artigo031.pdf

17
VEREDAS ON LINE – ENSINO – 2/2007, P. 41-57 – PPG LINGÜÍSTICA/UFJF – JUIZ DE FORA - ISSN 1982-2243 41 Da repetição para a aprendizagem: desenvolvimento cognitivo por meio da interação Maria de Fátima Alves (UFCG)* RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo refletir sobre a questão do desenvolvimento cognitivo do aprendiz mediante processos interativos em sala de aula. Entre outros aspectos, analisa estratégias interativas e não-interativas/improdutivas de ensino, à luz de enfoques teóricos cognitivistas e interacionistas que mostram como o sentido e a construção do saber científico são produtos de interações sociais e de contextos intersubjetivos. Palavras-chave: Cognição; Interação; Ensino; Aprendizagem. Introdução É fácil perceber que a Lingüística, atualmente, tem se interessado cada vez mais pelos estudos das atividades cognitivas e interativas. O que não é nada surpreendente, se levarmos em conta a relação que existe entre linguagem, cognição e interação. De um lado, a linguagem é uma forma de interação e ação social constitutiva do conhecimento; de outro, caracteriza-se, num certo sentido, como uma forma de cognição. Como bem diz MARCUSCHI (2002), “a linguagem surge porque temos cognição e somos seres cognitivos porque temos linguagem e capacidade de desenvolvê-la”. Essa concepção, com certeza, é necessária hoje para uma maior clareza no tocante à construção do conhecimento dos indivíduos como fruto de ação conjunta de significações. Nesta mesma linha de abordagem, SALOMÃO (1999, p.74) ressalta que “a relação por excelência do sujeito com o mundo, inclusive com os outros sujeitos, é uma relação de criação de conhecimentos, multiplamente enquadrável”. A capacidade da linguagem, herança da espécie, segundo a autora, permite a produção de infinitas representações, através das quais os sujeitos se conhecem e se dão a conhecer, ajustam a situação em que se encontram a conhecimentos previamente acumulados, e criam novos conhecimentos. Tendo em vista essa realidade, o presente trabalho visa discutir a importância dos aspectos interacionais e cognitivos na construção do saber. De forma mais específica, procura mostrar como estratégias interativas de ensino, ao invés das não-interativas, contribuem decisivamente para o desenvolvimento cognitivo e para a aprendizagem de conceitos por parte dos alunos. É mediante a interação do aluno com o professor em cenas da sala de aula, tais como: a negociação, a troca, a atenção partilhada, o conhecimento prévio e outros fatores, que o sentido se constrói e novos conhecimentos são adquiridos. Conforme teóricos da Hipótese Cognitiva da Linguagem, o sentido não é uma propriedade intrínseca da linguagem, mas o resultado de uma ação conjunta que presume cooperação, consentimento. * [email protected]

Transcript of artigo031.pdf

  • VEREDAS ON LINE ENSINO 2/2007, P. 41-57 PPG LINGSTICA/UFJF JUIZ DE FORA - ISSN 1982-2243

    41

    Da repetio para a aprendizagem: desenvolvimento cognitivo por meio da interao

    Maria de Ftima Alves (UFCG)* RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo refletir sobre a questo do desenvolvimento cognitivo do aprendiz mediante processos interativos em sala de aula. Entre outros aspectos, analisa estratgias interativas e no-interativas/improdutivas de ensino, luz de enfoques tericos cognitivistas e interacionistas que mostram como o sentido e a construo do saber cientfico so produtos de interaes sociais e de contextos intersubjetivos. Palavras-chave: Cognio; Interao; Ensino; Aprendizagem.

    Introduo fcil perceber que a Lingstica, atualmente, tem se interessado cada vez mais pelos

    estudos das atividades cognitivas e interativas. O que no nada surpreendente, se levarmos em conta a relao que existe entre linguagem, cognio e interao. De um lado, a linguagem uma forma de interao e ao social constitutiva do conhecimento; de outro, caracteriza-se, num certo sentido, como uma forma de cognio. Como bem diz MARCUSCHI (2002), a linguagem surge porque temos cognio e somos seres cognitivos porque temos linguagem e capacidade de desenvolv-la. Essa concepo, com certeza, necessria hoje para uma maior clareza no tocante construo do conhecimento dos indivduos como fruto de ao conjunta de significaes.

    Nesta mesma linha de abordagem, SALOMO (1999, p.74) ressalta que a relao por excelncia do sujeito com o mundo, inclusive com os outros sujeitos, uma relao de criao de conhecimentos, multiplamente enquadrvel. A capacidade da linguagem, herana da espcie, segundo a autora, permite a produo de infinitas representaes, atravs das quais os sujeitos se conhecem e se do a conhecer, ajustam a situao em que se encontram a conhecimentos previamente acumulados, e criam novos conhecimentos.

    Tendo em vista essa realidade, o presente trabalho visa discutir a importncia dos aspectos interacionais e cognitivos na construo do saber. De forma mais especfica, procura mostrar como estratgias interativas de ensino, ao invs das no-interativas, contribuem decisivamente para o desenvolvimento cognitivo e para a aprendizagem de conceitos por parte dos alunos. mediante a interao do aluno com o professor em cenas da sala de aula, tais como: a negociao, a troca, a ateno partilhada, o conhecimento prvio e outros fatores, que o sentido se constri e novos conhecimentos so adquiridos. Conforme tericos da Hiptese Cognitiva da Linguagem, o sentido no uma propriedade intrnseca da linguagem, mas o resultado de uma ao conjunta que presume cooperao, consentimento.

    * [email protected]

  • VEREDAS ON LINE ENSINO 2/2007, P. 41-57 PPG LINGSTICA/UFJF JUIZ DE FORA - ISSN 1982-2243

    42

    Para a realizao de nossa pesquisa, observamos e analisamos estratgias de ensino de

    Lngua Portuguesa e de Cincias, durante nove meses, em quatro turmas do Ensino Fundamental (de 5 a 8 sries) em quatro escolas da cidade de Joo Pessoa (PB), sendo trs da rede pblica de ensino e uma pertencente rede particular. Alm das aulas observadas, dialogamos com os alunos sobre a metodologia de ensino adotada pelos professores para trabalharem conceitos/novos itens lexicais no espao da sala de aula, com o intuito de averiguarmos, de fato, os tipos de estratgias (interativas ou no-interativas) utilizadas por eles em suas prticas de ensino.

    Antes, preciso esclarecer o que denominamos de estratgias interativas e de estratgias no-interativas ou improdutivas. As primeiras so aquelas que levam em considerao, no processo da aprendizagem, o conhecimento prvio do aluno, a compreenso compartilhada, as pistas de contextualizao do contedo a ser apreendido, a informao no contexto lingstico, as inferncias lexicais, o uso de exemplos diversos, dentre outros aspectos. A aprendizagem de um novo contedo produto de uma atividade mental construtivista realizada pelo aluno, bem como de uma atividade sociointerativa. A atividade mental no pode ser realizada no vcuo, surgindo do nada. A possibilidade de construir um novo significado, de assimilar um novo contedo passa, necessariamente, pela possibilidade de entrar em contato com um novo conhecimento. E o novo conhecimento apreendido pelo indivduo a partir do momento em que ele toma conscincia dessa realidade.

