Artigo Sacadas e Varandas- 1

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  • VARANDAS NAS MORADIAS BRASILEIRAS: do perodo de colonizao a meados do sculo XX

    BRANDO, Helena Cmara Lac (1); MARTINS, Angela Maria Moreira (2)

    (1) Arquiteta e Urbanista, Mestre e Doutoranda em Cincias em Arquitetura pelo PROARQ / FAU / UFRJ, professora substituta do Departamento de Histria e Teoria da Faculdade de Arquitetura e

    Urbanismo da UFRJ no perodo de maro de 2005 a dezembro de 2006.

    (e-mail: [email protected])

    (2) Arquiteta e Urbanista, Doutora em Planejamento Urbano pela Universit de Paris X, com Ps-Doutorado em Turismo e Desenvolvimento pela Universit de Paris I, professora e pesquisadora

    do curso de Mestrado e Doutorado do PROARQ /FAU / UFRJ.

    (e-mail: [email protected])

    RESUMO Esse trabalho faz parte de uma pesquisa mais ampla sobre o valor da varanda em habitaes multifamiliares contemporneas brasileiras. Pesquisa esta que tem como objetivo investigar o significado que esse espao arquitetnico tem na casa, contribuindo para o estudo da evoluo do conceito de moradia no Brasil e, conseqentemente, para a compreenso da sociedade brasileira. Com esse propsito e com a inteno de iniciar a discusso acima relatada, o presente artigo levanta o emprego da varanda nas casas brasileiras e apresenta o histrico desse elemento arquitetnico, desde o perodo de colonizao do territrio at a modernidade vigente em incio e meados do sculo XX, dando nfase a constante presena da varanda e as funes que ela possui de acordo com cada poca. Atravs disso, o texto identifica o que esse estudo entende por varanda, visto que essa terminologia aplicada a espaos arquitetnicos de morfologias distintas, onde o mesmo termo constantemente utilizado como sinnimo de alpendre e de balco, entre muitos outros. Diferenas essas que do mais de uma conotao para a mesma palavra e que muitas vezes so resultados da funo desse elemento nos diversos perodos da histria, de acordo com o contexto de cada momento.

    ABSTRACT This work is a part of a research more ample about the porchs valor in Brazilian contemporary habitation for more than one family. Research this that has as objective investigate the meaning that this architectural space has in the house, contributing to the study of the house concept evolution in Brazil and, so that, to the Brazilian society comprehension. With this purpose, and with the intention of initiate the discussion above related, the present paper raises the use of the porch in the Brazilian house and shows the historic of this architectural element, since the colonization period of the territory until the modernity in existence in the beginning and middle of the twenty century, giving emphasis to the constant presence of the porch and the functions that it has according to each epoch. Through this, the text identifies what this study understands to porch, seeing that this terminology is applied to architectural space of different shapes, where the same term is usually utilized as synonymy of veranda and balcony, among many others. Differences theses that give more than one connotation to the same word and that many times are results of the function of this element in the different periods of the history, according as the context of each moment. PALAVRAS-CHAVE: varanda, moradia brasileira, histria, arquitetura.

  • 2INTRODUO A investigao sobre o emprego da varanda nas moradias brasileiras desde o perodo colonial at meados do sculo XX desenvolvida por esse artigo atravs de uma abordagem histrica que, alm de averiguar sua constante presena nas habitaes do brasileiro, visa identificar as funes que este ambiente comporta no espao da casa ao longo do tempo.

    Contudo, antes de procurar na histria se a varanda ou no uma caracterstica permanente da arquitetura domstica do Brasil, interessante observar a unidade tipolgica da arquitetura domstica brasileira, o que possibilita a pesquisa atravs de alguns exemplares arquitetnicos.

    Na opinio de autores consagrados, constata-se que as moradias brasileiras apresentam poucas variaes tipolgicas, desde as primeiras construes erguidas no perodo colonial, que vai do descobrimento no sculo XVI at incio do sculo XIX. Realidade esta interpretada como uma mesmice a partir do relato de Vauthier1 de quem viu uma casa brasileira, viu quase todas (1943, p.143).

    Mesmo sendo apenas parte do territrio brasileiro a amostra desse engenheiro e arquiteto francs para sustentar o argumento de que as casas no Brasil so todas iguais, mais precisamente, o trecho que vai do Cabo de So Roque, no litoral norte do Rio Grande do Norte, at o Rio de Janeiro, por considerar este o verdadeiro Brasil moderno, o que tem leis e costumes, o que marcha ativamente na senda da civilizao (1943, p.129), a unidade da arquitetura domstica brasileira consenso entre diversos pesquisadores.

    Na leitura de outros autores como Jos Wasth Rodrigues2, Nestor Goulart3 e Carlos Lemos4, entre outros, encontra-se, novamente, observaes sobre essa unidade das casas brasileiras que permanecem na poca do imprio e da repblica, podendo ser constatada mesmo no incio da verticalizao da arquitetura no comeo do sculo XX.

    Interessante (o estudo das casas antigas no Brasil) pelas caractersticas permanentes dessa casa, principalmente pela unidade do seu aspecto em todo o territrio e pela imutabilidade, atravs do tempo, dos princpios que prescindiram sua construo, fenmeno esse comparvel pela semelhana (tendo em vista a extenso territorial) ao da lngua e ao da religio. [...] manteve, a casa, o seu carter, a sua fisionomia, enquanto no perturbados pela ocorrncia de elementos estranhos em certas regies e a partir de certas pocas; incidente natural e inevitvel (RODRIGUES, 1945, p.159).

    Aunidade da arquitetura domstica brasileira, no meio urbano, explicada por Nestor Goulart (1987) a partir dos lotes que eram, na sua grande maioria, todos iguais, com caractersticas limitadoras especficas, como suas dimenses, inalteradas at meados do sculo XIX. Terrenos iguais, onde so construdas casas todas iguais que mais tarde cedero lugar para edifcios de apartamentos, tambm, sem muitas diferenas entre si. Para Nestor um trao caracterstico da arquitetura urbana a relao que a prende ao tipo de lote em que est implantada (1987, p.16).

    Outra explicao tambm dada pelo autor e que compartilhada por outros estudiosos para a invarivel tipolgica da moradia brasileira so os regulamentos edilcios que comearam a vigorar no sculo XVIII, restringindo a liberdade de composio aos construtores da poca.

    1 Vauthier, Louis Lger engenheiro e arquiteto francs, formado pela Escola Politcnica de Paris, que viveu no Brasil na cidade de Recife, Pernambuco, entre 1840 e 1846. Vauthier registrou sua experincia no Brasil em um dirio, publicado pelo SPHAN - Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (atualmente IPHAN - Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional) em 1940, o qual nunca foi publicado na Frana. Na sua lngua natal, Vauthier teve publicado quatro cartas remetidas a pedidos para o arquiteto Cesar Daly, diretor da Reuve Gnrale de Larchiteture et ds Travax Publics, revista tcnica de pblico reduzido, as quais eram intituladas Casas de Residncia no Brasil. Tais cartas, quase to inditas quanto seu dirio, foram traduzidas por Vera de Melo Franco de Andrade e publicadas pelo SPHAN em 1943, com introduo e notas de Gilberto Freyre. 2 Rodrigues, J. W. artista nascido na cidade So Paulo em 1891 e falecido em 1957. Alm de pintor, Rodrigues tambm se dedicou a estudos histricos, principalmente no campo da arquitetura, onde registrou, com seus desenhos e textos, a memria arquitetnica de vrias cidades brasileiras. Simpatizante do movimento neocolonial, Rodrigues tambm foi conselheiro do SPHAN. 3 Reis Filho, Nestor Goulart formado em cincias sociais e em arquitetura e urbanismo pela USP, professor titular (livre-docncia) do Departamento de Histria da Arquitetura e Esttica do Projeto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de So Paulo. 4 Lemos, Carlos Alberto Cerqueira formado em arquitetura pela Universidade Mackenzie, professor titular (livre docncia) aposentado do Departamento de Histria da Arquitetura e Esttica do Projeto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de So Paulo.

