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SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo VIII Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo (Universidade Federal do Maranhão, São Luís), novembro de 2010 :::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::: :::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::: :::::::::::::::::::::::::::: A potencialização do telejornalismo e a colaboração do público A participação do “cidadão digital” Renata ECHEVERRIA 1 As pessoas não existem para servir à tecnologia, a tecnologia é que existe para servir às pessoas. A tecnologia que prospera é criada pelas necessidades culturais dos seres humanos. (...) o digital tornará a televisão ainda mais televisão. 2 Newton Cannito, 2010 Resumo: O artigo analisa a edição do dia seis de abril de 2010 do Jornal Nacional, da TV Globo e as edições dos dias 17, 18 e 19 de junho do NETV 2º Edição - telejornal de Pernambuco da Globo Nordeste, quando a Região Metropolitana do Rio de Janeiro e o município pernambucano, consecutivamente, foram inundados por fortes chuvas, provocando mortes, alagamentos, e deixando milhares de pessoas desabrigadas. O enfoque principal de análise 1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e jornalista. E-mail: [email protected] 2 Cannito, Newton, A televisão na era digital: interatividade, convergência e novos modelos de negócio. São Paulo: Summus, 2010, p.16.

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SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em JornalismoVIII Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo

(Universidade Federal do Maranhão, São Luís), novembro de 2010::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::

A potencialização do telejornalismo e a colaboração do públicoA participação do “cidadão digital”

Renata ECHEVERRIA 1

As pessoas não existem para servir à tecnologia, a tecnologia é que existe para servir às pessoas. A tecnologia que prospera é criada pelas necessidades culturais dos seres humanos. (...) o digital tornará a televisão ainda mais televisão. 2

Newton Cannito, 2010

Resumo: O artigo analisa a edição do dia seis de abril de 2010 do Jornal Nacional, da TV Globo e as edições dos dias 17, 18 e 19 de junho do NETV 2º Edição - telejornal de Pernambuco da Globo Nordeste, quando a Região Metropolitana do Rio de Janeiro e o município pernambucano, consecutivamente, foram inundados por fortes chuvas, provocando mortes, alagamentos, e deixando milhares de pessoas desabrigadas. O enfoque principal de análise nos dois telejornais são as inúmeras imagens enviadas pelo público/telespectador via celular, filmadoras e câmeras digitais para os Portais G1 e PE 360 Graus, os dois da Rede Globo e posteriormente exibidas nos telejornais. O trabalho analisará a participação do público/telespectador e discutirá como esta colaboração pode potencializar o conteúdo dos telejornais.

Palavras-chave: Jornalismo; Telejornalismo; Cultura Participativa; Convergência

Digital; Potencialização.

1. Apresentação

Seis de abril de 2010. Um dia depois da enchente que paralisou a Região

Metropolitana do Rio de Janeiro, precisamente às oito horas e quinze minutos da noite,

1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco

(UFPE) e jornalista. E-mail: [email protected] Cannito, Newton, A televisão na era digital: interatividade, convergência e novos modelos de negócio.

São Paulo: Summus, 2010, p.16.

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começava mais uma edição do Jornal Nacional. Mas o que se viu foi um telejornal

diferente:

a tela da TV foi inundada, literalmente, por imagens enviadas pelos telespectadores,

pelo público, vítima de uma das maiores catástrofes provocadas pela chuva que caía

incessantemente na cidade. Podemos até afirmar que praticamente, pela primeira vez, a

produção do Jornal Nacional abriu espaço para a participação do público. O Jornal

Nacional entrou definitivamente na era da produção colaborativa? Não sabemos, mas o

telejornal mergulhou fundo nas imagens enviadas pelos telespectadores. E a história do

Jornal Nacional não seria mais a mesma. Mesmo que tardiamente, o telejornal mais

visto do País, de acordo com as estatísticas do Ibope – Instituto Brasileiro de Pesquisa

se rendeu à inevitável “cultura participativa”.