    As estratgias no-interativas, ou improdutivas, por sua vez, so aquelas que do prioridade ao mtodo direto de definio pronta, que desconsideram o conhecimento do aluno e que priorizam o estudo de palavras isoladas supostamente desconhecidas por este, em detrimento do seu interesse e participao. Ou seja, so estratgias manipulativas que concentram o ensino naquilo que o professor acha que deve ser focalizado, independente daquilo que o aluno gostaria de aprender.

    O que queremos destacar que a aprendizagem no resulta apenas da mera repetio do discurso verbal presente no material didtico adotado pelo professor, mas da relao de sentido que o aluno capaz de estabelecer entre o seu conhecimento prvio e o novo contedo/conceito, com o qual ele se depara em uma dada situao comunicativa.

    Neste ponto, acreditamos que cabe a pertinente colocao de MARCUSCHI (2004a), ao ressaltar que se a lngua em si mesma e por si mesma fosse o suficiente para a tarefa de ensino, a tarefa seria fcil, mas existe a cognio, a sociedade, a cultura, a histria, o sujeito, as circunstncias, e a tudo fica mais difcil.

    Diante disso, consideramos relevante em nosso estudo refletir com maior especificidade acerca de dois pontos que supomos importantes para a anlise de algumas estratgias de ensino por ns observadas, quais sejam: processos interativos e cognitivos na construo do saber cientfico e a diferena entre repetio de contedos e aprendizagem significativa. Esses tpicos focalizam a importncia do uso de estratgias interativas de ensino para a aprendizagem e para o processo de desenvolvimento cognitivo do aprendiz.

  • VEREDAS ON LINE ENSINO 2/2007, P. 41-57 PPG LINGSTICA/UFJF JUIZ DE FORA - ISSN 1982-2243

    43

    1. Processos interativos e cognitivos na construo do saber cientfico Vrias pesquisas, no mbito dos estudos interacionais e cognitivistas, tm apontado

    para as constantes crises do processo de ensino-aprendizagem no que diz respeito dinmica interativa entre professor e alunos e ao processo de construo/internalizao de conhecimentos ou de conceitos cientficos. Pesquisas, fundamentadas em estudos desenvolvidos por VYGOTSY [1934],(2000), BAKHTIN [1929],(1995), SALOMO (1999), MIRANDA (2001), MARCUSCHI (2003, 2004a, 2004b) KOCH & CUNHA-LIMA (2004), MORATO (2004), entre outros, apontam para a necessidade de mudanas no tocante forma de se trabalhar a linguagem no contexto escolar, levando-se em considerao no s os fatores estritamente lingsticos, mas tambm fatores scio-cognitivos e interacionais.

    MORATO (2004), no artigo intitulado O interacionismo lingstico, mostra que as abordagens interacionistas, no campo psicolingstico, consideram a linguagem uma ao compartilhada que percorre um duplo percurso na relao entre sujeito e realidade: intercognitivo (sujeito/mundo) e intracognitivo (linguagem e outros processos cognitivos). A interao a base da construo do conhecimento e da dupla natureza da linguagem (cognitiva e social). Cognio, para a autora, define-se como um conjunto de vrias formas de conhecimento que no totalizado ou subsumido linguagem, mas que de alguma forma se encontra sob sua responsabilidade. Os processos cognitivos, dependentes (assim como a linguagem) da significao, no so tomados margem das rotinas significativas da vida em sociedade. Assim, o tipo de relao que se estabelece entre linguagem e cognio de mtua constitutividade, na medida em que supe que no h possibilidades integrais de pensamento ou domnios cognitivos fora da linguagem, nem possibilidades de linguagem fora de processos interativos humanos (MORATO, 2004, p. 323).Tendo em vista essa intrnseca relao entre interao e cognio, refletiremos um pouco sobre tais dimenses, o que, sem dvida, embasar a anlise do presente estudo.

    1.1. A interao verbal H vrias pesquisas sobre a dimenso interacional da linguagem, no plano do

    sociointeracionismo etnogrfico, do sociointeracionismo histrico, do interacionismo dialgico, da perspectiva sociocognitivista de linguagem, entre outras correntes tericas da Lingstica. Neste contexto, sem dvida, evidenciam-se as teorias de VYGOTSKY e as de BAKHTIN. Alm das pesquisas desenvolvidas por tais autores, merecem destaque, nesta parte do presente estudo, reflexes feitas por MATNCIO (2001), MARCUSCHI (2003, 2004a e b) e muitos outros estudiosos que, em suas pesquisas, ressaltam a importncia que a interao assume nas prticas dos falantes e na estruturao dos recursos lingsticos.

    O conhecimento humano, na perspectiva bakhtiniana, construdo mediante processos interativos, discursivos e dialgicos. O sentido no est no cdigo ou nas palavras em si, mas no sistema de relaes construdo pelo falante e ouvinte em cada enunciao. Todo enunciado concebido em funo do conhecimento e da inteno dos interlocutores. Na concepo de BAKHTIN [1929],(1995), a linguagem tem natureza scio-ideolgica. Entre linguagem e

  • VEREDAS ON LINE ENSINO 2/2007, P. 41-57 PPG LINGSTICA/UFJF JUIZ DE FORA - ISSN 1982-2243

    44

    sociedade h relaes dinmicas que se materializam nos enunciados constitudos em discursos. Para BAKHITIN:

    A verdadeira substncia da lngua no constituda por um sistema abstrato de formas lingsticas, nem pela enunciao monolgica isolada, nem pelo ato psicofisiolgico de sua produo, mas pelo fenmeno social de sua interao, realizada atravs da enunciao ou das enunciaes. A interao verbal constitui assim, a realidade fundamental da lngua (BAKHTIN [1929], 1995, P.123).

    No diferentemente de BAKHTIN [1929],(1995), VYGOTSKY [1934], (2000)

    tambm pontua em suas reflexes a natureza enunciativa da interao entre linguagem e mundo social, uma vez que no processo de aprendizagem ou de internalizao e ampliao da competncia cognitiva do aprendiz, ele destaca a fala do outro, mediando discursivamente a referncia. Ao assumir uma postura interacionista, no mbito das teorias de aquisio da linguagem, Vygotsky reconhece que tal atividade tem um papel configurador e uma funo constitutiva do conhecimento. por meio da linguagem e, mais precisamente, atravs da atividade dialgica, que a criana constri o mundo e o seu prprio conhecimento.