  • 3No meio rural, a constncia encontrada na tipologia das moradias explicada pela repetio de solues encontradas para a adaptao dos portugueses no territrio brasileiro. Partidos convenientes para o clima tropical e para a defesa das habitaes, uma isolada das outras, que eram aplicados com pouca variao. As casas portuguesas, por sinal, no eram, tambm, muito diferentes entre si, o que leva ao raciocnio de que a falta de variedade tipolgica j vinha de Portugal, no sendo, propriamente uma realidade s do Brasil.

    Independente do motivo, o que importa aqui para esse estudo verificar que se h uma unidade na linguagem formal das arquiteturas residenciais de cada poca, isso acontece porque h uma persistncia no emprego dos elementos compositivos que formam tal linguagem, como, no caso, a varanda. Indicativo de ser este um espao importante e repleto de significados para as moradias brasileiras.

    VARANDAS E AS DIVERSAS TERMINOLOGIAS DE UM MESMO AMBIENTE A varanda est presente na bibliografia pesquisada como, tambm, nos exemplos iconogrficos disponveis, onde sua ausncia marcada mais pela diferena de terminologia empregada do que, propriamente, pela inexistncia desse espao na casa. Encontra-se, frequentemente, como sinnimo de varanda os termos alpendre, latada, sacada, balco, galeria, corredor e at sala de jantar.

    Luis Saia5 (1939) faz referncia varanda a partir de dois termos: latada e alpendre. O primeiro termo diz respeito a uma pea formada por quatro esteios6 e uma cobertura de galhos e folhas encostada na edificao, mas sem participar da estrutura da mesma (fig.1). O segundo, alpendre, se difere do primeiro por ser resultado do prolongamento do telhado, sendo, ento, sua cobertura de uma s gua ou de tacania7 (fig.2). A sustentao do alpendre tambm feita por esteios, podendo ser, no entanto, por alvenaria, porm seu piso diferente da latada, sendo o mesmo sobre o qual se assenta a edificao. Para Saia, o alpendre sempre um elemento que se situa na frente da casa, podendo anteceder a construo ou estar embutido no corpo da fachada (fig.5).

    Fig.1: esquema da casa nordestina com presena de latada e alpendre

    Fig.2: esquema da casa nordestina com presena de alpendre de uma s gua (a esquerda) e de tacania (a direita)

    5 Saia, Luis - diretor do escritrio de So Paulo do SPHAN de 1937 at sua morte, em 1975, foi um importante pesquisador da habitao paulista e teve seus escritos reunidos, em 1972, no livro Morada Paulista. 6 Pea vertical de madeira, pedra ou ferro que serve como sustentao. 7 gua do telhado de superfcie triangular entre os espiges do madeiramento.

  • 4Os termos sacada e balco (fig.3) comeam a aparecer somente a partir do final do sculo XVII, quando surgem os primeiros ncleos urbanos. Caractersticos das casas urbanas assobradadas do sculo XVIII e XIX, os dois termos so frequentemente usados por Debret8 e Vauthier, duas personalidades francesas oitocentistas e que viveram no Brasil em regies e em pocas distintas, mas que deixaram em texto ou em ilustraes o registro daquele perodo.

    Fig.3: esquemas de sacadas das casas assobradadas

    Vauthier tambm utiliza o termo galeria, mais precisamente quando se refere a espaos avarandados fechados por muxarabi ou gelosia que lembravam as galerias mourescas (fig.4). Ele, assim como Debret, no deixava de empregar o termo varanda para designar tais ambientes.

    Contudo, a palavra varanda mais corrente nos textos de Gilberto Freyre9, Paulo Santos10, J. W. Rodrigues e Nestour Goulart, que a utilizam, indiscriminadamente, para designar o alpendre, sendo este elevado ou no, na frente da construo, como acesso casa, ou nas suas laterais e fundos.

    Fig.4: exemplos de fechamentos em muxarabi e galerias mourescas

    Normalmente utilizadas como sinnimo, essas duas palavras, alpendre e varanda, na opinio de Lemos (1996) expressam funes distintas. Para Lemos o alpendre um telhado que se prolonga para fora da parede mestra da casa e que apoiado em suas extremidade por colunas, tendo uma funo precpua fazer sombra construo, evitando que se acumule na alvenaria o calor do sol, refrescando, assim, os interiores (p.27 e 28). J a varanda um refrescante local de lazer, de estar da famlia, seja alpendrada ou no (p.30).

    Desta forma, Lemos contraria a opinio de Luis Saia, afirmando que o alpendre verdadeiro no necessariamente, precisa estar na frente da edificao e sim estar vinculado a proteo climtica da arquitetura, considerando a orientao do sol. Um alpendre pode vir a ser uma varanda (visto que este pode ser um espao aprazvel e de convvio da famlia), mas nem toda a varanda alpendrada (1996, p.30), isto , oferece uma adequao da construo ao clima da regio.

    8 Debret, Jean Baptiste (1768 -1848) - pintor e desenhista francs, membro da Misso Francesa que chegou ao Brasil em 1816. Viveu no Rio de janeiro, regressando Frana em 1831, onde publicou, em Paris, Viagem Pitoresca e Histrica ao Brasil, uma srie de gravuras sobre aspectos, paisagens e costumes do pas. 9 Freyre, Gilberto (1900-1987) - escritor e socilogo que muito contribuiu com suas obras para a histria da formao da sociedade brasileira. Autor de Casa Grande & Senzala e de Sobrados e Mocambos, entre outros, recebeu homenagens de universidades da Europa e dos EUA. 10 Santos, Paulo - Engenheiro-arquiteto formado na Escola Nacional de Belas Artes em 1926, foi um dos principais estudiosos da arquitetura luso-brasileira. Escreveu cerca de 20 livros, alm de artigos especializados e como membro efetivo do Conselho Consultivo do IPHAN de 1955 a 1980, foi relator de 28 processos de tombamento de bens imveis e de conjuntos arquitetnicos de cidades como Olinda (PE) e Serro (MG).

  • 5Mesmo quando alpendrada, isto , formada pelo prolongamento do telhado, a varanda no um alpendre, pois assim s seria se sua orientao levasse em considerao a irradiao solar.

    Alm disso, h o caso da varanda que Lemos chama de entalada (fig.5) que nada mais do que a varanda embutida no corpo da fachada, muito comum nas residncias paulistas na poca dos bandeirantes e que era chamada de corredor. Eis aqui outro termo tambm utilizado para designar varanda, corredor, por esta, muitas vezes, desempenhar uma funo distribuidora.

    Fig.5: esquema da casa paulista com presena de varanda entalada

    Na opinio de Lemos, a varanda entalada nada mais do que umcmodo da construo simplesmente desprovido de sua parede externa [...] (que) nada tem a ver com o calor ou com o sol (1996, p.29), no podendo jamais ser chamada de alpendre, como assim faz Luis Saia (1939), atravs de seus exemplos iconogrficos.

    A definio de varanda, dada por Carlos Lemos, chama ateno para outra terminologia que tambm empregada como varanda: sala de jantar, lugar de reunio da famlia. O autor afirma que a sala de jantar uma evoluo da varanda que com o passar do tempo foi se fechando.

    A sala de jantar, propriamente dita, ou mais precisamente a copa, corresponde varanda voltada para os fundos do terreno, elemento de ligao da casa com a cozinha que se situa junto ao quintal (fig.6).

    Fig.6: esquema de sobrado colonial com sacada na frente e varanda voltada para fundo do quintal

    Como se no fossem suficientes os termos sala de jantar, alpendre, latada, sacada, balco, galeria e corredor j comentados aqui, ainda se encontram para se referir a varanda, o terrao e o eirado, mesmo que raramente empregados. Talvez por j no pertencerem fachada da edificao e sim cobertura da mesma, trazendo caractersticas no s morfolgicas, mas tipologicamente distintas, que certamente remete a outros usos e apropriaes. Razes pelas quais esses dois termos no sero aqui explorados.