A expressão cultura participativa contrasta com noções mais antigas sobre passividade dos espectadores dos meios de comunicação. Em vez de falar sobre produtores e consumidores de mídia como ocupantes de papeis separados, podemos agora considerá-los como participantes interagindo de acordo com um novo conjunto de regras que nenhum de nós entende por completo. (JEKINS, 2008, p.28)

Este artigo pretende analisar esta edição do Jornal Nacional, assim como as edições

dos dias 17,18 e 19 de junho, do telejornal de maior audiência da TV Globo Nordeste,

em Pernambuco, o NETV- 2ª Edição, e apontar como a participação do

público/telespectador, através dos meios digitais, pode enriquecer e potencializar a

mídia televisiva. No nosso entendimento, o Jornal Nacional e o NETV deram um passo

importante, que acredito sem retorno, para o que deve ser a televisão hoje. Onde não

pode faltar o diálogo com novos fenômenos e novos conceitos em tempo de

convergência digital. No decorrer deste artigo vamos tratar destes temas: conteúdo

colaborativo, cultura da convergência, convergência digital e “cidadãos digitais”,

conceituando-os na sua história e em seus caminhos percorridos, sempre inseridos no

contexto atual de mudanças tecnológicas, especificamente na experiência de ver e fazer

televisão. A nossa hipótese é como a mídia digital, que engloba um vasto conjunto de

técnicas de captação, finalização, distribuição, recepção e reprodução de imagens e sons

modifica e potencializa a experiência de ver e fazer televisão.

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Sem esquecer às práticas do dia-a-dia na produção de notícias: o processo produtivo,

desde a captação do acontecimento, passando pela produção, edição até a apresentação,

práticas imprescindíveis para o fazer diário jornalístico. “A noticiabilidade está

diretamente relacionada com os processos de rotinização e estandartização das práticas

produtivas. Logo, trata-se de introduzir práticas produtivas estáveis, numa matéria

prima (os fatos que acontecem no mundo, que é por natureza muito variável e difícil de

prever” (VIZEU, 2000, p. 80).

Apesar de acreditar que o uso das ferramentas digitais pode potencializar a prática

de ver e fazer televisão, não se pode deixar de reforça a importância das principais fases

da produção diária da informação: a captação, a seleção, e a apresentação realizadas

pelos profissionais do jornalismo. É como explica Vizeu (2000, p. 82), que a seleção

das notícias é um processo complexo que se desenvolve ao longo de todo o ciclo de

trabalho, realizado em diferentes etapas, desde as fontes até o redator, editor, e com

motivações que não são todas imediatamente imputáveis à necessidade direta de

escolher as notícias a transmitir. Acredito sim, num processo de fazer

jornalismo/telejornalismo que incorpore às suas práticas produtivas, a participação do

público, sem esquecer as atribuições do profissional como mediador principal da

notícia, notícia como uma forma de ver, entender e perceber a realidade. Para nós, o

jornalista tem a função de mediador, pois seleciona o que vai ser exibido e o que não

será. Por isso, um dos objetivos deste trabalho é apontar alternativas para a

“reconfiguração” da televisão na “Era da Convergência”, através da incorporação à

prática dos profissionais de comunicação, o uso das ferramentas digitais.

Conceito de Convergência

Numa tentativa de definir o fenômeno vamos buscar na pluralidade de vozes as

aparições e esforços para conceituar o termo. No livro Uma História Social da Mídia

(2002), os historiadores Asa Briggs e Peter Burke afirmam que a partir da década de

1980 a convergência foi aplicada ao desenvolvimento tecnológico digital, à integração

de texto, números, imagens, sons e a diversos elementos da mídia. “A palavra

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convergência foi sendo subsequentemente aplicada a organizações e processos, em

especial à junção das indústrias de mídia e telecomunicações. Ela também teve

empregos diversos e abrangentes em relação a sociedades e culturas”. (BRIGS & BURKE,

2002, p. 266).

Breve histórico da palavra Convergência:

Boorstin (1978), no livro “A república da tecnologia” considera que existe uma

‘via expressa da informação’;

A partir de 1980 é utilizada como referência ao conteúdo digital: texto, áudio,

vídeo, imagens, sons;

Que a “tecnologia dilui e dissolve a ideologia”;

Revista Wired apresenta como “supervia expressa”, “Infobahn”, e outros nomes

derivados do pensamento “rodoviário”;

Em 1993 o presidente do USA, Clinton e Al Gorem usavam o termo na política;

Pensava-se originalmente que a mudança para a TV a Cabo geraria mais opções

de conteúdo com a quantidade de canais.

Para Nicholas Negroponte, a definição da palavra convergência estaria aliada a

confluência de tecnologias através da possibilidade de compartilhar a mesma

natureza de código tecnológico – o binário – como língua universal de trânsito

das diferentes modalidades sonoras, textuais e visuais. “Como bits são bits, duas

consequencias fundamentais e imediatas poderão ser observadas quando todos

os meios de comunicação forem digitais” (NEGROPONTE, 1995, p. 23).