    Na concepo do ltimo autor citado, o processo de escolarizao permite criana muitas mudanas em suas atividades cognitivas, uma vez que d acesso a experincias diferentes daquelas do seu dia a dia. Ao apossar-se de formas de discurso desenvolvido, a criana desenvolve sua competncia no sentido de formar conceitos, de prever e deduzir concluses, de predizer fenmenos, enfim, de realizar coisas que ela seria incapaz de realizar sem o auxlio da cincia e das interaes escolares.

    Tratando da construo de conceitos, assunto extremamente relevante na presente pesquisa, uma vez que constitui um meio eficaz que favorece a ampliao dos conhecimentos, VYGOTSKY [1934],(2000) reconhece que eles os conceitos no so conceptualizados como elementos independentes dentro do funcionamento psicolgico, mas encontram-se relacionados entre si de maneira constante e dinmica. Com efeito, no devem ser vistos como entidades estticas, mas como resultado sempre em mudana da interao humana com objetos de ao e de conhecimentos, com signos e significados culturais e, de maior importncia, com outros sujeitos em situaes de construes coletivas de significados mediante processos de negociaes interpessoais.

    Vale destacar ainda que, segundo o ponto de vista do autor, os atributos necessrios e suficientes para formar um conceito so estabelecidos por caractersticas dos elementos no mundo real selecionados pelos grupos culturais. ... um conceito mais do que a soma de certas associaes formadas pela memria; mais do que um simples hbito mental, um ato real e complexo do pensamento que no pode ser ensinado por meio de treinamento VYGOTSKY [1934], (2000), p. 104).

    Essa viso de Vygotsky, sem dvida, est diretamente inter-relacionada com a interao verbal entendida como um evento de comunicao e de construo conjunta de sentidos e de relaes sociais, o que crucial no processo de ensino-aprendizagem. Um evento de interao , segundo MATNCIO (2001), um ponto de articulao entre o sujeito e o social, ou seja, o lugar de (re)construo da realidade subjetiva e social.

  • VEREDAS ON LINE ENSINO 2/2007, P. 41-57 PPG LINGSTICA/UFJF JUIZ DE FORA - ISSN 1982-2243

    45

    Para a referida autora, um dos princpios bsicos das vertentes que integram a anlise da interao o de que no possvel separar o verbal e o social, pois os eventos de interao so o lugar em que so construdas, simultaneamente, a identidade do sujeito e a ordem social. Dessa perspectiva, o processo interpretativo co-construdo pelos sujeitos j que um falante age sobre o outro no estando ligado ao sistema lingstico de forma estvel: o sistema est em estruturao. Afinal, se a atividade verbal pressupe o trabalho efetuado pelo sujeito, h simultaneidade nas relaes entre o individual e o coletivo, entre a estrutura e o acontecimento.

    Voltando-se para a interao no espao da sala de aula, MATNCIO (2001) entende que o professor e os alunos, alm de possurem intenes complementares, possuem igualmente relaes de lugares e papis complementares e, em decorrncia, as intervenes realizadas pelos alunos tm tambm uma natureza similar quelas realizadas pelo professor. Logo, as intervenes dos alunos podem ser classificadas como visando informar ao professor o que sabem, dar continuidade interao, e manifestar-se quanto ao que dito e estudado, o que ocorre por intermdio de suas perguntas e de suas respostas.

    A concepo acima nos faz acreditar que a aula uma prtica scio-histrica institucional de ensino-aprendizagem que presume provocao de efeitos de sentido em diferentes modos de apropriao da realidade. A prtica didtico-discursiva est ligada a aspectos cognitivos e sociais advindos da interao.

    Entretanto, embora sejamos seres irredutivelmente interativos, como bem lembra MARCUSCHI (2004b), nem toda interao naturalmente bem sucedida, pois para interagir custa trabalho e exige altrusmo. Isto em todos os eventos, inclusive no cenrio da sala de aula. Partindo dessa premissa, o autor analisa a natureza da interao em aulas expositivas universitrias, concentrando-se nos momentos de dilogo entre professores e alunos na tentativa de investigar sua contribuio para o tpico da aula. O autor tambm atenta para a relao dialgica estabelecida na troca de turno professor / aluno.

    Ao discutir o problema da pesquisa sobre aula expositiva, Marcuschi sugere que o dilogo seja visto como uma das possveis estratgias de interao e indaga sobre as diferenas entre as trocas de turno na sala de aula e na conversao espontnea. Ou seja, o autor leva-nos a refletir sobre a diferena de turno em sala de aula e fora dela.

    Um ponto que merece destaque nas reflexes do autor trata da diferena entre dilogo e interao. O dilogo pode ser visto como uma das possveis estratgias de interao, e esta, por sua vez, pode ocorrer em uma aula sem dilogos, ou sem troca de turnos. Para Marcuschi, a interatividade um fenmeno constitutivo e irredutvel das relaes interpessoais, ao passo que o dilogo uma das muitas estratgias de efetivar a interao (MARCUSCHI, 2004b, p. 01). A perspectiva do autor citado sobre a interatividade tem a ver com a noo de dialogismo bakhtiniano (uma natural e necessria relao com o outro) e no tanto com a noo de dilogo da Etnometodologia e da Anlise da Conversao. O dilogo, segundo MARCUSCHI (2004b), apenas uma das tantas formas de interagir numa aula expositiva, havendo formas no-verbais como o olhar, os gestos, os movimentos do corpo, e outras estratgias interativas eficazes. A ateno para a interao puramente verbal pode no ser a melhor opo em certos momentos.

  • VEREDAS ON LINE ENSINO 2/2007, P. 41-57 PPG LINGSTICA/UFJF JUIZ DE FORA - ISSN 1982-2243

    46

    Concordamos plenamente com o autor porque no corpus da presente pesquisa possvel percebermos diversas passagens em que os professores possibilitam o dilogo com os alunos, mas em funo da forma como conduzem a aula, no propiciam, de fato, uma interao satisfatria no sentido de ampliar os conhecimentos dos alunos. Na verdade, o professor, s vezes, at demonstra uma preocupao no sentido de fazer uso de estratgias interativas de aprendizagem, retomando contedos de aulas anteriores, fazendo perguntas e levando os alunos a participarem, de alguma forma, da aula, mas o grande problema que as perguntas, muitas vezes, no so substanciais para desenvolverem a capacidade cognitiva dos alunos.

    importante ainda apresentar, nas reflexes sobre interao verbal, sobretudo em sala de aula, algumas categorias de anlise selecionadas por MARCUSCHI (2004b), ao observar o formato do gnero textual aula expositiva. A partir de 50 aulas observadas, o autor prope uma categorizao fundamentada em trs critrios: a) desenvolvimento do tpico central; b) estratgias de interao adotadas pelo professor; c) comportamento dialgico entre professor e aluno. Em todos os casos de categorizao, o autor percebe que as aulas so sempre heterogneas em relao aos formatos identificados e apresentam um pouco de cada um deles, mas em geral localizam-se em um ou outro dos quatro formatos pela predominncia de algumas caractersticas. Os quatro formatos de aula identificados foram designados como: aula ortodoxa, aula socrtica, aula caleidoscpica e aula desfocada (MARCUSCHI, 2004b, p. 05)

    Aula ortodoxa: nesse formato de aula o professor apresenta o tema e o desenvolve, geralmente sem interveno dos alunos ou com intervenes breves, sempre orientadas para o tpico, assimiladas quando pertinentes ou ignoradas quando fogem do tema. Trata-se da preleo clssica em que o professor o dono do tpico e est ali para ensinar. Presta-se como formato tpico de aulas tericas.