    Nesse momento, entretanto, no cabe discutir, dentro dos termos apresentados, quais os que so mais propcios varanda ou no. O que para esse trabalho importa constatar que a casa brasileira, na sua unidade em todo territrio nacional, apresenta, tambm, uma unidade na oferta de um espao que no nem interno nem externo edificao, que no pblico nem privado, mais considerado como espao de transio, de ligao entre a casa e a rua, duas esferas de ao social que constituem uma oposio bsica (DA MATTA, 1997, p.15). Espao este que aqui ser sempre chamado de varanda.

  • 6VARANDAS E SUA ASSIMILAO PELA CASA BRASILEIRA Nas leituras de textos sobre a casa brasileira, vrios termos so encontrados para se referir a varanda, porm, se h uma pluralidade de terminologias a serem aplicadas h, no caso, um relativo consenso em relao a sua origem, o de que a varanda um elemento resultante de um processo de aculturao.

    A varanda, trazida pelos portugueses, tem origem na cultura moura, j assimilada por Portugal devido ao tempo em que este foi ocupado pelos povos do norte da frica, e na cultura asitica que chega ao Brasil atravs das navegaes portuguesas.

    Carlos Lemos (1996), mesmo fazendo distino entre os dois termos, fala que tanto os alpendres como as varandas tm origem no oriente. O alpendre era uma pea do bangal, casa rural da ndia que tinha como propriedade oferecer proteo climtica. O termo varanda aparece em registros de Vasco da gama como sendo uma palavra oriental para designar um local de permanncia aprazvel.

    A influncia moura, a que todos os autores fazem meno, diz respeito mais ao fechamento em gelosia e muxarabi (fig. 7) que remetem as galerias mourescas citadas por Vauthier, como j comentado neste trabalho, e que j tinham sido incorporadas na arquitetura portuguesa.

    Fig.7: exemplos de sacada fechada com muxarabi

    Debret (1940) fala da influncia moura na arquitetura portuguesa no s pelo domnio desse povo na regio Ibrica que ali se mantiveram durante cerca de 700 anos, mas, tambm, pelo aproveitamento da mo de obra moura que l permaneceu depois da expulso e que fora aproveitada na construo. Debret diz que as mesmas mos que construram as mesquitas, construram as igrejas (p.259).

    O autor que bem demonstra a relao das galerias mourescas com as varandas no Brasil, no chega, em seus registros, a mencionar a origem asitica. Pelo contrrio, lana a varanda numa outra relao. Quando fala das varandas nas casas de chcaras brasileiras, comenta que notvel sua analogia com os mouros na frica e muito mais ainda com as casas antigas de Pompia (e a defini como) galeria, entrada da casa protyrum dos antigos, o que significa: na frente das portas (1940, p.260).

    Essa referncia de Debret arquitetura de Pompia singular e deve-se, acima de qualquer outro argumento, s escavaes que datam de 1748 que trouxeram das cinzas essa antiga cidade Romana e que, junto com outras descobertas, como comenta Paulo Santos (1981), revivem a Antiguidade, impulsionando o movimento neoclssico, do qual fazia parte o francs Debret.

    Mesmo sem gozar da opinio dos outros autores, Debret levanta com essa analogia arquitetura italiana, especificamente a de Pompia, situada perto do Mediterrneo e de clima subtropical, uma questo que unmine entre os demais crticos, a de que a varanda resultado de uma adequao climtica da arquitetura portuguesa construda no Brasil. Produo que respeitou judiciosamente, as exigncias do clima e dos materiais existentes no pas (1940, p.259).

  • 7Os estudiosos de arquitetura sempre encontram nas regies meridionais [...] o uso de um abrigo colocado do lado externo das habitaes: a galeria mouresca, a logia italiana e a varanda brasileira aqui representada. muito natural que com uma temperatura que atinge s vezes 45 de calor, sob um sol insuportvel durante seis a oito meses no ano, o brasileiro tenha adotado a varanda nas suas construes; por isso encontra-se, embora muito simplesmente construda, at nas habitaes mais pobres (DEBRET, 1940, p.141 e 142).

    Essa adaptao ao meio destacada por Debret tambm abordada por Gilberto Freyre (1943) quando comenta a semelhana encontrada nos registros feitos por Debret e Vauthier, apesar das diferenas de poca e de regio existentes nos dois relatos, visto ter Debret habitado no sudeste brasileiro no incio do sculo XIX e Vauthier no nordeste, a partir de meados do mesmo sculo.

    [...] (apesar das diferenas) muito mais fortes se apresentam as semelhanas entre as duas expresses arquitetnicas do mesmo tipo de patriarcado e das mesmas tendncias da colonizao portuguesa do Brasil no sentido de adaptao do meio americano e tropical de tradies e tcnicas portuguesas de casa e de construo. Tcnicas e tradies enriquecidas pelo contato lusitano com o mouro e com o extremo oriente. V-se, por exemplo, que nas casas de campo desenvolveu-se no sul, como no norte, aquela continuidade de uma varanda (FREYRE, 1943, P.102).

    Pela funo de adequao climtica da casa portuguesa em territrio tropical, as varandas no so simplesmente elementos de origem moura e asitica trazida por Portugal, mas, tambm, elementos brasileiros. Brasileiros por terem sido reinventados aqui entre ns desde os primeiros momentos (LEMOS, 1996, p.27, grifo da autora) e tambm por sua ampla disseminao por todo Brasil.

    O sincretismo da varanda, desta maneira, se torna ainda maior, pois se soma s influncias j mencionadas a dos povos indgenas que no Brasil habitavam. Segundo Lemos (1996), o alpendre brasileiro, pois, apesar de ter referncia com o bangal indiano, uma adaptao da casa portuguesa ao clima do Brasil. J a varanda, elemento que para o autor pode ser alpendrado, mas que no comporta a mesma funo do alpendre, brasileira por entrar na casa a partir da influncia da oca dos ndios nativos.

    Na opinio do autor, a casa brasileira comea em terras lusitanas (1996, p.11), mas, apesar de seguirem o padro portugus, a semelhana s externa, pois o funcionamento diferente, tendo maior relao com as habitaes indgenas.

    A casa, em regio de baixa temperatura, sempre teve ligao com o fogo, pois ambos possuam a mesma atribuio, a de reunir as pessoas, a famlia. O fogo que rene a famlia nos primrdios da humanidade, onde o abrigo era a caverna, a casa lugar privilegiado, onde se reuni em volta de um fogo que permite se aquecer e se preparar as refeies (e que) ser sempre chamada foyer, ncleo da famlia (FREY, 2003, p.190, traduo da autora). Foyer palavra francesa cuja traduo lareira ou lugar da lareira, mas que tem a conotao de lar, termo este que em Roma significa a pedra que ascende o lume.

    Neste sentido, as residncias portuguesas operavam em torno do fogo, palavra esta que, assim como o termo fogo, eram empregadas para exprimir casa em Portugal. Essa organizao tpica de clima frio no , contudo, coerente em terras tropicais, onde a necessidade de aquecimento bem menor.

    De acordo com Lemos (1996), a casa portuguesa, quando implantada no Brasil, expulsa para o lado de fora o preparo das refeies, apropriando os costumes indgenas. A cozinha, ento, torna-se um apndice da construo e ligada a esta por meio de uma varanda. Lugar agradvel onde, como comenta o autor, a famlia se rene e que mais tarde dar origem a sala de jantar ou a copa, como j comentado anteriormente.

    Da o posicionamento de Lemos de que a varanda brasileira , tambm, resultado da influncia que exerce o modo de vida indgena nos portugueses recm chegados.