Para outros autores, convergência seria um fenômeno mais complexo que

relacionaria as esferas tecnológica, empresarial, profissional, narrativa, social e

política. Alguns autores relacionam convergência como sistema, outros como

um processo, que consiste numa superação de estágios anteriores, não negando

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os que vieram antes, mas colocando-os numa perspectiva de convergência

propriamente dita, de acumulação de antigas e novas experiências. (JENKINS,

2001).

Como se vê, a palavra “convergência” foi empregada de diversas formas e

abrangências e em relação a sociedades e culturas, inclusive na sociedade e cultura

britânicas já na década de 1930: D. L. LeMahieu, no livro A Culture for Democracy

(1988) escreveu um capítulo intitulado “Visão e som: estudos de convergência”. Jeremy

Black escolheu “Convergência” como parte do título do seu livro Convergence or

Divergence, Britain and the Continent (1994), sobre a Grã-Bretanha e a Europa e

Boorstin, em seu livro The Republic of Technology (1978), usou a palavra num sentido

mais amplo – “a tendência de tudo se tornar igual a tudo”. Como se vê a discussão

sobre o conceito de “convergência” é antiga, mas a sua ampla significação e

entendimento continuam muito atuais. Para Briggs e Burke (2020), à medida que a

sociedade se tornava mais “móvel”, e eles citam que Boorstin pode ter pensado no

transporte rodoviário da época. Dizia-se que as sociedades e culturas diferentes, que

haviam começado suas jornadas históricas separadamente, estavam viajando juntas na

mesma via expressa da informação.

Durante a década de 1960, o desenvolvimento de tecnologias para suprir esses serviços ainda estava em estágio experimental de laboratório, embora a teoria estivesse bem avançada, e mesmo durante a década de 1980, um período crítico, quando a gama de possibilidades começou a ser apreciada, ainda não havia certeza sobre que tipo de tecnologia teria sucesso. Parecia provável, mas não certo, que a tecnologia digital iria prevalecer na maioria dos ramos das comunicações, se não em todos. Ainda não existia o verbo “digitalizar”. (BRIGGS E BURKE, 2002, p. 267)

2. O modelo de produção colaborativa no conteúdo dos telejornais

“Nenhum de nós pode saber tudo, cada um de nós sabe alguma coisa; e podemos

juntar as peças, se associarmos nossos recursos e unirmos nossas habilidades”

(JENKINS, 2008, p.28). O autor deixa clara a noção de que a participação de cada um

dos cidadãos no processo de emissão de informação pode ser uma forma de

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potencialização da produção de conteúdo no processo diário das rotinas jornalísticas e

telejornalísticas. Mesmo concordando com o autor que a participação do

público/telespectador potencializa o conteúdo do jornalismo/telejornalismo, é bom

esclarecer que em nossa opinião, a participação do público não substitui o papel do

jornalista como mediador. É função sim dos profissionais de jornalismo a mediação dos

fatos. Acreditamos que nenhuma colaboração, por mais enriquecedora que seja, pode

substituir a participação do jornalista que seleciona e escolhe a mensagem. É como

afirma Lorenzo Gomis: La actividade profesional de los periodistas em los medios consiste em uma interpretación sucessiva de la realidad social. Tal interpretación resulta posible gracias a la redución de la realidad a hechos que puedan comunicarse como noticias. Estas noticias, ampliadas por medio de reportajes y crônicas e comentadas em artículos, editoriales y debates radiados o televisados, forman la imagen cambiante de la realidad de que se serve el público para estar enterado, comentarla e intervir en ella y de que se sirven los mismos actores y protagonistas de lãs acciones sociales para lo mismo. Los médios actúam de este modo como mediadores generalizados. Esta es su función social. (GOMIS, 1991, p. 175)

Por isso, quando afirmamos no início do texto, a necessidade de uma

“reconfiguração” do jornalismo/telejornalismo, não estamos abandonando uma das

funções mais importantes da profissão: o jornalismo como um método de interpretação

sucessiva da realidade social. “Tal interpretación resulta posible gracias a la reducción

de la realidad a hechos que puedan comunicarse como noticias” (GOMIS, 1991, p. 203).

