIDE (1998, p.31): A relação movimentos sociais x educação temum ponto em comum que é a questão da cidadania.. Percebe-se que

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a cidadania, tanto individual como coletiva, é fruto de uma construçãoe não uma simples passagem de um momento para outro. Mesmocom essa visão de cidadania como um processo, faz-se necessárioperceber que, durante a história, muitos eram e são privados dodireito à cidadania.

 Nas origens clássicas da cidadania, nas pólis gregas, somentealguns eram os cidadãos, todos os estrangeiros e escravos estavam àmargem. Ou ainda no século XIX nota-se que os cidadãos que

tinham direito ao voto eram apenas aqueles que detinham determinadacota de bens. Contudo, tomando como análise um conceito maiscompleto de cidadania, que se daria por sua construção, compressupostos básicos como a liberdade e a igualdade, deve-se resgataralguns momentos da história do Brasil que auxiliam a compreender oprocesso de construção de cidadania.

Desde o período colonial há uma série de movimentos erevoltas que visavam a independência política da nação. Somentepara ilustrar, vale citar a Inconfidência Mineira. Paralelamente, houvelutas nesta fase com o objetivo de buscar espaços no mercado detrabalho, caso da Revolução Praieira. Na segunda metade do século

XIX, são encontrados movimentos voltados a problemáticas sociaismais graves como é o Movimento Abolicionista. Logo após, destacam-se lutas que visavam a proclamação da República, e sempremovimentos paralelos, como a busca do direito ao voto para asmulheres. A partir do século XX, assistiu-se ao desenvolvimento deuma gama muito grande de movimentos, sendo que alguns já foramcitados anteriormente.

 Nos movimentos de cunho popular, é claramente perceptívela busca dos pressupostos básicos constituídos pela igualdade eliberdade.

Em suma, os MS de cunho popular, em sua grande maioria,estão voltados a uma problemática social: a de que determinada parteda população sofre com carência de bens materiais (escola, saúde)ou morais (justiça). Assim, a percepção e conscientização de talsituação, a organização e luta para revertê-la e toda a identidade criadanesse processo caracterizam o verdadeiro sentido da cidadania.

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7 Conclusão

 No decorrer deste texto, procurou-se esclarecer o que são osMS e, principalmente, responder ao questionamento sobre seu carátereducativo.

Para tanto, procurou-se mostrar as características que levamao aprendizado na dinâmica cotidiana dos MS assim como foramutilizados alguns exemplos de movimentos cuja demanda por si esteja

ligada à educação.Entre as constatações obtidas, uma delas é que, além decontribuir para a educação dos participantes, os MS proporcionam aconstrução da cidadania, principalmente a cidadania coletiva, social.

O fator primeiro que faz surgir um movimento social é aindignação, seja ela frente a uma atitude do Estado, de pessoas, degrupos, de situações, ou mesmo frente a uma problemática social. A partir daí, faz-se necessário, para os participantes dos movimentos,conhecer o fenômeno que gerou tal indignação. Assim, parte-se paraa fase de conhecimento da problemática que envolve a demanda. Éaqui que começa o ato educativo.

 Na maioria dos casos, o princípio do movimento está ligado àausência de liberdade e igualdade. Para se compreender tal situação,aspectos paralelos devem ser analisados, como a estrutura de Estadoe condicionantes econômicos, entre outros.

O papel educativo continua no desenvolvimento domovimento, que, logo após o processo de conhecimento da demanda,parte para a constituição de estratégias de ação para a consecução deseus objetivos. Nessa parte do desenvolvimento da dinâmica internados movimentos, cada qual se diferencia por meio de atuaçõesdistintas, sendo necessárias análises particulares para elucidar mais

claramente o caráter educativo de cada um deles.

Referências

BOTTOMORE, T. Sociologia política. Tradução: Francisco de Assis

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Pereira. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.

BRANDÃO, C. R. (org).  Pesquisa participante. 5.ed. São Paulo:Brasiliense, 1985.

_____. (org.).   Repensando a pesquisa participante. São Paulo:Brasiliense, 1984.

_____. (org).  A questão política da educação popular. 7. ed. SãoPaulo: Brasiliense, 1987.

CALDART, R. S. Pedagogia do Movimento Sem Terra. Petrópolis:Vozes, 2000.

CARDOSO, F. H. ; FALETTO, E. Dependência e desenvolvimento

na América Latina: Ensaio de Interpretação Sociológica. 6.ed. Riode Janeiro: Zahar, 1981.

FREIRE, P.  Pedagogia do oprimido. 27.ed. Rio de Janeiro: Paz eTerra, 1999.

_____. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz eTerra, 1978.