  • 8Apesar de a varanda ser apontada, entre os autores aqui apresentados, como um processo de miscigenao que inclui a oca dos ndios nativos apenas por Lemos, a opinio que se mostra mais isolada entre os pesquisadores a de Luis Saia (1939) que atribui a origem dos alpendres Baslica Crist-primitiva, devido ao Adro de tais arquiteturas religiosas ser alpendrado (fig.8).

    A est uma boa razo para se pensar na hiptese de uma tradio que teria vindo para o Brasil j plenamente desenvolvida, e se teria infiltrado, tanto aqui como na pennsula Ibrica, nas zonas rurais. [...] a escolha do exemplo da baslica, serve para indicar um fato que me parece de extrema importncia para o estudo do alpendre [...]: o acesso ao templo proibido (SAIA, 1939, p.240).

    Fig.8: esquema de baslica com adro alpendrado

    Templo este que tanto o religioso, como o da casa, proibido s pessoas estranhas, sendo a varanda, ou no caso, o alpendre, limite de acesso casa para o visitante da rua e, para a mulher da casa, limite de exposio para a rua.

    No templo religioso, o adro alpendrado era o local dos pecadores, dos que ainda no haviam se convertido para adentrar na presena do Senhor, no templo da casa, a varanda ou o alpendre, era lugar dos estranhos, dos que no tinham intimidade suficiente para participar do convvio da famlia, principalmente, o da mulher, como sempre chama a ateno Gilberto Freyre.

    Paulo Santos (1981) reverencia a opinio de Saia quando faz meno aos estudos do autor no momento em que, a partir dos desenhos de Debret, descreve as cerimnias religiosas realizadas nos oratrios das casas de chcara. Cerimnias estas que eram assistidas pelos escravos do lado de fora, mais precisamente, na varanda.

    Contudo, Carlos Lemos (1996), se coloca totalmente contrrio a tal associao feita por Saia do alpendre brasileiro com a baslica Crist-primitiva. Alm do fato do adro alpendrado da construo religiosa no est vinculado proteo climtica do edifcio, condio sine qua non para Lemos na definio de alpendre, as baslicas Crist-primitivas, para exercerem influncia na arquitetura luso-brasileira, deveriam, antes, influenciar as moradias portuguesas. Fato este que, na opinio de Carlos Lemos, no acontece.

    A varanda alpendrada no ocorre na arquitetura residencial de Portugal. As casas portuguesas que apresentam o alpendre so posteriores, ou pelo menos contemporneas, s casas alpendradas do Brasil. O que poderia demonstrar, segundo o autor, ser o alpendre uma influncia brasileira na habitao de Portugal e no o contrrio.

    O que comum na arquitetura domstica da regio Ibrica,diz Lemos, o que ele chama de varanda entalada, j descrita aqui neste texto e que no corresponde associao de Saia. A relao da varanda com o adro alpendrado da baslica pela condio de filtro dos que se aproximam da arquitetura bem coerente, porm, relacionar sua origem com a construo religiosa crist-primitiva algo realmente questionvel.

    Independente dos caminhos traados pela varanda para compor a casa brasileira, o que importa observar que ela resultado de uma aculturao, um processo de assimilao de usos e costumes e, como tal, se difundiu por todo territrio nacional e, se Luis Saia e Carlos Lemos discordam em relao a sua origem, numa questo h concordncia, a de que em arquitetura, quando um costume entra em mestiamento e, se acontece de, ainda que por acaso, estar ligado a determinado detalhe de construo, este o acompanha sempre, levando consigo as solues tcnicas que lhe so prprias (SAIA, 1993, p.235), isto porque o ato de morar uma manifestao de carter cultural e enquanto as tcnicas construtivas o os materiais variam com o progresso, o habitar um espao, alm de manter vnculos com a modernidade, tambm est relacionado com os usos e costumes tradicionais da sociedade (LEMOS, 1996, p.8).

  • 9AS VARANDAS NAS MORADIAS BRASILEIRAS DO SCULO XVI AO SCULO XVIII: O PERODO COLONIAL A varanda de origem moura e asitica chega ao Brasil atravs dos portugueses e logo se difunde por todo territrio brasileiro. Elemento prprio para adequao climtica das construes portuguesas em terras tropicais, a varanda apresenta sintonia com o modo de vida dos nativos, expresso na Oca, habitao dos ndios, e que assimilado pelos primeiros colonizadores por se mostrar mais coerente com a realidade em que eles se encontram.

    Empregada como recurso de adaptao ao meio, contudo, a varanda vai adquirindo certos usos e acumulando funes. Alm de elemento de proteo climtica, como mencionado, a varanda das primeiras casas rurais no perodo colonial tambm atuava como espao de descanso, de convvio, de posto de viglia e de filtro da casa, separando a esfera pblica da privada.

    Na condio de amenizar o calor, a varanda era o local de descanso, o lugar onde se tinha por hbito tomar a fresca, pois, no campo principalmente, as peas do andar trreo no passam de grandes alcovas fechadas [...]. a que durante o silencioso descanso depois do jantar, abrigado dos raios do sol, o brasileiro se abandona (DEBRET, 140, p.142) (fig.9).

    Fig.9: ilustrao de Debret que mostra atividades realizadas na varanda

    Por ser um local agradvel, sombreado e ventilado, a varanda desempenha a funo de convcio e passa a ser o espao de reunio da famlia, o lugar das brincadeiras das crianas, do contato com os escravos (FREYRE, 1964) e de se acolher o visitante. Lemos (1996), no seu estudo sobre a casa brasileira fala que a hospitalidade tpica do brasileiro nasce com a necessidade de hospedar o viajante, devido a distancia entre uma construo e outra na zona rural do Brasil colonial, o que tornava o pernoite uma prtica comum e essencial. Mesmo quando havia o quarto de hspede, este no se voltada para a privacidade da casa e sim para a varanda.

    Contudo, como saber se todo o visitante de paz. A varanda ganha, ento, a atribuio de posto de viglia, com o intuito de resguardar a casa e, consequentemente, a famlia. Isoladas umas das outras, como chama ateno Lemos (1996), as moradias necessitavam de um espao onde se pudesse observar o viajante que delas se aproximavam. Avistar e receber o desconhecido, estranho seno de todo, pelo menos da intimidade do lar.

    Nesse ambiente restrito da famlia, o visitante era barrado. O acesso desse se limitava varanda que, desta forma, funcionava como filtro, como local de transio entre o pblico e o privado. Funo essa que pode ser constatada , nas construes onde a capela se ligava a casa pela varanda; espao de onde se assistia os cultos religiosos quando no se era da famlia, como comentado anteriormente.

  • 10Ambiente importante para o funcionamento da casa dentro do sistema patriarcal (FREYRE, 1964), a varanda acaba se tornando tradio scio-cultural, elemento praticamente constante na casa luso-brasileira que aparece nas primeiras habitaes nas zonas rurais, e que permanece quando surgem os primeiros ncleos urbanos.

    Podiam ser as casas rsticas de pau cruzado de barro do incio da colonizao, casas de taipa de mo ou de taipa de pilo dos primeiros engenhos do ciclo da cana, casas de pedra irregular ligada com argamassa dos arraiais que ganham maior impulso no ciclo da minerao, na regio de Minas Gerais. Independente do sistema construtivo e da conjuntura da poca, a casa do Brasil colonial at o sculo XVIII, segundo Rodrigues (1945), sempre apresentam as mesmas caractersticas: paredes lisas, vos bem distribudos, telhados simples e varanda.

    No incio, diz o autor, nada se tem de muito representativo, apenas casebres, casas modestas, abrigos dos primeiros desbravadores que exploravam o territrio recm descoberto, mas que j apresentavam a varanda. Ela aparecia tanto na frente da casa quanto nos fundos, ligando esta com a cozinha, local de preparo dos alimentos que, a exemplo da oca indgena, como j comentado, se fazia fora da casa, em outro recinto.