A edição do Jornal Nacional, do dia seis de abril, que detalharemos no decorrer

deste texto, deixa bem clara a hipótese de como o jornalismo/telejornalismo ganham

com a participação do público. Será que não seria oportuno incluir na pauta dos

profissionais de comunicação a colaboração deste público/telespectador? Lemos (2007)

afirma que as diversas manifestações socioculturais contemporâneas mostram que o que

está em jogo com o excesso e a circulação virótica de informação nada mais é do que a

emergência de vozes e discursos, anteriormente reprimidos pela edição a informação

pelos mass media e que a nova dinâmica técnico-social da cibercultura instaura uma

novidade radical na história da humanidade: “pela primeira vez, qualquer indivíduo

pode, emitir e receber informações em tempo real, sob diversos formatos e modulações,

para qualquer lugar do planeta e alterar, adicionar e colaborar com pedaços de

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informação criados por outros” (LEMOS, 2007, p.). É visível que uma nova relação

entre as tecnologias e a sociabilidade proporciona uma mudança no comportamento do

telespectador/usuário, alterando os processos de comunicação, de produção, de criação e

de circulação de bens e serviços. Lemos chama a experiência desta nova configuração

cultural de “ciber-cultura-remix”, que segundo ele se caracterizada por três “leis”

fundadoras: a liberação do pólo de emissão, o princípio de conexão em rede e a

reconfiguração de formatos midiáticos e práticas sociais. Neste artigo não vamos entrar

em maiores detalhes sobre a cultura remix, mas vale destacar a modificação na

paisagem comunicacional e social, na emergência de novas formas de consumo cultural

e de novas práticas sociais.

A cibercultura tem criado o que se vem chamando de “citizen media”, ou “mídia cidadão”, onde cada usuário é estimulado a produzir, distribuir e reciclar conteúdos digitais, sejam eles textos literários, protestos políticos, matérias jornalísticas, emissões sonoras, filmes caseiros, fotos ou música. Os “citizen media” são pessoas que colocam “their versions of events through images and video taken on mobiles or eyewitness accounts on blogs. The in-ternet is giving people a voice, to self-publish, and to rapidly share what you say in ways never quite possible before.” Acontecimentos recentes como os Tsunamis, e os atentados em Londres mostraram a força desses “cidadãos digitais” (LEMOS, 2005, p. 7-9).

São esses cidadãos digitais que operam agora numa nova estrutura que Lemos

denomina de “cultura pós-massiva”, das redes, sites, blogs, troca de fotos, vídeos e

música. As novas tecnologias de comunicação estão favorecendo mudanças de hábitos e

novos costumes. Explica Lemos (2007), um movimento de recombinação cultural em

um território eletrônico em crescimento planetário:

A cibercultura instaura assim uma estrutura midiática ímpar (com funções massivas e pós-massivas) na história da humanidade onde, pela primeira vez, qualquer indivíduo pode produzir e publicar informação em tempo real, sob diversos formatos e modulações, adicionar e colaborar em rede com outros, reconfigurando a indústria cultural. (LEMOS, 2007, p.35-48)

Henry Jenkins, no livro Cultura da Convergência, alerta para a importância da

circulação de conteúdos, por meio de diferentes sistemas midiáticos, e destaca a

participação ativa dos consumidores: “A convergência representa uma transformação

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cultural, à medida que consumidores são incentivados a procurar novas informações e

fazer conexões em meio a conteúdos midiáticos dispersos” (JENKINS, 2008, p. 28).

Nos exemplos utilizados deste artigo, o consumidor/telespectador/público, com uma

câmera digital, filmadora ou celular, apreendeu a imagem, registrou o acontecimento e

capturou flagrantes numa escala infinitamente maior que as equipes de telejornais da

TV Globo espalhadas pela Região Metropolitana do Rio de Janeiro e interior do estado

de Pernambuco. A importância das inúmeras imagens recebidas pelos Portais G1 e PE

360º Graus e exibidas nos dois telejornais mudaram o antigo “padrão global” de se fazer

telejornalismo. Despertaram discussões e debates entre os profissionais sobre questões

como convergência, potencialização pela digitalização, tecnologia e interatividade. Por

isso sentimos aqui a necessidade de se voltar um pouco no tempo e discutir alguns

destes termos em seus contextos históricos e sociais.

3. O surgimento do “cidadão digital” Só em 1993, a digitalização começou a ficar corriqueira. A palavra

“interatividade”, segundo Asa Briggs e Peter Burke, era usada não apenas em

relação à televisão, mas a muitos instrumentos utilizados em lojas, museus e salas de

aula.