    Aula socrtica: trata-se de um formato de aula em que o professor tem um tema, mas no o enuncia nem o expe de forma direta. Usa de modo sistemtico a estratgia da mesma pergunta a vrios alunos em busca de respostas intuitivas. De posse das respostas, elabora sua posio para iniciar nova rodada de perguntas. Com isto conduz o tpico na base de um dilogo permanente na suposio de que pode arrancar do aluno o conhecimento inicial. A convico do professor parece ser a de que o aluno sabe algo e disso se deve partir.

    Aula caleidoscpica: com esse formato de aula, o professor tem um plano malevel com um bloco de temas construdos na base da motivao e da colaborao dos alunos. Trata-se de uma estratgia em que o aluno tem grande participao espontnea. Esse formato susceptvel de desenvolvimento de vrios tpicos interligados, mas nem sempre numa ordem linear ou de fcil percepo ao aluno.

    Aula desfocada: nesse formato de aula, aparentemente, no h um tpico bem delineado em andamento, pois o professor ou trata de muitos temas pouco interligados ou cede s provocaes dos alunos e d a entender que tudo tratvel, desde que tenha alguma associao com o que est em andamento. Essas aulas do a sensao de falta de planejamento e so pouco produtivas, sem tema central e, muitas vezes, perdem-se em interminveis discusses sobre questes paralelas em que o professor discute com os alunos ou trata de temas pessoais.

  • VEREDAS ON LINE ENSINO 2/2007, P. 41-57 PPG LINGSTICA/UFJF JUIZ DE FORA - ISSN 1982-2243

    47

    Feita essa descrio, o autor destaca a evidncia de que uma aula deve ter um tema central e de que a participao ativa do aluno sempre desejvel, pois o professor no deve ser o nico condutor do tpico. Contudo, esta dinmica interativa de natureza conversacional e negociada deve ser, segundo MARCUSCHI (2004b), cognitivamente controlada para assegurar a aprendizagem. No h frmulas ideais para esse tipo de trabalho.

    De todos os formatos de aulas transcritas, podemos dizer que em nossa pesquisa h o predomnio de aulas ortodoxas que, no geral, impossibilitam o aluno de participar do processo de interlocuo. O ideal seria uma correlao entre a centrao tpica e a atividade scio-interativa.

    As reflexes acima feitas apontam para a necessidade de uma urgente mudana de mentalidade dos professores a respeito da funo da aula expositiva, enquanto mero aparato de retransmisso rumo noo da construo coletiva do conhecimento. Faz-se necessria uma redefinio das relaes professor e aluno em sala de aula, de modo que as aulas expositivas sejam conduzidas a partir de atividades scio-cognitivas e propsitos comunicativos relevantes para a construo conjunta do saber.

    O problema central sobre o assunto em discusso que as prticas de sala de aula por ns observadas esto distantes de uma prtica sociointeracional de linguagem, pois no propiciam uma interao bem sucedida entre professor e alunos. O professor, na maioria das vezes, torna-se o dono do saber, independente dos interesses e intervenes feitas pelos alunos.

    Com efeito, muitas perguntas elaboradas pelo professor so apenas um motivo para rever o tema, identificar um problema ou prosseguir na exposio. Em nossa pesquisa, como veremos mais adiante, em certos momentos de aula, o aluno sequer instigado a fazer alguma interveno porque o professor no discute o texto e j passa para os exerccios do livro didtico. Essa falta de uma interao eficiente no espao da sala de aula, a nosso ver, fruto de uma concepo limitada do professor acerca do prprio processo de interao como meio de desenvolver a competncia cognitiva do aprendiz.

    Neste sentido, faz-se necessrio entender a interao verbal como um processo constitutivo da linguagem e do ser humano, bem como uma atividade social que, em um dado evento comunicativo, presume troca, compartilhamento de sentido, e aprendizagem. Razo pela qual a ausncia de tal fenmeno, sobretudo no contexto da sala de aula, traz problemas para a compreenso e uso da lingua(gem) de modo eficaz.

    Considerando o exposto e, principalmente, o entrelaamento existente entre linguagem, interao e cognio, conforme j foi mencionado na introduo desta pesquisa, entendemos que no h como discutir questes lingsticas e interativas de modo pertinente, desconsiderando a cognio humana, bem como as estratgias de processamento do prprio conhecimento, o processo de categorizao, a construo das estruturas dos conceitos, enfim, a relao entre o sistema lingstico e o cognitivo. Passaremos, ento a discutir a questo da cognio e/ou processos cognitivos, sem perder de vista a relao destes com os processos interacionais.

  • VEREDAS ON LINE ENSINO 2/2007, P. 41-57 PPG LINGSTICA/UFJF JUIZ DE FORA - ISSN 1982-2243

    48

    1.2. O fenmeno da cognio humana na perspectiva sociointeracional Segundo KOCH & CUNHA-LIMA (2004), o termo cognio recobre um campo de

    investigao mais amplo do que aquele preferencialmente enfocado pelos estudos tradicionais sobre o conhecimento. Ampliar esse campo, na viso das autoras, significa incluir entre os fatos a serem investigados no apenas capacidades cognitivas nobres como a linguagem, o raciocnio matemtico, mas tambm fenmenos mais simples, em sua aparncia, como por exemplo, a capacidade de nos movermos em uma sala sem esbarrar nos mveis.

    Com o passar dos tempos, os processos mentais e a mente foram reabilitados como processos de investigao, e seu estudo tornou-se o objetivo fundamental das cincias cognitivas e, sobretudo, do scio-cognitivismo, que constatou a necessidade de a cognio tambm ser abordada em uma perspectiva social.

    importante perceber, segundo KOCH & CUNHA-LIMA (2004), que h dois grupos de cognitivistas: os cognitivistas clssicos - que se preocupam fundamentalmente com aspectos internos, mentais, individuais, inatos e universais do processamento lingstico - e um outro grupo (que no se pode reunir sob um nico nome, mas que rene sociolingistas, etnolingistas, analistas do discurso, pragmaticistas, entre outros) que est fundamentalmente preocupado com aspectos externos, sociais e histricos da linguagem.

    No entanto, dos anos 80 para c, houve uma necessidade de se integrarem essas perspectivas e, assim, travou-se um dilogo entre elas, possibilitando espaos frutferos para o desenvolvimento de pesquisas que compreendam os fenmenos cognitivos de forma mais ampla, isto , capazes de oferecer modelos da interao e da construo de sentido cognitivamente motivados e, ao mesmo tempo, como fenmenos que acontecem na vida social. Da a concepo de linguagem defendida como uma forma de ao social ou prtica scio-discursiva.