    S durante a produo agrcola aucareira, no ento sculo XVII, se pode falar dos engenhos, significativamente. Arquiteturas onde, segundo Lemos, todas possuem, verdade, uma varanda ou um alpendre (1996, p.25), comentrio que ele completa dizendo que no s os remanescentes coloniais antigos, como a pequena iconografia disponvel mostram, sistematicamente, nossas sedes de fazenda portando a tal varanda (1996, p. 29).

    At ento, as construes eram rurais com a presena de alguns vilarejos que iam se formando em torno daquela economia canavieira. Os primeiros ncleos urbanos, todavia, s se constituem com a descoberta de diamantes e ouro j quase no sculo XVIII, perodo de desenvolvimento da construo civil e do surgimento das primeiras legislaes edilcias, fixadas nas cartas rgias e posturas municipais. Leis que regulavam as dimenses, aberturas e gabaritos em busca de uma padronizao que garantisse uma aparncia portuguesa.

    Padro esse tambm mantido, como mencionado anteriormente, pelo tipo de loteamento que predominava em todo o territrio e que restringia as solues do partido arquitetnico da casa urbana.

    No meio urbano, os terrenos eram, sucessivamente, de frente estreita e de longa profundidade, sendo chamados por Nestor Goulart (1987) de lotes charutos. Consequentemente, as construes ali implantadas ficavam impossibilitadas de terem aberturas nas laterais, voltando estas para a frente ou para o fundo dos terrenos. As paredes laterais, cegas, se situavam sobre os limites do terreno, assim como a fachada da frente (fig. 10).

    Fig.10: esquema da casa colonial implantada em lote charuto

    Tal implantao e configurao da casa urbana vo determinar diferenas significativas no emprego e, consequentemente, no uso da varanda no meio rural para o meio urbano.

    Nas casas estreitas inseridas nos lotes charutos, a varanda na frente da construo se perde. Nos relatos e na iconografia disponvel das casas trreas urbanas, as varandas que se mantm so as do fundo de terreno, aquela que Lemos (1996) diz ser o comeo da sala de jantar, retendo a funo de adequao climtica, de acordo com a orientao solar, e de rea de convcio da famlia.

  • 11Diferena essa onde a causa se encontra mais pela limitao do tipo de lote do que por outro motivo. Explicao que pode ser averiguada quando a varanda na frete da construo ressurge, ainda no sculo XVIII, como sacada, balco ou mesmo como galeria elevada nos sobrados (fig.11); construes com mais de um pavimento que recebem esse nome por corresponder ao aproveitamento da parte que sobra da casa e que pertenciam, normalmente, a classes mais abastadas da sociedade.

    Fig.11: ilustrao de Vauthier de um sobrado com galeria fechada entre duas casas trreas

    A funo filtrante se perde neste tipo de edificao urbana, devido verticalizao da sua posio. A filtragem do acesso privacidade da casa agora se d pela sala de estar que mais desempenha papel de sala de receber, receber e barrar o estranho. Questionvel tambm a possibilidade de proteo climtica, no caso das sacadas e dos balces, em virtude de suas caractersticas formais.

    No entanto, continua no meio urbano, mesmo com as construes mais prximas umas das outras e, por isso, menos vulnerveis, o sentido de posto de viglia como o de transio, seno fsica, visual entre o pblico e o privado, visto ser esse o local que expe o morador com a rua sem, contudo, o lanar para fora do seu ambiente domstico.

    Rua por assim dizer, pois, como define Nestor Goulart, esta um trao de unio entre conjuntos de prdios (1987, p.24) que se colocam sobre o alinhamento das vias pblicas. Em termos tambm a exposio, na sacada ou nas varandas, da intimidade do habitante da casa, pois fechados eram esses espaos com muxarabi e gelosia.

    Nas casas de estilo antigo, o fechamento exterior das janelas [...] so folhas duplas de rtulas [...]. Essa disposio encontrada ainda nas janelas dos andares superiores, quando estas no se abrem sobre a sacada ou a varanda antiga (VAUTHIER, 1943, p.170).

    Depoimento de Vauthier, demonstrando que no sculo XVIII, mesmo nas casas urbanas, as varandas eram comuns, fato este que tambm poder ser constatado com as palavras de Rodrigues.

    Por toda parte, em casas trreas rurais, engenhos ou fazendas, observa-se ampla varanda na frente, com colunas ou pilastras de alvenaria ou esteios de madeira, toda aberta, ou tendo no eixo a escadaria, e de um lado a capela ou um cmodo a fech-la. Nas assobradadas: alpendre na frente, sobre pilastras com grades de madeira recortada. Casas urbanas com amplas varandas no primeiro andar e em toda a extenso da fachada, com peitoril de alvenaria ou de tbuas, ou de torneados, no so raras (RODRIGUES, 1945, p.173).

    Realmente, no perodo colonial, o espao da varanda existente nas casas rurais no deixa de ser visto nas construes domsticas do meio urbano. Ela muda sua morfologia, mudanas que, de algum modo, afetam seu uso, mas, mesmo assim, se faz presente.

  • 12AS VARANDAS NAS MORADIAS BRASILEIRAS DO SCULO XIX: OS PRIMEIROS SINAIS DA MODERNIDADE

    No final do sculo XVIII e incio do sculo XIX, a arquitetura domstica brasileira, principalmente a do meio urbano, sofrer profundas modificaes com a transferncia da famlia real para o Brasil e a elevao da ento colnia categoria de Reino Unido a Portugal e Algarves.

    Transformaes que se tornam ainda mais relevantes com a chegada na cidade do Rio de Janeiro, da Misso Artstica Francesa em 1816, fato que afetar o campo da arquitetura e at mesmo do urbanismo. Como destaca Gilberto Freyre, uma espcie de revoluo francesa: a do sistema e dos mtodos de construo, a dos estilos e gostos de habitao e dos prprios hbitos brasileiros de vida domstica (1943, p.110) que propaga os primeiros sinais da modernidade.

    O espao da varanda logo impactado por essa realidade moderna que, no campo da arquitetura , para Lemos (1996), construir segundo o critrio da corte. Critrio este que primeiro afeta as casas urbanas, mas que depois se difunde por todo o territrio brasileiro, influenciando, tambm, a moradia rural.

    Um ano aps a famlia real aportar no Brasil, exatamente em 1809, os muxarabis, as gelosias e trelias que vestiam as varandas e sacadas que, para a sensibilidade dos dias presentes, so bonitas, tiveram que ser retiradas dos sobrados (SANTOS, 1981, p.32) por determinao de D. Joo VI ao desembargador Paulo Fernandes Vianna, ento intendente geral da polcia11, que ficou encarregado de limpar a cidade, eliminando, principalmente, aqueles citados guarnecimentos mouriscos (LEMOS, 1996, p.46).

    Fechamentos de influencia moura que envergonhavam a coroa portuguesa, mas que refletiam os hbitos dos brasileiros e que, por isso, resistiram por mais algum tempo, mesmo com a ordem do prncipe regente, sendo preciso um acesso de clera imperial para ativar o desaparecimento das rtulas [...] e em breve um decreto da Cmara Municipal deu a esse desejo fora de lei (VAUTHIER, 1943, p.174).

    Vauthier fala que depois da atitude que D. Pedro I tomou a esse respeito, as varandas no conservaram mais seno um painel inteirio altura do parapeito e, s vezes, os marcos e as peas transversais que emolduravam os caixilhos gradeados (1943, p.174).

    Os relatos desse engenheiro e arquiteto francs para quem Gilberto Freyre d direito a lugar seguro na bibliografia no apenas tcnica, porm crtica e mesmo sociolgica [...] sobre a arte de construo (1943, p.100), reforam a opinio de Lemos que, dentro da unidade da casa portuguesa, h, a partir do sculo XIX, duas modalidades. Uma que representa as construes j existentes, que ele chama de tradicional, e outra correspondendo ao padro da corte que vai em direo do estilo neoclssico, com a vinda da Misso francesa.