Para um biógrafo participante dos “arquitetos da rede”, Robert H. Reid, a interatividade na televisão era o “estratagema final da Grande Convergência ainda no início da década de 1990. Ela traria o vídeo por assinatura em grande escala a milhões de pessoas”, sua infra-estrutura seria “interada com sistemas de transações de marketing que pulariam na jugular da indústria biliardária de catálogo”. (BRIGGS E BURKE, 2002, p.267).

Os historiadores citam ainda as ideias do intelectual e diretor do British Film

Institute Anthony Smith quando ele afirma que as novas tecnologias tornariam possíveis

opções individuais mais ricas sobre o que ver e ouvir e de quando vir e ouvir. Para ele

as minorias passariam a ganhar influência quando somadas, sem levar em conta suas

fronteiras. “Se essa escolha seria verdadeira ou benéfica, este era o tema de discussão, já

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que tanto ouvintes quanto espectadores passaram a ser vistos como “clientes”. (O

mesmo ocorreu com os “cidadãos”.)” (BRIGGS E BURKE, 2002, p. 267).

É neste ponto que este trabalho ressalta a importância destes “cidadãos digitais” que

estão ajudando a construir os jornais/telejornais de hoje. Público, telespectador? Não

importa. São homens e mulheres que estão participando, colaborando. Enviando

imagens de lugares aonde as equipes de telejornalismo não conseguem chegar. Nos 39

minutos e doze segundos da edição do dia seis de abril de 2010, do Jornal Nacional, nos

cinco blocos que compõem o telejornal, a participação dos telespectadores se fez

presente. Isto também ocorreu, em menor proporção, o número de imagens utilizadas

foi bem menor, no telejornal local de Pernambuco, que tem duração de 14 minutos. No

texto em “off” da segunda reportagem, do primeiro bloco do Jornal Nacional, podia se

ouvir na voz do apresentador Willian Bonner: “fotos e vídeos foram enviados por

moradores”. Na passagem do 1º Bloco o apresentador continuava: “desde o início da

chuva, ontem à tarde, o Portal de jornalismo das Organizações Globo na internet

recebeu muitos vídeos enviados pelo público. No G1, os cidadãos mostraram cenas

assustadoras, muito antes que as equipes de reportagem pudessem chegar àqueles locais

exatamente por causa das águas que bloqueavam os acessos”. “São flagrantes

capturados por celulares, câmeras digitais, que retratam o caos e o desespero que

tomaram conta da Região Metropolitana do Rio de Janeiro”, reforçava desta vez, a

apresentadora Fátima Bernardes. Nos cinco blocos que compõe o Jornal Nacional foram

utilizadas imagens enviadas pela população. (Ver Figuras: 1,2 e 3).

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(Figura 1: logomarca do Portal G1, exibida na edição do dia 06/04/2010, no jornal Nacional)

(Figura 2: imagem enviada pelo telespectador do Rio de Janeiro e exibida na edição do dia 06/04/2010,

no Jornal Nacional)

(Figura 4: imagem enviada pelo telespectador do Rio de Janeiro e exibida no dia 06/04/2010, no Jornal

Nacional)

Em pelo menos três edições do NETV 2ª Edição, dos dias 17, 18 e 19 de junho, as

imagens enviadas pelo público foram veiculadas. O Portal PE 360ª Graus recebeu entre

os dias 17 e 19, 186 imagens, entre vídeos e fotos, enviados pelos moradores das

cidades atingidas pelas enchentes em Pernambuco. Ver (Figura 4).

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(Figura 4: imagem enviada pelo telespectador de Pernambuco e exibida no dia 18/06/2010, NETV – 2ª

Edição)

4. Considerações sobre as novas relações entre tecnologia e sociabilidade

No livro A vida digital (1995), Negroponte já apontava mudanças radicais nos meios de comunicação de massa, prevendo que eles seriam redefinidos por sistemas de transmissão e recepção de informação personalizada. Para ele, a era digital estaria determinada por quatro características muito poderosas: a descentralização, a globalização, a harmonização e a capacitação.