    A esse respeito, MONDADA (2003) reconhece que o panorama atual da abordagem da cognio enriqueceu-se e diversificou-se consideravelmente, a ponto de a dimenso cognitiva parecer hoje ser levada em considerao de maneira muito geral por numerosos paradigmas tericos. Os pressupostos tericos que servem de embasamento para a anlise de processos cognitivos muitas vezes so pressupostos radicalmente diferentes, seno contraditrios, de uma abordagem a outra.

    Em nosso estudo, porm, basearemos nossa reflexo em perspectivas tericas que consideram a cognio no como um fenmeno individual e isolado na mente dos indivduos, mas como um conjunto de prticas sociais publicamente manifestadas nas aes de um dado contexto por seus participantes. Essa a perspectiva adotada por MONDADA (2003), MARCUSCHI (1999, 2003), entre outros, que contribuiro para enriquecer a nossa discusso sobre o assunto em questo.

    MONDADA (2003, p.10) prope explicitar um certo nmero de paradigmas e tendncias atuais que exploram os processos cognitivos em sua dimenso ao mesmo tempo localizada no contexto de interao e distribuda entre os interactantes. Essa forma de abordar os processos cognitivos os articula fortemente com a dimenso praxeolgica das atividades dos interactantes; em compensao, isso impe uma redefinio do modo pelo qual se caracteriza a cognio em si. Para Mondada, duas grandes tendncias emergiram da paisagem das abordagens cognitivas recentes:

  • VEREDAS ON LINE ENSINO 2/2007, P. 41-57 PPG LINGSTICA/UFJF JUIZ DE FORA - ISSN 1982-2243

    49

    a) a primeira considera a cognio como um conjunto de capacidades do indivduo, fundamentadas, segundo as perspectivas tericas, dentro da mente ou do crebro, permitindo-lhe efetuar raciocnios e perceber o mundo.

    b) a segunda considera a cognio como um conjunto de prticas sociais publicamente desdobradas em aes em contexto por e para seus participantes, no residindo unicamente nos indivduos, mas muito mais na coletividade, e at mesmo distribuda nos artefatos, e sendo fortemente encarnada nas condutas corporais.

    A presente pesquisa se situa em relao segunda concepo de cognio, isto , localizada e distribuda. Nesta perspectiva, as prticas de linguagem consideram as aes no apenas individuais dos sujeitos, mas tambm as de ordem social.

    Essa concepo de cognio como um conjunto de prticas sociais est de acordo, a nosso ver, com o ponto de vista de TOMASELLO (2003), que nos leva a refletir sobre o carter social da cognio humana e, mais precisamente, sobre o fato de que ns temos intenes e somos capazes de perceber que os outros nos entendem, diferentemente dos primatas, e essa diferena est exatamente na linguagem, ou melhor, na forma como a utilizamos. A base central de nossa evoluo, mais do que gentica, cultural, ressalta o autor.

    Neste sentido, ao falar do papel da comunicao lingstica no desenvolvimento cognitivo, TOMASELLO (2003) entende que o aprendizado mediante a transmisso do conhecimento e instruo um processo limitado porque no h algo novo, mas aprendido dos outros. A aquisio de uma lngua natural faz mais que expor crianas a informaes culturalmente importantes. Adquirir uma lngua natural tambm serve, segundo o autor, para socializar, estruturar culturalmente a maneira como as crianas habitualmente percebem e conceitualizam diferentes aspectos do mundo. Ao tentarem compreender atos de comunicao lingstica, dirigidos a elas, as crianas entram em processos muito especiais de categorizao e perspectivao conceitual.

    As crianas passam a se envolver em interaes de ateno conjunta quando comeam a entender as outras pessoas como agentes intencionais iguais a elas prprias. As pessoas escolhem intencionalmente prestar ateno a certas coisas e no a outras, de maneira diretamente relacionada com a busca de seus objetivos.

    Com efeito, essa viso de Tomasello importante porque nos leva a refletir sobre a importncia da ao conjunta, no sentido de compartilhar idias com o outro, buscando entender suas intenes, objetivos. Essa discusso, voltada para o contexto da sala de aula, aponta para a necessidade de se utilizarem estratgias interativas que despertem a ateno e o interesse do aluno pela construo de seu prprio saber. Na opinio do autor, importante perceber que a linguagem uma forma de cognio; cognio acondicionada para fins de comunicao interpessoal.

    Do ponto de vista de MARCUSCHI (1999), a cognio diz respeito ao conhecimento, suas formas de produo e processamento. Reporta-se natureza e aos tipos de operaes mentais que realizamos no ato de conhecer ou de dar a conhecer. No entender do autor, o termo diz respeito aos meios de produo e transmisso do conhecimento lingisticamente. O conhecimento resulta da relao de vrias fontes cognitivas integradas. Em uma perspectiva funcionalista, por exemplo, os aspectos cognitivos integram aspectos da mente humana como

  • VEREDAS ON LINE ENSINO 2/2007, P. 41-57 PPG LINGSTICA/UFJF JUIZ DE FORA - ISSN 1982-2243

    50

    geradora de conhecimento, com a cultura, a sociedade e a experincia, provedores informacionais relevantes numa postura integrativa dos diversos sistemas cognitivos.

    Concordamos com a viso de Marcuschi, Mondada e Tomasello porque tambm entendemos que a cognio no um processo mental, algo encapsulado na mente dos indivduos, como j foi frisado, mas uma prtica social geradora de conhecimentos mediados pela linguagem em contextos especficos. Acreditamos que a construo do saber um processo que vai alm da instruo em si, ou da mera transmisso de conhecimentos cientficos. importante entendermos que a interao social fundamental para o desenvolvimento cognitivo, e a falta desta interfere na aprendizagem dos alunos. O problema maior, a nosso ver, que essas reflexes sobre a interao e a cognio, dentro de uma perspectiva sociointeracional, to importante para a produo de conhecimentos na sala de aula, no subsidiam a maioria das prticas de ensino no contexto escolar, conforme comprovaro exemplos de nossa pesquisa.

    2. Repetio de contedos x aprendizagem significativa / conhecimento construdo interativamente: anlise de algumas estratgias

    Todas as reflexes tericas feitas em nosso estudo focalizando os processos cognitivos

    e interativos constitutivos da linguagem e do prprio ser humano apontam para o fato de que o saber no algo isolado, mas antes, algo construdo interativamente em contextos especficos por sujeitos cognitivos. Se assim , entendemos que as estratgias interativas de ensino que consideram os conhecimentos prvios dos alunos, seus objetivos, expectativas e, sobretudo, a construo coletiva do saber contribuem para uma aprendizagem significativa. De modo contrrio, as estratgias no-interativas de ensino, que priorizam a repetio de contedos, o uso direto de conceitos j prontos, dados a priori, ou que rejeitam conceitos construdos pelos alunos, trazem efeitos nefastos para sua aprendizagem.