    Edificaes modernas que alm de civilizarem as cidades com a retirada das influncias mouras, tambm desfrutam de novos materiais oriundos ou proliferados pela revoluo industrial condizente com o modo de vida do oitocentos. O vidro plano e transparente, que se torna mais acessvel com a industrializao, substitui os escuros, janelas de tbua de madeira que vedavam as fachadas tanto nas casas urbanas como nas moradias rurais.

    As casas comeam a ser invadidas pela luz do sol que, a princpio, atravessa as paredes com o uso do vidro nas aberturas laterais e que mais tarde, no meio urbano, vai penetrar pelas coberturas com o emprego dos lanternins e das clarabias. Soluo de iluminao e ventilao zenital nas construes urbanas mal arejadas e iluminadas dos lotes charutos. A alcova caracterstica da moradia do brasileiro estava com seus dias contados (fig.12).

    11 Nesta poca, sobre as construes, tinham jurisdio as casas de obra junto com a polcia.

  • 13

    Fig.12: corte esquemtico de um sobrado colonial, retratando as alcovas no centro da habitao

    Essas modificaes que alteram a linguagem da arquitetura domstica brasileira, tanto nos centros urbanos como na zona rural, eram higienizadoras. Rybczynski (1996) diz ser durante o sculo XVIII que o conforto passa a ser visto como uma cincia e que a Europa se preocupa em iluminar e, principalmente, ventilar seus ambientes empreguinados das cinzas das lareiras.

    Contudo, as alteraes formais tambm indicavam uma outra mudana no modo de vida dos brasileiros. A janela, na arquitetura [...] o olho pelo qual o edifcio-gente olha e espia para fora (JORGE, 1995, p.9), janela no sentido de abertura, podendo ser, no caso, a varanda.

    A chegada da corte no Brasil marca o incio de um novo hbito na vida domstica, o de receber. Agora no apenas o viajante que pernoita na varanda, mas o vizinho que, mesmo de maneira restrita, entra na casa e se senta na sala.

    A ausncia dos muxarabis indica pessoas que querem ver e serem vistas, apontando uma nova atitude, principalmente em relao mulher.

    Foi na chcara, atravs do palanque e do caramancho ou do recanto de muro debruada para a estrada, e foi no sobrado, atravs da varanda, do postigo, da janela dando para a rua, que se realizou mais depressa a desorientao da vida da mulher [...]. A varanda e o caramancho marcam uma das vitrias da mulher sobre o cime sexual do homem e uma das transigncias do sistema patriarcal com a cidade antipatriarcal (FREYRE, 1968, p.154).

    Diferente das construes rurais, as casas urbanas se aproximam umas das outras e todas das igrejas, dos teatros e da rua (FREYRE, 1968, p.154) que agora comea a ser calada, aparecendo os primeiros passeios junto aos edifcios.

    Ainda nos lotes charutos, um novo tipo de residncia urbana implantado, apresentando composio simtrica das aberturas da fachada, um poro alto, por vezes habitvel, e sacadas (VAUTHIER, 1943) de pouco largura, com peitoril de ferro, compostas com platibanda de 15 a 20 cm de espessura, encaixadas na alvenaria e sustentadas pela pedra. Sacadas estas a que Vauthier remete a responsabilidade, assim como Freyre, da exposio feminina.

    As sacadas das fachadas constituem indcios mais fortes ainda da invaso do esprito moderno. [...] uma inveno [...] que estimula a vaidade feminina a expor aos olhos dos transeuntes. No tempo do velho rei12 [...] as fachadas, em vez de sacadas, traziam varandas [...] eram como rostos mascarados, por entre os quais os transeuntes circulavam (VAUTHIER, 1943, p. 173).

    A varanda, na primeira metade do sculo XIX, acumula, assim, as mesmas funes da varanda no perodo colonial, com uma sutil, porm importante diferena, promovida pelas mudanas no modo de vida da populao. Sem os fechamentos mouros, a varanda, sacada ou balco no so somente postos de viglia, mas tambm postos de exposio.

    Entretanto, a partir de meados do sculo XIX que vo ocorrer mudanas mais intensas. O Brasil, nesta poca j se encontra no seu segundo reinado. A abolio e o incio da imigrao afetam diretamente o funcionamento da casa, dependente desde sempre da mo de obra escrava. 12 No tempo do velho rei - expresso usada no Brasil do sculo XIX que, como coloca o autor, corresponde em francs a bon vieux temps (bons velhos tempos).

  • 14A industrializao, que j oferecia novos materiais, oferta tambm o aprimoramento das tcnicas construtivas. As casas, servidas de gua e esgoto, libertam seus tigres13. Agora existem os banheiros, ou melhor, as salas de banho.

    Nessa habitao moderna para a poca, as guas pluviais no precisam ser despejadas na via pblica, elas podem ser recolhidas por calhas que se escondem atrs das platibandas. Novo regulamento que marca uma outra poca para a cidade.

    As construes cada vez mais utilizam materiais industrializados e importados, encomendados por catlogos. As varandas, todavia, continuam presentes, sendo nas casa rurais, nas chcaras ou nos sobrados urbanos.

    Na zona rural, a arquitetura do caf apresenta diferenas em relao casa grande dos engenhos de acar. No pavimento superior, o alpendre elevado s vezes, segundo Saia, no oferece acesso pelo lado de fora, ligado apenas a peas internas da residncia: quartos, salas, etc. (1939, p.245).

    Registro esse que mostra que h no campo exemplos onde a varanda se verticaliza, perdendo, assim como na cidade, sua condio de filtro e permitindo a recepo do visitante no ambiente criado para isso, a sala de visita.

    As casas de chcara que Paulo Santos descreve como sendo casas avarandadas (que) teriam, provavelmente, decorrido das casas de engenho (1981, p.37) eram cada vez mais comuns, servindo com uma alternativa para as classes mais abastadas entre a vida rural e a vida, sempre tumultuada, das cidades. Debret, nas primeiras dcadas do sculo XIX, j havia mencionado em seus registros a pequena chcara. [...] habitaes rurais que so, em geral, simplesmente trreas e que tem comumente [...] varandas (1940, p. 260), ambiente que Santos (1981) afirma ser a parte mais caracterstica dessas habitaes (fig. 13).

    Fig.13: ilustrao de Debret da casa de chcara, intitulada: casa de campo

    Nas reas urbanas, as sacadas continuam presentes nos sobrados que, apesar da platibanda que esconde o telhado e do interior iluminado, continua com a mesma distribuio interna, a qual inclui a varanda voltada para o quintal.

    Surge, entretanto, nas cidades, uma nova implantao que exige a modificao dos cdigos municipais que, segundo Nestor Goulart (1987), ainda vigoravam dentro do urbanismo colonial. Implantao esta que possibilitada por novos tipos de loteamentos e que vai acarretar uma nova tipologia de varanda.

    Situadas em terrenos de dimenses mais proporcionais que apresentavam uma frente bem maior, as construes vo possuir afastamento lateral, normalmente s de um dos lados, onde havia com vasta freqncia, um jardim particular; demonstrao da importncia cada vez maior dada ao arejamento e iluminao (fig. 14).

    13 Tigres Barris onde, antigamente, se transportavam, para despejo, as fezes humanas, podendo tambm significar os escravos que faziam esse transporte.

  • 15

    Fig.14: residncia em Taubat, So Paulo, exemplo da nova implantao com jardins e entrada laterais

    A varanda alpendrada que havia desaparecido das casas urbanas assobradadas, implantadas nos lotes charutos, reaparece nessa nova tipologia de casa. Nas fachadas desaparecem os balces; as salas abriam-se por meio de janelas, com peitoris de alvenaria mais estreitos que a parede (REIS FILHO, 1987, p.162). Nas laterais, contudo, ligando o jardim ao nvel da residncia elevada pela existncia do poro, as varandas retornam, de novo, alpendradas.