Do mesmo como o hipertexto remove as barreiras das páginas impressas, a era da pós-informação vai remover as barreiras da geografia. A vida digital exigirá cada vez menos que você esteja num determinado lugar em determinada hora e a transmissão do próprio lugar vai começar a se transformar em realidade. (NEGROPONTE, 1995, p.159)

A nossa hipótese é que as possibilidades de uma experiência nova de fazer e ver

televisão, seja um telejornal ou um programa de entretenimento, passam

necessariamente pela utilização dos recursos permitidos pelas ferramentas digitais. “A

era digital não é apenas a era da modernidade, do futuro. Ao contrário. O digital

configura a era em que o tempo deixa de existir”. (CANNITO, 2010, p.78). O tempo,

entendido aqui, como empecilho, dificuldade, barreira. O velho torna-se novo, as

imagens antigas são recuperadas e eternizadas, as imagens produzidas de agora em

diante poderão existir para sempre. (CANNITO, 2010, p. 78).

A mídia digital abre novos caminhos. Novas possibilidades de participação e

produção de conteúdo. A convergência remodela tudo: uma imagem produzida

originalmente para o cinema pode, com a tecnologia digital, ser exibida também no

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celular. “Não há mais sentido em separar as mídias, tudo é conteúdo digital e pode ser

convertido em suportes diferentes” (CANNITO, 2010, p.44).

As possibilidades de ampliar o conteúdo que não foi produzido pelos jornalistas, à

possibilidade de incluir imagens que não foram captadas pelas equipes de reportagem,

podem mudar, no nosso entender, as rotinas diárias de produção dentro das redações. O

especialista na fabricação da notícia, o jornalista, começa a criar novos hábitos de

apuração que incluem a participação do telespectador. Imagens novas são inseridas,

novos olhares, ângulos e abordagens serão possíveis com a colaboração do público.

Mudam também os enquadramentos, os olhos do público/telespectador “reconfiguram”

e modificam velhos padrões.

5. Concluindo

Apostar nestes recursos e nestas novas possibilidades, proporcionados pelas mídias

digitais, possibilita cada vez mais a participação e/ou colaboração do

público/telespectador. Participação que acredito ainda em fase quase experimental e

muito aquém da sua verdadeira potencialidade. Homens e mulheres podem contribuir

muito mais e de forma muito mais direta no processo de produção da notícia, como já

dissemos, não substituindo o profissional de jornalismos, mas participando para o

enriquecimento do conteúdo jornalístico de forma menos superficial. As poucas

iniciativas deste tipo de participação, incentivadas pelas emissoras, como por exemplo o

quadro “Bola Murcha e Bola Cheia”, que pertence ao programa Fantástico - revista

eletrônica semanal da TV Globo, que une jornalismo e entretenimento – veicula

imagens de jogos de futebol enviadas por telespectadores, onde são escolhidos os lances

que mostram

Boas jogadas ou péssimas jogadas durante qualquer partida de futebol, no meu entender,

são apenas táticas comerciais de atrair um público cada vez maior. Quando falo de

participação destaco ser a verdadeira contribuição do telespectador os exemplos

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demonstrados nos dois telejornais citados neste texto. É deste tipo de

contribuição/participação que acredito ser possível para o enriquecimento do conteúdo

do jornalismo/telejornalismo. Contar com a informação enviada pelo “cidadão digital”

seja ela em forma de texto, áudio ou vídeo, potencializa, no nosso entendimento, a

experiência de ver e fazer televisão, aproximando o telespectador dos profissionais

responsáveis pela produção da notícia. Não descartando as habilidades do

especialista/jornalista em selecionar e escolher os fatos, imagens e informações

relevantes que devam merecer ser exibidas. Como deixa claro Vizeu (2000), esses

valores notícias vão definir quais os acontecimentos que são suficientemente

interessantes, significativos e relevantes para serem transformados em notícias. “São as

diferentes relações e combinações que se dão entre diferentes valores/notícias, que vão

determinar a seleção de um fato. Outro aspecto a ser levado em conta é que os

valores/notícia são critérios de relevância espalhados ao longo de todo o processo de

produção. Ou seja, desde a captação até a apresentação da notícia” (VIZEU, 2000, p.

80).

As novas tecnologias propiciarão a participação cada vez maior do público, na

produção, captação e apresentação da notícia. O novo profissional de

jornalismo/telejornalismo terá que se adaptar a mudança. O conteúdo produzido tornará

a televisão ainda mais televisão: televisão como experiência coletiva e dialógica.

Televisão como a mais social das mídias, como aquele objeto luminoso no qual as

pessoas sentam em volta para conversar, comentar e ouvir histórias.

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