    A presente pesquisa comprova que as respostas dadas pelos alunos, ou os prprios conceitos formulados por eles so rejeitados em diversos contextos de aula, sobretudo, quando no correspondem exatamente s expectativas do professor ou s do livro didtico. Em outras situaes, os alunos so induzidos, pelo professor, a simplesmente anotar os contedos ditados por ele, ou a responder, em um curto espao de tempo, questes de estudo de textos sugeridas pelo livro didtico, sem muitas vezes o prprio texto ter sido discutido em sala de aula, como o caso do texto me-mulher, que ser discutido no exemplo 03 de nosso estudo. No tocante questo da rejeio das respostas formuladas pelos alunos no espao da sala de aula, veja-se o seguinte exemplo:

  • VEREDAS ON LINE ENSINO 2/2007, P. 41-57 PPG LINGSTICA/UFJF JUIZ DE FORA - ISSN 1982-2243

    51

    Exemplo 01. Enquadramento: Aula de portugus. Tpico: Estudo do vocabulrio /.../ Prof.: O que decreto-lei? Al.1:Decreto-lei o decreto que o chefe do poder executivo expede, com fora de lei porestar absorvendo, anormalmente, as funes prprias do legislativo eventualmente supresso.Prof.: Muito bem, voc fez pelo dicionrio ou pelo glossrio, no foi? Al. 1:Foi. Al. 2: Decreto-lei as regras do jogo, professora! Prof.: Artur, voc hoje est pior do que Rodrigo. Inventando conversas. (Texto: Meninos Carvoeiros, de Manuel Bandeira / 6 srie - Escola pblica)

    Como podemos verificar, no exemplo acima transcrito, a professora, ao desconsiderar o conceito de decreto-lei construdo pelo aluno, impede, de certo modo, que ele participe da aula e do jogo constitutivo do saber. Em contrapartida, ela elogia a definio apresentada por uma outra aluna que copia de um glossrio de livro didtico a seguinte resposta: Decreto lei decreto que o chefe do poder executivo expede, com fora de lei por estar absorvendo, anormalmente as funes prprias do legislativo eventualmente supresso. Assim, a aula deixa de ser um lugar potencial de criao de significaes sociais que levaria aprendizagem e transformao, contrariando de tal forma, a perspectiva de que os conceitos so produtos de processos de construo conjunta de significaes.

    Acreditamos que a estratgia utilizada pela professora faz parte da perspectiva clssica que considera o conceito como um conjunto de propriedades necessrias e suficientes, e no como produto de construes conjuntas de significados.

    Os sentidos parecem localizados e estveis. (...) No entanto (...) o sentido no est depositado em um armazm de conceitos. Pelo contrrio, vivo e ativo, dinmico e distribudo, construdo pelos propsitos locais de conhecimento e de ao. Os significados no so objetos mentais, circunscritos em regies conceituais, mas complexas operaes de projeo, ligao, conexo, mesclagem e integrao de mltiplos espaos conceituais. (SALOMO, 1999, p. 66)

    O exemplo em anlise tambm nos leva a refletir sobre a questo das categorias como prticas scio-interativas. por meio das estratgias de categorias que a linguagem d sentido aos seres e aos objetos do mundo. As categorias no so preexistentes, nem dadas a priori, mas construdas no curso da interao por um sujeito scio-cognitivo. Assim no faz sentido rejeitar o conceito de decreto lei formulado pelo aluno como sendo as regras do jogo. Isto comprova a falta de um espao propcio para a construo de conhecimentos em sala de aula.

    Em outras situaes, os alunos sequer dispem de tempo necessrio para elaborar respostas para questes apresentadas pelo professor. Isto porque, atravs do mtodo direto de ensino, o professor, tornando-se o dono do turno do incio ao final da aula, d, inclusive, as

  • VEREDAS ON LINE ENSINO 2/2007, P. 41-57 PPG LINGSTICA/UFJF JUIZ DE FORA - ISSN 1982-2243

    52

    respostas prontas aos alunos para atividades solicitadas, como podemos verificar nos exemplos 02 e 03 a seguir.

    Exemplo 02. Enquadramento: Aula de portugus. Tpico: Interpretao de textos /.../ Prof.: Na letra c... o autor joga com duas palavras para dar impacto ao que afirma. Identifique essas palavras. Quais so elas? LIXO e LUXO. Qual o significado da palavraPO no 3 pargrafo? Ele usa no sentido de ALIMENTO. Prof.: No quarto pargrafo, o autor trata de crianas que no se sentem amadas. Quais so as trs causas de desamor citadas? A primeira... pais ausentes...a segunda ... crianas criadas em barracos e a terceira (xxx) conseqncias da violncia. (Texto: Como criar uma fera em casa, de Frei Beto./ 7 srie Escola pblica)

    Como mostra o exemplo acima, o professor faz a pergunta aos alunos e, automaticamente, d a resposta, sem, no entanto, propiciar meios para que eles possam refletir, inferir e responder s atividades propostas. Neste caso, s o professor detm a palavra e o saber, e os alunos, por sua vez, apenas escutam e copiam o que ele dita.

    Esse tipo de estratgia apresenta aspectos similares ao formato de aula expositiva caracterizado por MARCUSCHI (2004b), como aula ortodoxa, na qual o professor apresenta o tema e o desenvolve, geralmente sem interveno dos alunos ou com intervenes breves, sempre orientadas para o tpico, assimiladas quando pertinentes ou ignoradas quando fogem do tema. Raros so os desvios do tpico central, tendo-se como roteiro um esquema bastante fixo. Trata-se da preleo clssica em que o professor o dono do tpico e est ali para ensinar. Presta-se como formato tpico de aulas tericas.

    Uma aula, expositiva ou no, deve ser caracterizada como um espao social para construo do saber e no como um monlogo porque o tpico sofrer influncia do processo de exposio do professor, assim como da participao dos alunos. atravs dessa participao que se favorece o compartilhamento de sentido e, conseqentemente, a aprendizagem significativa.

    A anlise feita nos permite dizer que as estratgias de ensino dos exemplos 01 e 02 no contribuem para a aprendizagem e/ou desenvolvimento conceptual do aprendiz, uma vez que este no instigado a participar da aula, nem tampouco, a se interessar pela internalizao de contedos trabalhados pelo professor. Observe-se o seguinte exemplo:

    Exemplo 03. Enquadramento: Aula de portugus. Tpico: Estudo do vocabulrio

  • VEREDAS ON LINE ENSINO 2/2007, P. 41-57 PPG LINGSTICA/UFJF JUIZ DE FORA - ISSN 1982-2243

    53

    /.../ Prof.: D o significado das palavras:

    a) talentosa, valorosa b) inexplicvel, misteriosa, meiguice c) promotora, garra, fascina.