    J sentido os reflexos da industrializao e dos avanos tecnolgicos da poca, esse alpendre ressurgi dentro da linguagem da arquitetura do ferro e do vidro. O alpendre lateral das casas urbanas brasileiras da segunda metade do sculo XIX composto, frequentemente, por cobertura de vidro e por esteios de ferros que, na opinio de Nestor Goulart, representam os conjuntos metlicos de maior importncia, nas moradias, [...] importncia funcional, plstica e construtiva que [...] pode ser comprovada por sua variedade e freqncia (1987, p.166).

    Os novos materiais empregados na construo da varanda no implicam, neste caso, na mudana ou na permanncia das suas funes na moradia brasileira, mas sua disposio sim. A volta do alpendre e o surgimento no jardim, ambos na lateral da casa, indicam novos hbitos de morar. Nos momentos de descanso e de contemplao ao jardim, o morador est totalmente exposto, embora que devidamente protegido pelos limites de sua propriedade.

    O lugar dessa exposio eram as varandas onde, segundo Nestor Goulart, desenvolvia-se [...] uma boa parte da vida das residncias no Brasil. [...] Eram locais de conversa, de reunies da famlia, das horas de lazer, [...] das cadeiras de balano (1987, p.166).

    Junto com esse alpendre, retornam, tambm, as funes que varanda desempenhava na casa rural, mas que no tinham sido comportadas pelas sacadas dos sobrados urbanos. Na condio de acesso moradia, ela volta a ter papel de filtro, a funo de barrar e selecionar quem entra na casa, mesmo que tal acesso seja bem menos restrito do que no tempo da colnia.

    Pelas suas caractersticas formais, esta varanda, diferente da sacada e do balco, tambm pode oferecer proteo climtica construo. Um local sombreado que permite o convvio das pessoas, a recepo dos visitantes. A reunio da famlia agora a feita tanto pela varanda junto ao quintal da residncia, espao que liga a casa cozinha, como pela varanda na lateral da casa, junto ao jardim, que permite o morador contemplar e ser contemplado.

    Alis, esta uma das funes da varanda que nunca se perdeu. Pelo contrrio, ao longo do tempo foi se aprimorando, permitindo cada vez maior contato do morador com quem passa na rua.

    Contudo, h uma funo que, seno nova, pelo menos aparece renovada pelos ares de uma sociedade industrial. A funo de corredor, distribuindo os setores da residncia que aparecem cada vez mais organizados e separados por atividades distintas. A industrializao no traz somente novos materiais e tecnologias como as estruturas em ferro, mas tambm a racionalizao na disposio dos ambientes da casa que influncia o modo de habitar.

  • 16Varandas apoiadas em colunas de ferro, com gradis, s quais se chegava por meio de caprichosas escadas com degraus de mrmore [...]. Em inmeros casos, o alpendre de ferro iria funcionar, at certo ponto, como corredor externo. Para ele abririam as portas das salas de visitas e almoo, janelas ou portas de alguns dos quartos e, por vezes, mesmo as portas da cozinha (REIS FILHO, 1987, p.46).

    A varanda de ferro na lateral da casa, por tais motivos, indica a repercusso da revoluo industrial no modo de vida das pessoas. Reflexos da industrializao e da modernidade que chega junto com a famlia real no Brasil, mas que sentida com mais intensidade pelo pas a partir da segunda metade do sculo XIX e que conhecer seu apogeu durante o sculo XX.

    AS VARANDAS NAS MORADIAS BRASILEIRAS DO SCULO XX: O MOVIMENTO MODERNISTA O sculo XX nasce com o legado da industrializao e com a responsabilidade de ser cada vez mais moderno. A sociedade moderna que tem seu incio l no sculo XV, na renascena, v a cincia a levar a tcnica no sculo XIX e esta ao auge da modernidade que aflora no comeo do sculo XX.

    No Brasil, as duas primeiras dcadas desse sculo so marcadas por um perodo de transio que j pode ser observado desde o final do sculo XIX.

    O trabalho no se d mais dentro do ambiente domstico, agora ele est nas fbricas. Mudana imposta pela industrializao que tambm tem reflexos nas atividades de lazer. O servio fabril mostra mais necessidade do que a produo artesanal de higiene mental, de descanso do corpo e da mente, de contato com a natureza e de atividades ao ar livre. Os movimentos poltico-sociais lutam por qualidade de vida com a reduo da jornada de trabalho, o que vai gerar tempo livre, elemento essencial para que se possa falar de lazer (REQUIXA, 1977, p. 25).

    Tempo livre que aproveitado no apenas nos dias de descanso, mas noite, no retorno da lida para a casa, agora iluminada pela luz artificial, adiando o recolher nos aposentos. Junta-se, ento, a possibilidade com a necessidade de lazer, frente ao agravamento da qualidade de vida pela industrializao e a conseqente aglomerao cada vez maior dos centros urbanos.

    Gilberto Freyre fez, em conferncia, o comentrio de que no mundo de hoje, medida que a mquina substitui o homem, a organizao do lazer tornava-se mais importante que a organizao do trabalho (informao verbal, apud REQUIXA, 1977, p.91).

    A casa tambm marcada por esse contexto industrial. Alm dos benefcios j sentidos pela habitao oitocentista, tanto pela higienizao promovida por maior iluminao e ventilao dos ambientes, quanto pelos servios de gua e esgoto, a moradia brasileira do incio do sculo XX mostra um funcionamento muito mais racional.

    A setorizao dos ambientes dentro da tripartio social, ntimo e servio, ilustra a organizao das linhas de produo das fbricas onde a distribuio feita tanto pelo corredor como pelo surgimento de um novo compartimento, o hall.

    Novidade programtica foi a definio de novos critrios de circulao dentro da casa [...] (que) havia de proporcionar total independncia entre as zonas da casa: as reas de estar, repouso e a do servio [...]. Essa exigncia fez surgir uma nova dependncia na casa burguesa, o vestbulo (ou hall), distribuidor dos passos [...], influenciando o planejamento de grande parte das casas da classe mdia. Esta, no entanto, como veremos, no chegou a abdicar muitas vezes da velha varanda, passagem forada a quem quisesse ir cozinha, ao quintal, ao banheiro e at ao dormitrio (LEMOS, 1996, p.52).

    A varanda, durante a segunda metade do sculo XIX, locada nas laterais da casa, alm de ligar o nvel da casa ao jardim, tambm serviam de corredor, para onde se abriam alguns cmodos da casa, como j comentado.

  • 17Essa tipologia atravessa o sculo XIX e continua presente no sculo seguinte, tanto nas casas de estilo ecltico, como nas de revivalismo estilstico, de prefixo neo, como as neocoloniais, que se opunham ao perodo de globalizao da belle epoque, buscando, com manifestaes tradicionais, dar um sentido de brasilidade construo.

    Localizadas na lateral das construes, quando esta se afasta s de um lado do limite lote, ou rodeando toda edificao, quando esta se situa em centro de terreno, as varandas, como na residncia neoclssica, ostentam guarda corpo de ferro batido e um arremate de madeira, conferindo-lhes uma indiscutvel semelhana com os velhos sobrados residncias dos tempos de colnia. Esses traos persistiriam mesmo em edificaes construdas entre 1920 e1930 (REIS FILHO, 1987, p.61).

    A liberdade da arquitetura do lote j completa no final do sculo XIX e incio do sculo XX. Como comenta Nestor Goulart para uso das classes mais abastadas, nos anos seguintes a 1918, surgiram os bairros-jardim, sob a influncia intelectual de [...] esquemas ingleses da cidade-jardim (1987, p.71), proposta urbanstica que visava solucionar os problemas oriundos da industrializao. Nestes bairros, a edificao era obrigatoriamente afastada dos lotes.