    (( Dez minutos aproximadamente, o professor retoma a atividade)) Al.1.: professor.... eu no consegui achar nenhu::ma Prof.: no procurou? Al.1 : eu procurei... talentosa, valorosa... eu no sei Prof.: fizeram? As: j ((uma minoria responde, talvez 30% dos alunos))

    Prof.: Vamos reler o exerccio. Na letra a ... temos duas palavras TALENTOSA... VALOROSA. Ateno....por favor. Vocs colocaram o qu ? Al.1.: me Prof.: vocs colocaram M::E... mas no isso que se pede... a palavra que ningum

    encontrou HEROINA. Prof.: a palavra herona tem mais de um significado....quem tem fora, coragem...pode

    tambm ser um tipo de droga. Prof.: letra b... inexplicvel, misterioso, o que significam essas palavras? Al 2.: TRANSMISSORA Prof.. ningum acertou?... tem uma msica que diz senhor eu sei que tu me sondas. uma

    musiquinha que a gente escuta aqui no colgio... Deus INSONDVEL... algo que no se explica, misterioso. Letra c ... MEIGUICE... DOURA...AFETO

    Al.3.: carinhosa Prof.: tem carinhosa no texto? Al.4.: amvel? Prof.: tem isso no texto? Uma pessoa doce... meiga terna. TERNURA a resposta...t l no texto. ( Texto? Me-mulher / 8 srie Escola Pblica)

    Como podemos observar na transcrio acima, o professor, ao invs de criar

    estratgias produtivas para que o aluno construa significado a partir da releitura do texto ou de exemplificao da palavra desconhecida em contextos diversos, faz questo de dizer que nenhum aluno acertou o significado da palavra talentosa no texto e, imediatamente, d a resposta pronta, em conformidade com o que o livro didtico sugere. Com efeito, esse tipo de prtica no facilita nem medeia a construo do conhecimento, pois toda vez que o professor rejeita uma resposta do aluno porque no repete a sua explicao ou a do livro didtico, e toda vez que ele desconsidera as intenes, interesses e curiosidades dos alunos, impossibilita a construo de sentido e de realidades sociais no espao da sala de aula.

    No h no exemplo em anlise uma relao recproca de comportamentos dos interactantes da linguagem. No h meios propcios simetria, interao e ao desenvolvimento lingstico e cognitivo do aluno porque a aula no assume o seu verdadeiro papel de mediar a aprendizagem do aluno. Sendo assim, torna-se evidente a ausncia da

  • VEREDAS ON LINE ENSINO 2/2007, P. 41-57 PPG LINGSTICA/UFJF JUIZ DE FORA - ISSN 1982-2243

    54

    percepo da cognio humana como sendo um conjunto de prticas sociais publicamente desdobradas em aes e em contextos especficos.

    A organizao discursiva/interacional fundamental na construo do saber cientfico. Uma concepo interacionista e praxeolgica da comunicao se concebe como constitutivamente ligada s situaes onde ela se desenrola, emergente nos trabalhos de negociao, de construo interativa, de elaboraes coletivas, ordenando de forma endgena o curso de sua realizao prtica (cf. RODRIGUES-LEITE, 2003).

    No exemplo em anlise, entretanto, no percebemos na relao professor/aluno uma dinmica interativa, um trabalho de negociao que facilite o desenvolvimento cognitivo e a aprendizagem significativa do sujeito aprendiz. Para construir coletivamente o saber, faz-se necessrio que o ensino seja visto como um meio para aquisio de habilidades e conhecimentos por parte do aluno, e no, simplesmente, como um meio atravs do qual se transmitem contedos e, sobretudo, conceitos, prontamente. importante que o professor faa uso de estratgias interacionais generalizadas visando a existncia de um dilogo e a expanso e reconstruo conceptual do aluno.

    Entendemos que a interao se d quando as intenes dos falantes so reconhecidas pelos ouvintes e vice-versa, atravs de pistas de contextualizao, de esquemas de conhecimentos, de sinais verbais e no-verbais, e que as funes psicolgicas se originam e se desenvolvem nas relaes do indivduo com seu contexto social e cultural.

    O processo de ensino-aprendizagem contribui para o desenvolvimento cognitivo do aluno na medida em que aprender no apenas copiar o que est escrito no material didtico por intermdio do professor. Aprendemos, significativamente, quando participamos de um processo interativo, de modo que sejam consideradas nossas experincias, interesses e conhecimentos prvios que possam dar conta do novo saber.

    Sem dvida, o saber construdo pelo aluno em sala de aula fruto de uma complexa srie de interaes nas quais intervm o prprio aluno, os contedos estudados, e o professor. Ou seja, se d mediante um processo que envolve controle, negociao, interesses, e conhecimento partilhado entre professor e aluno. Como exemplo de aprendizagem significativa e conhecimento construdo coletivamente, veja-se a transcrio a seguir:

  • VEREDAS ON LINE ENSINO 2/2007, P. 41-57 PPG LINGSTICA/UFJF JUIZ DE FORA - ISSN 1982-2243

    55

    Exemplo 4. Enquadramento: Aula de Cincias. Tpico: Animais Vertebrados

    [..] Prof.: Ns vamos falar sobre PEIXES....o que um PEIXE ? Quem me d uma definiosobre peixes? Al. 1: Peixe um ANIMAL Prof.: Que tipo de animal? Al : Aqutico. Prof.: Muito bem... o que mais? Al. 2: Tem escamas. Prof.: Respira pelos brnquios...no isso ? Al.: Prof.: Tem algum peixe que no tem osso? Qual ? Al. 3: Tem. Al.: Tubaro, cao... Prof.: Eles tm o que ? Al.: CARTILAGEM. (8 srie Escola pblica)

    Nesse enquadre interativo, diferentemente dos outros exemplos citados, a professora se esfora no sentido de levar os alunos a participarem da aula quando os instiga a construir o conceito da palavra peixe. O jogo de perguntas e respostas e a questo da exemplificao, sem dvida, favorecem a compreenso do novo contedo e a construo do saber cientfico.

    Consideramos a estratgia de ensino utilizada no exemplo 04 como interativa, uma vez que propicia ao aluno o compartilhamento de sentido e a participao no desenvolvimento do tpico. Como vimos, ao invs de definir peixe como sendo um animal vertebrado, aqutico, coberto por escamas, a professora instiga os alunos a construrem o conceito coletivamente, mediante seus conhecimentos prvios, socialmente construdos.

    O processo de compreenso/internalizao de conhecimentos, em especial, a construo de conceitos no se d de forma mecnica, nem tampouco se limita escuta ou repetio de definies prontas. um processo criativo que exige, dentre outros fatores, compartilhamento de conhecimentos anteriores e atribuio de sentidos.