    Outra influncia marcante da Inglaterra, nesta poca, nas casas do Brasil a inteno pitoresca, onde a preocupao de domnio sobre a paisagem era [...] uma constante na arquitetura brasileira de quase todo o perodo em que influram os esquemas do ecletismo (REIS FILHO, 1987, p.176). Domnio este revelado na casa ecltica pela existncia dos jardins laterais, j conhecidos do perodo neoclssico, e do jardim de inverno; ambiente fechado com esquadrias de vidro, onde, nas regies de clima quente, localizavam-se ali, normalmente, as varandas de uso familiar (REIS FILHO, 1987, p.76).

    Varandas ou alpendres que nas arquiteturas domsticas neocoloniais eram ambientes de destaque da casa por representarem as construes tradicionais do Brasil.

    Dcadas que se seguem so marcadas, radicalmente, pelo avano tecnolgico. A inveno do concreto armado e do elevador em fins do sculo XIX vo provocar a verticalizao da construo e o novo tipo de habitao: os edifcios de apartamento.

    As varandas j tinham sofrido esse processo por ocasio dos sobrados, onde so encontradas as sacadas e at alpendres elevados, e a verticalizao que se v nos prdios residenciais no extingue esse espao da casa brasileira.

    Nestor Goulart fala que internamente procurava-se por todos os meios, repetir as solues de plantas e saletas e mesmo amplos alpendres, de modo a oferecer aos habitantes uma reproduo de seus ambientes de origem (1987, p.79).

    Havia, no incio, uma resistncia muito grande na aceitao dessa moradia vertical que colocava vrias famlias umas em cima das outras. Habitaes multifamiliares permanentes, at essa poca, se restringiam aos cortios, abrigo das classes menos favorecidas que mais lembravam um Brasil monrquico de 30 e 40 anos atrs do que uma nao moderna e republicana.

    Era preciso construir palacetes que mesmo empoleirados, atrassem os consumidores. Alm disso, h os edifcios de apartamento da dcada de 30 e 40 que eram, muitas vezes, construdos nos antigos lotes charutos onde, antes, existia o sobrado ou mesmo a casa trrea, edificados nos limites do terreno. Fato este determinante dos partidos arquitetnicos que continuavam, como as casas, a ter frente e fundos, fachada e quintal (REIS FILHO, 1987, p.80).

    Contudo, uma mudana pode ser observada. Na frente se v colocado os quartos, onde a privacidade dos aposentos esta protegida pela altura da construo. A iluminao e a ventilao natural, conquista em termos de higiene das antigas alcovas coloniais, que eram feitas pelos lanternins ou pelas clarabias locadas na cobertura, agora podiam ser solucionadas pelas esquadrias de vidro na fachada.

    As dependncias de servio, cozinha, lavanderia e aposento da empregada, estes continuavam para o quintal, os fundos, servindo, muitas vezes, iluminao e ventilao do banheiro da casa. A sala, esta, apesar de voltada para frente, iluminada e ventilada naturalmente apenas por um jardim de inverno, visto sua forma ser recortada para viabilizar a nova disposio dos dormitrios.

  • 18Disposio comumente chamada de planta cachimbo que solucionava o projeto de apartamentos em lotes charutos.

    Esse jardim de inverno, nica ligao da sala com o exterior pode ser visto como uma releitura das varandas laterais que serviam de acesso s casas (fig.15). Nos apartamentos, operando como o jardim de inverno ingls da habitao ecltica, elas esto fechadas, talvez devido aos ventos que so to mais fortes quanto mais alto so os edifcios e, provavelmente, para bloquear o barulho das ruas que se propaga para cima. Entretanto, elas tambm aparecem abertas na sua funo de amenizar o calor e de ligao entre o interior e o exterior, sendo chamadas de balco ou de varanda embutida no corpo da fachada.

    Fig.15: esquema de edifcio com quarto apartamentos por andar, implantado em quatro lotes charutos

    Evidentemente, as solues formais dos prdios de apartamento apresentam uma gama de variaes, mas a quebra da hierarquia das fachadas e o tratamento homogneo de todas as elevaes, tpico da arquitetura modernista, s acontecem em meados do sculo XX, quando o modernismo no Brasil atinge seu pice e quando a legislao edilcia e a oferta de terrenos maiores vo favorecer uma outra implantao.

    A poca que antecede a exploso da arquitetura modernista brasileira marcada por uma intensa industrializao e urbanizao. O perodo em que a segunda grande guerra assola a Europa, na dcada de 40, obriga o pas, dependente dos produtos importados, a se industrializar. Necessidade esta que atinge tambm a construo civil e que promove uma grande evoluo (REIS FILHO, 1987).

    Nos cinco anos em que os conflitos perduraram no velho continente, os Estados Unidos da Amrica e o Brasil se tornaram os expoentes da arquitetura modernista. Porm, a busca de uma brasilidade percebida pela utilizao de elementos e materiais da arquitetura tradicional brasileira, aplicados dentro de uma linguagem moderna.

    Esse emprego no visava preservao do academicismo, a produo neocolonial, nem a recusa de uma expresso modernista. Pelo contrrio, com objetivo de adequao climtica da construo, o uso de materiais e elementos tradicionais era uma resposta funcionalista para as questes de conforto ambiental. Uma viso pragmtica que no anula a preservao, na construo, das tradies scio-culturais.

    o caso das obras de Lcio Costa (fig.16), Eduardo Reidy (fig.17), que mesmo no final da primeira metade do sculo XX, quando o tema era a modernidade, continuavam apresentando as varandas.

    Antiga varanda na lateral da casa

  • 19

    Varandas que aparecem abertas como as do Brasil moderno do sculo XIX, mas que tambm fazem aluso aos muxarabis de origem moura, com o fechamento em cermica vazada. Fato esse que refora a importncia desse ambiente para a cultura brasileira.

    A varanda at meados do sculo XX continua, desta forma, a ser empregada na moradia brasileira. Como as sacadas e balces dos sobrados urbanos ou como o alpendre elevado da casa rural oitocentista, a varanda nos edifcios de apartamento deixa de ser o filtro de acesso a casa, conseqncia da verticalizao.

    Contudo, ela carrega outras funes que permanecem e se renovam. Dependendo da sua configurao formal, a varanda pode ou no atuar como adequao climtica, como local de convvio, descanso e contemplao e, na maioria dos casos, espao de transio entre o pblico e o privado.

    Espao esse que nos prdios residenciais da primeira metade do sculo XX pode ser o do balco embutido no corpo da fachada ou o da varanda em balano, pode ser o espao aberto ou o fechado, mas que persiste, mostrando sua importncia como elemento da tradio scio-cultural.

    CONCLUSO A abordagem histrica das moradias brasileiras mostra que desde o sculo XVI at o sculo XX a varanda se faz presente. Expresso de um Brasil colnia ou de um Brasil moderno, a varanda um ambiente importante na casa. Ela pode aparecer na frente ou nos fundos da construo, no nvel de acesso ou nos pavimentos elevados, fechada ou aberta, alpendrada ou embutida no corpo da fachada, mas est ali, nos diversos tipos de habitao.

    Com diferentes nomes e morfologias, ela tambm desempenha diferentes funes. A varanda, dependendo do seu emprego e da sua forma, instrumento de adequao climtica, posto de viglia, espao de convvio, de descanso, de contemplao, filtro da casa, local de recepo e tambm de distribuio, mas em todos os casos, elemento de tradio scio-cultural que persiste ao longo do tempo. Constatao esta que torna a varanda no apenas um espao, mas um lugar da casa.

    Nessa, ela sempre um ambiente de transio seno fsica, visual, entre o pblico e o privado, entre o espao da casa e o da rua, entre um universo conhecido e domstico e um mundo estranho e arrisco; lugar eminente do encontro com o outro.

    Fig.16 ed. Nova Cintra, Parque Guinle, de autoria de Lcio Costa, Laranjeiras, Rio de janeiro, 1948 - 1954

    Fig.17: conjunto Residencial do Pedregulho de autoria de Affonso Eduardo Reidy, So Cristvo, Rio de Janeiro, 1946 - 1958

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