    A presena de um problema que exige a formao de conceitos extremamente importante para o desenvolvimento do pensamento conceitual. Conforme argumenta Vygotsky, se o meio ambiente no apresenta nenhuma dessas tarefas ao adolescente, no lhe faz novas exigncias e no estimula seu intelecto, proporcionando-lhe uma srie de novos objetos, o seu raciocnio no conseguir atingir os estgios mais elevados, ou s os alcanar com grande atraso (VYGOTSKY [1934], 2000, p. 73).

    Entendemos com o autor que os conceitos cientficos, com o seu sistema hierrquico de inter-relaes, parecem constituir o meio no qual a conscincia e o domnio se desenvolvem, sendo mais tarde transferidos a outros conceitos e a outras reas do pensamento. O que importa de fato, no processo de ensino-aprendizagem de conceitos, que

  • VEREDAS ON LINE ENSINO 2/2007, P. 41-57 PPG LINGSTICA/UFJF JUIZ DE FORA - ISSN 1982-2243

    56

    o potencial do aluno seja levado em conta na prpria dinmica de seu desenvolvimento. Os conceitos, como j foi dito, no se encontram prontamente armazenados no crebro dos indivduos, mas eles so construdos nas prticas sociais, publicamente manifestadas nas aes de um dado contexto.

    Consideraes finais

    A anlise da presente pesquisa revela que a entrega do saber prontamente ao aluno, como se este fosse um receptculo vazio e no um sujeito cognitivo, dotado de intencionalidade e capacidade de conhecer e construir conhecimentos, mediados pela linguagem, no amplia o desenvolvimento cognitivo do aprendiz.

    Com efeito, o conhecimento no consiste em uma representao fiel da realidade, independente das experincias de vida e das aes conjuntas, como tambm no consiste em um mero processo de transmisso de informaes, mas resulta de ao negociada, situada e, contextualmente, delimitada.

    O grande problema em relao s estratgias improdutivas/no interativas de ensino consiste na crena de que aprender significa apenas reproduzir, sem mudanas, as informaes que nos chegam atravs de diferentes meios, como se aprender significasse apenas fazer cpia daquilo que dado ou recebido, como uma rplica interna da informao externa, e no um processo de construo conjunta de sentido.

    As estratgias interativas de ensino-aprendizagem, por sua vez, fundamentadas na crena de que a linguagem uma forma de ao social constitutiva do saber, e de que o sentido fruto de uma ao conjunta de significaes, desenvolvem, no aluno, a capacidade de construir conceitos e internalizar novos conhecimentos.

    Na verdade, h uma diferena marcante entre uma aula que seja capaz de mobilizar os alunos, que desperte neles o desejo e a curiosidade de aprender, e uma aula cujas estratgias desconsideram os conhecimentos dos alunos e at os rejeita.

    Por fim, o predomnio de estratgias no-interativas de ensino-aprendizagem de conceitos ao longo das aulas observadas evidencia a necessidade de uma mudana de mentalidade, por parte dos professores, no tocante forma como o conhecimento produzido em sala de aula.

    ABSTRACT: This paper aims at reflecting on the topic of learners cognitive development through/by means of/within classroom interactive processes. In other words, it analyses both interactional and non-interactional strategies, and shows how the former prove to be effective and the latter non effective teaching procedures. On the basis of cognitive and socio-interactional theories, the study demonstrates that meaning and knowledge are by-products of social interaction and of interpersonal contexts. Keywords: Cognition; Interaction; Teaching; Learning. Notas 1 Apontamentos feitos no decorrer da disciplina Lingstica Cognitiva, ministrada pelo professor Lus Antnio

    Marcuschi, no curso de Doutorado em Lingstica na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), no 1 semestre de 2002.

  • VEREDAS ON LINE ENSINO 2/2007, P. 41-57 PPG LINGSTICA/UFJF JUIZ DE FORA - ISSN 1982-2243

    57

    Referncias bibliogrficas BAKHTIN, M. (VOLOCHINOV) A interao verbal. In: ______ Marxismo e filosofia da linguagem. So Paulo: Hucitec, [1929], (1995), p.110-127. KOCH, I. V.; CUNHA-LIMA, M. L. Do cognitivismo ao scio-cognitivismo. In: MUSSALIN, F; BENTES, A.C. Introduo lingstica: fundamentos epistemolgicos. So Paulo: Cortez, 2004, p.251-300. MARCUSCHI, L . A . Conferncia: cognio, explicitude e autonomia no uso da lngua. UFMG Belo Horizonte, 1999. _____. Nota do programa da disciplina Lingistica Aplicada. UFPE 1 semestre de 2002. _____. Do cdigo para a cognio: o processo referencial como atividade criativa. Conferncia. UNICAMP. Campinas/SP, 2003. _____. V SEMINRIO EM LETRAS: Linguagem, Ensino e Incluso Social. Santa Maria.Centro Universitrio Fransciscano: UNIFRA, 2004a. _____. O dilogo no contexto da aula expositiva: continuidade, ruptura e integrao. Recife (mimeo), 2004b, p.1-20. MATNCIO, M.L. Por uma tipologia da interao em sala de aula. In: MATNCIO, M.L. Estudo da lngua falada e aula de lngua materna. Campinas/ SP: Mercado de Letras, 2001, p.75-98. MIRANDA, N. S. O carter partilhado da significao. Revista Veredas, Juiz de Fora, v. 5, n. 1, p. 57-81, jan./jun. 2001. MONDADA, L. (s/d). Le role constitutif de lorganization discursive et interactionnelle dans la construction du savoir scientifique. Stapfelberg: Basel Universitt. _____. Cognition et parole-en-interaction. Revista Veredas, Juiz de Fora, v. 10, p. 9-27, jan./ jun. 2003. MORATO, E. M. O interacionismo no campo lingstico. In: MUSSALIN, F e BENTES, A. C. (orgs.) Introduo Lingstica: fundamentos epistemolgicos. Vol.3. So Paulo: Cortez, 2004. p. 311-352. OLIVEIRA, M. Trs questes sobre desenvolvimento conceitual. In: OLIVEIRA, M. B; OLIVEIRA, M. K. Investigaes Cognitivas: conceitos, linguagem e cultura. Porto Alegre: Artemed, 1999, p.55-64. RODRIGUES-LEITE, J. E. Questes scio-interativas e cognitivas na construo do conhecimento e significao pblica do mundo. Revista do DLCV, Joo Pessoa, v. 1, p. 95-110. Anual. 2003. SALOMO, M. M. A questo da construo do sentido e a reviso da agenda dos estudos da linguagem. Revista Veredas, Juiz de Fora, v. 03, n. 1, p. 61-79. jan/jun. 1999. TOMASELLO, M. Comunicao lingstica e desenvolvimento cognitivo. In: _____Origens culturais da aquisio do conhecimento humano. Traduo: Cludia Berliner. So Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 229-279. VYGOTSKY. L. S. Um estudo experimental da formao de conceitos. In _____Pensamento e linguagem. 1 ed.So Paulo: Martins Fontes, [1934],2000, p. 65-147.